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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
Telefone: +55 (31) 3280-2105
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio
Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo
Ferreira Vilela, Flávio Antônio dos Santos, Júnia
Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos,
Marilena Chaves, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,
Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli
Em 2011, durante palestra sobre seu (então) recém-lançado livro, o neurocientista Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade de Duke, na Carolina do
Norte (EUA), onde é diretor do laboratório de Neuroengenharia, fez uma previsão
ambiciosa: o pontapé inicial do jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 será
dado por um adolescente tetraplégico, usando um exoesqueleto (veste robótica
controlada por pensamentos). A um ano do campeonato esportivo, a cena ainda é
uma promessa, aguardada com expectativa. Mas a imagem nos ajuda a dimensionar
o quanto a ciência, a tecnologia e a inovação podem contribuir para a superação dos
limites do corpo humano na prática esportiva.
Próteses e dispositivos, como esse imaginado por Nicolelis, são, talvez, a
maneira mais direta de enxergar a ciência nos esportes. Pesquisas voltadas para esportes paraolímpicos envolvem o estudo de protocolos de treinamento, equipamentos para melhorar o condicionamento físico e desenvolvimento de novos produtos
para as modalidades disputadas. Mas os avanços científicos e tecnológicos estão
presentes também no maior entendimento do corpo humano, no uso de modelos e
simulações para alcançar melhores resultados e nos aparelhos que ajudam a melhorar a perfomance – desde um par de tênis até um “supertraje”.
A reportagem especial desta edição explora esse universo. E propõe uma
discussão não apenas sobre os efeitos benéficos da associação entre ciência e esportes, mas, também, sobre o aspecto ético da busca pela superação. Afinal, essa
questão passa pelo consumo de substâncias ilegais – elas próprias aperfeiçoadas
pela ciência – e pela oferta das tecnologias de forma democrática.
Outro destaque é um estudo desenvolvido pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um grupo de pesquisadores visitou
bairros degradados de várias cidades mineiras e analisou aspectos como ocupação
do bairro, questões históricas e culturais, realidade local, entre outros. A partir dessas informações, elaborou propostas de recuperação que respeitam as características de cada comunidade. Por meio de parcerias com os setores público e privado,
alguns projetos já saíram do papel, gerando oportunidades para o espaço físico dos
bairros e para as pessoas que nele habitam.
Na área da saúde, vale a pena conferir o trabalho de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa, que aprimoram o tratamento para recuperação de lesões
na córnea de animais. Eles desenvolveram um biomaterial que substitui a tradicional sutura, eliminando efeitos colaterais e garantindo a melhor recuperação. Já no
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), os avanços beneficiam
animais e humanos. Um grupo de pesquisadores testa uma vacina de uso veterinário contra a esporotricose, infecção fúngica que pode ser transmitida por gatos.
Produzida a partir da atenuação do patógeno por doses de radiação, a vacina irá
imunizar os animais e, com isso, interromper o ciclo de transmissão da doença.
Na seção de cartas, uma novidade. Nas próximas edições, publicaremos fotos de leitores da MINAS FAZ CIÊNCIA e um pequeno relato de sua experiência
com a publicação. Queremos, com isso, conhecer um pouco mais nossos leitores e
compartilhar experiências dentro dessa comunidade que se interessa por e que valoriza a ciência, tecnologia e inovação. As fotos podem ser enviadas para revista@
fapemig.br. As que não forem publicadas na revista estarão em nossa fanpage no
Facebook. Participe você também!
Vanessa Fagundes
Diretora de redação
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Diretora de redação: Vanessa Fagundes
Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.
Redação: Ana Flávia de Oliveira, Ana Luiza Gonçalves,
Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva
Jr., Vanessa Fagundes, Virgínia Fonseca e William
Ferraz
Diagramação: Fazenda Comunicação
Revisão: Sílvia Brina
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Rona Editora
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr.
Í N D I CE
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27
Um dos principais nomes
da pesquisa sobre narrativas
transmedia, Carlos Scolari fala à
MINAS FAZ CIÊNCIA
Saúde
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Saneamento
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Ecologia
Especialistas da Universidade
Federal de Viçosa criam método
para tratar lesões na córnea de
animais
Química
Espectroscopia Raman é o nome
da técnica capaz de múltiplas
aplicações, da análise de
superfícies à identificação de
componentes líquidos
Arquitetura
Por meio do Programa de
Arquitetura Pública, estudiosos
da UFMG auxiliam cotidiano de
moradores mineiros
A ciência e a tecnologia
ajudam atletas a superar
obstáculos e a vencer os
limites do corpo
Professores da Ufop e da UFMG
avaliam processo de eliminação
de resíduos sanitários do esgoto
Na Zona da Mata mineira,
refinaria ecológica de carvão
libera resíduos gasosos sem
componentes tóxicos
LEMBRA DESSA?
46
5 PERGUNTAS PARA...
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hiperlink
Pesquisa do CDTN revela idade,
níveis de pureza e direção de
deslocamento de mananciais
subterrâneos
Poeta e pesquisadora Ana Elisa
Ribeiro comenta o uso de novas
tecnologias em sala de aula
Engenharia
ambiental
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
ESPECIAL
Pesquisadores estudam
vacinas radioatenuadas para
o combate de infecções
fúngicas de importância
médica
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Engenharia
biomédica
Diagnóstico detalha incidência de
microcontaminantes e bactérias
nas águas da bacia do Rio Doce
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Veterinária
Cidadãos com deficiência são
beneficiados por tecnologias
assistivas desenvolvidas no
Sul de Minas
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ENTREVISTA
Confira artigo do professor Sérgio
Braga sobre as manifestações
populares no Brasil e novidades
do blog Minas faz Ciência
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Comunicação
Por que é difícil a consolidação
da grande imprensa em Minas
Gerais, apesar da relevância do
estado no contexto nacional?
em design institucional. Além disso, fico
sempre instigada a lê-la até o fim.
Maíra dos Anjos
CARTAS
Soube de MINAS FAZ CIÊNCIA por
meio de meu professor de Química. Achei
bem interessante a edição que ele levou
para que conhecêssemos. Gostaria muito
de assinar a revista, que poderia melhorar
meus conhecimentos, além de me ajudar
nos trabalhos de escola.
Izabella Brandão de Souza
Estudante
Juiz de Fora/MG
Super esclarecedora e interessante a
reportagem [“Lama depois do banho. Por
que seu cão faz isso?”, publicada em 8 de
maio de 2013]. Adorei! Ainda temos muito
a aprender. Parabéns!
Luzinete, por meio blog Minas Faz Ciência
arquivo pessoal
Venho comunicá-los minha satisfação quanto à revista MINAS FAZ CIÊNCIA,
publicação sempre muito bem diagramada,
com matérias interessantes e relevantes ao
universo do jovem universitário. O projeto
gráfico muito me satisfaz. Como estudante
de design gráfico, considero-a referência
Kelly da Silva Dias, de Carmo do Cajuru, no Centro-Oeste mineiro, acompanha cada edição de MINAS
FAZ CIÊNCIA. Professora de biologia, ela transmite ao filho, André, o gosto pela leitura e pela ciência.
“Depois que meu marido e eu lemos, levo a revista para a casa da minha mãe e a família toda lê”, conta.
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/
empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte
endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e
tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
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ESPECIAL
Quando
o saber
entra em
campo
Além de colaborar com a
evolução do esporte, ciência
instaura dilemas éticos por
questionar os limites do
homem – dos atletas de fim
de semana aos campeões
olímpicos
Maurício Guilherme Silva Jr.*
Vanessa Fagundes
*Colaborou Virgínia Fonseca
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Precisamente às 6h15, com o soar
dos acordes de sua canção predileta, ela
abre os olhos ao novo dia. De bom humor,
e já com o smartphone em mãos, cancela a
melodia que lhe despertara, põe a roupa de
ginástica – feita com tecido especial, capaz de amenizar a temperatura corporal – e
calça o tênis, cuja estrutura foi arquitetada
para não lhe agredir os pés. Já na academia, com a garrafinha térmica em mãos,
sobe na esteira eletrônica, equipamento
que, além de impedir impactos nos joelhos do usuário, revela tudo em detalhes:
distância percorrida, frequência cardíaca,
calorias eliminadas e ritmo de passadas.
Findo o exercício aeróbico, chega a vez da
musculação, atividade realizada em aparelhos inteiramente cambiáveis, aptos a se
adequar às especificidades físicas dos indivíduos. Por fim, sob a ducha de alto impacto, aprecia os músculos massageados
e imagina – satisfeita – os anos de vida
que acabara de conceder ao próprio corpo.
A protagonista da historieta acima,
caro leitor, é fictícia. Cenários, exercícios
e objetos, porém, fazem parte da rotina
de milhões de atletas – profissionais ou
amadores – em todo o mundo. Trata-se
de pessoas acostumadas a buscar, nos
progressos da ciência e da tecnologia, os
estímulos para que a prática de esportes
se torne cada vez mais simples, eficaz
e prazerosa. “As pesquisas têm proporcionado avanços em intervenções mais
efetivas para prevenção e reabilitação de
lesões, recuperação de atletas e melhoria
das performances. De forma positiva, a
ciência proporciona ferramentas e informações que auxiliam os profissionais do
esporte na tomada de decisões”, ressalta a
fisioterapeuta Natalia Franco Netto Bittencourt, pesquisadora da Escola de Educação
Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
da Universidade Federal de Minas Gerais
(EEFFTO/UFMG).
A ênfase na ideia de que a adequação
de métodos e ferramentas relaciona-se, diretamente, às escolhas pessoais de atletas
e técnicos faz com que o depoimento da
especialista defina, com propriedade, a
atual relação entre desenvolvimento científico e prática esportiva. Tal princípio, compartilhado pelo professor Emerson Silami
Na edição nº 53 de MINAS FAZ
CIÊNCIA, confira reportagem sobre
a estudante mineira, vencedora do
Prêmio Jovem Cientista 2012, que
desenvolveu tal tecido inteligente.
Garcia, diretor da EEFFTO/UFMG, também
se traduz no fato de que o auxílio da ciência
ao esporte já se apresenta, como prática
cotidiana, nos treinamentos da maioria das
modalidades olímpicas – principalmente,
entre profissionais das chamadas “potências”, os países que mais ganham medalhas em competições mundiais. “Grandes
resultados esportivos resultam de um
conjunto de fatores, que dizem respeito ao
perfil genético dos atletas, à qualidade dos
treinos, da nutrição e da recuperação, aos
estímulos e à motivação, ao reconhecimento social e ao material utilizado”, destaca.
Por trás das investigações em torno
de tantos detalhes, a dúvida permanece
como “mola propulsora” dos trabalhos a
serem realizados. “Toda pesquisa é motivada por incertezas e pela busca de respostas a uma série de questões. Muitas
vezes, contudo, encontram-se diferentes
alternativas para o mesmo problema”,
ressalta Emerson Silami, ao destacar que
isso ocorre em função de um mesmo desafio estimular soluções as mais diversas.
“Pode ser, ainda, que a metodologia usada
não seja a mais adequada ou que nenhuma
das respostas sirvam de solução correta
para o problema”.
No caso dos esportes, além da conversão de dúvidas em hipóteses científicas,
a procura de solução aos desafios leva a
outras inúmeras incertezas – que, por sua
vez, acabam por exigir novos estudos.
“Como exemplo, lembro que os resultados
de pesquisa em torno dos efeitos de diferentes tipos de treinamento físico sobre a força
muscular masculina podem se distinguir
bastante das respostas colhidas em análise
similar, mas feita apenas com mulheres”,
comenta o professor da UFMG, instituição,
aliás, onde as investigações multifacetadas
iniciaram-se na década de 1970.
Também no ver do sociólogo e jornalista Juca Kfouri – um dos mais aclamados
comentaristas esportivos do país –, as cer-
tezas, em regra, costumam conduzir ao insucesso, não apenas no que diz respeito às
pesquisas científicas, mas, principalmente,
à trajetória dos atletas. “Que os digam as
incontáveis histórias em que o vencedor
antecipado foi fragorosamente derrotado.
A dúvida, ao contrário, estimula a competição, a começar pela vontade de superar a
si mesmo”, completa.
Treinos e reabilitação
O que dizer, porém, das perspectivas
do desenvolvimento científico ligado ao esporte? Na UFMG, segundo Emerson Silami,
os horizontes são bastante promissores.
“Por meio de financiamento entre a Universidade, a Secretaria de Estado do Esporte e
da Juventude de Minas Gerais e o Ministério
do Esporte, estamos construindo o Centro
de Treinamento Esportivo (CTE), um núcleo
de ciências aplicadas ao esporte que reunirá
docentes-pesquisadores de vários cursos e
permitirá, além de vasta produção científica,
a formação de recursos humanos”, explica
o professor, ao afirmar, ainda, que o CTE
Na Escola de Educação Física,
Fisioterapia e Terapia Ocupacional da
UFMG, as pesquisas aplicadas ao esporte iniciaram-se como fruto do trabalho pioneiro dos professores Sílvio
Raso e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues. À época, já se realizavam estudos,
com atletas de múltiplas modalidades,
no Laboratório de Fisiologia do Exercício (Lafise). A partir dos anos 1980,
com a criação do programa de Pós-Graduação em Ciências do Esporte, e,
especificamente em 1996, com a fundação do Centro de Excelência Esportiva
(Cenesp), as investigações acadêmicas
avançaram de modo significativo. Tempos depois, surgiria o Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, por meio do qual foram implantados laboratórios e linhas de pesquisa,
hoje responsáveis pela produção de
vasto volume de artigos, apresentados
em periódicos e eventos nacionais e
internacionais. Destaque, ainda, para
o atendimento à comunidade externa,
com ênfase no trabalho com atletas de
alto desempenho.
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oferecerá orientação multidisciplinar aos
atletas brasileiros, para que melhorem a
composição de seus treinamentos.
Ligada ao Laboratório de Prevenção
e Reabilitação de Lesões Esportivas da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, Natalia Franco atenta para outra importante vertente do
relacionamento entre esporte e ciência: a
recuperação de indivíduos que passaram
por graves problemas de saúde. “Baseado
em evidências científicas, e de forma segura, um fisioterapeuta é capaz de acelerar
a reabilitação de um atleta, assim como
de diminuir seu tempo de afastamento e,
consequentemente, reduzir os prejuízos físicos, psicológicos, técnicos e financeiros
resultantes da lesão”.
Outra efetiva vantagem dos avanços
do conhecimento está, segundo a pesquisadora, na transformação da natureza das
decisões relativas à prática esportiva dos
indivíduos, que, agora, são observados
por equipes multidisciplinares. Natalia
explica que, atualmente, nas modalidades
de alto rendimento, a troca de informações
entre áreas – Preparação física, Fisiologia,
Medicina, Fisioterapia etc. – revela-se imprescindível à prevenção de lesões ou à
melhoria de performances.
Iniciativa exemplar do uso da ciência
em prol do esporte (veja box com outros
casos na página 9), conforme lembra Juca
Kfouri, ocorreu com o time de futebol do
São Paulo, que, na Taça Libertadores de
1992, jogaria na cidade boliviana de Oruro,
localizada a cerca de 4 mil metros acima do
nível do mar. “O fisiologista do time resolveu levar o time para fazer testes na Escola
Paulista de Medicina, numa câmara que simulava os efeitos da altitude”, conta. Após
a atividade, diagnosticou-se que, no país
vizinho, certos jogadores brasileiros não
suportariam mais do que meio tempo em
campo. “Por outro lado, constatou-se que
um único atleta, o Palhinha, poderia jogar
os 90 minutos – ou até um pouco mais –
sem sentir nada. Resultado? O São Paulo
ganhou por 3 a 0, com três gols do jogador”, recorda-se Juca.
Quem quer dinheiro?
A Copa do Mundo de Futebol será realizada, em 2014, no Brasil. Para os jogadores
das seleções participantes, o evento terá uma
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novidade: a Fifa passou a adotar o passaporte biológico como forma de combater o
doping. O “documento” é um perfil genético
dos atletas produzido a partir de amostras de
sangue e de urina, que permitem montar um
banco de dados com informações como nível
de hormônios, de esteroides e características
hematológicas. As informações são armazenadas e servirão como referência, podendo
ser comparadas a testes antidoping realizados no futuro. Ou seja, se houver variação de
substâncias em coletas posteriores, o esportista será investigado para justificar a alteração. Caso contrário, pode ser julgado como
usuário de doping.
Ao contrário dos exames convencionais, no qual se detecta a substância proibida no sangue ou na urina de um atleta,
o passaporte biológico ajuda a descobrir
os efeitos do doping no organismo. Ele
já é usado por outras entidades esportivas, como a União Ciclista Internacional,
a Federação Internacional de Atletismo e a
Federação Internacional de Tênis. Um teste
foi realizado com as equipes participantes
da Copa das Confederações, ocorrida em
junho de 2013, com o objetivo de começar a
desenvolver os perfis dos atletas.
O uso de substâncias proibidas para
melhorar a performance – e o desenvolvimento de técnicas para identificar e combater
essa prática – também estão ligados à aplicação dos avanços científicos e tecnológicos no campo dos esportes. Natalia Franco
aponta, por exemplo, a existência de profissionais acostumados a usas as tecnologias
para ampliar os limites do corpo. “Nestes
casos, em nome de bons resultados e de
mais recursos financeiros, essas pessoas
acabam por se distanciar da ética esportiva”,
denuncia.“Muitas vezes, pergunto-me se não
seria o caso de liberar tudo, já que parece claro não existir atleta de alto rendimento que,
um dia, sabendo ou não, não tenha sido dopado para melhorar sua performance”, opina
Juca Kfouri, ao destacar, ainda, o perigoso
“jogo” do dinheiro: “Infelizmente, a ética é
esmurrada pela ganância promovida pelo
esporte e seus recordes e medalhas e troféus.
O esporte de competição, além de não fazer
bem à saúde, só foi exemplar mesmo na frase
hoje ridicularizada do Barão de Coubertin”,
ironiza, em referência ao “pai” dos jogos
olímpicos modernos.
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Na visão de Emerson Silami, os
principais dilemas não se referem, necessariamente, às atividades científicas ou ao
campo da ética. “Alguns pesquisadores
podem não seguir preceitos éticos, como
já ocorreu muitas vezes na história, mas
isto não diminui a importância da ciência”,
esclarece. Com relação ao uso de drogas
para melhoria do desempenho esportivo,
o professor acredita que as autoridades do
esporte já fizeram sua parte, ao tomar uma
decisão há várias décadas. “Atletas pegos
usando drogas são punidos exemplarmente, com penas de suspensão que podem
chegar a quatro anos ou, mesmo, à eliminação do esporte. Isto tem acontecido com
frequência”, completa Emerson Silami.
