Revista Pedagógica 2014

Transcrição

Revista Pedagógica 2014
EsPCEx
REVISTA PEDAGÓGICA 2014
– 16ª Edição –
Escola Preparatória de Cadetes do Exército
Comando da Escola
Marcos de Sá Affonso da Costa – Cel
Comandante e Diretor de Ensino
Pedro Paulo de Araújo Alves – Cel
Subcomandante e Subdiretor de Ensino
Publicada pela Escola Preparatória
de Cadetes do Exército. Campinas,SP.
Fone: (0xx19)37442000,Fax:(0xx19)
32411373. www.espcex.ensino.eb.br,
ISSN 1677- 8359.
Nossa Capa
Carlos Alexandre de Souza – Ten Cel
Comandante do Corpo de Alunos
Divisão de Ensino
Sérgio Aparecido Bueno de Oliveira – Cel
Chefe da Divisão de Ensino
Língua Portuguesa I
Guaraci Alexandre Vieira Collares – Cel
Chefe da Seção de Português
História do Brasil
Jeferson Afonso Kobal – Cel
Chefe da Seção de História
Língua Inglesa I
Antônio José Luchetti – Cel
Chefe da Seção de Inglês
Língua Espanhola I
José Francisco Martinez – Cel
Chefe da Seção de Espanhol
Física I
João Alves de Paiva Neto – Cel
Chefe da Seção de Física
Cibernética I
Marcos Nalin – Ten Cel
Chefe da Seção de Cibernética I
Química I
Maria Lúcia Fernandes Batista e Silva – Maj
Chefe da Seção de Química I
Cálculo I
Luís Felipe Martins Valverde – Maj
Chefe da Seção de Cálculo I
*********************************
Direção da Revista e Diagramação:
Jorge Luiz Pavan Cappellano – Cel
Arte Final: Eduardo T. Cappellano– Publicitário
Revisão:
Wallace Franco da Silva Fauth – Maj Prof.
Português
Fotolito e Impressão: EGGCF
Criação: Eduardo Tramonte Cappellano
Publicitário
A Nossa Capa homenagea os 70
anos da Força Expedicionária Brasileira
(FEB). A imagem de fundo é a
reprodução de uma obra do artista
plástico Pedro Ernesto de Luna, exaluno da Escola Preparatória de São
Paulo, integrante da Turma Ten Cel
Edgard de Alencar Filho (1955-1956).
Na parte superior, delimitando o nome
da Escola, à esquerda, vê-se a imagem
que ilustrou a capa da primeira Revista
Pedagógica, editada no ano do Jubileu
de Ouro da EsPCEx e, à direita, o Brasão
da EsPCEx.
***
Os conteúdos dos textos, o uso das imagens
e a bibliografia
apresentados são de
responsabilidade de seus autores e não
expressam, necessariamente, as opiniões da
direção da Revista e da EsPCEx.
- Distribuição Gratuita Tiragem da Revista: 1000 exemplares
EsPCEx, onde tudo começa
1
EsPCEx
Sumário
Editorial
Marcos de Sá Affonso da Costa – Cel Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx.........................05
De Onde Vem?
Jorge Luiz Pavan Cappellano – Cel Professor de Português e Chefe da Seção do Patrimônio Histórico
e Cultural da EsPCEx....................................................................................................06
Participação Brasileira na II Grande Guerra - Uma Entrevista Fictícia com o Cel Elber de
Mello Henriques
Jefferson Afonso Kobal – Cel Professor de História ............................................................10
Currículos, Disciplinas, Ideias Fundamentais
Nilson José Machado – Professor Titular da Universidade de São Paulo .................................19
Avaliando Competências no Português
Guaraci Alexandre Vieira Collares – Cel Professor de Língua Portuguesa I.....................................28
Estratégias de Controle do Estresse: prevenção e promoção da saúde
Márcia Maria Carvalho Luz Fornari – 1º Ten Psicóloga .............................................................32
A Subjetividade e a (Re)Constituição da Identidade no Processo de Aprendizagem de Língua
Estrangeira
Márcia Barros Barroso - Professora de Língua Inglesa.............................................................35
Análise das Forças de Impacto do Tênis e do Coturno Durante a Corrida
Vagner Xavier Cirolini – Cap Instrutor da Seção de Treinamento Físico Militar ...............................41
A Influência da Expressão Oral do Líder no Comportamento do Subordinado
Mario Henrique Madureira – Cap Comandante da 1ª Companhia de Alunos...............................48
Adoção do Exame Toxicológico no Concurso de Admissão da EsPCEx
Ten Cel Carlos Magno Capranico Corrêa – Chefe da Seção de Saúde ..................................53
A Danação do Objeto: o museu no ensino de História
Isla Andrade Pereira de Matos - 2º Ten Professora de História.........................................59
Os Valores Trabalhados pelas Instituições Militares
HichemTannouri - Aluno da EsPCEx ....................................................................................66
2
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Trabalhos Escolares Multimodais e Digitais: a perspectiva dos novos letramentos
Viviane de Fátima Pettirossi Raulik – Professora de Língua Inglesa .............................. .........69
Um Breve Olhar na História para Pesquisas em Educação
Andréia Pinheiro Freitas – Professora de Língua Portuguesa I...................................................74
Viagem de Estudos-Trajetória da FEB na Itália (registro)
Oficial Orientador da Comitiva: 1º Ten Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro.
Alunos Integrantes da Comitiva: Rodrigo Correa Damasceno, André Andrade Longaray Filho e
Vinícius Henrique Chagas da Silva.................................................................................80
EsPCEx, onde tudo começa
3
EsPCEx
Nossos Comandantes
General de Exército
Enzo Martins Peri
Comandante do Exército
4
General de Exército
General de Divisão
Ueliton José Montezano Vaz
Ajax Porto Pinheiro
Chefe do Departamento de Educação e
Cultura do Exército
Diretor de Educação Superior Militar
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
EDITORIAL
Ao longo dos seus 24 anos de existência, a Revista Pedagógica da Escola
Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) vem traduzindo em suas páginas a
evolução constante do Ensino nesta Escola. Cumprindo um papel essencial de divulgação
da sua produção acadêmica é, ao mesmo tempo, um espaço aberto ao debate e à livre
expressão de ideias sobre as Ciências Militares.
A partir de 2012, a EsPCEx passou a integrar o Ensino Superior Militar, tornandose o 1º ano do Curso de Formação e Graduação de Oficiais da Linha de Ensino Militar
Bélico, o que agregou novas responsabilidades. Para bem cumprir esse seu novo papel,
a Escola teve de se manter dinâmica e a par com as melhores práticas pedagógicas e,
mercê de seu corpo docente de grande valor e de um corpo discente extremamente
motivado e vocacionado, hoje é referência na prática do Ensino por Competências,
processo educacional que ocupa um lugar destaque no Exército e no discurso educacional
da sociedade brasileira.
E assim, mantendo-se fiel às suas tradições de templo de excelência educacional,
a Escola vem preparando, em ótimo nível, os futuros oficiais combatentes,
proporcionando aos seus alunos a formação pessoal necessária para estarem à altura
dos desafios inerentes à evolução do combate moderno e do Processo de Transformação
em curso no Exército.
Mas é consenso entre nós que somente uma Educação verdadeiramente de
qualidade forma profissionais competentes para a Instituição e pessoas completas e
úteis para a Pátria. A busca incessante da qualidade educacional é, pois, a expressão do
compromisso de amor ao Exército que move a todos nesta Escola.
Esta edição busca apresentar um panorama deste vibrante e produtivo ambiente
acadêmico, sob a perspectiva dos seus professores, instrutores e palestrantes. Além
do corpo docente, na EsPCEx também os nossos alunos são estimulados a produzirem
e contribuírem para o desenvolvimento das Ciências Militares. Assim, é promissor
verificar que dois artigos escritos por discentes foram selecionados para comporem
esta edição. O primeiro, retrata impressões sobre uma pioneira Missão no Exterior
realizada pelos próprios alunos, que refez a trajetória da Força Expedicionária Brasileira
na Itália. O segundo, discorre sobre aquilo que é, ao fim e ao cabo, a mais importante
tarefa desta Escola: a transmissão dos valores que conformam a Instituição Militar,
arcabouço seguro para o progresso e desenvolvimento pessoal e profissional dos nossos
alunos e para a garantia da perenidade e grandeza do Exército.
Marcos de Sá Affonso da Costa-Coronel
Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx
(*) O Coronel Marcos de Sá Affonso da Costa graduou-se na Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN) em 1986. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, a Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército e o Centro de Altos Estudos Militares da França. Realizou
o Curso de Comando e Estado-Maior no Peru. É Doutor em Ciências Militares (Notório Saber).
Dentre outras funções, foi Instrutor da AMAN, do Centro de Instrução de Guerra na Selva e da
ECEME; comandou o 2º Batalhão de Infantaria de Selva (2008-2011). No Exterior, foi oficial do
Estado-Maior da Organização das Nações Unidas em Angola e Instrutor da Escola Superior de
Guerra do Peru. Em 2013, foi o Assessor Militar do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty).
Atualmente é Comandante e Diretor de Ensino da EsPCEx.
EsPCEx, onde tudo começa
5
EsPCEx
EsPCEx, ONDE TUDO COMEÇA
De onde vem ?
Jorge Luiz Pavan Cappellano(*)
Professor de Língua Portuguesa e Literatura
O valor histórico da Escola poderia ser explicado, de uma forma simples, apenas pela sua magnífica arquitetura em estilo colonial espanhol.
Trata-se de uma construção única, iniciada em 1944 que, além dos traços
coloniais, preserva a tecnologia de
engenharia e arquitetura de uma época, quando as grandes obras eram precedidas por detalhados desenhos, feitos de próprio punho, em papel vegetal. Outra característica interessante
da metade do século XX, predominante nessa obra, foi o emprego de grande quantidade de operários, e de poucas máquinas, pois a maioria dos serviços de alvenaria eram realizados
manualmente.
O arquiteto Hernani do Val Penteado, autor do Projeto Original da
EsPCEx, criou uma fortaleza com paredes largas e estrutura muito forte, onde
foram utilizados tijolos de barro, de
tonalidade vermelha, assentados em
paralelo, dois a dois ou quatro a quatro, o que explica a resistência e a generosa espessura das paredes. Não há
nada igual na cidade de Campinas e no
Estado de São Paulo.
Há, ali, um acervo composto por
significativa coleção de peças históricas, reunidas nesses mais de sessenta anos, tais como: monumentos, estátuas, pinturas, documentos, fotografias e tantas outros objetos que, pelos
seus referenciais artísticos, históricos
6
e anímicos, acrescentam inestimável
valor
ao
magnífico
conjunto
arquitetônico.
Outros exemplos de preservação
podem ser assim enumerados: os móveis existentes no Gabinete do Comandante, todos entalhados em embuia,
cuja
fabricação,
em
estilo
renascentista, remonta aos primeiros
anos do século vinte; o Conjunto de
Lustres de cristal da Boêmia, que outrora iluminou e encantou os espetáculos do antigo Teatro Municipal de Campinas, demolido em 1965, emprestam
sua notoriedade ao Salão Carlos Gomes, assim denominado em homenagem à cidade de Campinas; uma galeria de quadros a óleo sobre tela, que
retrata as vitórias do Exército Brasileiro e personagens da história do País,
que, por serem produzidos em vários
momentos da trajetória da Escola, são
como marcadores de tempo, que tiveram como ponto de partida o início dos
anos quarenta; uma coleção de esculturas em bronze e gesso, destacandose dentre elas uma do grande Victor
Brecheret; extenso acervo de fotografias que cristalizaram acontecimentos
e personagens; somam-se a esses preciosos objetos um valioso patrimônio
anímico construído por várias gerações
que, através dos tempos, trabalharam
incansavelmente para tornar realidade
esta exemplar instituição de ensino
militar.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
A imagem reproduz a EPC em 1958. Ao
fundo, vê-se uma cerca de arame
delimitando a entrada do prédio.
Para cada local que se observa no
interior do prédio ou na beleza de seus
bosques e lagos há sempre um fato ou
acontecimento a ser lembrado e admirado.
Essa septuagenária Escola militar,
criada no início dos anos quarenta, no
bairro da Bela Vista, na cidade de São
Paulo, e transferida para Campinas nos
primeiros dias de 1959, nos surpreende não só pela beleza de seus traços
arquitetônicos, mas, também, pelo seu
passado de conquistas e vitórias, que
no decorrer dos anos foram responsáveis pela formação de um grande acervo histórico.
No início da década de sessenta,
a entrada principal da Escola não era
como hoje a vemos. Para chegar até o
Portão das Armas, seus alunos e profissionais tinham que caminhar a pé do
Castelo D’água até a entrada principal.
Esse trecho, sem asfalto de ruas de
terra batida, só começou a receber
melhorias em meados dos anos sessenta. Ao invés de muros delimitando
o terreno da Escola, havia apenas uma
cerca de arame farpado. Pouco a pouco
essas imagens foram ficando no passado. No final da década de sessenta,
uma linha de ônibus foi estendida até
a entrada da Escola, isso ocorreu acompanhado da melhoria do caminho de
terra que, mais tarde deu origem à
Avenida Papa Pio XII. Depois da implantação da linha de ônibus, foi
construída, à frente do Portão das Armas, uma rotatória, onde veículos faziam o retorno para a cidade.
A imagem reproduz o Portão das Armas da
EPC em 1959. Ao fundo, vê-se a
simplicidade da guarita de vigilância.
Sobre o Portão das Armas, há uma
interessante história. Na segunda metade dos anos sessenta, o então Major
Pettená, Fiscal Administrativo da Escola, recebeu a missão de ir a São PauAo fundo, a direita, vê-se o ônibus fazendo
lo, para receber, no depósito da Prefeio retorno para a cidade.
tura, uma armação de ferro que seria
EsPCEx, onde tudo começa
7
EsPCEx
utilizada para a fabricação do novo
portão destinado à entrada principal
da Escola. Naquele dia, o então Major
Pettená viu no depósito várias guarnições de ferro e perguntou ao chefe do
depósito se poderia levar, também,
aquelas armações de ferro para serem
utilizadas em obras da Escola.
A imagem reproduz o Portão das Armas
na primeira metade da década de 1970.
Este radiograma, de 24 FEV 70, marca o
início do Projeto Portão Manumental
(Portão das Armas), quando as
guarnições de ferro já estavam
disponíveis.
O encarregado informou ao Major
que isso só poderia ocorrer com autorização direta do Prefeito. O Major dirigiu-se ao Gabinete daquela autoridade, no mesmo dia, e conseguiu uma
audiência, na qual fez sua solicitação.
O prefeito era o então Brigadeiro Faria
Lima (mandato de JAN65 a ABR69),
que, antes de autorizar a doação do
material, relatou que aquelas peças de
ferro faziam parte das grades de proteção de uma antiga ponte de São Caetano-SP, demolida para dar lugar a uma
moderna construção de concreto.
Quando a Praça Cidade de Campinas foi inaugurada, essas guarnições
foram instaladas separando a área verde do calçamento em torno do Palanque.
8
Essa guarnição, além de valorizar
o conjunto arquitetônico da Escola, é
testemunha de que em cada objeto e
espaço desta Casa do Saber há um
pouco da alma e da dedicação de todos
que um dia pertenceram à Escola Preparatória de Cadetes do Exército, berço das vocações militares. Esse acontecimento e tantos outros marcaram a
trajetória desta maravilhosa instituição
de ensino militar, inscrevendo-a como
patrimônio cultural da cidade de Campinas, do Exército e do Brasil.
A imagem reproduz parte da guarnição
ferro que hoje delimita a Praça Cidade de
Campinas.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
A imagem reproduz, ao fundo, parte da guarnição ferro e o púlpito da
Praça Cidade de Campinas
Bibliografia
– CAPPELLANO, Jorge Luiz Pavan. Memorial da Escola Preparatória
de Cadetes do Exército: da Rua da Fonte à Fazenda Chapadão, 65
Anos de História. Campinas, São Paulo, 2007.
– CAPPELLANO, Jorge Luiz Pavan. Diário da Escola Preparatória
de Cadetes São Paulo. Campinas, São Paulo, 2010.
– Fotografias: Registro do Histórico, acervo da EPC e da EsPCEx.
– Fotografias: páginas 8 e 9 (guarnições), Ademar Aparecido Caetano
de Souza - Cabo, fotógrafo da Seção de Comunicação Social da EsPCEx
Escola Preparatória de Cadetes do Exército
Nasceste par
a Vencer
para
(*) O Coronel Professor, do Serviço de Intendência, Jorge Luiz Pavan Cappellano foi aluno
da EsPCEx, formando-se em 1972. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras –
AMAN em 1976. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado)
em 1986. Especializou-se em Informática Aplicada à Educação Construtivista (pós-graduação)
pela UNICAMP em 1997. É autor dos livros: “Memorial da EsPCEx, da Rua da Fonte à
Fazenda Chapadão, 65 Anos de História” (2007) e do “Diário da Escola Preparatória de
Cadetes de São Paulo” (2011). Atualmente é Professor de Língua Portuguesa/Literatura e
Chefe da Seção do Patrimônio Histórico e Cultural da EsPCEx.
email:[email protected]
EsPCEx, onde tudo começa
9
EsPCEx
Participação Brasileira na II
Grande Guerra
Uma Entrevista Fictícia com o
Cel Elber de Mello Henriques
Jefferson Afonso Kobal (*)
Professor de História
O Cel Elber de Mello Henriques,
nascido em Fortaleza no dia 11 de
fevereiro de 1918, faleceu aos 87 anos
no Rio de Janeiro, em 25 de julho de
2005.
Aspirante de Artilharia da turma
de 1939, seguiu para a Itália com o
Primeiro
Escalão
da
Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Na
guerra, foi Observador Aéreo da
Artilharia. Viu a guerra do alto e do
chão. Recebeu as seguintes medalhas:
Ordem do Mérito Militar; Cruz de
Combate; Medalha de Campanha; Cruz
da Aviação – Fita A; Air Medal (dos
Estados Unidos) e a Ordem do Mérito
do Chile. Publicou dentre outros: A FEB
12 anos depois e Uma visão da
Antártida, além de dezenas de artigos
em revistas e jornais do País.
A entrevista redigida abaixo, entre
um repórter fictício e o Cel Elber, não
aconteceu. É uma simulação! No
entanto, as respostas encontram
respaldo em seu curioso e interessante
livro - A FEB DOZE ANOS DEPOIS
(HENRIQUES, 1959).
Coronel, o Senhor participou
ativamente da Segunda Guerra
Mundial, como o Sr. enxergava a
postura do governo brasileiro no
início dos anos 1940?
O governo adotava uma política
difícil de ser decifrada. Era
provavelmente dúbia e contraditória.
Para se ter uma ideia, em agosto de
10
1942, o Gen Estevão Leitão de Carvalho
dirigiu-se à Washington representando
o Brasil na reunião da Comissão Mista
de Defesa Brasil-EUA que discutiria o
papel do País no esforço de guerra
aliado. Eis o que ele narrou:
- O que é que nós iríamos propor
em Washington, em nome do governo
brasileiro? Não sabíamos. Procurei os
Ministros da Guerra e do Exterior para
uma tomada de posição. O primeiro
considerava nossa atividade no exterior
alheia a sua pasta, e o segundo
contentou-se em elaborar instruções
para a viagem da delegação.
“Partíamos, sem conhecermos o
pensamento
do
governo
que
representávamos!”
Como foi a organização e preparação
das Forças Brasileiras que atuaram
na Itália?
A sociedade brasileira estava bem
dividida. O ambiente de comoção
causado pelo afundamento de navios
mercantis brasileiros na costa atingiu
muito mais alguns setores das grandes
cidades litorâneas, e bem menos o
interior. É evidente que o restante do
País também sofria com a falta de
alimentos, energia e transportes, mas
a atuação dos submarinos da série “Uboat” afundando navios brasileiros, ou
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
não chegou ou chegou de maneira na proteção dada pelos navios de nossa
marinha, os “rápidos e garbosos
segmentada a ele.
Marcílio Dias, Mariz e Barros, e
Portanto, o clima que permeava o
Greenhalg”.
País era o da indefinição, e este clima
À medida que os dias iam
também envolvia a organização da Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Nesta passando, a ansiedade aumentava.
época, eu servia como Tenente na Somente após a passagem pela cidade
Fortaleza de São João, sob as ordens de Casablanca (maior cidade do
do Tenente-Coronel Affonso de Marrocos, no norte da África) é que nos
Carvalho. Ouvia boatos da existência foi revelado que o desembarque seria
de ordens para a criação de uma Força em Nápoles.
que atuaria fora do Brasil. A primeira
Os primeiros choques culturais
referência oficial veio da boca do meu entre brasileiros e norte-americanos
ex-comandante: “todo soldado de má- surgiram já na vinda a bordo do navio:
conduta será imediatamente transferido “a alimentação e a promiscuidade dos
para as unidades que vão combater”. aparelhos sanitários”. O cardápio era
Para reforçar o que disse acima,
gostaria de salientar que existiam
dúvidas até em alguns oficiais do alto
escalão do Exército. Uma piada de
origem desconhecida, que foi contada
pelo General Cordeiro de Farias 1 a
alguns oficiais, reflete bem as dúvidas
que pairavam mesmo entre os oficiais:
- Ouvi nas “altas rodas” que “a FEB
não partirá porque o seu comandante é
DE MORAIS 2 ; o comandante da
Infantaria é da COSTA3; e o comandante
da Artilharia é CORDEIRO, isto é, não
é de briga”.
Como foi a viagem de seu Escalão de
Combate?
Embarcamos no General Mann4 no
primeiro dia de julho de 1944. Para onde
estávamos indo? “O segredo do
embarque, segredo de Polichinelo5, não
foi obtido”.
Norte da África? Sicília? Nápoles?
Corriam especulações! O destino era
ignorado. No entanto, havia confiança
totalmente americano, “comida de
cachorro”. Os vasos sanitários eram
expostos, não tinham portas, e
revoltavam especialmente os oficiais
de mais alta patente que eram
obrigados a compartilhar sua
intimidade.
Finalmente, no dia 16 de julho,
chegamos a Nápoles.
Ouvi dizer que nossos uniformes
causaram alguma confusão na
chegada à Itália. O Senhor tem
alguma coisa a falar sobre esse
assunto?
Os
primeiros
problemas
aconteceram logo após nosso
desembarque. Os italianos nos
consideravam “tedescos”.6
Além da aparência que levava os
nativos a nos confundir com as tropas
germânicas, como já salientei acima,
outro aspecto a ser levado em conta é
que nossos uniformes eram adequados
1
O Marechal Osvaldo Cordeiro de Farias (1901-1981) foi declarado Aspirante a Oficial de Artilharia no ano de 1919. Teve uma carreira
militar brilhante e importante participação na vida política brasileira. Comandou a Artilharia Divisionária na II Grande Guerra.
2
O Marechal João Batista Mascarenhas de Morais (1883-1968) foi declarado Aspirante a Oficial de Artilharia no ano de 1904. Oficial de
grande prestígio entre seus pares, comandou a FEB na II Grande Guerra.
EsPCEx, onde tudo começa
11
EsPCEx
à tropicalidade típica da maior parte
do território brasileiro.
Para reforçar a ideia da
inadequação de nossos uniformes ao
clima europeu, aproprio-me de uma
frase do Tenente-coronel Antônio H.
Almeida de Moraes (apud HENRIQUES,
1959, p.40-41): “O problema dos
uniformes constituiu outro ponto de
grande importância, pois os que trouxe
do Brasil, comigo, não ofereceram
proteção alguma contra os ventos
gelados da ITÁLIA. No meu último
relatório salientei, com ênfase, todos
esses pontos capitais”.
Em setembro de 1944, o General
Eurico Gaspar Dutra, então Ministro
da Guerra, realizou uma inspeção às
tropas brasileiras estacionadas na
Itália. Qual foi a importância desta
inspeção?
O resultado foi bastante positivo.
Ele viu in loco o garbo, a vibração e a
valentia do pracinha brasileiro e pôde
trazer essas impressões para o nosso
povo.
Nos contatos que manteve com o
General Mark Clark7 e com o Papa Pio
XII 8 , ouviu destas autoridades
rasgados
elogios
aos
nossos
combatentes.
O comandante do V Exército
descreveu com entusiasmo a satisfação
de ter entre seus comandados os
pracinhas brasileiros. Abordou desde a
aclimatação da tropa, recebimento do
armamento e treinamento, até as
primeiras operações de combate.
Salientou que o treinamento foi
“especial, duro e terrível para a luta,” e
que certo dia ao receber a informação
de um oficial do seu Estado-Maior, sobre
o alto grau de instrução e eficiência da
tropa brasileira, resolveu, “empregá-la
logo no front” (p.61).
Em seguida, dirige-se a um mapa
colocado numa parede e mostra todo o
progresso da tropa brasileira, ao mesmo
tempo em que reitera o acerto de sua
decisão de emprego imediato, e que
por isso havia decidido dar novas
missões
importantes
para
os
brasileiros. Termina dizendo ao Ministro
da Guerra (apud HENRIQUES, 1959,
p.62): “É por isso, Sr. Ministro, que
estamos tão ansiosos por mais tropas
brasileiras. Mande-nos e o mais breve
possível.”
Parece-me que a capacidade de
adaptação,
a
disciplina,
a
combatividade, o arrojo, e a
liderança dos comandantes da tropa
brasileira foram os aspectos mais
relevantes salientados pelo Gen
Mark Clark. Quanto ao Papa Pio XII,
qual foi a mensagem deixada ao
General Dutra?
3
O Marechal Euclydes Zenóbio da Costa (1893-1962) foi declarado Aspirante a Oficial de Infantaria e Cavalaria no ano de 1916. Oficial
legalista, teve uma carreira militar brilhante, tendo sido Ministro da Guerra na década de 1950. Durante a II Grande Guerra comandou a
Primeira Divisão de Infantaria da FEB.
4
General Mann era o nome do navio de guerra norte-americano que transportou a FEB do Rio de Janeiro até o porto de Nápoles, Itália.
5
De acordo PRIBERAM DICIONÁRIO. Disponível em: <http://www.priberam.pt/ >. Acesso em: 26 set 2014, segredo de Polichinelo é
informação que deve ser secreta, mas que já é do conhecimento de todos.
6
Tedesco era uma forma pejorativa de referir-se aos soldados alemães. Nosso uniforme era muito parecido com o do Exército Alemão.
7
General Mark Clark (1896-1984). Graduou-se na Academia Militar de West Point em 1.917. Comandou o V Exército Norte Americano, na
II Grande Guerra.
8
Papa Pio XII (1876-1958). Nascido com o nome de Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, foi papa da Igreja Católica Apostólica
Romana entre 1939 e 1945.
12
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Homenagem da EsPCEx a todos os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Em letras de bronze, estão gravados os nomes de todas as batalhas travadas e, na base,
uma pedra de cada lugar onde a FEB obteve vitória.
“Sua santidade” referiu-se mais
aos valores morais, sociais e éticos
evidenciados pelos nossos soldados.
Agradeceu a generosidade do soldado
brasileiro para com o povo italiano.
Disse ainda, “que a fama da bondade,
de bom comportamento e do grande
coração dos oficiais e soldados do
Brasil” já havia chegado ao ouvido de
todos os italianos. Solicitou ainda ao
Ministro, a transmissão ao governo e
ao povo brasileiro dessa “grande e
generosa prova de solidariedade
humana”. Terminou deixando “os seus
mais cordiais agradecimentos aos
componentes da FEB e ao Exército
Brasileiro, em geral”.
Como era a “alma” do combatente
brasileiro?
É importante, para os estudos
psicológicos, compreender o que pensa
um ser humano que participa de um
combate.
