Uno e versos - Anglo Guarulhos

Transcrição

Uno e versos - Anglo Guarulhos
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Uno e versos
Velhas palavras,
nova língua
O mundo muda, a vida
muda, consequentemente
a língua muda, para dizer,
descrever e explicar
os novos objetos e práticas,
com palavras inventadas,
adaptadas, recombinadas e
emprestadas de outros povos
e tempos. Assim, internauta
vem do nauta grego, que
era marinheiro. O bug inglês
passou a ser mais que
qualquer tipo de inseto:
virou defeito de
funcionamento. Fórum era
a praça central romana onde
se discutiam os assuntos
públicos. Arroba era uma
medida antiga de peso
(15 quilos) e de líquidos
(16 litros). Blog é uma
combinação de “web” (teia)
com “log” (diário de bordo).
Mouse nada mais era do que
um ratinho ou camundongo.
As férias começaram, e a necessidade de descanso levou-me mais
uma vez a um equívoco. A vã tentativa de recuperar tantas horas de
sono com exageros prendeu-me na cama até muito mais tarde, e o
nada que passou na tevê — em todos os canais — parecia realmente interessante.
E cada dia foi passando sem que eu replantasse aquelas mudinhas que dependiam de mim, o banho nos cães, os passeios curtos
em família, o sol bonito nascendo e se pondo, a lua clareando
as noites... Tantas pequenas coisas...
Foi já cansado de tanto evadir-me de mim mesmo que liguei o
computador. Era uma sensação de embriaguez, como a de um
homem que, já distante de si, insiste na “saideira”, na esperança de
que esta o traga de volta à consciência.
Verificando a correspondência, no meio das correntes, de tantas
ofertas e promoções, um lembrete: “Nesta semana, ... de seus amigos fazem aniversário. Escreva para eles”. Nem todos daquela lista
eram meus amigos. Nem todos... Mas havia certamente alguns,
a quem eu gostaria de... “dizer”.
O pretexto do aniversário sempre é perfeito para dizermos às
pessoas que as amamos. Mal escrevia e já recebia a resposta, tudo
com a rapidez que a informática gosta. Fui, então, reencontrando-me com algumas pessoas e reencontrando em mim mesmo uma
maneira... de cuidar da vida.
A vida está em mim, antes de eu poder percebê-la no outro, nos
lugares. É cuidando da minha alma que meu corpo ressentirá dos
cuidados, e é só atingindo o outro que poderemos cuidar juntos da
casa em que vivemos...
Aprender a dizer o que sentimos é conquista da maturidade. Ela,
que nos reaproxima de nossos pais, de nossas origens, de nós mesmos. Ela, que cai sobre nós como a cerração desses dias de inverno
e nos lembra que talvez já tenhamos vivido mais da metade do
tempo que há...
Com palavras e silêncios, com gestos e sorrisos, com ações e
consciência... Nas aulas, nos exemplos, nos livros e nos e-mails, nas
mensagens de celular, no vento!... Não há melhor maneira de cuidar da vida que passa do que cuidar da alma da humanidade espalhada nos nossos próprios corações.
Presas nas formalidades, as palavras mais espontâneas não
podem surgir. Açoitados por “prezados” e “caros”, os irmãos
não podem f luir. Sufocada na incerteza do “o que vão pensar...”,
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Acho que o segredo da vida é este:
dar liga.
Débora Amaro Moreno
SBCampo, SP
Não há como negar que a felicidade
está inexplicavelmente entrelaçada
às felicidades dos outros.
Elinilson Prudente da Silva
Tremembé, SP
Pensando bem, se você me
perguntar como é minha vida,
vou poder te responder que tenho
muitos motivos para querer viver;
acordo com prazer e posso sentir
o calor das pessoas com quem
convivo.
Davi dos Santos Souza Menezes
Valença, RJ
Uma coisa é certa: o homem foi
criado para viver em bandos,
tal como as nuvens originadas
do cachimbo do grande Xamã.
