Tartarugas Marinhas do Arvoredo, SC

Transcrição

Tartarugas Marinhas do Arvoredo, SC
Projeto
Tartarugas Marinhas do Arvoredo, SC
O projeto
A implementação de unidades de conservação (UC) como a Reserva Biológica Marinha
(ReBioMar) do Arvoredo tem entre seus principais objetivos a garantia da preservação de espécies
ameaçadas de extinção e a promoção da pesquisa direcionada ao conhecimento destes organismos.
Apesar dos registros da ocorrência de tartaruga-verde (Chelonia mydas) e tartaruga-de-pente
(Eretmochelys imbricata) na área, não existiam estudos sobre as populações destes répteis no local.
Criado em 2004, o projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo surgiu da iniciativa de duas
estudantes do curso de Oceanologia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG),
localizada na cidade de Rio Grande, RS. Hoje oceanólogas, as duas fazem o curso de pósgraduação em Oceanografia Biológica da FURG e desenvolvem suas dissertações de mestrado com
os dados obtidos neste projeto.
Localização da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo
1
Pesquisadoras fundadoras do projeto: Júlia Reisser
(esquerda) e Maíra Proietti (direita)
Quem são as tartarugas marinhas?
As tartarugas marinhas surgiram há 200 milhões de anos atrás e nesta longa história
dividiram os oceanos com uma grande diversidade de répteis marinhos. Apesar de já terem
formado um grupo diverso e amplamente distribuído, as espécies viventes estão na Terra somente
há algumas centenas de milhares de anos e compreendem apenas sete espécies, sendo o litoral
brasileiro utilizado por cinco delas: Caretta caretta (tartaruga-cabeçuda), Chelonia mydas
(tartaruga-verde),
Eretmochelys
imbricata
(tartaruga-de-pente),
Lepidochelys
olivacea
(tartaruga-oliva) e Dermochelys coriacea (tartaruga-de-couro). Estes animais crescem lentamente
e apresentam uma vida longa, se tornando adultos com 20-50 anos. Apresentam ciclos de vida
bem complexos e utilizam uma grande variedade de ecossistemas, compreendendo desde habitats
terrestres, onde ocorre a postura dos ovos e desenvolvimento embrionário, até habitats em águas
costeiras e oceânicas, onde se alimentam, desenvolvem e acasalam.
Machos e fêmeas copulam no mar, a distâncias variáveis da praia de desova. Estudos
genéticos vêm demonstrando que machos copulam com várias fêmeas, assim como fêmeas podem
copular com mais de um macho, armazenando o esperma para fertilizar subseqüentes desovas. As
fêmeas fazem ninhos e depositam os ovos na areia de praias tropicais, em um processo que
geralmente demora de uma a três horas, dependendo do local, espécie e tamanho do animal. Após
o período reprodutivo de alguns meses, as fêmeas retornam às suas áreas de alimentação e
começam a reservar energia para o próximo período reprodutivo, que ocorrerá de poucos a muitos
anos depois. Estudos recentes reforçam a idéia de que as fêmeas desovam na praia onde nasceram,
característica conhecida como “fidelidade à praia de nascimento”. Embora só existam sete espécies
de tartarugas marinhas, a alta diversidade das características de seus ciclos de vida dificulta a
síntese das diferentes e complexas fases de desenvolvimento destes répteis. Após a emergência dos
2
filhotes de seus ninhos e a entrada dos mesmos no mar, estes animais podem apresentar três tipos
básicos de desenvolvimento: todo desenvolvimento em águas costeiras (Tipo 1); primeiros estágios
dos filhotes em alto mar e estágios posteriores na zona costeira (Tipo 2) e desenvolvimento
completo em alto mar (Tipo 3). O Tipo 2 é o mais comumente encontrado, ocorrendo nas espécies
C. caretta, C. mydas, E. imbricata e em L. olivacea no Atlântico oeste e Austrália. Já o Tipo 3 ocorre
nas espécies D. coriacea e em populações de L. olivacea do Pacífico leste.
Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras
tartarugas juvenis
adultos
Idade de primeira reprodução
entre 20-50 anos
Migração
reprodutiva
Machos e fêmeas adultas
Machos adultos
Fêmeas adultas
Retorno às
áreas de
alimentação
Área de alimentação em
alto mar
‘anos perdidos’
Migração para
reprodução com
intervalo entre 2-8
anos
Cópula
Ocorre a distâncias
variáveis da costa
Intervalos de 2
semanas
Praia de desova
Ciclo de vida das tartarugas com o tipo 2 de desenvolvimento.