Ouvi de um ex-pracinha de
infantaria uma narrativa que me leva a
pensar nas transformações que ocorrem
na “alma” de um combatente.
Ele disse que, ao ouvir um assobio,
escutou um grito:
- Deita!
Atirou-se numa cratera de
granadas, onde jazia um companheiro
EsPCEx, onde tudo começa
13
EsPCEx
de seu pelotão, permanecendo com o
rosto enterrado na lama por
intermináveis minutos. Granadas
pipocavam ao seu lado, como se o
estivessem procurando. No céu
espoucavam as very-light9 iluminando
tudo. Ao seu “redor só via aqueles
clarões alaranjados das granadas
explodindo, porém, já nada ouvia,
tonto como estava”. Ele não soube
calcular quanto tempo ficou naquela
posição, talvez alguns poucos minutos,
mas o seu sentimento é de que foram
anos.
Machucado
pelas
quedas,
segurando firmemente em uma das
mãos o equipamento rádio e na outra
seu fuzil, sentia que seu coração queria
saltar do peito. Uma explosão mais
forte arrancou o capacete de aço de
sua cabeça, e ele sentiu “medo da
morte, o desespero de um homem que
sente a vida por um fio e nada pode
fazer, a não ser confiar na própria sorte”.
Após uma pequena calmaria,
rastejou até uma zona segura. Passou
o resto da noite numa adega,
cochilando sentado a um canto, e
ouvindo o gemido incessante de
companheiros feridos. Um enfermeiro
deu-lhe um algodão embedido em
algum líquido de cheiro forte. Sentia
como se estivesse embriagado, e ouvia
insistente zunido em seu ouvido. Ao
seu lado, um pracinha vomitava algo
viscoso misturado com sangue. Um
pouco mais distante, pessoas
morimbundas envoltas em trastes
rasgados e sujos de sangue, tornava
aquele porão cheio de quinquilharias e
teias de aranhas, um cenário digno de
filme de terror. No entanto, mesmo
“com o corpo dolorido, a mão direita
9
machucada, tonto, ele estava feliz,
imensamente feliz, porque estava vivo.
O espetáculo do sofrimento alheio
deixava-o indiferente. Ele estava vivo.
Era isso o mais importante.”
Como era o comportamento de
nossos pracinhas durante as ações
de combate?
A postura na guerra foi bem
diferente
da
observada
nos
treinamentos no Brasil. Na guerra não
pode haver negligência. O perigo está
sempre presente, é disciplinador. Não
é preciso recomendar silêncio – cada
um gostaria de ter os pés que
flutuassem, nem tanto para evitar as
minas, mas principalmente, para evitar
que qualquer barulho chamasse a
atenção do inimigo.
Ao cavar uma toca, nossos
soldados cavavam com um ardor até
então desconhecido. Seriam “capazes
de cavar com os dedos e as unhas se
não tivessem ferramentas”.
O inverno da Europa se tornara uma
grande dor de cabeça para os chefes
encarregados da organização da
FEB. Como se comportaram nossos
pracinhas quanto a esse aspecto?
Nossos pracinhas derrotaram o
inverno! No sul do Brasil costuma-se
dizer que, num primeiro momento,
enquanto a reserva calorífica ainda está
presente, o nortista suporta melhor o
frio do que o nativo. Esgotada esta,
ambos tremem juntos.
No único inverno passado na Itália
essa reserva calorífica funcionou muito
bem. Prevaleceu a inteligência do
combatente do Brasil que desde logo
abandonou as botinhas mais justas que
Very-light são granadas iluminativas.
14
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
lhes foram entregues e adotaram as
galochas norte-americanas bem mais
largas e confortáveis, recheadas com
jornais e lãs enrolados nos pés e
canelas.
Era crucial para o comando do IV
Corpo de Exército a conquista de
Monte Castello porque ele permitia
a continuação da missão em direção
ao norte da Itália, protegido dos
fogos e das vistas do inimigo. Nós
sabemos que ocorreram quatro
tentativas de tomá-lo, ainda no ano
de 1944, e ele só foi conquistado no
dia 21 de fevereiro de 1945. O
Senhor poderia nos falar sobre este
fato heróico?
germânicos até que chegassem
reforços; o desconhecimento do terreno
por parte dos atacantes; o ataque
frontal em terreno íngreme e difícil; o
emprego de tropa desgastada pela
ação; a falta de meios de ataque; as
condições atmosféricas, o barro e a
inclinação do terreno em algumas das
tentativas; e a exposição do flanco
esquerdo.
Eu vi do alto a tomada de Monte
Castello! Levantei voo por volta das
6h30min da manhã, do dia 21 de
fevereiro de 1945, e a primeira cena
era aparentemente contraditória. Do
lado brasileiro, um efervescente
movimento. Centenas de viaturas
dividindo as estradas com incontáveis
combatentes,
um
verdadeiro
formigueiro. Do lado alemão janelas
fechadas, não se viam armas, não era
possível observar movimentos. O
silêncio era sepulcral.
Muito se fala a respeito de quantos
homens, pelotões, companhias e
batalhões defendiam Monte Castello.
As primeiras observações da Segunda
Seção da FEB indicavam a possibilidade
da existência de três batalhões: um em
O avião em que eu me encontrava
posição e outros dois em condições de
reforçá-lo em pequeno espaço de buscou mais altura e fiquei em
condições de regular os precisos tiros
tempo.
da Artilharia.
Este foi o primeiro grande
De repente, um pouco abaixo de
obstáculo da FEB na guerra. Devo
acrescentar que tropas americanas mais nós, surgem como um enxame de
bem equipadas e mais experientes, vespas os furiosos Thunderbolts10, da
também fracassaram nas primeiras Força Aérea Brasileira (FAB),
tentativas de conquista desse bastião. despejando gasolina gelatinosa ou
As razões do insucesso no outono metralhando impiedosamente as
europeu de 1944 são diversas. Vou posições alemãs. Foi aí que pude
tentar, baseado nos diversos relatórios observar melhor e informar à Central
apresentados pós-ação, levantar de Tiro da Artilharia Divisionária a
algumas causas: a determinação existência de um morteiro camuflado
defensiva
dos
alemães;
a dentro de um monte de feno.
impossibilidade de obter o elemento
Pela manhã, a resistência
surpresa; o apoio aéreo inadequado ou germânica nos causou muitas
inexistente; a possibilidade de dificuldades e baixas. Disseram-me
manutenção da posição pelos que, por volta das 14h30min, o ardor
EsPCEx, onde tudo começa
15
EsPCEx
defensivo havia arrefecido, e que agora
o avanço lento era decorrência da
existência de minas e armadilhas
deixadas pelo inimigo e pelo natural
cuidado que deve ter uma tropa que
ataca tão difícil posição. Por volta das
18h30min. veio a confirmação: “caiu
Monte Castello. Pela manobra11.”
muito bem mobiliadas e possuíam
aquecedores.
Sobre essa conquista, gostaria de
ressaltar que, para nós que levamos
uma única divisão para a Itália, foi uma
referência, um símbolo. É possível que,
para os alemães que chegaram a ter
mais de cem divisões na guerra, Monte
Coronel, eu continuo tendo uma Castello fosse apenas um morro como
dúvida sobre esse obstáculo. Como outro qualquer.
era Monte Castello?
Algumas pessoas argumentam que
Eu gostaria de abordar três pontos os soldados brasileiros só entraram
de vista.
em ação quando a guerra estava
Para mim, que sempre observei quase no fim e que, portanto,
Monte Castello do ar, voando a cerca tiveram mais facilidades no combate.
de dois mil metros acima dele, eu não O que o Senhor acha desses
via nada demais. “Era uma elevação argumentos?
monótona naquela casca de jaca dos
Creio que eles sejam injustos. Em
12
Apeninos .”
primeiro lugar, desconsideram o valor
Para quem estava lá embaixo do soldado brasileiro, o que não é
combatendo, o cenário era outro. Assim verdade, como tive oportunidade de
o descreveu o Capitão Newton C. de narrar em diversos trechos dessa
Andrade Mello (apud, HENRIQUES, entrevista. Em segundo lugar,
1959, p.107): “É um morro feio, desprezam a combatividade do povo
íngreme, de mil metros de altura, germânico.
pedregoso em parte, cheio de esporões,
Há de se fazer justiça ao valor do
quase sem vegetação”.
soldado que enfrentamos. Mostrando
Ao ser observado mais de perto fibra e coragem, lutaram muito bem
após
conquistado,
via-se
um tanto no início do conflito, quando
“monumental panelão com rebordos tinham superioridade numérica, quanto
reforçados, tal como não se podia nos últimos meses de conflito, quando
imaginar antes.” A posição privilegiada não tinham mais ao que recorrer.
permitia ampla vista da frente de Venderam caro cada pedacinho de solo
combate, era equipada com magníficas cedido! É contra esse soldado que lutou
construções e casamatas que resistiam nosso inexperiente pracinha, saindo-se
aos tiros dos nossos canhões. muitíssimo bem.
Internamente as construções eram Após Monte Castello, a FEB seguiu
com êxito cumprindo as missões do
10
O Republic P-47 Thunderbolt, equipado com um único motor de combustão interna, foi um dos principais caças utilizados pelos
americanos na II Grande Guerra. Mostrou eficiência tanto no combate aéreo quanto como caça-bombardeiro. Foi utilizado pela FAB neste
conflito.
11
No vocabulário militar brasileiro, costuma-se empregar a expressão “caiu pela manobra”, quando a conquista é obtida com nenhuma ou
poucas baixas.
12
A cordilheira dos Apeninos estende-se por cerca de 1.000 km ao longo da Itália central e costa leste. No oeste desta cordilheira se localizam
a maior parte das cidades históricas italianas, como Siena, Florença, Pisa, dentre outras. Na parte setentrional destas elevações foram
construídas uma série de posições defensivas pelos alemães, que ficaram conhecidas com o nome de Linha Gótica.
16
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
IV Corpo de Exército: vale do
Marano; região de Santa Maria
Villiana; Castelnuovo; Soprasasso e
outras. O Senhor dedica um título
inteiro à conquista do Soprasasso. A
literatura sobre a guerra tem
pequena preocupação com esse
tema. Por que o Senhor dá tanta
importância à conquista desse
obstáculo?
Os altos escalões de comando dão
maior importância às manobras que
possibilitem
maior
vantagem
estratégica. E isso é um fato que
devemos pensar melhor. Observe que
o próprio Marechal Mascarenhas, ao
escrever suas memórias, não concede
ao Soprasasso “um título no alto de
uma página. [...] Mas o combatente só
guarda os nomes que lhe ferem a própria
carne”.
A conquista que causou mais baixas
às nossas forças foi a de Montese. O
Senhor poderia nos transmitir a sua
visão sobre esse heróico episódio?
Pagamos um preço alto para
conquistar a cidadela de Montese.
Foram quatrocentas e vinte seis baixas:
trinta e quatro mortos; trezentos e
oitenta e dois feridos e acidentados; e
dez extraviados. Muito sangue
derramado! Mas eu queria salientar dois
fatos que não podem ficar no
esquecimento.
“Saco A”:
Ao livrar os companheiros
montanheses da armadilha que a
artilharia germânica lhes reservava, o
flagelo de nossos pracinhas saldava a
dívida de sangue derramado por nossos
irmãos norte-americanos, que dias
antes tinham sido imolados para
facilitar a tomada de Monte Castello.
O primeiro, foi a determinação do
soldado brasileiro. Sem a orientação dos
observadores aéreos, que não puderam
levantar voo, em virtude do mal tempo,
a progressão da tropa submeteu-se a
intenso bombardeio da artilharia alemã.
“Parecia que o comando alemão dera
ordem para consumir toda a munição
Durante meses, essa elevação na eventualidade de uma retirada.”
levou moradores e viajantes a viver em
O outro, foi o exemplo de
permanente sobressalto. Então,
cooperação que nos foi legado pelo
conquistá-la era questão de honra. Isso
Marechal Mascarenhas. A missão de
explica, de certa maneira, o júbilo dos
conquistar Montese havia sido dada à
conquistadores ao atingir o objetivo.
Décima Divisão de Montanha dos
As inúmeras vítimas dos fogos de Estados Unidos. Devo ressaltar que os
artilharia e franco-atiradores relataram brasileiros nutriam grande admiração
diversas vezes os perigos da exposição por essa valorosa grande unidade.
ao
Soprasasso.
Tenho
alguns Tanto é verdade que, durante a reunião
testemunhos escritos.
dos comandantes militares do IV Corpo
Gostaria de ler uma poesia sobre de Exército, nosso comandante
esse ponto crítico, assinado por um de ofereceu-se e foi atendido na pretensão
nossos pracinhas, que assina como de atacar a cidadela de Montese.
“Adeus, adeus SOPRASASSO
Cabeça longa que a estrada
Numa contínua emboscada,
Como serpente vigia.
Adeus, ó reta da morte
Onde não foi por esporte
Que o mestre praça corria!”
EsPCEx, onde tudo começa
17
EsPCEx
É bom ressaltar a postura de
Eu não poderia terminar esta
nossos
interlocutores que, mesmo em
entrevista, sem lhe perguntar: Como se deu a rendição da Divisão posição de superioridade, souberam
respeitar e tratar com dignidade os
Alemã em Gaiano?
inimigos.
Louve-se a atitude do comandante
da Divisão de Infantaria Expedicionária
(DIE). Reconhecendo a iminência da Coronel, agradeço por ter nos
queda da Wehrmacht13 “e não querendo legado tão interessante obra.
derramar inutilmente sangue”, o Gostaria de usá-lo como referência
General Mascarenhas solicitou a um para agradecer também a todos os
interlocutor (o vigário D. Alessandro pracinhas que saindo de um país
Cavalli) que levasse uma intimação ao distante e tropical, defenderam com
comando da tropa germânica que se toda a galhardia os princípios
encontrava na área de operação de democráticos.
nossa grande unidade.
***
Algumas horas depois, já com os
brasileiros atacando as posições
germânicas, o chefe do Estado Maior Bibliografia
da 148ª Divisão cruza nossas linhas, ANSWERS. Disponível em: http://www.answers.com/topic/clarkdeclarando ter autoridade para negociar mark-wayne. Acesso em 29 set. 14.
“a rendição da 148ª Divisão de CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
Infantaria Alemã e remanescentes da CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Disponível em: http://
Era
Vargas2/biografias/
Divisão Bersaglieri e da 90ª Panzer cpdoc.fgv.br/producao/dossies/A
Zenobio_da_Costa. Acesso em: 26 set. 14.
Granadier.
Depois das tratativas, e já na
madrugada do dia 29 de Abril de 1945,
os negociadores germânicos retornam
às suas linhas, levando ao seu
comandante a notícia do rendimento
incondicional de suas Forças:
aproximadamente 16.000 homens,
sendo cerca de 800 feridos; 4.000
animais; e cerca de 2.500 viaturas.
HENRIQUES, Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1959.
MEIRA MATTOS, Carlos de. Mascarenhas de Morais e sua época.
Rio de Janeiro: Bibliex, 1983, p.75-77.
PRIBERAM DICIONÁRIO. Disponível em: http://www.priberam.pt/
. Acesso em: 26 set. 14.
SENTANDO
A
PUA.
Disponível
em:
http://
www.thunderbolt.sentandoapua.com.br/rip.htm. Acesso em: 29 set. 14.
WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Apeninos.
Acesso em: 26 set. 14.
(*) O Coronel Professor, da Arma de Comunicações, Jefferson Afonso Kobal graduou-se
na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 1975. Cursou a Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado) em 1985. Possui os seguintes cursos
civis e miltares: Administração de Empresas, Pontifícia Universidade Católica de CampinasPUC (1989); Informática Aplicada à Educação Construtivista (pós-graduação), Universidade
Estadual de Campinas-UNICAMP (1997). Atualização Pedagógica, Universidade Federal do
Rio de Janeiro-UFRJ/CEP (1995); MBA-Gestão Pública, Fundação Armando Alvares PenteadoFAAP/SP (2005). Atualmente é Professor de História da EsPCEx.
email: [email protected]
13
Wehrmacht (Força de Defesa) foi o nome dado às Forças Armadas da Alemanha durante o III Reich (1935-1945).
18
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Currículos, Disciplinas, Ideias
Fundamentais
Nílson José Machado (*)
Professor Titular da Universidade de São Paulo.
Introdução: os currículos e a
fragmentação disciplinar
Já vai longe a época em que “ler,
escrever e contar” expressava o elenco
de competências que deveria derivar
das matérias ensinadas na escola
básica. Atualmente, o conhecimento
escolar apresenta-se extremamente
fragmentado. Um aluno do Ensino
Médio assiste a um desfile de mais de
uma dúzia de disciplinas nas atividades
rotineiras. Em todos os níveis de
ensino, ocorre um aumento no rol de
matérias a serem estudadas. A
ausência ou a fragilidade das relações
significativas entre elas conduz
facilmente ao desinteresse. Os alunos
interessam-se pela vida, são seduzidos
por inúmeros temas extraescolares, e,
muitas vezes, desdenham dos temas
escolares. O calcanhar de Aquiles da
escola é esta carência de interesse
pelos conteúdos programá-ticos das
diferentes disciplinas.
Ambiental, Matemática Financeira, por
exemplo,
podem
ser
muito
interessantes para aulas de Biologia,
Geografia ou Matemática, mas
decididamente não têm o estofo de
disciplinas e não podem ser tratados
como se o fossem.
Disciplina: significado e função
Em sentido próprio, uma disciplina
é uma via, é um meio de se trazer o
conhecimento em amplitude e plenitude
para a sala de aula. Disciplinas são
espaços de mediações entre a criação
do conhecimento e sua aprendizagem,
entre a produção e a transmissão do
conhecimento. Para constituir o
conhecimento escolar, o conhecimento
institucionalizado
precisa
ser
organizado, disciplinado, subdividido,
articulado em um currículo, ou um
conjunto de vias, para a tramitação dos
conteúdos; tais vias são as disciplinas.
Desde a origem, a ideia de currículo
está associada à de uma articulação
de caminhos para serem percorridos, a
um mapa de cursos de ação, ou de
percursos.
Fragmentação
disciplinar,
esgarçamento do significado, perda do
interesse são efeitos naturalmente
interligados. Na raiz dos três, encontrase a descaracterização da ideia de
disciplina
e
sua
consequente
proliferação
acrítica.
Tendo-se
transformado em mero canal de
O primeiro currículo de que se tem
comunicação entre a escola e a vida, a
ideia de disciplina banalizou-se. Temas registro na história do pensamento
como Educação Sexual, Educação ocidental é o Trivium, ensinado nas
EsPCEx, onde tudo começa
19
EsPCEx
escolas e universidades até a Idade
Média. Representava um conjunto de
três disciplinas (três vias) – Gramática,
Lógica e Retórica – que eram ensinadas
para a formação básica das pessoas.
Daí se origina a palavra trivial: o que
todos devem saber. A Gramática visava
ao conhecimento da língua materna,
elo fundamental na constituição da vida
coletiva. Tratar mal a língua materna
era considerado, então, um atestado
de incivilidade. A Lógica – entendida
como Dialética – era um instrumento a
serviço do desenvolvimento da
capacidade de argumentação, para
fundamentar a tomada de decisões. E
a Retórica consistia no exercício da
competência na escolha de formas de
falar e de argumentar de modo a
produzir o convencimento dos ouvintes.
Sua presença no currículo era uma
declaração expressa de que falar
corretamente e até argumentar com
discernimento não basta: é preciso
interessar-se pelo outro.
Com o advento da Ciência Moderna,
a concepção de conhecimento
modificou-se significativamente, dando
origem a um novo conjunto de
disciplinas. No século XVII, Descartes
propôs a imagem de uma árvore para a
representação do conhecimento. As
raízes de tal árvore seriam a Metafísica;
o tronco, a Física, entendida como
Filosofia Natural; e os ramos, as
diversas disciplinas, como a Medicina,
a Mecânica, a Óptica etc. Diferentemente do Trivium, a língua materna não
tinha qualquer presença de peso na
representação cartesiana, que atribuía
à Matemática o papel de linguagem da
Ciência. A própria Matemática não
aparecia como uma disciplina localizada
na árvore, mas sim como a seiva que
continuamente a alimentava, ou seja,
como condição de possibilidade do
conhecimento.
A arquitetura harmoniosa do
Trivium era sucedida por outra,
igualmente bem articulada, que era o
Quadrivium,
um
currículo
de
aprofundamento, que consistia em mais
quatro disciplinas: Aritmética e Música;
Geometria e Astronomia. As duas
primeiras, eram consideradas o estudo
dos números (em repouso: Aritmética;
em movimento: Música); as duas
seguintes consistiam no estudo das
formas (em repouso: Geometria; em
movimento: Astronomia). Em conjunto,
as sete disciplinas citadas constituíam
o currículo para a formação integral
daqueles que estudavam. Na época, a
escola não era para todos.
A partir da segunda metade do
século XIX e ao longo de todo o século
XX, as disciplinas multiplicaram-se, os
currículos tornaram-se excessivamente
complexos e perderam a unidade que
os caracterizava nas fases iniciais.
Continuamente, temas situados em
regiões fronteiriças de disciplinas
estabelecidas reivindicam o estatuto de
novas disciplinas. A especialização
crescente conduz à criação de
disciplinas no interior das já existentes,
verdadeiras intradisciplinas. Paulatinamente, os currículos perderam a visão
de totalidade, a pretensão de
abrangência e as disciplinas deixaram
de ser pensadas como vias, como meios
para se atingir fins que as transcendam.
20
Disciplinas: o excesso de
fragmentação
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Ao mesmo tempo, instalou-se uma
espécie de intolerância disciplinar, em
que os praticantes e estudiosos de cada
tema defendem seu território com
afinco, e proclamam que o conhecimento
de seus conteúdos básicos é
imprescindível a qualquer cidadão. Ao
final do Ensino Médio, os vestibulares
são um momento especialmente
propício para a constatação de tal
intolerância. O grau de fragmentação
dos conteúdos é tão grande que o
significado mesmo de cada tema, na
perspectiva do cidadão comum, esvaise por entre os dedos. Os conteúdos
perdem progressivamente o caráter de
meio de formação pessoal e parecem
transformar-se em obstáculos a serem
superados. Em experiência de
pensamento, é possível conjecturar que
a maior parte dos docentes ou
pesquisadores de universidades
prestigiosas não seria aprovada nos
exames de ingresso às instituições em
que lecionam...
consideração essa tendência a um
aumento da fragmentação, que se
encontra na origem da perda de
significado do que se estuda. Dado que
o movimento de especialização
crescente não tem retorno, é preciso
equilibrá-lo com um movimento em
sentido contrário, de ascensão em
busca de uma visão mais abrangente
da totalidade do conhecimento. Ao
mesmo tempo em que estudamos
temas intradisciplinares cada vez mais
finos, como o mapeamento genético,
precisamos de conceitos cada vez mais
abrangentes, como os que nascem no
terreno da Bioética. À decifração do
genoma humano temos que associar
reflexões mais densas sobre o
significado do ser humano, da
consciência pessoal, do início e do fim
da vida.
Para lidar com o excesso de
fragmentação, tendo em vista a
compreensão do significado do que se
ensina, um recurso eficaz é a atenção
ao que é fundamental, ou aos princípios
norteadores de cada tema. É preciso
concentrar-se em um pequeno número
de ideias fundamentais, próprias a cada
matéria; justamente pela posição
basilar que ocupam, elas se irradiam
por todos os assuntos, articulando-os
e fazendo com que cada disciplina
transborde nas demais.
Naturalmente, a anomalia que tal
fato representa tem origem na
fragmentação excessiva dos conteúdos
disciplinares. As disciplinas são
instrumentos necessários, são meios
imprescindíveis na construção do
conhecimento, mas sem uma visão de
conjunto da foto que se examina, um
estudo
pontual,
precocemente
especializado, somente pode conduzir
Currículos: da fragmentação às ideias
a tecnicidades insignificantes.
fundamentais
Na medida em que são mediações
entre o conhecimento em sentido
Reiteramos, então, que um
amplo, cada vez mais complexo, e o currículo tem a função de mapear os
conhecimento escolar, necessariamente temas/conteúdos
considerados
organizado em disciplinas, é natural relevantes, tendo em vista o
que os currículos sejam multidiscipli- tratamento e a articulação das
nares, mas é necessário levar em informações disponíveis, e a construção
EsPCEx, onde tudo começa
21
EsPCEx
do conhecimento em sentido pleno, em
suas diferentes vertentes. Cada
disciplina que compõe um currículo tem
um programa que estabelece os temas
a serem estudados, delimitando seu
território, ao mesmo tempo em que
oferece vias de integração com as
demais, na busca do fim comum que é
a formação adequada dos alunos. Em
cada conteúdo, existem ideias
fundamentais a serem exploradas;
elas é que constituem a razão do
estudo de cada uma das diversas
disciplinas. É possível estudar muitos
conteúdos sem uma atenção adequada
às ideias fundamentais envolvidas,
como também o é uma explicitação e
uma valorização de tais ideias, mesmo
tendo por base a exploração de alguns
poucos conteúdos.
Nos programas escolares, a lista
de temas a serem estudados costuma
ser extensa, e às vezes é
artificialmente ampliada por meio de
uma decomposição minuciosa em
tópicos nem sempre suficientemente
significativos. Já a lista de ideias
fundamentais a serem necessariamente exploradas, nunca é tão extensa,
uma vez que justamente o fato de
serem fundamentais conduz a uma
reiteração e um reencontro de noções
similares no estudo de uma grande
diversidade de temas. É crucial, no
entanto, em cada tema, em cada
disciplina, identificar um elenco de
ideias fundamentais, em torno das
quais o programa e as atividades serão
organizadas.
Consideremos, por exemplo, a
disciplina Matemática. A ideia de
proporcionalidade encontra-se
presente tanto no raciocínio analógico,
22
em comparações tais como “O Sol está
para o dia assim como a Lua está para
a noite”, quanto no estudo das frações,
nas razões e proporções, no estudo da
semelhança de figuras, nas grandezas
diretamente proporcionais, no estudo
das funções do primeiro grau, e assim
por diante. Analogamente, a ideia de
equivalência, ou de igualdade naquilo
que vale, está presente nas
classificações, nas sistematizações, na
elaboração de sínteses, mas também
quando se estudam as frações, as
equações, as áreas ou volumes de
figuras planas ou espaciais, dentre
muitos outros temas. A ideia de ordem,
de organização sequencial, tem nos
números naturais sua referência básica,
mas pode ser generalizada quando
pensamos em hierarquias segundo
outros critérios, como a ordem
alfabética, por exemplo. Também está
associada, de maneira geral, a
priorizações de diferentes tipos, e à
construção de algoritmos.
Outra ideia a ser bastante
valorizada ao longo de todo o currículo
de Matemática é a de aproximação, a
de realização de cálculos aproximados.
Longe de ser o lugar por excelência da
exatidão, da precisão absoluta, a
Matemática não sobrevive nos
contextos práticos, nos cálculos do diaa-dia sem uma compreensão mais nítida
da importância das aproximações. Os
números irracionais, por exemplo,
somente existem na realidade concreta,
sobretudo nos computadores, por meio
de suas aproximações racionais. Algo
semelhante ocorre na relação entre os
aspectos lineares (que envolvem a ideia
de proporcionalidade direta entre duas
grandezas) e os aspectos não-lineares
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
da realidade: os fenômenos nãolineares
costumeiramente
são
estudados de modo proveitoso por meio
de suas aproximações lineares. Funções
mais complexas do que as lineares,
como as funções transcendentes
(exponencial, logarítmica, senos,
cossenos, tangentes etc.) são
aproximadas, ordinariamente, nas
aplicações práticas da engenharia, por
exemplo, por funções polinomiais, e
mesmo por funções lineares, por meio
do Cálculo Diferencial, assim por diante.