Alexandre Cavalcante Garcia
Rio de Janeiro, RJ
o sentir presente se cala. Sob a ditadura dos fones de ouvido,
as pessoas se esbarram mudas como se se provocassem umas às
outras.
E a vida vai passando diante dos nossos olhos, feito um rio poluído que carrega mágoas e arrependimentos, culpas e mudezas...
“Não disse o quanto eu o amava...”
“Não disse num abraço que eu estava lá...”
“Não disse numa mensagem que minha casa era sua...”
“Não disse que queria sua companhia porque...”
“Não disse...”
“Não... diss...”
“Ssss... ssss... sss... ss...”
A depressão é o câncer que nos vai matando aos poucos. Nossas
crianças deixam de brincar, nossos jovens perdem o melhor da
festa, e nós... bem, nós estamos viciados na confusão. Assumimos o
catastrofismo destes dias com muita facilidade, e até que queremos
crer no fim dos tempos. É mais cômoda a impressão de que o inominável vá nos destruir irremediavelmente: o problema é grande
e complexo demais... e não se resolverá por si, nem ocorrerá com
a rapidez com que nos acostumamos...
Jamais pude imaginar que a frieza de um computador pudesse
me provocar a cuidar da vida, como aconteceu. É porque, na realidade, não foi ele. Foram as pessoas, sempre elas... “O Uno nos versos da multidão”, assim diria Rohden.
Não sei o que farei amanhã — não importa. Talvez nem amanhã haja, mas hoje, agora, tenho planos: há que se replantar aquelas
mudinhas, o banho nos cães, os passeios em família, o sol bonito
nascendo e se pondo, a lua clareando as noites... Tantas pequenas
coisas de cuja falta me ressentirei...
“FUTURO” é o nome que isso tem...
Valter de Moraes
44 anos
Biritiba Mirim, SP
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Acervo Pessoal
Valéria Aparecida Galdino Magalhães
Valter Hakuo Murakami
Vivo em Manhuaçu, Minas Gerais, no dia a dia
na minha casa, na escola e na comunidade, com meus
filhos e trabalhando as questões de lixo no meu bairro.
Adoro a natureza... mato... terra... e sentir o vento
no rosto. Não gosto de barulho excessivo. Sonho
com as pessoas reconhecendo a importância
da natureza, da terra. Sonho com a harmonia
entre o homem e o planeta.
Vive em Pacaembu, São Paulo, e tem 46 anos.
Atualmente encontra-se em reclusão.
Vanessa Maria do Nascimento
Cuido da vida no Sítio Queimadas, com minha mãe,
em Timbaúba, Pernambuco. Adoro pular corda,
não gosto de tristeza e sonho com o mar.
Vivo em Biritiba Mirim, São Paulo, nos lugares onde
podem chegar a minha voz, as palavras que parecem
minhas, minha alma, enfim. Nessa empreitada,
conto com aquilo que a inspiração me sopra.
Vivo com a coragem de devolver para o outro aquilo
que ele me fez sentir. Sou um sentidor visceral que
adora viver por um triz, alguém que oscila entre a treva
e o perdão. Não gosto de quem parece ter tudo
sob controle, porque são os únicos que nada podem
ensinar, já que se recusam a aprender. Sonho
com um tempo em que Deus conseguirá dizer
a todos por meio da... Arte.
Acervo Pessoal
Valter de Moraes
Verissiano Cardoso da Silva
Vive em Marabá Paulista, São Paulo, e tem 34 anos.
Atualmente encontra-se em reclusão.
Victória Martinez Demichei
Vivo no meu dia a dia, com as pessoas que amo,
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Adoro rir
e conversar. Não gosto de hipocrisia e crueldade.
Meu sonho é um futuro agradável pra mim e pro
mundo inteiro, onde todos possam conviver em paz.