Revista Pedagógica 2014
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Revista Pedagógica 2014
EsPCEx REVISTA PEDAGÓGICA 2014 – 16ª Edição – Escola Preparatória de Cadetes do Exército Comando da Escola Marcos de Sá Affonso da Costa – Cel Comandante e Diretor de Ensino Pedro Paulo de Araújo Alves – Cel Subcomandante e Subdiretor de Ensino Publicada pela Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Campinas,SP. Fone: (0xx19)37442000,Fax:(0xx19) 32411373. www.espcex.ensino.eb.br, ISSN 1677- 8359. Nossa Capa Carlos Alexandre de Souza – Ten Cel Comandante do Corpo de Alunos Divisão de Ensino Sérgio Aparecido Bueno de Oliveira – Cel Chefe da Divisão de Ensino Língua Portuguesa I Guaraci Alexandre Vieira Collares – Cel Chefe da Seção de Português História do Brasil Jeferson Afonso Kobal – Cel Chefe da Seção de História Língua Inglesa I Antônio José Luchetti – Cel Chefe da Seção de Inglês Língua Espanhola I José Francisco Martinez – Cel Chefe da Seção de Espanhol Física I João Alves de Paiva Neto – Cel Chefe da Seção de Física Cibernética I Marcos Nalin – Ten Cel Chefe da Seção de Cibernética I Química I Maria Lúcia Fernandes Batista e Silva – Maj Chefe da Seção de Química I Cálculo I Luís Felipe Martins Valverde – Maj Chefe da Seção de Cálculo I ********************************* Direção da Revista e Diagramação: Jorge Luiz Pavan Cappellano – Cel Arte Final: Eduardo T. Cappellano– Publicitário Revisão: Wallace Franco da Silva Fauth – Maj Prof. Português Fotolito e Impressão: EGGCF Criação: Eduardo Tramonte Cappellano Publicitário A Nossa Capa homenagea os 70 anos da Força Expedicionária Brasileira (FEB). A imagem de fundo é a reprodução de uma obra do artista plástico Pedro Ernesto de Luna, exaluno da Escola Preparatória de São Paulo, integrante da Turma Ten Cel Edgard de Alencar Filho (1955-1956). Na parte superior, delimitando o nome da Escola, à esquerda, vê-se a imagem que ilustrou a capa da primeira Revista Pedagógica, editada no ano do Jubileu de Ouro da EsPCEx e, à direita, o Brasão da EsPCEx. *** Os conteúdos dos textos, o uso das imagens e a bibliografia apresentados são de responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, as opiniões da direção da Revista e da EsPCEx. - Distribuição Gratuita Tiragem da Revista: 1000 exemplares EsPCEx, onde tudo começa 1 EsPCEx Sumário Editorial Marcos de Sá Affonso da Costa – Cel Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx.........................05 De Onde Vem? Jorge Luiz Pavan Cappellano – Cel Professor de Português e Chefe da Seção do Patrimônio Histórico e Cultural da EsPCEx....................................................................................................06 Participação Brasileira na II Grande Guerra - Uma Entrevista Fictícia com o Cel Elber de Mello Henriques Jefferson Afonso Kobal – Cel Professor de História ............................................................10 Currículos, Disciplinas, Ideias Fundamentais Nilson José Machado – Professor Titular da Universidade de São Paulo .................................19 Avaliando Competências no Português Guaraci Alexandre Vieira Collares – Cel Professor de Língua Portuguesa I.....................................28 Estratégias de Controle do Estresse: prevenção e promoção da saúde Márcia Maria Carvalho Luz Fornari – 1º Ten Psicóloga .............................................................32 A Subjetividade e a (Re)Constituição da Identidade no Processo de Aprendizagem de Língua Estrangeira Márcia Barros Barroso - Professora de Língua Inglesa.............................................................35 Análise das Forças de Impacto do Tênis e do Coturno Durante a Corrida Vagner Xavier Cirolini – Cap Instrutor da Seção de Treinamento Físico Militar ...............................41 A Influência da Expressão Oral do Líder no Comportamento do Subordinado Mario Henrique Madureira – Cap Comandante da 1ª Companhia de Alunos...............................48 Adoção do Exame Toxicológico no Concurso de Admissão da EsPCEx Ten Cel Carlos Magno Capranico Corrêa – Chefe da Seção de Saúde ..................................53 A Danação do Objeto: o museu no ensino de História Isla Andrade Pereira de Matos - 2º Ten Professora de História.........................................59 Os Valores Trabalhados pelas Instituições Militares HichemTannouri - Aluno da EsPCEx ....................................................................................66 2 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Trabalhos Escolares Multimodais e Digitais: a perspectiva dos novos letramentos Viviane de Fátima Pettirossi Raulik – Professora de Língua Inglesa .............................. .........69 Um Breve Olhar na História para Pesquisas em Educação Andréia Pinheiro Freitas – Professora de Língua Portuguesa I...................................................74 Viagem de Estudos-Trajetória da FEB na Itália (registro) Oficial Orientador da Comitiva: 1º Ten Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro. Alunos Integrantes da Comitiva: Rodrigo Correa Damasceno, André Andrade Longaray Filho e Vinícius Henrique Chagas da Silva.................................................................................80 EsPCEx, onde tudo começa 3 EsPCEx Nossos Comandantes General de Exército Enzo Martins Peri Comandante do Exército 4 General de Exército General de Divisão Ueliton José Montezano Vaz Ajax Porto Pinheiro Chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército Diretor de Educação Superior Militar EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx EDITORIAL Ao longo dos seus 24 anos de existência, a Revista Pedagógica da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) vem traduzindo em suas páginas a evolução constante do Ensino nesta Escola. Cumprindo um papel essencial de divulgação da sua produção acadêmica é, ao mesmo tempo, um espaço aberto ao debate e à livre expressão de ideias sobre as Ciências Militares. A partir de 2012, a EsPCEx passou a integrar o Ensino Superior Militar, tornandose o 1º ano do Curso de Formação e Graduação de Oficiais da Linha de Ensino Militar Bélico, o que agregou novas responsabilidades. Para bem cumprir esse seu novo papel, a Escola teve de se manter dinâmica e a par com as melhores práticas pedagógicas e, mercê de seu corpo docente de grande valor e de um corpo discente extremamente motivado e vocacionado, hoje é referência na prática do Ensino por Competências, processo educacional que ocupa um lugar destaque no Exército e no discurso educacional da sociedade brasileira. E assim, mantendo-se fiel às suas tradições de templo de excelência educacional, a Escola vem preparando, em ótimo nível, os futuros oficiais combatentes, proporcionando aos seus alunos a formação pessoal necessária para estarem à altura dos desafios inerentes à evolução do combate moderno e do Processo de Transformação em curso no Exército. Mas é consenso entre nós que somente uma Educação verdadeiramente de qualidade forma profissionais competentes para a Instituição e pessoas completas e úteis para a Pátria. A busca incessante da qualidade educacional é, pois, a expressão do compromisso de amor ao Exército que move a todos nesta Escola. Esta edição busca apresentar um panorama deste vibrante e produtivo ambiente acadêmico, sob a perspectiva dos seus professores, instrutores e palestrantes. Além do corpo docente, na EsPCEx também os nossos alunos são estimulados a produzirem e contribuírem para o desenvolvimento das Ciências Militares. Assim, é promissor verificar que dois artigos escritos por discentes foram selecionados para comporem esta edição. O primeiro, retrata impressões sobre uma pioneira Missão no Exterior realizada pelos próprios alunos, que refez a trajetória da Força Expedicionária Brasileira na Itália. O segundo, discorre sobre aquilo que é, ao fim e ao cabo, a mais importante tarefa desta Escola: a transmissão dos valores que conformam a Instituição Militar, arcabouço seguro para o progresso e desenvolvimento pessoal e profissional dos nossos alunos e para a garantia da perenidade e grandeza do Exército. Marcos de Sá Affonso da Costa-Coronel Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx (*) O Coronel Marcos de Sá Affonso da Costa graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1986. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e o Centro de Altos Estudos Militares da França. Realizou o Curso de Comando e Estado-Maior no Peru. É Doutor em Ciências Militares (Notório Saber). Dentre outras funções, foi Instrutor da AMAN, do Centro de Instrução de Guerra na Selva e da ECEME; comandou o 2º Batalhão de Infantaria de Selva (2008-2011). No Exterior, foi oficial do Estado-Maior da Organização das Nações Unidas em Angola e Instrutor da Escola Superior de Guerra do Peru. Em 2013, foi o Assessor Militar do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). Atualmente é Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx. EsPCEx, onde tudo começa 5 EsPCEx EsPCEx, ONDE TUDO COMEÇA De onde vem ? Jorge Luiz Pavan Cappellano(*) Professor de Língua Portuguesa e Literatura O valor histórico da Escola poderia ser explicado, de uma forma simples, apenas pela sua magnífica arquitetura em estilo colonial espanhol. Trata-se de uma construção única, iniciada em 1944 que, além dos traços coloniais, preserva a tecnologia de engenharia e arquitetura de uma época, quando as grandes obras eram precedidas por detalhados desenhos, feitos de próprio punho, em papel vegetal. Outra característica interessante da metade do século XX, predominante nessa obra, foi o emprego de grande quantidade de operários, e de poucas máquinas, pois a maioria dos serviços de alvenaria eram realizados manualmente. O arquiteto Hernani do Val Penteado, autor do Projeto Original da EsPCEx, criou uma fortaleza com paredes largas e estrutura muito forte, onde foram utilizados tijolos de barro, de tonalidade vermelha, assentados em paralelo, dois a dois ou quatro a quatro, o que explica a resistência e a generosa espessura das paredes. Não há nada igual na cidade de Campinas e no Estado de São Paulo. Há, ali, um acervo composto por significativa coleção de peças históricas, reunidas nesses mais de sessenta anos, tais como: monumentos, estátuas, pinturas, documentos, fotografias e tantas outros objetos que, pelos seus referenciais artísticos, históricos 6 e anímicos, acrescentam inestimável valor ao magnífico conjunto arquitetônico. Outros exemplos de preservação podem ser assim enumerados: os móveis existentes no Gabinete do Comandante, todos entalhados em embuia, cuja fabricação, em estilo renascentista, remonta aos primeiros anos do século vinte; o Conjunto de Lustres de cristal da Boêmia, que outrora iluminou e encantou os espetáculos do antigo Teatro Municipal de Campinas, demolido em 1965, emprestam sua notoriedade ao Salão Carlos Gomes, assim denominado em homenagem à cidade de Campinas; uma galeria de quadros a óleo sobre tela, que retrata as vitórias do Exército Brasileiro e personagens da história do País, que, por serem produzidos em vários momentos da trajetória da Escola, são como marcadores de tempo, que tiveram como ponto de partida o início dos anos quarenta; uma coleção de esculturas em bronze e gesso, destacandose dentre elas uma do grande Victor Brecheret; extenso acervo de fotografias que cristalizaram acontecimentos e personagens; somam-se a esses preciosos objetos um valioso patrimônio anímico construído por várias gerações que, através dos tempos, trabalharam incansavelmente para tornar realidade esta exemplar instituição de ensino militar. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx A imagem reproduz a EPC em 1958. Ao fundo, vê-se uma cerca de arame delimitando a entrada do prédio. Para cada local que se observa no interior do prédio ou na beleza de seus bosques e lagos há sempre um fato ou acontecimento a ser lembrado e admirado. Essa septuagenária Escola militar, criada no início dos anos quarenta, no bairro da Bela Vista, na cidade de São Paulo, e transferida para Campinas nos primeiros dias de 1959, nos surpreende não só pela beleza de seus traços arquitetônicos, mas, também, pelo seu passado de conquistas e vitórias, que no decorrer dos anos foram responsáveis pela formação de um grande acervo histórico. No início da década de sessenta, a entrada principal da Escola não era como hoje a vemos. Para chegar até o Portão das Armas, seus alunos e profissionais tinham que caminhar a pé do Castelo D’água até a entrada principal. Esse trecho, sem asfalto de ruas de terra batida, só começou a receber melhorias em meados dos anos sessenta. Ao invés de muros delimitando o terreno da Escola, havia apenas uma cerca de arame farpado. Pouco a pouco essas imagens foram ficando no passado. No final da década de sessenta, uma linha de ônibus foi estendida até a entrada da Escola, isso ocorreu acompanhado da melhoria do caminho de terra que, mais tarde deu origem à Avenida Papa Pio XII. Depois da implantação da linha de ônibus, foi construída, à frente do Portão das Armas, uma rotatória, onde veículos faziam o retorno para a cidade. A imagem reproduz o Portão das Armas da EPC em 1959. Ao fundo, vê-se a simplicidade da guarita de vigilância. Sobre o Portão das Armas, há uma interessante história. Na segunda metade dos anos sessenta, o então Major Pettená, Fiscal Administrativo da Escola, recebeu a missão de ir a São PauAo fundo, a direita, vê-se o ônibus fazendo lo, para receber, no depósito da Prefeio retorno para a cidade. tura, uma armação de ferro que seria EsPCEx, onde tudo começa 7 EsPCEx utilizada para a fabricação do novo portão destinado à entrada principal da Escola. Naquele dia, o então Major Pettená viu no depósito várias guarnições de ferro e perguntou ao chefe do depósito se poderia levar, também, aquelas armações de ferro para serem utilizadas em obras da Escola. A imagem reproduz o Portão das Armas na primeira metade da década de 1970. Este radiograma, de 24 FEV 70, marca o início do Projeto Portão Manumental (Portão das Armas), quando as guarnições de ferro já estavam disponíveis. O encarregado informou ao Major que isso só poderia ocorrer com autorização direta do Prefeito. O Major dirigiu-se ao Gabinete daquela autoridade, no mesmo dia, e conseguiu uma audiência, na qual fez sua solicitação. O prefeito era o então Brigadeiro Faria Lima (mandato de JAN65 a ABR69), que, antes de autorizar a doação do material, relatou que aquelas peças de ferro faziam parte das grades de proteção de uma antiga ponte de São Caetano-SP, demolida para dar lugar a uma moderna construção de concreto. Quando a Praça Cidade de Campinas foi inaugurada, essas guarnições foram instaladas separando a área verde do calçamento em torno do Palanque. 8 Essa guarnição, além de valorizar o conjunto arquitetônico da Escola, é testemunha de que em cada objeto e espaço desta Casa do Saber há um pouco da alma e da dedicação de todos que um dia pertenceram à Escola Preparatória de Cadetes do Exército, berço das vocações militares. Esse acontecimento e tantos outros marcaram a trajetória desta maravilhosa instituição de ensino militar, inscrevendo-a como patrimônio cultural da cidade de Campinas, do Exército e do Brasil. A imagem reproduz parte da guarnição ferro que hoje delimita a Praça Cidade de Campinas. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx A imagem reproduz, ao fundo, parte da guarnição ferro e o púlpito da Praça Cidade de Campinas Bibliografia – CAPPELLANO, Jorge Luiz Pavan. Memorial da Escola Preparatória de Cadetes do Exército: da Rua da Fonte à Fazenda Chapadão, 65 Anos de História. Campinas, São Paulo, 2007. – CAPPELLANO, Jorge Luiz Pavan. Diário da Escola Preparatória de Cadetes São Paulo. Campinas, São Paulo, 2010. – Fotografias: Registro do Histórico, acervo da EPC e da EsPCEx. – Fotografias: páginas 8 e 9 (guarnições), Ademar Aparecido Caetano de Souza - Cabo, fotógrafo da Seção de Comunicação Social da EsPCEx Escola Preparatória de Cadetes do Exército Nasceste par a Vencer para (*) O Coronel Professor, do Serviço de Intendência, Jorge Luiz Pavan Cappellano foi aluno da EsPCEx, formando-se em 1972. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 1976. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado) em 1986. Especializou-se em Informática Aplicada à Educação Construtivista (pós-graduação) pela UNICAMP em 1997. É autor dos livros: “Memorial da EsPCEx, da Rua da Fonte à Fazenda Chapadão, 65 Anos de História” (2007) e do “Diário da Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo” (2011). Atualmente é Professor de Língua Portuguesa/Literatura e Chefe da Seção do Patrimônio Histórico e Cultural da EsPCEx. email:[email protected] EsPCEx, onde tudo começa 9 EsPCEx Participação Brasileira na II Grande Guerra Uma Entrevista Fictícia com o Cel Elber de Mello Henriques Jefferson Afonso Kobal (*) Professor de História O Cel Elber de Mello Henriques, nascido em Fortaleza no dia 11 de fevereiro de 1918, faleceu aos 87 anos no Rio de Janeiro, em 25 de julho de 2005. Aspirante de Artilharia da turma de 1939, seguiu para a Itália com o Primeiro Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Na guerra, foi Observador Aéreo da Artilharia. Viu a guerra do alto e do chão. Recebeu as seguintes medalhas: Ordem do Mérito Militar; Cruz de Combate; Medalha de Campanha; Cruz da Aviação – Fita A; Air Medal (dos Estados Unidos) e a Ordem do Mérito do Chile. Publicou dentre outros: A FEB 12 anos depois e Uma visão da Antártida, além de dezenas de artigos em revistas e jornais do País. A entrevista redigida abaixo, entre um repórter fictício e o Cel Elber, não aconteceu. É uma simulação! No entanto, as respostas encontram respaldo em seu curioso e interessante livro - A FEB DOZE ANOS DEPOIS (HENRIQUES, 1959). Coronel, o Senhor participou ativamente da Segunda Guerra Mundial, como o Sr. enxergava a postura do governo brasileiro no início dos anos 1940? O governo adotava uma política difícil de ser decifrada. Era provavelmente dúbia e contraditória. Para se ter uma ideia, em agosto de 10 1942, o Gen Estevão Leitão de Carvalho dirigiu-se à Washington representando o Brasil na reunião da Comissão Mista de Defesa Brasil-EUA que discutiria o papel do País no esforço de guerra aliado. Eis o que ele narrou: - O que é que nós iríamos propor em Washington, em nome do governo brasileiro? Não sabíamos. Procurei os Ministros da Guerra e do Exterior para uma tomada de posição. O primeiro considerava nossa atividade no exterior alheia a sua pasta, e o segundo contentou-se em elaborar instruções para a viagem da delegação. “Partíamos, sem conhecermos o pensamento do governo que representávamos!” Como foi a organização e preparação das Forças Brasileiras que atuaram na Itália? A sociedade brasileira estava bem dividida. O ambiente de comoção causado pelo afundamento de navios mercantis brasileiros na costa atingiu muito mais alguns setores das grandes cidades litorâneas, e bem menos o interior. É evidente que o restante do País também sofria com a falta de alimentos, energia e transportes, mas a atuação dos submarinos da série “Uboat” afundando navios brasileiros, ou EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx não chegou ou chegou de maneira na proteção dada pelos navios de nossa marinha, os “rápidos e garbosos segmentada a ele. Marcílio Dias, Mariz e Barros, e Portanto, o clima que permeava o Greenhalg”. País era o da indefinição, e este clima À medida que os dias iam também envolvia a organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Nesta passando, a ansiedade aumentava. época, eu servia como Tenente na Somente após a passagem pela cidade Fortaleza de São João, sob as ordens de Casablanca (maior cidade do do Tenente-Coronel Affonso de Marrocos, no norte da África) é que nos Carvalho. Ouvia boatos da existência foi revelado que o desembarque seria de ordens para a criação de uma Força em Nápoles. que atuaria fora do Brasil. A primeira Os primeiros choques culturais referência oficial veio da boca do meu entre brasileiros e norte-americanos ex-comandante: “todo soldado de má- surgiram já na vinda a bordo do navio: conduta será imediatamente transferido “a alimentação e a promiscuidade dos para as unidades que vão combater”. aparelhos sanitários”. O cardápio era Para reforçar o que disse acima, gostaria de salientar que existiam dúvidas até em alguns oficiais do alto escalão do Exército. Uma piada de origem desconhecida, que foi contada pelo General Cordeiro de Farias 1 a alguns oficiais, reflete bem as dúvidas que pairavam mesmo entre os oficiais: - Ouvi nas “altas rodas” que “a FEB não partirá porque o seu comandante é DE MORAIS 2 ; o comandante da Infantaria é da COSTA3; e o comandante da Artilharia é CORDEIRO, isto é, não é de briga”. Como foi a viagem de seu Escalão de Combate? Embarcamos no General Mann4 no primeiro dia de julho de 1944. Para onde estávamos indo? “O segredo do embarque, segredo de Polichinelo5, não foi obtido”. Norte da África? Sicília? Nápoles? Corriam especulações! O destino era ignorado. No entanto, havia confiança totalmente americano, “comida de cachorro”. Os vasos sanitários eram expostos, não tinham portas, e revoltavam especialmente os oficiais de mais alta patente que eram obrigados a compartilhar sua intimidade. Finalmente, no dia 16 de julho, chegamos a Nápoles. Ouvi dizer que nossos uniformes causaram alguma confusão na chegada à Itália. O Senhor tem alguma coisa a falar sobre esse assunto? Os primeiros problemas aconteceram logo após nosso desembarque. Os italianos nos consideravam “tedescos”.6 Além da aparência que levava os nativos a nos confundir com as tropas germânicas, como já salientei acima, outro aspecto a ser levado em conta é que nossos uniformes eram adequados 1 O Marechal Osvaldo Cordeiro de Farias (1901-1981) foi declarado Aspirante a Oficial de Artilharia no ano de 1919. Teve uma carreira militar brilhante e importante participação na vida política brasileira. Comandou a Artilharia Divisionária na II Grande Guerra. 2 O Marechal João Batista Mascarenhas de Morais (1883-1968) foi declarado Aspirante a Oficial de Artilharia no ano de 1904. Oficial de grande prestígio entre seus pares, comandou a FEB na II Grande Guerra. EsPCEx, onde tudo começa 11 EsPCEx à tropicalidade típica da maior parte do território brasileiro. Para reforçar a ideia da inadequação de nossos uniformes ao clima europeu, aproprio-me de uma frase do Tenente-coronel Antônio H. Almeida de Moraes (apud HENRIQUES, 1959, p.40-41): “O problema dos uniformes constituiu outro ponto de grande importância, pois os que trouxe do Brasil, comigo, não ofereceram proteção alguma contra os ventos gelados da ITÁLIA. No meu último relatório salientei, com ênfase, todos esses pontos capitais”. Em setembro de 1944, o General Eurico Gaspar Dutra, então Ministro da Guerra, realizou uma inspeção às tropas brasileiras estacionadas na Itália. Qual foi a importância desta inspeção? O resultado foi bastante positivo. Ele viu in loco o garbo, a vibração e a valentia do pracinha brasileiro e pôde trazer essas impressões para o nosso povo. Nos contatos que manteve com o General Mark Clark7 e com o Papa Pio XII 8 , ouviu destas autoridades rasgados elogios aos nossos combatentes. O comandante do V Exército descreveu com entusiasmo a satisfação de ter entre seus comandados os pracinhas brasileiros. Abordou desde a aclimatação da tropa, recebimento do armamento e treinamento, até as primeiras operações de combate. Salientou que o treinamento foi “especial, duro e terrível para a luta,” e que certo dia ao receber a informação de um oficial do seu Estado-Maior, sobre o alto grau de instrução e eficiência da tropa brasileira, resolveu, “empregá-la logo no front” (p.61). Em seguida, dirige-se a um mapa colocado numa parede e mostra todo o progresso da tropa brasileira, ao mesmo tempo em que reitera o acerto de sua decisão de emprego imediato, e que por isso havia decidido dar novas missões importantes para os brasileiros. Termina dizendo ao Ministro da Guerra (apud HENRIQUES, 1959, p.62): “É por isso, Sr. Ministro, que estamos tão ansiosos por mais tropas brasileiras. Mande-nos e o mais breve possível.” Parece-me que a capacidade de adaptação, a disciplina, a combatividade, o arrojo, e a liderança dos comandantes da tropa brasileira foram os aspectos mais relevantes salientados pelo Gen Mark Clark. Quanto ao Papa Pio XII, qual foi a mensagem deixada ao General Dutra? 3 O Marechal Euclydes Zenóbio da Costa (1893-1962) foi declarado Aspirante a Oficial de Infantaria e Cavalaria no ano de 1916. Oficial legalista, teve uma carreira militar brilhante, tendo sido Ministro da Guerra na década de 1950. Durante a II Grande Guerra comandou a Primeira Divisão de Infantaria da FEB. 4 General Mann era o nome do navio de guerra norte-americano que transportou a FEB do Rio de Janeiro até o porto de Nápoles, Itália. 5 De acordo PRIBERAM DICIONÁRIO. Disponível em: <http://www.priberam.pt/ >. Acesso em: 26 set 2014, segredo de Polichinelo é informação que deve ser secreta, mas que já é do conhecimento de todos. 6 Tedesco era uma forma pejorativa de referir-se aos soldados alemães. Nosso uniforme era muito parecido com o do Exército Alemão. 7 General Mark Clark (1896-1984). Graduou-se na Academia Militar de West Point em 1.917. Comandou o V Exército Norte Americano, na II Grande Guerra. 8 Papa Pio XII (1876-1958). Nascido com o nome de Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, foi papa da Igreja Católica Apostólica Romana entre 1939 e 1945. 