É importante destacar, no entanto, que,
ao realizar aproximações, não estamos
nos resignando a resultados inexatos,
por limitações em nossos conhecimentos: um cálculo aproximado pode ser –
e em geral o é – tão bom, tão digno de
crédito quanto um cálculo exato, desde
que satisfaça a certas condições muito
bem explicitadas nos procedimentos
matemáticos. O critério decisivo é o
seguinte: uma aproximação é ótima se
e somente se temos permanentemente
condições de melhorá-la, caso
desejemos.
Proporcionalidade, equivalência,
ordem, aproximação: eis aí alguns
exemplos de ideias fundamentais da
Matemática a serem exploradas nos
diversos conteúdos apresentados,
tendo em vista o desenvolvimento de
competências como a capacidade de
expressão, de compreensão, de
argumentação etc.
Ideias fundamentais: critério de
reconhecimento
Naturalmente, o reconhecimento
e a caracterização de um elenco de
ideias fundamentais em cada
disciplina é uma tarefa urgente e
ingente, constituindo o verdadeiro
antídoto para o excesso de
fragmentação na apresentação dos
conteúdos disciplinares. Não se trata
aqui de fixar rigidamente a lista
inexorável de tais ideias, mas sim de
escolher uma tal lista, como se escolhe
o elenco para representar uma peça
teatral, ou uma base para descrever
um espaço vetorial. Naturalmente,
algumas ideias fundamentais estarão
presentes em praticamente todas as
listas que organizarmos; outras, se
alternarão, dependendo do projeto a
que servem. Entretanto, é preciso
evitar a banalização do que se
caracteriza
como
uma
ideia
fundamental, e para isso, um critério
nítido, para balizar as escolhas, pode
ser aqui formulado.
Três características notáveis
estão presentes em cada ideia que
faz
jus
ao
qualificativo
“fundamental”. Em primeiro lugar,
qualquer ideia realmente fundamental
pode ter seu significado e sua
importância explicada apenas com o
recurso à linguagem ordinária; se for
necessário recorrer a tecnicidades
excessivas para se fazer compreender
uma ideia, ela pode ser importante,
mas não é fundamental. A ideia de
energia, por exemplo, é fundamental
na Física; ela pode ser apresentada
como uma capacidade de produzir
movimento, em suas várias formas de
manifestação. Naturalmente, não se
pretende que o conteúdo se esgote
nessa apresentação intuitiva, mas é
necessário que por aí se inicie.
Em segundo lugar, uma ideia
fundamental nunca é um assunto
isolado, ou com raros vínculos com
EsPCEx, onde tudo começa
23
EsPCEx
outros temas: justamente por se tratar
de fundamentos, tais ideias estão
presentes, quase sempre de modo bem
visível, em múltiplos temas da
disciplina,
possibilitando,
em
decorrência de tal fato, uma articulação
natural entre eles, numa espécie de
“interdisciplinaridade interna”. A ideia
de proporcionalidade, por exemplo,
transita com desenvoltura entre a
aritmética, a álgebra, a geometria, a
trigonometria, as funções etc.
Em terceiro lugar, uma ideia
realmente fundamental nunca se
esgota nos limites da disciplina em que
surge: sempre transborda tais limites,
enraizando-se em outros territórios
disciplinares e articulando entre si as
diversas disciplinas. A ideia de energia,
por exemplo, mesmo desempenhando
um papel fundamental na Física,
transita com total pertinência pelos
terrenos da Química, da Biologia, da
Geografia etc. Em razão disso, favorece
naturalmente uma aproximação no
tratamento dos temas das diversas
disciplinas referidas.
Numa frase, ao situar o foco das
atenções nas ideias fundamentais de
cada disciplina, favorecemos uma
tríplice articulação: entre a linguagem
da Ciência e a linguagem ordinária;
entre diversos temas no interior de cada
disciplina; e entre os conteúdos das
diversas disciplinas.
Ideias fundamentais: a constituição
de um elenco
Enfrentar o permanente desafio
com que se deparam os formuladores
de currículos, ou de matrizes de
conteúdos disciplinares a serem
avaliados, requer o reconhecimento e
24
o mapeamento de um elenco de ideias
fundamentais em cada disciplina, tendo
em vista a articulação de toda a
diversidade de conteúdos. Reiteramos
que não se pode pretender a
determinação unívoca de uma lista
fechada de ideias, mas a composição
de uma tal lista está longe de ser um
exercício de arbitrariedade. Três
recomendações podem orientar essa
tarefa.
Em primeiro lugar, é necessário
compor um elenco – e não apenas um
conjunto de ideias fundamentais. Em
um elenco, de uma peça ou de uma
equipe esportiva, não basta reunir certo
número de participantes, é importante
cuidar para que cada um represente
bem o papel que lhe é determinado.
Podem existir – e em geral ocorrem –
zonas de interação ou de reiteração dos
fins colimados, mas não devem ocorrer
simples duplicidades na representação
dos papéis. Constituir um elenco é como
escolher os vetores da base para
descrever um espaço vetorial: deve
existir certa independência entre eles,
bem como algum acordo sobre a
dimensão de tal espaço.
Em segundo lugar, é preciso
cuidar para que tal elenco, como um
mapa, represente a totalidade do
território disciplinar a ser estudado. Um
mapa não pode conter tudo o que está
no território, mas também não pode
deixar regiões desguarnecidas. Sua
construção deve propiciar a referência
a todos os pontos do território, ainda
que em escala compatível com a
abrangência do estudo e com o tempo
disponível para a exploração. A
competência na escolha de uma escala
adequada no tratamento de um tema é
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
uma das maiores qualidades de um bom
professor. Além disso, é imprescindível
que um mapa explicite relações
valorativas entre os elementos
envolvidos. Não é porque os assuntos
encontram-se
multiplamente
relacionados que todos têm o mesmo
valor: todo mapa é um mapa de
relevâncias.
Em terceiro lugar,
uma
observação que pode ajudar na
constituição de um elenco de ideias
fundamentais é o fato de que elas
frequentemente ocorrem constituindo
pares complementares. Ainda que a
vida, em suas diversas dimensões, não
se deixe apreender perfeitamente por
alternativas simples, binárias, do tipo
Verdadeiro/Falso, Bem/Mal, Herói/Vilão,
as polarizações constituem um recurso
natural para a compreensão de qualquer
tema. Não podemos parar nelas, mas
é importante partir delas, enfrentar
dilemas e ultrapassá-los, aportando em
situações mais complexas, que
envolvem bem mais do que a escolha
simples entre duas alternativas.
igualmente sucinto, segue uma
referência às demais ideias citadas.
Medida
Não parece necessário insistir
demasiadamente no caráter fundador
da ideia de Medida em Matemática. Ela
se encontra na origem da própria ideia
de número, constituindo um de seus
dois pés, ao lado da contagem, e grande
parte da Geometria decorre dela.
Grandezas, interdependências, funções,
probabilidades, quase tudo pode ser
associado à ideia de Medida.
Interdependência
A sentença matemática mais típica
é do tipo “se p, então, q”, que
representa
um
germe
de
interdependência. A própria proporcionalidade é um padrão inicial de
interdependência, a ser desenvolvido
e generalizado. As funções e as
correlações estatísticas podem situarse nesse terreno.
Invariância/Variação
Desde muito cedo, a busca de
regularidades, de padrões ou de
invariâncias em múltiplos contextos
constitui um foco das atenções da
Matemática. O estudo das formas de
crescimento e de decrescimento, das
rapidezes em geral – ou das taxas de
variação – pode ser associado a tal par
de ideias desde o estudo das funções
mais elementares.
No caso da Matemática, por
exemplo, equivalência e ordem são
um par de ideias complementares, que
é decisivo na construção dos números
naturais. Outros pares parecem ser:
medida
e
aproximação;
proporcionalidade e interdependência; invariância (regularidade) e
variação (taxas); demonstração e
aleatoriedade; representação e Demonstração/Aleatoriedade
problematização.
A ideia de demonstração situa-se
Algumas palavras já foram no próprio cerne do pensamento
registradas anteriormente sobre as matemático. Teoremas são pequenas
ideias matemáticas de Equivalência, narrativas matemáticas, a serem
Ordem,
Proporcionalidade
e apreciadas desde muito cedo,
Aproximação; ainda que de modo naturalmente aliviadas de preocupações
EsPCEx, onde tudo começa
25
EsPCEx
excessivamente formais. A ideia de que
nem tudo pode ser determinado
causalmente, por meio de frases do
tipo “se p, então, q”, conduz ao
conhecimento do aleatório, do que é
“provável” ou do que pode ser “provado”,
mesmo de modo não determinístico,
como no lançamento de um dado.
Representação
A Geometria trata da percepção e
da representação do espaço.
Inicialmente,
o
espaço
físico
predomina; aos poucos, a arte e mesmo
a rede informacional passam a
constituir
espaços
igualmente
representáveis,
associando
a
concretude do mundo real às
idealizações de outros espaços. A
Álgebra também é um lugar das
representações dos números, das
operações e das interdependências.
Problematização
Um problema sempre traduz uma
ou mais perguntas a serem respondidas,
a partir de uma situação-problema, no
mundo real ou em algum espaço de
representações. Como a linguagem
matemática não comporta sentenças
interrogativas, o modo de fazer
perguntas em Matemática é traduzi-las
por meio de uma suposta afirmação
envolvendo incógnitas, ou seja, por
meio de uma equação. Para ser
resolvido, um problema precisa ser
equacionado, ou seja, suas perguntas
precisam ser traduzidas na forma de
um sistema de equações.
Conclusão: Currículo Nacional e
ideias fundamentais
26
Em países com dimensões
continentais, como o Brasil, a
fragmentação curricular a que nos
referimos desde o início tem seus
efeitos potencializados em decorrência
da inexistência de uma base curricular
nacional, para articular os sistemas de
ensino em seus diferentes níveis. Os
diversos mosaicos disciplinares locais
não contribuem para compor um quadro
de referência para balizar os resultados
das avaliações que são regularmente
realizadas em todos os Estados.
Quando se discute a construção de
uma tal base curricular nacional,
algumas questões são recorrentes.
Argumentar contra uma padronização
excessiva, que subestime a diversidade
e a riqueza das culturas locais parece
simples, assim como também o é
defender a importância da unidade
nacional a partir de projeto educacional
único. Como equilibrar o respeito pelas
diferenças regionais com a necessidade
patente de construir um projeto unitário
de país, que é absolutamente tributário
da garantia de uma educação básica
de qualidade para todos?
Uma resposta simples a tal
questão tem sido a perspectiva da
fixação de uma porcentagem expressiva
da carga disciplinar para conteúdos
comuns a todos os sistemas,
complementando-a com conteúdos
característicos de cada região do País.
Por razoável que pareça, uma distinção
como essa pode até mesmo acentuar a
fragmentação disciplinar, favorecendo,
além disso, a instalação de certa
esquizofrenia curricular: a disputa de
espaços entre o nacional e o regional
não pode conduzir a bom termo.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Outra perspectiva, mais promissora, pode ser o reconhecimento de que
a padronização nacional dos conteúdos
curriculares diz respeito a uma busca
de isonomia quanto aos fins
educacionais almejados; as estratégias
didáticas, os meios e recursos para o
tratamento dos temas podem ser – e é
desejável que o sejam – marcadamente
diversificadas, respeitando-se as
características regionais.
Uma educação básica de qualidade,
que é condição de possibilidade de uma
organização social democrática, não
pode subestimar, nem superestimar as
expectativas de formação, em razão da
diversidade de circunstâncias materiais,
ou de características culturais. As ideias
fundamentais de cada disciplina são
essencialmente as mesmas, do
Oiapoque ao Chuí: as formas de
apresentação escolhidas para o
desenvolvimento de tais ideias é que
devem ser consentâneas com a
realidade em que os alunos se inserem.
***
(*) Nilson José Machado foi aluno da EsPCEx no período 1964-1966 e concluiu o curso
como 1° colocado da Turma Cidade de Campinas. É Professor Titular da Universidade
de São Paulo, onde leciona desde 1972, inicialmente no Instituto de Matemática e
Estatística, e, a partir de 1984, na Faculdade de Educação. Ministra disciplinas na
graduação e na pós-graduação, já havendo orientado mais de 5 dezenas de mestrados e/
ou doutorados. Escreveu diversos livros, frutos de seu trabalho acadêmico, dentre os
quais se encontram Ética e Educação (2012), Educação e Autoridade (2009), Educação
- Competência e Qualidade (2005), Educação - Projetos e Valores (2000), Epistemologia
e Didática (1995), Matemática e Língua Materna (1990). É autor, ainda, de mais de duas
dezenas de livros para crianças a partir de 5 anos. É palestrante da EsPCEx em 2014.
www.nilsonjosemachado.net / email: [email protected]
EsPCEx, onde tudo começa
27
EsPCEx
Avaliando Competências no
Português
Guaraci Alexandre Vieira Collares (*)
Professor de Língua Portuguesa e Literatura
1. Os Critérios
Quando se trata de avaliar um aluno para posicioná-lo na turma, o processo torna-se muito mais complexo
porque ajuda a construir um trajeto que
acompanhará o estudante pela vida
afora, enquanto estiver na ativa. Delineando um futuro profissional, começa por estar diretamente ligado à escolha da arma, irreversível, pelo menos até o momento, no caso da carreira do oficial da Linha Bélica do Ensino
Militar.
Em se tratando de Português, para
ser o mais justo possível, deve haver
um equilíbrio perfeito entre subjetividade e objetividade, para não se cometer injustiça e medir com absoluta
certeza a competência-mãe da matéria: expressar-se adequadamente em
Língua Portuguesa. O caminho mais
produtivo para atingir-se tal objetivo é
estabelecerem-se critérios muito bem
definidos, o mais próximo da realidade
do que se pretende para o aprimoramento da expressão escrita, compatível com um Bacharel em Ciências Militares.
A Seção de Língua Portuguesa da
Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) vem fazendo isso ao longo dos anos e creio que atingiu um
patamar bastante aceitável, em termos de Ensino por Competências.
Aperfeiçoar o sistema de correção é
extremamente necessário em provas
28
discursivas. Na Escola, em cumprimento ao Plano de Disciplina, a prática
dissertativa exige que as avaliações
sejam redações com, no mínimo, 25 linhas.
A Cadeira busca a não eliminação
sumária da subjetividade, o que seria
desastroso em uma ciência humana,
antes tomando-a como vigorosa aliada, mantendo o perfeito equilíbrio na
análise dos critérios, a fim de que cada
professor possa desenvolver com os
companheiros docentes uma correção
harmônica e justa dos trabalhos escritos, sem abandonar a própria experiência, princípios e individualidade.
Os critérios adotados, TEMA, LINGUAGEM e GRAMÁTICA, já orientam as
correções das redações há pelo menos
uma década. Em cada um deles, a Cadeira vem aprimorando os níveis de
desempenho, posicionando a redação
em cada um deles. Os parâmetros desenvolvidos nada mais são do que
subcompetências ou ampliações da
Competência principal, habilidades necessárias à expressão escrita, que são
medidas formalmente e produzem um
grau final.
Da mesma forma, o mais transparente possível, utiliza o mesmo sistema no Consurso de Admissão à Escola,
com algumas diferenças óbvias, no caso
das penalizações por erro cometido, por
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
se tratar de um concurso público,
objetivando uma boa seleção dos candidatos.
Aperfeiçoando-se ao longo dos
anos, aprimorando-se, chegou-se, em
2014, a uma grade de correção que me
parece bastante satisfatória e está
sendo colocada em prática amplamente, com resultados muito positivos. A
diminuição, beirando o zero, de alunos
que recorrem do grau obtido, é prova
viva do sucesso obtido. Revela, sem
dúvida, uma aceitação do discente em
relação à nota atribuída bem como à
lisura do processo como um todo.
Os critérios TEMA, LINGUAGEM e
GRAMÁTICA são subdivididos em seis
categorias: D, I, R, B, MB e E (Deficiente, Insuficiente, Regular, Bom, Muito Bom e Excelente). Em ordem crescente, estabeleceram-se os níveis, até
o grau máximo. O R, de acordo com as
normas, define o grau de aprovação,
ou seja, o 5,0.
2. Descrição da Grade de Correção
TEMA
M
G
O aluno não abordou o tema proposto.
D
0
I
15
O aluno tangencia o tema
proposto, apresenta baixa
capacidade de reflexão, baixo
conhecimento do assunto;
apresenta ideias-força originadas
no senso comum; aborda o tema
com superficialidade; mistura os
assuntos;
equivoca-se;
manifesta insegurança para a
tomada de decisão, numa fraca
estrutura dissertativa.
TEMA
O aluno aborda o tema com baixa
profundidade, manifesta uma
mediana intenção persuasiva e
capacidade argumentativa,
mostrando mais uma simples
constatação de fatos do que
propriamente o posicionamento
firme em relação à proposta;
apresenta ideias-força retiradas
do senso comum, numa razoável
estrutura dissertativa.
O aluno aborda o tema com boa
profundidade, faz a ligação com
a proposta, define bem o
objetivo que deseja defender,
apresenta
ideias-força
aceitáveis, fundamentadas em
bom conhecimento do assunto,
bom poder persuasivo e
capacidade argumentativa,
numa boa estrutura dissertativa.
O aluno faz uma abordagem
adequada, ligada à proposta,
define muito bem o objetivo,
demonstra segurança para
tomada de decisão, apresenta
ideias-força irrefutáveis e
ampliadas, com muito bom nível
de conhecimento do assunto,
inequívoca atitude persuasiva e
alto poder de convencimento e
de argumentação.
O aluno faz uma abordagem
adequada, ligada à proposta,
define muito bem o objetivo,
demonstra segurança para
tomada de decisão, apresenta
ideias-força irrefutáveis e
ampliadas, com muito bom nível
de conhecimento do assunto,
inequívoca atitude persuasiva e
alto poder de convencimento e
de argumentação, tudo com
grau
diferenciado
de
criatividade e maturidade.
EsPCEx, onde tudo começa
M
G
R
25
B
35
MB
45
E
50
29
EsPCEx
Linguagem
M
O aluno apresenta sérios
problemas de linguagem, grande
deficiência vocabular, constrói
períodos incoerentes, truncados,
não utiliza adequadamente os
elementos de coesão textual.
D
O aluno apresenta alguns
problemas de linguagem,
deficiência
vocabular
provavelmente originada na falta
de hábito de leitura, apresenta
baixa capacidade de síntese,
texto prolixo, utiliza chavões ou
clichês, comete equívocos que
comprometem a clareza e a
coesão textual.
I
O aluno apresenta uma
linguagem razoável, médios
problemas de coerência e de
coesão textual, demonstra
possuir um vocabulário de nível
mediano, de pouca leitura, mas
com algum potencial para
melhorar.
R
O aluno apresenta uma
linguagem aceitável, poucos
problemas de coerência e de
coesão textual, constrói
períodos adequadamente,
possui um bom vocabulário,
proveniente de alguma leitura.
B
O aluno constrói períodos e
parágrafos
muito
bem
estruturados, coerentes, utiliza
muito bem os elementos de
coesão textual, possui muito boa
desenvoltura no trato da língua
e muito bom vocabulário,
conquistado com o hábito da
leitura.
MB
O aluno apresenta um alto nível
de desempenho na expressão
escrita, linguagem diferenciada,
fruto do gosto e hábito pela
leitura, o que é demonstrado por
um vocabulário requintado, sem
afetamento.
E
30
G
0
10
15
20
Gramática
M
G
D
0
I
8
R
10
O aluno apresenta poucos erros
de gramática, não comete erros
graves e encontra-se num nível
aceitável para um aluno de nível
superior, podendo, com estudo
e dedicação, melhorar a
expressão escrita.
B
15
O aluno apresenta pouquíssimos
erros
de
gramática,
considerados leves, que não
prejudicam a comunicação.
MB
18
O aluno não cometeu um erro
sequer de gramática.
E
20
O aluno apresenta erros de
gramática bem acima do
aceitável para um estudante de
nível superior, revelando um grau
preocupante de semianalfabetismo, seja pela quantidade, seja
pela gravidade dos erros
cometidos.
O aluno apresenta erros de
gramática incompatíveis com o
aluno mediano, tanto pela
quantidade quanto pela
gravidade, revelando deficiência
originada
no
Ensino
Fundamental, que pode ser
superada com muito esforço e
estudo da gramática.
O aluno apresenta um nível
considerável de erros de
gramática, mas tem potencial
para,
com
esforço
e
treinamento prático de produção
de texto, para reverter a
situação.
25
30
EsPCEx, onde tudo começa
Observações:
- A valorização dos critérios (TEMA,
LINGUAGEM e GRAMÁTICA) varia de
acordo com o conteúdo, ao longo do
ano letivo, atribuindo maior grau à LINGUAGEM, no primeiro semestre, e ao
TEMA, no segundo semestre.
- O Sistema de avaliação encontra
respaldo na PORTARIA Nrº 99-DECEx,3
DE SETEMBRO DE 2013, que aprova as
Normas para a Avaliação da Aprendizagem (NAA - EB60-N-06.004), em seu
artigo 84:
“Escalas de Avaliação são baremas
que utilizam uma lista de critérios/
indicadores de desempenho a partir
dos quais se gradua o nível de aprendizagem do aspecto enfocado na situação de avaliação, por meio de
uma série de valorações (‘’insuficiente”; ‘’regular”; ‘’bom”; ‘’excelente”). São utilizados quando as respostas dos discentes são diferenciadas. Exemplo: avaliação de
conteúdos conceituais.” (Grifo do
autor)
3. Aspectos Positivos
Salta aos olhos a equanimidade
entre os corretores. Por mais que um
difira do outro, isso não causa danos
sensíveis ao avaliado. Este jamais se
sente injustiçado ao receber um grau
baixo ou o não esperado pela redação
apresentada. Preserva-se a subjetividade necessária à matéria, sem cometer injustiça.
O Sistema de Correção alinha-se
perfeitamente com o Ensino por Competências, que prevê o estabelecimen-
EsPCEx
to de critérios claros, principalmente
para a avaliação do aluno, e transforma-se em um poderoso aliado, ferramenta significativa e indispensável para
o processo, ao contrário do que se pensa, em relação à medição do desempenho para um ensino por competências.
A grade atribui o grau zero somente
em casos extremos, o que, em termos
de expressão escrita, é aceitável, uma
vez que estimula o aluno a um aprimoramento individual. Não foi constatado
até o momento algum aluno que
deliberadamente tenha deixado de
abordar o que foi estabelecido na proposta temática, o que anula a redação
como um todo.
O processo é amplamente divulgado para os alunos, que conhecem a
fundo os critérios de correção, o barema
utilizado pela Disciplina, a valorização
de cada nível, documentação presente
e disponível no Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA) e também
explicada em sala de aula pelos professores da Cadeira, antes e depois das
provas formais.
Por fim, reafirma-se que caiu para
próximo de zero, não exagerando, o número de ponderações dos alunos, pósprova, o que comprova a eficácia do
sistema de correção adotado pela Matéria e, principalmente, revela a aceitação do aluno, não só como avaliado
mas também como partícipe ativo, na
busca pelos objetivos comuns do ensino-aprendizagem.
***
(*) O Coronel Professor, da Arma de Cavalaria, Guaraci Alexandre Vieira Collares cursou o
Colégio Militar de Porto Alegre, de 1964 a 1970. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas
Negras em 1974. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (nível mestrado) em 1984
e a Escola de Comando e Estado-Maior (nível doutorado) em 1994. Como funções principais
na ativa, foi Professor em Comissão da Cadeira de Redação e Estilística da AMAN de 1988 a
1992; comandou o 2º Regimento de Carros de Combate e foi Chefe de Estado-Maior da 11ª
Brigada de Infantaria Leve. Atualmente é Professor de Português na EsPCEx.
EsPCEx, onde tudo começa
31
EsPCEx
“Somos o que pensamos. Tudo o que
Estratégias de Controle do
Estresse: prevenção e promoção somos surge com os nossos
pensamentos.
Com
nossos
da saúde
Márcia Maria Carvalho Luz Fornari (*)
Psicóloga
pensamentos, fazemos o nosso
mundo.”
Siddhãrtha Gautama
a. Introdução
Este artigo originou-se a partir da
percepção obtida com a aplicação do
Inventário de Sintomas de Estresse de
Lipp (ISSL) em uma amostra nos alunos
da Escola de Preparatória de Cadetes
do Exército no ano de 2014. Este
inventário, como o próprio nome já
indica, serve como instrumento útil na
identificação de quadros característicos
do estresse, possibilitando diagnosticálo já a partir dos 15 anos e em qual
fase a pessoa se encontra (em alerta,
resistência,
quase-exaustão
e
exaustão). O ISSL também propõe um
método de avaliação do estresse que
enfatiza a sintomatologia somática e
psicológica. Este artigo enfatizará as
origens do estresse, consequências
advindas dele e formas eficazes de
combatê-lo. O presente artigo está
organizado em tópicos com a finalidade
de se manter a objetividade e o foco
nas estratégias de enfrentamento.
b. Definição do Conceito
O estresse ocorre quando a pessoa
enfrenta eventos que percebe como
perigosos para seu bem-estar físico ou
psicológico (evento estressante). É um
estado de tensão que causa
desequilíbrio no organismo (resposta
ao estresse). O estresse está
relacionado com a percepção de
controlabilidade, de previsibilidade e de
extensão do evento estressor. Pode ter
32
origem em aspectos físicos (uma
doença ou desgaste do organismo,
originando o estresse); bem como
psicológicos
(uma
situação
traumatizante, eventos estressores,
conflitos e dilemas internos). Algumas
causas observadas são vinculadas à
carga excessiva de trabalho, a dormir
pouco, ao excesso de responsabilidade,
a preocupações com o estudo ou
trabalho, a muitas prioridades, a
conflitos pessoais, à falta de
autonomia,
a
problemas
de
relacionamento, a autocobranças
irreais, ao pessimismo e a demandas
diversas. O estresse em grau elevado
pode acarretar alguns problemas, como
por exemplo: hipertensão arterial,
dependência química, depressão, erros
e acidentes de trabalho, queda no
rendimento físico e intelectual,
problemas de relacionamento com os
colegas, perda da concentração,
tristeza, descontrole emocional e queda
de produtividade. Alguns sintomas
físicos podem surgir, tais como:
gastrointestinais, cardiovasculares,
respiratórios, dermatológicos e
imunológicos.
c. Como Combater este Mal?
Algumas
estratégias
de
enfrentamento mais utilizadas são:
suporte social, reavaliação positiva,
resolução de problemas e fontes de
apoio como: colegas, família,
EsPCEx, onde tudo começa
religiosidade, dentre outras. É
importante observar algumas atitudes
adaptativas, ou seja, mudar a si mesmo
e/ou o ambiente. Explorar ações
tomadas
diante
de
situações
estressantes permite auxiliar no
planejamento de atividades do ponto
de vista psicológico e administrativo,
como, por exemplo, evitar modos
negativos de agir, isto é, ruminação sem
atitude de mudança, evitação, esquiva,
comportamentos imprudentes e
autodestrutivos. Avalie sempre seus
pensamentos, ações e demandas
internas e externas de um evento
estressante
(ações
cognitivas,
contexto e características do evento
estressante). Atenção aos fatores
potencializadores
e
aspectos
singulares, ou seja, características
individuais que fazem com que as
situações
sejam
vistas
como
estressantes ou como desafios, ou
mesmo se possui vulnerabilidade ou
predisposição para o estresse.
d. Prevenção e Promoção de Saúde
Resiliência é a capacidade de
superar adversidades e, além disso,
sair fortalecido e prosperar (é uma
resposta positiva frente ao estresse).
