BREVE ANÁLISE DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO

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BREVE ANÁLISE DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade BREVE ANÁLISE DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO NASCITURO E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF RESUMO: Este trabalho se propõe a traçar os conceitos básicos e as principais posições acerca da situação do nascituro no direito pátrio e as suas implicações frente às garantias fundamentais. SUMÁRIO: Introdução. 1 Do nascituro no sistema atual. 1.1 Quem é o nascituro no contexto brasileiro? 1.2 Teorias que explicam a natureza jurídica do nascituro. 2 Do sistema protetivo do nascituro. 2.1 Da dignidade da pessoa humana como valor supremo. 2.2 Que direitos foram garantidos ao nascituro? 3 Do direito à vida intra‐uterina. 3.1 Direito absoluto ou relativo? 3.2 Da ponderação de valores e a eventual colisão de direitos fundamentais. INTRODUÇÃO Este trabalho busca traçar os conceitos básicos e as principais posições acerca da situação do nascituro no direito pátrio e as suas implicações frente às garantias fundamentais. Para tanto tentará fixar o conceito de nascituro no direito brasileiro; enumerar e analisar as teorias existentes sobre a natureza jurídica com ênfase no início da personalidade civil; buscar enunciar e explicar que direitos são garantidos ao nascituro e, por fim, falar sobre o aspecto fundamental do direito à vida intra‐uterina e da ponderação de interesses constitucionais. 1 Do nascituro no sistema atual Este assunto é um dos mais relevantes e, pode‐se dizer, apaixonantes do Direito Civil. As questões sobre personalidade e o princípio da vida humana são fundamentais para que se possa, a partir desse ponto, compreender todo o Direito. A ciência jurídica se presta ao bem das pessoas. E é essencial entender o que, e a partir de quando se é pessoa, pois o Direito é feito pelas pessoas e essas pessoas são a sua razão de ser. 1.1 Quem é o nascituro no sistema brasileiro? O nascituro é o fruto da concepção. É o produto do encontro dos gametas masculino e feminino. Com as técnicas de fertilização in vitro, não necessariamente a concepção se dará dentro do corpo da mulher. Diversas teorias tratam do conceito de nascituro, bem como da sua natureza jurídica. Não há muita discussão acerca do conceito de nascituro. Para Pablo Stolze e Pamplona Filho é o ente concebido, embora ainda não nascido1 . 1
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. V. 1, parte geral, 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 91.
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade Hoje, diante das novas tecnologias no âmbito da ciência reprodutiva, o conceito de nascituro abrange tanto o momento em que há a união entre os núcleos das células reprodutivas até a saída completa do ventre materno 2 . E, a título de comparação, vale transcrever o conceito de Silvio Venosa que afirma: “O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando‐se de uma prole eventual.” 3 1.2 Teorias acerca da natureza jurídica do nascituro. Todas as teorias que tentam explicar a natureza jurídica do nascituro tratam do início da personalidade civil. Fixando‐se o momento a partir do qual um ser pode ser considerado pessoa, uma série de conseqüências daí decorrem. A teoria adotada pelo Código Civil é a teoria natalista, que defende o início da personalidade civil apenas com o nascimento com vida. Antes de ter uma vida independente do corpo da mãe, o nascituro não é considerado pessoa. Goza, apenas, de mera expectativa de direito 4 . Defendem os natalistas que o nascituro, por não ter personalidade, também não tem capacidade, tanto de direito quanto de fato, salvo para defender estes direitos a serem usufruídos após a consolidação na personalidade. Esta posição segue a influência do Direito Romano. Segundo o Digesto, o nascituro era parte do corpo da gestante e a ele não se garantia nenhum direito. Mas nem por isso tinha seus interesses totalmente ignorados. Em algumas hipóteses considerava‐se a presunção de antecipação do nascimento, equiparando‐o ao já nascido para proteger eventuais direitos caso nascesse com vida. 5 Segundo Nelson Nery, “antes de nascer o nascituro não tem personalidade jurídica, mas tem natureza humana (humanidade), razão de ser de sua proteção jurídica pela lei civil” 6 . Desse modo, levando‐se em conta de que, para o direito, não existe direito sem um sujeito, e que o nascituro teria apenas expectativa de direito, poderá ele ser considerado um sujeito de direitos futuros. 