Com relação ao consumo de suplementos alimentares – o que inclui bebidas
esportivas –, o pesquisador diz não existirem evidências científicas de que elas sejam eficazes. “As ‘pesquisas’ usadas como
fundamentação para estes produtos são de
qualidade duvidosa”.
Alta performance
Nos esportes paraolímpicos, as contribuições da ciência e da tecnologia são
variadas. Elas estão presentes nos sistemas de treinamento que ajudam o atleta
a atingir seu potencial; na adaptação dos
equipamentos usados em cada modalidade, garantindo melhor desempenho e
resultados; e nos modernos dispositivos e
próteses, como aquelas que permitiram ao
brasileiro Alan Fonteles conquistar quatro
medalhas – três ouros e uma prata - no
A origem dos esportes paraolímpicos relaciona-se ao fim da Segunda
Guerra Mundial. O término do conflito
deixou como herança um grande número de ex-combatentes com lesões corporais. Isso influenciou o início de um
trabalho de reabilitação médica e social,
como forma de restabelecer a saúde física e mental dos veteranos de guerra. As
primeiras competições esportivas ocorreram na década de 1960 e, em 1989,
foi criado o Comitê Paralímpico Internacional. Hoje, 28 modalidades compõem
o programa dos Jogos Paralímpicos.
mundial de atletismo paraolímpico disputado em Lyon (França), no mês de julho,
e bater o recorde mundial dos 200 metros
da categoria T43 (biamputado das pernas).
“A pesquisa em esportes paraolímpicos é muito importante. Apesar de os atletas
brasileiros conseguirem excelentes resultados, a área ainda é carente de bons equipamentos e locais de treinamento”, aponta
Cleudmar Amaral Araújo, pesquisador da
Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Na
Universidade, um grupo multidisciplinar
está envolvido com o projeto que promete
ser um dos mais importantes centros de
pesquisa sobre esportes paralímpicos do
Brasil, o Núcleo de Reabilitação/Reabilitação de Esportes Paralímpicos (NH/Resp).
O NH/Resp é um dos núcleos de
tecnologia assistiva aprovado em edital
do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação como parte do programa “Viver sem Limites”, do governo federal. Ele
envolve pesquisadores não só da UFU,
mas também de outras universidades,
empresas e associações. “São mais de
30 profissionais de áreas como educação
física, medicina, odontologia, fisioterapia
e engenharias mecânica, de produção e
mecatrônica”, conta Araújo. O objetivo é
desenvolver atividades de pesquisa com
foco em pessoas com deficiência na área
de esportes paraolímpicos, melhorando a
performance e a inclusão.
Um dos projetos é o ergômetro para
cadeirantes, que avalia a condição física e
pode ser utilizado em treinamentos para melhorar a eficiência muscular, para exercícios
de fisioterapia e avaliações cardiológicas.
Sua vantagem é simular a condição real de
funcionamento de uma cadeira de rodas,
como o movimento que um atleta paraolímpico faz. O produto, que possui patente,
pode ser utilizado em esportes como basquete, tênis e rúgbi, cujos atletas utilizam a
cadeira de rodas para locomoção.
Outro trabalho se dedica a aprimorar os apetrechos utilizados na bocha. Na
modalidade paraolímpica, competem paralisados cerebrais severos que utilizem
cadeira de rodas. O objetivo é lançar bolas
coloridas o mais perto possível de uma
bola branca chamada de jack (ou bolim, no
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Brasil). Para o lançamento, é permitido o
uso de uma calha, que direciona a bola. O
grupo do NH/Resp está projetando novos
modelos do aparato, de forma a incrementar o desempenho e oferecer uma opção
ao produto disponível no mercado, que
é importado. Para isso, eles contam com
a ajuda dos treinadores, que relatam as
dificuldades e apresentam as demandas.
“Hoje, as pesquisas relacionadas a esportes paraolímpicos são feitas de forma isolada. O NH/Resp vai agregar essas pessoas
e conhecimentos”, acredita Amaral.
Esporte para todos?
Apesar de importantes à evolução do
esporte no mundo, a verdade é que, nem
sempre, descobertas científicas ou inovações tecnológicas são disseminadas de
modo equânime. “Quando um equipamento está disponível apenas a poucos, principalmente à elite, há grande desigualdade
de oportunidades. Ao contrário, se todos
tiverem a possibilidade de usar novos recursos, capazes de auxiliar a performance
de forma ética, as disputas ficarão mais interessantes”, acredita Natalia Franco.
No que diz respeito aos ideais de democratização do acesso à inovação científica no esporte, nada mais interessante do
que assistir aos jogos paraolímpicos. Em
tais eventos, é possível perceber o modo
como a ciência se dissemina entre aqueles que, por motivos diversos, passariam
a colecionar limites e obstáculos em vida.
“O esporte paraolímpico talvez seja o futuro. Para certos especialistas da área de
reabilitação, em alguns anos, ele será mais
visto no mundo do que os olímpicos. Isso
se deve, justamente, à surpreendente interação entre superação humana e tecnologia”, comenta a pesquisadora.
Com relação ao cotidiano dos cidadãos
comuns, que praticam esportes por lazer, ou
em busca de melhores condições de saúde,
inúmeras tecnologias – móveis, principalmente – têm-se revelado grandes aliadas.
“Elas realmente facilitam o dia a dia das
pessoas. Trata-se de programas que podem
proporcionar agilidade e controle durante as
atividades. Além disso, é possível fazer exercício em qualquer lugar, sem depender de
academias”, opina Natalia Franco.
Apesar dos benefícios, o público-alvo
de tais equipamentos ou softwares deve
possuir experiência em atividade física,
pois há de necessidade de que se conheça,
previamente, o tipo de estímulo que está
sendo realizado. “Na clínica, já atendi a
pacientes com dor e lesão no tendão, após
várias horas jogando tênis no X-Box. Portanto, antes de iniciar qualquer atividade,
mesmo que em videogames ou aplicativos,
é preciso procurar um médico e um fisioterapeuta para identificar riscos”, conclui.
Em nome da vitória
Em vários momentos, ciência e esporte são aliados. Em outros, essa associação suscita debates
sobre até que ponto a ciência deve interferir em uma prática que, por definição, está associada ao físico e
à destreza humanos.
Cria de Hipócrates?
Matemática em campo
Supermaiôs
Simulações e cálculos também
ajudam os atletas. Na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), o
professor da Faculdade de Educação
Física Sérgio Augusto Cunha criou
uma análise que possibilita enxergar
a evolução do salto dos goleiros de
futebol com o uso de uma plataforma de força e do computador. Foram
estudados o impulso e a força-pico,
particularidades do salto do goleiro,
procurando aumentá-los para melhorar esse movimento. A técnica
já pode ser utilizada em campo. A
plataforma de testes é móvel e, nos
treinamentos, permite ao técnico
analisar a curva de força no tempo e
a potência do atleta. A expectativa é a
de que os testes, até então feitos com
voluntários amadores, envolvam
agora goleiros profissionais.
Para o sociólogo e jornalista Juca Kfouri, um exemplo da importância dos avanços científicos e tecnológicos para o sucesso de atletas
é o caso do jogador Ronaldo Nazário. “O maior fenômeno, em Ronaldo, foi a Medicina quem causou, ao reconstruí-lo, por quatro vezes, e
permitir que voltasse aos gramados”. Ele lembra, também, da Copa de
1970. “Em 1970, a ciência preparou de tal forma a seleção brasileira
para jogar nas alturas da Cidade do México que, mesmo quase ao nível
do mar, em Guadalajara, o time praticamente ganhou aquela Copa – a
do tricampeonato – nos segundos tempos dos seis jogos”.
Os anos de 2008 e 2009 ficaram conhecidos como a época dos
supermaiôs. Os trajes foram desenvolvidos para ajudar os atletas
a melhorar seu desempenho, aumentando a hidrodinâmica e diminuindo a resistência entre o corpo e a água. Para isso, os supermaiôs
são feitos com um material muito leve, sem nenhuma rugosidade e
que repele a água. Uma solda ultrassônica une os pedaços de tecido
sem precisar de costura e o material de sua composição comprime certos grupos musculares, diminuindo o esforço do atleta. Pela
possível influência nas sucessivas quebras de recordes, a Federação
Internacional de Natação (Fina) baniu os trajes em 2010.
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Pátria de chuteiras,
tênis, maiôs...
Já entre os profissionais...
Virgínia Fonseca
Quando o assunto é esporte, difícil
desassociar a imagem de “Brasil, o país
do futebol”. Mas, afora a paixão pelos gramados, quais são, afinal, as preferências
esportivas da população brasileira?
• Trinta por cento dos respondentes de pesquisa realizada pelo Ibope
Media, em 2011, afirmam praticar algum
esporte, enquanto a maioria, 61%, limita-se a assistir a jogos, pessoalmente ou
pela TV. Por sua vez, outros 25% dizem
assistir e praticar.
• De acordo com a sondagem, a
atividade mais praticada é a caminhada
(47%), que, na média geral, fica à frente até
do futebol. O esporte do rei Pelé, no entanto, ainda predomina no gosto masculino.
Já na preferência feminina, em segundo
lugar, vem a ginástica e... o futebol!
• Os esportes favoritos são: caminhada, futebol, vôlei, ginástica, natação,
corrida (cooper), ciclismo, aeróbica, pesca, basquete, handebol, atletismo e luta.
• Os meios mais utilizados pelos
brasileiros para se informar sobre seus esportes prediletos são: televisão (72%), rádio (21%), internet (16%), jornais e revistas. O futebol ainda domina como esporte
mais acompanhado, independentemente
da plataforma, seguido pelo vôlei.
• Entre as 18 personalidades do
mundo esportivo mais citadas na pesquisa
de TV, os cinco primeiros em preferência
são: Ronaldo Fenômeno (15%), Neymar
(12%), Pelé (11%), Ronaldinho Gaúcho
(8%) e Ayrton Senna (3%). Os praticantes
de esportes, porém, destacam, também,
outros nomes: Giba (lembrado pelo público feminino), Messi (público masculino),
Kaká (adolescentes), Robinho (jovens) e
Zico (adultos).
O Brasil irá sediar, em 2014 e
2016, dois dos maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo de
Futebol e as Olimpíadas. Você já parou
para pensar como anda o desempenho
dos atletas profissionais brasileiros?
Desde sua primeira participação
nos Jogos Olímpicos, em 1920, o país
conquistou 108 medalhas, sendo 23 de
ouro, 30 de prata e 55 de bronze. Com
esses resultados, o país ocupa, até o
momento, a 37º colocação no quadro
geral de medalhas olímpicas.
Já no futebol, os resultados são
mais animadores: a seleção brasileira
tem cadeira cativa entre as favoritas. Detém o maior número de títulos de Copas
do Mundo – cinco –, além de outros recordes, como o de artilharia – Ronaldo
Fenômeno, com 15 gols –, que ajudam
a entender o percentual de envolvimento
entre homem e esporte (não explicado
pela ciência).
A genética como protagonista bem dotado geneticamente”, esclarece o anos, especialmente no atendimento de
O professor Emerson Silami explica
que a fadiga é responsável pela redução da
capacidade de rendimento dos atletas durante uma competição – o que, aliás, pode
ser um dos motivos que levam à derrota de
indivíduos ou, mesmo, de equipes esportivas. “Entretanto, não se pode atribuir todas
as derrotas à fadiga e à nutrição inadequada. O grande atleta não vence apenas por
se cansar menos, mas, também, porque
está qualificado, possui talento e é mais
professor, ao destacar, ainda, a relevância
de treinamento adequado, de experiência e
do uso de acessórios modernos.
Mesmo que recebam as mesmas
oportunidades, porém, os indivíduos continuarão a desenvolver performances distintas. “Os grandes atletas têm acesso à
mesma tecnologia e aos mesmos métodos
de treinamento, mas existe um fator que
não pode ser alterado: a genética”, afirma
Emerson, para quem as pesquisas na área
ocuparão lugar de destaque nos próximos
questões relacionadas à seleção de talentos para os diferentes esportes.
Conforme se pode facilmente perceber, a importância da herança genética
manifesta-se com clareza, por exemplo, na
seleção de jogadores de basquete e vôlei,
quase todos com estatura elevada. “Convém lembrar que as pesquisas genéticas
já eram desenvolvidas com outros fins,
principalmente na Medicina. Os cientistas
do esporte apenas passaram a usar tais conhecimentos em sua área”, finaliza.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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ENTREVISTA
(Trans)
notícias da era
colaborativa
Renomado especialista em narrativas transmedia, Carlos Scolari, da
Universitat Pompeu Fabra, fala sobre novas tecnologias, educação,
ciência, ficção e jornalismo
Maurício Guilherme Silva Jr.
Muitos foram os fãs da série norte-americana Lost que, inconformados com o desfecho oficial da atração, ousaram criar versões
próprias para o fim das aventuras de Jack,
Hurley etc. Resultado? Milhares de vídeos,
HQs, jogos interativos e outras tantas produções capazes não apenas de recontar os
últimos momentos dos personagens, mas,
principalmente, de gerar relatos complexos,
em função de sua natureza compartilhada
e colaborativa. Eis, de modo sucinto, um
exemplo de como nascem – neste caso, no
“território” da ficção – as chamadas narrativas transmedia (ou NTs).
“Lost expandiu seu universo narrativo em muitos meios e, ao mesmo tempo,
gerou um fenômeno mundial impossível
de se pensar sem as redes sociais”, esclarece Carlos A. Scolari, professor da
Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona,
e um dos mais importantes pesquisadores
do tema no mundo. Doutor em Linguística
Aplicada e Linguagens da Comunicação, o
pesquisador comenta, nesta entrevista, as
potencialidades das redes transmidiáticas,
os novos processos de ensino-aprendizagem e os futuros desafios do jornalismo.
12
Como o senhor definiria o termo
transmedia? O que o distingue de outras
designações contemporâneas, como multimedia e hipermedia?
Por narrativa transmedia (NT) se
entende um tipo de relato que, em primeiro lugar, se expande por meio de muitos
meios. Uma NT pode nascer numa História em Quadrinhos e expandir-se a um
videojogo, ao cinema, a um romance (ou
vice-versa). Por sua vez, participa ativamente dessa expansão parte importante
dos consumidores, os quais terminam por
converter-se em “prosumidores”: consumidores e produtores textuais ao mesmo
tempo. Multimedia é conceito típico dos
anos 1990, que fazia referência à confluência, ou convergência, de linguagens num
mesmo meio. Como exemplo, cito o CD-ROM. Já Hipermedia é uma extensão do
velho conceito de hipertexto: trata-se de
uma rede de textos unidos por enlaces. No
caso de hipermedia, os textos que formam
a rede podem ser escritos, sonoros, audiovisuais etc. Todos estes são conceitos pró-
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
ximos, mas nomeiam experiências textuais
diferentes entre si.
Como nasceu seu interesse pela
investigação do fenômeno transmedia?
Qual seu histórico – acadêmico e pessoal
– com o tema?
Desde 1992, dedico-me a estudar
os novos meios digitais e interativos. Há
cerca de oito anos, contudo, descobri que
não podemos compreender os new media
se não os relacionarmos com os old media
(rádio, cinema, televisão etc.). Dessa maneira, fui-me cercando da chamada Media
Ecology, enfoque holístico que abarca todas as experiências e tecnologias midiáticas. Neste contexto, as narrativas transmedia são os fenômenos mais interessantes
a emergir de tal ecologia: nelas, os velhos
e novos meios convivem e se articulam ao
redor de um relato.
No que diz respeito à construção de
narrativas, uma questão se afirma: para
certos pesquisadores, a chamada transmedia storytelling diria respeito, tão somente,
Foto: Marcus Pontes/UNI-BH
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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“Uma narrativa transmedia
pode nascer numa História
em Quadrinhos e expandirse a um videojogo, ao
cinema, a um romance (ou
vice-versa). Por sua vez,
participa ativamente dessa
expansão parte importante
dos consumidores, os quais
terminam por converterse em “prosumidores”:
consumidores e produtores
textuais ao mesmo tempo”
às atuais possibilidades de “alongamento”
das “histórias” que contamos, a partir,
principalmente, de um cânone, mas – sempre – por meio das novas tecnologias. Em
suas aulas, porém, o senhor cita o caso da
Bíblia, documento que, ao longo do tempo,
transmutou-se numa série (infinita, ao que
parece) de narrativas. Neste sentido, pergunto-lhe: seria realmente possível dizer
que o livro sagrado dos cristãos seja uma
espécie de experiência milenar de narrativa
transmedia? A tecnologia – e, principalmente, a presença da internet – não seria
vital à definição de tal processo?
O relato cristão cumpre os critérios
ção transmedia deveria abarcar diferentes
meios e linguagens. Não é à-toa que muitos intelectuais defendam os chamados
polialfabetismos: não basta saber ler e
escrever! É preciso aprender a expressar-se em outras linguagens como a audiovisual! Ademais, uma educação transmedia
deveria recuperar os conteúdos gerados
pelos estudantes e utilizá-los nos processos de ensino-aprendizagem. A educação
transmedia deveria ser mais polifônica e
participativa.
para ser considerado uma narrativa transmedia: é uma história que se contou por meio de
diferentes meios ao longo da história (livro,
iconografia popular, vitrais das igrejas etc).
Além disso, aparecerão novos personagens (santos, mártires etc.) e os usuários darão suas contribuições (ex-votos,
relatos de milagres e aparições etc.).
Agora, as redes digitais permitem que as
narrativas transmedia se expandam a muitos outros espaços de comunicação, como
páginas web, redes sociais, mas, sobretudo, são um lugar privilegiado para que os
usuários compartilhem e distribuam seus
conteúdos. Sites como YouTube ou Fanfiction.net são espaços fundamentais para
que os usuários se expressem e expandam
seus relatos preferidos.
O senhor também investiga o uso de
recursos transmedia como iniciativa auxiliar aos processos pedagógicos e educacionais. Neste sentido, poderia, por favor,
comentar resultados de suas pesquisas na
área? Arrisco-me, inclusive, a lhe perguntar de modo direto: de que modo enxerga o
futuro da educação no mundo?
A educação segue sendo, em grande
parte, monomidiática. A escola, em muitos
lugares, segue girando em torno do livro:
é uma educação livro-cêntrica. Por outro
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lado, as produções textuais dos alunos
servem apenas para avaliá-los, e não se
reutilizam dentro do sistema. Uma educa-
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Ainda em relação aos processos
educacionais, seria possível afirmar que as
novas tecnologias tendem a facilitar o processo de aprendizado e/ou de aprimoramento linguístico e intelectual de crianças
e adolescentes? De que modo, hoje, tais
recursos (plataformas, dispositivos, serviços etc.) influenciam – do ponto de vista
cognitivo, principalmente – a forma como
estudantes “consomem” e/ou “absorvem”
conteúdo simbólico?