Adaptado de esquema encontrado em: www.gbrmpa.gov.au
As interações entre estes répteis e a humanidade são antigas. Uma das evidências desta
relação é encontrada na Península Arábica, onde fragmentos de tartarugas marinhas são
comumente encontrados em locais que eram habitados por comunidades de cerca de 7000 anos
atrás. De acordo com a World Conservation Unit (IUCN), todas as espécies de tartarugas marinhas
estão classificadas como ameaçadas ou criticamente ameaçadas de extinção. As tartarugas
marinhas sofrem ameaças antrópicas em todos os estágios de seus ciclos de vida e, evidentemente, a
interferência humana ao longo destes anos é a principal causa da extinção ou drástica redução
populacional de tartarugas marinhas. A maioria dos impactos é uma conseqüência do incremento
3
da exploração das regiões costeira e oceânica e incluem: alterações nas praias de desova; poluição;
derrames de óleo; explosões em alto mar; dragagens; captura incidental em diversas artes de pesca;
coleta de ovos e captura ilegal de tartarugas marinhas para a venda de produtos e utensílios.
Um pouco mais sobre as duas espécies que encontramos no Arvoredo...
Tartaruga-de-pente
(Eretmochelys imbricata)
Tartaruga-verde
(Chelonia mydas)
Tartaruga-verde (C. mydas)
Existem tartarugas-verdes em todos os oceanos do planeta e há uma nítida divisão entre as
populações que vivem nas águas do Atlântico e Mediterrâneo das que vivem nos oceanos Índico e
Pacífico. Indivíduos de C. mydas, quando já são adultos, migram para suas áreas de reprodução,
percorrendo grandes distâncias. No Atlântico, as principais praias de desova encontram-se em
Tortuguero (Costa Rica); Ilha de Ascencion (Reino Unido); Suriname; Islã Aves (Venezuela); Poliao
(Guine Bissau) e Ilha de Trindade (Brasil).
No território brasileiro, desovas desta espécie também são encontradas no Atol das Rocas,
Arquipélago de Fernando de Noronha e esporadicamente ao longo da costa brasileira, ao norte do
Rio de Janeiro. Ao atingirem um comprimento curvilíneo de carapaça entre 20 e 40 cm, as
tartarugas-verdes saem de sua vida em alto mar e migram para áreas de desenvolvimento
costeiras, onde adotam uma alimentação essencialmente herbívora. Este tipo de alimentação é
uma característica peculiar, não sendo encontrada nas outras espécies de tartaruga marinha.
Indivíduos jovens desta espécie podem residir por anos em habitats de desenvolvimento tropicais e
subtropicais. Eles também podem utilizar áreas de alimentação em latitudes temperadas (aprox.
40°), mas o retorno para as áreas mais quentes no inverno é essencial para se evitar temperaturas
extremamente baixas.
Tartarugas-verdes alimentam-se preferencialmente de plantas marinhas (fanerógamas) e,
na ausência destas, as algas se tornam o principal componente da dieta. A escolha do alimento
nesta espécie parece estar relacionada ao valor nutricional e à palatabilidade do tecido vegetal ou
4
algal. A influência da pastagem sobre bancos de fanerógamas marinhas tem sido quantificada,
sendo observadas mudanças na ciclagem de nutrientes e na estrutura do habitat. Embora nunca
quantificado, a pastagem das tartarugas em recifes temperados como os do Arvoredo também
deve ter um efeito na estrutura e abundância de algas marinhas.
Tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata)
As tartarugas-de-pente, quando atingem um comprimento curvilíneo de carapaça entre 20
e 35 cm, deixam sua vida em alto mar para viverem em recifes, que apresentam uma grande
disponibilidade de alimento. Por possuir um belo casco, uma intensa comercialização ilegal de
produtos manufaturados e mais recentemente, de animais inteiros empalhados, fazem com que
esta espécie esteja seriamente ameaçada. E. imbricata é bem menos abundante que C. mydas,
tornando difícil a determinação de suas populações através dos dados disponíveis. Pouquíssimas
colônias de desova são conhecidas e a desova de um só indivíduo é freqüentemente observada, o
que pode estar relacionado com o reduzido tamanho das populações de tartarugas-de-pente.