12 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Homenagem da EsPCEx a todos os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Em letras de bronze, estão gravados os nomes de todas as batalhas travadas e, na base, uma pedra de cada lugar onde a FEB obteve vitória. “Sua santidade” referiu-se mais aos valores morais, sociais e éticos evidenciados pelos nossos soldados. Agradeceu a generosidade do soldado brasileiro para com o povo italiano. Disse ainda, “que a fama da bondade, de bom comportamento e do grande coração dos oficiais e soldados do Brasil” já havia chegado ao ouvido de todos os italianos. Solicitou ainda ao Ministro, a transmissão ao governo e ao povo brasileiro dessa “grande e generosa prova de solidariedade humana”. Terminou deixando “os seus mais cordiais agradecimentos aos componentes da FEB e ao Exército Brasileiro, em geral”. Como era a “alma” do combatente brasileiro? É importante, para os estudos psicológicos, compreender o que pensa um ser humano que participa de um combate. Ouvi de um ex-pracinha de infantaria uma narrativa que me leva a pensar nas transformações que ocorrem na “alma” de um combatente. Ele disse que, ao ouvir um assobio, escutou um grito: - Deita! Atirou-se numa cratera de granadas, onde jazia um companheiro EsPCEx, onde tudo começa 13 EsPCEx de seu pelotão, permanecendo com o rosto enterrado na lama por intermináveis minutos. Granadas pipocavam ao seu lado, como se o estivessem procurando. No céu espoucavam as very-light9 iluminando tudo. Ao seu “redor só via aqueles clarões alaranjados das granadas explodindo, porém, já nada ouvia, tonto como estava”. Ele não soube calcular quanto tempo ficou naquela posição, talvez alguns poucos minutos, mas o seu sentimento é de que foram anos. Machucado pelas quedas, segurando firmemente em uma das mãos o equipamento rádio e na outra seu fuzil, sentia que seu coração queria saltar do peito. Uma explosão mais forte arrancou o capacete de aço de sua cabeça, e ele sentiu “medo da morte, o desespero de um homem que sente a vida por um fio e nada pode fazer, a não ser confiar na própria sorte”. Após uma pequena calmaria, rastejou até uma zona segura. Passou o resto da noite numa adega, cochilando sentado a um canto, e ouvindo o gemido incessante de companheiros feridos. Um enfermeiro deu-lhe um algodão embedido em algum líquido de cheiro forte. Sentia como se estivesse embriagado, e ouvia insistente zunido em seu ouvido. Ao seu lado, um pracinha vomitava algo viscoso misturado com sangue. Um pouco mais distante, pessoas morimbundas envoltas em trastes rasgados e sujos de sangue, tornava aquele porão cheio de quinquilharias e teias de aranhas, um cenário digno de filme de terror. No entanto, mesmo “com o corpo dolorido, a mão direita 9 machucada, tonto, ele estava feliz, imensamente feliz, porque estava vivo. O espetáculo do sofrimento alheio deixava-o indiferente. Ele estava vivo. Era isso o mais importante.” Como era o comportamento de nossos pracinhas durante as ações de combate? A postura na guerra foi bem diferente da observada nos treinamentos no Brasil. Na guerra não pode haver negligência. O perigo está sempre presente, é disciplinador. Não é preciso recomendar silêncio – cada um gostaria de ter os pés que flutuassem, nem tanto para evitar as minas, mas principalmente, para evitar que qualquer barulho chamasse a atenção do inimigo. Ao cavar uma toca, nossos soldados cavavam com um ardor até então desconhecido. Seriam “capazes de cavar com os dedos e as unhas se não tivessem ferramentas”. O inverno da Europa se tornara uma grande dor de cabeça para os chefes encarregados da organização da FEB. Como se comportaram nossos pracinhas quanto a esse aspecto? Nossos pracinhas derrotaram o inverno! No sul do Brasil costuma-se dizer que, num primeiro momento, enquanto a reserva calorífica ainda está presente, o nortista suporta melhor o frio do que o nativo. Esgotada esta, ambos tremem juntos. No único inverno passado na Itália essa reserva calorífica funcionou muito bem. Prevaleceu a inteligência do combatente do Brasil que desde logo abandonou as botinhas mais justas que Very-light são granadas iluminativas. 14 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx lhes foram entregues e adotaram as galochas norte-americanas bem mais largas e confortáveis, recheadas com jornais e lãs enrolados nos pés e canelas. Era crucial para o comando do IV Corpo de Exército a conquista de Monte Castello porque ele permitia a continuação da missão em direção ao norte da Itália, protegido dos fogos e das vistas do inimigo. Nós sabemos que ocorreram quatro tentativas de tomá-lo, ainda no ano de 1944, e ele só foi conquistado no dia 21 de fevereiro de 1945. O Senhor poderia nos falar sobre este fato heróico? germânicos até que chegassem reforços; o desconhecimento do terreno por parte dos atacantes; o ataque frontal em terreno íngreme e difícil; o emprego de tropa desgastada pela ação; a falta de meios de ataque; as condições atmosféricas, o barro e a inclinação do terreno em algumas das tentativas; e a exposição do flanco esquerdo. Eu vi do alto a tomada de Monte Castello! Levantei voo por volta das 6h30min da manhã, do dia 21 de fevereiro de 1945, e a primeira cena era aparentemente contraditória. Do lado brasileiro, um efervescente movimento. Centenas de viaturas dividindo as estradas com incontáveis combatentes, um verdadeiro formigueiro. Do lado alemão janelas fechadas, não se viam armas, não era possível observar movimentos. O silêncio era sepulcral. Muito se fala a respeito de quantos homens, pelotões, companhias e batalhões defendiam Monte Castello. As primeiras observações da Segunda Seção da FEB indicavam a possibilidade da existência de três batalhões: um em O avião em que eu me encontrava posição e outros dois em condições de reforçá-lo em pequeno espaço de buscou mais altura e fiquei em condições de regular os precisos tiros tempo. da Artilharia. Este foi o primeiro grande De repente, um pouco abaixo de obstáculo da FEB na guerra. Devo acrescentar que tropas americanas mais nós, surgem como um enxame de bem equipadas e mais experientes, vespas os furiosos Thunderbolts10, da também fracassaram nas primeiras Força Aérea Brasileira (FAB), tentativas de conquista desse bastião. despejando gasolina gelatinosa ou As razões do insucesso no outono metralhando impiedosamente as europeu de 1944 são diversas. Vou posições alemãs. Foi aí que pude tentar, baseado nos diversos relatórios observar melhor e informar à Central apresentados pós-ação, levantar de Tiro da Artilharia Divisionária a algumas causas: a determinação existência de um morteiro camuflado defensiva dos alemães; a dentro de um monte de feno. impossibilidade de obter o elemento Pela manhã, a resistência surpresa; o apoio aéreo inadequado ou germânica nos causou muitas inexistente; a possibilidade de dificuldades e baixas. Disseram-me manutenção da posição pelos que, por volta das 14h30min, o ardor EsPCEx, onde tudo começa 15 EsPCEx defensivo havia arrefecido, e que agora o avanço lento era decorrência da existência de minas e armadilhas deixadas pelo inimigo e pelo natural cuidado que deve ter uma tropa que ataca tão difícil posição. Por volta das 18h30min. veio a confirmação: “caiu Monte Castello. Pela manobra11.” muito bem mobiliadas e possuíam aquecedores. Sobre essa conquista, gostaria de ressaltar que, para nós que levamos uma única divisão para a Itália, foi uma referência, um símbolo. É possível que, para os alemães que chegaram a ter mais de cem divisões na guerra, Monte Coronel, eu continuo tendo uma Castello fosse apenas um morro como dúvida sobre esse obstáculo. Como outro qualquer. era Monte Castello? Algumas pessoas argumentam que Eu gostaria de abordar três pontos os soldados brasileiros só entraram de vista. em ação quando a guerra estava Para mim, que sempre observei quase no fim e que, portanto, Monte Castello do ar, voando a cerca tiveram mais facilidades no combate. de dois mil metros acima dele, eu não O que o Senhor acha desses via nada demais. “Era uma elevação argumentos? monótona naquela casca de jaca dos Creio que eles sejam injustos. Em 12 Apeninos .” primeiro lugar, desconsideram o valor Para quem estava lá embaixo do soldado brasileiro, o que não é combatendo, o cenário era outro. Assim verdade, como tive oportunidade de o descreveu o Capitão Newton C. de narrar em diversos trechos dessa Andrade Mello (apud, HENRIQUES, entrevista. Em segundo lugar, 1959, p.107): “É um morro feio, desprezam a combatividade do povo íngreme, de mil metros de altura, germânico. pedregoso em parte, cheio de esporões, Há de se fazer justiça ao valor do quase sem vegetação”. soldado que enfrentamos. Mostrando Ao ser observado mais de perto fibra e coragem, lutaram muito bem após conquistado, via-se um tanto no início do conflito, quando “monumental panelão com rebordos tinham superioridade numérica, quanto reforçados, tal como não se podia nos últimos meses de conflito, quando imaginar antes.” A posição privilegiada não tinham mais ao que recorrer. permitia ampla vista da frente de Venderam caro cada pedacinho de solo combate, era equipada com magníficas cedido! É contra esse soldado que lutou construções e casamatas que resistiam nosso inexperiente pracinha, saindo-se aos tiros dos nossos canhões. muitíssimo bem. Internamente as construções eram Após Monte Castello, a FEB seguiu com êxito cumprindo as missões do 10 O Republic P-47 Thunderbolt, equipado com um único motor de combustão interna, foi um dos principais caças utilizados pelos americanos na II Grande Guerra. Mostrou eficiência tanto no combate aéreo quanto como caça-bombardeiro. Foi utilizado pela FAB neste conflito. 11 No vocabulário militar brasileiro, costuma-se empregar a expressão “caiu pela manobra”, quando a conquista é obtida com nenhuma ou poucas baixas. 12 A cordilheira dos Apeninos estende-se por cerca de 1.000 km ao longo da Itália central e costa leste. No oeste desta cordilheira se localizam a maior parte das cidades históricas italianas, como Siena, Florença, Pisa, dentre outras. Na parte setentrional destas elevações foram construídas uma série de posições defensivas pelos alemães, que ficaram conhecidas com o nome de Linha Gótica. 16 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx IV Corpo de Exército: vale do Marano; região de Santa Maria Villiana; Castelnuovo; Soprasasso e outras. O Senhor dedica um título inteiro à conquista do Soprasasso. A literatura sobre a guerra tem pequena preocupação com esse tema. Por que o Senhor dá tanta importância à conquista desse obstáculo? Os altos escalões de comando dão maior importância às manobras que possibilitem maior vantagem estratégica. E isso é um fato que devemos pensar melhor. Observe que o próprio Marechal Mascarenhas, ao escrever suas memórias, não concede ao Soprasasso “um título no alto de uma página. [...] Mas o combatente só guarda os nomes que lhe ferem a própria carne”. A conquista que causou mais baixas às nossas forças foi a de Montese. O Senhor poderia nos transmitir a sua visão sobre esse heróico episódio? Pagamos um preço alto para conquistar a cidadela de Montese. Foram quatrocentas e vinte seis baixas: trinta e quatro mortos; trezentos e oitenta e dois feridos e acidentados; e dez extraviados. Muito sangue derramado! Mas eu queria salientar dois fatos que não podem ficar no esquecimento. “Saco A”: Ao livrar os companheiros montanheses da armadilha que a artilharia germânica lhes reservava, o flagelo de nossos pracinhas saldava a dívida de sangue derramado por nossos irmãos norte-americanos, que dias antes tinham sido imolados para facilitar a tomada de Monte Castello. O primeiro, foi a determinação do soldado brasileiro. Sem a orientação dos observadores aéreos, que não puderam levantar voo, em virtude do mal tempo, a progressão da tropa submeteu-se a intenso bombardeio da artilharia alemã. “Parecia que o comando alemão dera ordem para consumir toda a munição Durante meses, essa elevação na eventualidade de uma retirada.” levou moradores e viajantes a viver em O outro, foi o exemplo de permanente sobressalto. Então, cooperação que nos foi legado pelo conquistá-la era questão de honra. Isso Marechal Mascarenhas. A missão de explica, de certa maneira, o júbilo dos conquistar Montese havia sido dada à conquistadores ao atingir o objetivo. Décima Divisão de Montanha dos As inúmeras vítimas dos fogos de Estados Unidos. Devo ressaltar que os artilharia e franco-atiradores relataram brasileiros nutriam grande admiração diversas vezes os perigos da exposição por essa valorosa grande unidade. ao Soprasasso. Tenho alguns Tanto é verdade que, durante a reunião testemunhos escritos. dos comandantes militares do IV Corpo Gostaria de ler uma poesia sobre de Exército, nosso comandante esse ponto crítico, assinado por um de ofereceu-se e foi atendido na pretensão nossos pracinhas, que assina como de atacar a cidadela de Montese. “Adeus, adeus SOPRASASSO Cabeça longa que a estrada Numa contínua emboscada, Como serpente vigia. Adeus, ó reta da morte Onde não foi por esporte Que o mestre praça corria!” EsPCEx, onde tudo começa 17 EsPCEx É bom ressaltar a postura de Eu não poderia terminar esta nossos interlocutores que, mesmo em entrevista, sem lhe perguntar: Como se deu a rendição da Divisão posição de superioridade, souberam respeitar e tratar com dignidade os Alemã em Gaiano? inimigos. Louve-se a atitude do comandante da Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE). Reconhecendo a iminência da Coronel, agradeço por ter nos queda da Wehrmacht13 “e não querendo legado tão interessante obra. derramar inutilmente sangue”, o Gostaria de usá-lo como referência General Mascarenhas solicitou a um para agradecer também a todos os interlocutor (o vigário D. Alessandro pracinhas que saindo de um país Cavalli) que levasse uma intimação ao distante e tropical, defenderam com comando da tropa germânica que se toda a galhardia os princípios encontrava na área de operação de democráticos. nossa grande unidade. *** Algumas horas depois, já com os brasileiros atacando as posições germânicas, o chefe do Estado Maior Bibliografia da 148ª Divisão cruza nossas linhas, ANSWERS. Disponível em: http://www.answers.com/topic/clarkdeclarando ter autoridade para negociar mark-wayne. Acesso em 29 set. 14. “a rendição da 148ª Divisão de CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA Infantaria Alemã e remanescentes da CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Disponível em: http:// Era Vargas2/biografias/ Divisão Bersaglieri e da 90ª Panzer cpdoc.fgv.br/producao/dossies/A Zenobio_da_Costa. Acesso em: 26 set. 14. Granadier. Depois das tratativas, e já na madrugada do dia 29 de Abril de 1945, os negociadores germânicos retornam às suas linhas, levando ao seu comandante a notícia do rendimento incondicional de suas Forças: aproximadamente 16.000 homens, sendo cerca de 800 feridos; 4.000 animais; e cerca de 2.500 viaturas. HENRIQUES, Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Rio de Janeiro: Bibliex, 1959. MEIRA MATTOS, Carlos de. Mascarenhas de Morais e sua época. Rio de Janeiro: Bibliex, 1983, p.75-77. PRIBERAM DICIONÁRIO. Disponível em: http://www.priberam.pt/ . Acesso em: 26 set. 14. SENTANDO A PUA. Disponível em: http:// www.thunderbolt.sentandoapua.com.br/rip.htm. Acesso em: 29 set. 14. WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Apeninos. Acesso em: 26 set. 14. (*) O Coronel Professor, da Arma de Comunicações, Jefferson Afonso Kobal graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 1975. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado) em 1985. Possui os seguintes cursos civis e miltares: Administração de Empresas, Pontifícia Universidade Católica de CampinasPUC (1989); Informática Aplicada à Educação Construtivista (pós-graduação), Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP (1997). Atualização Pedagógica, Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ/CEP (1995); MBA-Gestão Pública, Fundação Armando Alvares PenteadoFAAP/SP (2005). Atualmente é Professor de História da EsPCEx. email: [email protected] 13 Wehrmacht (Força de Defesa) foi o nome dado às Forças Armadas da Alemanha durante o III Reich (1935-1945). 18 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Currículos, Disciplinas, Ideias Fundamentais Nílson José Machado (*) Professor Titular da Universidade de São Paulo. Introdução: os currículos e a fragmentação disciplinar Já vai longe a época em que “ler, escrever e contar” expressava o elenco de competências que deveria derivar das matérias ensinadas na escola básica. Atualmente, o conhecimento escolar apresenta-se extremamente fragmentado. Um aluno do Ensino Médio assiste a um desfile de mais de uma dúzia de disciplinas nas atividades rotineiras. Em todos os níveis de ensino, ocorre um aumento no rol de matérias a serem estudadas. A ausência ou a fragilidade das relações significativas entre elas conduz facilmente ao desinteresse. Os alunos interessam-se pela vida, são seduzidos por inúmeros temas extraescolares, e, muitas vezes, desdenham dos temas escolares. O calcanhar de Aquiles da escola é esta carência de interesse pelos conteúdos programá-ticos das diferentes disciplinas. Ambiental, Matemática Financeira, por exemplo, podem ser muito interessantes para aulas de Biologia, Geografia ou Matemática, mas decididamente não têm o estofo de disciplinas e não podem ser tratados como se o fossem. Disciplina: significado e função Em sentido próprio, uma disciplina é uma via, é um meio de se trazer o conhecimento em amplitude e plenitude para a sala de aula. Disciplinas são espaços de mediações entre a criação do conhecimento e sua aprendizagem, entre a produção e a transmissão do conhecimento. Para constituir o conhecimento escolar, o conhecimento institucionalizado precisa ser organizado, disciplinado, subdividido, articulado em um currículo, ou um conjunto de vias, para a tramitação dos conteúdos; tais vias são as disciplinas. Desde a origem, a ideia de currículo está associada à de uma articulação de caminhos para serem percorridos, a um mapa de cursos de ação, ou de percursos. Fragmentação disciplinar, esgarçamento do significado, perda do interesse são efeitos naturalmente interligados. Na raiz dos três, encontrase a descaracterização da ideia de disciplina e sua consequente proliferação acrítica. Tendo-se transformado em mero canal de O primeiro currículo de que se tem comunicação entre a escola e a vida, a ideia de disciplina banalizou-se. Temas registro na história do pensamento como Educação Sexual, Educação ocidental é o Trivium, ensinado nas EsPCEx, onde tudo começa 19 EsPCEx escolas e universidades até a Idade Média. Representava um conjunto de três disciplinas (três vias) – Gramática, Lógica e Retórica – que eram ensinadas para a formação básica das pessoas. Daí se origina a palavra trivial: o que todos devem saber. A Gramática visava ao conhecimento da língua materna, elo fundamental na constituição da vida coletiva. Tratar mal a língua materna era considerado, então, um atestado de incivilidade. A Lógica – entendida como Dialética – era um instrumento a serviço do desenvolvimento da capacidade de argumentação, para fundamentar a tomada de decisões. E a Retórica consistia no exercício da competência na escolha de formas de falar e de argumentar de modo a produzir o convencimento dos ouvintes. Sua presença no currículo era uma declaração expressa de que falar corretamente e até argumentar com discernimento não basta: é preciso interessar-se pelo outro. Com o advento da Ciência Moderna, a concepção de conhecimento modificou-se significativamente, dando origem a um novo conjunto de disciplinas. No século XVII, Descartes propôs a imagem de uma árvore para a representação do conhecimento. As raízes de tal árvore seriam a Metafísica; o tronco, a Física, entendida como Filosofia Natural; e os ramos, as diversas disciplinas, como a Medicina, a Mecânica, a Óptica etc. Diferentemente do Trivium, a língua materna não tinha qualquer presença de peso na representação cartesiana, que atribuía à Matemática o papel de linguagem da Ciência. A própria Matemática não aparecia como uma disciplina localizada na árvore, mas sim como a seiva que continuamente a alimentava, ou seja, como condição de possibilidade do conhecimento. A arquitetura harmoniosa do Trivium era sucedida por outra, igualmente bem articulada, que era o Quadrivium, um currículo de aprofundamento, que consistia em mais quatro disciplinas: Aritmética e Música; Geometria e Astronomia. As duas primeiras, eram consideradas o estudo dos números (em repouso: Aritmética; em movimento: Música); as duas seguintes consistiam no estudo das formas (em repouso: Geometria; em movimento: Astronomia). Em conjunto, as sete disciplinas citadas constituíam o currículo para a formação integral daqueles que estudavam. Na época, a escola não era para todos. A partir da segunda metade do século XIX e ao longo de todo o século XX, as disciplinas multiplicaram-se, os currículos tornaram-se excessivamente complexos e perderam a unidade que os caracterizava nas fases iniciais. Continuamente, temas situados em regiões fronteiriças de disciplinas estabelecidas reivindicam o estatuto de novas disciplinas. A especialização crescente conduz à criação de disciplinas no interior das já existentes, verdadeiras intradisciplinas. Paulatinamente, os currículos perderam a visão de totalidade, a pretensão de abrangência e as disciplinas deixaram de ser pensadas como vias, como meios para se atingir fins que as transcendam. 20 Disciplinas: o excesso de fragmentação EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Ao mesmo tempo, instalou-se uma espécie de intolerância disciplinar, em que os praticantes e estudiosos de cada tema defendem seu território com afinco, e proclamam que o conhecimento de seus conteúdos básicos é imprescindível a qualquer cidadão. Ao final do Ensino Médio, os vestibulares são um momento especialmente propício para a constatação de tal intolerância. O grau de fragmentação dos conteúdos é tão grande que o significado mesmo de cada tema, na perspectiva do cidadão comum, esvaise por entre os dedos. Os conteúdos perdem progressivamente o caráter de meio de formação pessoal e parecem transformar-se em obstáculos a serem superados. Em experiência de pensamento, é possível conjecturar que a maior parte dos docentes ou pesquisadores de universidades prestigiosas não seria aprovada nos exames de ingresso às instituições em que lecionam... consideração essa tendência a um aumento da fragmentação, que se encontra na origem da perda de significado do que se estuda. Dado que o movimento de especialização crescente não tem retorno, é preciso equilibrá-lo com um movimento em sentido contrário, de ascensão em busca de uma visão mais abrangente da totalidade do conhecimento. Ao mesmo tempo em que estudamos temas intradisciplinares cada vez mais finos, como o mapeamento genético, precisamos de conceitos cada vez mais abrangentes, como os que nascem no terreno da Bioética. À decifração do genoma humano temos que associar reflexões mais densas sobre o significado do ser humano, da consciência pessoal, do início e do fim da vida. Para lidar com o excesso de fragmentação, tendo em vista a compreensão do significado do que se ensina, um recurso eficaz é a atenção ao que é fundamental, ou aos princípios norteadores de cada tema. É preciso concentrar-se em um pequeno número de ideias fundamentais, próprias a cada matéria; justamente pela posição basilar que ocupam, elas se irradiam por todos os assuntos, articulando-os e fazendo com que cada disciplina transborde nas demais. Naturalmente, a anomalia que tal fato representa tem origem na fragmentação excessiva dos conteúdos disciplinares. As disciplinas são instrumentos necessários, são meios imprescindíveis na construção do conhecimento, mas sem uma visão de conjunto da foto que se examina, um estudo pontual, precocemente especializado, somente pode conduzir Currículos: da fragmentação às ideias a tecnicidades insignificantes. fundamentais Na medida em que são mediações entre o conhecimento em sentido Reiteramos, então, que um amplo, cada vez mais complexo, e o currículo tem a função de mapear os conhecimento escolar, necessariamente temas/conteúdos considerados organizado em disciplinas, é natural relevantes, tendo em vista o que os currículos sejam multidiscipli- tratamento e a articulação das nares, mas é necessário levar em informações disponíveis, e a construção EsPCEx, onde tudo começa 21 EsPCEx do conhecimento em sentido pleno, em suas diferentes vertentes. Cada disciplina que compõe um currículo tem um programa que estabelece os temas a serem estudados, delimitando seu território, ao mesmo tempo em que oferece vias de integração com as demais, na busca do fim comum que é a formação adequada dos alunos. Em cada conteúdo, existem ideias fundamentais a serem exploradas; elas é que constituem a razão do estudo de cada uma das diversas disciplinas. É possível estudar muitos conteúdos sem uma atenção adequada às ideias fundamentais envolvidas, como também o é uma explicitação e uma valorização de tais ideias, mesmo tendo por base a exploração de alguns poucos conteúdos. Nos programas escolares, a lista de temas a serem estudados costuma ser extensa, e às vezes é artificialmente ampliada por meio de uma decomposição minuciosa em tópicos nem sempre suficientemente significativos. Já a lista de ideias fundamentais a serem necessariamente exploradas, nunca é tão extensa, uma vez que justamente o fato de serem fundamentais conduz a uma reiteração e um reencontro de noções similares no estudo de uma grande diversidade de temas. É crucial, no entanto, em cada tema, em cada disciplina, identificar um elenco de ideias fundamentais, em torno das quais o programa e as atividades serão organizadas. Consideremos, por exemplo, a disciplina Matemática. A ideia de proporcionalidade encontra-se presente tanto no raciocínio analógico, 22 em comparações tais como “O Sol está para o dia assim como a Lua está para a noite”, quanto no estudo das frações, nas razões e proporções, no estudo da semelhança de figuras, nas grandezas diretamente proporcionais, no estudo das funções do primeiro grau, e assim por diante. Analogamente, a ideia de equivalência, ou de igualdade naquilo que vale, está presente nas classificações, nas sistematizações, na elaboração de sínteses, mas também quando se estudam as frações, as equações, as áreas ou volumes de figuras planas ou espaciais, dentre muitos outros temas. A ideia de ordem, de organização sequencial, tem nos números naturais sua referência básica, mas pode ser generalizada quando pensamos em hierarquias segundo outros critérios, como a ordem alfabética, por exemplo. Também está associada, de maneira geral, a priorizações de diferentes tipos, e à construção de algoritmos. Outra ideia a ser bastante valorizada ao longo de todo o currículo de Matemática é a de aproximação, a de realização de cálculos aproximados. Longe de ser o lugar por excelência da exatidão, da precisão absoluta, a Matemática não sobrevive nos contextos práticos, nos cálculos do diaa-dia sem uma compreensão mais nítida da importância das aproximações. Os números irracionais, por exemplo, somente existem na realidade concreta, sobretudo nos computadores, por meio de suas aproximações racionais. Algo semelhante ocorre na relação entre os aspectos lineares (que envolvem a ideia de proporcionalidade direta entre duas grandezas) e os aspectos não-lineares EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx da realidade: os fenômenos nãolineares costumeiramente são estudados de modo proveitoso por meio de suas aproximações lineares. Funções mais complexas do que as lineares, como as funções transcendentes (exponencial, logarítmica, senos, cossenos, tangentes etc.) são aproximadas, ordinariamente, nas aplicações práticas da engenharia, por exemplo, por funções polinomiais, e mesmo por funções lineares, por meio do Cálculo Diferencial, assim por diante. É importante destacar, no entanto, que, ao realizar aproximações, não estamos nos resignando a resultados inexatos, por limitações em nossos conhecimentos: um cálculo aproximado pode ser – e em geral o é – tão bom, tão digno de crédito quanto um cálculo exato, desde que satisfaça a certas condições muito bem explicitadas nos procedimentos matemáticos. O critério decisivo é o seguinte: uma aproximação é ótima se e somente