7 Por este motivo que só se considera o nascituro sujeito de direitos, com plena capacidade de direitos somente após ser separado com vida da unidade biológica que o abrigava. A teoria da personalidade condicional trata o nascituro como ente despersonalizado, tal como a teoria natalista. Pode ser considerada um meio termo entre as acepções natalista e concepcionista. Washington de Barros Monteiro, citado por Carlos Roberto Gonçalves sintetiza com maestria esta corrente ao dizer que: “Discute‐se se o nascituro é pessoa eventual, cidadão em germe, homem em spem. Seja qual for a conceituação, há, para o feto, uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação (...) o nascituro é pessoa condicional, a aquisição da 2
Também é importante distinguir prole eventual de pessoa eventual. Para a teoria da personalidade condicional, como se verá
a seguir, o nascituro é pessoa eventual, ou seja, há uma expectativa de personalidade submetida a um evento futuro e incerto
que é o nascimento com vida. Já a prole eventual é a denominação das pessoas ainda não concebidas mas que podem ser
herdeiras se vivas no momento da abertura da sucessão, como trata o Novo Código Civil em seu art. 1799.
3
VENOSA, Silvio de Salvo.Teoria Geral do Direito Civil. v. 1. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.153.
4
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit. p. 92.
5
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 216
6
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 147.
7
Reza o artigo 130 de Novo Código Civil: “Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é
permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.”
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade personalidade acha‐se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida” 8 . Para os que defendem essa posição, portanto, a personalidade começa com a concepção, mas depende do evento futuro e incerto do nascimento com vida, para que se consolide sua capacidade jurídica. Defende‐se, ainda, que esta teoria seria a realmente adotada pelo Código Civil Brasileiro. O nascituro, mesmo antes de ser dotado de personalidade, pode ser herdeiro 9 , donatário 10 , ser reconhecido como filho 11 , dentre outras hipóteses 12 . É o direito reconhecendo direitos a quem ainda não é considerado pessoa, mas é tratado como sujeito de direitos. O Direito Penal trata o nascituro como sujeito passivo do crime de aborto e não como objeto do crime segundo uma parte considerável dos doutrinadores. 13 Maria Helena Diniz vai mais além, afirmando existir uma personalidade jurídica formal: “Poder‐se‐ia mesmo afirmar que, na vida intra‐uterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorre, nenhum direito patrimonial terá.” 14 Já a teoria concepcionista, que defende o reconhecimento da personalidade civil desde a concepção, inclusive aos embriões criados e mantidos fora do corpo da mulher, ao contrário do que muitos imaginam não decorre dos avanços tecnológicos. Clóvis Bevilacqua, quando da elaboração do Projeto do Código Civil de 1899, já era reconhecido adepto desta corrente. Sua posição tinha como principais fundamentos a proibição do aborto e a proibição da aplicação de pena de morte à mulher grávida. 15 De qualquer modo, ainda que o nascituro tenha uma vida dependente da gestante, é uma outra vida. O concepto tem carga genética própria, o que o faz único e, até hoje, por enquanto, irrepetível. Segundo Silvio Romero Beltrão: “Parece, assim, inegável a existência de vida humana no nascituro concebido, uma vez que ele, desde a concepção, emerge como um ser dotado de uma estrutura e de uma dinâmica humana autônomas, embora funcionalmente dependente da mãe” 16 . 2 Do sistema protetivo do nascituro Ainda que não se vislumbre a pacificação da doutrina a respeito do início da personalidade civil, é inegável a existência de um sistema de proteção cada vez mais abrangente à pessoa por nascer. Nas palavras de Silvio Beltrão: 8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 80
Artigo 1798 do Novo Código Civil: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura
da sucessão.”.
10
Artigo 542 do Novo Código Civil: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.”.