Cada momento da história da humanidade tem sua própria tecnologia educativa: a tabuleta de cera, a ardósia, o livro.
Hoje, estamos na era das telas interativas
e das redes digitais. Isto, evidentemente,
muda os atores que participam do processo de ensino-aprendizagem (não é o mesmo numa geração que cresceu lendo livros
e outra que cresceu com a Wikipedia e The
Sims) e afeta as dinâmicas educativas. As
instituições educativas, como sempre, tardam em adaptar-se a estas transformações.
A atitude natural da escola é rechaçar as
novas tecnologias. Até que consiga domesticá-las e incorporá-las ao dispositivo
educativo. Nisso estamos.
Que dados quantitativos, acerca do
uso de novas tecnologias, o senhor ressal-
taria? Tais números estariam diretamente
relacionados ao progresso da narrativas
transmedia no mundo?
Eu creio que o dado demolidor é que,
em maio de 2013, existiam no planeta 6,8
bilhões de contratos de comunicação com
dispositivos móveis. Isto é, uma penetração de 96,2%. Cerca de 2 bilhões desses
contratos são de banda larga. Ou seja, por
meio deles, as pessoas terão acesso rápido
aos conteúdos audiovisuais da rede. Em
poucos anos, a maioria dos contratos será
de banda larga. As consequências sociais,
políticas, econômicas e culturais desta difusão capilar da tecnologia móvel – que
permite ingressar a qualquer momento, e
quase de qualquer lugar, às redes digitais
– são difíceis de prever. É uma combinação
tecnológica potencialmente disruptiva.
“A ciência é, em grande
parte, monomidiática. E os
investigadores publicam
papers e livros para mostrar
e compartilhar seus estudos.
Todavia, ainda há um vasto
caminho a percorrer. Por que
o conhecimento científico
deve ser assim? Por que não
difundir e compartilhar as
investigações por meio de
formatos audiovisuais ou
interativos?”
O senhor escreveu inúmeros artigos
e livros sobre o fenômeno Lost, série de TV
ampliada pela ação das NTs. Para comentar a evolução transmedia dos produtos de
ficção, seria possível comparar a trajetória
do programa ao desenvolvimento de séries
de televisão em outros períodos? De que
modo a construção da narrativa é hoje potencializada?
Seria interessante comparar Lost
com The Prisoner, série inglesa dos anos
1960 que tinha elementos fantásticos,
muito parecidos à produção de J.J. Abrams. Mas, para além das similitudes narrativas – em The Prisoner, o personagem
estava numa ilha onde se passavam coisas
extraordinárias –, Lost expandiu seu universo narrativo em muitos meios (livros,
videojogos, jogos de realidade alternativa,
páginas web etc.) e, ao mesmo tempo, gerou um fenômeno mundial impossível de
se pensar sem as redes sociais. O debate
interpretativo de cada capítulo de Lost nas
redes, em escala planetária é um fenômeno
que não deixa de fascinar-me!
No que tange à não-ficção, de que
maneira, a seu ver, o jornalismo poderia
se alimentar dos recursos das narrativas
transmedia?
O jornalismo já é uma narrativa transmedia. As informações são um relato, uma
forma de storytelling que se conta por meio
de muitos meios e plataformas. Uma notícia pode começar no Twitter, continuar em
um portal informativo na web, seguir na rádio ou na televisão e terminar em um jornal
impresso, no dia seguinte. De outro lado,
os usuários participam, cada vez mais,
do relato informativo. Ou seja, o discurso
jornalístico cumpre com os requisitos para
ser considerado uma narrativa transmedia.
De que modo o próprio discurso da
ciência – atividade humana marcada por
criteriosos procedimentos metodológicos
e paradigmáticos – poderá se transformar
a partir das possibilidades das NTs?
Assim como a educação, a ciência é,
em grande parte, monomidiática. Os investigadores devemos publicar papers e livros
para poder mostrar e compartilhar nossos
estudos. Todavia, ainda há um vasto caminho a percorrer. Por que o conhecimento
científico deve ser monomidiático? Por que
não difundir e compartilhar nossas investigações por meio de formatos audiovisuais ou interativos? Por outro lado, fala-se
cada vez mais da Ciência 2.0, um espaço
democrático de produção científica, aberto
à participação dos cidadãos. Já nos anos
1960-70, investigadores, como Marshall
McLuhan, assumiram que o conhecimento
científico deveria ser transmedia. McLuhan
editou seus livros junto a designers gráficos, registrou um disco com sua obra,
The Medium is the Massage, e não perdia
a ocasião de ser entrevistado na televisão.
Apareceu, inclusive, num filme de Woody
Allen: Annie Hall. Sem lugar para dúvidas, podemos dizer que McLuhan era um
intelectual que se expressou de maneira
transmedia.
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Veterinária
Pela lu
z dos
olhos t
eus
A partir de materiais biológicos, pesquisadores
da UFV desenvolvem tratamento pioneiro para
recuperação de lesões na córnea de animais
William Ferraz
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“Ora, não percebeis que com os
olhos alcançais toda a beleza do mundo?”. Os fragmentos da poética descrição
de Leonardo di Ser Piero da Vinci, em um
de seus artigos, demonstram o valor, para
o ser humano, do sentido da visão. E não
é para menos. Em um olhar de relance,
pode-se detectar tantas informações que
a descrição não caberia no papel: cores,
padrões de luz, contornos, texturas, profundidades...
A visão, enfim, revela-se ferramenta a influenciar, incisivamente, a maneira
como grande parte dos seres se insere no
ambiente. Entre os vertebrados terrestres,
é um sentido muito pronunciado. Os primatas – ordem na qual enquadram-se os
humanos – possuem grande acuidade
visual. Daí nossa paixão por contemplar
coisas. Apesar disso, mesmo em espécies
que contam com outros aguçados aparatos
sensoriais – os focinhos e ouvidos de felídeos e canídeos, por exemplo –, a visão
ainda tem função muito bem definida. Que
o digam os cães e gatos, com seu fascínio
por tudo aquilo que se move e seus cristalinos refletores, que os tornam excelentes
observadores noturnos.
Nisso tudo, contudo, há um paradoxo. Nos vertebrados, o escudo responsável
por resguardar essa ferramenta – os olhos
– resume-se a uma sensível camada de
poucos milímetros de espessura, a córnea.
Situada à frente da íris, a delicada membrana é bastante suscetível a ferimentos.
“Lesões na córnea são muito frequentes e
podem se originar a partir de qualquer tipo
de trauma: queimaduras, irritações constantes, conjuntivites, arranhões. Em animais domésticos, são comumente causadas durante brigas ou exposição à poeira”,
explica Andrea Pacheco Batista Borges,
doutora em Ciência Animal e professora
da Escola de Veterinária da Universidade
Federal de Viçosa (UFV).
Como os animais não manifestam
incômodo causado pelo ferimento, o proprietário, geralmente, só percebe enfermidades quando a lesão já se encontra em
estado avançado, agravado por irritações
ou infecções. “O resultado é dor abundante, fotofobia, secreção excessiva, campo de
visão comprometido, dentre outros sintomas”, completa a pesquisadora, ao lembrar
que, em muitos casos, apenas a intervenção cirúrgica pode reparar o problema.
Em situações convencionais, o procedimento tomado em casos de doenças
e feridas no globo ocular consiste na aplicação de gaze ou curativo sobre o local
atingido. Segundo Andrea Pacheco, não
se trata do método recomendável para
quadros de lesões na córnea. “O uso de
curativo sobre as ulcerações provoca
atrito constante, que pode exacerbar a
irritação, vindo a causar inflamações no
local. Além disso, a falta de oxigenação
por abafamento prejudica a recuperação
do tecido”, esclarece.
Novas pesquisas
A alta incidência de lesões de córnea
diagnosticadas em animais domésticos e a
baixa disponibilidade de recursos para o
tratamento adequado desse tipo de quadro
levaram a pesquisadora a iniciar, na UFV, a
linha de estudos intitulada “Tratamento de
Úlcera de Córnea Penetrante com a Utilização de N-Butil Cianoacrilato e Membrana Amniótica Canina”. A proposta surgiu
quando a pesquisadora, que já possuía
experiência no trabalho com biomateriais,
desde 1988, decidiu incorporar o uso desse recurso na intervenção para casos de
úlceras de córnea. O objetivo das pesquisas era elaborar um modelo de tratamento
que protegesse a área lesionada por meio
de materiais livres de aspereza, visando à
plena recuperação do tecido.
Aprovados pelo conselho de ética da
Universidade, os estudos tiveram início em
2005. Ainda em fase experimental, o proSubstâncias isoladas ou associadas que são aplicadas parcial ou
totalmente em organismos vivos com
finalidades médicas, como próteses e
implantes.
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cedimento, inicialmente testado em cães,
consistiu na aplicação de uma membrana
de bolsa amniótica, extraída de cadelas
parturientes, sobre a área afetada no globo
ocular do paciente. “O método de aplicação
de sutura nos olhos não apresentou resultados satisfatórios, uma vez que a presença
do fio provocou reação inflamatória indesejável. Todavia, a membrana amniótica,
como revestimento para a área lesionada,
demonstrou boa adaptação. Restava desenvolver um método para unir o biotecido
ao corpo do paciente sem provocar reações
adversas”, explica a pesquisadora.
Em 2007, os estudos abandonaram
o caráter experimental. Com aporte financeiro da FAPEMIG, novos equipamentos
foram adquiridos e laboratórios expandiram-se para atender às necessidades das
pesquisas. Os financiamentos partiram de
duas diferentes modalidades: Demanda
Universal e Programa Pesquisador Mineiro
(PPM). Como substituto para as suturas,
associou-se, à membrana amniótica, o
polímero adesivo de cianoacrilato (N-Butil
2-Cianoacrilato). Os testes passaram a
ser realizados em coelhos da raça Nova
Zelândia: “Apesar de o tratamento ter sido
desenvolvido principalmente para cães e
gatos, os coelhos foram escolhidos tanto
pela docilidade do animal quanto pela melhor resposta biológica”.
Desenvolvidos com 60 animais, os
testes se dividiram em quatro diferentes
grupos, nos quais que se buscava analisar se a composição química do biomaterial se mostraria mais eficiente para o
tratamento em questão. As lesões foram
induzidas nos animais com o uso de
trépano, instrumento cirúrgico em forma
de broca usado para perfurações.
No decorrer dos testes, integrantes
do grupo classificado como G1 receberam aplicação apenas do Cianoacrilato,
enquanto os do G2 foram tratados com
N-Butil Cianoacrilato como agente aderente, associado à membrana amniótica
de dimensões superiores ao diâmetro da
ulceração, posicionada na câmara anterior.
18
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Já aqueles do G3 estavam sujeitos a método de tratamento semelhante ao aplicado
no G2, porém, receberam mais uma membrana, posicionada na porção externa da
córnea e fixada com a aplicação de sutura.
Por fim, o grupo G4 recebeu aplicação de membrana de proporções equivalentes à extensão da lesão na porção
externa da córnea, fixada por sutura. Ao
final dos testes, estabeleceu-se um comparativo dos resultados alcançados em cada
um dos métodos conduzidos. O grupo G2
apresentou recuperação da lesão em menor tempo e com melhor acomodação do
biomaterial.
Resultados
A linha de pesquisas que visava ao
teste da eficácia da aplicação da membrana
amniótica canina associada ao N-Butil Cianoacrilato, como método para tratamento
de ulcera de córnea penetrante, foi finalizada em 2011, destacando-se no campo
da veterinária como o método mais eficaz
e seguro para recuperação desse tipo de
trauma e se tornando tema para dissertações de mestrado e doutorado na área
da oftalmologia veterinária. “O método é
usado, com sucesso, por profissionais de
todas as áreas da veterinária, como a rural,
além de já ter sido empregado, por certos
oftalmologistas, no tratamento de pacientes humanos”, conta Andrea Borges.
Atualmente, uma nova tese, em fase
de análise laboratorial, consiste no desenvolvimento in vitro de membranas sintéticas
à base de celulose bacteriana. “Ao substituir
a extração da membrana amniótica de cães
por uma alternativa produzida em laboratório, tem-se matéria prima em maior abundância”, explica a pesquisadora.
Úlcera de córnea penetrante?
Membrana fibrosa e transparente, situada sobre a íris, na parte frontal dos
olhos, a córnea é também conhecida como a região polar anterior do globo ocular.
Nos humanos, possui seis camadas principais – epitélio, membrana de Bowman,
estroma, camada de dua, membrana de Descemet e endotélio –, e se associa à esclera (o “branco do olho”), que constitui o revestimento protetor dos olhos nos seres
vertebrados.
A estrutura da membrana varia de acordo com a espécie. Em cães, animais
estudados na pesquisa, a córnea ocupa um sexto da porção anterior do globo ocular,
seu raio de curvatura é maior do que o restante do globo e conta com espessura
aproximada de 0,08 mm e de 7 a 15 camadas celulares. Além disso, compõe-se,
histologicamente, por quatro camadas: epitélio, estroma ou substância própria,
membrana de Descemet e endotélio.
A úlcera de córnea é a condição patológica em que o paciente sofre de uma
erosão sobre a córnea, que resulta em perda da camada de revestimento exterior da
membrana, o epitélio. As lesões podem se originar em consequência de diversas
circunstâncias, tais como traumatismos, arranhões, pruridos, exposição à poeira,
produtos químicos ou seivas vegetais, queimaduras, irritações constantes, conjuntivite, infecções causadas por bactérias, protozoários, fungos ou vírus, dentre outros.
Considerada um grave problema ocular, a enfermidade apresenta pouca tendência à cicatrização natural, avançando, desse modo, a camadas interiores da
córnea – o que, em último caso, pode resultar em perfuração total da membrana. A ulceração da córnea é passível de provocar, ainda, turbidez ou obstrução da
visão, fortes dores oculares, contrações involuntárias da pálpebra, lacrimejamento
excessivo, inflamações e fotofobia (incapacidade de suportar luminosidade). Sem
tratamento, além de perda da visão, favorece infecções e hemorragias nas estruturas
internas dos olhos.
Projeto: Avaliação clínica de úlcera
de córnea penetrante tratada com
membrana amniótica xenógena e n-butil cianoacrilato – Estudo experimental em coelhos
Modalidade: Demanda Universal /
Programa pesquisador Mineiro
Coordenadora: Andréa Pacheco
Batista Borges
Valor do projeto: R$ 48.000,00
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20
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
O leitor poderia imaginar uma mesma técnica capaz de, ao mesmo tempo,
identificar materiais usados em quadros a
serem restaurados, verificar o tempo máximo de perecibilidade de um alimento ou
ajudar na identificação da autenticidade de
documentos? O Departamento de Química
da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), na Zona da Mata mineira, é referência nas análises produzidas por meio da
chamada espectroscopia Raman. Coordenado pelo professor Luiz Fernando Cappa
de Oliveira, o Núcleo de Espectroscopia
e Estrutura Molecular (Neem) pesquisa o
método desenvolvido, no início do século
XX, pelo cientista indiano Chandrasekhara
Venkata Raman, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1930.
O procedimento está ligado à radiação
espalhada pela matéria. Para que tudo fique
mais claro, imagine-se, por exemplo, que
radiações sejam refletidas por um espelho.
“Neste caso, vemos, no espelho, o reflexo
da cor vermelha, caso a matéria tenha tal
tonalidade. No caso do efeito Raman, a radiação espalhada pela matéria não possui a
mesma energia da radiação incidente. A diferença entre as duas (incidente e espalhada) apresenta informações sobre a composição química e o estado físico da matéria”,
explica Luiz Fernando Cappa.
Desde que foi descoberta, a técnica
tornou-se ferramenta ao estudo da geometria molecular, isto é, ao modo como os
átomos se arranjam de forma a determinar
uma estrutura específica para a molécula.
A de água, por exemplo, conta com estrutura angular – átomos de Hidrogênio
ligados ao átomo central de Oxigênio – e
suas propriedades físicas e químicas estão
diretamente relacionadas a essa geometria.
A aplicação da espectroscopia Raman no Brasil começou na década de
1930, com a criação da Universidade
de São Paulo. Por todo esse tempo, o
principal foco da técnica, no país, foi o
uso como ferramenta para o estudo das
propriedades espectroscópicas de vários
sistemas. Além disso, desenvolveu-se a
aplicação de efeitos especiais, como os
de intensificação do sinal Raman por su-
perfícies (efeito SERS) e por ressonância
eletrônica (Raman ressonante).
Em 1995, o Departamento de Química da UFJF passou a utilizar a técnica como
ferramenta analítica, seguindo tendência
mundial. Um dos estudos determinou a
composição de pigmentos usados em uma
pintura de Candido Portinari, óleo sobre
tela em que o artista retrata o poeta Murilo
Mendes, datada da década de 1930, época
em que os dois moravam, juntos, em Paris.
“O quadro, hoje pertencente ao acervo do
Museu de Arte Murilo Mendes, da UFJF,
foi analisado pela técnica de espectroscopia Raman e possibilitou não apenas determinar a composição da paleta do autor,
mas também auxiliar no processo de restauração da obra”, explica Luiz Fernando.
Desde então, o Núcleo desenvolve
diversos trabalhos nos quais a técnica de
espectroscopia Raman é aplicada como
ferramenta analítica para o estudo de diferentes áreas do conhecimento e tipos de
sistemas. “De nosso conhecimento, são
pouquíssimos os grupos de pesquisa no
mundo que trabalham com tal abordagem para a técnica. Este é um fator muito
importante para o Neem, que possibilita
sua diferenciação das demais equipes a
usar a espectroscopia Raman como ferramenta para caracterização de sistemas
químicos”, destaca.
No laboratório, uma infinidade de
produtos é pesquisada. Há estudos, por
exemplo, que envolvem derivados do
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
21
leite e estimulam a investigação de diferentes tipos de amidos – frequentemente
usados como materiais para fraudar leite
em pó. Tais trabalhos, bem como aqueles desenvolvidos para a análise de corantes alimentares – como o azo corante
vermelho –, foram caracterizados em
projeto que envolveu uma indústria de
alimentos de Juiz de Fora.
Segundo os pesquisadores, do ponto de vista técnico, não existem restrições
para uso da espectrometria Raman. No geral, os limites são instrumentais. Entretanto, com o advento de espectrômetros que
usam microscópios para aquisição de dados, o leque de possibilidades do método
tem aumentado muito nos últimos anos.
Prova disso é o portfólio de situações
investigadas pelo Neem. Os sistemas reais,
como são chamados, vão desde alimentos
– leite e derivados (queijos, requeijão e
outros), bebidas, frutas, produtos naturais
dos mais diversos (entre os quais, corantes e outros biocomponentes) –, fármacos,
liquens, fungos, amostras de arte, arqueologia e o que mais for necessário e/ou
possível. Orgulhoso com a infinidade de
materiais passíveis de análise, Luiz Fernando Cappa assegura: “Se pudermos pôr
a amostra no compartimento do equipamento, e prender na frente do laser de excitação, conseguiremos, de alguma maneira,
obter o espectro Raman e, assim, estudar a
composição do material”, comemora.