se temos permanentemente condições de melhorá-la, caso desejemos. Proporcionalidade, equivalência, ordem, aproximação: eis aí alguns exemplos de ideias fundamentais da Matemática a serem exploradas nos diversos conteúdos apresentados, tendo em vista o desenvolvimento de competências como a capacidade de expressão, de compreensão, de argumentação etc. Ideias fundamentais: critério de reconhecimento Naturalmente, o reconhecimento e a caracterização de um elenco de ideias fundamentais em cada disciplina é uma tarefa urgente e ingente, constituindo o verdadeiro antídoto para o excesso de fragmentação na apresentação dos conteúdos disciplinares. Não se trata aqui de fixar rigidamente a lista inexorável de tais ideias, mas sim de escolher uma tal lista, como se escolhe o elenco para representar uma peça teatral, ou uma base para descrever um espaço vetorial. Naturalmente, algumas ideias fundamentais estarão presentes em praticamente todas as listas que organizarmos; outras, se alternarão, dependendo do projeto a que servem. Entretanto, é preciso evitar a banalização do que se caracteriza como uma ideia fundamental, e para isso, um critério nítido, para balizar as escolhas, pode ser aqui formulado. Três características notáveis estão presentes em cada ideia que faz jus ao qualificativo “fundamental”. Em primeiro lugar, qualquer ideia realmente fundamental pode ter seu significado e sua importância explicada apenas com o recurso à linguagem ordinária; se for necessário recorrer a tecnicidades excessivas para se fazer compreender uma ideia, ela pode ser importante, mas não é fundamental. A ideia de energia, por exemplo, é fundamental na Física; ela pode ser apresentada como uma capacidade de produzir movimento, em suas várias formas de manifestação. Naturalmente, não se pretende que o conteúdo se esgote nessa apresentação intuitiva, mas é necessário que por aí se inicie. Em segundo lugar, uma ideia fundamental nunca é um assunto isolado, ou com raros vínculos com EsPCEx, onde tudo começa 23 EsPCEx outros temas: justamente por se tratar de fundamentos, tais ideias estão presentes, quase sempre de modo bem visível, em múltiplos temas da disciplina, possibilitando, em decorrência de tal fato, uma articulação natural entre eles, numa espécie de “interdisciplinaridade interna”. A ideia de proporcionalidade, por exemplo, transita com desenvoltura entre a aritmética, a álgebra, a geometria, a trigonometria, as funções etc. Em terceiro lugar, uma ideia realmente fundamental nunca se esgota nos limites da disciplina em que surge: sempre transborda tais limites, enraizando-se em outros territórios disciplinares e articulando entre si as diversas disciplinas. A ideia de energia, por exemplo, mesmo desempenhando um papel fundamental na Física, transita com total pertinência pelos terrenos da Química, da Biologia, da Geografia etc. Em razão disso, favorece naturalmente uma aproximação no tratamento dos temas das diversas disciplinas referidas. Numa frase, ao situar o foco das atenções nas ideias fundamentais de cada disciplina, favorecemos uma tríplice articulação: entre a linguagem da Ciência e a linguagem ordinária; entre diversos temas no interior de cada disciplina; e entre os conteúdos das diversas disciplinas. Ideias fundamentais: a constituição de um elenco Enfrentar o permanente desafio com que se deparam os formuladores de currículos, ou de matrizes de conteúdos disciplinares a serem avaliados, requer o reconhecimento e 24 o mapeamento de um elenco de ideias fundamentais em cada disciplina, tendo em vista a articulação de toda a diversidade de conteúdos. Reiteramos que não se pode pretender a determinação unívoca de uma lista fechada de ideias, mas a composição de uma tal lista está longe de ser um exercício de arbitrariedade. Três recomendações podem orientar essa tarefa. Em primeiro lugar, é necessário compor um elenco – e não apenas um conjunto de ideias fundamentais. Em um elenco, de uma peça ou de uma equipe esportiva, não basta reunir certo número de participantes, é importante cuidar para que cada um represente bem o papel que lhe é determinado. Podem existir – e em geral ocorrem – zonas de interação ou de reiteração dos fins colimados, mas não devem ocorrer simples duplicidades na representação dos papéis. Constituir um elenco é como escolher os vetores da base para descrever um espaço vetorial: deve existir certa independência entre eles, bem como algum acordo sobre a dimensão de tal espaço. Em segundo lugar, é preciso cuidar para que tal elenco, como um mapa, represente a totalidade do território disciplinar a ser estudado. Um mapa não pode conter tudo o que está no território, mas também não pode deixar regiões desguarnecidas. Sua construção deve propiciar a referência a todos os pontos do território, ainda que em escala compatível com a abrangência do estudo e com o tempo disponível para a exploração. A competência na escolha de uma escala adequada no tratamento de um tema é EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx uma das maiores qualidades de um bom professor. Além disso, é imprescindível que um mapa explicite relações valorativas entre os elementos envolvidos. Não é porque os assuntos encontram-se multiplamente relacionados que todos têm o mesmo valor: todo mapa é um mapa de relevâncias. Em terceiro lugar, uma observação que pode ajudar na constituição de um elenco de ideias fundamentais é o fato de que elas frequentemente ocorrem constituindo pares complementares. Ainda que a vida, em suas diversas dimensões, não se deixe apreender perfeitamente por alternativas simples, binárias, do tipo Verdadeiro/Falso, Bem/Mal, Herói/Vilão, as polarizações constituem um recurso natural para a compreensão de qualquer tema. Não podemos parar nelas, mas é importante partir delas, enfrentar dilemas e ultrapassá-los, aportando em situações mais complexas, que envolvem bem mais do que a escolha simples entre duas alternativas. igualmente sucinto, segue uma referência às demais ideias citadas. Medida Não parece necessário insistir demasiadamente no caráter fundador da ideia de Medida em Matemática. Ela se encontra na origem da própria ideia de número, constituindo um de seus dois pés, ao lado da contagem, e grande parte da Geometria decorre dela. Grandezas, interdependências, funções, probabilidades, quase tudo pode ser associado à ideia de Medida. Interdependência A sentença matemática mais típica é do tipo “se p, então, q”, que representa um germe de interdependência. A própria proporcionalidade é um padrão inicial de interdependência, a ser desenvolvido e generalizado. As funções e as correlações estatísticas podem situarse nesse terreno. Invariância/Variação Desde muito cedo, a busca de regularidades, de padrões ou de invariâncias em múltiplos contextos constitui um foco das atenções da Matemática. O estudo das formas de crescimento e de decrescimento, das rapidezes em geral – ou das taxas de variação – pode ser associado a tal par de ideias desde o estudo das funções mais elementares. No caso da Matemática, por exemplo, equivalência e ordem são um par de ideias complementares, que é decisivo na construção dos números naturais. Outros pares parecem ser: medida e aproximação; proporcionalidade e interdependência; invariância (regularidade) e variação (taxas); demonstração e aleatoriedade; representação e Demonstração/Aleatoriedade problematização. A ideia de demonstração situa-se Algumas palavras já foram no próprio cerne do pensamento registradas anteriormente sobre as matemático. Teoremas são pequenas ideias matemáticas de Equivalência, narrativas matemáticas, a serem Ordem, Proporcionalidade e apreciadas desde muito cedo, Aproximação; ainda que de modo naturalmente aliviadas de preocupações EsPCEx, onde tudo começa 25 EsPCEx excessivamente formais. A ideia de que nem tudo pode ser determinado causalmente, por meio de frases do tipo “se p, então, q”, conduz ao conhecimento do aleatório, do que é “provável” ou do que pode ser “provado”, mesmo de modo não determinístico, como no lançamento de um dado. Representação A Geometria trata da percepção e da representação do espaço. Inicialmente, o espaço físico predomina; aos poucos, a arte e mesmo a rede informacional passam a constituir espaços igualmente representáveis, associando a concretude do mundo real às idealizações de outros espaços. A Álgebra também é um lugar das representações dos números, das operações e das interdependências. Problematização Um problema sempre traduz uma ou mais perguntas a serem respondidas, a partir de uma situação-problema, no mundo real ou em algum espaço de representações. Como a linguagem matemática não comporta sentenças interrogativas, o modo de fazer perguntas em Matemática é traduzi-las por meio de uma suposta afirmação envolvendo incógnitas, ou seja, por meio de uma equação. Para ser resolvido, um problema precisa ser equacionado, ou seja, suas perguntas precisam ser traduzidas na forma de um sistema de equações. Conclusão: Currículo Nacional e ideias fundamentais 26 Em países com dimensões continentais, como o Brasil, a fragmentação curricular a que nos referimos desde o início tem seus efeitos potencializados em decorrência da inexistência de uma base curricular nacional, para articular os sistemas de ensino em seus diferentes níveis. Os diversos mosaicos disciplinares locais não contribuem para compor um quadro de referência para balizar os resultados das avaliações que são regularmente realizadas em todos os Estados. Quando se discute a construção de uma tal base curricular nacional, algumas questões são recorrentes. Argumentar contra uma padronização excessiva, que subestime a diversidade e a riqueza das culturas locais parece simples, assim como também o é defender a importância da unidade nacional a partir de projeto educacional único. Como equilibrar o respeito pelas diferenças regionais com a necessidade patente de construir um projeto unitário de país, que é absolutamente tributário da garantia de uma educação básica de qualidade para todos? Uma resposta simples a tal questão tem sido a perspectiva da fixação de uma porcentagem expressiva da carga disciplinar para conteúdos comuns a todos os sistemas, complementando-a com conteúdos característicos de cada região do País. Por razoável que pareça, uma distinção como essa pode até mesmo acentuar a fragmentação disciplinar, favorecendo, além disso, a instalação de certa esquizofrenia curricular: a disputa de espaços entre o nacional e o regional não pode conduzir a bom termo. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Outra perspectiva, mais promissora, pode ser o reconhecimento de que a padronização nacional dos conteúdos curriculares diz respeito a uma busca de isonomia quanto aos fins educacionais almejados; as estratégias didáticas, os meios e recursos para o tratamento dos temas podem ser – e é desejável que o sejam – marcadamente diversificadas, respeitando-se as características regionais. Uma educação básica de qualidade, que é condição de possibilidade de uma organização social democrática, não pode subestimar, nem superestimar as expectativas de formação, em razão da diversidade de circunstâncias materiais, ou de características culturais. As ideias fundamentais de cada disciplina são essencialmente as mesmas, do Oiapoque ao Chuí: as formas de apresentação escolhidas para o desenvolvimento de tais ideias é que devem ser consentâneas com a realidade em que os alunos se inserem. *** (*) Nilson José Machado foi aluno da EsPCEx no período 1964-1966 e concluiu o curso como 1° colocado da Turma Cidade de Campinas. É Professor Titular da Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1972, inicialmente no Instituto de Matemática e Estatística, e, a partir de 1984, na Faculdade de Educação. Ministra disciplinas na graduação e na pós-graduação, já havendo orientado mais de 5 dezenas de mestrados e/ ou doutorados. Escreveu diversos livros, frutos de seu trabalho acadêmico, dentre os quais se encontram Ética e Educação (2012), Educação e Autoridade (2009), Educação - Competência e Qualidade (2005), Educação - Projetos e Valores (2000), Epistemologia e Didática (1995), Matemática e Língua Materna (1990). É autor, ainda, de mais de duas dezenas de livros para crianças a partir de 5 anos. É palestrante da EsPCEx em 2014. www.nilsonjosemachado.net / email: [email protected] EsPCEx, onde tudo começa 27 EsPCEx Avaliando Competências no Português Guaraci Alexandre Vieira Collares (*) Professor de Língua Portuguesa e Literatura 1. Os Critérios Quando se trata de avaliar um aluno para posicioná-lo na turma, o processo torna-se muito mais complexo porque ajuda a construir um trajeto que acompanhará o estudante pela vida afora, enquanto estiver na ativa. Delineando um futuro profissional, começa por estar diretamente ligado à escolha da arma, irreversível, pelo menos até o momento, no caso da carreira do oficial da Linha Bélica do Ensino Militar. Em se tratando de Português, para ser o mais justo possível, deve haver um equilíbrio perfeito entre subjetividade e objetividade, para não se cometer injustiça e medir com absoluta certeza a competência-mãe da matéria: expressar-se adequadamente em Língua Portuguesa. O caminho mais produtivo para atingir-se tal objetivo é estabelecerem-se critérios muito bem definidos, o mais próximo da realidade do que se pretende para o aprimoramento da expressão escrita, compatível com um Bacharel em Ciências Militares. A Seção de Língua Portuguesa da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) vem fazendo isso ao longo dos anos e creio que atingiu um patamar bastante aceitável, em termos de Ensino por Competências. Aperfeiçoar o sistema de correção é extremamente necessário em provas 28 discursivas. Na Escola, em cumprimento ao Plano de Disciplina, a prática dissertativa exige que as avaliações sejam redações com, no mínimo, 25 linhas. A Cadeira busca a não eliminação sumária da subjetividade, o que seria desastroso em uma ciência humana, antes tomando-a como vigorosa aliada, mantendo o perfeito equilíbrio na análise dos critérios, a fim de que cada professor possa desenvolver com os companheiros docentes uma correção harmônica e justa dos trabalhos escritos, sem abandonar a própria experiência, princípios e individualidade. Os critérios adotados, TEMA, LINGUAGEM e GRAMÁTICA, já orientam as correções das redações há pelo menos uma década. Em cada um deles, a Cadeira vem aprimorando os níveis de desempenho, posicionando a redação em cada um deles. Os parâmetros desenvolvidos nada mais são do que subcompetências ou ampliações da Competência principal, habilidades necessárias à expressão escrita, que são medidas formalmente e produzem um grau final. Da mesma forma, o mais transparente possível, utiliza o mesmo sistema no Consurso de Admissão à Escola, com algumas diferenças óbvias, no caso das penalizações por erro cometido, por EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx se tratar de um concurso público, objetivando uma boa seleção dos candidatos. Aperfeiçoando-se ao longo dos anos, aprimorando-se, chegou-se, em 2014, a uma grade de correção que me parece bastante satisfatória e está sendo colocada em prática amplamente, com resultados muito positivos. A diminuição, beirando o zero, de alunos que recorrem do grau obtido, é prova viva do sucesso obtido. Revela, sem dúvida, uma aceitação do discente em relação à nota atribuída bem como à lisura do processo como um todo. Os critérios TEMA, LINGUAGEM e GRAMÁTICA são subdivididos em seis categorias: D, I, R, B, MB e E (Deficiente, Insuficiente, Regular, Bom, Muito Bom e Excelente). Em ordem crescente, estabeleceram-se os níveis, até o grau máximo. O R, de acordo com as normas, define o grau de aprovação, ou seja, o 5,0. 2. Descrição da Grade de Correção TEMA M G O aluno não abordou o tema proposto. D 0 I 15 O aluno tangencia o tema proposto, apresenta baixa capacidade de reflexão, baixo conhecimento do assunto; apresenta ideias-força originadas no senso comum; aborda o tema com superficialidade; mistura os assuntos; equivoca-se; manifesta insegurança para a tomada de decisão, numa fraca estrutura dissertativa. TEMA O aluno aborda o tema com baixa profundidade, manifesta uma mediana intenção persuasiva e capacidade argumentativa, mostrando mais uma simples constatação de fatos do que propriamente o posicionamento firme em relação à proposta; apresenta ideias-força retiradas do senso comum, numa razoável estrutura dissertativa. O aluno aborda o tema com boa profundidade, faz a ligação com a proposta, define bem o objetivo que deseja defender, apresenta ideias-força aceitáveis, fundamentadas em bom conhecimento do assunto, bom poder persuasivo e capacidade argumentativa, numa boa estrutura dissertativa. O aluno faz uma abordagem adequada, ligada à proposta, define muito bem o objetivo, demonstra segurança para tomada de decisão, apresenta ideias-força irrefutáveis e ampliadas, com muito bom nível de conhecimento do assunto, inequívoca atitude persuasiva e alto poder de convencimento e de argumentação. O aluno faz uma abordagem adequada, ligada à proposta, define muito bem o objetivo, demonstra segurança para tomada de decisão, apresenta ideias-força irrefutáveis e ampliadas, com muito bom nível de conhecimento do assunto, inequívoca atitude persuasiva e alto poder de convencimento e de argumentação, tudo com grau diferenciado de criatividade e maturidade. EsPCEx, onde tudo começa M G R 25 B 35 MB 45 E 50 29 EsPCEx Linguagem M O aluno apresenta sérios problemas de linguagem, grande deficiência vocabular, constrói períodos incoerentes, truncados, não utiliza adequadamente os elementos de coesão textual. D O aluno apresenta alguns problemas de linguagem, deficiência vocabular provavelmente originada na falta de hábito de leitura, apresenta baixa capacidade de síntese, texto prolixo, utiliza chavões ou clichês, comete equívocos que comprometem a clareza e a coesão textual. I O aluno apresenta uma linguagem razoável, médios problemas de coerência e de coesão textual, demonstra possuir um vocabulário de nível mediano, de pouca leitura, mas com algum potencial para melhorar. R O aluno apresenta uma linguagem aceitável, poucos problemas de coerência e de coesão textual, constrói períodos adequadamente, possui um bom vocabulário, proveniente de alguma leitura. B O aluno constrói períodos e parágrafos muito bem estruturados, coerentes, utiliza muito bem os elementos de coesão textual, possui muito boa desenvoltura no trato da língua e muito bom vocabulário, conquistado com o hábito da leitura. MB O aluno apresenta um alto nível de desempenho na expressão escrita, linguagem diferenciada, fruto do gosto e hábito pela leitura, o que é demonstrado por um vocabulário requintado, sem afetamento. E 30 G 0 10 15 20 Gramática M G D 0 I 8 R 10 O aluno apresenta poucos erros de gramática, não comete erros graves e encontra-se num nível aceitável para um aluno de nível superior, podendo, com estudo e dedicação, melhorar a expressão escrita. B 15 O aluno apresenta pouquíssimos erros de gramática, considerados leves, que não prejudicam a comunicação. MB 18 O aluno não cometeu um erro sequer de gramática. E 20 O aluno apresenta erros de gramática bem acima do aceitável para um estudante de nível superior, revelando um grau preocupante de semianalfabetismo, seja pela quantidade, seja pela gravidade dos erros cometidos. O aluno apresenta erros de gramática incompatíveis com o aluno mediano, tanto pela quantidade quanto pela gravidade, revelando deficiência originada no Ensino Fundamental, que pode ser superada com muito esforço e estudo da gramática. O aluno apresenta um nível considerável de erros de gramática, mas tem potencial para, com esforço e treinamento prático de produção de texto, para reverter a situação. 25 30 EsPCEx, onde tudo começa Observações: - A valorização dos critérios (TEMA, LINGUAGEM e GRAMÁTICA) varia de acordo com o conteúdo, ao longo do ano letivo, atribuindo maior grau à LINGUAGEM, no primeiro semestre, e ao TEMA, no segundo semestre. - O Sistema de avaliação encontra respaldo na PORTARIA Nrº 99-DECEx,3 DE SETEMBRO DE 2013, que aprova as Normas para a Avaliação da Aprendizagem (NAA - EB60-N-06.004), em seu artigo 84: “Escalas de Avaliação são baremas que utilizam uma lista de critérios/ indicadores de desempenho a partir dos quais se gradua o nível de aprendizagem do aspecto enfocado na situação de avaliação, por meio de uma série de valorações (‘’insuficiente”; ‘’regular”; ‘’bom”; ‘’excelente”). São utilizados quando as respostas dos discentes são diferenciadas. Exemplo: avaliação de conteúdos conceituais.” (Grifo do autor) 3. Aspectos Positivos Salta aos olhos a equanimidade entre os corretores. Por mais que um difira do outro, isso não causa danos sensíveis ao avaliado. Este jamais se sente injustiçado ao receber um grau baixo ou o não esperado pela redação apresentada. Preserva-se a subjetividade necessária à matéria, sem cometer injustiça. O Sistema de Correção alinha-se perfeitamente com o Ensino por Competências, que prevê o estabelecimen- EsPCEx to de critérios claros, principalmente para a avaliação do aluno, e transforma-se em um poderoso aliado, ferramenta significativa e indispensável para o processo, ao contrário do que se pensa, em relação à medição do desempenho para um ensino por competências. A grade atribui o grau zero somente em casos extremos, o que, em termos de expressão escrita, é aceitável, uma vez que estimula o aluno a um aprimoramento individual. Não foi constatado até o momento algum aluno que deliberadamente tenha deixado de abordar o que foi estabelecido na proposta temática, o que anula a redação como um todo. O processo é amplamente divulgado para os alunos, que conhecem a fundo os critérios de correção, o barema utilizado pela Disciplina, a valorização de cada nível, documentação presente e disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e também explicada em sala de aula pelos professores da Cadeira, antes e depois das provas formais. Por fim, reafirma-se que caiu para próximo de zero, não exagerando, o número de ponderações dos alunos, pósprova, o que comprova a eficácia do sistema de correção adotado pela Matéria e, principalmente, revela a aceitação do aluno, não só como avaliado mas também como partícipe ativo, na busca pelos objetivos comuns do ensino-aprendizagem. *** (*) O Coronel Professor, da Arma de Cavalaria, Guaraci Alexandre Vieira Collares cursou o Colégio Militar de Porto Alegre, de 1964 a 1970. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras em 1974. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (nível mestrado) em 1984 e a Escola de Comando e Estado-Maior (nível doutorado) em 1994. Como funções principais na ativa, foi Professor em Comissão da Cadeira de Redação e Estilística da AMAN de 1988 a 1992; comandou o 2º Regimento de Carros de Combate e foi Chefe de Estado-Maior da 11ª Brigada de Infantaria Leve. Atualmente é Professor de Português na EsPCEx. EsPCEx, onde tudo começa 31 EsPCEx “Somos o que pensamos. Tudo o que Estratégias de Controle do Estresse: prevenção e promoção somos surge com os nossos pensamentos. Com nossos da saúde Márcia Maria Carvalho Luz Fornari (*) Psicóloga pensamentos, fazemos o nosso mundo.” Siddhãrtha Gautama a. Introdução Este artigo originou-se a partir da percepção obtida com a aplicação do Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp (ISSL) em uma amostra nos alunos da Escola de Preparatória de Cadetes do Exército no ano de 2014. Este inventário, como o próprio nome já indica, serve como instrumento útil na identificação de quadros característicos do estresse, possibilitando diagnosticálo já a partir dos 15 anos e em qual fase a pessoa se encontra (em alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão). O ISSL também propõe um método de avaliação do estresse que enfatiza a sintomatologia somática e psicológica. Este artigo enfatizará as origens do estresse, consequências advindas dele e formas eficazes de combatê-lo. O presente artigo está organizado em tópicos com a finalidade de se manter a objetividade e o foco nas estratégias de enfrentamento. b. Definição do Conceito O estresse ocorre quando a pessoa enfrenta eventos que percebe como perigosos para seu bem-estar físico ou psicológico (evento estressante). É um estado de tensão que causa desequilíbrio no organismo (resposta ao estresse). O estresse está relacionado com a percepção de controlabilidade, de previsibilidade e de extensão do evento estressor. Pode ter 32 origem em aspectos físicos (uma doença ou desgaste do organismo, originando o estresse); bem como psicológicos (uma situação traumatizante, eventos estressores, conflitos e dilemas internos). Algumas causas observadas são vinculadas à carga excessiva de trabalho, a dormir pouco, ao excesso de responsabilidade, a preocupações com o estudo ou trabalho, a muitas prioridades, a conflitos pessoais, à falta de autonomia, a problemas de relacionamento, a autocobranças irreais, ao pessimismo e a demandas diversas. O estresse em grau elevado pode acarretar alguns problemas, como por exemplo: hipertensão arterial, dependência química, depressão, erros e acidentes de trabalho, queda no rendimento físico e intelectual, problemas de relacionamento com os colegas, perda da concentração, tristeza, descontrole emocional e queda de produtividade. Alguns sintomas físicos podem surgir, tais como: gastrointestinais, cardiovasculares, respiratórios, dermatológicos e imunológicos. c. Como Combater este Mal? Algumas estratégias de enfrentamento mais utilizadas são: suporte social, reavaliação positiva, resolução de problemas e fontes de apoio como: colegas, família, EsPCEx, onde tudo começa religiosidade, dentre outras. É importante observar algumas atitudes adaptativas, ou seja, mudar a si mesmo e/ou o ambiente. Explorar ações tomadas diante de situações estressantes permite auxiliar no planejamento de atividades do ponto de vista psicológico e administrativo, como, por exemplo, evitar modos negativos de agir, isto é, ruminação sem atitude de mudança, evitação, esquiva, comportamentos imprudentes e autodestrutivos. Avalie sempre seus pensamentos, ações e demandas internas e externas de um evento estressante (ações cognitivas, contexto e características do evento estressante). Atenção aos fatores potencializadores e aspectos singulares, ou seja, características individuais que fazem com que as situações sejam vistas como estressantes ou como desafios, ou mesmo se possui vulnerabilidade ou predisposição para o estresse. d. Prevenção e Promoção de Saúde Resiliência é a capacidade de superar adversidades e, além disso, sair fortalecido e prosperar (é uma resposta positiva frente ao estresse). Para se pensar em prevenção é preciso observar os fatores de risco (dificuldade de adaptação, vulnerabilidade ou desajustes emocionais), os fatores de proteção (recursos que fortalecem, amenizam ou neutralizam o impacto de eventos estressantes, tais como, a autoconfiança, a socialização, a tolerância, a flexibilidade e o autocontrole) e a capacidade de gerenciamento, fruto da aprendizagem em que é possível desaprender certas reações inadequadas. EsPCEx e. Enfrentando Adversidades Busque: 1. Metas ou habilidades para o desenvolvimento pessoal; 2. Relacionamentos saudáveis; 3. Autoeficácia e autoestima; 4. Alimentação e exercícios físicos adequados; 5. Horários regulares para dormir; e 6. Orientação positiva para o futuro. f. Técnicas Manual de Enfrentamento 1. Mantenha as atividades sob controle, em dia (utilize uma agenda). 