A hora do rizo, a hora do susto e a correria na proa

Transcrição

A hora do rizo, a hora do susto e a correria na proa
A hora do rizo, a hora do susto e a correria na proa
Nelson Ferreira Fontoura
03 de setembro de 2007
Antes mesmo de iniciar a construção do Tiza, comecei a estudar o assunto.
Passeando em uma livraria em Seattle, em 1997, encontrei dois livros fantásticos
e com preços muito acessíveis: o Chapman Piloting, a U$ 42,00 e The Annapolis
Book of Seamanship, a meros U$ 38,00. Uma pechincha para livros extensos, em
capa dura e muito bem ilustrados (hoje estão até por menos na Amazon).
De volta ao Brasil iniciei um programa de leituras. Acordava cedo todos os
dias e antes de ir trabalhar lia um pouco dos meus novos tesouros. Em um ano
havia lido os dois, aprendendo muita teoria sobre tudo relacionado à náutica.
Só que, obviamente, conhecer teoria não significa agir corretamente, e
paguei o preço por isto. Não lembro ao certo onde li, mas ficou gravado em minha
mente que a hora certa para rizar* é justamente no primeiro momento que isto
passa pela cabeça.
Pois bem, essa é a história.
Saí com o Tiza para fazer uma amostragem no Arroio Araçá, em um projeto
novo que se iniciava em meu laboratório na PUCRS. A previsão era de ventos do
quadrante sul-sudeste, com velocidades entre 9 e 12 nós: ótimo para navegar
(previsões do CPTEC, Weather Channel e Wind Guru). Como queria chegar
rapidamente ao local de coleta, saí a motor, já que o vento vinha quase na cara.
Foi uma navegada molhada, com direito a respingos no cockpit. A coleta
transcorreu sem problemas, e às duas da tarde iniciamos o retorno.
Agora as coisas eram diferentes, o vento vinha de uma direção favorável,
girando entre leste e sudeste, e não havia compromisso de hora para chegar.
Botei os panos para cima. O vento parecia um pouco forte, embora não
tivesse como medi-lo. Assim, levantei apenas a mestra, no primeiro rizo, por
precaução. Só que o Tiza não andava, de forma que logo passei a navegar com a
mestra a pleno. Mesmo assim o barco mal passava dos quatro nós. Decidi colocar
a staysail: que diferença, o barco ganhou vida e passou a navegar acima dos
cinco nós. Conforme fui mudando gradativamente o rumo, abandonando a Ponta
do Salgado e me dirigindo para a Ponta-Grossa, o Tiza foi acelerando, lambendo
os seis nós. Alguns momentos foram fantásticos, com surfadas emocionantes
onde chegou-se ao nosso recorde de velocidade: 7,9 nós gravados no Trip
Computer do GPS. Nada mal para um 27 pés meio pesadão.
Já passando com a Ponta Grossa pelo través, pude ver que não estava
sozinho no Guaíba: vinha ao longe mais um veleiro navegando no contravento, em
direção ao Tranqüilo. Percebi que o barco navegava com a staysail e a mestra,
onde parecia ser o segundo rizo. Aí, pela primeira vez, passou pela cabeça que eu
também poderia rizar a mestra. Mas a navegada estava tão boa, e eu curtindo a
velocidade...
Mais de perto identifiquei que se tratava do Passatempo, um Bruce Roberts
de aço com 38 pés. O comandante, o Adriano, é muito experiente, já tendo viajado
até Fernando de Noronha, onde participou da REFENO. E ele com a mestra
rizada... De novo pensei que deveria seguir o exemplo. Mas o Tiza não chegava a
andar muito adernado, e segui em frente a pleno. Não demorou muito e entrou
uma rajada, o Tiza adernou bastante e o leme ficou pesado, o barco forçando uma
orça.
A tripulação, inexperiente como de hábito, arregalou os olhos: eu já deveria
ter rizado a mestra faz tempo. Como não sabia se o meu timoneiro improvisado
iria conseguir manter o barco aproado no vento, decidi baixar primeiro o staysail,
que sendo de garruncho, baixaria de qualquer jeito. Quem sabe, apenas reduzindo
a área vélica, o resultado já seria satisfatório. Feita a função, voltei ao meu posto.
Mais uns minutos e nova rajada: o Tiza ainda estava com muito pano. Passei o
timão para um tripulante, liguei o motor, soltei a escota da mestra e pedi para que
ele aproasse no vento. Como não estava muito longe do Jangadeiros, decidi
baixar de vez a mestra, terminando o percurso a motor. Teria sido um final feliz,
não tivesse feito um furinho na mestra, na altura da ponta da cruzeta,
provavelmente feito quando folguei a escota para diminuir a pressão no pano.
Deveria ter rizado antes, com calma, e não no desespero. No dia seguinte, vi que
havia no Popa um aviso de vento forte, expedido pela Capitania para a área Alfa.
No site da NOAA, condições registradas de pouco mais de 25 nós, o dobro do
previsto: tá difícil confiar nas previsões...
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(*)"Rizar" é diminuir a área da vela.