Amostra intacta
Um dos diferenciais que torna a espectrometria Raman mais avançada, em
comparação com outras técnicas, é o fato
de a amostra se manter preservada. Tal
feito, de acordo com os pesquisadores,
tem implicações fantásticas, sobretudo no
mundo das artes e da arqueologia, em que
a análise de obras ou de antiguidades requer estratégias que devem levar em conta
a preservação e a integridade do objeto.
Um dos campos que mais tem se beneficiado da técnica tem sido a área forense. As análises de drogas, de solventes orgânicos, de superfícies, de tipos diferentes
de tintas e pigmentos e de fibras naturais
e sintéticas podem ser feitas com rapidez
e segurança, por meio do uso de microscópios acoplados a instrumentos Raman.
“Em nosso laboratório, desenvolvemos
22
convênio com a Polícia Civil de Juiz de
Fora para análise de algumas drogas”,
esclarece Luiz Fernando. Os trabalhos
são realizados em parceria com um pós-graduando do grupo, que também é
perito criminal da Polícia. “Esse trabalho tem se revelado muito importante,
sobretudo no que se refere à análise
de drogas, de líquidos inflamáveis e de
explosivos, em aeroportos de todo o
mundo, porque os materiais podem ser
analisados dentro dos recipientes que os
contêm, sem necessidade de manipulação direta”, afirma o professor.
Além dos diversos sistemas químicos
estudados pelo Neem, seu coordenador
ressalta o uso da técnica em um grande
projeto, apoiado pela Petrobras, no qual a
espectroscopia Raman é a ferramenta para
análise de inclusões fluidas em rochas obtidas durante processos de perfuração de poços. “As rochas são trazidas ao laboratório
e a análise da superfície de tais materiais,
que contém inclusões fluidas, pode indicar
a existência de gases. Se for metano, ou
sulfeto de Hidrogênio, há grande chance de
a perfuração atingir bolsões contendo combustíveis fósseis ou petróleo”, comenta. O
projeto agrega, ainda, um estudo para determinação das curvas de pressão-temperatura
em diferentes sistemas que contenham inclusões fluidas – pois, a partir do conhecimento dessas condições, pode-se entender
a gênese de tais materiais.
O coordenador do Neem destaca que
a Química Supramolecular também tem
sido bastante beneficiada pela espectroscopia Raman, especialmente nas atividades desenvolvidas pelo Núcleo. Uma delas
foi a execução do projeto “Síntese, caracterização e modelagem molecular de supramoléculas e nanossistemasauto-organizados com potencial para o desenvolvimento
de materiais avançados”, aprovado pela
FAPEMIG, dentro do Programa de Apoio a
Núcleos de Excelência (Pronex). Na iniciativa, adquiriu-se um equipamento Raman
com várias linhas laser para excitação na
região visível dos espectros eletromagnéticos, que tornam viáveis todos os estudos
descritos anteriormente.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Mil e uma utilidades
Confira projetos desenvolvidos, pelo Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular, por meio da técnica Raman:
Caracterização de superfícies de catalisadores baseados em óxidos de molidêdnio, vanádio e tungstênio,
muito usados em processos
de oxidação.
Caracterização de pigmentos em corais, conchas e outras espécies
marinhas brasileiras.
Quimiometria e avaliação
da qualidade de produtos
lácteos e chocolates.
Caracterização de polímeros e
blendas, usados como veículos
para medicamentos de bovinos,
com auxílio da espectroscopia vibracional. A iniciativa é
desenvolvida em conjunto com a
Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) e a UFJF.
Medição da concentração de
metano em inclusões fluidas
aquosas de rochas de sistemas
petrolíferos. O projeto é apoiado
pela Agência Nacional do Petróleo, sob coordenação do Centro
de Tecnologia Mineral (Cetem),
do Rio de Janeiro.
Síntese, caracterização e modelagem molecular de supramoléculas e nanossistemas
auto-organizados com potencial para o desenvolvimento
de materiais avançados, a
exemplo de Oxocarbonos e
polímeros de coordenação.
Caracterização de diferentes
tipos de corantes e pigmentos,
principalmente os existentes em
produtos naturais, como o pau
brasil e similares. O projeto conta
com a colaboração do professor
Howell Edwards, da Universidade
de Bradford, na Inglaterra.
Caracterização em Ciência
Forense, de modo a aplicar
as ferramentas vibracionais
(Raman e infravermelho) na
identificação de drogas ilícitas
apreendidas pela Polícia Civil
de Minas Gerais.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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ARQUITETURA
Cidadania,
tijolo a tijolo
Para além da frieza dos cálculos e técnicas, projeto da
Escola de Arquitetura da UFMG auxilia comunidades
mineiras a morar e a viver melhor
Ana Luiza Gonçalves
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
No universo milimetricamente calculado dos projetos para organização de
espaços arquitetônicos, em que uma série
de funções se traduz em papéis repletos
de mapas, desenhos e números, também
há possibilidade para algo muito além da
fria matemática. Isso porque a arquitetura,
afora a exatidão dos cálculos, transita por
conhecimentos relacionados às Ciências
Humanas – e, por vezes, mais especificamente, ao campo das Políticas Públicas.
Programas, ações e atividades podem, assim, assegurar direitos – sociais, culturais,
econômicos, étnicos etc. – da população.
Geralmente, tais projetos investem
em possibilidades múltiplas, sempre em
busca de beneficiar as comunidades. Trata-se de ações ligadas à socialização do
conhecimento, à ampliação dos processos
de cidadania, ao desenvolvimento urbano,
patrimonial e social – capaz de envolver
os indivíduos em trabalhos conjuntos com
governo, entidades e empresas privadas
– ou à difusão de pesquisas, como forma
de criar, por exemplo, metodologias para
melhoria das condições de vida.
Com o intuito de investir em todos
estes aspectos, a Escola de Arquitetura
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) criou, em 2004, o Programa de
Arquitetura Pública, na tentativa de aproximar estudantes da realidade brasileira,
assim como de fomentar a relação entre
teoria e prática, abrindo portas aos novos
profissionais no mercado de trabalho. Ao
conjugar ensino, pesquisa e extensão, com
foco na inclusão social e na responsabilidade ambiental, a iniciativa oferece ao aluno diferentes formas de visão, relacionadas
à atuação do arquiteto, principalmente, no
que tange à assistência à moradia de interesse social e aos planejamentos ambiental, urbano e de patrimônio cultural.
Além de complementar a experiência
acadêmica dos alunos, o programa busca
conceder auxílio aos municípios, por meio da
oferta de serviços de arquitetura e urbanismo
– como projetos de habitação social – para
famílias de baixa renda. Contribui-se, assim,
com o desenvolvimento sustentável, o aumento da qualidade de vida das pessoas
nas cidades e a consolidação das identidades locais, via preservação do patrimônio.
A partir das experiências vivenciadas
pelos alunos, percebeu-se a necessidade
de implementar ações focadas na reabilitação de áreas urbanas legadas ao descaso.
Assim nasceu, em 2007, o projeto “Arquitetura Pública: reabilitação de bairros populares degradados”, coordenado pelo professor Leonardo Barci Castriota, ex-diretor da
Escola de Arquitetura da UFMG. Além de
reunir grupo multidisciplinar, formado por
estudantes de diferentes cursos da Universidade – como Engenharia, Economia e
Filosofia –, a iniciativa contou com parceria e apoio político e financeiro de agentes
ligados ao Estado e às empresas privadas.
Ao todo, 15 cidades – entre as quais,
Cataguases, Barbacena, Ouro Preto, Muriaé, Leopoldina e Serro – tiveram seus
bairros incluídos no projeto. Com duração
de dois anos e meio, a reabilitação consistiu em manutenção e revitalização de
espaços públicos, além de adequação de
infraestrutura, requalificação social, relocação de moradias e calçamento nas ruas.
O programa buscou, ainda, o desenvolvimento de métodos a serem empregados nos bairros, de acordo com as
diferentes realidades locais. Para Leonardo Castriota, há descuido nesses lugares,
que não recebem atenção necessária. Daí
a importância de estudos. “Foi preciso
desenvolver metodologias para diagnosticar a demanda e, assim, fazer análises
para verificar o terreno, a inadequação
das ocupações ou a existência de projetos
mal elaborados, que não respeitam curvas
de riscos, por exemplo. Nossos métodos
tentaram aproveitar ao máximo o estado
natural do terreno, agredindo-o o mínimo
possível. Em seguida, buscamos maneiras
mais econômicas de urbanização”.
Tríade revitalizadora
Bolsista do projeto em Barbacena
(MG), Luis Otávio Campos Faustino Vieira
explica que muitos bairros do município
crescem de forma irregular e necessitam
de demanda de requalificação fundiária e
de regularização. Para que a análise seja
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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realizada, é preciso identificar as áreas e
propor diretrizes. Afinal, problemas não
faltam: “Os bairros são invadidos, as ruas
não têm calçada e, às vezes, não possuem
tamanho correto. Além disso, há problemas de estrutura, esgoto e asfaltamento
irregular, o que acelera o processo de degradação da área”.
No município mineiro, em primeiro
lugar, analisou-se a cidade como habitat
humano, o que possibilitou um estudo sobre a evolução das formas urbanas
dos bairros e suas transformações. Desse
modo, foi possível, ainda, verificar a relação entre os espaços livres (ruas e praças)
e construídos (edificações etc.). Essa parte
do estudo contemplou elementos como
loteamento e desmembramento, tipologias
do solo e de sua ocupação, assim como
categorias das edificações e padrões e normas urbanísticas.
A segunda metodologia usada diz
respeito à dimensão antrópica, quando se
busca verificar os dados contextuais, que
se subdividem em três níveis: o primeiro
trata dos processos histórico-culturais e
urbanísticos de produção do espaço no
contexto da urbanização brasileira. O segundo reflete os levantamentos dos usos e
da ocupação do bairro. Neste ponto, questões como atividades de produção, consumo, troca e gestão estabelecidas na região
foram criteriosamente avaliadas.
Identificaram-se, assim, os espaços
apropriados por grupos e o conhecimento de suas experiências. Após tal estudo,
a partir de dados do Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística (IBGE) sobre densidade demográfica, número de domicílios por
setor censitário e condição de ocupação,
foi possível compreender características
dos bairros e obter informações sobre infraestrutura, saneamento básico, serviços
públicos e equipamentos urbanos.
A terceira e última metodologia aplicada foi a prática de leituras comunitárias,
com foco nas desigualdades e na realidade
do lugar. Nesse processo, tornou-se possível identificar questões como marcas de
degradação ambiental, precariedades habitacionais, espaços vazios, áreas de ocupa-
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ção e demandas não atendidas, além de dificuldades de acesso e de mobilidade, por
exemplo. Essa, talvez, seja uma das partes
de maior importância do projeto, pois que,
a partir dessa leitura, o estudo acaba por se
tornar participativo e colaborativo.
Leonardo Castriota revela que a análise fez com que a comunidade de Barbacena se inteirasse de sua própria realidade.
Criou-se, afinal, um diagnóstico junto aos
técnicos envolvidos. “As pessoas passaram a se apropriar dos cursos. Participavam das obras e viam a modificação física
em andamento. Eis a principal transformação resultante da prática do projeto”,
conta, ao se recordar de um fato simbólico
da união das pessoas. “A comunidade organizou um mutirão para dar início à construção da igreja da cidade. Além disso, as
pessoas realizaram a limpeza dos bairros,
com ajuda mútua nas áreas de riscos e readequação das casas”, conta.
a população. Foi o suficiente para gerar
capacitação de recursos e de empregos
ou demanda de concursos públicos para
arquitetos e engenheiros”, conta.
De modo a garantir a preservação
das obras, o professor discute dois pontos, em si, discrepantes: o envolvimento da
população e a forte dependência política de
tais projetos. “Deveria existir uma lei que
proibisse os governantes de interromper as
obras. A gente gasta com a implementação
dos projetos, eles gastam com obras e,
quando ocorre a mudança de governo, perdem o interesse em continuar. A pressão
popular é nosso único modo de enfrentar
isso”, conclui.
Obstáculos e desafios
Dentre as dificuldades encontradas
para implementação do projeto, destaque
para a base cadastral. É que os bairros
não têm estudo de mapa muito bem feito. Outra questão abordada por Leonardo
Castriota é a descontinuidade administrativa das cidades. “Inicia-se o projeto em
uma gestão e, se há mudança de governo,
ainda quando o projeto está em andamento, não existe interesse em dar continuidade. A iniciativa fica paralisada e nós, de
mãos atadas”, conta.
Quanto aos pontos positivos, é preciso ressaltar as demandas estimuladas
pelo projeto. A partir dos estudos, novas
atividades foram executadas e os bairros
passaram a ter oportunidades de evolução, principalmente, em termos de estrutura. Além disso, o projeto deixou um
legado de dados que antes não existia.
“A prefeitura de Barbacena, por exemplo, não conhecia o projeto na prática e,
quando tomou conhecimento, percebeu
o investimento que estava fazendo para
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Projeto: Arquitetura pública: reabilitação de bairros populares degradados
Coordenador: Leonardo Barci
Castriota
Modalidade: Apoio a projetos de
extensão em interface com a pesquisa
Valor: R$ 29.332,00
ilustração: Gilson Ribeiro
No Sul de Minas, especialistas
empregam a tecnologia como recurso
para proporcionar novas possibilidades
de tratamento a pessoas com deficiência
Virgínia Fonseca
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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INOVAÇÃO
Direito de ir,
vir, ouvir, ver...
Intocáveis, película francesa lançada
em 2012, conta a história de um milionário que fica tetraplégico após acidente com
parapente. O aristocrata mora em luxuosa
mansão, provida de diversos aparatos tecnológicos para atendê-lo, e afeiçoa-se ao
assistente contratado para ajudá-lo nas tarefas diárias – um jovem da periferia, que
se recusa a tratar o patrão como incapaz.
Do mesmo ano, o brasileiro Colegas narra
as aventuras de três amigos com síndrome
de Down que decidem fugir da instituição
na qual vivem para realizar seus sonhos.
Se, no cinema, nas telenovelas e em outros meios da cultura de massa, o tema
tem sido recorrente, fora das telas, atores
da vida real enfrentam o desafio de promover a qualidade de vida e a inclusão das
pessoas com deficiência.
Números do último Censo, realizado
em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que
23,9% da população nacional declara possuir algum tipo de deficiência. Em Minas
Gerais, o percentual reflete a média nacional: 22,62%. “O índice é elevado e nos faz
pensar nas ações necessárias frente a essa
demanda”, analisa a fisioterapeuta Cláudia
Garcez. Mestre em Saúde Coletiva, a profissional integra equipe multidisciplinar de
uma iniciativa que desenvolve métodos e
equipamentos voltados à oferta de novas
possibilidades para essas pessoas, o Centro de Desenvolvimento e Transferência de
Tecnologia Assistiva (CDTTA).
Inaugurado em agosto de 2012, o
CDTTA destina-se ao estudo e ao desenvolvimento de soluções tecnológicas,
acessíveis a todas as camadas da população, que facilitem a vida das pessoas com
deficiência. O Centro localiza-se no campus do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí,
e dispõe de laboratório de pesquisas, além
de ambiente para as sessões de treinamento com os pacientes voluntários.
Os projetos ali conduzidos estão ligados à área de Engenharia Biomédica, mas
abrangem alunos de todos os cursos de
graduação da instituição – Engenharias da
Computação, de Controle e Automação, de
Telecomunicações e a própria Biomédica.
“Neste primeiro ano, tivemos quatro protótipos concluídos, sendo que dois já estão
em fase de transferência para a indústria”,
contabiliza o engenheiro eletricista Rinaldo
Duarte Teixeira de Carvalho, coordenador
do CDTTA. Ele menciona, também, a conquista do 3º lugar no Prêmio 3M de Inovação para Estudantes Universitários, por
parte de dois bolsistas que propuseram a
Foto: Ascom Inatel
Fruto de parceria entre o Inatel e o
governo mineiro, por meio da Secretaria de Estado Ciência Tecnologia e
Ensino Superior (Sectes), o espaço
recebe financiamento da FAPEMIG
para bolsas de investigação científica.
criação do kit para motorização de cadeira
de rodas (veja quadro).
“Trata-se de resultado bastante significativo para o primeiro ano de atividades”,
avalia o coordenador. No momento, existem sete empreendimentos em execução:
elevador ortostático dinâmico, cadeira de
rodas motorizada de baixo custo, andador
microcontrolado, sistema de deambulação
para deficientes visuais, bengala eletrônica
para deficientes visuais, aro magnético e
telefone emergencial para surdos. Os dois
primeiros são aqueles que se encontram
em fase de transferência para a indústria.
O trabalho com voluntários mostra-se
essencial para o desenvolvimento dos projetos. Durante a fase de pesquisas, são feitas entrevistas com pessoas que possuem
diferentes tipos de deficiência, a fim de
conhecer suas necessidades e desenvolver
soluções que atendam às suas expectativas. No caso do elevador, por exemplo,
voluntários com paraplegia e tetraplegia
participam, duas vezes por semana, de
sessões de treinamento no aparelho.
Mais qualidade de vida
Elevador ortostático dinâmico possibilita evolução aos pacientes e está em vias de ser comercializado
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Cláudia Garcez, especialista da área
de Saúde do CDTTA, é a idealizadora do
elevador ortostático dinâmico. Atualmente
instalado no próprio Centro, o equipamento, motorizado, possui colete para erguer
pessoas com deficiência de mobilidade,
colocando-as de pé (posição ortostática).
Nesta postura, os pacientes realizam treinamentos de marcha por meio de um trilho
de três metros de comprimento.
Estudos demonstraram evolução
na força física – motora – dos pacientes,
com resultado na movimentação ativa dos
membros inferiores de alguns deles e no
aumento da funcionalidade para os afazeres do dia a dia. Técnico em Eletrônica, Tia-
go Rodrigues Gregório, de 25 anos, comprovou os progressos possibilitados pelo
aparelho. Paraplégico devido a acidente
motociclístico, ele começou a participar
dos testes com o elevador em setembro de
2011. “Passei por vários avanços e obtive
mais independência”, comemora. Dentre
as benesses do tratamento, que o fizeram
sentir-se mais seguro, destacam-se o melhor controle de tronco – o que lhe facilitou
o ato de sentar-se –, a habilidade de transferência da cadeira de rodas para outros
locais, como a cama, o carro, e o ganho
de massa muscular. “Resolvi, inclusive,
tirar carteira de habilitação novamente.
Sei que eventuais dificuldades podem surgir, porém, me sinto mais preparado para
enfrentá-las”, declara.