2. Organize-se! Bagunça gera estresse. 3. Evite atrasar-se. Cronometre o tempo que gasta em suas atividades para estar familiarizado com a quantidade de tempo que necessita. 4. Evite controlar tudo e todos. Não funciona e o índice de ansiedade sobe. Analise o contexto. 5. Tenha inteligência emocional nos relacionamentos interpessoais. Há pessoas ótimas para se conviver e outras de difícil convívio. 6. Simplifique a sua vida. Tenha alguns minutos do dia para atividades que lhe causem bem-estar (uma música, um trecho de livro, um relaxamento, uma meditação, uma oração, etc). 7. Ajude os outros! É uma excelente arma contra o estresse. 8. Veja o lado positivo das coisas: seja construtivo. 9. Simplifique a sua lista de afazeres. Agrupe, organize por prioridade, delegue, assinale os já concluídos, estipule prazos. EsPCEx, onde tudo começa 33 EsPCEx 10. Realize exercícios físicos e dúvidas e questionamentos. tenha uma alimentação saudável. Uma 19. Não tente controlar o vida pouco saudável (bebida, cigarro, incontrolável ou sofrer por antecipação. isolamento social, brigas com colegas) g. Conclusão é uma fonte de estresse. 11. Seja agradecido. Tenha e Para saber se seu estresse está mantenha uma atitude de ficando excessivo, faça uma reflexão agradecimento para com as coisas boas sobre os itens a seguir: da vida. 1. Avalie seu corpo. Verifique se 12. Tenha cuidado com as tem sentido, ultimamente, dores interpretações errôneas, como: “ele musculares, dor de cabeça, ombros está com raiva de mim”, “eu não sei tensos, hiperacidez estomacal, falta de fazer nada direito”, “sou sempre ar, taquicardia, tremedeira, problemas perseguido...”. dermatológicos, insônia, fadiga, baixa 13. Controle a ansiedade. Muitas resistência. O corpo pede ajuda. vezes uma pessoa emite uma resposta 2. Avalie suas emoções. Tem errada perante uma situação (como em sentido apatia, vontade de fugir de explosões de raiva e em críticas tudo, tédio, desinteresse, raiva, exacerbadas). tristeza, ou medo. Quando os 14. Registre as consequências do sentimentos estão tumultuados é difícil seu estresse: como se sente fisica e ser feliz! emocionalmente, como age em 3. Preste atenção aos seus resposta ao estresse, o que faz para relacionamentos e atividades: sentir-se melhor. irritabilidade, vontade de não conversar 15. Mude a situação, evitando ou com amigos, desilusão com todos, alterando o fator estressor, ou mude a inquietação, queda no rendimento si mesmo, adaptando ou aceitando o laboral ou ocupacional. Quando se está com estresse, nossos relacionamentos fator estressor. e atividades ficam prejudicados. 16. Esteja disposto, comprometa*** se em combater o estresse. 17. Ajuste seus padrões. Cuidado com a autocobrança exagerada (perfeccionismo). 18. Compartilhe sentimentos, (*) A 1º Tenente psicóloga Marcia Maria Carvalho Luz Fornari é graduada em Psicologia com Habilitação em Psicologia como Psicólogo Pesquisador pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Especialista em Desenvolvimento do Potencial Humano nas Organizações e Mestre em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Psicopedagoga pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ). Extensão na UNICAMP (Faculdade de Educação e Gerontologia). Formação complementar na área de Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Graduanda em Administração na Universidade Paulista. Atualmente é Psicóloga Adjunta da Seção Psicopedagógica da EsPCEx. 34 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx A Subjetividade e a (Re)Constituição da Identidade no Processo de Aprendizagem de Língua Estrangeira Márcia Barros Barroso (*) Professora de Inglês Introdução Ao longo de vários anos de atuação como professora da disciplina de Língua Inglesa, tanto em instituições de ensino civis como na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, sempre refleti a respeito da expressão do sujeito em inglês como língua estrangeira. Ao trabalhar em um ambiente de ensino militar, há a especificidade da questão disciplinar: todo um conjunto de regras e procedimentos deve ser respeitado e apreendido pelo aluno. Por essa razão, ao iniciar minhas atividades como professora nesta escola de caráter militar, imaginei que poderia enfrentar problemas na expressão escrita e oral dos alunos, devido ao rígido controle do fazer e do dizer que certamente haveria sobre eles. Mas, para minha surpresa, percebi que o dizer dos alunos acontecia: eles exteriorizavam suas ideias, impressões e sentimentos a respeito de si mesmos, de fatos e assuntos variados abordados nos textos trabalhados em aula, tanto escritos como orais. E percebíamos, também, que, quanto mais isso acontecia, mais o aluno se comprometia com sua aprendizagem. Essa boa surpresa me levou a refletir e investigar, numa pesquisa de mestrado, os meandros desse processo de dizer (se) na língua estrangeira, especificamente a inglesa. O ensino de inglês em uma escola militar, a linguagem e os interditos Enfrentamos, desde o nosso nascimento, várias formas de interdição, algumas explícitas e outras veladas. As formas explícitas de interdição são as impostas pelas instituições que nos estruturam como sociedade, tais como a família, a igreja, a escola e outras, enquanto as formas veladas operam de variadas maneiras, a partir de demandas sociais. A própria linguagem tem seu caráter cerceador, já que simboliza, ou seja, quando falamos ou escrevemos, (re)construímos e externamos representações das coisas; não apresentamos as coisas em si. E não há relação fixa intrínseca entre as palavras e aquilo que elas representam (FOUCAULT, 1981). Além disso, um sujeito faz suas representações a partir de sua interpretação singular da realidade, que sempre difere, em algum nível, da interpretação de outros sujeitos, de acordo com as condições EsPCEx, onde tudo começa 35 EsPCEx histórico-sociais do sujeito e da própria enunciação. Em relação à língua estrangeira, há, ainda, a questão da interdição que esta opera em um primeiro contato e, para alguns, em outra ocasiões, no nível do inconsciente, enquanto estranha/ estrangeira, a língua do outro. No contexto da pesquisa que desenvolvemos, há, ainda, um fator adicional de interdição, que é o ambiente militar, sabida e constitutivamente restritivo do dizer e do fazer, com um conjunto de regras rígidas que devem ser seguidas à risca por aqueles que nele se inserem. Interessou-nos estudar o dizer de alunos militares na disciplina de Língua Inglesa, não apenas frente aos vários interditos explícitos ao dizer de si, mas especialmente o interdito ao uso da língua inglesa no registro do inconsciente, no qual também se operam fortes interdições de origens e tipos variados. Assim, neste estudo, pretendemos observar se, mesmo nessas condições restritivas de produção, traços da subjetividade se fazem presentes em brechas na/da linguagem do aluno, naquilo que é falado ou escrito por ele, na língua inglesa. Os participantes da nossa pesquisa foram 16 rapazes de uma turma de inglês, cujos textos escritos e orais desenvolvidos como atividades de aula formaram o nosso corpus para a análise discursiva.1 Nas representações que os participantes fazem de si mesmos e do outro (o colega, a escola, o professor, o comandante de pelotão, a língua inglesa etc.), em seu dizer, procuramos rastrear traços de sua subjetividade, 36 bem como a maneira como esta se constitui na / através da língua inglesa. A concepção discursivodesconstrutivista da linguagem, na qual ancoramos nosso trabalho de pesquisa, não supõe o texto escrito ou oral como uma mensagem que será “recebida” passivamente por um leitor/ouvinte. Nessa visão da linguagem, pensa-se não simplesmente em escrita ou fala, mas em escritura, pois quando o sujeito lê, ouve ou produz um texto escrito ou oral, expondo suas ideias e sentimentos, produz sentidos, envolvendo-se, sendo marcado pelo que lê, ouve, escreve ou fala. O sujeito, na linha de análise psicanalítica, também aqui empreendida, não é o consciente, racional. Esse sujeito é cindido, dividido entre o que está exposto - o eu aparente, “controlável”, ou seja, o que ele acredita ser - e o que nunca está aparente - o inconsciente, o Real, o que ele realmente é. O sujeito, na psicanálise, é o que acredita ter total controle sobre seus atos e seu dizer, mas não percebe que esse controle total é ilusório, inatingível, já que esse sujeito é barrado, ou seja, interditado, enquanto ser social. Portanto, todos nós, sujeitos inseridos na ordem social, temos um desejo de completude e, consequentemente, a ilusão de controle total controle sobre o que fazemos, dizemos e escrevemos; contudo, esse controle é apenas em nível consciente. A psicanálise nos mostra que não existe controle total, já que o registro do inconsciente é constitutivo do ser humano. Prova disso é o lapso, tão comum na linguagem escrita e falada. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Resumidamente, as representações que os alunos constroem de si são de homens fortes, maduros e seguros, que amam e se orgulham de sua Pátria e que orgulhosamente se sacrificam muito na defesa desta e na busca constante de ser o militar ideal. Para a Língua Inglesa (LI), observamos basicamente duas representações: a de uma língua dos sonhos, enquanto representante de países economicamente bem sucedidos. Nesse sentido, a Língua Inglesa é representada pelos alunos como um espaço de conforto (como se fosse a sua língua materna) e de libertação, no qual podem se expressar, até em relação a sentimentos íntimos. Ao mesmo tempo, a LI é também representada como uma língua universal, que irá lhes servir como ferramenta para cumprirem missões no exterior, uma língua cujo saber pode lhes conferir poder em termos internacionais, através da comunicação. A Pátria Brasileira é representada pelo aluno como tendo alto valor, como a terra “do pai”, como indica a etimologia da palavra. Alguns alunos têm até receio de serem considerados como não-patriotas pelo fato de gostarem da Língua Inglesa. Muitos expressam sentimentos de sofrimento pelo afastamento da família, amigos e namoradas, exigido pela vida em internato militar. As reflexões sobre as decisões tomadas, inclusive em relação à carreira, também são comuns nos textos. Alguns chegam a utilizar, em inglês, um estilo de linguagem com características poéticas para expressar seu amor pela Pátria e por pessoas queridas, bem como sua dor da separação daquilo e daqueles que amam. Os efeitos de se comunicar em uma língua estrangeira na constituição identitária de alunos militares Foucault (2003) descreve alguns tipos de escrita de si como modos de o sujeito se constituir na e pela escrita. O autor faz um estudo de tipos de autonarração desde a antiguidade, mencionando os hypomnemata (cadernos de notas, comentários, anotações e rascunhos, muito usados entre os gregos, na Antiguidade – uma forma de exame de si) e as cartas, que permitiam a abertura de si ao outro, cada um com maior ou menor controle de si através da escrita. O mesmo autor (1982, p. 323, 324) menciona, entre outros modos de controle dos sujeitos, as tecnologias de si, como mecanismos que todos temos de nos relacionarmos com o mundo, sempre controlados pelo outro em diferentes níveis de intensidade. Seriam técnicas que permitem aos indivíduos efetuar, com seus próprios meios ou com a ajuda de outros, um certo número de operações em seus corpos, almas, pensamentos, conduta e modo de ser, de modo a transformá-los com o objetivo de alcançar um certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade. Esses mecanismos são inevitáveis e necessários à vida do sujeito em sociedade. De maneira semelhante, a psicanálise freudolacaniana vê esse mecanismo como necessário para a inscrição do sujeito no mundo, considerando que somos todos constituídos na e pela linguagem 1 Tivemos autorização do comando para a realização da pesquisa. A participação dos alunos foi voluntária e o uso do material por eles produzido foi formalmente autorizado pelos mesmos, mediante garantia da pesquisadora de que suas identidades seriam preservadas. Assim, todos os nomes que aparecem nas transcriçõe são fictícios. EsPCEx, onde tudo começa 37 EsPCEx (verbal ou não), através da qual inquietação por não poder encontrar seu simbolizamos as coisas ao representá- próprio lugar na língua materna, além las. de um desejo de ser livre para escolher Derrida (1988) postulou a noção uma ordem na qual se exprimir. da “otobiografia”: seria um deslize do conceito de autobiografia, um refinamento da escuta de si, um ato de (trans)formar-se, na escuta e valorização de suas próprias experiências, enquanto o sujeito escreve ou fala. Ao escrever ou ao dizer algo, mesmo ao repetir narrativas que já enunciamos antes, ou que outros anunciaram, algo se modifica e os sentidos se atualizam, nunca chegando à totalidade, mas sempre abrindo a enunciação a novos sentidos. É o que ocorre com o sujeito ao contar de si e do outro, num movimento de memória e esquecimento, ao refazer suas narrações e ressignificar experiências vividas. A cada movimento de contar(se), uma nova interpretação é feita, enquanto o sujeito empreende uma tentativa inconsciente de se fazer inteiro e (se) fixar uma identidade. No universo militar, coerentemente, os sujeitos empreendem esse processo na produção de uma identidade militar para si, como é o caso da pesquisa que aqui resumimos. Considerações finais A análise do corpus da pesquisa atestou que, embora em condições de rígido controle disciplinar, as produções escritas e orais dos participantes trazem marcas discursivas de sua subjetividade, vindo à tona na língua inglesa, através das representações que mencionamos acima. Observam-se, enfim, nos participantes de nossa pesquisa, indícios de um desejo (inconsciente) de controle de si e do outro e do reconhecimento pelo outro, através da posição de Oficial do Exército, em deslizes que trazem à tona rastros do inconsciente, apontando para sentidos que não são capturados se vislumbrados num olhar superficial. Pode-se afirmar que esse dizer(-se) na Língua Inglesa é a própria inscrição do sujeito nessa língua estrangeira. O aluno se inscreve nessa língua ao nela narrar(-se), dela apropriando-se como se sua fosse, buscando construir para si uma identidade como falante dela. A Língua Inglesa, para esses alunos falantes nativos da Língua Portuguesa, é uma outra discursividade, diferente da de seu dia a dia. Faz-se uma nova e diferente escritura de si quando se narra em uma outra língua-cultura, o que provoca no sujeito deslocamentos subjetivos em relação a si e até em relação à sua própria língua materna. Quando essa escritura (escrita ou oral) de si se dá em uma língua estrangeira, especificamente, ela traz ao sujeito a possibilidade de escutarse e reescrever-se numa outra ordem (diferente da ordem predominante de sua língua materna) - uma língua na qual se exprimir, e onde também podem ocorrer ressignificações outras e Consideramos fundamental, no mesmo, consequentemente, mudanças importantes. Segundo Prasse (1997, p. trabalho do professor de LI, desde suas 71, 72), um dos fatores de atração do crenças didático-pedagógicas até a sujeito por uma língua estrangeira é a escolha dos meios e das estratégias a 38 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx serem trabalhados em cada aula, conhecer esses meandros da constituição subjetiva de seus alunos. Em seu planejamento e no constante redirecionamento de seu trabalho, uma abordagem que considere esses aspectos irá certamente favorecer uma aprendizagem mais efetiva da LI como língua-cultura, bem como a própria formação dos alunos como sujeitos de si. Ao considerar esses aspectos em seu fazer didático-pedagógico, o professor pode conhecer melhor o aluno, o que favorece um laço afetivo entre ambos e, consequentemente, uma relação de confiança do aluno para com o professor. Faz-se importante, no trabalho do professor, valorizar a escuta em suas aulas. E três tipos de escuta são necessários no processo de ensinoaprendizagem: primeiramente, a escuta do professor ao aluno; não uma escuta fisiológica apenas, mas uma escuta discursiva, ou seja, com atenção do professor a demandas pedagógicas a partir das necessidades do aluno. Em segundo lugar, a escuta do aluno a si mesmo, o que permitirá que este faça constantes autoexames e (re)avalie suas atitudes. Assim, pode ocorrer, com maior tranquilidade, o terceiro tipo de escuta: a escuta do aluno ao professor, o que irá permitir que ele acolha noções que lhe sejam importantes, não apenas para memorizar conceitos e ser aprovado no final do ano, mas para poder utilizá-los e aplicá-los em ações (procedimentos) de maneira valiosa para sua profissão e para sua vida. A sistemática do ensino por competências, implantada no Exército Brasileiro nos últimos anos, é, em si, um passo importante no sentido de respeitar a singularidade do aluno, já que estimula o desenvolvimento de diferentes habilidades que acabam sendo presentes de maneiras diferentes entre um aluno e outro. E nós, professores de alunos militares, temos o desafio de colocar tudo isso em prática, apesar do princípio da uniformidade, que é necessariamente constitutivo do Exército Brasileiro, assim como o é em todo exército. É preciso buscarmos um equilíbrio entre respeitar a singularidade e atuar sob um princípio de homogeneidade, duas coisas que, em princípio, são opostas. A prática dessa sistemática de ensino fica difícil de ser viabilizada se não escutarmos os alunos e não aceitarmos as inúmeras diferenças que há entre eles como sujeitos. Cada atividade trabalhada, cada decisão tomada pelo professor, deve ser feita com respeito ao que este sabe de seus alunos, como um grupo de sujeitos com algumas coisas em comum, mas que são inevitavelmente diferentes entre si, com origens e histórias de vida diferentes e que às vezes respondem diferentemente aos vários desafios da vida militar. Ao fazermos isso e tomarmos decisões didáticopedagógicas que levem em consideração tanto as semelhanças quanto as diferenças entre os alunos, temos maiores chances de ter alunos mais envolvidos, mais implicados em sua própria aprendizagem. Poderíamos citar muitos outros fatores que estão altamente implicados no sucesso da aprendizagem de nossos alunos: fatores que envolvem toda a estrutura material e humana de uma escola e que devem possibilitar o EsPCEx, onde tudo começa 39 EsPCEx sucesso do processo de aprendizagem Bibliografia como um todo; contudo, limitamo-nos, AUTHIER-REVUZ, Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Tradução de C. M. e Geraldi, J. W., in Caderno de estudos linguísticos, (19): neste texto, a focar questões referentes Cruz, 25-42, jul-dez., 1990 / IEL, Unicamp. Campinas, SP: Editora da à nossa pesquisa de mestrado. Unicamp. M. J. A Celebração do Outro – Arquivo, memória e Acreditamos, enfim, que devemos ter CORACINI, Identidade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007. sempre em mente que o aluno militar, CORACINI, M. J. F., Entre a memória e o esquecimento: fragmentos uma história de vida. In Coracini, M. J. e Ghiraldelo, C. M. Nas mesmo cumprindo exemplarmente de malhas do discurso: memória, imaginário e subjetividade (pp. 23-74). ordens e regras e parecendo estar Campinas, SP: Pontes, 2011. J. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971. sempre tranquilo e seguro, às vezes, DERRIDA, DERRIDA, J. The ear of the other. New York: Schocken Books, pode não estar tão tranquilo nem tão 1988. M. (1981). As Palavras e as Coisas. Trad. de Salma T. seguro e que essa intranquilidade ou FOUCAULT, Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2000. insegurança irá certamente interferir FOUCAULT, M. (2003), A escrita de si, in Foucault, O que é um (pp. 129-160). Lisboa, Portugal: Passagens. negativamente em seu aprendizado e autor? FOUCAULT, M. (1982), Tecnologias de si. In Revista Verve, no 6, na sua constituição subjetiva. É por isso 2004 (pp. 321-360), disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/ Acesso em 23/06/2014. que se faz necessário procurar fazer a verve/article/viewFile/5017/3559. LACAN, J. [1971-1972]. O Seminário, Livro 19: ...ou pior. Trad. de já mencionada escuta além da Vera Ribeiro. de Janeiro: Zahar, 2012. superficialidade “controlada” das Rio MAIA, M. C. G., O lapso de escrita como refúgio do sujeito, in palavras do aluno, pois aquilo que é Mariani B. (Org.), A escrita e os escritos: reflexões em análise do e psicanálise (pp. 31-44). São Carlos, SP: Claraluz, 2006. “inter-dito” (ou seja, dito inter (Lacan, discurso MILNER, Jean-Claude, O amor da língua – Campinas, SP: Editora da 2012 [1971-1972], p. 29) e até Unicamp, 2012. T., O escrito da escrita, in Mariani, B. (Org.), A Escrita e os silenciado pelo aluno, na busca de NAZAR, Escritos: Reflexões em Análise do Discurso e Psicanálise (pp.159aparentar ser sempre o militar ideal, 174). São Carlos, SP: Claraluz, 2006. 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Acesso em 07/04/2013. habilidades e para o seu bem-estar na index.php/cel/article/view/2684 UYENO, E. Y., A escrita e os processos de subjetivação e a escrita e língua-cultura estrangeira – Inglês. os processos de identificações, in Anais da 1ª JIED, 2008. Disponível *** emhttp://site.unitau.br//scripts/prppg/la/4sepla/artigos/ Elzira%20Yoko%20UYENO.pdf, acesso em 11/07/2013. (*) A Professora civil Márcia Barros Barroso é licenciada em Letras – Português/Inglês e possui pós-graduação Lato Sensu em Arte e Técnica da Tradução pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; é mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Possui os certificados de proficiência em língua inglesa pela Michigan ECPE e Cambridge FCE. Atualmente é doutoranda em Linguística Aplicada na UNICAMP e exerce a função de professora de Inglês na EsPCEx. 40 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Análise das Forças de Impacto do Tênis e do Coturno Durante a Corrida Vagner Xavier Cirolini (*) Instrutor da Seção de Treinamento Físico Militar da EsPCEx Introdução Correr é uma forma de locomoção que permite aos seres humanos deslocarem-se de um lugar para outro mais rapidamente do que o fariam se preferissem caminhar. Além de ser uma atividade popular, é também a base para o desempenho em vários esportes¹. A consciência crescente de exercícios aeróbicos para manter um estilo de vida saudável aumentou a popularidade das corridas nos últimos anos² . Os benefícios dessa atividade são inúmeros, destacando-se a saúde cardiovascular e mental, além da redução do stress, diversão e lazer³. No Exército Brasileiro, a atividade de corrida é um dos métodos de treinamento cardiopulmonar previsto para os militares durante todo o ano de instrução e consta nos programas anuais de Treinamento Físico Militar (TFM), sendo orientada pelo Manual de TFM4. O programa anual de TFM tem por objetivo a manutenção dos padrões de desempenho físico dos militares e fornece uma orientação básica para o número de sessões de corrida a ser realizado durante a semana, dependendo do tipo de Organização Militar (OM) e do número de sessões de TFM por semana4. Para a prática de corrida, o Regulamento de Uniformes do Exército5 prescreve o uso do tênis e, eventualmente, o uso do coturno. Na corrida, o indivíduo é submetido à Força de Reação do Solo (FSR). Tal força é proporcionada pela superfície na qual a pessoa está se movimentando. O corredor empurra o solo com força e o solo responde em igual força na direção oposta6. A progressão durante a corrida é possível em virtude da produção de força muscular, que é aplicada contra o solo. Essa força é gerada nos músculos ao redor e através das articulações e é transmitida ao solo para sustentar o corpo durante a fase de apoio, além de fornecer a força necessária para a propulsão do próximo passo¹. Segundo Durward, et al.