Esta espécie se alimenta de organismos bentônicos, tais como esponjas, tunicados,
briozoários, moluscos e algas. Sua dieta é determinada por uma combinação entre sua preferência
e disponibilidade do alimento em seu habitat. Pouquíssimas pesquisas têm sido conduzidas para o
estudo do comportamento e utilização dos recifes por tartarugas-de-pente juvenis, como as que
encontramos na Ilha do Arvoredo.
Qual a importância dos estudos desenvolvidos no projeto?
São diversas as razões para se trabalhar em áreas de alimentação e desenvolvimento de
tartarugas marinhas juvenis (que é o caso do Arvoredo): estudos de crescimento, identificação das
populações, dieta, comportamento, relações com outros organismos, detecção de doenças,
estimativas de abundância e identificação de habitats importantes para a espécie. Embora as
tartarugas permaneçam menos de 1% do seu ciclo vital nas praias (como embriões, filhotes e fêmeas
adultas que saem do mar para desovar), cerca de 90% das publicações sobre a biologia destas
espécies são baseadas em estudos realizados em praias de desova. As tartarugas marinhas podem
residir por anos em habitats tropicais e subtropicais, permitindo o desenvolvimento de estudos de
longo prazo nestas áreas. O papel destes animais dentro dos ecossistemas marinhos tem sido pouco
estudado e deve ser abordado como prioritário. Além de permitir um conhecimento da biologia
básica, informações de tartarugas que estão em diferentes fases da vida só são obtidas com o
desenvolvimento de estudos no mar, onde o uso do mergulho se torna uma ferramenta essencial.
Para ecólogos, a capacidade de observar animais em seu habitat natural é fundamental.
Em relação às tartarugas marinhas, o desenvolvimento de sofisticadas técnicas como a telemetria
5
satelital
tem
revolucionado
nossa
compreensão
sobre
o
comportamento
subaquático,
principalmente sobre os padrões de mergulho e migração destes animais. Entretanto, lacunas em
nosso conhecimento continuam existindo, sendo muitas vezes resultado da impossibilidade de se
identificar determinados comportamentos através da aquisição de dados eletrônicos. Assim, estudos
observacionais de tartarugas no ambiente aquático continuam sendo fundamentais para se
conhecer o comportamento destes animais.
O uso de marcadores artificiais são comumente utilizados para o esclarecimento das rotas
migratórias e identificação das populações de tartarugas marinhas. Entretanto, estas marcas
apresentam uma alta taxa de perda, que varia em função de uma série de fatores, tais como área
de estudo, material da marca, posição de aplicação no animal e espécie estudada.
Assim, o desenvolvimento de melhores estudos de dinâmica populacional das tartarugas
marinhas a longo prazo é dependente do desenvolvimento de metodologias alternativas que
permitam o reconhecimento dos animais mesmo depois de muitos anos. Uma possibilidade seria o
desenvolvimento de técnicas de foto-identificação, como a desenvolvida para tartarugas-de-couro
que desovam em St. Croix, Ilhas Virgens.
Quais são os objetivos do trabalho?
O projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo tem como principal objetivo o estudo das
populações de tartarugas marinhas encontradas no Arvoredo. Por apresentar diversas linhas de
pesquisa, apresenta muitos objetivos específicos, dos quais destacam-se:
- investigar aspectos da ecologia alimentar das espécies que residem no local;
- observar e descrever relações ecológicas entre tartarugas marinhas e peixes recifais;
- levantar as principais praias de origem das tartarugas-verdes do Arvoredo;
- monitorar a ocorrência da doença fibropapilomatose em tartarugas-verdes da reserva;
6
Como o projeto é desenvolvido?
O projeto desenvolve expedições ao Arvoredo desde dezembro de 2004. Os pesquisadores
ficam nas instalações da Marinha, localizadas na Ilha do Arvoredo. Durante estas saídas de campo,
mergulhos livres e autônomos são realizados para a observação e captura manual de tartarugas
marinhas.
Expedição dezembro/janeiro 2005 (18 dias)
Equipe (da esquerda para direita): Júlia Reisser, Maíra Proietti, Manuela Barroso, Mathias Van Caspel.