Para se pensar em prevenção é preciso
observar os fatores de risco (dificuldade
de adaptação, vulnerabilidade ou
desajustes emocionais), os fatores de
proteção (recursos que fortalecem,
amenizam ou neutralizam o impacto
de eventos estressantes, tais como, a
autoconfiança, a socialização, a
tolerância, a flexibilidade e o
autocontrole) e a capacidade de
gerenciamento, fruto da aprendizagem
em que é possível desaprender certas
reações inadequadas.
EsPCEx
e. Enfrentando Adversidades
Busque:
1. Metas ou habilidades para o
desenvolvimento
pessoal;
2.
Relacionamentos saudáveis; 3.
Autoeficácia e autoestima; 4.
Alimentação e exercícios físicos
adequados; 5. Horários regulares para
dormir; e 6. Orientação positiva para o
futuro.
f. Técnicas
Manual de Enfrentamento
1. Mantenha as atividades sob
controle, em dia (utilize uma agenda).
2. Organize-se! Bagunça gera
estresse.
3. Evite atrasar-se. Cronometre o
tempo que gasta em suas atividades
para estar familiarizado com a
quantidade de tempo que necessita.
4. Evite controlar tudo e todos. Não
funciona e o índice de ansiedade sobe.
Analise o contexto.
5. Tenha inteligência emocional
nos relacionamentos interpessoais. Há
pessoas ótimas para se conviver e
outras de difícil convívio.
6. Simplifique a sua vida. Tenha
alguns minutos do dia para atividades
que lhe causem bem-estar (uma
música, um trecho de livro, um
relaxamento, uma meditação, uma
oração, etc).
7. Ajude os outros! É uma
excelente arma contra o estresse.
8. Veja o lado positivo das coisas:
seja construtivo.
9. Simplifique a sua lista de
afazeres. Agrupe, organize por
prioridade, delegue, assinale os já
concluídos, estipule prazos.
EsPCEx, onde tudo começa
33
EsPCEx
10. Realize exercícios físicos e dúvidas e questionamentos.
tenha uma alimentação saudável. Uma
19. Não tente controlar o
vida pouco saudável (bebida, cigarro, incontrolável ou sofrer por antecipação.
isolamento social, brigas com colegas)
g. Conclusão
é uma fonte de estresse.
11. Seja agradecido. Tenha e
Para saber se seu estresse está
mantenha
uma
atitude
de ficando excessivo, faça uma reflexão
agradecimento para com as coisas boas sobre os itens a seguir:
da vida.
1. Avalie seu corpo. Verifique se
12. Tenha cuidado com as tem sentido, ultimamente, dores
interpretações errôneas, como: “ele musculares, dor de cabeça, ombros
está com raiva de mim”, “eu não sei tensos, hiperacidez estomacal, falta de
fazer nada direito”, “sou sempre ar, taquicardia, tremedeira, problemas
perseguido...”.
dermatológicos, insônia, fadiga, baixa
13. Controle a ansiedade. Muitas resistência. O corpo pede ajuda.
vezes uma pessoa emite uma resposta
2. Avalie suas emoções. Tem
errada perante uma situação (como em sentido apatia, vontade de fugir de
explosões de raiva e em críticas tudo, tédio, desinteresse, raiva,
exacerbadas).
tristeza, ou medo. Quando os
14. Registre as consequências do sentimentos estão tumultuados é difícil
seu estresse: como se sente fisica e ser feliz!
emocionalmente, como age em
3. Preste atenção aos seus
resposta ao estresse, o que faz para relacionamentos
e
atividades:
sentir-se melhor.
irritabilidade, vontade de não conversar
15. Mude a situação, evitando ou com amigos, desilusão com todos,
alterando o fator estressor, ou mude a inquietação, queda no rendimento
si mesmo, adaptando ou aceitando o laboral ou ocupacional. Quando se está
com estresse, nossos relacionamentos
fator estressor.
e atividades ficam prejudicados.
16. Esteja disposto, comprometa***
se em combater o estresse.
17. Ajuste seus padrões. Cuidado
com a autocobrança exagerada
(perfeccionismo).
18. Compartilhe sentimentos,
(*) A 1º Tenente psicóloga Marcia Maria Carvalho Luz Fornari é graduada em Psicologia com
Habilitação em Psicologia como Psicólogo Pesquisador pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas. Especialista em Desenvolvimento do Potencial Humano nas Organizações e
Mestre em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Psicopedagoga pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ). Extensão na UNICAMP
(Faculdade de Educação e Gerontologia). Formação complementar na área de Gestão Empresarial
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Graduanda em Administração na Universidade Paulista.
Atualmente é Psicóloga Adjunta da Seção Psicopedagógica da EsPCEx.
34
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
A Subjetividade e a
(Re)Constituição da Identidade
no Processo de Aprendizagem de
Língua Estrangeira
Márcia Barros Barroso (*)
Professora de Inglês
Introdução
Ao longo de vários anos de atuação
como professora da disciplina de Língua
Inglesa, tanto em instituições de
ensino civis como na Escola Preparatória
de Cadetes do Exército, sempre refleti
a respeito da expressão do sujeito em
inglês como língua estrangeira. Ao
trabalhar em um ambiente de ensino
militar, há a especificidade da questão
disciplinar: todo um conjunto de regras
e procedimentos deve ser respeitado e
apreendido pelo aluno. Por essa razão,
ao iniciar minhas atividades como
professora nesta escola de caráter
militar, imaginei que poderia enfrentar
problemas na expressão escrita e oral
dos alunos, devido ao rígido controle
do fazer e do dizer que certamente
haveria sobre eles. Mas, para minha
surpresa, percebi que o dizer dos alunos
acontecia: eles exteriorizavam suas
ideias, impressões e sentimentos a
respeito de si mesmos, de fatos e
assuntos variados abordados nos
textos trabalhados em aula, tanto
escritos como orais. E percebíamos,
também, que, quanto mais isso
acontecia, mais o aluno se comprometia
com sua aprendizagem. Essa boa
surpresa me levou a refletir e investigar,
numa pesquisa de mestrado, os
meandros desse processo de dizer (se) na língua estrangeira, especificamente a inglesa.
O ensino de inglês em uma escola
militar, a linguagem e os interditos
Enfrentamos, desde o nosso
nascimento, várias formas de
interdição, algumas explícitas e outras
veladas. As formas explícitas de
interdição são as impostas pelas
instituições que nos estruturam como
sociedade, tais como a família, a igreja,
a escola e outras, enquanto as formas
veladas operam de variadas maneiras,
a partir de demandas sociais. A própria
linguagem tem seu caráter cerceador,
já que simboliza, ou seja, quando
falamos
ou
escrevemos,
(re)construímos
e
externamos
representações das coisas; não
apresentamos as coisas em si. E não
há relação fixa intrínseca entre as
palavras e aquilo que elas representam
(FOUCAULT, 1981). Além disso, um
sujeito faz suas representações a partir
de sua interpretação singular da
realidade, que sempre difere, em algum
nível, da interpretação de outros
sujeitos, de acordo com as condições
EsPCEx, onde tudo começa
35
EsPCEx
histórico-sociais do sujeito e da própria
enunciação. Em relação à língua
estrangeira, há, ainda, a questão da
interdição que esta opera em um
primeiro contato e, para alguns, em
outra
ocasiões,
no
nível
do
inconsciente, enquanto estranha/
estrangeira, a língua do outro.
No contexto da pesquisa que
desenvolvemos, há, ainda, um fator
adicional de interdição, que é o
ambiente
militar,
sabida
e
constitutivamente restritivo do dizer e
do fazer, com um conjunto de regras
rígidas que devem ser seguidas à risca
por aqueles que nele se inserem.
Interessou-nos estudar o dizer de
alunos militares na disciplina de Língua
Inglesa, não apenas frente aos vários
interditos explícitos ao dizer de si, mas
especialmente o interdito ao uso da
língua inglesa no registro do
inconsciente, no qual também se
operam fortes interdições de origens e
tipos variados. Assim, neste estudo,
pretendemos observar se, mesmo
nessas condições restritivas de
produção, traços da subjetividade se
fazem presentes em brechas na/da
linguagem do aluno, naquilo que é
falado ou escrito por ele, na língua
inglesa.
Os participantes da nossa pesquisa
foram 16 rapazes de uma turma de
inglês, cujos textos escritos e orais
desenvolvidos como atividades de aula
formaram o nosso corpus para a análise
discursiva.1 Nas representações que os
participantes fazem de si mesmos e do
outro (o colega, a escola, o professor,
o comandante de pelotão, a língua
inglesa etc.), em seu dizer, procuramos
rastrear traços de sua subjetividade,
36
bem como a maneira como esta se
constitui na / através da língua inglesa.
A
concepção
discursivodesconstrutivista da linguagem, na qual
ancoramos nosso trabalho de pesquisa,
não supõe o texto escrito ou oral como
uma mensagem que será “recebida”
passivamente por um leitor/ouvinte.
Nessa visão da linguagem, pensa-se
não simplesmente em escrita ou fala,
mas em escritura, pois quando o sujeito
lê, ouve ou produz um texto escrito ou
oral, expondo suas ideias e
sentimentos,
produz
sentidos,
envolvendo-se, sendo marcado pelo
que lê, ouve, escreve ou fala. O sujeito,
na linha de análise psicanalítica,
também aqui empreendida, não é o
consciente, racional. Esse sujeito é
cindido, dividido entre o que está
exposto - o eu aparente, “controlável”,
ou seja, o que ele acredita ser - e o
que nunca está aparente - o
inconsciente, o Real, o que ele
realmente é. O sujeito, na psicanálise,
é o que acredita ter total controle sobre
seus atos e seu dizer, mas não percebe
que esse controle total é ilusório,
inatingível, já que esse sujeito é
barrado, ou seja, interditado, enquanto
ser social. Portanto, todos nós, sujeitos
inseridos na ordem social, temos um
desejo
de
completude
e,
consequentemente, a ilusão de controle
total controle sobre o que fazemos,
dizemos e escrevemos; contudo, esse
controle é apenas em nível consciente.
A psicanálise nos mostra que não existe
controle total, já que o registro do
inconsciente é constitutivo do ser
humano. Prova disso é o lapso, tão
comum na linguagem escrita e falada.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Resumidamente, as representações que os alunos constroem de si
são de homens fortes, maduros e
seguros, que amam e se orgulham de
sua Pátria e que orgulhosamente se
sacrificam muito na defesa desta e na
busca constante de ser o militar ideal.
Para a Língua Inglesa (LI), observamos
basicamente duas representações: a de
uma língua dos sonhos, enquanto
representante de países economicamente bem sucedidos. Nesse
sentido, a Língua Inglesa é representada pelos alunos como um espaço
de conforto (como se fosse a sua língua
materna) e de libertação, no qual
podem se expressar, até em relação a
sentimentos íntimos. Ao mesmo tempo,
a LI é também representada como uma
língua universal, que irá lhes servir
como ferramenta para cumprirem
missões no exterior, uma língua cujo
saber pode lhes conferir poder em
termos internacionais, através da
comunicação. A Pátria Brasileira é
representada pelo aluno como tendo
alto valor, como a terra “do pai”, como
indica a etimologia da palavra. Alguns
alunos têm até receio de serem
considerados como não-patriotas pelo
fato de gostarem da Língua Inglesa.
Muitos expressam sentimentos de
sofrimento pelo afastamento da família,
amigos e namoradas, exigido pela vida
em internato militar. As reflexões sobre
as decisões tomadas, inclusive em
relação à carreira, também são comuns
nos textos. Alguns chegam a utilizar,
em inglês, um estilo de linguagem com
características poéticas para expressar
seu amor pela Pátria e por pessoas
queridas, bem como sua dor da
separação daquilo e daqueles que
amam.
Os efeitos de se comunicar em uma
língua estrangeira na constituição
identitária de alunos militares
Foucault (2003) descreve alguns
tipos de escrita de si como modos de o
sujeito se constituir na e pela escrita.
O autor faz um estudo de tipos de
autonarração desde a antiguidade,
mencionando os hypomnemata
(cadernos de notas, comentários,
anotações e rascunhos, muito usados
entre os gregos, na Antiguidade – uma
forma de exame de si) e as cartas, que
permitiam a abertura de si ao outro,
cada um com maior ou menor controle
de si através da escrita. O mesmo autor
(1982, p. 323, 324) menciona, entre
outros modos de controle dos sujeitos,
as tecnologias de si, como mecanismos
que todos temos de nos relacionarmos
com o mundo, sempre controlados pelo
outro em diferentes níveis de
intensidade. Seriam técnicas que
permitem aos indivíduos efetuar, com
seus próprios meios ou com a ajuda de
outros, um certo número de operações
em seus corpos, almas, pensamentos,
conduta e modo de ser, de modo a
transformá-los com o objetivo de
alcançar um certo estado de felicidade,
pureza, sabedoria, perfeição ou
imortalidade. Esses mecanismos são
inevitáveis e necessários à vida do
sujeito em sociedade. De maneira
semelhante, a psicanálise freudolacaniana vê esse mecanismo como
necessário para a inscrição do sujeito
no mundo, considerando que somos
todos constituídos na e pela linguagem
1
Tivemos autorização do comando para a realização da pesquisa. A participação dos alunos foi voluntária e o uso do material por eles
produzido foi formalmente autorizado pelos mesmos, mediante garantia da pesquisadora de que suas identidades seriam preservadas. Assim,
todos os nomes que aparecem nas transcriçõe são fictícios.
EsPCEx, onde tudo começa
37
EsPCEx
(verbal ou não), através da qual inquietação por não poder encontrar seu
simbolizamos as coisas ao representá- próprio lugar na língua materna, além
las.
de um desejo de ser livre para escolher
Derrida (1988) postulou a noção uma ordem na qual se exprimir.
da “otobiografia”: seria um deslize do
conceito de autobiografia, um
refinamento da escuta de si, um ato de
(trans)formar-se, na escuta e
valorização
de
suas
próprias
experiências, enquanto o sujeito
escreve ou fala. Ao escrever ou ao dizer
algo, mesmo ao repetir narrativas que
já enunciamos antes, ou que outros
anunciaram, algo se modifica e os
sentidos se atualizam, nunca chegando
à totalidade, mas sempre abrindo a
enunciação a novos sentidos. É o que
ocorre com o sujeito ao contar de si e
do outro, num movimento de memória
e esquecimento, ao refazer suas
narrações e ressignificar experiências
vividas. A cada movimento de contar(se), uma nova interpretação é feita,
enquanto o sujeito empreende uma
tentativa inconsciente de se fazer
inteiro e (se) fixar uma identidade. No
universo militar, coerentemente, os
sujeitos empreendem esse processo na
produção de uma identidade militar
para si, como é o caso da pesquisa que
aqui resumimos.
Considerações finais
A análise do corpus da pesquisa
atestou que, embora em condições de
rígido controle disciplinar, as produções
escritas e orais dos participantes
trazem marcas discursivas de sua
subjetividade, vindo à tona na língua
inglesa, através das representações
que mencionamos acima. Observam-se,
enfim, nos participantes de nossa
pesquisa, indícios de um desejo
(inconsciente) de controle de si e do
outro e do reconhecimento pelo outro,
através da posição de Oficial do
Exército, em deslizes que trazem à tona
rastros do inconsciente, apontando
para sentidos que não são capturados
se vislumbrados num olhar superficial.
Pode-se afirmar que esse dizer(-se) na
Língua Inglesa é a própria inscrição do
sujeito nessa língua estrangeira. O
aluno se inscreve nessa língua ao nela
narrar(-se), dela apropriando-se como
se sua fosse, buscando construir para
si uma identidade como falante dela. A
Língua Inglesa, para esses alunos
falantes nativos da Língua Portuguesa,
é uma outra discursividade, diferente
da de seu dia a dia. Faz-se uma nova e
diferente escritura de si quando se narra
em uma outra língua-cultura, o que
provoca no sujeito deslocamentos
subjetivos em relação a si e até em
relação à sua própria língua materna.
Quando essa escritura (escrita ou
oral) de si se dá em uma língua
estrangeira, especificamente, ela traz
ao sujeito a possibilidade de escutarse e reescrever-se numa outra ordem
(diferente da ordem predominante de
sua língua materna) - uma língua na
qual se exprimir, e onde também podem
ocorrer ressignificações outras e
Consideramos fundamental, no
mesmo, consequentemente, mudanças
importantes. Segundo Prasse (1997, p. trabalho do professor de LI, desde suas
71, 72), um dos fatores de atração do crenças didático-pedagógicas até a
sujeito por uma língua estrangeira é a escolha dos meios e das estratégias a
38
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
serem trabalhados em cada aula,
conhecer
esses
meandros
da
constituição subjetiva de seus alunos.
Em seu planejamento e no constante
redirecionamento de seu trabalho, uma
abordagem que considere esses
aspectos irá certamente favorecer uma
aprendizagem mais efetiva da LI como
língua-cultura, bem como a própria
formação dos alunos como sujeitos de
si. Ao considerar esses aspectos em
seu fazer didático-pedagógico, o
professor pode conhecer melhor o
aluno, o que favorece um laço afetivo
entre ambos e, consequentemente,
uma relação de confiança do aluno para
com o professor. Faz-se importante, no
trabalho do professor, valorizar a escuta
em suas aulas. E três tipos de escuta
são necessários no processo de ensinoaprendizagem: primeiramente, a
escuta do professor ao aluno; não uma
escuta fisiológica apenas, mas uma
escuta discursiva, ou seja, com atenção
do professor a demandas pedagógicas
a partir das necessidades do aluno. Em
segundo lugar, a escuta do aluno a si
mesmo, o que permitirá que este faça
constantes autoexames e (re)avalie
suas atitudes. Assim, pode ocorrer, com
maior tranquilidade, o terceiro tipo de
escuta: a escuta do aluno ao professor,
o que irá permitir que ele acolha noções
que lhe sejam importantes, não apenas
para memorizar conceitos e ser
aprovado no final do ano, mas para
poder utilizá-los e aplicá-los em ações
(procedimentos) de maneira valiosa
para sua profissão e para sua vida.
A sistemática do ensino por
competências, implantada no Exército
Brasileiro nos últimos anos, é, em si,
um passo importante no sentido de
respeitar a singularidade do aluno, já
que estimula o desenvolvimento de
diferentes habilidades que acabam
sendo presentes de maneiras diferentes
entre um aluno e outro. E nós,
professores de alunos militares, temos
o desafio de colocar tudo isso em
prática, apesar do princípio da
uniformidade, que é necessariamente
constitutivo do Exército Brasileiro,
assim como o é em todo exército. É
preciso buscarmos um equilíbrio entre
respeitar a singularidade e atuar sob
um princípio de homogeneidade, duas
coisas que, em princípio, são opostas.
A prática dessa sistemática de ensino
fica difícil de ser viabilizada se não
escutarmos os alunos e não aceitarmos
as inúmeras diferenças que há entre
eles como sujeitos. Cada atividade
trabalhada, cada decisão tomada pelo
professor, deve ser feita com respeito
ao que este sabe de seus alunos, como
um grupo de sujeitos com algumas
coisas em comum, mas que são
inevitavelmente diferentes entre si, com
origens e histórias de vida diferentes e
que
às
vezes
respondem
diferentemente aos vários desafios da
vida militar. Ao fazermos isso e
tomarmos
decisões
didáticopedagógicas
que
levem
em
consideração tanto as semelhanças
quanto as diferenças entre os alunos,
temos maiores chances de ter alunos
mais envolvidos, mais implicados em
sua própria aprendizagem.
Poderíamos citar muitos outros
fatores que estão altamente implicados
no sucesso da aprendizagem de nossos
alunos: fatores que envolvem toda a
estrutura material e humana de uma
escola e que devem possibilitar o
EsPCEx, onde tudo começa
39
EsPCEx
sucesso do processo de aprendizagem Bibliografia
como um todo; contudo, limitamo-nos, AUTHIER-REVUZ, Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Tradução de
C. M. e Geraldi, J. W., in Caderno de estudos linguísticos, (19):
neste texto, a focar questões referentes Cruz,
25-42, jul-dez., 1990 / IEL, Unicamp. Campinas, SP: Editora da
à nossa pesquisa de mestrado. Unicamp.
M. J. A Celebração do Outro – Arquivo, memória e
Acreditamos, enfim, que devemos ter CORACINI,
Identidade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.
sempre em mente que o aluno militar, CORACINI, M. J. F., Entre a memória e o esquecimento: fragmentos
uma história de vida. In Coracini, M. J. e Ghiraldelo, C. M. Nas
mesmo cumprindo exemplarmente de
malhas do discurso: memória, imaginário e subjetividade (pp. 23-74).
ordens e regras e parecendo estar Campinas, SP: Pontes, 2011.
J. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971.
sempre tranquilo e seguro, às vezes, DERRIDA,
DERRIDA, J. The ear of the other. New York: Schocken Books,
pode não estar tão tranquilo nem tão 1988.
M. (1981). As Palavras e as Coisas. Trad. de Salma T.
seguro e que essa intranquilidade ou FOUCAULT,
Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
insegurança irá certamente interferir FOUCAULT, M. (2003), A escrita de si, in Foucault, O que é um
(pp. 129-160). Lisboa, Portugal: Passagens.
negativamente em seu aprendizado e autor?
FOUCAULT, M. (1982), Tecnologias de si. In Revista Verve, no 6,
na sua constituição subjetiva. É por isso 2004 (pp. 321-360), disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/
Acesso em 23/06/2014.
que se faz necessário procurar fazer a verve/article/viewFile/5017/3559.
LACAN, J. [1971-1972]. O Seminário, Livro 19: ...ou pior. Trad. de
já mencionada escuta além da Vera Ribeiro.
de Janeiro: Zahar, 2012.
superficialidade “controlada” das Rio
MAIA, M. C. G., O lapso de escrita como refúgio do sujeito, in
palavras do aluno, pois aquilo que é Mariani B. (Org.), A escrita e os escritos: reflexões em análise do
e psicanálise (pp. 31-44). São Carlos, SP: Claraluz, 2006.
“inter-dito” (ou seja, dito inter (Lacan, discurso
MILNER, Jean-Claude, O amor da língua – Campinas, SP: Editora da
2012 [1971-1972], p. 29) e até Unicamp, 2012.
T., O escrito da escrita, in Mariani, B. (Org.), A Escrita e os
silenciado pelo aluno, na busca de NAZAR,
Escritos: Reflexões em Análise do Discurso e Psicanálise (pp.159aparentar ser sempre o militar ideal, 174). São Carlos, SP: Claraluz, 2006.
J., O Desejo das Línguas Estrangeiras, tradução de Dulce
fica inevitavelmente latente, fazendo PRASSE,
Duque Estrada, in Revista Internacional, “A Clínica Lacaniana” –
parte de sua constituição identitária Ano 1, No 1 (pp. 63-73). Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud,
como pessoa e como militar. Assim, 1997.
REIS, V. S., Representações e deslocamentos no diário de
acreditamos que propiciar espaço para aprendizagem de língua estrangeira: uma escrita de si para o outro,
Coracini e Eckert-Hoff (org.), Escritura de Si e Alteridade no
o dizer de si e do outro, na expressão in
Espaço Papel-Tela (pp. 137-163). Campinas, SP: Mercado de Letras,
escrita e oral do aluno, nesse contexto, 2010.
INFANTE, Singularidade discursiva na enunciação em
faz-se extremamente importante para SERRANIsegundas línguas, in Caderno de Estudos Linguísticos (38): 109-120,
o bom desenvolvimento das suas Jan./Jun. 2000. Disponível em: http://www.iel.unicamp.br/revista/
. Acesso em 07/04/2013.
habilidades e para o seu bem-estar na index.php/cel/article/view/2684
UYENO, E. Y., A escrita e os processos de subjetivação e a escrita e
língua-cultura estrangeira – Inglês.
os processos de identificações, in Anais da 1ª JIED, 2008. Disponível
***
emhttp://site.unitau.br//scripts/prppg/la/4sepla/artigos/
Elzira%20Yoko%20UYENO.pdf, acesso em 11/07/2013.
(*) A Professora civil Márcia Barros Barroso é licenciada em Letras – Português/Inglês e
possui pós-graduação Lato Sensu em Arte e Técnica da Tradução pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas; é mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP).
Possui os certificados de proficiência em língua inglesa pela Michigan ECPE e Cambridge
FCE. Atualmente é doutoranda em Linguística Aplicada na UNICAMP e exerce a função de
professora de Inglês na EsPCEx.
40
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Análise das Forças de Impacto
do Tênis e do Coturno Durante a
Corrida
Vagner Xavier Cirolini (*)
Instrutor da Seção de Treinamento Físico
Militar da EsPCEx
Introdução
Correr é uma forma de locomoção
que permite aos seres humanos
deslocarem-se de um lugar para outro
mais rapidamente do que o fariam se
preferissem caminhar. Além de ser uma
atividade popular, é também a base
para o desempenho em vários
esportes¹.
A consciência crescente de
exercícios aeróbicos para manter um
estilo de vida saudável aumentou a
popularidade das corridas nos últimos
anos² . Os benefícios dessa atividade
são inúmeros, destacando-se a saúde
cardiovascular e mental, além da
redução do stress, diversão e lazer³.
No Exército Brasileiro, a atividade
de corrida é um dos métodos de
treinamento cardiopulmonar previsto
para os militares durante todo o ano
de instrução e consta nos programas
anuais de Treinamento Físico Militar
(TFM), sendo orientada pelo Manual de
TFM4.
O programa anual de TFM tem por
objetivo a manutenção dos padrões de
desempenho físico dos militares e
fornece uma orientação básica para o
número de sessões de corrida a ser
realizado
durante
a
semana,
dependendo do tipo de Organização
Militar (OM) e do número de sessões
de TFM por semana4. Para a prática de
corrida, o Regulamento de Uniformes
do Exército5 prescreve o uso do tênis e,
eventualmente, o uso do coturno.
Na corrida, o indivíduo é submetido
à Força de Reação do Solo (FSR). Tal
força é proporcionada pela superfície
na
qual
a
pessoa
está
se
movimentando. O corredor empurra o
solo com força e o solo responde em
igual força na direção oposta6.
A progressão durante a corrida é
possível em virtude da produção de
força muscular, que é aplicada contra o
solo. Essa força é gerada nos músculos
ao redor e através das articulações e é
transmitida ao solo para sustentar o
corpo durante a fase de apoio, além de
fornecer a força necessária para a
propulsão do próximo passo¹.
Segundo Durward, et al.¹, através
de técnicas biomecânicas sofisticadas,
calcula-se as forças que atuam nos
músculos e sobre as articulações. O
componente de força vertical em um
padrão de contato de calcanhar
apresenta dois picos principais: O
Primeiro Pico de Força (PPF), que
corresponde ao contato inicial após a
aterrissagem; e o Segundo Pico de Força
EsPCEx, onde tudo começa
41
EsPCEx
(SPF), produzido por uma combinação
O objetivo desse estudo foi avaliar
da carga do corpo sobre o solo e pela os parâmetros das componentes vertical
propulsão para a próxima passada, é da força de reação do solo (FRS) durante
denominado pico ativo ou de propulsão. a corrida com tênis e coturno fornecidos
Williams 7 relata que as fraturas pela cadeia de suprimentos do Exército
por estresse resultam de carga Brasileiro no ano de 2012.
repetitiva do osso em níveis maiores
que podem ser sustentados. Os
estresses nos ossos durante a corrida
podem ser provocados pelas forças de
reação do solo aplicadas aos pés, pelas
forças musculares internas causadas por
contração muscular e pelos efeitos do
estresse gerados pela composição
específica e pela orientação dos ossos
e das articulações na extremidade
inferior.