¹, através de técnicas biomecânicas sofisticadas, calcula-se as forças que atuam nos músculos e sobre as articulações. O componente de força vertical em um padrão de contato de calcanhar apresenta dois picos principais: O Primeiro Pico de Força (PPF), que corresponde ao contato inicial após a aterrissagem; e o Segundo Pico de Força EsPCEx, onde tudo começa 41 EsPCEx (SPF), produzido por uma combinação O objetivo desse estudo foi avaliar da carga do corpo sobre o solo e pela os parâmetros das componentes vertical propulsão para a próxima passada, é da força de reação do solo (FRS) durante denominado pico ativo ou de propulsão. a corrida com tênis e coturno fornecidos Williams 7 relata que as fraturas pela cadeia de suprimentos do Exército por estresse resultam de carga Brasileiro no ano de 2012. repetitiva do osso em níveis maiores que podem ser sustentados. Os estresses nos ossos durante a corrida podem ser provocados pelas forças de reação do solo aplicadas aos pés, pelas forças musculares internas causadas por contração muscular e pelos efeitos do estresse gerados pela composição específica e pela orientação dos ossos e das articulações na extremidade inferior. Materiais e Métodos Amostra Este estudo foi composto inicialmente de uma amostra de 30 indíviduos do sexo masculino incorporados ao Exército Brasileiro em março de 2012, com pelo menos quatro meses de realização de Treinamento Físico Militar e já adaptados à utilização Diferentemente da caminhada, a do coturno. corrida possui maiores forças de impacto Devido a problemas na coleta de na fase de apoio; com maiores apenas 17 indivíduos estresses musculoesqueléticos nos dados, apresentaram todas as variáveis membros inferiores2. Williams7 relata que a análise das forças de reação do analisadas no estudo. Desta forma, a solo fornece um maior entendimento amostra final apresentou idade média de fatores que afetam esses estresses. de 19 ± 0,5 anos e 5 meses de tempo De acordo com Hreljac, a prevalência de serviço militar. de lesões em corredores é alarmante, Indíviduos com lesão traumática entre 27% a 70% dos corredores na articulação do joelho ou patela, competitivos e recreacionais são cirurgia prévia, lesão ligamentar ou lesionados no período de um ano. meniscal, deformidade severa no joelho No meio militar, segundo Popovich, como joelho valgo ou varo foram et al.9, a repetição de atividades físicas excluídos da amostra. Os indivíduos intensas envolvidas durante os assinaram o termo de consentimento treinamentos, estreitamente asso- livre e esclarecido, aprovado pelo ciadas com o rigor da corrida, pode comitê de ética do Hospital da Força do Galeão (CAAE: desenvolver lesões nos membros Aérea inferiores. House et al.10 afirmam que 03525712.8.0000.5250). os coturnos em geral têm limitadas Procedimentos experimentais propriedades de absorção de choques Os testes foram realizados em dois e que palmilhas utilizadas em dias consecutivos. No primeiro, foi atividades de corridas absorveriam, em realizada uma entrevista e explicados parte, esses choques. os procedimentos de postura para coleta 42 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx de dados demográficos e antropométricos. No segundo dia, a fim de medir as variáveis relacionadas à FSR, foram utilizadas duas plataformas de força Bertec FP4060-10-2000 (Bertec, EUA) (Figura 1), que se encontravam no centro de um corredor de 12 metros de comprimento formado por plataformas de madeira. Todos os sinais estavam a uma frequência de 200 Hz por 10s. avaliação dinâmica de corrida descalço, com tênis e coturno, de forma aleatória. Cada tentativa válida foi representada pelo movimento da corrida em que o sujeito realizou o movimento com um pé em cada plataforma de força. Dados dinâmicos de FRS foram normalizados pelo peso corporal, sendo utilizada a média de três tentativas para análise. Foram avaliadas as variáveis: Primeiro Pico de Força (PPF), Segundo Pico de Força (SPF) e Taxa de Aceitação do Peso (TAP). Figura 1 - Localização das Plataformas de Força Para a realização do teste, os sujeitos realizaram cinco tentativas de corrida antes de iniciar o experimento para adaptação ao teste. A velocidade foi controlada usando como referência o passo acelerado, conforme o Manual de Ordem Unida do Exército Brasileiro. Os sujeitos foram avaliados com tênis, com o coturno e descalços, em uma ordem randômica. Antes do teste propriamente dito com cada calçado, o indivíduo ficou em uma posição estática em cima da plataforma por 6 segundos, para calibragem de sinal. Após o teste estático, a amostra teve três tentativas válidas para cada 2xBW 1xBW Vertical GRF Primeiro Pico de Força Segundo Pico de Força Taxa de Aceitação de Peso 0 150 300 Tempo (ms) Figura 2 - Variáveis da Força de Reação do Solo Análise estatística As variáveis foram analisadas, inicialmente, através da estatística descritiva e, através do teste de Kolmogorov-Smirnov, foi verificado o ajuste da distribuição normal. A comparação de cada variável nas condições descalço, tênis e com coturno foi avaliada através do teste de de Fredman, já que as variáveis não apresentaram distribuição normal. O nível de significância considerado foi de α = 0,05. Rotinas no software Matlab EsPCEx, onde tudo começa 43 EsPCEx (Matworks, EUA) foram desenvolvidas para o processamento e análise dos sinais, bem como para realização dos testes estatísticos. Diferenças evidenciadas no posthoc entre as condições descalço, de tênis e de coturno. PC = peso corporal Resultados 2,4 A comparação das variáveis primeiro e segundo pico de força não evidenciou diferença significativa entre as condições de coturno, tênis e descalço (Tabela 1, Figura 3 e 4). 2,2 2 Primeiro Pico O teste de Kolmogorov-Smirnov rejeitou a hipótese nula de que as variáveis apresentassem uma distribuição normal. Desta forma, o teste não paramétrico de Friedman foi utilizado para fazer as comparações entre as condições das variáveis de FRS durante a corrida descalço, tênis e com coturno. 1,8 1,6 1,4 1,2 1 1 2 3 Figura 3 - Primeiro Pico de Força (PPF), descalço, tênis e coturno, respectivamente 2,8 2,6 Tabela 1 Valores médios e respectivos desvios-padrão para as variáveis analisadas quando descalço, de tênis e de coturno. Segundo Pico 2,4 2,2 2,0 1,4 1,8 1,6 1 Variáveis Descalço Tênis Coturno p-valor 1º PicoMédia 1,53 1,54 1,56 (% PC) DP 0,42 0,35 0,38 2º Pico Média 2,42 2,39 2,43 (% PC) DP 0,25 0,29 0,25 Taxa Média 76,21 47,13 53,68 (% PC/s) DP 25,67 18,28 17,10 44 0,9429 0,3902 <0,0001 2 3 Figura 4 - Segundo Pico de Força (SPF), descalço, tênis e coturno, respectivamente A variável taxa de aceitação do peso foi estatisticamente menor nas condições de tênis e coturno comparadas à condição descalço (Tabela 1, Figura 5). Embora sem diferença significativa, observa-se uma tendência a maior taxa de aceitação do peso com coturno, comparado ao tênis. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx de densidade óssea, micro e macro trocas estruturais e dano estrutural. 140 Taxa de Ceitação do peso 120 100 80 60 40 20 1 2 3 FIGURA 5 - Taxa de Aceitação de Peso (TAP), descalço, tênis e coturno, respectivamente. Discussão Já a variável TAP apresentou menores valores nas condições de tênis e coturno. Essa variável se refere à velocidade com que o primeiro pico de força é atingido e está associada com a capacidade que o calçado apresenta em absorver carga do peso corporal. As características do material do solado do calçado determinam a taxa de carregamento da força vertical, atividade muscular e vibração do sistema músculo esquelético14. A força de reação do solo é o O sistema de amortecimento está resultado da aceleração de todos os compreendido entre o pé e o solo, pode segmentos do corpo humano durante o minimizar vibrações provindas do contato com o solo11. impacto e melhorar a distribuição da No presente estudo, não foi pressão em toda a superfície plantar15. observada diferença do primeiro e Porém, a utilização do calçado durante segundo picos de força durante a corrida a corrida serve para atenuar essas nas condições de tênis, coturno e forças. descalço (Tabela 1). Tais resultados A fratura por stress representa uma parecem estar relacionados com a falta lesão frequente em corredores e ocorre de absorção de carga no aparelho músculo-esquelético nos dois calçados na presença de alto pico de aceleração 16 em estudo, ou seja, tanto o tênis como tibial e TAP durante a atividade física17. o coturno não conseguiram reduzir as Assim como Zylberbeg, Raupp e Mello , forças de impacto durante a corrida. afiemam que o coturno conseguiu Hreljac et al.12 afirmam que, embora a minimizar essa taxa de impacto, corrida tenha vários benefícios sobre a comparado à situação descalço. saúde, os corredores estão sujeitos à Alguns autores concluem que a lesão por esforço repetitivo nos Taxa de Aceitação do Peso (TAP) é membros inferiores, sendo o joelho um incrementada com a dureza do solado, dos locais de maior incidência dessas mas não há mudanças com o tipo de lesões 13 , e durante atividades de amortecimento18. Assim, a corrida com corrida, o corpo humano está exposto coturno e tênis fornecidos pela cadeia a repetitivos impactos. Esses impactos de suprimento conseguiu atenuar o podem causar lesões ou até mesmo dor impacto com o solo, comparada à no sistema músculo-esquelético. O corrida descalço. efeito do impacto no osso pode ser Lieberman19 descreve que tanto o instantâneo ou a longo prazo. O padrão da corrida como o calçado são processo durante o impacto pode gerar importantes para um bom desempenho vibrações, microfraturas, fraturas, troca físico durante o movimento. O autor EsPCEx, onde tudo começa 45 EsPCEx ainda cita que o corpo humano foi adaptado para a corrida em um estilo descalço, onde as características cinemáticas geram menores picos de impacto, usando maior propriocepção e alongando mais os pés. Como o homem atual não mais é adaptado a correr descalço e sim com calçados, Williams 7 sugere que um material mais macio seja utilizado na lateral do calcanhar desses calçados, a fim de ajudar a absorção do choque. Este estudo é preliminar, para se chegar a conclusões definitivas sobre a qualidade do tênis e coturno utilizados pelos militares. Para se ter um padrão de tênis e coturno, outras variáveis devem ser estudadas, tais como modelo e tipo de solado; densidade, material empregado e modelo da entressola; formato e espessura da palmilha, bem como devem ser feitos estudos comparativos com outros tênis utilizados para a atividade de corrida. Referências Bibliográficas 1. Durward B. R, Baer G. D, Rowe P. J. Movimento Funcional Humano: mensuração e análise. 1ª edição. São Paulo: Manole; 2001. 2. Dugan SA, Bhat KP. Biomechanics and analysis of running gait. Physical medicine and rehabilitation clinics of north America. 2005;16:603-21. 3. Lohman E. B, Sackiriyas K, Suren R. A comparison of the spatio temporal parameters, kinematics, and biomechanics between shod, unshod, and minimally supported running as compared to walking. Physical Therapy in Sport 2011; 12: 151-163. 4. Ministério da Defesa. C 20-20 – Treinamento Físico Militar. 3ª edição. Brasília; 2002. 5. Ministério da Defesa. R 124 – Regulamento de Uniformes do Exército. Brasília; 1998. 6. Hamill J, Knutzen K. M. Bases Biomecânicas do Movimento Humano. 2ª edição. Barurri: Manole; 2008. 7. Willians KR. A Dinâmica da Corrida In. Zatsiorsky V. Biomecânica no Esporte, Performance do Desempenho e Prevenção de Lesão. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. Conclusão Os resultados mostraram diferença apenas na TAP descalço, quando comparados com tênis e coturno. As variáveis do Primeiro e Segundo Pico de Força não mostraram diferenças com o padrão descalço. Esses resultados sugerem que tanto o coturno como o tênis reduzem a velocidade com que o pé atinge o solo, mas não diminuem o impacto do primeiro pico de força, o que pode acarretar lesões nos militares que praticam a corrida com tais calçados. Novos estudos, com aumento da amostra e comparando os diferentes tipos de coturno, assim como 46 os diversos tipos tênis de corrida comercial, são necessários para maiores informações a respeito do padrão de movimento de corrida com tênis e coturno fornecidos pela cadeia de suprimentos do Exército.Os resultados mostraram diferença apenas na TAP descalço, quando comparados com o tênis e coturno. 8. Hreljac A. Etiology, Prevention and Early Intervention of Overuse Injuries in Runners: a Biomechanical Perspective. Physical medicine and rehabilitation clinics of north America 2005; 651-67. 9. Popovich R. M, Gardner J. W, Potter R, Knapik J. J, Jones B. H. Effect of Rest from Running on Overuse Injuries in Army Basic Training. Army Basic Training. American Journal of Preventive Medicine 2000; 18: 147-155. 10. House C, Waterworth C, Alsopp A, Dixon S. The influence of simulated wear upon the ability of insoles to reduce peak pressures during running when wearing military boots. Gait and Posture 2002; 16: 297-303. 11. Nigg, B. M. (2010), Biomechanics of Sport Shoes, University of Calgary. 12. Hreljac A, Marshall RN, Hume P. Evaluation of lower extremity overuse injury potential in runners. Med Sci Sports Exercise. 2000; 1635-41. 13. Grau S., Maiwald C, Krauss I, Axmann D, Janssen P, Horstmann T .What are causes and treatment strategies for patellar-tendinopathy EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx in female runners? J Biomech. 2008; 41: 2042-46. 14. Boyer, K. A., Nigg, B. M. (2004), Muscle activity in the leg is tuned in response to impact force characteristics. Journal Biomechanics. v. 37, p.1583-8. 15. Shorten, M. R. (1993), The Energetics of Running and Running Shoes. Journal Biomechanics. v. 26, p. 41-51. 16. Davis, I., Milner, C., Hamill, J. (2004), Does increased loading during running lead to tibial stress fractures? A prospective study. Medicine and Science in Sports and Exercise. v.35 (supplement). 17. M. P. Zylberberg, F. M. P. Raupp e R. G. T. Mello. Transmissão de Impacto de Calçados Militares Durante a Caminhada Por Meio de Acelerometria. XXIII Congresso Brasileiro em Engenharia Biomédica – XXIII CBEB 2012 Out; p.113-117. 18. R. Palhano, G. Balbinot, A. P. D Varga, M. A. Zaro, A. Faquin e T. R. Strohaecker. Análise do impacto em calçados durante a marcha. XXIII Congresso Brasileiro em Engenharia Biomédica – XXIII CBEB 2012 Out; p.254-258. 19. Lieberman D. E. What we can learn about running from barefoot running: An Evolutionary Medical Perspective. Exercise Sport Science 2012; 40: 63-72. (*) O Capitão da Arma de Cavalaria, Vagner Xavier Cirolini foi aluno da EsPCEx, formando-se em 2003. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 2007. Realizou os seguintes cursos civis e militares: Estágio Básico de Combatente de Montanha (2004); Instrutor de Educação Física - EsEFEx (2012); Curso Básico de Paraquedista (2014); Especialista em Bioquímica, Fisiologia, Treinamento e Nutrição Esportiva - UNICAMP (2014); Certificação Internacional em Cineatropometria (ISAK) em Nível I (2014). Atualmente é Instrutor de Educação Física da EsPCEx. EsPCEx, onde tudo começa 47 EsPCEx A Influência da Expressão Oral do Líder no Comportamento do Subordinado Mario Henrique Madureira (*) Comandante da 1ª Companhia de Alunos 1.Introdução De acordo com alguns estudiosos, dentre eles podemos destacar Aristóteles e Ranelleti, a origem da sociedade está associada a um fato natural, determinado pela necessidade que o homem tem da cooperação de seus semelhantes para a consecução dos fins de sua existência (DALLARI, 2010, p.11). diferentes particularidades, em todos eles existe a necessidade da existência da figura de um líder, ou seja, um membro capaz de influenciar os demais integrantes, levando-os a alcançarem um objetivo comum. Os líderes são homens que conquistam o respeito, a confiança e até mesmo a amizade dos subordinados para que as missões recebidas sejam cumpridas da melhor maneira, realizando esforços com prejuízo da saúde e inclusive da vida (MILITARY REVIEW, 1996, p. 29). Essa necessidade não é apenas de ordem material, uma vez que, mesmo provido de todos os bens materiais suficientes à sua sobrevivência, o ser humano continua a necessitar do convívio com os semelhantes, o que Esses líderes têm a capacidade de favoreceu a criação de determinadas orientar, dirigir e modificar atitudes dos organizações, tais como a família, a membros de um grupo seja na paz ou igreja, o Exército e o Estado (DALLARI, na guerra. Estas pessoas se destacam 2010, p. 11). por possuírem características As primeiras organizações sociais psicológicas, emocionais, educacionais, primitivas já possuíam a necessidade culturais, sociais, dentre outras, que da existência de um líder, bem como é unidas permitem a condução e êxito do importante ressaltar que esta objetivo de determinado grupo premência não é privilégio apenas dos (MILITARY REVIEW, 1996, p. 29). seres humanos. Certos animais, quando organizados em grupos, necessitam da 2. Desesnvolvimento figura do líder, sendo este fator A comunicação é o processo pela fundamental, muitas vezes para sua qual as informações, as ideias, os sobrevivência (MOTA, 2009, p. 10). pensamentos, os sentimentos e as Embora 48 cada grupo possua emoções são transmitidos e recebidos EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx entre as pessoas, permitindo que ocorra a interação social (NETO, 1998, p.15). Os diversos objetivos da comunicação, tais como: educar, convencer, informar, fazer, agir, instruir, expressar sentimentos e outros irão favorecer ou modificar o conteúdo ou estilo dessa comunicação (NETO, 1998, p.15). Com isso, observa-se que ela é responsável por proporcionar a relação entre os seres humanos, para alcançarem o bem comum de determinado grupo. Nesse sentido, na comunicação entre seres adultos, não são importantes apenas as palavras, referentes àquilo que se deseja comunicar, mas sim, a entonação, a emoção, a sinceridade e a decisão que o líder deseja transmitir em seu discurso. Cabe salientar que a liderança também se faz por meio das ações, que são exemplos visíveis daquilo que se deseja comunicar. Portanto, o líder quando age será, sem dúvida, imitado por seus liderados (NETO, 1998, p.16). Portanto, observamos que o líder não irá obter adesão às suas ideias pela força bruta, mas sim, pelo emprego inteligente da persuasão e da autoridade, com ideias claras e oportunas e, antes de tudo, pelo exemplo (NETO, 1998, p.38). Deve-se evitar o uso de palavras de baixo calão, para não vulgarizar a ideia a ser transmitida, assim como não deve ser utilizado um vocabulário rebuscado, que dificulte o entendimento da mensagem. Durante uma conversa com os subordinados, é imperioso que busque, ainda, aplicar o princípio de manter todos seus homens bem informados, tendo sempre uma palavra positiva para lhes dizer. Todas as oportunidades devem ser aproveitadas para se dirigir à tropa, ressaltando ensinamentos, com as suas respectivas cargas motivacionais, como forma de incentivo e coesão do grupo. Ressalta- se, também, que o líder, além de ter condições de transmitir estes ensinamentos a seus homens, deve ser possuidor de extremo conhecimento profissional. Para isso, deve ser levado em consideração o público alvo: oficiais subalternos, sargentos, cabos, soldados; ou seja, para cada público existe uma maneira mais adequada de se transmitir um determinado conhecimento. A partir do momento que a melhor forma de transmissão de conhecimento for escolhida e compreendida por parte dos liderados, significa que foi estabelecida a comunicação efetiva entre eles. Sendo assim, o líder, em qualquer nível, deve ser acessível aos seus liderados, conversando com estes e permitindo que o enxerguem como uma pessoa normal. Precisa estar em condições de participar dos mesmos ambientes que os subordinados e manter uma “política de portas abertas”, cultivando o hábito de falar com o seu pessoal, buscando conhecer suas características e as situações que estão enfrentando, colocando em prática o princípio de conhecer e cuidar do bemestar de seus subordinados. O conhecimento e a confiança mútua entre o líder e os liderados irão proporcionar o desenvolvimento e a manutenção da lealdade e da coesão EsPCEx, onde tudo começa 49 EsPCEx do grupo. A lealdade reforça a confiança e constitui a condição fundamental para os líderes disporem de subordinados motivados. A primeira começa no “vértice” - e não na base - e desenvolvese nos dois sentidos. A coesão que deriva da lealdade surge como fator decisivo nas situações de extrema tensão (VIEIRA, 2002, p. 46). Dentro desse contexto, a liderança assume um papel fundamental para o sucesso das atividades militares, tendo em vista que será através dela que os recursos humanos serão levados ao cumprimento do dever. Então, de nada adianta um Exército rico e desenvolvido, com grande poderio bélico, se não contar com pessoas que tenham a de influenciar o Com isso, podemos observar que capacidade o exemplo, aliado aos fatores comportamento de seus subordinados, intervenientes do processo da conduzindo-os ao objetivo comum. liderança, destacando principalmente a Nesse momento, surge a figura do comunicação, irão possibilitar o líder, personificado pelos comandantes desenvolvimento da liderança, que agregam em si uma série de permitindo que os militares em função características, sem as quais não seria de comando possam alcançá-la em possível desempenhar a função de tempos de paz e se beneficiarem dela comandante. Coragem, lealdade, bom durante a guerra. preparo físico e intelectual, aliando-se a essas virtudes a escolha oportuna e 3. Conclusão adequada de uma das formas de Apesar da evolução científica e liderança, constituem o conjunto de tecnológica ter proporcionado o características desejáveis ao líder surgimento de armamentos cada vez militar. mais letais, com o emprego de sistemas Além destas, o líder militar deve de armas e comunicação automatizados, a maior riqueza de qualquer Força proporcionar ótimos exemplos de Armada no mundo continua sendo o seu disciplina, respeito à hierarquia e obediência às ordens recebidas; deve recurso humano. agir com justiça e buscar sempre utilizar A difícil missão de comandar de forma correta a sua expressão oral, soldados em combate torna-se, por sua de modo que possa estabelecer uma relevância, algo tão sublime, que comunicação eficaz e influente com os certamente exige daqueles que a seus subordinados. experimentam particularidades Diante disso, pode- se observar singulares que os diferenciam dos homens comuns. Levar homens livres que, para o desenvolvimento do vínculo a arriscar as suas vidas em uma batalha líder/ liderado e o seu conseqüente êxito não é algo que se consegue apenas no cumprimento de uma missão, além com a hierarquia. É preciso convencê- dos aspectos anteriormente citados, a los e, mais do que isso, motivá-los para comunicação se apresenta como um que compreendam que o seu esforço fator de extrema importância para o terá sentido e suas vidas não estão sucesso desse processo. sendo arriscadas em vão. 50 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx O líder exerce o seu comando e difunde as suas decisões para a ação através da expressão oral. Sem a possibilidade de transmitir claramente ordens e instruções aos subalternos, o líder perderá o comando e não conseguirá atingir seus objetivos (VIEIRA, 2002, p. 59). A clareza da comunicação irá fazer com que os subordinados executem melhor a missão, pois sabem por que a estão executando. A informação irá estimular a sua iniciativa, aperfeiçoar o trabalho em equipe e melhorar o moral. Os fatos históricos comprovaram que grandes líderes militares em combate, como o Capitão-de-Mar e Guerra Barroso da Silva, Duque de Caxias, Aspirante Mega, Júlio César, General Douglas MacArthur, Almirante Horatio Nelson, Marechal Colin Campbell, e o Marechal Fernando Foch, além de possuírem exemplos de condutas ao longo de suas vidas, fizeram uso adequado da expressão oral sempre que necessário, como forma de motivar e influenciar os seus subordinados na conquista do objetivo comum. Portanto, com este trabalho conclui-se que, além dos atributos que devem ser inerentes ao líder, a comunicação, sendo um fator interveniente do processo da liderança, proporciona motivação e influencia no comportamento dos subordinados, tanto em situações de paz como em combate, de ordem que essa relação é a responsável por fazer os comandados arriscarem a própria vida, a fim de cumprirem o objetivo traçado por seu líder. Bibliografia ABALLO, Rodrigo Villar. Os fatores da liderança militar em tempos de paz. 2010. 45f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares)—Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2010. BLIKSTEIN, Izidoro. Técnicas de Comunicação Escrita. São Paulo: Ática, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. _____. Ministério do Exército. Estado-Maior do Exército. Caderno de Instrução 20-10/1: Liderança – Comandante, Chefe e Líder. 1. ed. Brasília, 1986. _____. Ministério do Exército. Estado-Maior do Exército. IP 20-10: Liderança Militar. 1. ed. Brasília: EGGCF, 1991. CASTRO, Paulo Cesar de. A preparação de líderes militares no Exército Brasileiro. Military Review. Fort Leavenworth, v.89, p. 73-79, NovDez. 2009. CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando pessoas: O passo decisivo para a administração participativa. 2.ed. São Paulo: Makron Books, 1994. COSTA. Ana Carla Wanderley. A Importância do Desenvolvimento da Liderança Militar na Formação e Carreira do Oficial Médico do Exército Brasileiro. 2009. 48f. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Saúde de Exército como requisito parcial para aprovação no Curso de Formação de Oficiais do Serviço de Saúde, especialização em Aplicações Complementares às Ciências Militares, Rio de Janeiro, 2009. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3.ª ed., Curitiba: Positivo, 2004. HESSELBEIN, Frances; GOLDSMITH, Marshall. O líder do futuro. 3. Ed. São Paulo: Futura, 1997. KOUZES, James; POSNER, Barry Z. O desafio da liderança. 3ª Ed: Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2003. LANNING, Michael Lee. Chefes, Líderes e Pensadores Militares. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 1999. MORAIS, Welisson Bezerra de. A Importância da Liderança para o Capitão Aperfeiçoado. 2008.25f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares)—Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2008. MOTA, Rogério Soares da. A atuação do capitão aperfeiçoado na liderança organizacional: o relacionamento do Comandante de Subunidade com o seu efetivo profissional. 2009. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares)— Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2009. NETO, Mario Hecksher. Precisamos de Líderes. 1.ed. Resende, RJ: Editora Acadêmica, 1998. EsPCEx, onde tudo começa 51 EsPCEx NETO, Mario Hecksher; GUIMARÃES, Aristides; GOMES, Cláudio Roberto. Liderança: Estruturação da liderança militar. Military Review.Fort Leavenworth, v. 76, p. 29-42, 3º trim. 1996. OLIVEIRA, Murilo Alvarenga. Relação de trabalho e clima organizacional. Rio de Janeiro: UFRRJ / CEP – EB, 2005. SCHIRMER, Pedro. Das virtudes militares. Rio de Janeiro: Bibliex, 2007. SEARA, Fábio Heitor Lacerda. A influência do clima organizacional no rendimento das atividades de uma subunidade de Cavalaria do Exército Brasileiro. 2008. 54f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares)—Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2008. VIEIRA, Belchior. Liderança Militar. Compilação, traduções, adaptação e sistematização do Gen. Belchior Vieira. [S. 1.] : Academia Militar; Estado-maior de Exército, 2002. (*) O Capitão da Arma de Artilharia, Mario Henrique Madureira foi aluno da EsPCEx, formando-se em 1999. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 2003. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado) em 2013. Realizou os seguintes cursos militares: Operações na Selva Categoria “B” (2005), Estágio Avançado do Combate na Caatinga Categoria “A” (2008). Atualmente é Comandante da 1ª Companhia de Alunos da EsPCEx. 