Expedição março 2005 (12 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Júlia Reisser, Maíra Proietti, Theo Moura, Andrea Dalben
Expedição julho 2005 (33 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Júlia Reisser, Tiago Gandra, Diego Maio, Marianna Lanari
7
Expedição janeiro/fevereiro 2006 (39 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Tiago Gandra, Júlia Reisser, Maíra Proietti, Ricardo Costa,
Marianna Lanari
Expedição julho 2006 (21 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Marianna Lanari, Maíra Proietti, Raphael Pinotti, Pablo Mendonça
Expedição fevereiro 2007 (23 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Diego Maio, Charles Salame, Marianna Lanari, Maíra Proietti,
Júlia maio
Reisser2007 (x dias)
Expedição
8
Expedição abril 2007 (7 dias)
Equipe (da esquerda para a direita): Marianna Lanari, Júlia Reisser, Paula Tourinho, Ricardo Costa
Por não possuir financiamento, o custo das saídas de campo é pago pela própria equipe das
expedições realizadas. Os gastos foram reduzidos graças ao apoio cedido pela operadora de
mergulho PatadaCobra que oferece transporte dos pesquisadores até a ilha, auxílio no embarque e
desembarque do material (comida, equipamentos de mergulho e pesquisa), empréstimo e recarga
dos cilindros de mergulhos.
As atividades subaquáticas são desenvolvidas em sete baías no entorno da ilha. Entretanto,
o projeto não tem embarcação própria e por isso, a freqüência de amostragem em cada local
depende da disponibilidade de barcos de apoio para transporte. Assim, a maioria dos mergulhos
ocorre principalmente no Saco do Vidal, baía da frente da casa em que a equipe se instala.
4
Locais amostrados
1 - Saco do Farol
2 - Saco do Vidal
3 - Saco do Engenho
4 – Pedra da Baleia
5 - Rancho Norte
6 - Saco D’água
7 - Saco da Bala
3
5
6
2
1
7
Pontos de amostragem na Ilha do Arvoredo
Antes da realização de cada mergulho são registrados: data, hora, ponto de amostragem,
temperatura da água (°C), visibilidade (em metros) e modalidade do mergulho, ou seja, se é
autônomo (AU) ou livre (apnéia - AP). A visibilidade é medida utilizando-se o seguinte
procedimento: um mergulhador segura a ponta da fita maleável de uma trena, enquanto o outro
se afasta até o ponto em que não enxerga mais seu dupla e, neste momento, a distância entre eles
9
é anotada. Durante o procedimento de procura subaquática, ao se encontrar uma tartaruga
registra-se: a espécie observada; o tipo de comportamento do indivíduo; a profundidade de
ocorrência (em metros); a constituição do fundo (rocha ou areia); o tempo de avistagem (em
minutos), tamanho estimado da tartaruga e possíveis características peculiares do animal. O
comportamento subaquático é classificado em: A (alimentação), N (natação), R (repouso sobre o
fundo) e RA (repouso auxiliado – ocorre quando a tartaruga está descansando debaixo de alguma
estrutura como, por exemplo, as beiradas de uma rocha). Quando a situação é propícia (período
noturno ou comportamento favorável), há a tentativa de se capturar o animal para a coleta de
dados biométricos, marcação, pesagem, registro fotográfico e coleta de tecido para análises
genéticas. Além disso, os animais são examinados quanto à presença de tumores característicos de
fibropapilomatose, hoje considerada a principal doença epidêmica em tartarugas marinhas.
A
C
B
D
E
F
Procedimento pós-captura: transporte do animal (A), registro fotográfico (B) e biométrico
(C), aplicação de marcas de aço inox (D), pesagem (E), contagem de cracas, estimativa de
cobertura de algas e observação de patologias (F)
A marcação das tartarugas marinhas incidentes na ReBioMar do Arvoredo é realizada
graças a um acordo de cooperação técnica firmado com o Projeto TAMAR-IBAMA, que cede
marcadores e alicate apropriados para o desenvolvimento da atividade. Esta instituição também
auxiliou no desenvolvimento deste trabalho através do treinamento das duas pesquisadoras
responsáveis pelo projeto na sede de Fernando de Noronha, PE.
10
Alguns dos resultados já obtidos...