11
Parágrafo único do artigo 1609 do Novo Código Civil: “O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho, ou ser
posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.”
12
Nelson Nery fala sobre o natimorto: “É aquele que nasceu morto que, segundo o CC 2º não adquiriu personalidade jurídica
e, conseqüentemente, não se tornou sujeito de direito. Mesmo não havendo nascido com vida, ou seja, não tendo adquirido
personalidade jurídica, o natimorto tem humanidade e por isso recebe proteção jurídica do sistema privado, pois a proteção da
norma ora comentada a ele se estende, relativamente aos direitos de personalidade (nome, imagem, sepultura, etc.)”.
13
Por todos: Fernando Capez que afirma: “No auto-aborto, só há um bem jurídico tutelado, que é o direito à vida do feto...”.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 109.
14
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v.1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9.
15
BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005. p. 80.
16
idem. p. 74.
9
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade “Pode‐se dizer que a tutela jurídica do direito à vida consagrada na CF não determina que esse direito seja garantido tão somente para os sujeitos dotados e de personalidade civil, sendo, na verdade, aplicável ao ser humano, antes do nascimento, uma vez que a inviolabilidade da vida humana é independente da noção jurídico‐civilista de personalidade jurídica.” 17 Isso significa que, não importa a que corrente se filiem, os doutrinadores concordam que o nascituro é merecedor de proteção jurídica, para que seja possível um desenvolvimento gestacional saudável, pré‐natal e conservação do feto num ambiente adequado. Como se viu anteriormente, a proteção ao nascituro é bastante antiga, anterior ao Direito Romano. No Egito Antigo, a mulher condenada à morte por adultério, se grávida, só teria a sua pena aplicada após o parto. Desse modo a ciência do direito sempre protegeu o direito da pessoa por nascer porque a sua humanidade é inegável e inafastável. 2.1 Da dignidade de pessoa humana como valor supremo A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme se depreende da leitura do inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988. Isso significa que o Estado Brasileiro não se compõe apenas por pessoas, mas de pessoas dignas. Essas pessoas são, portanto, o fim do Estado, e não um meio para a consecução de outros fins. Ingo Sarlet define a dignidade da pessoa humana como sendo “...um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa, tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante, como venham a lhe garantir as condições existenciais para uma vida saudável, além de propiciar a promover sua participação ativa e co‐responsável nos destinos da própria existência da vida em comunhão com os demais serem humanos.” 18 Atrela‐se ao valor da dignidade o direito à vida. Levando‐se em conta que não existem valores ou direitos absolutos 19 , a vida, é um dos mais invioláveis bens jurídicos frente aos demais. Já a dignidade é superior e anterior ao próprio Direito. É uma constatação, um dos motivos para que exista um ordenamento jurídico. Mais que um atributo, pode‐se, inclusive dizer até que se confunde com o conceito de pessoa. O direito à vida pode ser afastado quando em conflito com outro direito que a ele se sobreponha no caso concreto, mas mesmo nas hipóteses em que a vida não prevalece, a dignidade não pode ser atacada. Em que pese o ordenamento jurídico pátrio atribuir personalidade apenas aos que nascem com vida, não importa a opinião do intérprete, o nascituro, desde a concepção e daí até a sua morte é humano desde antes de nascer a até depois da sua morte. 20 Sendo assim, é possível assistir ou negar direitos ao nascituro, mas nunca a sua dignidade, que, como direito, é inegável e inafastável 21 . A ciência do Direito não deve se ocupar tão somente de ser um repositório de leis e opiniões, mas de ser o que dele se espera: um instrumento 17
idem. p. 76.
SARLET, Ingo. Apud SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy. A Dignidade da Pessoa Humana é um Argumento Absoluto?
Disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot/processocivil/adignidadedapessoahumanaeumargume ntoabsoluto.htm.
Acesso em 11 de maio de 2007.
19
Idem.
20
Neste sentido, veja-se o parágrafo único do artigo 12 do Novo Código Civil, que fala sobre o direito de se exigir que cesse
qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito de personalidade: “Em se tratando do morto, terá legitimação para requerer a
medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta, ou colateral até quarto grau.”