52 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Adoção do Exame Toxicológico no Concurso de Admissão da EsPCEx Carlos Magno Capranico Corrêa (*) Chefe da Seção de Saúde da EsPCEx Como consequência direta da lei nº 12.705, de 08 de Agosto de 2012, que dispõe sobre os requisitos para ingresso nos cursos de formação de militares de carreira do Exército Brasileiro, e do PARECER Nr 013/2013 – Assessoria Jurídica 2, do Departamento de Educação e Cultura do Exército, de 22 de maio de 2013, estabeleceu-se a inclusão de exame toxicológico como parte da inspeção de saúde para ingresso na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, a partir do concurso de 2014. No presente trabalho, foi realizado um estudo sobre os exames existentes, quais as possibilidades, vantagens, custos, especificidade, validade e viabilidade, optando-se pelo exame de amostras de cabelo, pelo, queratina por radioimunoensaio, conhecido também por exame de larga janela de detecção. Contextualização da Missão A missão da Escola Preparatória de Cadetes do Exército é selecionar e preparar o futuro cadete da Academia Militar das Agulhas Negras, iniciando a formação superior do Oficial Combatente do Exército Brasileiro. O militar é o profissional do Estado que concentra, em suas mãos, o poder legal para o emprego das armas e cuja função específica é a defesa do próprio Estado mediante a administração da violência. Tal seleção, preparação e formação é que darão consistência ao exercício pleno das competências profissionais específicas, acarretando confiabilidade ao desempenho do profissional e garantindo harmonia e efetividade em sua interação frente ao trinômio: meio ambiente, recursos humanos e conjuntura da missão a ser cumprida. É, portanto, de fundamental importância, selecionar, preparar e formar candidatos com integridade de caráter, capacidade moral, com valores e atitudes solidamente internalizados, que serão o verdadeiro alicerce do líder militar. Conceituação de Drogas de Interesse Basicamente, drogas psicoativas ou psicotrópicas são substâncias químicas que agem principalmente no sistema nervoso central, alterando a função cerebral e, temporariamente, mudam a percepção, o humor, o comportamento e a consciência. Na sua maioria, tais alterações são fonte de prazer e seu uso recorrente pode levar à dependência. EsPCEx, onde tudo começa 53 EsPCEx As drogas podem ser lícitas, muitas delas indicadas para tratamento médico ou têm seu uso aceito socialmente, como o álcool e o fumo e, mesmo as drogas lícitas, podem ser usadas ilicitamente. Outras são ilícitas, por não terem indicação médica, serem extremamente danosas à saúde ou servirem a outros propósitos. Os tipos de drogas mais frequentemente usados podem, pelo seu efeito, ser enquadrados em: Exames Toxicológicos O exame toxicológico tem por meta detectar a ingestão ou exposição às substâncias tóxicas, drogas de abuso e/ou outras, tanto de uso lícito como ilícito. Inúmeras são as tecnologias existentes e há que se considerar as limitações de cada técnica. Resumidamente, existem dois tipos de testes laboratoriais: os que utilizam como elementos de análise fluídos corporais (urina, suor, saliva e sangue) e os que utilizam amostras de queratina (cabelo ou pelos). • Estimulantes ou eufóricos, que aumentam o nível de percepção, reduzem a fadiga. Tem-se como Os que investigam fluídos corporais exemplo a cocaína e seus derivados, possuem uma janela de detecção cafeína, metanfetamina etc. (período dentro do qual o teste consegue detectar a presença de droga no corpo) muito pequena, de 2 a 3 dias • Alucinógenas (psicodélicos, dependendo da droga, com exceção da dissociativas e delirantes), que induzem maconha, que pode chegar a 20 dias. a distorções percepcionais e cognitivas. Tais testes não permitem avaliar a Tem-se como exemplo a maconha, quantidade de droga consumida e são haxixe, LSD, ecstasy, DMT, alguns tipos mais indicados para a detecção de uso de cogumelos, entre outras. recente, como após um acidente ou no acompanhamento de tratamento de • Depressivas, que reduzem a dependência. atividade cerebral, dificultando o entendimento e processamento de informações no cérebro. Tem-se como exemplo o álcool, morfina, heroína, barbitúricos, inalantes, ópio e seus derivados, entre outras. Os exames com amostra de queratina têm janela de detecção de 20 a 30 vezes mais longa, podendo chegar a seis meses, e maior precisão, sendo, por isso, muito indicados para processo admissional. Em compensação, sua eficiência para exames instantâneos é nula, visto que A ética relativa ao uso dessas a impregnação de metabólitos no drogas é assunto de contínuo debate, interior da haste capilar demora algum tanto pela alteração de consciência tempo. causada pelos seus efeitos, como seu No Gráfico e nas Tabelas a seguir, potencial para abuso e dependência. são comparados os vários exames existentes. 54 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Tabela 1: Utilidade Comparativa da Urina, Saliva, Suor e Cabelo e Matrizes Biológicas para Decção de Drogas. Fonte: Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas apud Lowinson e col., 1997 Tabela 2: Extensão do tempo de detecção de diversas drogas por meio do exame de Urina. Fonte: OBID - Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas apud Kaplan e col., 1997. *Ansiolítico: droga com efeito tranquilizante. **Opióide: droga sintética, semelhante às substâncias derivadas do ópio (opiáceos). ***Metabólito: substância derivada da metabolização da droga. EsPCEx, onde tudo começa 55 EsPCEx 56 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Técnicas Utilizadas Em busca por alternativas melhores para os exames de urina utilizados até então, nos programas de controle de uso de drogas e de prevenção de acidentes, a Marinha Americana – USNAVY – desenvolveu, nos anos 1980, as bases da tecnologia utilizada até hoje, para os exames toxicológicos com amostras de cabelo/ pelo. Tal processo vem sendo aprimorado e fundamentado em diversas publicações científicas de renome e é considerado o estado-da-arte em exames toxicológicos, denominado RIAH-Radioimmunoassay of hair ou radioimunoensaio de cabelo. De forma bem simples, qualquer droga, ao ser consumida, é metabolizada pelo organismo e seus subprodutos, os metabólitos, são conduzidos pela circulação e alojados nas estruturas dos cabelos ou pelos que estão sendo formados, conferindo marcadores passíveis de serem identificados de modo seguro pela técnica. A amostra de cabelo/pelo é coletada e submetida a descontaminação externa com sucessivas lavagens, passa por liquefação enzimática e são extraídas todas as drogas/metabólitos aprisionadas na matriz capilar, que são submetidas à análise por espectrometria de massa associada à cromatografia gasosa ou líquida, dependendo da substância a ser analisada. Com isso, obtêm-se análise toxicológica de queratina com 100% de especificidade, permitindo avaliação qualitativa e quantitativa de cada droga consumida, com nível estatístico de consumo em várias categorias ou padrões, classificando o perfil de consumo do usuário, além de impedir os resultados falso-positivos. Protocolos são desenvolvidos e aprimorados periodicamente, seguindo as recomendações de associações de toxicologia e entidades de pesquisa espalhadas pelo mundo. Tais ações permitem constante atualização dos diversos tipos de drogas “lançadas no mercado”, detectando em torno de 14 tipos diferentes de drogas, bem como seus derivados. Considerações Finais A exigência de formação de comandantes em todos os níveis, que irão liderar grupos militares em combate assimétrico, de alta intensidade, contra um inimigo difuso, junto à incerteza dos cenários dos conflitos modernos, nos impõe um grande desafio. O sucesso nas ações a serem realizadas pelos futuros oficiais apoiase na capacidade de adequação a um leque cada vez mais amplo de missões, como conflitos internacionais; crises internas, como Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO); emprego em catástrofes naturais (envolvendo aspectos humanitários que exigem atuação combinada de agências, em qualquer ambiente, operacional ou não), dentre outras. Desta feita, além dos preceitos regulamentares, como gozar de boa saúde física e psíquica, reveste-se de suma importância a coerência de EsPCEx, onde tudo começa 57 EsPCEx raciocínio necessária a tão diverso Bibliografia emprego, em face do notório Baumgartner, W.A; Hill, V.A, and Blahd, W.H. “Hair Analysis for conhecimento existente sobre as Drugs of Abuse”. J Forensic Science, 1989. “Estratégia Nacional de Defesa”. Ministério da Defesa, influências que determinadas drogas BRASIL. 2009. têm no organismo. Ademais, tais BRASIL. “Sistema de Educação Superior Militar no Exército: e Execução”. (EB60 – IR-57.002). Departamento de atividades exigem pleno equilíbrio físico Organização Educação e Cultura do Exército, junho de 2012. e emocional, discernimento, rapidez de Broecker, S.; Pragst, F et al. “Combined Use of Liquid Quadrupole Time-of-flight Mass Spectometry movimentos e de raciocínio, Cromatography-hybrid and High Performance Liquid Cromatography with Photodiode Array determinação, prudência, firmeza, Detector in Sistematic Toxicological Analysis”. Forensic Science 2011. calma, atenção, perspicácia, sensatez, International, Harrison, L.D. “The Validity of Self-reported Drug Use in Survey coragem, zelo e perfeição quanto às Research; An Overniew and Critique of Research Methods”. NIDA Monography, 1997. funções dos cinco sentidos, sendo Research Massoni, T.O. “Drogas, Álcool e Exames Toxicológicos no Ambiente incompatível o uso de substâncias de Trabalho”. UNIFESP, 2013. T. “Drug Testing Technology: Assessment of Field entorpecentes, sejam elas drogas Mieczkowski, Applications”. - 1999. depressivas, estimulantes ou Parecer Nr 013/2013 – Asse Jur. 2/Departamento de Educação e Cultura do Exército – 22/Mai/2013. alucinógenas. Parecer Nr 0025/2004/RAMSB – DGP/DPF – Diretoria de Gestão de Há que se considerar que, neste contexto em que existe a supremacia do interesse público sobre o privado, a realização de exame toxicológico está em perfeita consonância com os princípios da finalidade e da razoabilidade, inclusive no que concerne aos custos. Pessoal/Departamento de Polícia Federal – 16/Mar/2004. Pragst, F; Balikova, M.A. “State of the Art in Hair Analysis for Detection of Drug and Alcohol Abuse”. Clinica Chimica Acta, 2006. Revista Pedagógica, EsPCEx, 2010. Revista Pedagógica, EsPCEx, 2011. www.obid.senad.gov.br www.psychemedics.com.br Neste cenário, o exame de larga janela de detecção – RIAH – realizado por laboratórios certificados, de notória confiança, adotado por mais de 400 forças militares e policiais ao redor do mundo, bem como por empresas e órgãos civis preocupados com atividades de risco como aviação, navegação, transporte, entre outros, revela-se como o que melhor atende às expectativas da Força Terrestre. *** (*) OTenente Coronel Dentista Carlos Magno Capranico Corrêa, do Serviço de Saúde, é graduado em Odontologia pela UNICAMP, especialista em Radiologia pela PUC - RJ, aperfeiçoado em Prótese sobre Implantes pela Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas, mestrado em Periodontia pelo Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic, pós-graduado em Biomateriais pela Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP. É credenciado nos Idiomas Inglês e Espanhol pelo Centro de Estudos de Pessoal e é professor do curso de graduação em Odontologia e Especializaçâo em Implantodontia do CPO SLMandic. Atualmente é Chefe da Formação Sanitária Escolar da EsPCEx. e-mail: [email protected] 58 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx A Danação do Objeto: o museu no ensino de História Isla Andrade Pereira de Matos (*) Professora de História Nos últimos anos, a atuação governamental no que se refere ao desenvolvimento de ações educativas eficazes na área do patrimônio tem sido notória, como pode ser observado com a realização de eventos, tais como o 1º Encontro de Educadores do Instituto Brasileiro de Museus (Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro, 2010), cujo objetivo foi traçar diretrizes e estratégias para a elaboração de uma política de educação para os museus do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), além de promover a integração, o intercâmbio de experiências e a reflexão acerca de temas considerados prioritários (BRASIL, 2010).1 museu no ensino de História, de Francisco Régis Lopes Ramos (2004), demonstra a atualidade da discussão que propõe em consonância com os acontecimentos contemporâneos. Apesar de terem se passado quase dez anos desde sua publicação e não haver uma resenha tal qual esta se apresenta, a relação que faz entre pesquisa histórica, ensino de história e museologia encontra guarida entre as políticas públicas recentemente desenvolvidas. E uma das contribuições interessantes realizadas por Ramos (2004) é o seu posicionamento teórico, que faz a partir de uma proposta pedagógica específica, a pedagogia de Paulo Freire. Durante a realização desse encontro, houve o estabelecimento das bases para a construção de uma Política Nacional de Educação Museal (PNEM), cuja metodologia consistiu na abertura de um fórum virtual de discussão (novembro/2012 a março/2013) e os debates auxiliaram, e ainda estão auxiliando, a constituição de “diretrizes para as ações de educadores e profissionais dos museus na área educacional”, no sentido de “fortalecer o campo profissional e garantir condições mínimas para a realização das práticas educacionais nos museus e processos museais”.2 Assim, a presente resenha busca trazer para o leitor informações pertinentes ao conteúdo de A danação do objeto: o museu no ensino de História, situando-o entre as demais publicações que se debruçam sobre o tema museologia e destacando sua importância na temática do papel pedagógico do museu e os seus usos no ensino de história. O livro A danação do objeto: o Francisco Régis Lopes Ramos é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará desde 1994. Possui graduação em História, mestrado em Sociologia e doutorado em História. Entre os anos 2000 e 2007, foi diretor do Museu do Ceará, EsPCEx, onde tudo começa 59 EsPCEx experiência relatada ao longo de A danação do objeto: o museu no ensino de História por meio da produção de exposições, demonstrando o caminho percorrido e os métodos utilizados para a composição das narrativas, bem como das peças selecionadas. Sua análise das exposições desenvolvidas durante sua permanência na diretoria do referido museu, além de relacionar museu e ensino de história, exemplifica seu conhecimento sobre os significados que o objeto recebe quando exposto no museu e as possibilidades de leitura do discurso museológico. Pela concepção e organização da política editorial do Museu do Ceará durante sua gestão, Ramos (2004) recebeu o Prêmio Rodrigo de Mello Franco, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). para desenvolver o seu trabalho dentro do museu. Baseado no pensamento freiriano, o autor sugere a realização da pedagogia do diálogo, ou seja, a “prática cotidiana de pensar e atuar criticamente sobre a situação em que se constitui o estar no mundo e com o mundo” (RAMOS, 2004, p. 24). Essa pedagogia está enraizada na situacionalidade do ser no mundo: a ação de educar amplia o homem na medida em que se considera o ser um estar, porque “os homens são porque estão em situação” (FREIRE, 1987 apud RAMOS, 2004, p. 24).3 Junto à pedagogia do diálogo, Ramos (2004) utiliza a pedagogia da pergunta para desenvolver sua reflexão sobre a metodologia de apreciação de exposições museológicas. Sua utilização está diretamente ligada ao campo da percepção diante dos objetos, ensinando a refletir a partir da cultura material, dos objetos. O livro está dividido em dez capítulos, a saber: Diálogos com Paulo Freire; A história nos objetos; O objeto gerador; O lugar do museu; Sujeito e objeto; O jogo das vitrines; História, Tomando emprestado de Paulo memória e a terceira margem; Objetos biográficos e biografados; Ex-posição: Freire a ideia das palavras geradoras, objeto locado, deslocado e colocado; forma pela qual o educador alfabetizou adultos, Ramos (2004) expõe o método e Poética material. do objeto gerador, cujo objetivo é levar As análises realizadas no decorrer o indivíduo a perceber a vida dos e nos do texto sobre a utilização do museu, objetos: “(...) o ato de aprender a ler e as diversas ressignificações impressas escrever deve começar a partir de uma ao objeto quando este assume uma compreensão muito abrangente do ato posição destacada em uma vitrine e o de ler o mundo, coisa que os seres papel pedagógico da instituição museal humanos fazem antes de ler a palavra” já seriam suficientes para enquadrar o (FREIRE, 1990 apud RAMOS, 2004, p. autor aos demais pensadores 31). relevantes da museologia no Brasil. E Concordando com Paulo Freire ao Ramos (2004) vai um pouco mais além, pois não se restringe apenas a estas afirmar que “a alfabetização não é considerações. Antes, adota um decorar letras, sílabas e palavras, e sim posicionamento – a pedagogia de Paulo uma forma de dizer o mundo, no mundo Freire – por meio do qual retira lições e com o mundo” (RAMOS, 2004), o autor 60 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx enfatiza a necessidade de se enxergar o mundo nos objetos, e por isso estabelece uma didática, ßo objeto gerador, que objetiva motivar reflexões sobre a relação entre sujeito e objeto, compreendendo o objeto como expressão de traços culturais e do próprio cotidiano, além de propor exercícios que explicitam a relevância do objeto para aquele que o selecionou como objeto gerador. Esses exercícios consistem na criação de narrativas pelos participantes, gerando um envolvimento coletivo na busca de uma história para cada objeto. Outra atividade proposta por Ramos (2004), como exemplo da metodologia do objeto gerador, é prevista para ocorrer na sala de aula. Pode ser solicitado aos alunos que levem de casa um objeto para ser compartilhado com o grupo ou mesmo trabalhar com objetos que se carregam nos bolsos, em bolsas ou no próprio corpo. O intuito é criar condições para dialogarem com o mundo das coisas, os objetos, partindo do cotidiano dos próprios alunos. Assim, o autor inspira-se em Paulo Freire e constrói seu argumento sobre o museu enquanto instituição educativa, esclarecendo sua posição acerca da educação no museu, que deve ser profunda e crítica sobre o mundo em que vivemos, devendo levar o visitante à reflexão. Diante da narrativa presente no espaço museal, Ramos (2004) conceitua o museu como o lugar onde se expõem objetos por meio de processos comunicativos que necessariamente estão presentes na seleção das peças, e que devem constar no acervo e na ordenação das exposições. Esta ação é orientada por uma determinada postura teórica, cujos modelos podem ser tanto de doutrinação quanto de estímulo à reflexão. “Em outros termos: não há museu inocente” (RAMOS, 2004, p. 14). A preocupação com a função educativa do museu – que não estava prevista nos gabinetes de curiosidade, apenas na constituição dos museus modernos, quando então as exposições passaram a ter um caráter público – permeia toda a obra de Ramos (2004) ao afirmar que “o museu peca por omissão, anula-se como lugar de produção de conhecimento” (RAMOS, 2004, p. 13) quando se desobriga da promoção de atividades educativas (que envolvem pesquisa de acervo, montagem de exposição e atividade com escolas) com alunos e professores – que compõem o maior público de visitantes. Para ele, a visita ao museu implica necessariamente atividades educativas acompanhadas de questionamentos com fundamentação teórica para aguçar a percepção para os objetos expostos. Assim, não basta visitar a exposição, mas sim inseri-la como parte de um programa educativo mais amplo, que inclui visitas monitoradas e a relação do museu com a sala de aula e outros espaços de produção de conhecimento, como as universidades. Uma questão importante sobre o caráter da educação em museus defendida por Ramos (2004) é a necessidade de o museu exercer uma pedagogia voltada para o mundo contemporâneo com o desejo de transformá-lo, que não se faz de forma EsPCEx, onde tudo começa 61 EsPCEx solitária, mas a partir do envolvimento do museu com outras instituições. Por isso a referência a escolas e universidades que levam os alunos para visitarem o museu, sugerindo a adoção de parcerias enquanto estratégias para uma melhor apreensão do conhecimento lá produzido. O autor, então, propõe uma reflexão por meio da qual se propicia uma educação mais profunda e crítica sobre o mundo. Para que o museu assuma o seu papel educativo, suas exposições devem formar um argumento crítico e desenvolver programas para a interação entre o visitante e o museu. Por isso, a tendência pedagógica defendida por Ramos (2004) é a participação dos visitantes na construção de saberes, que trazem contribuições para a visita a partir de um conhecimento prévio relacionado ao assunto exposto em questão. Neste exercício, importa o procedimento de contrapor o museu-templo e o museufórum, desnaturalizando o museu e concebendo-o como resultado da cultura. O museu não é em si um espaço onde se expressa a realidade tal como ela é, refletindo-a como um espelho, mas um ambiente que oferece uma interpretação possível a partir de seu interlocutor. Trata-se de um acervo documental, uma interpretação possível para um determinado fato, comprometendo-se com a exposição de documentos históricos. Esclarecida essa dimensão complexa na qual o museu é criado e uma vez que o tipo de saber lá desenvolvido não ocorre em outros lugares, Ramos (2004) aponta para a necessidade de atividades preparatórias que deem conta de prover 62 o necessário à leitura do museu pelo visitante. Para isso, a visita ao museu deve começar na sala de aula, quando se iniciará a apreensão da linguagem museológica. Outro ponto importante destacado pelo autor no museu é o exercício da problemática histórica, ou seja, a possibilidade de negar perguntas tradicionais que solicitam dados ou informações sobre datas, fatos ou certas personalidades. Questões como “(...) quando foi proclamada a República? Quem proclamou a República?” (RAMOS, 2004, p. 25) fazem a história parecer um fato pronto e acabado. Por outro lado, a históriaproblema enxerga o passado como reflexão do presente e produz o conhecimento de forma crítica e não como um ato mecânico. Por isso, qualquer exposição é sempre uma leitura possível e não um conhecimento acabado “para o qual meramente se solicita a adesão do visitante” (RAMOS, 2004, p. 30). Não há dados, mas sim formas de instigar a reflexão, e a educação museal cumpre exatamente este objetivo, o de capacitar o público para a leitura dos objetos. No museu, o objeto perde o seu valor de uso. Ele não existe enquanto transmissor de conteúdos, mas configura-se como um instrumento para a reflexão: Ao tornar-se peça do museu, cada objeto entra em uma reconfiguração de sentidos. Para conduzir tal processo, a museologia histórica tem o compromisso ético de explicitar seus próprios parâmetros e, por conseguinte, seus desdobramentos educativos, em contraponto com outras experiências (RAMOS, 2004, p. 29). EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx O objeto é tratado como documento histórico, testemunha de traços culturais que são interpretados na lógica da exposição do museu ou na sala de aula, relacionando-o com a historicidade do tempo e com o seu sentido fora do cotidiano. Construir conhecimento por meio dos objetos implica em conhecer a dinâmica própria na qual a análise está alicerçada, o que significa esclarecer as opções e concepções que fundamentaram a exposição, responsável também pela seleção dos objetos. Isso confere à exposição museológica o caráter de documento histórico, que é uma representação da realidade, e não a realidade em si. Portanto, necessita de análise crítica. Ramos (2004) enfatiza a necessidade de atuação do museu na capacitação do público para a leitura dos objetos, manifestando-se favoravelmente à utilização de monitores na instrumentalização dos visitantes para decifrar os códigos propostos. Considera indispensável a presença desses profissionais, cuja prática estaria focada no ato de fazer perguntas para despertar, no visitante, reflexões em um diálogo criativo sobre o que está sendo visto. A advertência, entretanto, está em o monitor não se transformar em informador, fornecendo dados ou explicações ao público: “o monitor não deve expor a exposição e sim provocar, nos visitantes, a vontade de ver objetos” (RAMOS, 2004, p. 27). Esta metodologia envolve a pedagogia da pergunta, que consiste em produzir conhecimento a partir de questões formuladas aos objetos, o que exige qualificação do monitor na pesquisa destes mesmos objetos: […] quando entramos nos museus, entramos no tribunal, onde várias falas se apresentam, várias vozes silenciosas, fortíssimas e eloquentes se apresentam, há réplicas e tréplicas, há a possibilidade o tempo todo de uma altercação, e tem-se, de alguma maneira, que tomar posição. […] para que ele (o público) seja levado a tentar tomar posição e ganhar essa autonomia de quem toma posição, que é o grande papel educativo que as instituições culturais podem ter, a própria instituição tem que assumir esse papel pedagógico, nesse sentido nãototalitário, não-autoritário, nãomonológico, e tem que abrir o espaço para a dialogia, em todos os recursos possíveis (...) (PESSANHA, 1996 apud RAMOS, 2004, p. 29 e 30). Além de se apresentar no museu, essa didática deve estar presente também na escola, permitindo o envolvimento de alunos e professores com o tema já na sala de aula, preparando a percepção dos alunos para olhar o objeto no museu. Ainda dentro das questões relacionadas à área da museologia, Ramos (2004) destaca a relação entre sujeito e objeto, pois na mesma medida em que o objeto é descoberto pelo sujeito, o sujeito é transformado pelo objeto: “Falar sobre objetos é falar necessariamente acerca de nossa própria historicidade” (RAMOS, 2004, p. 62). Uma outra análise interessante feita pelo autor é a relação entre o tempo dos objetos e a sociedade de consumo. A vitrine significa exclusão, pois permite o acesso apenas do olhar, e coloca o homem na condição de EsPCEx, onde tudo começa 63 EsPCEx consumidor de imagens, porque o vidro concentra em si tanto a característica da proximidade quanto a da distância. Isso configura também um processo de sacralização do objeto, que retoma o conceito do museu-templo em contraposição ao museu-fórum e obriga o visitante a tomar uma posição diante dos fundamentos museológicos apresentados. não pela sua glorificação, mas pela possibilidade de pesquisá-la enquanto campo de estudo da história. No decorrer da leitura do livro existem análises feitas pelo autor de seu próprio trabalho enquanto diretor do Museu do Ceará e curador das exposições realizadas nesse museu, além do relato da organização de eventos, tais como as semanas em Essa discussão leva ao tema do homenagem a Paulo Freire. gerenciamento da cultura: o museu Em sua obra são ainda transforma o povo em público contemplados os eventos em consumidor de uma cultura “de homenagem a Paulo Freire, intitulados qualidade”, mercantilizando essa Semana Paulo Freire, que teve início cultura, ou assume o seu caráter no ano de 2001 com sua primeira educativo de não se render às vitrines edição, cujo tema foi A leitura do mundo do comércio e levar à reflexão sobre a através dos objetos, quando se discutiu sociedade do consumo? Dialogar com possibilidades e desafios “(...) para a o passado é interpretá-lo como fonte construção da educação crítica no de conhecimento. funcionamento de um museu histórico” Em se tratando de um estudo sobre as possibilidades de análise presentes no museu, o debate entre história e memória não poderia ficar de fora de A danação do objeto: o museu no ensino de História. Dentre os esforços educativos do museu, está o sair da memória para entrar na história, bem como o caminho inverso, para não correr o risco de o museu perder sua vitalidade, mas sim trabalhar com a potência da memória, alimentando a própria história. Ramos (2004) afirma que a exposição deve tocar o visitante por meio da dimensão da memória e da afetividade, suscitando aquilo que afeta o indivíduo. O museu não apenas explica algo com os seus arranjos comunicativos, mas também influencia o visitante de forma afetiva. Assim, o autor compreende a memória como objeto de reflexão da história, optando 64 (RAMOS, 2004, p. 86). Em meio ao relato de sua atuação profissional, Ramos (2004) traz ao conhecimento do leitor diversas outras ações que não apenas o seu envolvimento na produção de exposições, mas também na administração do Museu do Ceará, tais como: o desenvolvimento de uma política editorial, o estabelecimento das bases da ação educativa e o funcionamento do Núcleo Educativo do Museu, esse último objeto de estudo do Laboratório de Museologia do Museu do Ceará (LAMU), que discute também a atuação pedagógica desse mesmo museu. Uma das últimas análises que aparece no livro de Ramos (2004) é sua crítica à reprodução cenográfica. Para ele, a estratégia de colocar um objeto em um “(...) cenário onde ele EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx supostamente se encontrava antes de ir para o museu é um grande equívoco” (RAMOS, 2004, p. 130), porque esse processo se ausenta de teoria e reflexão crítica na tentativa de reconstruir a história contemplando o passado. Sua concepção teórica de história compreende que o conhecimento histórico se faz no presente e que o objetivo da reprodução cenográfica é resgatar o passado tal como aconteceu, seguindo a tendência das teorias do século XIX. De acordo com essa postura, o passado é mostrado como se estivesse dado e não como uma construção do presente. Além disso, existe ainda a interpretação da cultura enquanto mercadoria, que produz estereótipos por meio de um suposto resgate da memória. Essa forma de visualizar a exposição, de acordo com o autor, não possui substância interpretativa, uma vez que o papel do museu é estimular a reflexão sobre as relações entre presente e passado por meio da exposição de objetos e estudar a cultura material com método específico, cumprindo sua função educativa. Assim, por todas as discussões apresentadas, que permitem a análise do papel educativo do museu, bem como o desenvolvimento de todo um projeto museológico e museográfico, A danação do objeto: o museu no ensino de História, de Francisco Régis Lopes Ramos (2004), é uma obra de grande valor e que deve estar presente entre os estudiosos que buscam relacionar educação em museus, memória e ensino de história. *** Bibliografia 1 BRASIL. Instituto Brasileiro de Museus. Carta de Petrópolis. Brasília, DF, 2010. 