Tiago Gregório complementa o tratamento com sessões de fisioterapia convencional, realizadas em sua casa. Apesar
disso, ele assegura que os treinos coletivos, com outros cadeirantes, sob acompanhamento de Cláudia Garcez e de alunos
de Engenharia Biomédica, proporcionam
evoluções com reflexos na qualidade de
vida dos participantes. “A esfera social
também é importante, pois muito do que
aprendi foi trocando experiências com os
outros cadeirantes”, ressalta o jovem, que,
em longo prazo, espera voltar a caminhar.
O projeto do elevador ortostático
dinâmico teve início quando Cláudia Garcez residia em Curitiba (PR), a partir de
protótipo mecânico. “Por meio daquele
equipamento ‘rústico’, percebi que esta
nova abordagem de tratamento funcional
poderia trazer avanços, principalmente, à
terapia para pacientes com lesão medular”,
relata a fisioterapeuta. Quando se mudou
para Santa Rita do Sapucaí (MG), em 2007,
Cláudia procurou o Inatel e obteve o suporte necessário para dar continuidade ao
projeto, com o auxílio, ainda, de duas empresas da cidade – Usivale e Prodmec. As
investigações científicas começaram em
2009 e já envolveram cerca de 25 pessoas.
A equipe de pesquisa é formada por médica neurologista, educador físico, engenheiro e fisioterapeuta.
O equipamento passa, agora, por
processo de transferência à indústria, a
fim de que possa ser comercializado. Os
pesquisadores, entretanto, pretendem dar
continuidade às experiências, atrelando
novos conhecimentos e abordagens de tratamento. Trabalhos já foram apresentados
em vários eventos nacionais e internacionais, e, em setembro, o elevador será tema
de palestra durante o Congresso Internacional de Engenharia Biomédica, realizado
nos Estados Unidos.
Para ir além
De acordo com o coordenador do
CDTTA, nos últimos anos, os impactos da
inovação chegaram, enfim, ao “território”
do atendimento às necessidades de pessoas com deficiência, por meio da tecnologia
assistiva. “Difícil entender como o investimento nesta área possa ter sido negligenciado, mas agora é o momento”, afirma,
ao citar o empenho dos governos federal e
estadual no desenvolvimento da área.
O especialista em Engenharia Biomédica reitera que se pode encontrar, Brasil
afora, centros já estruturados, com propostas em andamento. “Com relação às tecnologias, ainda temos muito a melhorar. Ou
seja, a inovar. Mas nosso país tem competência para estar entre os melhores e, além
de atender à demanda interna, por que não
pensar em exportar?”, aposta. Neste sentido, um passo importante seria, na opinião
do engenheiro, o incentivo, por parte dos
governos, quanto à desburocratização dos
processos de registro e certificação.
No CDTTA, a interface entre as áreas
de Saúde e Engenharia leva os envolvidos
a pensarem na melhor forma de fazer com
que os equipamentos e procedimentos
projetados atendam às reais necessidades
dos usuários. “Isto induz alunos e engenheiros a conhecer a demanda, no caso
das pessoas com deficiência, o mercado
e o desenvolvimento de novos produtos,
além de estimular nova filosofia de humanização para a Engenharia”, arremata
Cláudia Garcez, enquanto Tiago Gregório
reafirma: “Esses estudos são de extrema
importância para a humanidade, não somente para aqueles que adquirem ou nascem com algum tipo de deficiência, já que
possibilitam à crescente população com
essa característica alcançar uma expectativa de vida melhor”.
Ideia premiada
O kit de motorização agraciado com o Prêmio 3M de Inovação para Estudantes
Universitários integra o projeto da cadeira de rodas bifuncional® de baixo custo, que
propõe nova concepção de equipamento, passível de ser utilizado em dois modos
de operação: manual ou motorizado. Para tal, são utilizados motores sem escovas
– BLDC de cubo de roda (do inglês, Brushless DC eletric). A tecnologia proposta
contempla, ainda, os quesitos preço e facilidade de transporte, de forma a colaborar
com a qualidade de vida e a inclusão das pessoas com deficiência física, dependentes
desse mecanismo de locomoção, em qualquer faixa etária. Com menor peso (31 Kg)
e com tamanho convencional de cadeira manual, o aparato pode ser fechado e transportado, por exemplo, em porta-malas de carros de passeio.
Segundo os pesquisadores, tais diferenciais trarão, à pessoa com deficiência,
o conforto de possuir uma cadeira motorizada, mas que também pode ser usada no
formato manual, colaborando, inclusive, com a reabilitação dos indivíduos. De autoria
do engenheiro Fábio Rodrigues da Silva, o projeto, desenvolvido sob coordenação
do professor José Maria Souza Silva, está em fase de transferência para a indústria
e, para ser comercializado, passará por todos os trâmites da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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INOVAÇÃO
“H2Omem”,
a fórmula da
contaminação
Estudiosos da Ufop realizam detalhado
diagnóstico dos microcontaminantes
lançados, por ação humana, nas águas
da bacia do Rio Doce
Ana Luiza Gonçalves
Da nuvem até o chão. Do chão até o
bueiro. Do bueiro até o cano. Do cano até o rio
Do rio até a cachoeira. Da cachoeira
até a represa. Da represa até a caixa d’água.
Da caixa d’água até a torneira. Da torneira até o filtro. Do filtro até o copo.
Do copo até a boca. Da boca até a
bexiga. Da bexiga até a privada. Da privada
até o cano. Do cano até o rio. Do rio até
outro rio. Do outro rio até o mar. Do mar
até outra nuvem.
Nos versos compostos para música
do disco Canções de Brincar (1996), do
grupo Palavra Cantada, Arnaldo Antunes
e Paulo Tatit revelam ao universo infantil,
com poeticidade e delicadeza, o percurso
realizado pelo “líquido vital”. Embora a água
cantada por eles, voltada à linguagem das
crianças, mostre a substância em sua forma
mais cristalina, nem tudo no universo hídrico mostra-se, de fato, sem cheiro e sem cor.
Afinal, apesar de já tida como fonte
inesgotável, a água sofre, há séculos, uma
série de ações nocivas por parte do homem. Os resultados de tais agressões são
graves problemas de saúde para milhões
de pessoas no mundo, carentes de recursos hídricos para sobrevivência. Em 2013,
no Dia Internacional da Diversidade Biológica, realizado em 22 de maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou a
população sobre a forte tendência à escas-
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Em 2005, a 22 de março, o Dia
Mundial da Água, a Assembleia Geral
das Nações Unidas criou a resolução
A/RES/58/217, segundo a qual, a partir daquela data, iniciava-se a Década
Internacional para Ação “Água, fonte
de vida”. Até 2015, questões relacionadas à água e à implementação de
programas direcionados ao tema estarão em foco nas discussões levantadas pela ONU, com o objetivo de atingir os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio das Nações Unidas.
A partir da proposta, criou-se a
Rede de Monitoramento e Pesquisa
das Águas do Rio Doce, que conta
com intercâmbio entre a Ufop e a Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes). Já concluído, o projeto integra
uma série de investigações, iniciada
em meados da década de 1990, que
conta com financiamento de diversos
órgãos de pesquisas, entre os quais,
a FAPEMIG.
sez da água doce, devido à alta demanda
da população em crescimento. Some-se a
esse fato a falta de qualidade do líquido em
grande parte do globo terrestre.
Junto ao aumento da demanda hídrica, também a degradação ambiental,
a redução de matas ciliares e a ocupação desordenada do solo, resultantes
de intervenções humanas, como obras
civis, mineração e atividades agrícolas,
ampliam a poluição ambiental. Por meio
do desenvolvimento sustentável e de leis
capazes de proteger o meio ambiente,
esse quadro tem sido revertido. Ao adotar medidas para a avaliação de recursos
hídricos, o professor Hubert Mathias
Peter, da Universidade Federal de Ouro
Preto (Ufop) investiu cerca de três anos
na coordenação do projeto “Avaliação da
contaminação por microcontaminantes
orgânicos e a inter-relação entre diversidade geoquímica/geológica e qualidades
das águas da bacia do Rio Doce”.
A falta de informações sobre a presença de microcontaminantes orgânicos,
substâncias húmicas aquáticas e pesticidas na região despertou o interesse das
equipes da Ufop e da Ufes por examinar
a área, de modo a diagnosticar a inter-relação entre a diversidade geoquímica/
geológica e a qualidade das águas da bacia
do Rio Doce. “Existem muitos trabalhos
isolados sobre problemas ambientais na
região. É a primeira vez, contudo, que se
realizam investigações com uma rede de
amostragem bem mais densa”, afirma.
A bacia hidrográfica do Rio Doce
tem cerca de 83.400km² – sendo 86%
da área em Minas Gerais –, abrange 228
municípios e conta com população total de
3,1 milhões de habitantes. A região tem o
maior complexo siderúrgico da América
Latina, que abriga as sedes de três das
cinco maiores empresas mineiras. Além
disso, também a Vale, maior mineradora
a céu aberto do mundo, desenvolve seus
trabalhos por lá.
Seleção de áreas
Para que o projeto se desenvolvesse dentro das perspectivas propostas, determinou-se, em primeiro lugar,
a localização dos pontos. Os critérios
foram estabelecidos por meio de dados
coletados nas análises feitas pelo projeto
“Águas de Minas”, coordenado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam),
com auxílio das ferramentas de Análise de
Componentes Principais (PCA) e de Análise Hieráquica de Cluster (HCA). A partir
dessas informações, tornou-se possível
selecionar os pontos de coleta, para obter
amostragem que abarcasse as interferências das principais atividades regionais
na calha do Rio Doce e no baixo curso
dos principais afluentes.
No total, 24 pontos foram escolhidos para representar as diferentes características das águas da bacia. Em seguida – e a cada trimestre –, realizaram-se
amostragens de campo, para, depois, determinar, in situ, uma série de parâmetros
químico-físicos. Por fim, para identificar e
remover os micropoluentes, adotaram-se
diversas técnicas, já usadas por cientistas
de todo o mundo. Dentre elas, está o uso
de cromatografia acoplada e de espectrometria de massas.
Conceitos
Mas o que são, exatamente, os microcontaminantes encontrados na bacia
e que tanto interferem na qualidade das
águas? O termo é usado em referência
a contaminantes orgânicos em concentrações de micro a nanogramas por litro.
Em sua maioria, trata-se de compostos
farmacêuticos, presentes nas formulações
de remédios – incluídos os de uso veterinário, excretados pelo organismo. Além
desses, há, na lista, fármacos e produtos
de higiene pessoal, hormônios naturais e
Pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo comprovaram que compostos encontrados em
águas de rios e lagos podem decorrer de ações ligadas ao homem. No
Brasil, a situação se agrava pelas
atividades antropogênicas ligadas à
agricultura, à indústria e à ocupação
urbana, ações que se marcam pela
ausência de tratamento de esgoto, o
que aumenta as chances de poluição
e contaminação das águas.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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sintéticos, produtos de limpeza, subprodutos industriais e drogas ilícitas.
O professor Robson José de Cássia
Franco Afonso, responsável, no projeto,
pela parte de microcontaminantes, explica
que essas substâncias são indicadores de
atividade antrópica e estão associados a
um conjunto diversificado de compostos
orgânicos, geralmente usados em grandes
quantidades pela sociedade. “O interesse
crescente por essas substâncias ocorre,
principalmente, porque elas podem apresentar atividade biológica em concentrações muito baixas, o que lhes confere
grande relevância”.
Os microcontaminantes capazes de
interferir no sistema endócrino na vida
animal e de seres humanos denominam-se
perturbadores endócrinos. Eles são classificados numa série de grupos de compostos orgânicos, com grande potencial
tóxico, podendo ser naturais – produzido
por plantas – ou sintéticos, como aditivos
alimentares, agrotóxicos, cosméticos e pílulas anticoncepcionais. Segundo Robson
Afonso, tais substâncias causam efeitos
adversos em um organismo saudável ou
em seus descendentes e subpopulações.
“Essa classe tem despertado grande interesse, pois, em função dela, já se constatou
efeitos cancerígenos, alterações crônicas
no desenvolvimento e na reprodução de
várias espécies, perturbação nos sistemas
cardiovascular e o neuroendócrino. Além
disso, os perturbadores endócrinos são
associados à incidência de obesidade”.
Raio-x da contaminação
A análise da presença de microcontaminantes na bacia do Rio Doce ainda está
em andamento. No entanto, Robson Afonso
ressalta que, numa pré-avaliação, foram
detectados, na água, pertubadores endócrinos e de medicamentos de uso amplo,
como atenolol, azitromicina, bezafibrato,
cimetidina, ciprofoxacino, ondansetrona,
diltiazem, prometazina e miconazol – o
que, segundo os pesquisadores, indica
contaminação por esgotos domésticos.
Quanto às questões geológicas do
projeto, Hubert Roeser explica que a composição de sedimentos, na parte superior
32
do Rio Doce, sofre muita influência de
resíduos de mineração, especialmente de
ouro e ferro. “No caso dos sedimentos, as
condições dos leitos dos rios e eventuais
barragens podem interferir. Os sedimentos
da cabeceira do rio Conceição, por exemplo, são altamente influenciados pelas atividades de mineração”, explica.
Segundo o professor, em certas sub-bacias – onde o Igam, por diversas razões
infraestruturais e financeiras, pode amostrar
apenas um ponto –, foram tirados mais de
100 amostras, a exemplo de áreas próximas aos rios Casca, Oratórios e Conceição.
“Apresentamos, pela primeira vez, dados
quantitativos de centenas de pontos, antes
nunca amostrados. Tais informações sobre a
composição e a qualidade das águas do Alto
Rio Doce incluem os teores de metais pesados, as concentrações de elementos calcófilos, litófilos e siderófilos, além de elementos
sobre contaminação por bactérias”.
Soluções
Para mitigar a presença de microcontaminantes, Robson Afonso aponta que o
mínimo a ser feito diz respeito à melhoria
dos sistemas de saneamento básico. “É de
fundamental importância o tratamento efetivo dos efluentes domésticos, agropecuários e industriais antes de seu lançamento
em corpos d’água”. Segundo o pesquisador, os dados também mostraram que os
tratamentos convencionais de esgotos e de
águas, para abastecimento, não são 100%
efetivos quanto à remoção de microcontaminantes orgânicos. Daí a importância do
investimento em estudos capazes de minimizar o impacto dessas substâncias à biota
e à saúde humana.
Hubert Roeser destaca, entre os resultados da pesquisa, que os recursos
hídricos e os sedimentos refletem, geralmente, as condições geológicas das bacias
investigadas. Como as águas do Alto Rio
Doce sofrem grandes influências litológicas regionais, obtiveram-se indícios para
a influência antropogênica, como no caso
da mineração de ouro. O professor chama
a atenção, por fim, para os altos índices de
contaminação por bactérias.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Projeto: Avaliação da contaminação
por microcontaminantes orgânicos
e a inter-relação entre diversidade
geoquímica/geológica e qualidade
das águas da bacia do Rio Doce
Coordenador: Hubert Mathias
Peter Roeser
Modalidade: Programa Ciência,
Tecnologia & Inovação na bacia do
Rio Doce
Valor: 17.254,04
SAÚDE
Vacinas
atenuadas
Pesquisadores do Centro de
Desenvolvimento da Tecnologia
Nuclear usam radiação para
combater infecções fúngicas de
importância médica
Vanessa Fagundes
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
33
Em maio de 2013, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
divulgou um alerta: nos últimos 15 anos,
quatro mil pessoas haviam contraído, no
Estado do Rio de Janeiro, a esporotricose.
A doença, transmitida pelo fungo Sporothrix schenckii, costumava ser associada
a jardineiros, agricultores e outros profissionais que trabalhavam manipulando
flores e terra. Hoje, o perfil é diferente. A
ocorrência da enfermidade em animais, especialmente gatos, e sua transmissão para
humanos por meio de arranhões e mordidas assumiram proporções endêmicas.
O problema não se restringe ao Rio.
Na verdade, essa é a micose subcutânea
mais comum na América Latina. Nos gatos
doentes, as manifestações clínicas da esporotricose revelam-se variadas: lesões na
pele, que costumam evoluir rapidamente,
e espirros frequentes são os sinais mais
comuns. Nos humanos, as lesões costumam ser restritas à pele, tecido subcutâneo e vasos linfáticos adjacentes, mas, em
algumas ocasiões, podem disseminar-se a
outros órgãos. As lesões na pele começam
como um pequeno caroço avermelhado
que, com o tempo, transforma-se em ferida. A doença tem tratamento que dura, em
média, três meses, mas as feridas aparentes costumam provocar danos à autoestima
dos pacientes.
Em Minas Gerais, um grupo de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento
da Tecnologia Nuclear (CDTN), órgão da
Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEM), está estudando formas de combater a doença. O foco dos trabalhos é o desenvolvimento de vacina capaz de imunizar
cães e gatos contra a esporotricose, interrompendo, assim, a transmissão para humanos. O coordenador da pesquisa, Antero
Silva Ribeiro de Andrade, enfatiza: até o
momento, não existe vacina em uso para a
doença ou para qualquer infecção fúngica
de importância médica. Ele explica que a
resposta imune a um organismo complexo
como o fungo exige a ação coordenada de
várias partes do sistema de defesa do organismo e uma vacina viva seria capaz de
produzir este efeito. “Estamos explorando
34
Caso o gato esteja com suspeita
da doença, recomenda-se isolá-lo de
outros animais, usar luvas e lavar as
mãos com água e sabão após tocá-lo,
desinfetar o ambiente com água sanitária ou cloro e evitar que ele tenha
acesso à rua. É importante procurar
um médico veterinário, pois a doença
tem tratamento. Ele é prolongado e
exige cuidados especiais pelo dono,
para não contrair a enfermidade.
um campo com grande potencial. Nossa
abordagem é usar a radiação para atenuar
os fungos e conseguir produzir uma vacina
eficaz”, disse.
Normalmente associada a efeitos negativos ao organismo e ao meio ambiente,
a radiação, nesse caso, é uma aliada. Para
produzir a vacina, os pesquisadores utilizam doses controladas de radiação gama,
que produzem o efeito de fragmentar o
DNA das células do fungo. Após ter seu
DNA fragmentado, a célula não consegue
mais se reproduzir. “Ela perde a capacidade reprodutiva e a virulência, mas continua
metabolicamente ativa e capaz de induzir
uma resposta imune. A gente considera,
então, que o fungo está atenuado”, detalha Andrade. Sem a virulência, o fungo, ao
infectar o organismo, estimula o sistema
imunológico, mas não consegue mais provocar uma infecção progressiva.