21
“Seja o embrião humano um projeto de vida ou uma pessoa, ele tem sua dignidade e de qualquer modo merece respeito”.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas 2006. p. 13.
18
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade de manutenção da ordem jurídica e guardião dos valores humanos, sendo os mais importantes a vida e a dignidade e todos os outros que deles decorrem. Nesse sentido, Cláudio Santos indaga: “Será correto o argumento de salvaguardar a dignidade da pessoa humana como premissa absoluta capaz de elidir outros direitos catalogados na Carta Magna ou interpretá‐la de forma capaz de revogar o próprio sistema positivado na satisfação do mais comezinho reflexo do que seria dignidade? São indagações que devemos refletir, sob pena de tornar o próprio sistema sem razão de sê‐lo, pois tudo girará em torno da exigência de um direito ainda vago e impreciso, fértil objeto para as mais diversas técnicas de hermenêutica.” 22 2.2 Que direitos foram garantidos ao nascituro? De acordo com o ordenamento civil brasileiro, o nascituro tem seus eventuais direitos preservados para que possa gozá‐los caso nasça com vida, conforme a dicção do artigo 2º do Novo Código Civil 23 . Em se tratando dos direitos que já são titulares podemos citar os direitos de personalidade, como o são a vida e a saúde 24 e a liberdade, e a dignidade 25 . Tem capacidade para suceder 26 e, obviamente, tem o direito de se resguardar ou repelir qualquer lesão ou ameaça de lesão a esses direitos 27 . 3 Do direito à vida intra‐uterina O Estatuto da Criança e do Adolescente garante à criança uma gestação saudável. Neste caso, há, claramente, direito garantido ao nascituro. O raciocínio parece simplista, mas é nas coisas mais simples que se encontram os melhores argumentos: se a lei penal condena a prática do aborto, mesmo que para uns, como já exposto, o nascituro seja mero objeto do crime, não se pode negar que sua vida é preservada. Quando a legislação menorista prevê o direito da mãe à assistência pré‐natal está também garantindo ao nascituro uma formação saudável. Enfim a 22
SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy. op. cit.
Diz o artigo 2º do Novo Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei coloca
a salvo, desde logo, os direitos do nascituro”.
24
Artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o
atendimento pré e perinatal.” e seus parágrafos.
25
Artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis”.
Sobre os danos sofridos pelo nascituro: acidente de transito. Indenização por dano moral. Induvidosos sofrimentos, angústia e
tensão, por longos oito meses, diante gravidez com possível prejuízo da vida e/ou da integridade física do nascituro, há dano
moral indenizável. (Apelação Cível Nº 194026779, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Geraldo
César Fregapani, Julgado em 17/11/1994)
26
“O nascituro tem capacidade paras suceder. A norma viabiliza um dos muitos aspectos de proteção potencial dos direitos
do já concebido, a quem o direitos curiosamente nega personalidade, mas garante status de sujeito de direitos e obrigações”.
NERY, Nelson. Op. cit. p. 791.
27
Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.
Sobre a capacidade para ser parte do nascituro: Investigação de paternidade. Nascituro. Capacidade para ser parte. Ao
nascituro assiste, no plano do direito processual, capacidade para ser parte, como autor ou como réu. Representando o
nascituro, pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de
direito material, ate então apenas uma expectativa resguardada. Ação personalíssima, a investigatória somente pode ser
proposta pelo próprio investigante, representado ou assistido, se for o caso; mas, uma vez iniciada, falecendo o autor, seus
sucessores tem direito de, habilitando- se, prosseguir na demanda. Inaplicabilidade da regra do art.- 1621 do Código Civil.