2 INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Disponível em: <http:// pnem.museus.gov.br/>. Acesso em: 10 mar. 2013. 3 RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004. (*) A 2º Tenente Isla Andrade Pereira de Matos possui graduação em História (Bacharelado e Licenciatura - 2011) e mestrado em Educação (2013) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Integra o quadro docente da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) na Seção de História. Tem participado de eventos acadêmicos nos campos da história, da educação e do patrimônio, atuando nos seguintes temas: história, museu, patrimônio e questão étnico-racial. Endereço eletrônico: [email protected]. EsPCEx, onde tudo começa 65 EsPCEx Os Valores Trabalhados pelas Instituições Militares HichemTannouri (*) Aluno da 1ª Companhia da EsPCEx Os valores são inerentes à vida humana e à carreira militar. Mas o que são valores afinal? O dicionário Aurélio de língua portuguesa define a palavra valor como um sinônimo de merecimento, talento, reputação, coragem e valentia. Porém para muitas pessoas, principalmente para um militar, o sentido dessa palavra transcende qualquer definição que possa vir escrita no dicionário. Valores são características que diferem cada ser humano. Essas características fazem com que o militar anseie pelo cumprimento do dever, com uma vontade inabalável e com a humildade de não esperar nada em troca. A carreira militar gira em torno de situações peculiares, em que se destacam duas características essenciais a esse estilo de vida: abnegação e sacrifício. Valores que, na sociedade atual, tendem a ser esquecidos pelas pessoas que, a cada dia, têm mais afazeres e menos preocupações com a humanidade, mas que ainda são constantes na vida militar. Abrir mão do tempo livre, perder noites em nome de algo maior ou, até mesmo, deixar passar momentos importantes com a família são situações que ocorrem com frequência e, muitas vezes, são inevitáveis para um servidor da Pátria. 66 Outro valor constante no cotidiano de um soldado, seja praça ou oficial, é a rusticidade. A capacidade de daptarse às pressões físicas e psicológicas é crucial para que o militar enfrente os desafios da carreira. Porém a resistência que o soldado cria diante dessas pressões, às vezes, é interpretada como insensibilidade ou frieza pelos civis que desconhecem a rotina militar. Diante de tantos obstáculos então, por que ser um militar? O militar é alguém que vive para servir, que luta em nome dos direitos de outros, que se dedica para garantir a segurança e que está sempre preparado para cumprir a próxima missão. O desejo do militar de ajudar está encrustado na alma e estampado na farda. Momentos pessoais serão perdidos, mas serão retribuídos a cada vitória, a cada missão cumprida, a cada vida salva. O sacrifício não é nada se comparado à esperança de uma sociedade justa e pacífica. Logo, quem opta pela carreira militar o faz porque sabe que é importante ter alguém para guardar e assistir àqueles que precisam. As organizações militares trabalham também outro grande valor que é a disciplina. Essa característica, muitas vezes, já foi ensinada pela família e é apenas adaptada e intensificada na carreira. O conceito de EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx disciplina se subdivide em outros dois. Um desses conceitos é a ideia básica de disciplina que nada mais é do que a responsabilidade de cumprir normas, de adaptar-se aos padrões que forem estipulados, respeitar e fazer respeitar as cadeias hierárquicas e as ordens que lhe forem passadas. A outra concepção, apesar de estar intimamente ligada ao conceito anteriormente mencionado, serve como um limite para essa ideia básica de disciplina. É a disciplina consciente. Esta por sua vez é crucial para a preservação da dignidade e dos direitos de todas as pessoas, sejam elas civis ou militares. A disciplina consciente trata da capacidade de discernir frente a uma solução questionável ou uma ordem que possa pôr em risco um indivíduo ou uma instituição. Servir não significa unicamente seguir ordens, é também auxiliar e cuidar para que todos os envolvidos estejam em segurança com o resultado final. A disciplina para um militar é indispensável. O exercício dessa característica é necessário e deve ser constante, pois uma vez que haja falta de disciplina, conflitos dentro da tropa podem fazer com que o comandante perca sua legitimidade. “Quando há inquietação entre os soldados, o general já perdeu sua autoridade.” (pg.98, “livro A Arte da Guerra”, 2014, Sun Tzu). Relatos e homenagens feitas aos militares ao longo da história mostram que abrir mão de suas vontades e colocar a si mesmo em segundo plano sempre fez parte da carreira das armas. O trecho de uma carta de Guilherme Moniz Barreto (jornalista e crítico literário nascido na Índia Portuguesa, em 1863), publicada em 1893 no Jornal do Exército de Portugal, Nº306, descreve claramente esses valores que se destacam na carreira militar: “Senhor, umas casas existem no vosso reino, onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta se deitam, obedecendo. Da vontade fizeram renúncia como da Vida. Teu nome é Sacrifício. Por ofício desprezam a morte e o sofrimento físico. Seus pecados mesmos são generosos, facilmente esplêndidos. A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar. Quando eles passam juntos fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por m i l i t a r e s . . . ” ( h t t p : / / www.supergoa.com/pt/read/ news_cronica.asp?c_news=818 ) Fica claro, portanto, que a presença do militar é essencial para a manutenção da sociedade. Isso só é permitido porque os valores são constantemente trabalhados e repassados, de geração em geração, por meio do serviço na tropa ou por meio das escolas de formação que preparam os futuros protetores do Brasil. Esses são os defensores que fazem o que deve ser feito em nome das pessoas que vivem no País e que decidiram abrir mão do “eu” para pensar na Pátria e, assim, tornam - se símbolos e ícones que vemos registrados em cânticos e em obras de artistas de épocas distintas. EsPCEx, onde tudo começa 67 EsPCEx O militar mostra em cada feito a importância da disciplina e o quão grande é o significado do sacrifício do qual, sem nenhum arrependimento, se orgulha, pois sabe que é necessário. *** Bibliografia Site da internet, http://www.supergoa.com/pt/read/ news_cronica.asp?c_news=818. Site da internet, http://www.consciencia.org/guilherme-moniz-barreto. Site da internet, http://www.eb.mil.br/a-profissao-militar. Míni Aurélio dicionário da língua portuguesa, 8a edição, editora positivo. (*) O Aluno HichemTannouri formado no Colégio Jardim São Paulo, localizado na cidade de São Paulo, no ano de 2009, ingressou, em 2010, na Fundação Educacional Inaciana (FEI), localizada em São Bernardo, Interrompeu seu curso superior de Engenharia Mecânica para ingressar na carreira militar, no ano de 2014, como aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Atualmente é aluno da 1ª Cia. 68 EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Trabalhos Escolares Multimodais e Digitais: a perspectiva dos novos letramentos Viviane de Fátima Pettirossi Raulik (*) Professora de Língua Inglesa Introdução O computador hoje permite que textos, sons e imagens sejam combinados de diversos modos, possibilitando novas maneiras de representar as mensagens. No entanto, ainda há discrepâncias entre as práticas escolares e práticas pessoais. Nesse sentido, a perspectiva dos novos letramentos tenta incentivar professores na busca por outras linguagens para as tarefas escolares. O objetivo deste artigo é fazer um percurso teórico conceitual de alfabetização a novos letramentos e, de acordo com a perspectiva dos novos letramentos, propor o uso de trabalhos multimodais digitais em ambiente escolar. De alfabetização a novos letramentos O conceito de letramento surgiu para definir uma prática que vai além do conceito de alfabetização, a habilidade de ler e escrever, mas entender informações e expressar ideias. Letramento é uma prática social que varia de acordo com o contexto, cultura e outros aspectos e não uma habilidade técnica e neutra(STREET, 2003). Em cada caso as habilidades de letramento específicas e as comunidades de comunicação relevantes são muito diferentes (LEMKE, 2010). Referência no assunto desde os anos 80, Brian Street (1984) fala em Novos Estudos do Letramento (New Literacy Studies), já que, em inglês, alfabetização seria literacy e não há outra palavra para se fazer a diferença como é feito em português (alfabetização e letramento). O autor apresenta o letramento em dois modelos, o modelo autônomo e o modelo ideológico, e defende o segundo. De acordo com o modelo autônomo, o letramento é uma habilidade técnica e neutra, uma realização individual que não depende de um contexto social mais amplo. De acordo com o modelo ideológico, o letramento é o contrário de tudo isso: não é uma habilidade técnica e neutra, não é uma realização individual e depende totalmente de um contexto social mais amplo. De acordo com o modelo ideológico, letramentos (no plural), seria mais apropriado, pois há diferentes tipos de letramento na vida social, além do letramento escolar (prática da escrita na escola), que não podem ser depreciados: familiar, religioso, profissional, etc. (KLEIMAN, 1995). EsPCEx, onde tudo começa 69 EsPCEx Em 1996, um grupo de professores pesquisadores fica conhecido como o Grupo de Nova Londres (New London Group) e publica um manifesto expandindo o conceito de letramento(s) para multiletramentos (multilite-racies). Eles dizem que as abordagens tradicionais não são mais suficientes devido a mudanças no ambiente social (pós-fordismo/novas relações de trabalho), diferentes canais de comunicação (novas tecnologias) e à grande diversidade linguística e cultural (tratar das diferenças se torna extremamente importante). Obviamente é importante considerar o contexto dos autores (Australia, Estados Unidos e Inglaterra), ou seja, países desenvolvidos. A perspectiva dos multiletramentos apresenta dois desafios de igual importância. O primeiro são as práticas etnográficas em sala de aula, ou seja, conectar o contexto de sala de aula com o mundo dos alunos e, ao mesmo tempo, conscientizá-los sobre sua condição de cidadãos globais. O segundo desafio envolve a multimodalidade, outros modos de se fazer significado (visuais, auditivos, espaciais, comportamentais etc), além da língua, são destacados como recursos representacionais dinâmicos, constantemente ressignificados e com diferentes objetivos. Não é mais possível supor, então, que letramento está relacionado apenas à linguagem escrita, e muito menos apenas à linguagem impressa. Hoje, qualquer um edita um áudio ou um vídeo em casa, produz animações de boa qualidade, constrói objetos e ambientes tridimensionais, combina-os com textos e imagens 70 paradas, adiciona música e voz e produz trabalhos muito além do que qualquer editora ou estúdio de cinema poderia fazer até alguns anos atrás (LEMKE, 2010, p. 472). Não só essas possibilidades de produzir, coletar e editar conteúdo multimodal como também outras formas de construir significados através da Internet e do meio digital fazem parte dos estudos sobre novos letramentos (LANKSHEAR & KNOBEL, 2007). Novos letramentos tornam necessárias novas habilidades chamadas, por sua vez, de letramento digital: “engajar-se na construção de significado mediado por textos que são produzidos, recebidos, distribuídos, trocados, etc via codificação digital” (LANKSHEAR & KNOBEL, 2008, p.5, tradução minha). Lankshear and Knobel (2007) dizem que para ser novo não basta que o letramento aconteça em meio digital, o que caracteriza para eles novos aspectos técnicos (new technical stuff), tem que haver a combinação de novos aspectos técnicos e um novo ethos (new ethos stuff). O novo ethos surge juntamente com as novas regras do meio digital. Essas novas regras são mais participatórias, colaborativas e distribuídas, são mais fluidas e menos fixas e, com tudo isso, acontece o descentramento da noção de autoria. Vale salientar que o novo ethos se torna possível devido ao fenômeno da Web 2.0. Web 2.0 é o termo cunhado por O’Reilly (2005) para descrever o fenômeno da interatividade na rede mundial de computadores em sua segunda fase, a partir do ano 2000. Em vez de websites estáticos que serviam apenas como provedores de EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx informações, a web passa a oferecer ao usuário uma condição de agente, isto é, aquele que também cria e publica. Dentro da Web 2.0 estão as redes sociais, os blogs, enciclopédias livres, websites de compartilhamento de vídeos, fotos e áudio, entre outros. constitui por meio da contribuição de diferentes usuários (PINHEIRO, 2013). É claro que escrita colaborativa pode acontecer fora do ambiente virtual também, no entanto, a Web 2.0 passou a oferecer condições mais dinâmicas e abrangentes. Diante dessas transformações e do alcance global da Internet, alguns conceitos surgem e outros se recontextualizam. Só para citar alguns, falaremos em remix, produsagem, escrita colaborativa e inteligência coletiva. Todos eles, por sua vez, influenciam diretamente o conceito tradicional de autoria. Termo cunhado por Pierre Lévy (2007), inteligência coletiva é o acesso ao saber dos outros, o intercâmbio de conhecimentos e experiências que acontece no ambiente virtual. Quando conteúdos diversos da Internet são unidos e editados nos diversos softwares disponíveis e dão origem a uma nova produção, essa “nova” produção é chamada de remix. O termo remix, na verdade, surgiu no contexto musical e gradativamente passou a se referir a qualquer trabalho no qual foram usados conteúdos culturais que já existiam e cujo objetivo é gerar novas formas de interpretação. ... remix como uma prática cultural mudou dramaticamente nos últimos anos. Ferramentas digitais geram novas possibilidades para termos acesso à informação, para produzirmos, compartilharmos e reutilizarmos (ERSTAD, 2008, p. 185, tradução minha). Para definir a criação de conteúdo que acontece hoje em ambiente virtual, criou-se o termo produsagem (BRUNS, 2007). Ou seja, aqueles que fazem remix são produsuários (produsers), produtores e usuários de conteúdo. A escrita colaborativa acontece em websites em que o produto final se Remix, produsagem, escrita colaborativa e inteligência coletiva influenciam o conceito tradicional de autoria no sentido de propriedade intelectual de que tratam as leis de direitos autorais, pois vemos que agora, em ambiente virtual, a produção de textos (escritos, orais ou não verbais) acontece sob novas condições. Kress (2010) diz que a comunicação contemporânea é mais aberta e participativa, que as estruturas de poder agora são horizontais e não verticais e, assim, o limite entre público e privado fica mais difícil de se estabelecer. Como essas práticas podem ser usadas a favor dos propósitos da escola? O professor engajado com a perspectiva dos novos letramentos deve, na medida do possível, começar a incluir trabalhos multimodais digitais em suas práticas pedagógicas. Esses trabalhos, por sua vez, devem conter o novo ethos, caso contrário tornar-seão simplesmente um copiar/colar. Em contextos educacionais, faríamos bem em identificar com mais especificidade como os alunos deveriam usar a cultura comum em cada tarefa dada, bem como as for- EsPCEx, onde tudo começa 71 EsPCEx mas específicas de inovação ou originalidade que também esperamos que eles realizem em suas tarefas (BAZERMAN, 2010, p.460). Em relação aos aspectos técnicos (new technical stuff), uma gama de ferramentas de edição está disponível, elas podem já fazer parte dos pacotes que vêm instalados nos computadores, podem ser baixadas na Internet ou até mesmo serem usadas online. Entre os mais conhecidos pelos professores estão os editores de texto e de slides, no entanto, trabalhos mais interessantes e desafiadores podem ser produzidos com ajuda de editores de imagem, editores de áudio e vídeo, editores de animações e jogos ou editor de texto online que possibilite o compartilhamento para trabalho colaborativo. Para propiciar o novo ethos (new ethos stuff), esses trabalhos tomariam forma de gêneros específicos. Esses gêneros, por sua vez, podem ser aqueles que surgiram em função da Internet como um blog, por exemplo, ou outros oriundos da mídia impressa, televisiva e rádio que passaram a também fazer parte da Internet como clips, paródias, documentários, histórias em quadrinhos, narrativas, jogos, animações, programas de rádio, entre outros. Outras decisões envolvem o tempo de execução (um dia, um bimestre, um semestre), equipamentos disponíveis (computadores dos alunos, laboratório da escola se houver), atualização dos professores em relação às ferramentas de edição e algum meio de divulgação dos trabalhos depois de prontos. 72 Considerações Finais Acredita-se que o uso de artefatos tecnológicos no ambiente educativo gere motivação, pois propicia linguagens próximas do universo de interesse do aluno. No entanto, sendo o Brasil país tão grande e de aspectos sociais e culturais tão diversos, haverá contextos mais favoráveis e outros menos favoráveis para o desenvolvimento dessas atividades. Mudar ferramentas e fontes de conteúdo não é um processo fácil, requer adaptação de ambos os lados, professores e alunos. *** Bibliografia BAZERMAN, C. Paying the Rent: Languaging Particularity and Novelty. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Vol.10, n.2, p.459469, 2010. BRUNS, A. Produsage: Towards a Broader Framework for User-Led Content Creation. In: Proceedings Creativity & Cognition 6, Washington, DC. Disponível em: <http://eprints.qut.edu.au/6623/1/ 6623.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2013. ERSTAD, O. Trajectories of Remixing: Digital Literacies, Media Production, and Schooling. In: LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.). Digital Literacies: Concepts, Policies and Practices. Peter Lang Publishing, 2008. p. 177-200. FOUCAULT. M. O Que é Um Autor? 1969. Disponível em: <fido.rockymedia.net/anthro/foucault_autor.pdf >. Acesso em: 26 set. 2013. KLEIMAN, A. B. Os Significados do Letramento: Uma Nova Perspectiva Sobre a Prática Social da Escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx KRESS, G. Multimodality: A Social Semiotic Approach to Contemporary Communication. London: Routledge, 2010. LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. New Literacies: Changing Knowledge and Classroom Learning. Buckingham: Open University Press, 2003. LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds). A New Literacies Sampler. New York: Peter Lang, 2007. p.1-24. LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.). Digital Literacies: Concepts, Policies and Practices. Peter Lang Publishing, 2008. p. 1-30. LÉVY, P. Introdução. In: LÉVY, P. A Inteligência Coletiva – Por uma Antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2007. p.19-32. NEW LONDON GROUP. A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures. Harvard Educational Review, Cambridge, MA, v. 66, n.1, p.60-92, 1996. O’REILLY, T. 2005. What is Web 2.0? Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software. Disponível em: <http:// oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em: 02 jun. 2013. PINHEIRO, P. Práticas Colaborativas de Escrita Via Internet: Repensando a Produção Textual na Escola. Londrina: Eduel, 2013. STREET, B. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical Approaches to Literacy in Theory and Practice. Current Issues in Comparative Education, Vol. 5(2), p.77-91, May 2003. (*) A Professora civil Viviane de Fátima Pettirossi Raulik é licenciada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), possui curso de pós-graduação Lato Sensu em Metodologia de Ensino da Língua Inglesa, Cambridge CAE (Certificate in Advanced English) e é mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na Linha de Pesquisa Linguagens e Tecnologias. Atualmente exerce e função de professora de Inglês da EsPCEx. EsPCEx, onde tudo começa 73 EsPCEx Um Breve Olhar na História para Pesquisas em Educação Andréia Pinheiro de Freitas (*) Professora de Língua Portuguesa I Ao se pensar em uma pesquisa em Educação, ou mesmo em outra área, em qualquer escala, é necessário, antes de tudo, pensar o contexto sóciohistórico em que o objeto de análise está inserido, o que não é uma tarefa fácil, uma vez que a própria História e, consequentemente, a História da Educação estão em constantes questionamentos, haja vista a intrínseca relação do historiador com seus objetos de análise. De fato, sob ponto de vista de Eliane Marta Teixeira Lopes, em seu texto O Aprendiz de Feiticeiro e o Mestre Historiador: Quem Faz a História? (2004, p. 28): a história é aquilo que os historiadores escreveram e não a realidade de um passado inapreensível por sua natureza de já ter passado (será o presente mais apreensível que o passado?), e os historiadores escolhem e selecionam as fontes e informações que lhe pareçam mais significativas, rejeitando outras. Nesse trabalho, não consegue cercar sua subjetividade, não consegue aprisioná-la em sua pretensão de objetividade. O máximo que pode fazer é ser honesto. Além disso, na história da História, ou seja, na historiografia, a questão não é simples, pois, mesmo sendo consensual periodizar a história moderna, tendo como referência a ascensão das ciências sociais (séc. XIX), há várias “escolas” que se contrapõem e brigam entre si (não é exclusividade somente desse período), e muitos 74 questionamentos são levantadas quanto ao procedimento da historiador frente a essa nova visão de mundo em que as ciências possuem forte influência nas formas de análise dos objetos. Essas particularidades de extrema relevância vão além do que se quer discutir neste trabalho, que pretende tão somente lançar um breve olhar nas raízes da História da Educação no Brasil, no período compreendido entre o final do Império e as primeiras décadas da República, por julgar importante que o pesquisador tenha noções essenciais para realizar um trabalho dentro da referida área. Em outras palavras, quando se pensa em Educação, no contexto atual, ou em realizar pesquisas de trabalho nessa área, é preciso buscar na História, por meio dos estudos já realizados, os fatos passados que propiciaram o processo de construção do que se entende por Educação hoje. No entanto, não é possível simplesmente fazer um levantamento de fatos, sem entender todo o contexto político, social, econômico e cultural por que passava o Brasil durante o Império e as primeiras décadas da República. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo, de forma despretensiosa, lançar um breve olhar sobre esse processo. Além disso, é pertinente ressaltar que não basta o pesquisador apenas ler os textos que abordam a História ou a Historiografia da Educação dentro EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx de um contexto sócio-histórico específico, é necessário, também, levantar algumas questões relevantes: quem escreveu o texto? de que lugar fala o autor do texto? qual o objetivo do autor ao escrever o texto? qual a linguagem que o autor usa? a quem se dirige o texto? Esses questionamentos são importantes para que o pesquisador procure entender mais criticamente os diferentes olhares dos historiadores/ pesquisadores dos textos lidos e também para que possa olhar o seu próprio objeto de trabalho com mais profundidade. tas de periodização de Ramos de Carvalho, como bem analisa Bruno Bontempi Júnior, Professor Doutor da PUC São Paulo, em seu texto A Educação brasileira e a sua periodização vestígio de uma identidade disciplinar, ficariam, assim, dispostas: Considerações iniciais Todos esses esforços não ficaram imunes a críticas, não pelo levantamento de todo material que pudesse ser resgatado, pois constitui enorme contribuição para a Historiografia da Educação brasileira, mas pelo fato de como as pesquisas e os estudos foram constituídos, sob o ponto de vista do realismo histórico. Seja como for, o que se pode dizer é que, a partir da década de 1950, houve uma preocupação intensa de historiadores, pesquisadores da educação e pedagogos em organizar materiais que possam esclarecer ou recontar um pouco mais sobre a História da Educação brasileira. Antes de revisitar brevemente o passado, é importante comentar que a Historiografia da Educação, embora tenha sido uma preocupação desde o final do século XIX, só se constituiu há pouco tempo no Brasil. Estudos recentes têm por finalidade levantar fatos que ratifiquem suas raízes, bem como questionar as periodizações estabelecidas e os procedimentos de se recontar essa história, sob as bases do realismo histórico (uma tentativa de responder às questões acima colocadas). Em relação à periodização da educação brasileira, ressaltam-se os esforços de Laerte Ramos de Carvalho, que, desde a publicação de As Reformas Pombalinas da Instrução Pública, em 1952, demonstra preocupação com essa questão, tanto que organizou um grupo de pesquisadores da USP, ao longo da década de 1960, o qual realizou um árduo trabalho de pesquisa que se concentrou na busca e na catalogação de documentos e publicações para estabelecer tal periodização. As propos- de 1549 a 1759, ou seja, dos primeiros estabelecimentos jesuíticos até o decreto de sua expulsão; de 1759 a 1889, data da Proclamação da República; de 1889 à Revolução de 1930 - além de um quarto período, apenas esboçado, que começa com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1961. (2003, p. 61) Educação no Império A vinda da família real para o Rio de Janeiro, em 1808, foi motivo de muitas mudanças no cenário político, cultural e educacional. Com a chegada de D. João VI, o plano político começava a desmantelar-se, pois, de certa forma, houve uma ruptura do pacto colonial devido à abertura dos portos e à revogação do alvará que proibia a EsPCEx, onde tudo começa 75 EsPCEx instalação de manufaturas, fatores de grande influência para tornar mais flagrante a necessidade da independência do Brasil. Quanto às transformações culturais, destacam-se a criação de museus, academias e bibliotecas, além da implantação da imprensa, que se desenvolveu rapidamente, tornando-se uma rica fonte de pesquisa para inúmeros historiadores. A Educação nesse período não possuía uma política com sistema e planejamento eficientes, pois, durante os séculos XVI e XVII, foi basicamente estruturada pelo ensino jesuítico e depois, no século XVIII, passou pelas reformas empreendidas por Marquês de Pombal em 1772. É importante ressaltar que, a partir dessa data, temse a tentativa de implantação do ensino público oficial, ou seja, a coroa deveria organizar as regras do sistema educacional, instituindo as aulas régias. Entretanto muitas foram as dificuldades enfrentadas, tais como a dispersão dos colégios, a ausência de formação e/ou a incompetência dos mestres e a centralização desse sistema no Reino. Paralelamente a isso, o aparecimento de escolas de beneditinos, carmelitas e franciscanos acabam se difundindo em diversas regiões. Nessa época, diversos cursos são criados: a Academial Real da Marinha (1808), a Academia Real Militar (1810), cursos médico-cirúrgicos na Bahia e no Rio de Janeiro, cursos jurídicos no Recife e em São Paulo e cursos avulsos de economia, química e agricultura no Rio de Janeiro e na Bahia. É perceptível nessa época uma ênfase, sobretudo, no ensino superior e uma certa displicência quanto aos demais níveis. 76 Após a Independência do Brasil em 1822, há toda uma movimentação para que a primeira Constituição brasileira se concretizasse. O conceito de constituição que emanava após a Independência apoiava-se em quatro vertentes correntes na época, resumidas a seguir: a do constitucionalismo histórico, que buscava não atribuir poderes irrestritos aos deputados da Assembléia Constituinte; a de Montesquieu, que defendia o princípio da separação dos poderes em três e os direitos dos cidadãos e regulamentos dos deputados; a de Benjamin Constant, que defendia a total garantia dos indivíduos, ou seja, uma constituição mais liberal; e a de uma versão mais democrática, que defendia “um pacto político, ultrapassando seu sentido original de definir uma forma de governo e a organização do território.” (NEVES, p. 189). É importante perceber que todos esses movimentos ao redor de se buscar a primeira Constituição brasileira partiam principalmente da elite intelectual brasileira e pouco se levavam em consideração os anseios dos cidadãos da nação. Depois de outorgada a Carta de 1824, o sistema educacional vigente até então começa a passar por transformações com o Ato Adicional à Constituinte em 1834, que descentraliza o ensino do poder central, que fica responsável somente por regular o ensino superior. O ensino elementar e secundário ficam sob a responsabilidade das províncias. Em outras palavras, “a educação da elite fica a cargo da coroa e a educação do povo é confiada precariamente às províncias.” (ARANHA, 1989, p. 192) EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx É claro que essa descentralização ocasionou sérios problemas, principalmente para a educação elementar e a secundária. A falta de recurso das províncias, a ausência de um currículo que ocasionava como consequência uma escolha aleatória das disciplinas, a quase total inexistência de professores competentes por falta de formação adequada, a baixa demanda dos professores que havia, por causa dos baixos salários, e os crescentes índices de analfabetismo são alguns exemplos. Algumas tentativas, como a formação dos liceus provinciais, a fundação de colégios (em sua maioria católicos) e de escolas normais, não são muito contundentes para uma melhora significativa no panorama educacional desse período. Cumpre destacar nesse período um estudo significativo feito por José Ricardo Pires de Almeida, intitulado Instrução Pública no Brasil (15001889), considerado por muitos como sendo a primeira história sistematizada da educação brasileira. Nessa obra, publicada em francês em 1889 e dedicada ao Conde D’Eu (demonstrando em sua narrativa, devido a esses fatos, um caráter elitista), o autor esboça um quadro minucioso da educação no Brasil de 1500 a 1889. É inegável que o livro de José Ricardo Pires de Almeida é de extrema importância para os estudos de educação à época do Império, porém, por ter ficado tanto tempo esquecido e não figurar no currículo das Escolas Normais e Institutos de Educação até recentemente, sua importância é muito discutida. Educação nas Primeiras Décadas da República Após a Proclamação da República no Brasil em 1889, o governo passa, após a Constituição de 1891, por profundas transformações. Uma delas é que o governo torna-se representativo, federal e presidencial, o que dá autonomia aos estados, promovendo o favorecimento de São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro, já que são locais onde prevalecem os interesses da aristocracia brasileira. No panorama mundial temos importantes fatos, dentre vários outros significativos, vão nortear para sempre a história da humanidade: As Revoluções Industriais, a ascensão das Ciências e a 1ª Guerra Mundial. Após a Constituição de 1891, a qual reafirmava a responsabilidade da União em promover a educação superior e secundária, em detrimento da elementar (o que marcava a continuidade do foco elitista sobre a educação), nos primeiros vinte anos de república, a situação educacional não havia passado por transformações significativas, contando com índices de 80% de analfabetismo. No entanto, frente às transformações pelas quais o mundo passava, após a Primeira Guerra Mundial, tais como a importância das ciências, a crescente industrialização e a remodelação do espaço urbano, começava a se fazer necessária uma mobilização para que novas condições de ensino se adaptassem a esse novo panorama que se vislumbrava. A educação passa nessa época a ser concebida como um pilar essencial para a adequação a esse novo sistema, ou seja, a educação passa a ser vista como solução para todos os pro- EsPCEx, onde tudo começa 77 EsPCEx blemas por que passa o Brasil. Cresce, dessa forma, um sintoma que mais tarde se denominou “o entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico”. Assim, com entusiasmo e otimismo, é decretada a reforma da educação, em 1928, por meio do decreto nº 3281, de 23 de janeiro, na gestão de Fernando Azevedo como diretor da Instrução Pública do governo do Distrito Federal e, em 1932, é publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tendo como líder o mesmo Fernando de Azevedo e contando com as assinaturas de mais 26 educadores. A Escola Nova no Brasil A escola nova foi fundada na Inglaterra em 1889 e expandiu-se rapidamente por quase toda a Europa. Jorge Nagle, em seu texto Introdução da Escola Nova no Brasil, publicado no Boletim da Cadeira de Teoria Geral da Educação, em 1964, resume bem o teor desse novo movimento, O movimento chamado da Escola Nova, em resumo, significou uma remodelação das instituições escolares, como consequência da revisão crítica de toda a problemática educacional. Em confronto com a chamada “escola tradicional”; em relação à qual se colocou em termos antitéticos, a escola nova se fundamenta em nova concepção sobre a infância. Esta passa a ser considerada, contrariamente à tradição, como estado de finalidade intrínseca, de valor positivo, e não mais como condição transitória e inferior, negativa, de preparo para a vida adulta. Nesse novo fundamento se erigirá o novo edifício escolanovista. (NAGLE, 1964, p. 86) No Brasil, os primeiros 20 anos do século XX podem ser interpretados 78 como uma preparação para a introdução desse movimento e contou, segundo Jorge Nagle, com alguns antecedentes importantes, como a fundação de escolas protestantes, desde o final do período imperial, importantes divulgadoras das ideias norte-americanas; a Primeira Exposição Pedagógica, realizada em 1883; a fundação do Pedagogium, instituída pelo Decreto nº 981, em 08 de novembro de 1890, e a criação de Jardins de Infância e Escolas-Modelo, no estado de São Paulo, tornando-o o foco mais significativo de renovação da escola brasileira, difundiram, principalmente, as ideias de Froebel e Pestalozzi,. Com todas essas iniciativas, era nítida a necessidade de mudanças, o que se concretizou com o decreto nº 3281, de 23 de janeiro de 1928, que, de acordo com Fernando Azevedo, diretor da Instrução Pública do governo do Distrito Federal de 1927 a 1930, representou uma nova fase da história da educação nacional. A reforma de 1928 atingiu, além do ensino técnico profissional, também o ensino primário e o normal. A reforma teve como fontes de inspiração as teorias de E. Durkheim, Kerschensteiner e, principalmente, de J. Dewey e tinha como objetivo alterar de maneira profunda a sociedade brasileira. É evidente que as reformas causaram reações, principalmente de políticos do Distrito Federal e da Igreja Católica, e prolongaram-se até a Revolução de 1930 com a deposição do Presidente Washington Luís. Porém, em 1932, um grupo formado por Fernando Azevedo lançou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, basicamente, trazia como princí- EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx pios, segundo o próprio autor, no quar- Bibliografia to capítulo de seu livro A Cultura Brasi- ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500leira, 1889). Trad. Antonio Chizzotti. 2ª ed. São Paulo: Educ, 2000. (pp. A defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e do ensino técnico e profissional, a criação de universidades e de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa científica, constituíam alguns dos pontos capitais desse programa de política educacional, que visava fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar e estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões, facilitandolhes o acesso, sem privilégios, ao ensino secundário e superior, e alargar, pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a sua esfera e os seus meios de ação. (1971, p. 675) Muitos foram os motivos da não concretização, exatamente como foram pensados, dos princípios desse manifesto, tais como as reações da Igreja, a difícil difusão e implantação real em outros estados fora do eixo Rio de Janeiro–São Paulo–Minas Gerais, devido à dimensão territorial do Brasil, e ao intrínseco e complicado jogo de interesses políticos; entretanto é inegável que mudaram significativamente os rumos da educação no Brasil. Folha de rosto – 23; pp.53 – 98). ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 1 ed., São Paulo: Moderna, 1989. AZEVEDO, Fernando. “Capítulo IV: A renovação e unificação do sistema educativo”. In: A cultura brasileira. Quinta edição. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971. BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. “A educação brasileira e sua periodização: vestígio de uma identidade disciplinar”. RBHE, n. 05, jan-jun 2003. LOPES, Eliane M. “O aprendiz de feiticeiro e o mestre historiador: quem faz a história”. In: STEPHANOU, M. & BASTOS, M. Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 1931. MONARCHA, Carlos. “História da educação brasileira: atos inaugurais”. Horizontes, n. 14, 1996, p. 35-44. NAGLE, Jorge. “O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico” (p. 131 – 165). In: Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP & A, 2001. ___________. “Introdução ao estudo da Escola Nova no Brasil”. In: Boletim da Cadeira de Teoria Geral da Educação, 1964, 1 (2). NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. “Constituição: usos antigos e novos de um conceito no Império do Brasil (1821-1860)”. In: CARVALHO, José Murilo de & NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das (orgs). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. NUNES, Clarice. “A Instrução Pública e a primeira história sistematizada da educação brasileira”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 93, p. 51-59, mai 1995. OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. “Estado, nação e escrita da História: proposta para debate”. In: CARVALHO, José Murilo de & NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das (orgs). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. *** (*) A Professora civil Andréia Pinheiro de Freitas possui Licenciatura Plena em Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), possui pós-graduação em Psicopedagogia e Orientação Educacional pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e é mestranda em Educação pela Universidade São Francisco (USF). Atualmente é professora de Língua Portuguesa I na EsPCEx. EsPCEx, onde tudo começa 79 EsPCEx Viagem de Estudos – Trajetória da FEB na Itália (registro) Com o objetivo de percorrer as principais localidades libertadas pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), por ocasião da Segunda Guerra Mundial, uma comitiva composta por três Alunos e um Oficial da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) embarcou rumo à Itália no dia 05 de outubro de 2014, com retorno para o dia 11 do mesmo mês. Objetivos da Missão A missão teve por objetivos os que se seguem: 1. Percorrer as cidades libertadas do jugo alemão pela FEB; 2. Identificar a relação afetiva estabelecida entre o “pracinha” e a população local; 3. Visitar os principais museus que fazem alusão à participação brasileira na 2ª Guerra Mundial; 4. Visitar os principais monumentos erigidos na região em homenagem à FEB e aos heróis tombados em combate; e 5. Participar de eventos alusivos à FEB que porventura se realizassem durante o período. Atividades No período de 05 a 11 de outubro de 2014, a Comitiva percorreu algumas das principais localidades para estudo da atuação da FEB. Dentre elas estão as seguintes: Roma, Pistoia, Stafoli, Borgo a Mozzano, Massarosa, Camaiore, Pisa, Monte Castelo, Montese, Lola, Precaria, Boscaccio, Vergato, Cereglio, Santa Maria Villiana e Porreta Terme. 1° dia - 05 de outubro de 2014: deslocamento para a Itália. O primeiro dia foi de chegada e visitação a Roma. Critério de seleção Para selecionar os componentes da comitiva, o comando da EsPCEx partiu do pressuposto de que essa tarefa seria um prêmio, tendo em vista que teriam uma oportunidade rara de viajar para outro país e conhecer locais de grande valor para a história do Exército Brasileiro. O critério adotado foi o da meritocracia, sendo selecionados os Alunos com as maiores notas de ano no momento do início dos processos administrativos decorrentes da missão. Na ocasião, portanto, foram agraciados o 1°, o 2° e o 3° colocados do 80 curso preparatório, respectivamente os Alunos Rodrigo Correa Damasceno, André Andrade Longaray Filho e Vinícius Henrique Rodrigues Chagas da Silva. 2° dia - 06 de outubro de 2014: recepção pelo Adido do Exército e visitação ao Escritório da Aditância. Os alunos foram recebidos pelo Cel Mário Felizardo Medina, Adido Militar do Exército na Itália. Na visitação do escritório, já se fez notar a presença da FEB na própria decoração do local, onde se podiam ver diversas homenagens afixadas nas paredes, exposição de relíquias da Segunda Guerra Mundial e de símbolos que rememoravam o valor de nossos bravos soldados. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx O destaque da Embaixada do Brasil na Itália, sobressaindo-se em meio à Piazza Navona, famoso cartão postal romano, surpreendeu os Alunos com sua imponência, elevando o nome do País no exterior. Por volta das 20 h, recepcionados pelo Sr Mário Pereira, os Alunos chegam ao seu destino, encerrando, assim, as atividades do segundo dia com o pernoite. 3° dia - 07 de outubro de 2014: Pistoia e o Monumento Votivo Militar. O terceiro dia começou com a visitação à Capela de Stafoli, local onde, no passado, foi instalado um posto logístico da FEB. Nesse local, os soldados brasileiros colocaram uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, sinal marcante de religiosidade. Essa imagem não existe mais, mas a Capela foi restaurada pelos italianos em sinal de gratidão e homenagem à FEB. Continuando as visitas, seguimos para o Monumento Votivo Militar, antigo Cemitério Militar de Pistoia. Neste ponto, é importante destacar a figura do Sr Mário Pereira, cidadão italiano, filho de um Sargento da FEB que, incumbido de guardar o cemitério, casouse com uma italiana e permaneceu por mais de 30 anos numa missão que deveria ser de 2 anos, dedicando-se à preservação da memória dos militares brasileiros que participaram do conflito. Esse sargento, antes de morrer, passou ao seu filho essa responsabilidade. O Sr Mário Pereira é extremamente ativo na difusão e preservação da memória dos heróis da FEB. O Monumento, atualmente, não abriga mais os restos mortais de ou- trora. No decorrer da história, os militares identificados foram transladados para o Brasil, permanecendo apenas um, não reconhecido, sob uma pirâmide de concreto com uma chama eterna em seu topo, simbolizando o soldado desconhecido. Com o fim do cemitério, foi erigida uma muralha-monumento para homenagear os mortos em combate, na qual constam, inscritos, os nomes de todos. Nessa ocasião, foi realizada a cerimônia de hasteamento do Pavilhão Nacional e cantado o Hino Nacional do Brasil pela Comitiva, que teve a companhia de um grupo de turistas brasileiros que ali se encontravam. Na parte da tarde, após o retorno do Adido para a Embaixada, seguimos para Borgo a Mozzano, onde foi realizada a visitação de fortificações alemãs que compunham a chamada Linha Gótica. Encrustados no interior da rocha dos morros da região, compunham um sistema defensivo em quatro linhas, nas quais se posicionavam metralhadoras MG-42, que impediam o avanço das tropas aliadas para o norte da Itália. A Linha Gótica se constituía no último dispositivo defensivo dos alemães na Península Itálica, sendo assim, apresentaram-se sempre bastante dispostos em mantê-la. Saindo do bunker, os Alunos foram ao museu de Borgo a Mozzano, onde puderam ter contato com objetos da época, desde armamentos e instrumentos de medida, até goma de mascar e terços católicos, que perteceram a soldados. No caminho para Pisa, local onde ficaram instaladas as tropas da FEB, ainda houve a oportunidade de, mais uma vez, constatar o profundo respei- EsPCEx, onde tudo começa 81 EsPCEx to nutrido pelos habitantes locais em favor das tropas do Brasil, passando por duas praças construídas em memória de seus feitos, em Camaiore e Massarosa, conhecendo, neste último, o local onde outrora fora o Posto Avançado da 1° DIE. 4° dia - 08 de outubro de 2014: Porreta Terme e Monte Castelo. A comitiva seguiu para Montese, visitando inicialmente a Porreta Terme, antigo Quartel General da FEB. O local é marcado por uma decisão de coragem e bravura do Marechal Mascarenhas de Moraes, que se negou a recuar, mesmo aconselhado pelos comandantes americanos, a despeito das granadas que eram arremessadas constantemente sobre a posição. Essa decisão lhe custou caro. Porreta Terme ostenta o quarto maior número de baixas da FEB. Visitamos o local onde se localizava a última linha de tocas brasileiras diante de Monte Castelo, onde, atualmente, ergue-se um imponente monumento para honrar aquela que foi a mais sangrenta batalha de que participou a FEB. Quatro tentativas malogradas de tomar o monte, até que, consagrando-se o soldado brasileiro como um combatente de valor, na quinta tombou o monte que tantas vidas tirou de nossas fileiras. Seguindo o roteiro, foi realizada uma visita ao museu de Lola, em que se puderam ver uniformes tanto da FEB, como da Divisão de Montanha norte americana, da resitência italiana e das forças nazistas. Na saída do museu, é possível conhecer fortificações onde ficavam mais instalações da Linha Gótica alemã. 82 Em Montese, pôde-se conhecer o local onde o herói Sgt Max Wolf Filho fora alvejado, assinalado por uma placa em sua homenagem. Finalizando o dia de visitações, os integrantes da missão travaram contato com o Sr Giovanni Sulla. Figura ilustre e especialista em objetos de militaria da FEB, que permitiu a nossa entrada no local onde está o seu acervo pessoal. Portador de verdadeiras relíquias da época, esse italiano, nascido em Montese, cresceu ouvindo as histórias a respeito dos pracinhas e recolhendo artefatos deixados na região. Admirador da Força Expedicionária e ativo no intercâmbio entre Brasil e Itália, é profundo conhecedor de história militar. 5° dia - 09 de outubro de 2014: Montese. Após o pernoite em Montese, seguimos conhecendo os diversos monumentos e homenagens presentes na região, passando por Largo Brasile, Museu de Montese, uma pequena exposição de fotos na Prefeitura da cidade, fortificações alemãs restauradas, culminando no posto de observação (PO) utilizado pelo próprio Marechal Mascarenhas de Moraes para conduzir o cerco à cidade. Saltou aos olhos dos militares presentes a quantidade de orifícios ocasionados por projéteis que ainda existem por toda parte na região, não apenas nos pontos centrais, como, por exemplo, à frente da praça principal da cidade, que é preservada como na época da guerra, para lembrar seus habitantes das atrocidades passadas. EsPCEx, onde tudo começa EsPCEx Antes de partirmos para Boscaccio, ainda subimos até um PO alemão, onde pudemos comprovar a capacidade militar das tropas do Eixo na utilização do terreno, uma vez que, do ponto onde se encontravam, podiam ver toda a zona de ação de Montese. Diversas foram as paradas para verificar as estátuas erigidas em nome dos bravos soldados brasileiros, porém, uma chamou a atenção da Comitiva. Em um terreno particular, por iniciativa própria, um morador instalou em uma pedra do local, uma placa em homenagem aos soldados brasileiros, em uma demonstração espontânea de gratidão e admiração pela FEB. Encerrando o roteiro, passamos pelo monumento que homenageia a bravura de três brasileiros que lutaram até a morte frente a uma patrulha alemã e que, depois de enterrados pelos nazistas, eles mesmos inscreveram em suas cruzes os dizeres “A três bravos brasileiros”. Uma prova inconteste do valor de nossa tropa no campo de batalha. 6° dia - 10 de outubro de 2014: de volta a Roma. O último dia na Itália foi dedicado à preparação para o embarque, à foto oficial no escritório do Adido e às visitações de dois pontos turísticos da cidade: o Vaticano e o Coliseu. No final da tarde, o embarque de retorno para o Brasil. importante, mas fundamental para o êxito da missão. Apesar de pouco estudado e comentado no ensino brasileiro, percebeu-se que, para os moradores da região, principalmente de Montese e Porreta Terme, permanece, ainda hoje, uma profunda admiração por parte de seus moradores, tanto os mais velhos como os mais jovens, pelo Exército Brasileiro, percebido pelo alto prestígio da Comitiva por onde passava, atraindo cumprimentos e cortesias de seus cidadãos. Das histórias ouvidas por todo o trajeto, saltam aos olhos a admiração pelos soldados brasileiros, principalmente pela sua generosidade, sendo sempre lembrados por trazerem alimentos aos civis que viviam sérias restrições devido aos racionamentos, por sua alegria, através da música e por sua miscigenação, incomum para os moradores dessas regiões. Aos Alunos participantes, ficou não só a admiração por pessoas anônimas e, ao mesmo tempo, extremamente comprometidas com a preservação da história, como o Sr Mário Pereira e o Sr Giovani Sulla, mas também a responsabilidade de, uma vez conhecedores das proezas realizadas pelos nossos soldados no além-mar, manter a chama da memória acesa. Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro 1º Ten-Oficial Orientador da Comitiva *** Conclusão Findos os cinco dias de visitações intensas, a Comitiva de Alunos levou para a EsPCEx o sentimento de que a participação da FEB, na libertação italiana do jugo nazista, não foi apenas EsPCEx, onde tudo começa 83 EsPCEx Codecorações Recebidas pelos Heróis da FEB na 2ª Guerra Mundial Vê-se, ao centro, o emblema da FEB. Acima do emblema, da esquerda para direita, Cruz de Combate 1ª Classe; U.S.A-Silver Star; Cruz de Combate 2ª Classe. Abaixo do emblema, da esquerda para direita, U.S.A-Bronze Star; Sangue do Brasil e Medalha de Campanha. (*) O 1º Tenente, da Arma de Artilharia, Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro foi aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército – EsPCEx, formando-se em 2005. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 2009. Realizou o Estágio de Manutenção Mecânica do Sistema Bofors para oficiais (1ª Fase), na Escola de Artilharia Antiaérea, Rio de Janeiro-RJ (2014). Chefiou a equipe de alunos na viagem de estudos sobre a atuação da FEB na 2ª Guerra Mundial, nos campos de batalha da Itália. Atualmente é Instrutor da EsPCEx. O Aluno André Andrade Longaray Filho, do 13º Pelotão, da 3ª Companhia de Alunos, integrou a equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre a atuação da FEB na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Longaray pertence à Turma Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014. O Aluno Vinicius Henrique Rodrigues Chagas da Silva, do 14º Pelotão, da 3ª Companhia de Alunos, integrou a equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre a atuação da FEB na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Chagas pertence à Turma Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014. O Aluno Rodrigo Correa Damasceno, do 9º Pelotão, da 2ª Companhia de Alunos, integrou a equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre a atuação da FEB na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Rodrigo Correa pertence à Turma Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014. 84 EsPCEx, onde tudo começa