Materiais e Métodos
Amostra
Este estudo foi composto
inicialmente de uma amostra de 30
indíviduos do sexo masculino
incorporados ao Exército Brasileiro em
março de 2012, com pelo menos quatro
meses de realização de Treinamento
Físico Militar e já adaptados à utilização
Diferentemente da caminhada, a do coturno.
corrida possui maiores forças de impacto
Devido a problemas na coleta de
na fase de apoio; com maiores
apenas
17
indivíduos
estresses musculoesqueléticos nos dados,
apresentaram
todas
as
variáveis
membros inferiores2. Williams7 relata
que a análise das forças de reação do analisadas no estudo. Desta forma, a
solo fornece um maior entendimento amostra final apresentou idade média
de fatores que afetam esses estresses. de 19 ± 0,5 anos e 5 meses de tempo
De acordo com Hreljac, a prevalência de serviço militar.
de lesões em corredores é alarmante,
Indíviduos com lesão traumática
entre 27% a 70% dos corredores na articulação do joelho ou patela,
competitivos e recreacionais são cirurgia prévia, lesão ligamentar ou
lesionados no período de um ano.
meniscal, deformidade severa no joelho
No meio militar, segundo Popovich, como joelho valgo ou varo foram
et al.9, a repetição de atividades físicas excluídos da amostra. Os indivíduos
intensas envolvidas durante os assinaram o termo de consentimento
treinamentos, estreitamente asso- livre e esclarecido, aprovado pelo
ciadas com o rigor da corrida, pode comitê de ética do Hospital da Força
do
Galeão
(CAAE:
desenvolver lesões nos membros Aérea
inferiores. House et al.10 afirmam que 03525712.8.0000.5250).
os coturnos em geral têm limitadas Procedimentos experimentais
propriedades de absorção de choques
Os testes foram realizados em dois
e que palmilhas utilizadas em
dias consecutivos. No primeiro, foi
atividades de corridas absorveriam, em
realizada uma entrevista e explicados
parte, esses choques.
os procedimentos de postura para coleta
42
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
de dados demográficos e antropométricos.
No segundo dia, a fim de medir as
variáveis relacionadas à FSR, foram
utilizadas duas plataformas de força
Bertec FP4060-10-2000 (Bertec, EUA)
(Figura 1), que se encontravam no
centro de um corredor de 12 metros de
comprimento formado por plataformas
de madeira. Todos os sinais estavam a
uma frequência de 200 Hz por 10s.
avaliação dinâmica de corrida descalço,
com tênis e coturno, de forma aleatória.
Cada tentativa válida foi representada
pelo movimento da corrida em que o
sujeito realizou o movimento com um
pé em cada plataforma de força. Dados
dinâmicos de FRS foram normalizados
pelo peso corporal, sendo utilizada a
média de três tentativas para análise.
Foram avaliadas as variáveis: Primeiro
Pico de Força (PPF), Segundo Pico de
Força (SPF) e Taxa de Aceitação do Peso
(TAP).
Figura 1 - Localização das Plataformas de Força
Para a realização do teste, os
sujeitos realizaram cinco tentativas de
corrida antes de iniciar o experimento
para adaptação ao teste. A velocidade
foi controlada usando como referência
o passo acelerado, conforme o Manual
de Ordem Unida do Exército Brasileiro.
Os sujeitos foram avaliados com tênis,
com o coturno e descalços, em uma
ordem randômica.
Antes do teste propriamente dito
com cada calçado, o indivíduo ficou em
uma posição estática em cima da
plataforma por 6 segundos, para
calibragem de sinal.
Após o teste estático, a amostra
teve três tentativas válidas para cada
2xBW
1xBW
Vertical GRF
Primeiro Pico
de Força
Segundo Pico
de Força
Taxa de Aceitação
de Peso
0
150
300
Tempo (ms)
Figura 2 - Variáveis da Força de Reação do Solo
Análise estatística
As variáveis foram analisadas,
inicialmente, através da estatística
descritiva e, através do teste de
Kolmogorov-Smirnov, foi verificado o
ajuste da distribuição normal.
A comparação de cada variável nas
condições descalço, tênis e com coturno
foi avaliada através do teste de de
Fredman, já que as variáveis não
apresentaram distribuição normal. O
nível de significância considerado foi
de α = 0,05. Rotinas no software Matlab
EsPCEx, onde tudo começa
43
EsPCEx
(Matworks, EUA) foram desenvolvidas
para o processamento e análise dos
sinais, bem como para realização dos
testes estatísticos.
Diferenças evidenciadas no posthoc entre as condições descalço, de
tênis e de coturno.
PC = peso corporal
Resultados
2,4
A comparação das variáveis
primeiro e segundo pico de força não
evidenciou diferença significativa entre
as condições de coturno, tênis e
descalço (Tabela 1, Figura 3 e 4).
2,2
2
Primeiro Pico
O teste de Kolmogorov-Smirnov
rejeitou a hipótese nula de que as
variáveis
apresentassem
uma
distribuição normal. Desta forma, o
teste não paramétrico de Friedman foi
utilizado para fazer as comparações
entre as condições das variáveis de FRS
durante a corrida descalço, tênis e com
coturno.
1,8
1,6
1,4
1,2
1
1
2
3
Figura 3 - Primeiro Pico de Força (PPF),
descalço, tênis e coturno, respectivamente
2,8
2,6
Tabela 1
Valores médios e respectivos
desvios-padrão para as variáveis
analisadas quando descalço, de tênis
e de coturno.
Segundo Pico
2,4
2,2
2,0
1,4
1,8
1,6
1
Variáveis
Descalço Tênis Coturno p-valor
1º PicoMédia
1,53
1,54
1,56
(% PC) DP
0,42
0,35
0,38
2º Pico Média
2,42
2,39
2,43
(% PC) DP
0,25
0,29
0,25
Taxa Média
76,21
47,13
53,68
(% PC/s) DP
25,67
18,28
17,10
44
0,9429
0,3902
<0,0001
2
3
Figura 4 - Segundo Pico de Força (SPF),
descalço, tênis e coturno, respectivamente
A variável taxa de aceitação do
peso foi estatisticamente menor nas
condições de tênis e coturno
comparadas à condição descalço
(Tabela 1, Figura 5). Embora sem
diferença significativa, observa-se uma
tendência a maior taxa de aceitação
do peso com coturno, comparado ao
tênis.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
de densidade óssea, micro e macro
trocas estruturais e dano estrutural.
140
Taxa de Ceitação do peso
120
100
80
60
40
20
1
2
3
FIGURA 5 - Taxa de Aceitação de Peso (TAP),
descalço, tênis e coturno, respectivamente.
Discussão
Já a variável TAP apresentou
menores valores nas condições de tênis
e coturno. Essa variável se refere à
velocidade com que o primeiro pico de
força é atingido e está associada com
a capacidade que o calçado apresenta
em absorver carga do peso corporal. As
características do material do solado
do calçado determinam a taxa de
carregamento da força vertical,
atividade muscular e vibração do
sistema músculo esquelético14.
A força de reação do solo é o
O sistema de amortecimento está
resultado da aceleração de todos os
compreendido
entre o pé e o solo, pode
segmentos do corpo humano durante o
minimizar vibrações provindas do
contato com o solo11.
impacto e melhorar a distribuição da
No presente estudo, não foi pressão em toda a superfície plantar15.
observada diferença do primeiro e Porém, a utilização do calçado durante
segundo picos de força durante a corrida a corrida serve para atenuar essas
nas condições de tênis, coturno e forças.
descalço (Tabela 1). Tais resultados
A fratura por stress representa uma
parecem estar relacionados com a falta
lesão
frequente em corredores e ocorre
de absorção de carga no aparelho
músculo-esquelético nos dois calçados na presença de alto pico de aceleração
16
em estudo, ou seja, tanto o tênis como tibial e TAP durante a atividade física17.
o coturno não conseguiram reduzir as Assim como Zylberbeg, Raupp e Mello ,
forças de impacto durante a corrida. afiemam que o coturno conseguiu
Hreljac et al.12 afirmam que, embora a minimizar essa taxa de impacto,
corrida tenha vários benefícios sobre a comparado à situação descalço.
saúde, os corredores estão sujeitos à
Alguns autores concluem que a
lesão por esforço repetitivo nos Taxa de Aceitação do Peso (TAP) é
membros inferiores, sendo o joelho um incrementada com a dureza do solado,
dos locais de maior incidência dessas mas não há mudanças com o tipo de
lesões 13 , e durante atividades de amortecimento18. Assim, a corrida com
corrida, o corpo humano está exposto coturno e tênis fornecidos pela cadeia
a repetitivos impactos. Esses impactos de suprimento conseguiu atenuar o
podem causar lesões ou até mesmo dor impacto com o solo, comparada à
no sistema músculo-esquelético. O corrida descalço.
efeito do impacto no osso pode ser
Lieberman19 descreve que tanto o
instantâneo ou a longo prazo. O
padrão da corrida como o calçado são
processo durante o impacto pode gerar
importantes para um bom desempenho
vibrações, microfraturas, fraturas, troca
físico durante o movimento. O autor
EsPCEx, onde tudo começa
45
EsPCEx
ainda cita que o corpo humano foi
adaptado para a corrida em um estilo
descalço, onde as características
cinemáticas geram menores picos de
impacto, usando maior propriocepção
e alongando mais os pés.
Como o homem atual não mais é
adaptado a correr descalço e sim com
calçados, Williams 7 sugere que um
material mais macio seja utilizado na
lateral do calcanhar desses calçados,
a fim de ajudar a absorção do choque.
Este estudo é preliminar, para se
chegar a conclusões definitivas sobre
a qualidade do tênis e coturno
utilizados pelos militares. Para se ter
um padrão de tênis e coturno, outras
variáveis devem ser estudadas, tais
como modelo e tipo de solado;
densidade, material empregado e
modelo da entressola; formato e
espessura da palmilha, bem como
devem ser feitos estudos comparativos
com outros tênis utilizados para a
atividade de corrida.
Referências Bibliográficas
1. Durward B. R, Baer G. D, Rowe P. J. Movimento Funcional Humano:
mensuração e análise. 1ª edição. São Paulo: Manole; 2001.
2. Dugan SA, Bhat KP. Biomechanics and analysis of running gait.
Physical medicine and rehabilitation clinics of north America.
2005;16:603-21.
3. Lohman E. B, Sackiriyas K, Suren R. A comparison of the spatio
temporal parameters, kinematics, and biomechanics between shod,
unshod, and minimally supported running as compared to walking.
Physical Therapy in Sport 2011; 12: 151-163.
4. Ministério da Defesa. C 20-20 – Treinamento Físico Militar. 3ª
edição. Brasília; 2002.
5. Ministério da Defesa. R 124 – Regulamento de Uniformes do
Exército. Brasília; 1998.
6. Hamill J, Knutzen K. M. Bases Biomecânicas do Movimento
Humano. 2ª edição. Barurri: Manole; 2008.
7. Willians KR. A Dinâmica da Corrida In. Zatsiorsky V. Biomecânica
no Esporte, Performance do Desempenho e Prevenção de Lesão. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.
Conclusão
Os resultados mostraram diferença
apenas na TAP descalço, quando
comparados com tênis e coturno.
As variáveis do Primeiro e Segundo
Pico de Força não mostraram diferenças
com o padrão descalço. Esses
resultados sugerem que tanto o coturno
como o tênis reduzem a velocidade com
que o pé atinge o solo, mas não
diminuem o impacto do primeiro pico
de força, o que pode acarretar lesões
nos militares que praticam a corrida com
tais calçados. Novos estudos, com
aumento da amostra e comparando os
diferentes tipos de coturno, assim como
46
os diversos tipos tênis de corrida
comercial, são necessários para
maiores informações a respeito do
padrão de movimento de corrida com
tênis e coturno fornecidos pela cadeia
de suprimentos do Exército.Os
resultados mostraram diferença apenas
na TAP descalço, quando comparados
com o tênis e coturno.
8. Hreljac A. Etiology, Prevention and Early Intervention of Overuse
Injuries in Runners: a Biomechanical Perspective. Physical medicine
and rehabilitation clinics of north America 2005; 651-67.
9. Popovich R. M, Gardner J. W, Potter R, Knapik J. J, Jones B. H.
Effect of Rest from Running on Overuse Injuries in Army Basic Training.
Army Basic Training. American Journal of Preventive Medicine 2000;
18: 147-155.
10. House C, Waterworth C, Alsopp A, Dixon S. The influence of
simulated wear upon the ability of insoles to reduce peak pressures
during running when wearing military boots. Gait and Posture 2002;
16: 297-303.
11. Nigg, B. M. (2010), Biomechanics of Sport Shoes, University of
Calgary.
12. Hreljac A, Marshall RN, Hume P. Evaluation of lower extremity
overuse injury potential in runners. Med Sci Sports Exercise. 2000;
1635-41.
13. Grau S., Maiwald C, Krauss I, Axmann D, Janssen P, Horstmann T
.What are causes and treatment strategies for patellar-tendinopathy
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
in female runners? J Biomech. 2008; 41: 2042-46.
14. Boyer, K. A., Nigg, B. M. (2004), Muscle activity in the leg is
tuned in response to impact force characteristics. Journal
Biomechanics. v. 37, p.1583-8.
15. Shorten, M. R. (1993), The Energetics of Running and Running
Shoes. Journal Biomechanics. v. 26, p. 41-51.
16. Davis, I., Milner, C., Hamill, J. (2004), Does increased loading
during running lead to tibial stress fractures? A prospective study.
Medicine and Science in Sports and Exercise. v.35 (supplement).
17. M. P. Zylberberg, F. M. P. Raupp e R. G. T. Mello. Transmissão de
Impacto de Calçados Militares Durante a Caminhada Por Meio de
Acelerometria. XXIII Congresso Brasileiro em Engenharia Biomédica
– XXIII CBEB 2012 Out; p.113-117.
18. R. Palhano, G. Balbinot, A. P. D Varga, M. A. Zaro, A. Faquin e T.
R. Strohaecker. Análise do impacto em calçados durante a marcha.
XXIII Congresso Brasileiro em Engenharia Biomédica – XXIII CBEB
2012 Out; p.254-258.
19. Lieberman D. E. What we can learn about running from barefoot
running: An Evolutionary Medical Perspective. Exercise Sport Science
2012; 40: 63-72.
(*) O Capitão da Arma de Cavalaria, Vagner Xavier Cirolini foi aluno da EsPCEx, formando-se em
2003. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em 2007. Realizou os seguintes
cursos civis e militares: Estágio Básico de Combatente de Montanha (2004); Instrutor de Educação
Física - EsEFEx (2012); Curso Básico de Paraquedista (2014); Especialista em Bioquímica,
Fisiologia, Treinamento e Nutrição Esportiva - UNICAMP (2014); Certificação Internacional em
Cineatropometria (ISAK) em Nível I (2014). Atualmente é Instrutor de Educação Física da EsPCEx.
EsPCEx, onde tudo começa
47
EsPCEx
A Influência da Expressão Oral do
Líder no Comportamento do
Subordinado
Mario Henrique Madureira (*)
Comandante da 1ª Companhia de Alunos
1.Introdução
De acordo com alguns estudiosos,
dentre eles podemos destacar
Aristóteles e Ranelleti, a origem da
sociedade está associada a um fato
natural, determinado pela necessidade
que o homem tem da cooperação de
seus semelhantes para a consecução
dos fins de sua existência (DALLARI,
2010, p.11).
diferentes particularidades, em todos
eles existe a necessidade da existência
da figura de um líder, ou seja, um
membro capaz de influenciar os demais
integrantes, levando-os a alcançarem
um objetivo comum.
Os líderes são homens que
conquistam o respeito, a confiança e
até mesmo a amizade dos subordinados
para que as missões recebidas sejam
cumpridas da melhor maneira,
realizando esforços com prejuízo da
saúde e inclusive da vida (MILITARY
REVIEW, 1996, p. 29).
Essa necessidade não é apenas de
ordem material, uma vez que, mesmo
provido de todos os bens materiais
suficientes à sua sobrevivência, o ser
humano continua a necessitar do
convívio com os semelhantes, o que
Esses líderes têm a capacidade de
favoreceu a criação de determinadas
orientar, dirigir e modificar atitudes dos
organizações, tais como a família, a
membros de um grupo seja na paz ou
igreja, o Exército e o Estado (DALLARI,
na guerra. Estas pessoas se destacam
2010, p. 11).
por
possuírem
características
As primeiras organizações sociais psicológicas, emocionais, educacionais,
primitivas já possuíam a necessidade culturais, sociais, dentre outras, que
da existência de um líder, bem como é unidas permitem a condução e êxito do
importante ressaltar que esta objetivo de determinado grupo
premência não é privilégio apenas dos (MILITARY REVIEW, 1996, p. 29).
seres humanos. Certos animais, quando
organizados em grupos, necessitam da 2. Desesnvolvimento
figura do líder, sendo este fator
A comunicação é o processo pela
fundamental, muitas vezes para sua qual as informações, as ideias, os
sobrevivência (MOTA, 2009, p. 10).
pensamentos, os sentimentos e as
Embora
48
cada
grupo
possua
emoções são transmitidos e recebidos
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
entre as pessoas, permitindo que ocorra
a interação social (NETO, 1998, p.15).
Os
diversos
objetivos
da
comunicação, tais como: educar,
convencer, informar, fazer, agir, instruir,
expressar sentimentos e outros irão
favorecer ou modificar o conteúdo ou
estilo dessa comunicação (NETO, 1998,
p.15).
Com isso, observa-se que ela é
responsável por proporcionar a relação
entre os seres humanos, para
alcançarem o bem comum de
determinado grupo.
Nesse sentido, na comunicação
entre seres adultos, não são
importantes apenas as palavras,
referentes àquilo que se deseja
comunicar, mas sim, a entonação, a
emoção, a sinceridade e a decisão que
o líder deseja transmitir em seu
discurso. Cabe salientar que a liderança
também se faz por meio das ações,
que são exemplos visíveis daquilo que
se deseja comunicar. Portanto, o líder
quando age será, sem dúvida, imitado
por seus liderados (NETO, 1998, p.16).
Portanto, observamos que o líder
não irá obter adesão às suas ideias
pela força bruta, mas sim, pelo
emprego inteligente da persuasão e da
autoridade, com ideias claras e
oportunas e, antes de tudo, pelo
exemplo (NETO, 1998, p.38).
Deve-se evitar o uso de palavras
de baixo calão, para não vulgarizar a
ideia a ser transmitida, assim como não
deve ser utilizado um vocabulário
rebuscado, que dificulte o entendimento da mensagem.
Durante uma conversa com os
subordinados, é imperioso que busque,
ainda, aplicar o princípio de manter
todos seus homens bem informados,
tendo sempre uma palavra positiva para
lhes dizer. Todas as oportunidades
devem ser aproveitadas para se dirigir
à tropa, ressaltando ensinamentos,
com as suas respectivas cargas
motivacionais, como forma de incentivo
e coesão do grupo.
Ressalta- se, também, que o líder,
além de ter condições de transmitir
estes ensinamentos a seus homens,
deve ser possuidor de extremo
conhecimento profissional. Para isso,
deve ser levado em consideração o
público alvo: oficiais subalternos,
sargentos, cabos, soldados; ou seja,
para cada público existe uma maneira
mais adequada de se transmitir um
determinado conhecimento. A partir do
momento que a melhor forma de
transmissão de conhecimento for
escolhida e compreendida por parte dos
liderados, significa que foi estabelecida
a comunicação efetiva entre eles.
Sendo assim, o líder, em qualquer
nível, deve ser acessível aos seus
liderados, conversando com estes e
permitindo que o enxerguem como uma
pessoa normal. Precisa estar em
condições de participar dos mesmos
ambientes que os subordinados e
manter uma “política de portas abertas”,
cultivando o hábito de falar com o seu
pessoal, buscando conhecer suas
características e as situações que estão
enfrentando, colocando em prática o
princípio de conhecer e cuidar do bemestar de seus subordinados.
O conhecimento e a confiança
mútua entre o líder e os liderados irão
proporcionar o desenvolvimento e a
manutenção da lealdade e da coesão
EsPCEx, onde tudo começa
49
EsPCEx
do grupo. A lealdade reforça a confiança
e constitui a condição fundamental para
os líderes disporem de subordinados
motivados. A primeira começa no
“vértice” - e não na base - e desenvolvese nos dois sentidos. A coesão que
deriva da lealdade surge como fator
decisivo nas situações de extrema
tensão (VIEIRA, 2002, p. 46).
Dentro desse contexto, a liderança
assume um papel fundamental para o
sucesso das atividades militares, tendo
em vista que será através dela que os
recursos humanos serão levados ao
cumprimento do dever. Então, de nada
adianta um Exército rico e desenvolvido,
com grande poderio bélico, se não
contar com pessoas que tenham a
de
influenciar
o
Com isso, podemos observar que capacidade
o exemplo, aliado aos fatores comportamento de seus subordinados,
intervenientes do processo da conduzindo-os ao objetivo comum.
liderança, destacando principalmente a
Nesse momento, surge a figura do
comunicação, irão possibilitar o líder, personificado pelos comandantes
desenvolvimento
da
liderança, que agregam em si uma série de
permitindo que os militares em função características, sem as quais não seria
de comando possam alcançá-la em possível desempenhar a função de
tempos de paz e se beneficiarem dela comandante. Coragem, lealdade, bom
durante a guerra.
preparo físico e intelectual, aliando-se
a essas virtudes a escolha oportuna e
3. Conclusão
adequada de uma das formas de
Apesar da evolução científica e liderança, constituem o conjunto de
tecnológica ter proporcionado o características desejáveis ao líder
surgimento de armamentos cada vez militar.
mais letais, com o emprego de sistemas
Além destas, o líder militar deve
de armas e comunicação automatizados, a maior riqueza de qualquer Força proporcionar ótimos exemplos de
Armada no mundo continua sendo o seu disciplina, respeito à hierarquia e
obediência às ordens recebidas; deve
recurso humano.
agir com justiça e buscar sempre utilizar
A difícil missão de comandar de forma correta a sua expressão oral,
soldados em combate torna-se, por sua de modo que possa estabelecer uma
relevância, algo tão sublime, que comunicação eficaz e influente com os
certamente exige daqueles que a seus subordinados.
experimentam
particularidades
Diante disso, pode- se observar
singulares que os diferenciam dos
homens comuns. Levar homens livres que, para o desenvolvimento do vínculo
a arriscar as suas vidas em uma batalha líder/ liderado e o seu conseqüente êxito
não é algo que se consegue apenas no cumprimento de uma missão, além
com a hierarquia. É preciso convencê- dos aspectos anteriormente citados, a
los e, mais do que isso, motivá-los para comunicação se apresenta como um
que compreendam que o seu esforço fator de extrema importância para o
terá sentido e suas vidas não estão sucesso desse processo.
sendo arriscadas em vão.
50
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
O líder exerce o seu comando e
difunde as suas decisões para a ação
através da expressão oral. Sem a
possibilidade de transmitir claramente
ordens e instruções aos subalternos, o
líder perderá o comando e não
conseguirá atingir seus objetivos
(VIEIRA, 2002, p. 59).
A clareza da comunicação irá fazer
com que os subordinados executem
melhor a missão, pois sabem por que
a estão executando. A informação irá
estimular a sua iniciativa, aperfeiçoar
o trabalho em equipe e melhorar o
moral.
Os fatos históricos comprovaram
que grandes líderes militares em
combate, como o Capitão-de-Mar e
Guerra Barroso da Silva, Duque de
Caxias, Aspirante Mega, Júlio César,
General Douglas MacArthur, Almirante
Horatio Nelson, Marechal Colin
Campbell, e o Marechal Fernando Foch,
além de possuírem exemplos de
condutas ao longo de suas vidas,
fizeram uso adequado da expressão
oral sempre que necessário, como
forma de motivar e influenciar os seus
subordinados na conquista do objetivo
comum.
Portanto, com este trabalho
conclui-se que, além dos atributos que
devem ser inerentes ao líder, a
comunicação, sendo um fator
interveniente do processo da liderança,
proporciona motivação e influencia no
comportamento dos subordinados,
tanto em situações de paz como em
combate, de ordem que essa relação é
a responsável por fazer os comandados
arriscarem a própria vida, a fim de
cumprirem o objetivo traçado por seu
líder.
Bibliografia
ABALLO, Rodrigo Villar. Os fatores da liderança militar em tempos
de paz. 2010. 45f. Trabalho de Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento
em Operações Militares)—Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais,
Rio de Janeiro, 2010.
BLIKSTEIN, Izidoro. Técnicas de Comunicação Escrita. São Paulo:
Ática, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
_____. Ministério do Exército. Estado-Maior do Exército. Caderno
de Instrução 20-10/1: Liderança – Comandante, Chefe e Líder. 1. ed.
Brasília, 1986.
_____. Ministério do Exército. Estado-Maior do Exército. IP 20-10:
Liderança Militar. 1. ed. Brasília: EGGCF, 1991.
CASTRO, Paulo Cesar de. A preparação de líderes militares no Exército
Brasileiro. Military Review. Fort Leavenworth, v.89, p. 73-79, NovDez. 2009.
CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando pessoas: O passo decisivo
para a administração participativa. 2.ed. São Paulo: Makron Books,
1994.
COSTA. Ana Carla Wanderley. A Importância do Desenvolvimento
da Liderança Militar na Formação e Carreira do Oficial Médico do
Exército Brasileiro. 2009. 48f. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Escola de Saúde de Exército como requisito parcial para
aprovação no Curso de Formação de Oficiais do Serviço de Saúde,
especialização em Aplicações Complementares às Ciências Militares,
Rio de Janeiro, 2009.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.
29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, 3.ª ed., Curitiba: Positivo, 2004.
HESSELBEIN, Frances; GOLDSMITH, Marshall. O líder do futuro. 3.
Ed. São Paulo: Futura, 1997.
KOUZES, James; POSNER, Barry Z. O desafio da liderança. 3ª Ed:
Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2003.
LANNING, Michael Lee. Chefes, Líderes e Pensadores Militares. Rio
de janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 1999.
MORAIS, Welisson Bezerra de. A Importância da Liderança para o
Capitão Aperfeiçoado. 2008.25f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Aperfeiçoamento em Operações Militares)—Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2008.
MOTA, Rogério Soares da. A atuação do capitão aperfeiçoado na
liderança organizacional: o relacionamento do Comandante de
Subunidade com o seu efetivo profissional. 2009. 37 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Aperfeiçoamento em Operações Militares)—
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2009.
NETO, Mario Hecksher. Precisamos de Líderes. 1.ed. Resende, RJ:
Editora Acadêmica, 1998.
EsPCEx, onde tudo começa
51
EsPCEx
NETO, Mario Hecksher; GUIMARÃES, Aristides; GOMES, Cláudio
Roberto. Liderança: Estruturação da liderança militar. Military
Review.Fort Leavenworth, v. 76, p. 29-42, 3º trim. 1996.
OLIVEIRA, Murilo Alvarenga. Relação de trabalho e clima
organizacional. Rio de Janeiro: UFRRJ / CEP – EB, 2005.
SCHIRMER, Pedro. Das virtudes militares. Rio de Janeiro: Bibliex,
2007.
SEARA, Fábio Heitor Lacerda. A influência do clima organizacional
no rendimento das atividades de uma subunidade de Cavalaria do
Exército Brasileiro. 2008. 54f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Aperfeiçoamento em Operações Militares)—Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro, 2008.
VIEIRA, Belchior. Liderança Militar. Compilação, traduções,
adaptação e sistematização do Gen. Belchior Vieira. [S. 1.] : Academia
Militar; Estado-maior de Exército, 2002.
(*) O Capitão da Arma de Artilharia, Mario Henrique Madureira foi aluno da EsPCEx,
formando-se em 1999. Graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN em
2003. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO (nível mestrado) em 2013.