Nas 142 horas de procura subaquática, foram feitas 1140 avistagens (8,03 observações por
hora de procura) e 121 capturas (0,63/h). O tamanho das tartarugas observadas e capturadas
indica que a ilha do Arvoredo abriga somente juvenis das duas espécies. Através de fotoidentificação e marcação, foram reconhecidas onze recapturas, sendo que um dos indivíduos foi
recapturado duas vezes. As recapturas ocorreram no mesmo local da primeira captura,
demonstrando que, além da fidelidade à ilha do Arvoredo, alguns indivíduos podem apresentar
fidelidade a um dado local das baías. Além destas recapturas, um indivíduo marcado em julho de
2006 foi encontrado morto, 140 dias após a marcação, na praia de Palmeiras, em Caraguatatuba
no litoral norte de São Paulo. Algumas características peculiares deste animal indicam que ele não
apresentou um período prolongado de residência na reserva antes de migrar para o norte. As
recapturas evidenciam que a ReBioMar do Arvoredo apresenta tanto animais residentes, como
indivíduos que usam a área apenas para descanso durante migração.
Como as tartarugas se comportam em seu habitat natural?
O comportamento das tartarugas do Arvoredo parece diferir de acordo com a
profundidade do local. Registros de indivíduos repousando sobre o fundo ou por baixo da borda de
rochas foram mais frequentes em locais com profundidade maior que 6 metros. Por outro lado, o
número de indivíduos registrados em atividade alimentar foi maior em locais rasos (menor que 6
metros), indicando que as tartarugas procuram seu alimento nas partes rasas da baía. Além disso, o
comportamento parece diferir ao longo do dia, sendo os registros de atividade alimentar mais
freqüentes no período da tarde. Nos mergulhos noturnos, todos os indivíduos encontravam-se em
natação lenta ou repousando sobre o fundo.
A atividade alimentar foi registrada entre 0800 e 1900 h, a profundidades de 0.5 - 7.2
metros. Em todas as observações de alimentação, as tartarugas estavam ingerindo organismos
bentônicos sésseis, principalmente macroalgas. A identificação in situ do organismo que estava
sendo ingerido foi possível em algumas oportunidades: algas do gênero Pterocladiella (Gelidiaceae),
algas do gênero Codium e antozoários da espécie Palythoa caribaeorum (Zoanthidae). Algas
Pterocladiella e Codium constam na dieta de C. mydas de São Paulo, porém Palythoa parece ser
registro novo na dieta desta espécie considerada essencialmente herbívora.
11
Organismos que servem de alimento às tartarugas-verdes do Arvoredo (da esquerda para direita): alga
Pterocladiella, cnidário Palythoa (com marca da mordida de uma tartaruga-verde) e alga Codium
As tartarugas marinhas interagem com os peixes!
As tartarugas marinhas apresentam uma série de relações com outros organismos do
ambiente recifal. Uma das mais interessantes é a de limpeza, na qual as tartarugas têm seus
epibiontes (organismos aderidos ao corpo e casco, tais como algas e cracas) retirados por peixes.
Geralmente, a tartaruga apresenta um comportamento de solicitação ao peixe e ambos se
beneficiam com a atividade: a tartaruga fica livre de parasitas e os peixes têm uma fácil fonte de
alimento. Relações de limpeza desta natureza são registradas em diversos locais, tais como
Fernando de Noronha, Havaí e Austrália. No Arvoredo, relações de limpeza foram observadas
entre tartarugas-de-pente e Pomacanthus paru juvenil e entre tartarugas-verde e os peixes
Diplodus argenteus juvenil (Marimbá) e Kyphosus vaigiensis (Pirajica).
Peixes com relações de limpeza com tartarugas marinhas: Pomacanthus paru (esquerda)
Diplodus argenteus (centro) e Khyphosus vaigiensis (direita)
O peixe marimbá adulto também parece estabelecer algum tipo de relação com C. mydas,
pois houve diversas observações deste animal seguindo as tartarugas. O comportamento em que
peixes acompanham tartarugas também foi observado em Fernando de Noronha, entre C. mydas
e o peixe Thalassoma noronhanum. Rêmoras (Echeneis naucrates) aderidas ao casco de tartarugas12
verde também foram observadas. No Atlântico sudoeste, este tipo de simbiose é considerada rara e
pouco conhecida, tendo sido descrita para C. caretta, C. mydas, D. coriacea e E. imbricata com as
espécies Echeneis naucrates e Remora remora.
Quais são as praias de origem das tartarugas do Arvoredo?