(Apelação Cível Nº 583052204, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Athos Gusmão Carneiro,
Julgado em 24/04/1984)
23
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade própria Constituição cuida dos que ainda não nasceram, reconhecendo direitos aos que, pela letra fria da lei, não teriam capacidade para tanto 28 . Esta vida intra‐uterina não depende do implemento de qualquer condição como é, por exemplo, a viabilidade. Diante dos debates sobre a interrupção da gravidez de feto anencefálico 29 , essa capacidade de sobrevivência passou a ser tido por muitos como um requisito para uma expectativa de direito 30 , o que, diante dos avanços da ciência jurídica parece um retrocesso. Guilherme Calmon Nogueira da Gama ilustra muito bem este entendimento ao dizer que: “...deve‐se deixar claro a viabilidade do nascituro não deve repercutir na tutela de suas situações existenciais, não só por não admitirem a ordem constitucional e o próprio Código essa discriminação, mas também porque os avanços no campo da ciência médica garantem, muitas vezes, resultados surpreendentes na preservação da vida.” 31 3.1 Direito absoluto ou relativo? Como qualquer outro direito, os direitos do nascituro não são absolutos. Segundo Robert Alexy, os princípios e as regras podem conviver de forma harmônica, ainda que pareçam colidentes 32 . Desse modo, não há regra ou princípio que prevaleça abstratamente, devendo‐se operar o sopesamento apenas diante de cada caso concreto. 3.2 Da ponderação de valores e eventual colisão de direitos fundamentais Esclarecidos os conceitos de nascituro, vida e as implicações em todo o Direito, que solução adotar quando surgir um conflito entre os direitos da mãe e do nascituro? Para se chegar o mais próximo possível de uma solução, deve‐se considerar o princípio da proporcionalidade. 33 Essa proporcionalidade irradia seus efeitos para todos os campos do Direito. Antes princípio de Direito Administrativo, foi erigido a princípio constitucional. 34 28
“O art. 199, §4º, do texto constitucional – que remete à lei regulamentação das condições e dos requisitos exigíveis para a
extração de órgãos, de tecidos e de substâncias do corpo humano para fins de transplante ou de tratamento – expressamente
prevê a proibição da comercialização de quaisquer órgãos, tecidos e substâncias humanas, incluindo-se, pois, os gametas.
Assim, seria ilógico admitir a comercialização de embriões resultantes da união do espermatozóide e do óvulo, já que ele
representa o resultado da soma de dois bens jurídicos não patrimoniais, e não algo dissociado de tal reunião.” GAMA,
Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit. p. 15
29
“Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza,
não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a
física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como
proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
doença”. ADPF 54-8 STF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgameto: 01/07/2004. A liminar que concedir à mulher gestante o
direito de interromper a gravidez de feto anencefálico foi cassada. Ainda não há decisão definitiva da matéria.
30
Nesse sentido: “Havendo diagnóstico médico definitivo atestando a inviabilidade de vida após o período normal de
gestação, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do feto é inevitável, em
decorrência da própria patologia.” (HC 56572/SP. Relator: Arnaldo Esteves Lima. 5ª T. do STJ. DJU 15/05/06. p. 273).
31
NERY, Nelson Op. cit. 14.
32
ZART, Ricardo Emilio. A Dignidade da Pessoa Humana e o Crime de Racismo: uma visão causuística de hermenêutica
constitucional com base em Robert Alexy. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto .asp?id=8591. Acesso em 11
de maio de 2007.
33
O Tribunal Constitucional Alemão, em julgamento no ano de 1971, falou sobre proporcionalidade de forma inovadora ao
dizer que: “ O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é
adequado quando, com o seu auxílio, pode-se promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia
ter escolhido outro igualmente eficaz.”. BONICIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e Processo: a garantia
constitucional da proporcionalidade, a legitimação do Processo Civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas,
2006. p. 26.