Realizou os seguintes cursos militares: Operações na Selva Categoria “B” (2005), Estágio
Avançado do Combate na Caatinga Categoria “A” (2008). Atualmente é Comandante da 1ª
Companhia de Alunos da EsPCEx.
52
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Adoção do Exame Toxicológico
no Concurso de Admissão da
EsPCEx
Carlos Magno Capranico Corrêa (*)
Chefe da Seção de Saúde da EsPCEx
Como consequência direta da lei
nº 12.705, de 08 de Agosto de 2012,
que dispõe sobre os requisitos para
ingresso nos cursos de formação de
militares de carreira do Exército
Brasileiro, e do PARECER Nr 013/2013
–
Assessoria
Jurídica
2,
do
Departamento de Educação e Cultura
do Exército, de 22 de maio de 2013,
estabeleceu-se a inclusão de exame
toxicológico como parte da inspeção de
saúde para ingresso na Escola
Preparatória de Cadetes do Exército, a
partir do concurso de 2014.
No presente trabalho, foi realizado
um estudo sobre os exames existentes,
quais as possibilidades, vantagens,
custos, especificidade, validade e
viabilidade, optando-se pelo exame de
amostras de cabelo, pelo, queratina por
radioimunoensaio, conhecido também
por exame de larga janela de detecção.
Contextualização da Missão
A missão da Escola Preparatória
de Cadetes do Exército é selecionar e
preparar o futuro cadete da Academia
Militar das Agulhas Negras, iniciando a
formação
superior
do
Oficial
Combatente do Exército Brasileiro. O
militar é o profissional do Estado que
concentra, em suas mãos, o poder legal
para o emprego das armas e cuja
função específica é a defesa do próprio
Estado mediante a administração da
violência.
Tal seleção, preparação e formação
é que darão consistência ao exercício
pleno das competências profissionais
específicas, acarretando confiabilidade
ao desempenho do profissional e
garantindo harmonia e efetividade em
sua interação frente ao trinômio: meio
ambiente, recursos humanos e
conjuntura da missão a ser cumprida.
É, portanto, de fundamental
importância, selecionar, preparar e
formar candidatos com integridade de
caráter, capacidade moral, com valores
e atitudes solidamente internalizados,
que serão o verdadeiro alicerce do líder
militar.
Conceituação de Drogas de
Interesse
Basicamente, drogas psicoativas
ou psicotrópicas são substâncias
químicas que agem principalmente no
sistema nervoso central, alterando a
função cerebral e, temporariamente,
mudam a percepção, o humor, o
comportamento e a consciência. Na sua
maioria, tais alterações são fonte de
prazer e seu uso recorrente pode levar
à dependência.
EsPCEx, onde tudo começa
53
EsPCEx
As drogas podem ser lícitas, muitas
delas indicadas para tratamento médico
ou têm seu uso aceito socialmente,
como o álcool e o fumo e, mesmo as
drogas lícitas, podem ser usadas
ilicitamente. Outras são ilícitas, por não
terem indicação médica, serem
extremamente danosas à saúde ou
servirem a outros propósitos.
Os tipos de drogas mais
frequentemente usados podem, pelo
seu efeito, ser enquadrados em:
Exames Toxicológicos
O exame toxicológico tem por
meta detectar a ingestão ou exposição
às substâncias tóxicas, drogas de abuso
e/ou outras, tanto de uso lícito como
ilícito.
Inúmeras são as tecnologias
existentes e há que se considerar as
limitações
de
cada
técnica.
Resumidamente, existem dois tipos de
testes laboratoriais: os que utilizam
como elementos de análise fluídos
corporais (urina, suor, saliva e sangue)
e os que utilizam amostras de queratina
(cabelo ou pelos).
• Estimulantes ou eufóricos, que
aumentam o nível de percepção,
reduzem a fadiga. Tem-se como
Os que investigam fluídos corporais
exemplo a cocaína e seus derivados, possuem uma janela de detecção
cafeína, metanfetamina etc.
(período dentro do qual o teste
consegue detectar a presença de droga
no corpo) muito pequena, de 2 a 3 dias
• Alucinógenas (psicodélicos,
dependendo da droga, com exceção da
dissociativas e delirantes), que induzem
maconha, que pode chegar a 20 dias.
a distorções percepcionais e cognitivas.
Tais testes não permitem avaliar a
Tem-se como exemplo a maconha,
quantidade de droga consumida e são
haxixe, LSD, ecstasy, DMT, alguns tipos
mais indicados para a detecção de uso
de cogumelos, entre outras.
recente, como após um acidente ou no
acompanhamento de tratamento de
• Depressivas, que reduzem a dependência.
atividade cerebral, dificultando o
entendimento e processamento de
informações no cérebro. Tem-se como
exemplo o álcool, morfina, heroína,
barbitúricos, inalantes, ópio e seus
derivados, entre outras.
Os exames com amostra de
queratina têm janela de detecção de
20 a 30 vezes mais longa, podendo
chegar a seis meses, e maior precisão,
sendo, por isso, muito indicados para
processo
admissional.
Em
compensação, sua eficiência para
exames instantâneos é nula, visto que
A ética relativa ao uso dessas a impregnação de metabólitos no
drogas é assunto de contínuo debate, interior da haste capilar demora algum
tanto pela alteração de consciência tempo.
causada pelos seus efeitos, como seu
No Gráfico e nas Tabelas a seguir,
potencial para abuso e dependência.
são comparados os vários exames
existentes.
54
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Tabela 1: Utilidade Comparativa da Urina, Saliva, Suor e Cabelo e Matrizes Biológicas para Decção de Drogas. Fonte: Observatório Brasileiro de Informações
sobre Drogas apud Lowinson e col., 1997
Tabela 2: Extensão do tempo de detecção de diversas drogas por meio do
exame de Urina. Fonte: OBID - Observatório Brasileiro de Informações Sobre
Drogas apud Kaplan e col., 1997. *Ansiolítico: droga com efeito tranquilizante.
**Opióide: droga sintética, semelhante às substâncias derivadas do ópio
(opiáceos). ***Metabólito: substância derivada da metabolização da droga.
EsPCEx, onde tudo começa
55
EsPCEx
56
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Técnicas Utilizadas
Em busca por alternativas
melhores para os exames de urina
utilizados até então, nos programas de
controle de uso de drogas e de
prevenção de acidentes, a Marinha
Americana – USNAVY – desenvolveu,
nos anos 1980, as bases da tecnologia
utilizada até hoje, para os exames
toxicológicos com amostras de cabelo/
pelo.
Tal processo vem sendo aprimorado
e fundamentado em diversas
publicações científicas de renome e é
considerado o estado-da-arte em
exames toxicológicos, denominado
RIAH-Radioimmunoassay of hair ou
radioimunoensaio de cabelo.
De forma bem simples, qualquer
droga, ao ser consumida, é
metabolizada pelo organismo e seus
subprodutos, os metabólitos, são
conduzidos pela circulação e alojados
nas estruturas dos cabelos ou pelos
que estão sendo formados, conferindo
marcadores passíveis de serem
identificados de modo seguro pela
técnica.
A amostra de cabelo/pelo é
coletada e submetida a descontaminação externa com sucessivas lavagens,
passa por liquefação enzimática e são
extraídas todas as drogas/metabólitos
aprisionadas na matriz capilar, que são
submetidas
à
análise
por
espectrometria de massa associada à
cromatografia gasosa ou líquida,
dependendo da substância a ser
analisada.
Com isso, obtêm-se análise
toxicológica de queratina com 100% de
especificidade, permitindo avaliação
qualitativa e quantitativa de cada droga
consumida, com nível estatístico de
consumo em várias categorias ou
padrões, classificando o perfil de
consumo do usuário, além de impedir
os resultados falso-positivos.
Protocolos são desenvolvidos e
aprimorados periodicamente, seguindo
as recomendações de associações de
toxicologia e entidades de pesquisa
espalhadas pelo mundo. Tais ações
permitem constante atualização dos
diversos tipos de drogas “lançadas no
mercado”, detectando em torno de 14
tipos diferentes de drogas, bem como
seus derivados.
Considerações Finais
A exigência de formação de
comandantes em todos os níveis, que
irão liderar grupos militares em combate
assimétrico, de alta intensidade, contra
um inimigo difuso, junto à incerteza dos
cenários dos conflitos modernos, nos
impõe um grande desafio.
O sucesso nas ações a serem
realizadas pelos futuros oficiais apoiase na capacidade de adequação a um
leque cada vez mais amplo de missões,
como conflitos internacionais; crises
internas, como Operações de Garantia
da Lei e da Ordem (GLO); emprego em
catástrofes naturais (envolvendo
aspectos humanitários que exigem
atuação combinada de agências, em
qualquer ambiente, operacional ou
não), dentre outras.
Desta feita, além dos preceitos
regulamentares, como gozar de boa
saúde física e psíquica, reveste-se de
suma importância a coerência de
EsPCEx, onde tudo começa
57
EsPCEx
raciocínio necessária a tão diverso Bibliografia
emprego, em face do notório Baumgartner, W.A; Hill, V.A, and Blahd, W.H. “Hair Analysis for
conhecimento existente sobre as Drugs of Abuse”. J Forensic Science, 1989.
“Estratégia Nacional de Defesa”. Ministério da Defesa,
influências que determinadas drogas BRASIL.
2009.
têm no organismo. Ademais, tais BRASIL. “Sistema de Educação Superior Militar no Exército:
e Execução”. (EB60 – IR-57.002). Departamento de
atividades exigem pleno equilíbrio físico Organização
Educação e Cultura do Exército, junho de 2012.
e emocional, discernimento, rapidez de Broecker, S.; Pragst, F et al. “Combined Use of Liquid
Quadrupole Time-of-flight Mass Spectometry
movimentos
e
de
raciocínio, Cromatography-hybrid
and High Performance Liquid Cromatography with Photodiode Array
determinação, prudência, firmeza, Detector in Sistematic Toxicological Analysis”. Forensic Science
2011.
calma, atenção, perspicácia, sensatez, International,
Harrison, L.D. “The Validity of Self-reported Drug Use in Survey
coragem, zelo e perfeição quanto às Research; An Overniew and Critique of Research Methods”. NIDA
Monography, 1997.
funções dos cinco sentidos, sendo Research
Massoni, T.O. “Drogas, Álcool e Exames Toxicológicos no Ambiente
incompatível o uso de substâncias de Trabalho”. UNIFESP, 2013.
T. “Drug Testing Technology: Assessment of Field
entorpecentes, sejam elas drogas Mieczkowski,
Applications”. - 1999.
depressivas,
estimulantes
ou Parecer Nr 013/2013 – Asse Jur. 2/Departamento de Educação e
Cultura do Exército – 22/Mai/2013.
alucinógenas.
Parecer Nr 0025/2004/RAMSB – DGP/DPF – Diretoria de Gestão de
Há que se considerar que, neste
contexto em que existe a supremacia
do interesse público sobre o privado, a
realização de exame toxicológico está
em perfeita consonância com os
princípios da finalidade e da
razoabilidade, inclusive no que
concerne aos custos.
Pessoal/Departamento de Polícia Federal – 16/Mar/2004.
Pragst, F; Balikova, M.A. “State of the Art in Hair Analysis for Detection
of Drug and Alcohol Abuse”. Clinica Chimica Acta, 2006.
Revista Pedagógica, EsPCEx, 2010.
Revista Pedagógica, EsPCEx, 2011.
www.obid.senad.gov.br
www.psychemedics.com.br
Neste cenário, o exame de larga
janela de detecção – RIAH – realizado
por laboratórios certificados, de notória
confiança, adotado por mais de 400
forças militares e policiais ao redor do
mundo, bem como por empresas e
órgãos civis preocupados com
atividades de risco como aviação,
navegação, transporte, entre outros,
revela-se como o que melhor atende
às expectativas da Força Terrestre.
***
(*) OTenente Coronel Dentista Carlos Magno Capranico Corrêa, do Serviço de Saúde, é
graduado em Odontologia pela UNICAMP, especialista em Radiologia pela PUC - RJ,
aperfeiçoado em Prótese sobre Implantes pela Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas,
mestrado em Periodontia pelo Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic,
pós-graduado em Biomateriais pela Faculdade de Engenharia Mecânica - UNICAMP. É
credenciado nos Idiomas Inglês e Espanhol pelo Centro de Estudos de Pessoal e é professor
do curso de graduação em Odontologia e Especializaçâo em Implantodontia do CPO SLMandic. Atualmente é Chefe da Formação Sanitária Escolar da EsPCEx.
e-mail: [email protected]
58
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
A Danação do Objeto: o museu
no ensino de História
Isla Andrade Pereira de Matos (*)
Professora de História
Nos últimos anos, a atuação
governamental no que se refere ao
desenvolvimento de ações educativas
eficazes na área do patrimônio tem sido
notória, como pode ser observado com
a realização de eventos, tais como o
1º Encontro de Educadores do Instituto
Brasileiro de Museus (Museu Imperial
de Petrópolis, Rio de Janeiro, 2010),
cujo objetivo foi traçar diretrizes e
estratégias para a elaboração de uma
política de educação para os museus
do Instituto Brasileiro de Museus
(Ibram), além de promover a
integração, o intercâmbio de
experiências e a reflexão acerca de
temas considerados prioritários
(BRASIL, 2010).1
museu no ensino de História, de
Francisco Régis Lopes Ramos (2004),
demonstra a atualidade da discussão
que propõe em consonância com os
acontecimentos contemporâneos.
Apesar de terem se passado quase dez
anos desde sua publicação e não haver
uma resenha tal qual esta se apresenta,
a relação que faz entre pesquisa
histórica, ensino de história e
museologia encontra guarida entre as
políticas públicas recentemente
desenvolvidas. E uma das contribuições
interessantes realizadas por Ramos
(2004) é o seu posicionamento teórico,
que faz a partir de uma proposta
pedagógica específica, a pedagogia de
Paulo Freire.
Durante a realização desse
encontro, houve o estabelecimento das
bases para a construção de uma Política
Nacional de Educação Museal (PNEM),
cuja metodologia consistiu na abertura
de um fórum virtual de discussão
(novembro/2012 a março/2013) e os
debates auxiliaram, e ainda estão
auxiliando, a constituição de “diretrizes
para as ações de educadores e
profissionais dos museus na área
educacional”, no sentido de “fortalecer
o campo profissional e garantir
condições mínimas para a realização
das práticas educacionais nos museus
e processos museais”.2
Assim, a presente resenha busca
trazer para o leitor informações
pertinentes ao conteúdo de A danação
do objeto: o museu no ensino de
História, situando-o entre as demais
publicações que se debruçam sobre o
tema museologia e destacando sua
importância na temática do papel
pedagógico do museu e os seus usos
no ensino de história.
O livro A danação do objeto: o
Francisco Régis Lopes Ramos é
professor do Departamento de História
da Universidade Federal do Ceará desde
1994. Possui graduação em História,
mestrado em Sociologia e doutorado
em História. Entre os anos 2000 e 2007,
foi diretor do Museu do Ceará,
EsPCEx, onde tudo começa
59
EsPCEx
experiência relatada ao longo de A
danação do objeto: o museu no ensino
de História por meio da produção de
exposições, demonstrando o caminho
percorrido e os métodos utilizados para
a composição das narrativas, bem como
das peças selecionadas. Sua análise das
exposições desenvolvidas durante sua
permanência na diretoria do referido
museu, além de relacionar museu e
ensino de história, exemplifica seu
conhecimento sobre os significados que
o objeto recebe quando exposto no
museu e as possibilidades de leitura
do discurso museológico. Pela
concepção e organização da política
editorial do Museu do Ceará durante
sua gestão, Ramos (2004) recebeu o
Prêmio Rodrigo de Mello Franco, do
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN).
para desenvolver o seu trabalho dentro
do museu.
Baseado no pensamento freiriano,
o autor sugere a realização da
pedagogia do diálogo, ou seja, a
“prática cotidiana de pensar e atuar
criticamente sobre a situação em que
se constitui o estar no mundo e com o
mundo” (RAMOS, 2004, p. 24). Essa
pedagogia
está
enraizada
na
situacionalidade do ser no mundo: a
ação de educar amplia o homem na
medida em que se considera o ser um
estar, porque “os homens são porque
estão em situação” (FREIRE, 1987 apud
RAMOS, 2004, p. 24).3
Junto à pedagogia do diálogo,
Ramos (2004) utiliza a pedagogia da
pergunta para desenvolver sua reflexão
sobre a metodologia de apreciação de
exposições
museológicas.
Sua
utilização está diretamente ligada ao
campo da percepção diante dos objetos,
ensinando a refletir a partir da cultura
material, dos objetos.
O livro está dividido em dez
capítulos, a saber: Diálogos com Paulo
Freire; A história nos objetos; O objeto
gerador; O lugar do museu; Sujeito e
objeto; O jogo das vitrines; História,
Tomando emprestado de Paulo
memória e a terceira margem; Objetos
biográficos e biografados; Ex-posição: Freire a ideia das palavras geradoras,
objeto locado, deslocado e colocado; forma pela qual o educador alfabetizou
adultos, Ramos (2004) expõe o método
e Poética material.
do objeto gerador, cujo objetivo é levar
As análises realizadas no decorrer o indivíduo a perceber a vida dos e nos
do texto sobre a utilização do museu, objetos: “(...) o ato de aprender a ler e
as diversas ressignificações impressas escrever deve começar a partir de uma
ao objeto quando este assume uma compreensão muito abrangente do ato
posição destacada em uma vitrine e o de ler o mundo, coisa que os seres
papel pedagógico da instituição museal humanos fazem antes de ler a palavra”
já seriam suficientes para enquadrar o (FREIRE, 1990 apud RAMOS, 2004, p.
autor aos demais pensadores 31).
relevantes da museologia no Brasil. E
Concordando com Paulo Freire ao
Ramos (2004) vai um pouco mais além,
pois não se restringe apenas a estas afirmar que “a alfabetização não é
considerações. Antes, adota um decorar letras, sílabas e palavras, e sim
posicionamento – a pedagogia de Paulo uma forma de dizer o mundo, no mundo
Freire – por meio do qual retira lições e com o mundo” (RAMOS, 2004), o autor
60
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
enfatiza a necessidade de se enxergar
o mundo nos objetos, e por isso
estabelece uma didática, ßo objeto
gerador, que objetiva motivar reflexões
sobre a relação entre sujeito e objeto,
compreendendo o objeto como
expressão de traços culturais e do
próprio cotidiano, além de propor
exercícios que explicitam a relevância
do objeto para aquele que o selecionou
como objeto gerador. Esses exercícios
consistem na criação de narrativas
pelos participantes, gerando um
envolvimento coletivo na busca de uma
história para cada objeto.
Outra atividade proposta por
Ramos (2004), como exemplo da
metodologia do objeto gerador, é
prevista para ocorrer na sala de aula.
Pode ser solicitado aos alunos que
levem de casa um objeto para ser
compartilhado com o grupo ou mesmo
trabalhar com objetos que se carregam
nos bolsos, em bolsas ou no próprio
corpo. O intuito é criar condições para
dialogarem com o mundo das coisas,
os objetos, partindo do cotidiano dos
próprios alunos.
Assim, o autor inspira-se em Paulo
Freire e constrói seu argumento sobre
o museu enquanto instituição
educativa, esclarecendo sua posição
acerca da educação no museu, que deve
ser profunda e crítica sobre o mundo
em que vivemos, devendo levar o
visitante à reflexão.
Diante da narrativa presente no
espaço museal, Ramos (2004)
conceitua o museu como o lugar onde
se expõem objetos por meio de
processos
comunicativos
que
necessariamente estão presentes na
seleção das peças, e que devem
constar no acervo e na ordenação das
exposições. Esta ação é orientada por
uma determinada postura teórica, cujos
modelos podem ser tanto de
doutrinação quanto de estímulo à
reflexão. “Em outros termos: não há
museu inocente” (RAMOS, 2004, p. 14).
A preocupação com a função
educativa do museu – que não estava
prevista nos gabinetes de curiosidade,
apenas na constituição dos museus
modernos, quando então as exposições
passaram a ter um caráter público –
permeia toda a obra de Ramos (2004)
ao afirmar que “o museu peca por
omissão, anula-se como lugar de
produção de conhecimento” (RAMOS,
2004, p. 13) quando se desobriga da
promoção de atividades educativas
(que envolvem pesquisa de acervo,
montagem de exposição e atividade
com escolas) com alunos e professores
– que compõem o maior público de
visitantes. Para ele, a visita ao museu
implica necessariamente atividades
educativas
acompanhadas
de
questionamentos com fundamentação
teórica para aguçar a percepção para
os objetos expostos.
Assim, não basta visitar a
exposição, mas sim inseri-la como parte
de um programa educativo mais amplo,
que inclui visitas monitoradas e a
relação do museu com a sala de aula e
outros espaços de produção de
conhecimento, como as universidades.
Uma questão importante sobre o
caráter da educação em museus
defendida por Ramos (2004) é a
necessidade de o museu exercer uma
pedagogia voltada para o mundo
contemporâneo com o desejo de
transformá-lo, que não se faz de forma
EsPCEx, onde tudo começa
61
EsPCEx
solitária, mas a partir do envolvimento
do museu com outras instituições. Por
isso a referência a escolas e
universidades que levam os alunos para
visitarem o museu, sugerindo a adoção
de parcerias enquanto estratégias para
uma
melhor
apreensão
do
conhecimento lá produzido. O autor,
então, propõe uma reflexão por meio
da qual se propicia uma educação mais
profunda e crítica sobre o mundo.
Para que o museu assuma o seu
papel educativo, suas exposições
devem formar um argumento crítico e
desenvolver programas para a
interação entre o visitante e o museu.
Por isso, a tendência pedagógica
defendida por Ramos (2004) é a
participação dos visitantes na
construção de saberes, que trazem
contribuições para a visita a partir de
um conhecimento prévio relacionado ao
assunto exposto em questão. Neste
exercício, importa o procedimento de
contrapor o museu-templo e o museufórum, desnaturalizando o museu e
concebendo-o como resultado da
cultura. O museu não é em si um espaço
onde se expressa a realidade tal como
ela é, refletindo-a como um espelho,
mas um ambiente que oferece uma
interpretação possível a partir de seu
interlocutor. Trata-se de um acervo
documental, uma interpretação possível
para
um
determinado
fato,
comprometendo-se com a exposição de
documentos históricos.
Esclarecida
essa
dimensão
complexa na qual o museu é criado e
uma vez que o tipo de saber lá
desenvolvido não ocorre em outros
lugares, Ramos (2004) aponta para a
necessidade
de
atividades
preparatórias que deem conta de prover
62
o necessário à leitura do museu pelo
visitante. Para isso, a visita ao museu
deve começar na sala de aula, quando
se iniciará a apreensão da linguagem
museológica.
Outro ponto importante destacado
pelo autor no museu é o exercício da
problemática histórica, ou seja, a
possibilidade de negar perguntas
tradicionais que solicitam dados ou
informações sobre datas, fatos ou
certas personalidades. Questões como
“(...) quando foi proclamada a
República? Quem proclamou a
República?” (RAMOS, 2004, p. 25) fazem
a história parecer um fato pronto e
acabado. Por outro lado, a históriaproblema enxerga o passado como
reflexão do presente e produz o
conhecimento de forma crítica e não
como um ato mecânico. Por isso,
qualquer exposição é sempre uma
leitura possível e não um conhecimento
acabado “para o qual meramente se
solicita a adesão do visitante” (RAMOS,
2004, p. 30). Não há dados, mas sim
formas de instigar a reflexão, e a
educação museal cumpre exatamente
este objetivo, o de capacitar o público
para a leitura dos objetos.
No museu, o objeto perde o seu
valor de uso. Ele não existe enquanto
transmissor de conteúdos, mas
configura-se como um instrumento para
a reflexão:
Ao tornar-se peça do museu, cada
objeto entra em uma reconfiguração de
sentidos. Para conduzir tal processo, a
museologia
histórica
tem
o
compromisso ético de explicitar seus
próprios parâmetros e, por conseguinte,
seus desdobramentos educativos, em
contraponto com outras experiências
(RAMOS, 2004, p. 29).
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
O objeto é tratado como
documento histórico, testemunha de
traços culturais que são interpretados
na lógica da exposição do museu ou na
sala de aula, relacionando-o com a
historicidade do tempo e com o seu
sentido fora do cotidiano.
Construir conhecimento por meio
dos objetos implica em conhecer a
dinâmica própria na qual a análise está
alicerçada, o que significa esclarecer
as opções e concepções que
fundamentaram
a
exposição,
responsável também pela seleção dos
objetos. Isso confere à exposição
museológica o caráter de documento
histórico, que é uma representação da
realidade, e não a realidade em si.
Portanto, necessita de análise crítica.
Ramos (2004) enfatiza a
necessidade de atuação do museu na
capacitação do público para a leitura
dos
objetos,
manifestando-se
favoravelmente à utilização de
monitores na instrumentalização dos
visitantes para decifrar os códigos
propostos. Considera indispensável a
presença desses profissionais, cuja
prática estaria focada no ato de fazer
perguntas para despertar, no visitante,
reflexões em um diálogo criativo sobre
o que está sendo visto. A advertência,
entretanto, está em o monitor não se
transformar em informador, fornecendo
dados ou explicações ao público: “o
monitor não deve expor a exposição e
sim provocar, nos visitantes, a vontade
de ver objetos” (RAMOS, 2004, p. 27).
Esta metodologia envolve a pedagogia
da pergunta, que consiste em produzir
conhecimento a partir de questões
formuladas aos objetos, o que exige
qualificação do monitor na pesquisa
destes mesmos objetos:
[…] quando entramos nos museus,
entramos no tribunal, onde várias falas
se
apresentam,
várias
vozes
silenciosas, fortíssimas e eloquentes
se apresentam, há réplicas e tréplicas,
há a possibilidade o tempo todo de uma
altercação, e tem-se, de alguma
maneira, que tomar posição. […] para
que ele (o público) seja levado a tentar
tomar posição e ganhar essa autonomia
de quem toma posição, que é o grande
papel educativo que as instituições
culturais podem ter, a própria instituição
tem que assumir esse papel
pedagógico, nesse sentido nãototalitário, não-autoritário, nãomonológico, e tem que abrir o espaço
para a dialogia, em todos os recursos
possíveis (...) (PESSANHA, 1996 apud
RAMOS, 2004, p. 29 e 30).
Além de se apresentar no museu,
essa didática deve estar presente
também na escola, permitindo o
envolvimento de alunos e professores
com o tema já na sala de aula,
preparando a percepção dos alunos para
olhar o objeto no museu.
Ainda dentro das questões
relacionadas à área da museologia,
Ramos (2004) destaca a relação entre
sujeito e objeto, pois na mesma medida
em que o objeto é descoberto pelo
sujeito, o sujeito é transformado pelo
objeto: “Falar sobre objetos é falar
necessariamente acerca de nossa
própria historicidade” (RAMOS, 2004, p.
62).
Uma outra análise interessante
feita pelo autor é a relação entre o
tempo dos objetos e a sociedade de
consumo. A vitrine significa exclusão,
pois permite o acesso apenas do olhar,
e coloca o homem na condição de
EsPCEx, onde tudo começa
63
EsPCEx
consumidor de imagens, porque o vidro
concentra em si tanto a característica
da proximidade quanto a da distância.
Isso configura também um processo de
sacralização do objeto, que retoma o
conceito do museu-templo em
contraposição ao museu-fórum e obriga
o visitante a tomar uma posição diante
dos fundamentos museológicos
apresentados.
não pela sua glorificação, mas pela
possibilidade de pesquisá-la enquanto
campo de estudo da história.