Vacinas
De acordo com o pesquisador, o primeiro passo é a realização de testes para
definir a dose de radiação ideal. Cultivadas em placas, as colônias do fungo eram
bombardeadas com radiação gama. Após
cada dose, realizavam-se testes para checar se os fungos conseguiam se multiplicar, continuavam a sintetizar proteínas,
se conservavam a respiração celular, se a
membrana permanecia íntegra, enfim, se
estavam vivos, apesar da incapacidade
de crescimento. A síntese de proteínas
era verificada com o fornecimento de um
aminoácido radioativo às células. Após 24
horas, os pesquisadores conferiam se as
proteínas produzidas continham elementos
radioativos, já que os aminoácidos são a
base dessas moléculas orgânicas.
O trabalho teve resultado positivo e
originou uma dissertação de mestrado, de
autoria de Camila Maria de Sousa Lacerda,
que demonstrou a dose ideal de radiação
para comprometer a capacidade de reprodução e a virulência do agente infeccioso,
mantendo sua viabilidade. Segundo Andrade, o próximo passo é o desenvolvimento da vacina radioatenuada, com testes
em animais para comprovar sua viabilidade. A princípio, a vacina é destinada a
uso veterinário, mas nada impede que, no
futuro, sejam realizados estudos destinados à profilaxia em humanos. “Para isso,
dependemos do interesse de uma empresa,
já que o volume de recursos envolvido é
maior”, lembra o coordenador.
A produção de vacinas é um processo longo e demorado: envolve o estudo da doença e do patógeno que a provoca, testes em animais e humanos, aprovação de agências
reguladoras e produção em grande escala, para só então chegar à população. Existem
vários caminhos para se chegar a uma vacina, mas o princípio por trás deles é o mesmo:
uma pessoa contaminada por uma doença fica imune a ela. As vacinas contêm, assim,
traços do agente causador da doença, que não conseguem provocar a infecção, mas
estimulam o sistema imunológico a produzir anticorpos. Assim, quando exposto novamente ao patógeno, o corpo reconhece a doença e a combate.
No caso da vacina proposta pelo grupo do CDTN, as células do fungo que provocam as infecções ainda estão vivas, mas perderam a capacidade de reproduzir e prejudicar o organismo (ela foi atenuada pela radiação). Outra vacina famosa, a BCG, que imuniza contra a tuberculose, também utiliza a forma atenuada da bactéria Mycobacterium
bovis. A atenuação, porém, não é resultado de doses de radiação, e sim da manipulação
em laboratório. Existem, ainda, vacinas de vírus ou bactérias inativados, como a da
hepatite A e B.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Primeiros trabalhos
O pesquisador Antero Andrade atua
em uma linha de pesquisa do CDTN que
investiga as aplicações da radiação na área
da saúde. O trabalho com infecções fúngicas de importância médica teve início há
mais tempo, com outra micose de grande
prevalência no Brasil: a paracoccidioidomicose, ou PCM, provocada pelo fungo
Paracoccidioides brasiliensis. O país é responsável por cerca de 80% dos casos da
doença já reportados mundialmente e essa
é a oitava endemia mais frequente no país.
Similar à esporotricose, os mais suscetíveis à PCM são profissionais que trabalham com a manipulação de terra, como
agricultores, pois o fungo vive no solo das
plantações. Ao trabalhar na lavoura, o homem pode aspirar o fungo junto à poeira.
Assim, durante algum tempo, a infecção
estava praticamente restrita a áreas rurais.
No entanto, as zonas urbanas vêm sendo
cada vez mais atingidas. Entre os sintomas
da doença estão lesões na pele, nas mucosas, emagrecimento e fraqueza, tosse e
comprometimento pulmonar. Na ausência
de tratamento, a PCM é geralmente mortal.
A metodologia para obtenção de fungos atenuados foi a mesma usada no estudo da esporotricose: doses de radiação até
encontrar a quantidade ideal que impede o
crescimento, mas preserva o metabolismo
e permitindo ativar o sistema imunológico
do organismo. No caso da PCM, os estudos foram além. Produziu-se uma vacina
a partir dos fungos atenuados e essa foi
testada em camundongos, comprovando
sua eficácia. Com isso, o grupo conseguiu
atestar o potencial da atenuação por radiação gama para o desenvolvimento de vacinas vivas contra doenças provocadas por
fungos. “Vacinas baseadas em patógenos
atenuados por radiação têm sido estudadas
desde 1950. Porém, a utilização de fungos
radioatenuados nunca havia sido explorada para este propósito”, destaca Andrade.
Esse trabalho contou com a parceria
do professor Alfredo Miranda Góes, do
Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
que já estudava a paracoccidioidomicose,
e da então estudante de doutorado Estefânia Mara do Nascimento Martins. Além de
Para saber mais
Atenuação de Leveduras
Viabilidade
Síntese de proteínas
Secreção de proteínas
Metabolismo oxidativo
Perfil antigênico
Morfologia
ma
ão ga
aç
Irradi
Antero Andrade, o grupo possui dois estudantes de mestrado e um de doutorado. O
estudo, que rendeu uma patente ao grupo,
foi desenvolvido até a fase de testes com
camundongos – a produção de uma vacina para uso humano também depende de
parceria com empresa interessada em investir no projeto. Segundo o coordenador,
o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da
instituição cuida dessa parte, buscando a
transferência da tecnologia para a indústria.
Enquanto isso, novos estudos são
feitos. O grupo avaliou, por exemplo, o
efeito terapêutico da vacina para a PCM em
grupos de camundongos. Como aponta
Andrade, a vacina é um instrumento profilático, ou seja, imuniza o organismo contra infecção futura. Mas os pesquisadores
perceberam que, quando a pessoa já está
infectada e toma a vacina junto ao medicamento, o resultado é muito melhor. Os
mais recentes artigos da equipe mostram
que a associação da vacina com as drogas
antifúngicas provocam recuperação mais
rápida do que as drogas ou a vacina isoladamente. Ou seja, mais uma possibilidade
a ser explorada no combate à enfermidade.
Levedura
BARROS, M. et al. “Esporotricose: a evolução e os desafios de uma
epidemia”. Revista Panamericana de
Salud Publica 27(6), 2010.
LACERDA, C. “Efeitos da radiação gama em leveduras de Sporothrix
schenckii”. Dissertação de mestrado.
Belo Horizonte, 2010.
Cartilha “Paracoccidioidomicose
não é palavrão e tem cura!”, desenvolvida pelo Ipec/Fiocruz, disponível em:
http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_331040956.pdf.
Imunização
PROTEÇÃO
Capacidade
reprodutiva
Virulência
Pesquisa: Desenvolvimento de
vacinas radioatenuadas para doenças
fúngicas
Coordenador: Antero Silva Ribeiro
de Andrade
Modalidade: Edital Universal
Valor: R$ 31.513,65
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
35
Saneamento
Sem trégua
para a sujeira
Estudos avaliam eficiência dos sistemas de tratamento
de esgoto na remoção de contaminantes provenientes de
medicamentos e produtos de limpeza
Virgínia Fonseca
36
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Em 2011, o Sistema Único de Saúde
(SUS) registrou gastos da ordem de R$ 140
milhões com internações por doenças diarreicas no Brasil. Tais distúrbios figuram como
segunda maior causa de morte entre crianças
menores de cinco anos de idade no mundo,
de acordo com o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), e constituem grave
problema de saúde pública, especialmente
nos países de baixa renda. A ocorrência dessas enfermidades, por sua vez, relaciona-se,
grandemente, à falta de saneamento básico
adequado. Pesquisa realizada entre as 100
maiores cidades brasileiras, no período de
2008 a 2011, atesta: nos 10 municípios com
piores índices, havia 2,7 vezes menos pessoas atendidas por coleta de esgotos e 29 vezes
mais casos de internação por diarreias do que
nas 10 melhores localidades.
Esse tipo de contaminação, embora
mais evidente, não é a única ameaça do saneamento inadequado. Em Minas, equipe de
pesquisadores das Universidades Federais
de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto
(Ufop) dedica-se a investigar tema mais incipiente e não menos relevante: o contágio do
esgoto sanitário por medicamentos e perturbadores endócrinos – compostos capazes de
desestabilizar o sistema hormonal humano e
de levar à diminuição da contagem de espermas, ao câncer de mama, de próstata, dentre
outros males. Com vistas a avaliar a eficiência de sistemas simplificados de tratamento
na remoção dessas substâncias, os cientistas
conduzem, com o suporte da FAPEMIG e
do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), diversas
investigações relacionadas ao tema.
De acordo com os estudiosos, sistemas usuais de tratamento mostram-se eficientes na eliminação de matéria orgânica e,
em alguns casos, de nutrientes (nitrogênio,
fósforo) e organismos patogênicos como coliformes, ovos de helmintos etc. “Entretanto,
até a realização da pesquisa, pouco se sabia
sobre a eficiência desses mecanismos na
remoção de microcontaminantes orgânicos,
originários de fármacos e produtos de limpeza”, esclarece o professor Sérgio Francisco
de Aquino, chefe do Departamento de Química (Dequi) da Ufop, que conduz os trabalhos
ao lado de Robson Afonso, da mesma instituição, Carlos Chernicharo e Cláudio Leite
Enquanto nos 20 municípios
com menores taxas de internação
(média de 17,9 casos por 100 mil
habitantes) tem-se aproximadamente 78% da população atendidos por
coleta de esgotos, nas 10 localidades com piores índices de internação (média de 516 casos por 100 mil
habitantes), em média, apenas 29%
das famílias possuem atendimento
sanitário. Os dados são do estudo
“Esgotamento Sanitário Inadequado
e Impactos na Saúde da População
2008-2011”, elaborado pelo Instituto
Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip)
que conduz ações com foco na universalização do acesso à coleta e ao
tratamento de esgoto no país.
de Souza, do Departamento de Engenharia
Sanitária e Ambiental (Desa) da UFMG.
Simples, mas eficaz
Os sistemas simplificados constituem o padrão predominante em Minas,
embora, alerta o professor, o número de
estações de tratamento, como um todo,
seja ainda restrito no estado. Esse modelo
apresenta baixo grau de mecanização e de
sofisticação e, consequentemente, menores custos de implantação e de operação.
Como exemplo do mecanismo, há as lagoas de estabilização, os sistemas alagados
construídos (wetlands) e os reatores tipo
UASB (do inglês Upflow anaerobic sludge
blanket reactor: reator anaeróbio de manta de lodo), seguidos de filtros biológicos
percoladores (FBP).
Na pesquisa, fez-se monitoramento
nos sistemas de tratamento simplificado
do Centro de Pesquisa e Treinamento em
Saneamento (CePTS) da UFMG/Copasa,
localizado junto à Estação de Tratamento
de Esgotos do Ribeirão Arrudas (ETE Arrudas). Tal posto recebe e trata, aproximadamente, 200 milhões de litros de esgoto
por dia – atendimento correspondente a
quase metade da população de Belo Horizonte. Ao longo de vários meses, em 2010
e 2011, a equipe mensurou a concentração
de nove fármacos e desreguladores endócrinos (vide quadro).
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
37
Dessa forma, os sistemas simplificados de tratamento logram proteger as comunidades aquáticas – peixes e anfíbios – dos
efeitos adversos levados a cabo pelos microcontaminantes em questão no estudo. Ademais, a remoção de tais compostos na ETE
protege os corpos d’água utilizados como
mananciais de abastecimento e reduz o risco
da exposição humana a tais substâncias, uma
vez que minimiza a possibilidade de que entrem na estação de tratamento de água (ETA).
Para tanto, coletaram-se amostras de
esgoto bruto e tratado nas diversas unidades
dos sistemas de tratamento. O material seguia, então, para o Departamento de Química
da Ufop, onde se efetuava o procedimento
laboratorial de extração e concentração das
substâncias de interesse, para sua quantificação – que se deu em equipamento de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de
massas (LC-MS).
38
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Os resultados indicaram, de forma
geral, que os sistemas de tratamento simplificado têm sido eficientes na remoção da
maioria dos compostos monitorados. Segundo Sérgio Aquino, o mecanismo apresenta
eficiência comparável ao clássico processo
de lodos ativados, comum em países de
clima frio e que, por utilizar aeração, resulta em maior gasto operacional. “Ou seja, os
sistemas simplificados, com menor custo
de implantação e de operação, conseguem
remover satisfatoriamente os fármacos e perturbadores estudados, presentes no esgoto
bruto – embora, para alguns compostos, seja
necessário processo complementar, envolvendo, por exemplo, oxidação com lâmpadas de UV”, conclui o professor, ao reiterar a
importância da economia nos investimentos,
haja vista a limitação orçamentária da maioria
dos municípios brasileiros.
Desdobramentos
Além de originarem dissertações e
artigos científicos, os resultados foram divulgados em congressos nacionais e internacionais, perante gestores e operadores de ETEs.
Em continuidade aos estudos, a Companhia
de Saneamento de Minas Gerais (Copasa)
também autorizou o monitoramento do esgoto bruto e tratado, em outras estações, sob
sua responsabilidade – a exemplo de ETE/
Onça, ETE/Betim, ETE/Nova Contagem, dentre outras. Esta fase acaba de começar e a primeira coleta será feita neste mês de agosto.
Como alguns fármacos não foram
completamente removidos nos sistemas
simplificados estudados, os trabalhos prosseguem, com a avaliação do uso de fotorreatores com lâmpada ultravioleta (UV), de
modo a complementar a remoção dos com-
postos do esgoto tratado biologicamente no
sistema de reatores anaeróbios com filtros
biológicos (UASB-FBP). A pesquisa mostrou
que a utilização de fotorreatores é efetiva para
a remoção complementar de microrganismos
patogênicos (bactérias e vírus) e se revela
capaz de remover microcontaminantes orgânicos. “Contudo, ainda é necessário aperfeiçoar os fotorreatores e fazer análise econômica da configuração mais adequada, antes
de propor recomendação às companhias que
prestam serviço de tratamento de esgoto”,
esclarece o professor.
Investigações sobre a eficiência de
diferentes sistemas de tratamento de água
para abastecimento são, aliás, outra linha de
atuação do grupo, que trabalha com o monitoramento de fármacos e desreguladores
endócrinos desde 2006. A equipe examina
a presença dessas substâncias em águas
Nove fármacos e
desreguladores
endócrinos
superficiais, bem como a eficiência dos processos convencionais de potabilização na
extirpação de contaminantes. “Estudamos,
ainda, tecnologias complementares, como
processos avançados de oxidação e de adsorção em carvão ativado”, complementa
Sérgio de Aquino.
Os pesquisadores já realizaram monitoramento nos principais mananciais de abastecimento de Belo Horizonte – Rio das Velhas,
Morro Redondo, Vargem das Flores –, ao
longo do Rio das Velhas – desde a nascente,
em Ouro Preto, até o ponto de captação desta
ETA –, e no Rio Doce. Nesse momento, projeto conduzido pelo professor Valter Pádua, da
UFMG, em parceria com os acadêmicos da
Ufop, avalia a contaminação dos principais
mananciais das cidades de Belo Horizonte,
Rio de Janeiro e São Paulo por fármacos e
desreguladores endócrinos.
Diclofenaco
(anti-inflamatório)
Bezafibrato
(anti-lipêmico)
Estradiol
(hormônio natural)
Etinilestradiol
(hormônio sintético
presente na pílula
anticoncepcional)
Miconazol
(fungicida)
Bisfenol A
(utilizado na fabricação de plásticos)
Trimetoprima
(antibiótico)
Sulfametoxazol
(antibiótico)
Nonilfenol
(surfactante presente
em produtos de
limpeza)
Projeto: Avaliação da remoção de fármacos e perturbadores endócrinos por
processos de adsorção e fotocatálise
heterogênea acoplados ao tratamento
convencional de água
Coordenador: Sérgio Francisco de
Aquino
Modalidade: Programa Pesquisador
Mineiro
Valor: R$ 48.000,00
Projeto: Avaliação da eficiência de
sistemas de tratamento de esgotos na
remoção de microcontaminantes
Coordenador: Robson Afonso
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 45.125,00
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
39
JORNALISMO
Por que não
Minas?
Pesquisa desvela fatores que dificultam a consolidação
da grande imprensa em terras mineiras, a despeito da
relevância do estado no cenário nacional
Virgínia Fonseca
Da Inconfidência Mineira aos dias
atuais, passando pela política do Café com
Leite e por outros momentos marcantes
da história do Brasil, Minas Gerais sempre foi presença forte no cenário nacional.
Tal participação diz respeito aos campos
econômico, político e cultural: na literatura, emergem iniciativas e sujeitos de vanguarda – entre os quais pontificam nomes
como Carlos Drummond de Andrade e
Guimarães Rosa. Esse celeiro propiciou
uma safra de jornalistas-escritores que
destilaram sua criatividade em jornais
de Minas, até se projetarem, definitiva-
40
mente, em outros centros nacionais e
internacionais.
Desvendar por que, não obstante todas
as condições favoráveis, dezenas de adeptos das letras e do jornalismo tiveram que
sair de Minas Gerais em busca de melhores
perspectivas profissionais: eis a empreitada
a que se lançaram professores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ),
ao desenvolver o projeto “Os impasses no
processo de consolidação de uma Grande
Imprensa em Minas Gerais”.
Sob coordenação de Guilherme
Jorge de Rezende, professor aposentado
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
do Programa de Pós-Graduação em Letras
da UFSJ, o trabalho contou com a atuação
de três docentes do curso de Jornalismo da
instituição: Jairo Faria Mendes, Luiz Ademir
de Oliveira e Paulo Henrique Caetano. “O
projeto concretizou trabalhos do grupo de
pesquisa em Jornalismo e Estudos Culturais da Universidade”, conta o coordenador.
Panorama
Como universo da pesquisa, o grupo
delimitou o campo do jornalismo impresso.
Inicialmente, os estudiosos determinaram
o conceito objetivo de “Grande Imprensa”,
contribuição que se pretende perene para
os estudos da área (veja quadro). De 31
jornais diários identificados pela pesquisa,
de acordo com os critérios propostos, o
Estado de Minas alinhou-se parcialmente à
definição. O periódico deteve o monopólio
do mercado do jornalismo impresso mineiro entre 1960 e 1990. Posteriormente,
surge a concorrência de Hoje em Dia e O
Tempo, além do fenômeno do jornalismo
popular. “Os tabloides Super Notícia, campeão de tiragem no país, e Aqui resgatam
o valor de uso do jornal por abordar fatos
de interesse popular, numa comunicação
direta, rápida e fácil”, comenta o professor.
As perspectivas para a imprensa oscilam entre previsões do fim do jornalismo impresso e o crescimento do formato
popular. Essa última mostra reflexos em
pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística (Ibope), que aponta
a Região Metropolitana de Belo Horizonte
como aquela com maior média de leitura
de jornais no país.