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade Quando o conflito se der entre o direito de uma nova vida e o da mãe de abrigar ou não essa nova vida dento de seu corpo, só a lei, por si só não é capaz de resolver qual dos dois prevalece. 35 Daí a necessidade da ponderação dos interesses. Do lado do nascituro há o direito a uma gestação saudável, integridade física, vida e dignidade. Já a gestante não pode ser vista como uma simples incubadora; tem o direito à integridade física, à vida, a uma certa autonomia sobre seu corpo além da dignidade. Cabe a ela resolver quando quer ser mãe. Mas será que essa escolha só é possível até a concepção? Certamente a questão é tormentosa, e para ela a solução legal não é mais suficiente. Desse modo que a ponderação de interesses aplicada caso a caso parece ser hoje um início de pacificação para essa matéria. Que vida vale mais? A expectativa do nascituro ou a já plena e perfeita da mulher? Não há uma resposta geral, que abarque todas as hipóteses. Entretanto, é perigoso dar total autonomia à mulher e permitir que, por exemplo, o aborto se transforme em “método anticoncepcional”. Ao mesmo tempo, não se pode considerar o nascituro, que não tem uma história, se sobreponha a uma pessoa já nascida, que não se submete a nenhuma condição para viver e adquirir direitos e contrair obrigações. 36 Conclusão Ao que parece, qualquer solução para estes e outros conflitos parece distante. Cabe aos juristas e a toda a sociedade buscar se aproximar ao máximo de uma solução justa. De qualquer modo, o fato de existirem este e outros questionamentos mantém vivo e fortalece o Estado Democrático de Direito. Quando se trata de vida, ou de que tipo de vida deve prevalecer, toda espécie de argumentos apaixonados afloram. O debate, as idéias contrapostas e a possibilidade de discordar é o que torna as pessoas mais livres, mas também mais responsáveis. Desse modo qualquer que seja a opinião do estudioso do direito ou do cidadão leigo, não deverá esquecer que o nosso papel, muitas das vezes não nos dá a possibilidade de agir ou deixar de agir como gostaríamos. O sentido de sociedade deve ser respeitado sempre, sob o risco de se perder, talvez para sempre, a possibilidade de termos, definitivamente, um Estado livre e igualitário. Bibliografia ABAIXE JR, João. Ciências da Vida. Biotecnologia deve respeitar a dignidade humana. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/30738,1. Acesso em 30de abril de 2007. BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da Personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005. 34
Idem.
Segundo assevera Luiz Flavio Gomes:"Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do feto devem
atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. E
até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não
seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto.
Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não se pode impedir
o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento". GOMES, Luiz Flávio. Revista
Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Ano V. N.º 28- Out-Nov 2004. Págs 35 e 36.
36
"O direito à vida, talvez mais do que qualquer outro impõe o reconhecimento do Estado para que seja protegido e,
principalmente o direito à vida do insuficiente. Como os pais protegem a vida de seus filhos logo após o nascimento, pois
estes não teriam condições de viver sem tal proteção, dada sua fraqueza, e assim agem por imperativo natural, o Estado deve
proteger o direito à vida do mais fraco, a partir da ‘teoria do suprimento’. Por esta razão, o aborto e a eutanásia são violações
ao direito natural à vida, principalmente porque exercidas contra insuficientes". MARTINS, Ives Gandra. O Direito
constitucional comparado e a inviolabilidade da vida humana. in: A vida dos Direitos Humanos: Bioética Médica e Jurídica.
Ed. Fabris, p. 127-144.
35
Dafne Paixão Rossi Pós‐Graduada em Direito Público latu sensu pela UGF no Curso Tríade BONICIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e Processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação do Processo Civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v.1. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. FERNANDES, Maíra Costa. Interrupção da Gravidez de Feto Anencefálico: Uma análise constitucional. Disponível em http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 14 de abril de 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. V. 1, parte geral, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucessão. 2ª ed. São Paulo: Atlas 2007. ______. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2006. GOMES, Luiz Flávio. Normas, Regras e Princípios: conceitos e distinções. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7527. Acesso em 30 de abril de 2007. ______. Luiz Flávio. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Ano V. N.º 28‐ Out‐Nov 2004. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2005. SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy. A Dignidade da Pessoa Humana é um Argumento Absoluto? Disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot/processocivil/adignidadedapessoa humanaeumargumentoabsoluto.htm Acesso em 11 de maio de 2007. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral do Direito Civil. v.1. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. 

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nascituro - WordPress.com coração, pelas orações e opiniões importantes por demais para a realização e término deste trabalho. A todos o meu muito obrigada e eterno carinho.

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