No decorrer da leitura do livro
existem análises feitas pelo autor de
seu próprio trabalho enquanto diretor
do Museu do Ceará e curador das
exposições realizadas nesse museu,
além do relato da organização de
eventos, tais como as semanas em
Essa discussão leva ao tema do homenagem a Paulo Freire.
gerenciamento da cultura: o museu
Em
sua
obra
são
ainda
transforma o povo em público contemplados
os
eventos
em
consumidor de uma cultura “de homenagem a Paulo Freire, intitulados
qualidade”, mercantilizando essa Semana Paulo Freire, que teve início
cultura, ou assume o seu caráter no ano de 2001 com sua primeira
educativo de não se render às vitrines edição, cujo tema foi A leitura do mundo
do comércio e levar à reflexão sobre a através dos objetos, quando se discutiu
sociedade do consumo? Dialogar com possibilidades e desafios “(...) para a
o passado é interpretá-lo como fonte construção da educação crítica no
de conhecimento.
funcionamento de um museu histórico”
Em se tratando de um estudo sobre
as possibilidades de análise presentes
no museu, o debate entre história e
memória não poderia ficar de fora de A
danação do objeto: o museu no ensino
de História. Dentre os esforços
educativos do museu, está o sair da
memória para entrar na história, bem
como o caminho inverso, para não correr
o risco de o museu perder sua
vitalidade, mas sim trabalhar com a
potência da memória, alimentando a
própria história.
Ramos (2004) afirma que a
exposição deve tocar o visitante por
meio da dimensão da memória e da
afetividade, suscitando aquilo que afeta
o indivíduo. O museu não apenas
explica algo com os seus arranjos
comunicativos, mas também influencia
o visitante de forma afetiva. Assim, o
autor compreende a memória como
objeto de reflexão da história, optando
64
(RAMOS, 2004, p. 86).
Em meio ao relato de sua atuação
profissional, Ramos (2004) traz ao
conhecimento do leitor diversas outras
ações que não apenas o seu
envolvimento na produção de
exposições,
mas
também
na
administração do Museu do Ceará, tais
como: o desenvolvimento de uma
política editorial, o estabelecimento
das bases da ação educativa e o
funcionamento do Núcleo Educativo do
Museu, esse último objeto de estudo
do Laboratório de Museologia do Museu
do Ceará (LAMU), que discute também
a atuação pedagógica desse mesmo
museu.
Uma das últimas análises que
aparece no livro de Ramos (2004) é sua
crítica à reprodução cenográfica. Para
ele, a estratégia de colocar um objeto
em um “(...) cenário onde ele
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
supostamente se encontrava antes de
ir para o museu é um grande equívoco”
(RAMOS, 2004, p. 130), porque esse
processo se ausenta de teoria e
reflexão crítica na tentativa de
reconstruir a história contemplando o
passado. Sua concepção teórica de
história
compreende
que
o
conhecimento histórico se faz no
presente e que o objetivo da
reprodução cenográfica é resgatar o
passado tal como aconteceu, seguindo
a tendência das teorias do século XIX.
De acordo com essa postura, o passado
é mostrado como se estivesse dado e
não como uma construção do presente.
Além disso, existe ainda a
interpretação da cultura enquanto
mercadoria, que produz estereótipos
por meio de um suposto resgate da
memória. Essa forma de visualizar a
exposição, de acordo com o autor, não
possui substância interpretativa, uma
vez que o papel do museu é estimular
a reflexão sobre as relações entre
presente e passado por meio da
exposição de objetos e estudar a cultura
material com método específico,
cumprindo sua função educativa.
Assim, por todas as discussões
apresentadas, que permitem a análise
do papel educativo do museu, bem
como o desenvolvimento de todo um
projeto museológico e museográfico, A
danação do objeto: o museu no ensino
de História, de Francisco Régis Lopes
Ramos (2004), é uma obra de grande
valor e que deve estar presente entre
os estudiosos que buscam relacionar
educação em museus, memória e ensino
de história.
***
Bibliografia
1
BRASIL. Instituto Brasileiro de Museus. Carta de Petrópolis. Brasília,
DF, 2010.
2
INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Disponível em: <http://
pnem.museus.gov.br/>. Acesso em: 10 mar. 2013.
3
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no
ensino de História. Chapecó: Argos, 2004.
(*) A 2º Tenente Isla Andrade Pereira de Matos possui graduação em História (Bacharelado
e Licenciatura - 2011) e mestrado em Educação (2013) pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas. Integra o quadro docente da Escola Preparatória de Cadetes do Exército
(EsPCEx) na Seção de História. Tem participado de eventos acadêmicos nos campos da
história, da educação e do patrimônio, atuando nos seguintes temas: história, museu,
patrimônio e questão étnico-racial.
Endereço eletrônico: [email protected].
EsPCEx, onde tudo começa
65
EsPCEx
Os Valores Trabalhados pelas
Instituições Militares
HichemTannouri (*)
Aluno da 1ª Companhia da EsPCEx
Os valores são inerentes à vida
humana e à carreira militar. Mas o que
são valores afinal? O dicionário Aurélio
de língua portuguesa define a palavra
valor como um sinônimo de
merecimento, talento, reputação,
coragem e valentia. Porém para muitas
pessoas, principalmente para um
militar, o sentido dessa palavra
transcende qualquer definição que
possa vir escrita no dicionário. Valores
são características que diferem cada
ser humano. Essas características
fazem com que o militar anseie pelo
cumprimento do dever, com uma
vontade inabalável e com a humildade
de não esperar nada em troca.
A carreira militar gira em torno de
situações peculiares, em que se
destacam
duas
características
essenciais a esse estilo de vida:
abnegação e sacrifício. Valores que, na
sociedade atual, tendem a ser
esquecidos pelas pessoas que, a cada
dia, têm mais afazeres e menos
preocupações com a humanidade, mas
que ainda são constantes na vida
militar. Abrir mão do tempo livre,
perder noites em nome de algo maior
ou, até mesmo, deixar passar
momentos importantes com a família
são situações que ocorrem com
frequência e, muitas vezes, são
inevitáveis para um servidor da Pátria.
66
Outro valor constante no cotidiano
de um soldado, seja praça ou oficial, é
a rusticidade. A capacidade de daptarse às pressões físicas e psicológicas é
crucial para que o militar enfrente os
desafios da carreira. Porém a
resistência que o soldado cria diante
dessas pressões, às vezes, é
interpretada como insensibilidade ou
frieza pelos civis que desconhecem a
rotina militar.
Diante de tantos obstáculos então,
por que ser um militar?
O militar é alguém que vive para
servir, que luta em nome dos direitos
de outros, que se dedica para garantir
a segurança e que está sempre
preparado para cumprir a próxima
missão. O desejo do militar de ajudar
está encrustado na alma e estampado
na farda. Momentos pessoais serão
perdidos, mas serão retribuídos a cada
vitória, a cada missão cumprida, a cada
vida salva. O sacrifício não é nada se
comparado à esperança de uma
sociedade justa e pacífica. Logo, quem
opta pela carreira militar o faz porque
sabe que é importante ter alguém para
guardar e assistir àqueles que precisam.
As
organizações
militares
trabalham também outro grande valor
que é a disciplina. Essa característica,
muitas vezes, já foi ensinada pela
família e é apenas adaptada e
intensificada na carreira. O conceito de
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
disciplina se subdivide em outros dois.
Um desses conceitos é a ideia básica
de disciplina que nada mais é do que a
responsabilidade de cumprir normas, de
adaptar-se aos padrões que forem
estipulados, respeitar e fazer respeitar
as cadeias hierárquicas e as ordens que
lhe forem passadas.
A outra concepção, apesar de estar
intimamente ligada ao conceito
anteriormente mencionado, serve como
um limite para essa ideia básica de
disciplina. É a disciplina consciente.
Esta por sua vez é crucial para a
preservação da dignidade e dos direitos
de todas as pessoas, sejam elas civis
ou militares. A disciplina consciente
trata da capacidade de discernir frente
a uma solução questionável ou uma
ordem que possa pôr em risco um
indivíduo ou uma instituição. Servir não
significa unicamente seguir ordens, é
também auxiliar e cuidar para que todos
os envolvidos estejam em segurança
com o resultado final.
A disciplina para um militar é
indispensável. O exercício dessa
característica é necessário e deve ser
constante, pois uma vez que haja falta
de disciplina, conflitos dentro da tropa
podem fazer com que o comandante
perca sua legitimidade.
“Quando há inquietação entre os soldados, o general já perdeu sua autoridade.” (pg.98, “livro A Arte da
Guerra”, 2014, Sun Tzu).
Relatos e homenagens feitas aos
militares ao longo da história mostram
que abrir mão de suas vontades e
colocar a si mesmo em segundo plano
sempre fez parte da carreira das armas.
O trecho de uma carta de Guilherme
Moniz Barreto (jornalista e crítico
literário nascido na Índia Portuguesa,
em 1863), publicada em 1893 no Jornal
do Exército de Portugal, Nº306,
descreve claramente esses valores que
se destacam na carreira militar:
“Senhor, umas casas existem no
vosso reino, onde homens vivem em
comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De
manhã, a um toque de corneta se
levantam para obedecer. De noite,
a outro toque de corneta se deitam,
obedecendo. Da vontade fizeram
renúncia como da Vida. Teu nome é
Sacrifício. Por ofício desprezam a
morte e o sofrimento físico. Seus
pecados mesmos são generosos,
facilmente esplêndidos. A beleza de
suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de a celebrar.
Quando eles passam juntos fazendo
barulho, os corações mais cansados
sentem estremecer alguma coisa
dentro de si. A gente conhece-os por
m i l i t a r e s . . . ” ( h t t p : / /
www.supergoa.com/pt/read/
news_cronica.asp?c_news=818 )
Fica claro, portanto, que a
presença do militar é essencial para a
manutenção da sociedade. Isso só é
permitido porque os valores são
constantemente
trabalhados
e
repassados, de geração em geração,
por meio do serviço na tropa ou por
meio das escolas de formação que
preparam os futuros protetores do
Brasil. Esses são os defensores que
fazem o que deve ser feito em nome
das pessoas que vivem no País e que
decidiram abrir mão do “eu” para pensar
na Pátria e, assim, tornam - se símbolos
e ícones que vemos registrados em
cânticos e em obras de artistas de
épocas distintas.
EsPCEx, onde tudo começa
67
EsPCEx
O militar mostra em cada feito a
importância da disciplina e o quão
grande é o significado do sacrifício do
qual, sem nenhum arrependimento, se
orgulha, pois sabe que é necessário.
***
Bibliografia
Site
da
internet,
http://www.supergoa.com/pt/read/
news_cronica.asp?c_news=818.
Site da internet, http://www.consciencia.org/guilherme-moniz-barreto.
Site da internet, http://www.eb.mil.br/a-profissao-militar.
Míni Aurélio dicionário da língua portuguesa, 8a edição, editora
positivo.
(*) O Aluno HichemTannouri formado no Colégio Jardim São Paulo, localizado na cidade de
São Paulo, no ano de 2009, ingressou, em 2010, na Fundação Educacional Inaciana (FEI),
localizada em São Bernardo, Interrompeu seu curso superior de Engenharia Mecânica para
ingressar na carreira militar, no ano de 2014, como aluno da Escola Preparatória de Cadetes do
Exército. Atualmente é aluno da 1ª Cia.
68
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Trabalhos Escolares Multimodais
e Digitais: a perspectiva dos
novos letramentos
Viviane de Fátima Pettirossi Raulik (*)
Professora de Língua Inglesa
Introdução
O computador hoje permite que
textos, sons e imagens sejam
combinados de diversos modos,
possibilitando novas maneiras de
representar as mensagens. No entanto,
ainda há discrepâncias entre as práticas
escolares e práticas pessoais. Nesse
sentido, a perspectiva dos novos
letramentos
tenta
incentivar
professores na busca por outras
linguagens para as tarefas escolares.
O objetivo deste artigo é fazer um
percurso teórico conceitual de
alfabetização a novos letramentos e,
de acordo com a perspectiva dos novos
letramentos, propor o uso de trabalhos
multimodais digitais em ambiente
escolar.
De alfabetização a novos
letramentos
O conceito de letramento surgiu
para definir uma prática que vai além
do conceito de alfabetização, a
habilidade de ler e escrever, mas
entender informações e expressar
ideias. Letramento é uma prática social
que varia de acordo com o contexto,
cultura e outros aspectos e não uma
habilidade técnica e neutra(STREET,
2003). Em cada caso as habilidades de
letramento
específicas
e
as
comunidades
de
comunicação
relevantes são muito diferentes
(LEMKE, 2010).
Referência no assunto desde os
anos 80, Brian Street (1984) fala em
Novos Estudos do Letramento (New
Literacy Studies), já que, em inglês,
alfabetização seria literacy e não há
outra palavra para se fazer a diferença
como
é
feito
em
português
(alfabetização e letramento). O autor
apresenta o letramento em dois
modelos, o modelo autônomo e o
modelo ideológico, e defende o
segundo. De acordo com o modelo
autônomo, o letramento é uma
habilidade técnica e neutra, uma
realização individual que não depende
de um contexto social mais amplo. De
acordo com o modelo ideológico, o
letramento é o contrário de tudo isso:
não é uma habilidade técnica e neutra,
não é uma realização individual e
depende totalmente de um contexto
social mais amplo. De acordo com o
modelo ideológico, letramentos (no
plural), seria mais apropriado, pois há
diferentes tipos de letramento na vida
social, além do letramento escolar
(prática da escrita na escola), que não
podem ser depreciados: familiar,
religioso, profissional, etc. (KLEIMAN,
1995).
EsPCEx, onde tudo começa
69
EsPCEx
Em 1996, um grupo de professores
pesquisadores fica conhecido como o
Grupo de Nova Londres (New London
Group) e publica um manifesto
expandindo o conceito de letramento(s) para multiletramentos
(multilite-racies). Eles dizem que as
abordagens tradicionais não são mais
suficientes devido a mudanças no
ambiente social (pós-fordismo/novas
relações de trabalho), diferentes canais
de comunicação (novas tecnologias) e
à grande diversidade linguística e
cultural (tratar das diferenças se torna
extremamente
importante).
Obviamente é importante considerar o
contexto dos autores (Australia,
Estados Unidos e Inglaterra), ou seja,
países desenvolvidos.
A perspectiva dos multiletramentos apresenta dois desafios de
igual importância. O primeiro são as
práticas etnográficas em sala de aula,
ou seja, conectar o contexto de sala
de aula com o mundo dos alunos e, ao
mesmo tempo, conscientizá-los sobre
sua condição de cidadãos globais. O
segundo
desafio
envolve
a
multimodalidade, outros modos de se
fazer significado (visuais, auditivos,
espaciais, comportamentais etc), além
da língua, são destacados como
recursos representacionais dinâmicos,
constantemente ressignificados e com
diferentes objetivos. Não é mais
possível supor, então, que letramento
está relacionado apenas à linguagem
escrita, e muito menos apenas à
linguagem impressa.
Hoje, qualquer um edita um áudio
ou um vídeo em casa, produz animações de boa qualidade, constrói
objetos e ambientes tridimensionais,
combina-os com textos e imagens
70
paradas, adiciona música e voz e
produz trabalhos muito além do que
qualquer editora ou estúdio de cinema poderia fazer até alguns anos
atrás (LEMKE, 2010, p. 472).
Não só essas possibilidades de
produzir, coletar e editar conteúdo
multimodal como também outras formas
de construir significados através da
Internet e do meio digital fazem parte
dos estudos sobre novos letramentos
(LANKSHEAR & KNOBEL, 2007). Novos
letramentos tornam necessárias novas
habilidades chamadas, por sua vez, de
letramento digital: “engajar-se na
construção de significado mediado por
textos que são produzidos, recebidos,
distribuídos, trocados, etc via
codificação digital” (LANKSHEAR &
KNOBEL, 2008, p.5, tradução minha).
Lankshear and Knobel (2007)
dizem que para ser novo não basta que
o letramento aconteça em meio digital,
o que caracteriza para eles novos
aspectos técnicos (new technical stuff),
tem que haver a combinação de novos
aspectos técnicos e um novo ethos (new
ethos stuff). O novo ethos surge
juntamente com as novas regras do
meio digital. Essas novas regras são
mais participatórias, colaborativas e
distribuídas, são mais fluidas e menos
fixas e, com tudo isso, acontece o
descentramento da noção de autoria.
Vale salientar que o novo ethos se
torna possível devido ao fenômeno da
Web 2.0. Web 2.0 é o termo cunhado
por O’Reilly (2005) para descrever o
fenômeno da interatividade na rede
mundial de computadores em sua
segunda fase, a partir do ano 2000. Em
vez de websites estáticos que serviam
apenas
como
provedores
de
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
informações, a web passa a oferecer
ao usuário uma condição de agente,
isto é, aquele que também cria e
publica. Dentro da Web 2.0 estão as
redes sociais, os blogs, enciclopédias
livres, websites de compartilhamento
de vídeos, fotos e áudio, entre outros.
constitui por meio da contribuição de
diferentes usuários (PINHEIRO, 2013).
É claro que escrita colaborativa pode
acontecer fora do ambiente virtual
também, no entanto, a Web 2.0 passou
a oferecer condições mais dinâmicas e
abrangentes.
Diante dessas transformações e do
alcance global da Internet, alguns
conceitos surgem e outros se
recontextualizam. Só para citar alguns,
falaremos em remix, produsagem,
escrita colaborativa e inteligência
coletiva. Todos eles, por sua vez,
influenciam diretamente o conceito
tradicional de autoria.
Termo cunhado por Pierre Lévy
(2007), inteligência coletiva é o acesso
ao saber dos outros, o intercâmbio de
conhecimentos e experiências que
acontece no ambiente virtual.
Quando conteúdos diversos da
Internet são unidos e editados nos
diversos softwares disponíveis e dão
origem a uma nova produção, essa
“nova” produção é chamada de remix.
O termo remix, na verdade, surgiu no
contexto musical e gradativamente
passou a se referir a qualquer trabalho
no qual foram usados conteúdos
culturais que já existiam e cujo objetivo
é gerar novas formas de interpretação.
... remix como uma prática cultural
mudou dramaticamente nos últimos
anos. Ferramentas digitais geram
novas possibilidades para termos
acesso à informação, para produzirmos,
compartilharmos
e
reutilizarmos (ERSTAD, 2008, p. 185,
tradução minha).
Para definir a criação de conteúdo
que acontece hoje em ambiente virtual,
criou-se o termo produsagem (BRUNS,
2007). Ou seja, aqueles que fazem
remix são produsuários (produsers),
produtores e usuários de conteúdo.
A escrita colaborativa acontece em
websites em que o produto final se
Remix, produsagem, escrita
colaborativa e inteligência coletiva
influenciam o conceito tradicional de
autoria no sentido de propriedade
intelectual de que tratam as leis de
direitos autorais, pois vemos que agora,
em ambiente virtual, a produção de
textos (escritos, orais ou não verbais)
acontece sob novas condições. Kress
(2010) diz que a comunicação
contemporânea é mais aberta e
participativa, que as estruturas de
poder agora são horizontais e não
verticais e, assim, o limite entre público
e privado fica mais difícil de se
estabelecer.
Como essas práticas podem ser
usadas a favor dos propósitos da
escola? O professor engajado com a
perspectiva dos novos letramentos
deve, na medida do possível, começar
a incluir trabalhos multimodais digitais
em suas práticas pedagógicas. Esses
trabalhos, por sua vez, devem conter o
novo ethos, caso contrário tornar-seão simplesmente um copiar/colar.
Em contextos educacionais, faríamos
bem em identificar com mais
especificidade como os alunos deveriam usar a cultura comum em
cada tarefa dada, bem como as for-
EsPCEx, onde tudo começa
71
EsPCEx
mas específicas de inovação ou originalidade que também esperamos
que eles realizem em suas tarefas
(BAZERMAN, 2010, p.460).
Em relação aos aspectos técnicos
(new technical stuff), uma gama de
ferramentas de edição está disponível,
elas podem já fazer parte dos pacotes
que vêm instalados nos computadores,
podem ser baixadas na Internet ou até
mesmo serem usadas online. Entre os
mais conhecidos pelos professores
estão os editores de texto e de slides,
no
entanto,
trabalhos
mais
interessantes e desafiadores podem
ser produzidos com ajuda de editores
de imagem, editores de áudio e vídeo,
editores de animações e jogos ou editor
de texto online que possibilite o
compartilhamento para trabalho
colaborativo.
Para propiciar o novo ethos (new
ethos stuff), esses trabalhos tomariam
forma de gêneros específicos. Esses
gêneros, por sua vez, podem ser
aqueles que surgiram em função da
Internet como um blog, por exemplo,
ou outros oriundos da mídia impressa,
televisiva e rádio que passaram a
também fazer parte da Internet como
clips, paródias, documentários,
histórias em quadrinhos, narrativas,
jogos, animações, programas de rádio,
entre outros.
Outras decisões envolvem o tempo
de execução (um dia, um bimestre, um
semestre), equipamentos disponíveis
(computadores dos alunos, laboratório
da escola se houver), atualização dos
professores em relação às ferramentas
de edição e algum meio de divulgação
dos trabalhos depois de prontos.
72
Considerações Finais
Acredita-se que o uso de artefatos
tecnológicos no ambiente educativo
gere motivação, pois propicia
linguagens próximas do universo de
interesse do aluno. No entanto, sendo
o Brasil país tão grande e de aspectos
sociais e culturais tão diversos, haverá
contextos mais favoráveis e outros
menos favoráveis para o desenvolvimento dessas atividades. Mudar
ferramentas e fontes de conteúdo não
é um processo fácil, requer adaptação
de ambos os lados, professores e
alunos.
***
Bibliografia
BAZERMAN, C. Paying the Rent: Languaging Particularity and
Novelty. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Vol.10, n.2, p.459469, 2010.
BRUNS, A. Produsage: Towards a Broader Framework for User-Led
Content Creation. In: Proceedings Creativity & Cognition 6,
Washington, DC. Disponível em: <http://eprints.qut.edu.au/6623/1/
6623.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2013.
ERSTAD, O. Trajectories of Remixing: Digital Literacies, Media
Production, and Schooling. In: LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.).
Digital Literacies: Concepts, Policies and Practices. Peter Lang
Publishing, 2008. p. 177-200.
FOUCAULT. M. O Que é Um Autor? 1969. Disponível em:
<fido.rockymedia.net/anthro/foucault_autor.pdf >. Acesso em: 26 set.
2013.
KLEIMAN, A. B. Os Significados do Letramento: Uma Nova
Perspectiva Sobre a Prática Social da Escrita. Campinas: Mercado
das Letras, 1995.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
KRESS, G. Multimodality: A Social Semiotic Approach to
Contemporary Communication. London: Routledge, 2010.
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. New Literacies: Changing Knowledge
and Classroom Learning. Buckingham: Open University Press, 2003.
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds). A New Literacies Sampler.
New York: Peter Lang, 2007. p.1-24.
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.). Digital Literacies: Concepts,
Policies and Practices. Peter Lang Publishing, 2008. p. 1-30.
LÉVY, P. Introdução. In: LÉVY, P. A Inteligência Coletiva – Por uma
Antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2007. p.19-32.
NEW LONDON GROUP. A Pedagogy of Multiliteracies: Designing
Social Futures. Harvard Educational Review, Cambridge, MA, v. 66,
n.1, p.60-92, 1996.
O’REILLY, T. 2005. What is Web 2.0? Design Patterns and Business
Models for the Next Generation of Software. Disponível em: <http://
oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html>. Acesso em: 02
jun. 2013.
PINHEIRO, P. Práticas Colaborativas de Escrita Via Internet:
Repensando a Produção Textual na Escola. Londrina: Eduel, 2013.
STREET, B. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge
University Press, 1984.
STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies? Critical Approaches
to Literacy in Theory and Practice. Current Issues in Comparative
Education, Vol. 5(2), p.77-91, May 2003.
(*) A Professora civil Viviane de Fátima Pettirossi Raulik é licenciada em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUC), possui curso de pós-graduação Lato Sensu em
Metodologia de Ensino da Língua Inglesa, Cambridge CAE (Certificate in Advanced English) e é
mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na
Linha de Pesquisa Linguagens e Tecnologias. Atualmente exerce e função de professora de
Inglês da EsPCEx.
EsPCEx, onde tudo começa
73
EsPCEx
Um Breve Olhar na História para
Pesquisas em Educação
Andréia Pinheiro de Freitas (*)
Professora de Língua Portuguesa I
Ao se pensar em uma pesquisa em
Educação, ou mesmo em outra área,
em qualquer escala, é necessário, antes de tudo, pensar o contexto sóciohistórico em que o objeto de análise
está inserido, o que não é uma tarefa
fácil, uma vez que a própria História e,
consequentemente, a História da Educação
estão
em
constantes
questionamentos, haja vista a intrínseca relação do historiador com seus
objetos de análise. De fato, sob ponto
de vista de Eliane Marta Teixeira Lopes,
em seu texto O Aprendiz de Feiticeiro
e o Mestre Historiador: Quem Faz a
História? (2004, p. 28):
a história é aquilo que os historiadores escreveram e não a realidade de um passado inapreensível por
sua natureza de já ter passado (será
o presente mais apreensível que o
passado?), e os historiadores escolhem e selecionam as fontes e informações que lhe pareçam mais
significativas, rejeitando outras.
Nesse trabalho, não consegue cercar sua subjetividade, não consegue aprisioná-la em sua pretensão
de objetividade. O máximo que pode
fazer é ser honesto.
Além disso, na história da História, ou seja, na historiografia, a questão não é simples, pois, mesmo sendo
consensual periodizar a história moderna, tendo como referência a ascensão das ciências sociais (séc. XIX), há
várias “escolas” que se contrapõem e
brigam entre si (não é exclusividade
somente desse período), e muitos
74
questionamentos são levantadas quanto ao procedimento da historiador frente
a essa nova visão de mundo em que as
ciências possuem forte influência nas
formas de análise dos objetos.
Essas particularidades de extrema
relevância vão além do que se quer discutir neste trabalho, que pretende tão
somente lançar um breve olhar nas
raízes da História da Educação no Brasil, no período compreendido entre o
final do Império e as primeiras décadas da República, por julgar importante que o pesquisador tenha noções
essenciais para realizar um trabalho
dentro da referida área. Em outras palavras, quando se pensa em Educação,
no contexto atual, ou em realizar pesquisas de trabalho nessa área, é preciso buscar na História, por meio dos
estudos já realizados, os fatos passados que propiciaram o processo de construção do que se entende por Educação
hoje.
No entanto, não é possível simplesmente fazer um levantamento de
fatos, sem entender todo o contexto
político, social, econômico e cultural por
que passava o Brasil durante o Império
e as primeiras décadas da República.
Dessa forma, o presente trabalho tem
por objetivo, de forma despretensiosa,
lançar um breve olhar sobre esse processo.
Além disso, é pertinente ressaltar
que não basta o pesquisador apenas
ler os textos que abordam a História
ou a Historiografia da Educação dentro
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
de um contexto sócio-histórico específico, é necessário, também, levantar
algumas questões relevantes: quem
escreveu o texto? de que lugar fala o
autor do texto? qual o objetivo do autor ao escrever o texto? qual a linguagem que o autor usa? a quem se dirige
o texto? Esses questionamentos são
importantes para que o pesquisador
procure entender mais criticamente os
diferentes olhares dos historiadores/
pesquisadores dos textos lidos e também para que possa olhar o seu próprio objeto de trabalho com mais profundidade.
tas de periodização de Ramos de Carvalho, como bem analisa Bruno
Bontempi Júnior, Professor Doutor da
PUC São Paulo, em seu texto A Educação brasileira e a sua periodização vestígio de uma identidade disciplinar,
ficariam, assim, dispostas:
Considerações iniciais
Todos esses esforços não ficaram
imunes a críticas, não pelo levantamento de todo material que pudesse ser
resgatado, pois constitui enorme contribuição para a Historiografia da Educação brasileira, mas pelo fato de como
as pesquisas e os estudos foram constituídos, sob o ponto de vista do realismo histórico.