Enigma solucionado
Após ampla pesquisa documental,
histórica e conceitual, além de entrevistas
com profissionais do jornalismo mineiro,
o grupo identificou três fatores passíveis
de explicar por que a imprensa do estado
demora a se consolidar: excessiva vinculação com o poder político, inexistência
de condições para manter um jornalismo
independente e concorrência com jornais
do Rio de Janeiro e de São Paulo. A primeira “categoria”, adverte o pesquisador,
afeta, em maior ou menor grau, a imprensa
nacional, sempre atrelada ao governo, em
razão da excessiva necessidade de verbas
publicitárias estatais. Em Minas, notavam-se, paralelamente, jornalistas e intelectuais
que dependiam de emprego público. Durante muito tempo, na capital, profissionais da
notícia acumulavam cargos em jornais e em
órgãos de governo. “Nessas circunstâncias,
era comum o profissional sair da repartição
já com um release para publicar no veículo
onde trabalhava”, conta.
O estudo também retoma o panorama
nacional com o objetivo de compreender a
inexistência de condições mercadológicas
para a manutenção do jornalismo independente, já que a organização da imprensa, em
sistema capitalista como o brasileiro, segue
lógica essencialmente comercial. A economia mineira sustenta-se na indústria de
base, intimamente relacionada a uma prática extrativista: a produção de minério. “Não
dispomos de indústria de bens de consumo
capaz de financiar a imprensa com investimento publicitário”, infere Guilherme.
A hegemonia das imprensas paulista e carioca se explicita na penetração de
jornais como Folha de S. Paulo e O Globo,
oferecendo cobertura nacional mais detalhada. Esses veículos disputam, ainda, a
verba publicitária com os jornais locais.
A consequência é que, além da grande dificuldade de encontrar periódicos mineiros
nas bancas de outras capitais, a imprensa
local raramente consegue pautar o debate
nacional, observam os pesquisadores. “Os
veículos da grande imprensa já não possuem
sucursais aqui, o que contribui com a redução das oportunidades de trabalho para os
jornalistas no estado”, explica o coordenador.
No entanto, a estagnação frente à
grande imprensa nacional decorreu, também, de condições que caracterizaram o
jornalismo impresso mineiro. O monopólio exercido, ao longo de três décadas,
pelo jornal Estado de Minas interferiu, decisivamente, no processo de formação da
opinião pública – situação que se alterou
apenas após a década de 1990, com o surgimento do Hoje em Dia, de O Tempo e dos
tabloides populares.
Os resultados detalhados da pesquisa
– que contou, também, com a colaboração
de alunos de jornalismo da UFSJ –, além de
serem apresentados em eventos nacionais
de comunicação, resultaram em um vídeo
e no livro Impasses e perspectivas da imprensa em Minas Gerais. Os pesquisadores
planejam, como próxima etapa, estender os
estudos às mesorregiões do estado. Afinal,
destaca Guilherme Rezende, o conhecimento mais detalhado da realidade do
jornalismo impresso do interior é imprescindível ao entendimento da complexidade
da imprensa mineira.
Para ser Grande Imprensa
Como metodologia inovadora proposta pelo projeto, destaca-se a definição
do conceito objetivo de Grande Imprensa, até então inexistente nas Teorias do Jornalismo. Para enquadrar-se nessa concepção, um jornal impresso precisa atender
a oito critérios:
1) Periodicidade diária
2) Vínculo com o Índice Verificador de Circulação (IVC)
3) Editorias bem consolidadas
4) Estrutura noticiosa de cobertura em âmbito nacional
5) Poder de agendamento
6) Anunciantes de abrangência nacional
7) Circulação nacional
8) Posicionamento empresarial.
Projeto: Os impasses no processo
de consolidação de uma Grande Imprensa em Minas Gerais
Coordenador: Guilherme Jorge de
Rezende
Modalidade: Grupos Emergentes de
Pesquisa
Valor: R$ 61.380,40
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
41
engenharia
Resíduo gasoso livre de
componentes tóxicos comunica
o êxito da refinaria ecológica de
carvão, na Zona da Mata mineira
Virgínia Fonseca
Fotos: André Berlinck
Sinais
(promissores)
de fumaça
“Local (indústria, usina, etc.) onde
se faz o refino de (açúcar, petróleo, etc.)”.
A definição do termo refinaria forneceu a
base de que os pesquisadores precisavam
para denominar seu invento, uma alternativa capaz de produzir carvão vegetal sem
gerar resíduos poluentes. A tecnologia
desenvolvida baseia-se na combustão dos
gases provenientes da carbonização da
madeira, de forma a lançar, na atmosfera,
componentes quase inofensivos: dióxido
de carbono e vapor de água.
“Decidimos usar ‘refinaria’ para diferenciar de ‘carvoaria’, que, hoje, tem conotação
negativa, ligada, geralmente, às ideias de poluição e de trabalho escravo, o que acaba por
denegrir a imagem de um produto extremamente importante para as indústrias nacional
e mineira”, detalha o engenheiro florestal
Daniel Camara Barcellos, autor do projeto da
refinaria ecológica de carvão.
Principal produtor de carvão vegetal do
planeta, o Brasil destina grande parte do material ao processamento de ferro gusa, para
fabricação de aço. Minas Gerais destaca-se
por possui o maior parque siderúrgico a carvão vegetal do mundo. Apesar de as terras
mineiras abrigarem extensa área plantada de
eucalipto certificado, em sistema de manejo
sustentável, tal realidade não se sobrepõe
ao fato de o país ainda importar insumo de
vizinhos como Paraguai, Colômbia, Argentina e Uruguai e consumir carvão de florestas
nativas – proveniente, muitas vezes, de desmatamentos ilegais.
“A expressividade da produção e do
consumo desse produto vegetal em nosso
país conduz a demandas tecnológicas que,
atualmente, concentram-se no contexto da
origem e da qualidade da madeira, no controle da carbonização e no destino a ser dado
aos gases deste processo”, analisa a professora Angélica de Cássia Carneiro, do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Tecnologia “quente”
A inauguração de uma das primeiras refinarias em escala industrial ocorreu
em maio, na Fazenda Guaxupé, município
de Ubá (MG), na Zona da Mata. Doutor em
Ciência Florestal pela UFV, Daniel Barcellos,
que desde 1999 estuda o tema – em 2005,
pesquisador e universidade registraram
pedido de patente referente ao conceito do
uso de sistemas integrados de carbonização
– acompanhou o processo à frente da Barcellos & Camara Bioenergia, responsável
pelo projeto.
42
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
Segundo o engenheiro florestal, a carbonização da madeira, com vistas a convertê-la em carvão vegetal, é um processo termoquímico complexo, pois varia ao longo do
tempo e gera subprodutos gasosos em composição e quantidades diferentes. O balanço
da produção do insumo aponta que 40% a
50% da energia perdem-se na atmosfera,
expelidos na fumaça dos fornos. Para se ter
ideia, durante 96 horas de carbonização, uma
mescla de mais de 200 compostos químicos
com massa e concentração diferentes é eliminada na fumaça (veja quadro).
“Tendo em vista toda esta variabilidade gasosa, buscou-se como solução
um procedimento físico-temporal simples:
concentrar e incinerar, em queimador único, o mix da fumaça de vários fornos, em
diferentes estágios, com o objetivo de obter
uma fumaça mais homogênea”, revela. A
medida proporcionou controle sobre a poluição e manutenção da geração de energia
térmica constante. “A partir desse conceito,
nasceu a refinaria ecológica de carvão, um
produto simples, ecologicamente viável e
repleto de novas oportunidades a serem
exploradas”, conclui Daniel.
Dos mais de 200 compostos presentes na fumaça de carbonização, quase a
totalidade é destruída termicamente. O controle de poluição resulta apenas, ao final, em
dióxido de carbono, vapor de água e muito
calor. Para além do progresso ambiental do
novo modelo, tal técnica apresenta uma série de vantagens econômicas e sociais.
Mudança de conceito
Atualmente, os custos de investimento e de produção da refinaria ecológica de carvão superam os de carvoarias
tradicionais. Há, também, amortização do
investimento no queimador de fumaça
de carbonização e de sua operação. Tais
fatores, porém, encontram compensação
quanto ao custo de pessoal – já que a insalubridade deixa de existir – e no diferencial
de mercado representado pela oferta de
produtos ecologicamente viáveis.
Muitos dos compostos presentes
na fumaça de carbonização podem causar
danos à saúde humana. Essas substâncias
deixam de existir após a incineração, o
que torna o ambiente mais saudável para
o trabalhador e a população do entorno,
além de beneficiar fauna e flora da região.
O engenheiro vislumbra, ainda, a obtenção
de créditos de carbono, já que a destruição
A refinaria da Fazenda Guaxupé possui dois módulos produtivos com 24 fornos ligados a dois
queimadores centrais
térmica da fumaça de carbonização permite
eliminação do metano.
Segundo Daniel, a implantação do
mecanismo é viável a qualquer escala
produtiva de carvão vegetal e, geralmente, exige incremento de 15% a 25% nos
investimentos de instalação da refinaria.
O empresário Sebastião Fernandes, dono
da Fazenda Guaxupé, afirma ser preciso
buscar resultados de médio e longo prazos. “Como passei a produzir em alta escala, procurei algo que me possibilitasse
trabalhar da melhor forma, sem problemas
ambientais. Se mantivesse a produção pelo
método usual, poluiria quatro cidades ao
redor de minha carvoaria”, relata.
Precursores de possibilidades
Há quase uma década no setor, Sebastião Fernandes dedicou cerca de dois
anos à instalação da refinaria ecológica
de carvão. Economicamente, ainda não
foi possível medir os resultados do sistema, mas existem custos adicionais, por
exemplo, com a lenha para combustão
dos gases. O empresário acredita, porém,
que o modelo anterior está com os dias
contatos. Por isso, trabalha com vistas ao
futuro. “Para manter a atividade carvoeira,
precisaremos provar que ela é sustentável
e tecnicamente viável. Temos de buscar
tecnologia”, aconselha, ao conjecturar:
“Com o tempo, as empresas que adquirem
o carvão também devem se sensibilizar e
ter consciência dos benefícios do uso de
um insumo com maior valor agregado”.
A implantação do projeto inclui a mecanização de processos. Na Fazenda Guaxupé, o carregamento e a descarga dos fornos são feitos com auxílio de equipamento
específico. Não existe mais o contato direto
dos trabalhadores com o carvão e os gases
poluentes no dia a dia. “Mão de obra escrava, uso de matas nativas e poluição não
têm relação com esse sistema”, arremata
Sebastião, que planta as próprias florestas
de eucalipto (veja ao lado).
Apesar de o projeto se encontrar em
fase de comercialização e aplicação industrial, Daniel Camara visualiza grande margem para melhorias e desenvolvimento.
Dentre as possibilidades, estariam a redução de custos e a ampliação da eficiência
dos equipamentos de controle de poluição,
a integração com complementos tecnológicos e o aproveitamento do potencial
térmico para usos nobres, como geração
de energia elétrica, secagem de lenha e
outros produtos de maior valor agregado.
O objetivo, segundo Daniel, é difundir o
sistema em outros estados e, até mesmo,
fora do país. Afinal, apesar de existirem
tecnologias internacionais eficientes, capazes de controlar até 100% da poluição,
os custos de investimento e de operação
fogem à realidade brasileira e se revelam
economicamente inviáveis.
Os estudos seguem, também, na UFV.
O Laboratório de Painéis e Energia da Madeira, do Departamento de Engenharia Florestal, desenvolve pesquisas na área desde
a década de 1980 e intensificou trabalhos
nos últimos anos, a partir do projeto “Desenvolvimento tecnológico da produção
de carvão vegetal em Minas Gerais” – que
tem a FAPEMIG entre seus apoiadores. A
proposta evidencia pesquisas sobre qualidade do eucalipto, resfriamento artificial
de fornos, queimadores de gases, secagem
natural e artificial, monitoramento e controle dos fornos de carvão vegetal. “A fim
de viabilizar o processo e abranger toda a
cadeia produtiva, o foco atual está no desenvolvimento de queimadores de gases
da carbonização, já que existem barreiras
tecnológicas quanto aos materiais constitutivos e à não homogeneidade dos gases,
além dos estudos de aproveitamento dos
vapores resultantes para secagem da madeira”, especifica Angélica de Cássia.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
43
Plantio de clones multiplica resultados
“A grama do vizinho é sempre mais
verde”, reza o dito popular. Pois a experiência do fazendeiro Sebastião Fernandes, na Zona da Mata, mostra que não
se deve menosprezar a possibilidade de
isso ser uma percepção real. Há cerca de
10 anos, quando ele iniciou a plantação
de eucaliptos na região, passou por uma
situação curiosa: os demais produtores
locais começaram a perceber que as florestas da Fazenda Guaxupé superavam as
demais em crescimento e uniformidade
das árvores. E não era ilusão de ótica,
nem “mágica”, a resposta era simples:
ciência. Sebastião implantou, com suporte de pesquisadores da UFV, a técnica de
cultivo de clones de eucaliptos.
Com o intuito de proporcionar rentabilidade à sua propriedade, o agricultor havia buscado auxílio junto ao professor Acelino Couto Alfenas, do Centro de Ciências
Agrárias da Universidade, que lhe explicou
as possibilidades do plantio de mudas clonadas de eucalipto. As recomendações do
acadêmico, complementadas com as do
engenheiro Sebastião Fonseca, especialista
no cultivo, seguidas à risca, levaram a pro-
priedade a obter resultados diferenciados.
Como a notícia se espalhou, logo os profissionais se viram elaborando material de
apoio e realizando palestras sobre o tema
para outros produtores da região.
A partir da experiência, Acelino Alfenas partiu para outra iniciativa: implantou um teste clonal, a fim de embasar a
seleção de mudas para plantio na Zona da
Mata mineira e tornar a tecnologia mais
acessível aos produtores locais. “Nosso
objetivo é sempre minimizar os riscos do
negócio, com foco, especialmente, no pequeno agricultor”, explica. Para selecionar os clones mais adequados a determinada região, os pesquisadores analisam
a interação do clone com o ambiente. No
caso da Fazenda Guaxupé, em meio a 32
clones testados, o grupo escolheu quatro
que apresentaram maior crescimento e
maior densidade da madeira.
O incremento médio anual dos clones testados aos seis anos de idade variou
de 44 a 82 m³/ha/ano, comprovando alto
potencial de crescimento na região, já que
a média nacional gira em torno de 38 a 40
m³/ha/ano. Adicionalmente ao crescimento
volumétrico, os pesquisadores examinam
a resistência a doenças e conduzem estudo, em parceria com o Departamento de
Engenharia Florestal, para avaliar as características tecnológicas da madeira quanto
ao rendimento em carvão vegetal e às propriedades físicas para serraria.
A proposta já se ramificou para além
das terras da Zona da Mata mineira. A técnica encontrou adeptos em outras regiões
do estado e fora dele: Alagoas, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul são alguns exemplos. Acelino Alfenas destaca que a Universidade mantém papel ativo no processo,
pois alunos de graduação e pós-graduação
também atuam na pesquisa, o que permite,
ao mesmo tempo, a formação de recursos
humanos para a área florestal. Todos os
dados obtidos são compilados na forma
de relatórios técnico-científicos, posteriormente publicados como cartilhas, artigos,
dissertações e teses. Além da participação
da FAPEMIG, o projeto conta com empresas florestais parceiras e com o apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Em condições normais, o processo de carbonização nos fornos tradicionais dura cerca de 96 horas. Para melhor
entendimento, no que se refere ao tempo, esse processo pode ser dividido em quatro grandes etapas:
44
FASE 1
FASE 2
FASE 3
FASE 4
do início às
primeiras 24 horas,
entre 24 e 48 horas,
entre 48 e 72 horas,
entre 72 e 96 horas,
tem-se fumaça rica em
vapor de água e com
pouca presença de
compostos
quimicamente
energéticos.
reduz-se, consideravelmente, o acúmulo de água
nos gases e aumenta a
concentração de
compostos químicos
energéticos.
os compostos
quimicamente energéticos
atingem o máximo de
massa.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
ocorre a presença dos
compostos energeticamente mais ricos, mas em
menor massa.
Projeto: Avaliação de clones-elite
de Eucalyptus spp. potencialmente
aptos para a Zona da Mata mineira
Coordenador: Acelino Couto
Alfenas
Modalidade: Edital Uso Múltiplo de
Florestas Renováveis
Valor: R$ 106.047,00
Análises dos componentes presentes em aquíferos revelam idade, níveis de pureza e direção de deslocamento de mananciais subterrâneos
William Ferraz
A América Latina, em especial a região da América do Sul, possui uma das
maiores e mais abundantes redes de aquíferos e reservatórios de água do globo terrestre. A porção sul do continente resguarda dois dos maiores reservatórios naturais
já catalogados no planeta: os aquíferos
Alter do Chão, localizado sob o Amazonas, o Amapá e o Pará – com reserva de,
aproximadamente, 85 mil km³ de água – e
Guarani, que abrange partes dos estados
de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além
do Nordeste da Argentina, o Noroeste do
Uruguai e o Sudeste do Paraguai – com
cerca de 45 mil km³. O monitoramento de
todo esse patrimônio latino-americano fica
a cargo dos hidrogeólogos do laboratório
de trítio do Centro de Desenvolvimento de
Tecnologia Nuclear (CDTN), sediado em
Belo Horizonte (MG).
O conhecimento convida
Compreender o trabalho desenvolvido pela equipe do CDTN é uma
oportunidade que pode ser experimentada pela comunidade. Durante o “Programa Portas Abertas”, realizado uma
vez ao ano, o Centro abre seus laboratórios para visitação pública. Nele, são
apresentados os projetos desenvolvidos e as tecnologias empregadas.
Primeiro da América Latina e, atualmente, o único em atividade, o núcleo,
que é ligado à Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA), criada pelas Nações Unidas, foi tema da revista MINAS
FAZ CIÊNCIA nº 24, em 2006. Hoje, o
laboratório reúne expertise de mais de
45 anos no monitoramento de águas subterrâneas. “O laboratório atende a demandas da Agência Nacional das Águas, de
grandes mineradoras e de agricultores,
empresas de geologia, centros de pesquisas e universidades, além de prestar
apoio a países que não possuem recursos
para realizar as próprias análises”, conta
o pesquisador Zildete Rocha, responsável
pelo Laboratório. “Diversas análises são
frequentemente realizadas para países
como Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Peru, Uruguai e Venezuela”, completa.
Os trabalhos são os mais variados.
De acordo com o pesquisador, realizam-se
análises de conexão entre aquíferos e fluxo
de movimento das águas, avaliações das
taxas de reposição dos reservatórios por
meio das águas pluviais e do potencial de
exploração de tais depósitos. “A taxa de
reposição é determinada pela ‘idade’ das
águas, que é indicada pela presença de um
isótopo do hidrogênio, o trítio, cujo volume, formado nas altas atmosferas, determina se aquela água chegou há pouco ou
se está ali há muito tempo. Águas antigas
indicam um reservatório com pouca ou
nenhuma taxa de reposição, não recomendável para exploração, salvo em situações
emergenciais”, explica Rocha. Um novo
trabalho desenvolvido pelo laboratório é o
de avaliação de pureza das águas, com a
finalidade de determinar se há contaminação dos aquíferos por infiltrações de redes
fluviais poluídas, por exploração ou perfuração inadequada do solo.