Uma das principais perguntas quanto às tartarugas marinhas em áreas de alimentação é:
de onde vêm esses animais? As tartarugas nadam muitas vezes milhares de quilômetros entre seu
local de nascimento e onde escolhem para se alimentar; como não existe método para marcação
de filhotes, não é possível identifica-los posteriormente. Devido a isso, criaram-se estudos genéticos,
através da análise de um fragmento de DNA que varia entre as populações, para determinar onde
nasceram os animais que são encontrados quando estamos mergulhando. Na Ilha do Arvoredo, as
tartarugas-verdes observadas nadando graciosamente já percorreram um longo caminho para
chegarem ali. Muitas vêm de uma ilha vulcânica no meio do Atlântico, a Ilha Ascensión, a mais de
2200 km de distância. Outras chegam ao Arvoredo após nascerem em uma ilha um pouco mais
perto, a Ilha de Trindade (ES). Algumas mais persistentes atravessam o Oceano Atlântico vindo das
praias africanas; outras percorrem o próprio litoral brasileiro vindas dos paraísos Fernando de
Noronha (PE) e Atol das Rocas (RN). Sabendo destas longas distâncias percorridas, devem ser
estabelecidas estratégias de conservação das tartarugas marinhas não só na Ilha do Arvoredo, mas
também em suas praias natais e rotas migratórias. Com isso, estaremos garantindo a companhia
destes simpáticos animais ao longo de nossos mergulhos!
Quais são os indícios de impacto antrópico sobre as tartarugas do Arvoredo?
Diversos indícios de impacto do homem sobre as tartarugas da área foram apontados ao
longo do desenvolvimento deste trabalho. Algumas tartarugas capturadas estavam sem uma de
suas nadadeiras, uma estava com a nadadeira dianteira estrangulada por um cabo e outra estava
com um grande anzol perfurando a nadadeira.
Além disso, o Arvoredo apresenta um considerável número de tartarugas-verde (9,8 %) com
fibropapilomatose (FP). Ela tem ocorrido principalmente em tartarugas-verde, mas a incidência
em tartarugas das espécies C. caretta, L. olivacea, E. imbricata e N. depressus já foi documentada.
A incidência de tartarugas com FP, que apresenta uma considerável variação entre anos e locais,
tem aumentado rapidamente desde os anos 80. Em algumas populações nenhum animal é
afetado enquanto que em outras, mais de 92% dos indivíduos exibem lesões características de FP. A
aparência corpulenta e a estrutura microscópica das lesões sugerem que um vírus é o agente
causador da doença. Diversos fatores estressantes do ambiente podem afetar o início e
desenvolvimento da doença através do enfraquecimento do sistema imunológico dos animais:
13
infecções bacteriais, exposição à radiação UV-B, parasitas e contaminantes químicos. Ainda há a
suspeita de que fatores genéticos também possam fazer com que certos indivíduos sejam mais
suscetíveis ao desenvolvimento de FP. Os tumores característicos da doença são comumente
encontrados na conjuntiva (membrana que cobre a parte externa do globo ocular), cabeça,
nadadeiras, base da cauda, áreas inguinal e axilar, e internamente, nos pulmões, fígado, trato
gastro-intestinal e rins.
Exemplos de tumores característicos da fibropapilomatose nas tartarugas do Arvoredo
Observação de diminuição de tamanho e alteração de cor de um tumor ocular
em seis meses, constatada através de foto-identificação
O que o projeto pretende daqui em diante?
O projeto Tartarugas do Arvoredo está a procura de financiamento para que o
monitoramento destes répteis continue sendo realizado. O trabalho ainda trará informações
importantes para a conservação das tartarugas marinhas, incluindo uma melhor descrição da
14
patologia Fibropapilomatose (sua causa e efeitos), uma descrição detalhada sobre a ecologia
alimentar das espécies do local (trabalho de mestrado da Oc. Júlia Reisser) e um apontamento mais
preciso dos locais de origem das tartarugas que habitam as águas desta UC (trabalho de mestrado
da Oc. Maíra Proietti). Dúvidas, sugestões e comentários podem ser enviados para o email
[email protected].
15

Documentos relacionados

Descarregar em PDF

Descarregar em PDF lucrativos fundada em 1988 e considerada de Utilidade Pública Federal desde 1996. O TAMAR trabalha na pesquisa, proteção e manejo das cinco espécies de tartarugas marinhas que ocorrem no Brasil, to...

Leia mais

ICMBio-Folder Tartarugas-a4.indd

ICMBio-Folder Tartarugas-a4.indd Cinco das sete espécies existentes de tartarugas marinhas ocorrem em águas que banham a costa brasileira. São elas: Caretta caretta (cabeçuda ou amarela), Chelonia mydas (verde), Dermochelys coriac...

Leia mais