Seja como for, o que se pode dizer
é que, a partir da década de 1950, houve uma preocupação intensa de historiadores, pesquisadores da educação e
pedagogos em organizar materiais que
possam esclarecer ou recontar um pouco
mais sobre a História da Educação brasileira.
Antes de revisitar brevemente o
passado, é importante comentar que a
Historiografia da Educação, embora
tenha sido uma preocupação desde o
final do século XIX, só se constituiu há
pouco tempo no Brasil.
Estudos recentes têm por finalidade levantar fatos que ratifiquem suas
raízes, bem como questionar as
periodizações estabelecidas e os procedimentos de se recontar essa história, sob as bases do realismo histórico
(uma tentativa de responder às questões acima colocadas).
Em relação à periodização da educação brasileira, ressaltam-se os esforços de Laerte Ramos de Carvalho,
que, desde a publicação de As Reformas Pombalinas da Instrução Pública,
em 1952, demonstra preocupação com
essa questão, tanto que organizou um
grupo de pesquisadores da USP, ao longo da década de 1960, o qual realizou
um árduo trabalho de pesquisa que se
concentrou na busca e na catalogação
de documentos e publicações para estabelecer tal periodização. As propos-
de 1549 a 1759, ou seja, dos primeiros estabelecimentos jesuíticos até
o decreto de sua expulsão; de 1759
a 1889, data da Proclamação da República; de 1889 à Revolução de 1930
- além de um quarto período, apenas esboçado, que começa com a
promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases de 1961. (2003, p. 61)
Educação no Império
A vinda da família real para o Rio
de Janeiro, em 1808, foi motivo de
muitas mudanças no cenário político,
cultural e educacional. Com a chegada
de D. João VI, o plano político começava a desmantelar-se, pois, de certa
forma, houve uma ruptura do pacto
colonial devido à abertura dos portos e
à revogação do alvará que proibia a
EsPCEx, onde tudo começa
75
EsPCEx
instalação de manufaturas, fatores de
grande influência para tornar mais flagrante a necessidade da independência do Brasil. Quanto às transformações culturais, destacam-se a criação
de museus, academias e bibliotecas,
além da implantação da imprensa, que
se desenvolveu rapidamente, tornando-se uma rica fonte de pesquisa para
inúmeros historiadores.
A Educação nesse período não
possuía uma política com sistema e
planejamento eficientes, pois, durante os séculos XVI e XVII, foi basicamente estruturada pelo ensino jesuítico
e depois, no século XVIII, passou pelas reformas empreendidas por Marquês de Pombal em 1772. É importante
ressaltar que, a partir dessa data, temse a tentativa de implantação do ensino público oficial, ou seja, a coroa deveria organizar as regras do sistema
educacional, instituindo as aulas régias. Entretanto muitas foram as dificuldades enfrentadas, tais como a dispersão dos colégios, a ausência de formação e/ou a incompetência dos mestres e a centralização desse sistema
no Reino. Paralelamente a isso, o aparecimento de escolas de beneditinos,
carmelitas e franciscanos acabam se
difundindo em diversas regiões.
Nessa época, diversos cursos são
criados: a Academial Real da Marinha
(1808), a Academia Real Militar (1810),
cursos médico-cirúrgicos na Bahia e no
Rio de Janeiro, cursos jurídicos no Recife e em São Paulo e cursos avulsos
de economia, química e agricultura no
Rio de Janeiro e na Bahia. É perceptível nessa época uma ênfase, sobretudo, no ensino superior e uma certa displicência quanto aos demais níveis.
76
Após a Independência do Brasil em
1822, há toda uma movimentação para
que a primeira Constituição brasileira
se concretizasse. O conceito de constituição que emanava após a Independência apoiava-se em quatro vertentes correntes na época, resumidas a
seguir: a do constitucionalismo histórico, que buscava não atribuir poderes
irrestritos aos deputados da Assembléia
Constituinte; a de Montesquieu, que
defendia o princípio da separação dos
poderes em três e os direitos dos cidadãos e regulamentos dos deputados; a
de Benjamin Constant, que defendia
a total garantia dos indivíduos, ou seja,
uma constituição mais liberal; e a de
uma versão mais democrática, que
defendia “um pacto político, ultrapassando seu sentido original de definir
uma forma de governo e a organização
do território.” (NEVES, p. 189).
É importante perceber que todos
esses movimentos ao redor de se buscar a primeira Constituição brasileira
partiam principalmente da elite intelectual brasileira e pouco se levavam
em consideração os anseios dos cidadãos da nação.
Depois de outorgada a Carta de
1824, o sistema educacional vigente até
então começa a passar por transformações com o Ato Adicional à Constituinte em 1834, que descentraliza o ensino do poder central, que fica responsável somente por regular o ensino superior. O ensino elementar e secundário
ficam sob a responsabilidade das províncias. Em outras palavras, “a educação da elite fica a cargo da coroa e a
educação do povo é confiada precariamente às províncias.” (ARANHA, 1989,
p. 192)
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
É claro que essa descentralização
ocasionou sérios problemas, principalmente para a educação elementar e a
secundária. A falta de recurso das províncias, a ausência de um currículo que
ocasionava como consequência uma escolha aleatória das disciplinas, a quase total inexistência de professores
competentes por falta de formação
adequada, a baixa demanda dos professores que havia, por causa dos baixos salários, e os crescentes índices
de analfabetismo são alguns exemplos.
Algumas tentativas, como a formação
dos liceus provinciais, a fundação de
colégios (em sua maioria católicos) e
de escolas normais, não são muito contundentes para uma melhora significativa no panorama educacional desse período.
Cumpre destacar nesse período um
estudo significativo feito por José
Ricardo Pires de Almeida, intitulado
Instrução Pública no Brasil (15001889), considerado por muitos como
sendo a primeira história sistematizada da educação brasileira. Nessa obra,
publicada em francês em 1889 e
dedicada ao Conde D’Eu (demonstrando em sua narrativa, devido a esses
fatos, um caráter elitista), o autor esboça um quadro minucioso da educação no Brasil de 1500 a 1889. É inegável que o livro de José Ricardo Pires de
Almeida é de extrema importância para
os estudos de educação à época do
Império, porém, por ter ficado tanto
tempo esquecido e não figurar no currículo das Escolas Normais e Institutos
de Educação até recentemente, sua
importância é muito discutida.
Educação nas Primeiras Décadas da
República
Após a Proclamação da República
no Brasil em 1889, o governo passa,
após a Constituição de 1891, por profundas transformações. Uma delas é
que o governo torna-se representativo, federal e presidencial, o que dá
autonomia aos estados, promovendo o
favorecimento de São Paulo, Minas
Gerais e do Rio de Janeiro, já que são
locais onde prevalecem os interesses
da aristocracia brasileira.
No panorama mundial temos importantes fatos, dentre vários outros
significativos, vão nortear para sempre a história da humanidade: As Revoluções Industriais, a ascensão das
Ciências e a 1ª Guerra Mundial.
Após a Constituição de 1891, a
qual reafirmava a responsabilidade da
União em promover a educação superior e secundária, em detrimento da elementar (o que marcava a continuidade
do foco elitista sobre a educação), nos
primeiros vinte anos de república, a
situação educacional não havia passado por transformações significativas,
contando com índices de 80% de analfabetismo. No entanto, frente às transformações pelas quais o mundo passava, após a Primeira Guerra Mundial, tais
como a importância das ciências, a crescente industrialização e a remodelação
do espaço urbano, começava a se fazer
necessária uma mobilização para que
novas condições de ensino se adaptassem a esse novo panorama que se vislumbrava.
A educação passa nessa época a
ser concebida como um pilar essencial
para a adequação a esse novo sistema, ou seja, a educação passa a ser
vista como solução para todos os pro-
EsPCEx, onde tudo começa
77
EsPCEx
blemas por que passa o Brasil. Cresce,
dessa forma, um sintoma que mais
tarde se denominou “o entusiasmo pela
educação e o otimismo pedagógico”.
Assim, com entusiasmo e otimismo, é decretada a reforma da educação, em 1928, por meio do decreto nº
3281, de 23 de janeiro, na gestão de
Fernando Azevedo como diretor da Instrução Pública do governo do Distrito
Federal e, em 1932, é publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, tendo como líder o mesmo
Fernando de Azevedo e contando com
as assinaturas de mais 26 educadores.
A Escola Nova no Brasil
A escola nova foi fundada na Inglaterra em 1889 e expandiu-se rapidamente por quase toda a Europa. Jorge Nagle, em seu texto Introdução da
Escola Nova no Brasil, publicado no
Boletim da Cadeira de Teoria Geral da
Educação, em 1964, resume bem o teor
desse novo movimento,
O movimento chamado da Escola
Nova, em resumo, significou uma remodelação das instituições escolares, como consequência da revisão
crítica de toda a problemática educacional. Em confronto com a chamada “escola tradicional”; em relação à qual se colocou em termos
antitéticos, a escola nova se fundamenta em nova concepção sobre a
infância. Esta passa a ser considerada, contrariamente à tradição,
como estado de finalidade intrínseca, de valor positivo, e não mais
como condição transitória e inferior, negativa, de preparo para a vida
adulta. Nesse novo fundamento se
erigirá o novo edifício escolanovista.
(NAGLE, 1964, p. 86)
No Brasil, os primeiros 20 anos do
século XX podem ser interpretados
78
como uma preparação para a introdução desse movimento e contou, segundo Jorge Nagle, com alguns antecedentes importantes, como a fundação de
escolas protestantes, desde o final do
período
imperial,
importantes
divulgadoras das ideias norte-americanas; a Primeira Exposição Pedagógica, realizada em 1883; a fundação do
Pedagogium, instituída pelo Decreto
nº 981, em 08 de novembro de 1890, e
a criação de Jardins de Infância e
Escolas-Modelo, no estado de São
Paulo, tornando-o o foco mais significativo de renovação da escola brasileira, difundiram, principalmente, as
ideias de Froebel e Pestalozzi,.
Com todas essas iniciativas, era
nítida a necessidade de mudanças, o
que se concretizou com o decreto nº
3281, de 23 de janeiro de 1928, que,
de acordo com Fernando Azevedo, diretor da Instrução Pública do governo
do Distrito Federal de 1927 a 1930,
representou uma nova fase da história
da educação nacional.
A reforma de 1928 atingiu, além
do ensino técnico profissional, também
o ensino primário e o normal. A reforma teve como fontes de inspiração as
teorias de E. Durkheim, Kerschensteiner
e, principalmente, de J. Dewey e tinha
como objetivo alterar de maneira profunda a sociedade brasileira.
É evidente que as reformas causaram reações, principalmente de políticos do Distrito Federal e da Igreja Católica, e prolongaram-se até a Revolução de 1930 com a deposição do Presidente Washington Luís.
Porém, em 1932, um grupo formado por Fernando Azevedo lançou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
que, basicamente, trazia como princí-
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
pios, segundo o próprio autor, no quar- Bibliografia
to capítulo de seu livro A Cultura Brasi- ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500leira,
1889). Trad. Antonio Chizzotti. 2ª ed. São Paulo: Educ, 2000. (pp.
A defesa do princípio de laicidade, a
nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana
e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e do ensino
técnico e profissional, a criação de
universidades e de institutos de alta
cultura, para o desenvolvimento dos
estudos desinteressados e da pesquisa científica, constituíam alguns
dos pontos capitais desse programa
de política educacional, que visava
fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar e estabelecer para as crianças o direito à educação integral,
segundo suas aptidões, facilitandolhes o acesso, sem privilégios, ao
ensino secundário e superior, e alargar, pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a
sua esfera e os seus meios de ação.
(1971, p. 675)
Muitos foram os motivos da não
concretização, exatamente como foram
pensados, dos princípios desse manifesto, tais como as reações da Igreja,
a difícil difusão e implantação real em
outros estados fora do eixo Rio de Janeiro–São Paulo–Minas Gerais, devido
à dimensão territorial do Brasil, e ao
intrínseco e complicado jogo de interesses políticos; entretanto é inegável
que mudaram significativamente os
rumos da educação no Brasil.
Folha de rosto – 23; pp.53 – 98).
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 1 ed., São
Paulo: Moderna, 1989.
AZEVEDO, Fernando. “Capítulo IV: A renovação e unificação do
sistema educativo”. In: A cultura brasileira. Quinta edição. São Paulo:
Melhoramentos/Editora da USP, 1971.
BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. “A educação brasileira e sua
periodização: vestígio de uma identidade disciplinar”. RBHE, n. 05,
jan-jun 2003.
LOPES, Eliane M. “O aprendiz de feiticeiro e o mestre historiador:
quem faz a história”. In: STEPHANOU, M. & BASTOS, M. Histórias
e Memórias da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 1931.
MONARCHA, Carlos. “História da educação brasileira: atos inaugurais”.
Horizontes, n. 14, 1996, p. 35-44.
NAGLE, Jorge. “O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico”
(p. 131 – 165). In: Educação e Sociedade na Primeira República.
Rio de Janeiro: DP & A, 2001.
___________. “Introdução ao estudo da Escola Nova no Brasil”. In:
Boletim da Cadeira de Teoria Geral da Educação, 1964, 1 (2).
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. “Constituição: usos antigos e
novos de um conceito no Império do Brasil (1821-1860)”. In:
CARVALHO, José Murilo de & NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira
das (orgs). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e
liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
NUNES, Clarice. “A Instrução Pública e a primeira história
sistematizada da educação brasileira”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
n. 93, p. 51-59, mai 1995.
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. “Estado, nação e escrita da
História: proposta para debate”. In: CARVALHO, José Murilo de &
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das (orgs). Repensando o Brasil
do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009.
***
(*) A Professora civil Andréia Pinheiro de Freitas possui Licenciatura Plena em Língua
Portuguesa e suas Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUCCampinas), possui pós-graduação em Psicopedagogia e Orientação Educacional
pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e é mestranda em Educação
pela Universidade São Francisco (USF). Atualmente é professora de Língua Portuguesa I
na EsPCEx.
EsPCEx, onde tudo começa
79
EsPCEx
Viagem de Estudos – Trajetória da FEB na Itália (registro)
Com o objetivo de percorrer as principais localidades libertadas pela Força
Expedicionária Brasileira (FEB), por ocasião da Segunda Guerra Mundial, uma
comitiva composta por três Alunos e um Oficial da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) embarcou rumo à Itália no dia 05 de outubro de 2014,
com retorno para o dia 11 do mesmo mês.
Objetivos da Missão
A missão teve por objetivos os que
se seguem:
1. Percorrer as cidades libertadas
do jugo alemão pela FEB;
2. Identificar a relação afetiva
estabelecida entre o “pracinha” e a população local;
3. Visitar os principais museus que
fazem alusão à participação brasileira
na 2ª Guerra Mundial;
4. Visitar os principais monumentos erigidos na região em homenagem
à FEB e aos heróis tombados em combate; e
5. Participar de eventos alusivos
à FEB que porventura se realizassem
durante o período.
Atividades
No período de 05 a 11 de outubro
de 2014, a Comitiva percorreu algumas
das principais localidades para estudo
da atuação da FEB. Dentre elas estão
as seguintes: Roma, Pistoia, Stafoli,
Borgo a Mozzano, Massarosa, Camaiore,
Pisa, Monte Castelo, Montese, Lola,
Precaria, Boscaccio, Vergato, Cereglio,
Santa Maria Villiana e Porreta Terme.
1° dia - 05 de outubro de 2014:
deslocamento para a Itália.
O primeiro dia foi de chegada e
visitação a Roma.
Critério de seleção
Para selecionar os componentes da
comitiva, o comando da EsPCEx partiu
do pressuposto de que essa tarefa seria
um prêmio, tendo em vista que teriam
uma oportunidade rara de viajar para
outro país e conhecer locais de grande
valor para a história do Exército Brasileiro.
O critério adotado foi o da
meritocracia, sendo selecionados os
Alunos com as maiores notas de ano
no momento do início dos processos
administrativos decorrentes da missão.
Na ocasião, portanto, foram agraciados o 1°, o 2° e o 3° colocados do
80
curso preparatório, respectivamente os
Alunos Rodrigo Correa Damasceno,
André Andrade Longaray Filho e Vinícius
Henrique Rodrigues Chagas da Silva.
2° dia - 06 de outubro de 2014:
recepção pelo Adido do Exército e
visitação ao Escritório da Aditância.
Os alunos foram recebidos pelo Cel
Mário Felizardo Medina, Adido Militar
do Exército na Itália. Na visitação do
escritório, já se fez notar a presença
da FEB na própria decoração do local,
onde se podiam ver diversas homenagens afixadas nas paredes, exposição
de relíquias da Segunda Guerra Mundial e de símbolos que rememoravam o
valor de nossos bravos soldados.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
O destaque da Embaixada do Brasil na Itália, sobressaindo-se em meio
à Piazza Navona, famoso cartão postal
romano, surpreendeu os Alunos com sua
imponência, elevando o nome do País
no exterior.
Por volta das 20 h, recepcionados
pelo Sr Mário Pereira, os Alunos chegam ao seu destino, encerrando, assim, as atividades do segundo dia com
o pernoite.
3° dia - 07 de outubro de 2014:
Pistoia e o Monumento Votivo Militar.
O terceiro dia começou com a
visitação à Capela de Stafoli, local
onde, no passado, foi instalado um posto logístico da FEB. Nesse local, os soldados brasileiros colocaram uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, sinal marcante de religiosidade. Essa
imagem não existe mais, mas a Capela foi restaurada pelos italianos em sinal
de gratidão e homenagem à FEB.
Continuando as visitas, seguimos
para o Monumento Votivo Militar, antigo Cemitério Militar de Pistoia. Neste
ponto, é importante destacar a figura
do Sr Mário Pereira, cidadão italiano,
filho de um Sargento da FEB que, incumbido de guardar o cemitério, casouse com uma italiana e permaneceu por
mais de 30 anos numa missão que deveria ser de 2 anos, dedicando-se à preservação da memória dos militares brasileiros que participaram do conflito.
Esse sargento, antes de morrer, passou ao seu filho essa responsabilidade. O Sr Mário Pereira é extremamente
ativo na difusão e preservação da memória dos heróis da FEB.
O Monumento, atualmente, não
abriga mais os restos mortais de ou-
trora. No decorrer da história, os militares identificados foram transladados
para o Brasil, permanecendo apenas
um, não reconhecido, sob uma pirâmide de concreto com uma chama eterna
em seu topo, simbolizando o soldado
desconhecido. Com o fim do cemitério,
foi erigida uma muralha-monumento
para homenagear os mortos em combate, na qual constam, inscritos, os nomes de todos.
Nessa ocasião, foi realizada a cerimônia de hasteamento do Pavilhão
Nacional e cantado o Hino Nacional do
Brasil pela Comitiva, que teve a companhia de um grupo de turistas brasileiros que ali se encontravam.
Na parte da tarde, após o retorno
do Adido para a Embaixada, seguimos
para Borgo a Mozzano, onde foi realizada a visitação de fortificações alemãs que compunham a chamada Linha
Gótica. Encrustados no interior da rocha dos morros da região, compunham
um sistema defensivo em quatro linhas,
nas quais se posicionavam metralhadoras MG-42, que impediam o avanço
das tropas aliadas para o norte da Itália. A Linha Gótica se constituía no último dispositivo defensivo dos alemães
na Península Itálica, sendo assim, apresentaram-se sempre bastante dispostos em mantê-la.
Saindo do bunker, os Alunos foram
ao museu de Borgo a Mozzano, onde
puderam ter contato com objetos da
época, desde armamentos e instrumentos de medida, até goma de mascar e
terços católicos, que perteceram a soldados.
No caminho para Pisa, local onde
ficaram instaladas as tropas da FEB,
ainda houve a oportunidade de, mais
uma vez, constatar o profundo respei-
EsPCEx, onde tudo começa
81
EsPCEx
to nutrido pelos habitantes locais em
favor das tropas do Brasil, passando
por duas praças construídas em memória de seus feitos, em Camaiore e
Massarosa, conhecendo, neste último,
o local onde outrora fora o Posto Avançado da 1° DIE.
4° dia - 08 de outubro de 2014:
Porreta Terme e Monte Castelo.
A comitiva seguiu para Montese,
visitando inicialmente a Porreta Terme,
antigo Quartel General da FEB. O local
é marcado por uma decisão de coragem e bravura do Marechal Mascarenhas
de Moraes, que se negou a recuar,
mesmo aconselhado pelos comandantes americanos, a despeito das granadas que eram arremessadas constantemente sobre a posição. Essa decisão lhe custou caro. Porreta Terme ostenta o quarto maior número de baixas
da FEB.
Visitamos o local onde se localizava a última linha de tocas brasileiras diante de Monte Castelo, onde, atualmente, ergue-se um imponente monumento para honrar aquela que foi a
mais sangrenta batalha de que participou a FEB. Quatro tentativas malogradas de tomar o monte, até que, consagrando-se o soldado brasileiro como um
combatente de valor, na quinta tombou o monte que tantas vidas tirou de
nossas fileiras.
Seguindo o roteiro, foi realizada
uma visita ao museu de Lola, em que
se puderam ver uniformes tanto da FEB,
como da Divisão de Montanha norte
americana, da resitência italiana e das
forças nazistas. Na saída do museu, é
possível conhecer fortificações onde
ficavam mais instalações da Linha Gótica alemã.
82
Em Montese, pôde-se conhecer o
local onde o herói Sgt Max Wolf Filho
fora alvejado, assinalado por uma placa em sua homenagem.
Finalizando o dia de visitações, os
integrantes da missão travaram contato com o Sr Giovanni Sulla. Figura ilustre e especialista em objetos de militaria da FEB, que permitiu a nossa entrada no local onde está o seu acervo
pessoal. Portador de verdadeiras relíquias da época, esse italiano, nascido
em Montese, cresceu ouvindo as histórias a respeito dos pracinhas e recolhendo artefatos deixados na região.
Admirador da Força Expedicionária e
ativo no intercâmbio entre Brasil e Itália, é profundo conhecedor de história
militar.
5° dia - 09 de outubro de 2014:
Montese.
Após o pernoite em Montese, seguimos conhecendo os diversos monumentos e homenagens presentes na região, passando por Largo Brasile, Museu de Montese, uma pequena exposição de fotos na Prefeitura da cidade,
fortificações alemãs restauradas, culminando no posto de observação (PO)
utilizado pelo próprio Marechal
Mascarenhas de Moraes para conduzir
o cerco à cidade.
Saltou aos olhos dos militares presentes a quantidade de orifícios ocasionados por projéteis que ainda existem por toda parte na região, não apenas nos pontos centrais, como, por
exemplo, à frente da praça principal da
cidade, que é preservada como na época da guerra, para lembrar seus habitantes das atrocidades passadas.
EsPCEx, onde tudo começa
EsPCEx
Antes de partirmos para Boscaccio,
ainda subimos até um PO alemão, onde
pudemos comprovar a capacidade militar das tropas do Eixo na utilização do
terreno, uma vez que, do ponto onde
se encontravam, podiam ver toda a zona
de ação de Montese.
Diversas foram as paradas para
verificar as estátuas erigidas em nome
dos bravos soldados brasileiros, porém,
uma chamou a atenção da Comitiva.
Em um terreno particular, por iniciativa
própria, um morador instalou em uma
pedra do local, uma placa em homenagem aos soldados brasileiros, em uma
demonstração espontânea de gratidão
e admiração pela FEB.
Encerrando o roteiro, passamos
pelo monumento que homenageia a
bravura de três brasileiros que lutaram
até a morte frente a uma patrulha alemã e que, depois de enterrados pelos
nazistas, eles mesmos inscreveram em
suas cruzes os dizeres “A três bravos
brasileiros”. Uma prova inconteste do
valor de nossa tropa no campo de batalha.
6° dia - 10 de outubro de 2014: de
volta a Roma.
O último dia na Itália foi dedicado
à preparação para o embarque, à foto
oficial no escritório do Adido e às
visitações de dois pontos turísticos da
cidade: o Vaticano e o Coliseu.
No final da tarde, o embarque de
retorno para o Brasil.
importante, mas fundamental para o
êxito da missão.
Apesar de pouco estudado e comentado no ensino brasileiro, percebeu-se que, para os moradores da região, principalmente de Montese e
Porreta Terme, permanece, ainda hoje,
uma profunda admiração por parte de
seus moradores, tanto os mais velhos
como os mais jovens, pelo Exército Brasileiro, percebido pelo alto prestígio da
Comitiva por onde passava, atraindo
cumprimentos e cortesias de seus cidadãos.
Das histórias ouvidas por todo o
trajeto, saltam aos olhos a admiração
pelos soldados brasileiros, principalmente pela sua generosidade, sendo
sempre lembrados por trazerem alimentos aos civis que viviam sérias restrições devido aos racionamentos, por sua
alegria, através da música e por sua
miscigenação, incomum para os moradores dessas regiões.
Aos Alunos participantes, ficou não
só a admiração por pessoas anônimas
e, ao mesmo tempo, extremamente
comprometidas com a preservação da
história, como o Sr Mário Pereira e o Sr
Giovani Sulla, mas também a responsabilidade de, uma vez conhecedores
das proezas realizadas pelos nossos
soldados no além-mar, manter a chama da memória acesa.
Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro
1º Ten-Oficial Orientador da Comitiva
***
Conclusão
Findos os cinco dias de visitações
intensas, a Comitiva de Alunos levou
para a EsPCEx o sentimento de que a
participação da FEB, na libertação italiana do jugo nazista, não foi apenas
EsPCEx, onde tudo começa
83
EsPCEx
Codecorações Recebidas pelos Heróis da FEB na 2ª Guerra Mundial
Vê-se, ao centro, o emblema da FEB. Acima do emblema, da esquerda para
direita, Cruz de Combate 1ª Classe; U.S.A-Silver Star; Cruz de Combate 2ª
Classe. Abaixo do emblema, da esquerda para direita, U.S.A-Bronze Star;
Sangue do Brasil e Medalha de Campanha.
(*) O 1º Tenente, da Arma de Artilharia, Gustavo Henrique Rodrigues Moleiro foi aluno da Escola
Preparatória de Cadetes do Exército – EsPCEx, formando-se em 2005. Graduou-se na Academia
Militar das Agulhas Negras – AMAN em 2009. Realizou o Estágio de Manutenção Mecânica do
Sistema Bofors para oficiais (1ª Fase), na Escola de Artilharia Antiaérea, Rio de Janeiro-RJ
(2014). Chefiou a equipe de alunos na viagem de estudos sobre a atuação da FEB na 2ª Guerra
Mundial, nos campos de batalha da Itália. Atualmente é Instrutor da EsPCEx.
O Aluno André Andrade Longaray Filho, do 13º Pelotão, da 3ª Companhia de Alunos, integrou
a equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre a atuação da
FEB na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Longaray pertence à Turma Mestre de Campo General
Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014.
O Aluno Vinicius Henrique Rodrigues Chagas da Silva, do 14º Pelotão, da 3ª Companhia de
Alunos, integrou a equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre
a atuação da FEB na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Chagas pertence à Turma Mestre de Campo
General Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014.
O Aluno Rodrigo Correa Damasceno, do 9º Pelotão, da 2ª Companhia de Alunos, integrou a
equipe de estudos que foi à Itália para aprofundar seus conhecimentos sobre a atuação da FEB
na 2ª Guerra Mundial. O Aluno Rodrigo Correa pertence à Turma Mestre de Campo General
Francisco Barreto de Menezes, formada na EsPCEx em 2014.
84
EsPCEx, onde tudo começa

Documentos relacionados