Trabalhos de destaque
Dentre os projetos desenvolvidos
pelo laboratório, Zildete Rocha dá ênfase
às inúmeras análises de controle realizadas
na região mineira do Quadrilátero Ferrífero e à consolidação, em 2011, do projeto
aquífero Guarani. Segundo o pesquisador,
a iniciativa, financiada pelo Banco Mundial,
reuniu 72 pesquisadores de instituições do
Brasil, do Paraguai e da Argentina. As avaliações foram feitas por meio do Laboratório
de Trítio do CDTN. “Realizamos trabalhos de
mapeamento e todos os módulos de análise
das águas foram conduzidos. Havia grande
preocupação quanto ao risco de contaminação, visto que, em alguns pontos, o reservatório apresentava grande proximidade
com as águas do rio Tietê. Felizmente, os
resultados demonstraram que o aquífero
permanece intacto”, relata.
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45
LEMBRA DESSA?
Águas que contam
história
5 PERGUNTAS PARA...
Ana Elisa Ribeiro
Pós-doutora em Comunicação e Linguística Aplicada, a professora e pesquisadora Ana Elisa
Ribeiro coordena, no Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), o programa de pós-graduação em Estudos de Linguagens.
Também poeta (leia seção Varal, na página 50) e cronista, a autora é líder do grupo de pesquisa
“Escritas Profissionais e Processos de Edição”, pelo qual organizou, em parceria com a professora
Ana Elisa Costa Novais, da área de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Minas Gerais –
campus Ouro Preto –, o livro Letramento Digital em 15 cliques (2012). Na obra, são apresentadas
formas diversas de uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) em sala de aula.
Marcus Vinicius dos Santos
O que, exatamente, é letramento digital?
O letramento digital está ligado ao que
a gente aprende a fazer e usa nas práticas
sociais de leitura e escrita em que o computador – e outros dispositivos digitais – está
implicado. Por isso, podemos ampliar nosso letramento digital dentro e fora da escola,
por meio de aulas ou aprendendo com as
pessoas. Há conexões do letramento digital com outros aspectos importantes, como
a cultura digital, as agências de letramento
etc. É importante pesquisar de que modo
esses novos jeitos de aprender vêm sendo
tratados, na era das tecnologias digitais,
sem descartar o que aprendemos antes do
computador e das redes.
1
Ainda faz sentido pensar nas tecnologias digitais de informação e de comunicação como boas ou más, alienantes
ou salvadoras da educação?
Como vivemos tempos de transição,
ainda há o ímpeto de uns para “defender”
um campo mais tradicional das tecnologias e das aprendizagens, enquanto outros
defendem novos modos de fazer as coisas.
É natural, mas não vejo sentido em tratar
as tecnologias dessa forma. É bastante claro, se olharmos a história das mídias, por
exemplo, que os dispositivos “aprendem”
uns com os outros, mais do que se excluem. Toda tecnologia é boa quando serve
para fazermos coisas positivas e interessantes, quando nos ajudam, nos poupam
tempo, potenciam a qualidade do que queremos fazer. E toda tecnologia é má quando
serve para a destruição, para o embaraço.
Parece óbvio, então, que o que interessa
são os usos que dela fazemos. A educação
se resolve quando há pessoas dispostas a
isso, seja lá com que tecnologia for.
tivos e negativos das tecnologias digitais
na educação. Nem gosto de chamá-las de
“novas tecnologias” porque não são novas
faz tempo! Mas isso depende do contexto,
não é? Há escolas que só estão recebendo
computadores e internet hoje. O fato é que
as pesquisas sobre leitura, escrita, alfabetização e outros assuntos relacionados a isso
são variadíssimas. Nosso grupo de pesquisadores, na UFMG e no Cefet-MG, tem resultados que nos levam a crer que há formas
interessantes de usar tecnologias digitais na
escola, em aulas de redação ou de leitura,
mas que as habilidades que as pessoas vão
desenvolver são bastante semelhantes ao
que um bom leitor de impresso precisa saber. Não é fácil a distinção entre o que seja
realmente novo ou velho.
3
De que modo as novas tecnologias de
comunicação podem influenciar o processo de ensino-aprendizagem?
Citarei exemplos para facilitar a visualização do que podemos empregar na
educação: o desenvolvimento de habilidades importantes para a produção de textos
pode ser incrementado se o professor e os
alunos usarem, por exemplo, um editor de
textos em nuvem (como o do Google Drive,
antigo Docs) ou uma wiki. Pode ser muito legal trabalhar questões de oralidade e
escrita na observação de ambientes como
chats. Pode ser bem interessante fazer pesquisa na web e aprender a filtrar o que se
procura. Escrever usando editor de textos
é, claramente, mais econômico em termos
de tempo e de trabalho de citações e tal.
Isso tudo influencia “como” e “o que” podemos fazer. Isso é aprendizagem.
24
Com base em pesquisas desenvolvidas na área, já se conhecem as principais qualidades do uso do computador
no ensino?
Temos pesquisado muito, há pelo
menos 20 anos, no Brasil, os usos posi-
46
Alguma orientação para os professores que ainda não se motivaram a fazer uso dessas tecnologias?
Penso que o professor precisa ser,
antes de qualquer coisa, um cidadão que
usa tecnologias para se comunicar, para
conviver. Não dá para usar TICs no tra-
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
balho da escola sem conhecer os programas, os ambientes, as possibilidades.
Também não dá para saber tudo, ou para
obrigar as pessoas a algo, embora o mundo vá nos induzindo, nos empurrando. Se
o professor não entende como funciona
o Facebook, certamente não poderá empregar isso em suas aulas. E há maneiras
de fazê-lo, como mostram alguns autores
em nosso livro. O professor que sabe usar
acaba pensando modos de se apropriar,
pedagogicamente, da ferramenta. Quem
ainda não se motivou, precisa fazer um
esforço, engajar-se e ver se o emprego de
tecnologias digitais pode ajudar no ensino e na aprendizagem da disciplina que
ministra. Há coisas muito interessantes,
para muitas matérias e séries escolares.
Certamente, a falta de computadores, de
laboratórios adequados, internet etc. faz
uma diferença enorme. Se a escola não
tem essa infraestrutura, fica tudo mais
difícil. No entanto, isso não é impedimento para quem quer trazer as tecnologias digitais a seu plano de trabalho. Os
alunos e o professor podem ter celulares
espertos, computadores em casa, internet
no trabalho. Assim, o computador pode
ficar entranhado nas atividades, sem, necessariamente, estar dentro da escola. O
mundo tem funcionado assim. No entanto, não estou dizendo que as autoridades
estejam dispensadas de equipar as escolas. De forma alguma! Elas precisam ser
equipadas. Mas o “salto”, mesmo, está na
cabeça do professor.
5
! O LIVRO
Letramento digital em 15 cliques.
Ana Elisa Ribeiro e Ana Elisa Costa
Novais (orgs.). Belo Horizonte: Editora
RJH, 2012.
@
fapemig.wordpress.com
Durante a mesma época em que Tamara
estava saindo com Greg, Amir estava trabalhando durante meio-período na clínica de terapia
infantil da Universidade de Columbia. Lá, ele
usava terapia baseada no apego para ajudar
mães a criar laços mais seguros com seus filhos. O efeito poderoso que o tratamento guiado
pelo apego tinha no relacionamento entre mãe e
filho encorajou Amir a aprofundar seus estudos
sobre a ‘teoria do apego’. Isso acabou conduzindo-o a leituras fascinantes: resultados de
pesquisas feitas inicialmente por Cindy Hazan
e Phillip Shaver indicavam que adultos mostravam padrões de apego com seus parceiros
românticos similares aos padrões de apego das
crianças com os pais
A ciência nos auxilia em diversos aspectos, mas, quando se trata de questões
afetivas, as publicações voltadas ao assunto recebem olhares desconfiados. Exceção
à regra, o livro Apegados, de autoria do
psiquiatra e neurocientista Amir Levinee e
da psicóloga Rachel S. F. Heller – ambos
pesquisadores da Universidade de Columbia –, apresenta teorias que facilitam
a compreensão do sucesso e do fracasso
das relações amorosas. A obra mostra que
o perfil emocional das pessoas é construído desde a infância.
Testes realizados com bebês ajudaram
os pesquisadores a perceber as semelhanças entre crianças e adultos. Ao desenvolver
novos exames, concluíram que os adultos
nutrem três tipos de “apego”: 1) seguro
(pessoas amorosas e à vontade numa relação íntima); 2) ansioso (indivíduos desejam
intimidade, mas duvidam da própria capacidade de despertar amor no outro) e evitante
(sujeitos consideram intimidade sinônimo
de perda de independência).
Passeio pela
Explorando as grutas ao redor, Carlos e
sua equipe, além de ossos humanos, encontraram adornos e vestígios de fogueiras em
diferentes camadas de terra. Os ossos e objetos encontrados nas grutas foram levados ao
laboratório do Museu, onde foram preparados,
identificados e calculadas as suas idades, entre
12 e 10 mil anos. Depois de estudados, alguns
dos fósseis foram expostos no Museu para que
todas as pessoas possam conhecer e aprender
sobre nossos antepassados e as formas de vida
que já existiram.
seu apego
“Evitantes” preferem pessoas de
apego ansioso, pois um alimenta as necessidades do outro. Apesar de não se
envolver na relação, o primeiro dá indícios
contrários ao parceiro e gera insegurança. O ansioso, por sua vez, não sabe lidar
com a situação, fica inseguro e insiste na
relação, pensando tratar-se de mera crise.
Quanto aos seguros, trata-se de indivíduos que preferem os ansiosos ou aqueles
com o mesmo estilo de apego. Neste caso,
tendem a “acalmar” o parceiro com sua
estabilidade. Mais de 50% das pessoas
são de apego seguro, enquanto 20% são
ansiosos, 25%, evitantes, e 5% combinam
os estilos ansioso e evitante.
Livro: Apegados – um guia prático e agradável para estabelecer relacionamentos românticos recompensadores
Autor: Amir Levine e Rachel S. F. Heller
Tradução: Marcos Maffei
Ilustrações: LOR
Editora: Novo Conceito
Páginas: 192
Ano: 2013
pré-história
Escrever para crianças não é tarefa
fácil. Afinal, é necessário trabalhar a linguagem, pensar em imagens capazes de
complementar o texto e criar histórias interessantes, que prendam a atenção dos
pequenos. Imagine, então, escrever um
livro para crianças sobre Paleontologia!
Professor da PUC Minas, Cástor Cartelle
aceitou o desafio. O resultado é A história de Aur e Nia, obra definida pelo autor
como “ficção repleta de conhecimento”.
Trata-se do terceiro livro infantil de Cartelle, que também é curador da coleção
de Paleontologia do Museu de Ciências
Naturais da Universidade.
Para dar vida às duas crianças que
protagonizam a história, o primeiro passo
do autor foi encontrar o cartunista LOR,
alcunha do médico e também professor
Luiz Oswaldo Rodrigues, cujos desenhos
deram forma e cor aos conceitos básicos
desse campo do conhecimento. No livro,
acompanhamos a vida de Aur e Nia há
milhares de anos, das brincadeiras à vida
em família, das caçadas ao olhar sobre a
morte. Após um salto no tempo, a obra
apresenta o trabalho de paleontólogos na
recuperação e catalogação de fósseis.
Completam a publicação exercícios
e brincadeiras, que podem ser usados em
sala de aula pelos professores. De forma
lúdica, as crianças conhecem os primeiros
habitantes do Brasil e aprendem como chegaram aqui. Além disso, aprendem sobre
formação de fósseis e sobre Luzia, o mais
antigo fóssil humano brasileiro. A primeira
edição do livro, de 20 mil exemplares, é
distribuída gratuitamente às crianças que
visitam o Museu da PUC Minas.
Livro: A história de Aur e Nia
Autor: Cástor Cartelle
Ilustrações: LOR
Editora: PUC Minas
Páginas: 40
Ano: 2012
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
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LEITURAS
Cada qual com
O TEMA É: MANIFESTAÇÕES
HI P ER LI N K
Do clique às ruas: e depois?
Sérgio Braga
Professor do Departamento de Ciências Políticas da
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Com as jornadas de junho de 2013,
o Brasil entra por fim no rol de países que,
nos últimos anos, passaram por grandes
manifestações em que a internet e as
tecnologias digitais foram ingredientes
fundamentais para sua eclosão inicial e
posterior difusão. Na esteira desses acontecimentos, esvai-se, também, o ceticismo
de certos observadores da cena política em
relação às possibilidades de que o “ativismo de sofá”, de alguns segmentos da população, especialmente dos mais jovens,
ganhasse maiores proporções e transbordasse suas ações para o mundo off-line.
Apesar da grande variedade de
contextos, demandas, atores emergentes
e objetivos políticos, todas estas mani-
festações tiveram características comuns.
Dentre estas, podemos destacar, além do
uso maciço da redes digitais: a) foram,
em maior ou menor grau, críticas às formas
tradicionais e institucionalizadas de fazer política, inclusive por aqueles partidos de esquerda que chegaram ao poder e implementaram bem sucedidas políticas distributivas
e de crescimento econômico; b) agruparam
forças sociais heterogêneas e difusas, sem
um núcleo organizacional sólido que pudesse canalizar as manifestações para objetivos
pré-fixados por tal ou qual segmento das elites políticas tradicionais.
No caso específico do Brasil, a rápida difusão dos protestos deveu-se a vários
fatores, que também explicam algumas de
suas características até aqui. Destaco alguns deles: a) tocaram num ponto crítico
para a grande maioria da população urbana das grandes cidades brasileiras, que é
o da qualidade dos serviços públicos ofertados à população, especialmente o transporte, mas também educação e saúde; b)
ocorreram simultaneamente a um torneio
de futebol para o qual foram transferidos,
de maneira concentrada, vultosos investimentos públicos, que beneficiaram atores
do meio político e empresarial suspeitos
de envolvimento em irregularidades administrativas; c) não terem, num primeiro
momento, recebido respostas imediatas
por parte das instituições tradicionais,
fossem os governos municipais, estadu-
CIÊNCIA NO AR
Modernização
da ciência
O Código da Ciência e a desburocratização das atividades
de pesquisa foram temas bastante debatidos ao longo da 65ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
realizada em Recife (PE), no mês passado. Durante a abertura do
encontro – assim como numa série de eventos paralelos –, pesquisadores e representantes da comunidade científica abordaram
48
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2013
tais questões. Presidente da FAPEMIG, o professor Mario Neto
Borges também participou de mesa-redonda sobre o assunto, ao
analisar a relevância da adoção de nova legislação para CT&I, com
o objetivo de estimular o país a alcançar autonomia tecnológica e
desenvolvimento industrial. Quer saber mais? Assista ao programa
Ciência no Ar.
ais, ou mesmo federal, que se limitaram,
inicialmente, a qualificar como “vândalos”
ou “fascistas” os manifestantes e aplicar a
eles as medidas repressivas de costume.
Todo esse conjunto de tensões e
eventos fez com que se intensificasse o
sentimento de privação relativa de parcelas significativas da população brasileira
(desde a alta classe média conservadora, que queria aproveitar a oportunidade
para protestar contra a titular do governo
federal, até jovens motoboys de periferia,
que faziam seu debut em manifestações
políticas, passando por militantes de partidos de extrema esquerda, que viam nos
protestos uma oportunidade de fortalecer
suas respectivas legendas partidárias
às custas do desgaste do PT), o qual foi
catalisado pelo grande potencial de mobilização das redes digitais, provocando
a fortíssima reação psicosocial que todos
observamos pelo noticiário da TV e pela
internet nas últimas semanas.
Para quem julgava que a democracia
brasileira voava em céu de brigadeiro, ao
conjugar crescimento econômico, distribuição de renda e estabilidade política, como
era insistentemente afirmado por setores
ligados à propaganda oficial, inclusive nas
universidades, e, portanto, poderia passar
imune ao ciclo de manifestações e ao sentimento de mal-estar que pouco a pouco se
espraia pelo capitalismo global, tais manifestações foram uma surpresa. Entretanto,
para os observadores menos desavisados,
os protestos nada mais foram do que a culminância de um amplo descontentamento
contra inúmeros aspectos da gestão pública brasileira, que já se disseminara e se
expressara amplamente de maneira difusa,
inclusive pelas redes sociais.
Bem ou mal, e de forma algo atropelada, nos dias subsequentes às manifestações, os gestores estaduais e municipais,
em grande parte pressionados pelo governo federal e por lideranças políticas nacionais, tomaram uma série de medidas que
responderam positivamente às demandas
mais imediatas do movimento, tais como
a anulação dos preços das passagens
de ônibus e de outros serviços públicos,
como pedágios. O Congresso também deu
respostas, rejeitando a PEC 37, prometendo mais gastos em educação e saúde
vinculados aos royalties do petróleo, e
mais participação e transparência nos processos de elaboração de políticas públicas
em nível local.
Neste sentido, o sistema político
brasileiro tem reagido, até agora, de maneira satisfatória aos protestos, sinalizando uma agenda de políticas que busca
canalizar a energia das ruas, no sentido de
tornar mais responsivas e participativas as
políticas governamentais, aumentando, no
fim das contas, a qualidade da democracia
e da gestão pública brasileiras. Outro efeito colateral positivo dos protestos foi o de
recolocar a atividade política no local nobre onde ela deve estar, ou seja, nas ruas
e perto das demandas da população, e não
somente nos conchavos de gabinete e nos
cálculos eleitoreiros, conforme ela, infelizmente, esteve nos últimos anos no Brasil.
Desse modo, menos do que a primavera que anuncia o sol radiante de uma democracia sem problemas e assentada no
consenso latente das maiorias silenciosas,
as históricas manifestações dos últimos
meses podem ter anunciado o outono de
velhas formas de fazer política e sinalizado para um futuro promissor, que, embora
incerto, abre um novo campo, onde serão
plantadas novas sementes, que permitirão
a renovação de nossa democracia.
ONDAS DA CIÊNCIA
Prêmio
José Reis
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
com sólida e destacada trajetória na área da popularização da ciência, o físico Ildeu de Castro Moreira foi condecorado com o Prêmio
José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica de 2013. Escolhido, entre 139 concorrentes, pelo “conjunto de sua obra”, o pesqui-
sador se destaca pelo impacto nacional – e multiplicador – de seu
trabalho na área. A solenidade de entrega da premiação ocorreu no
dia 21 de julho, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
durante a abertura da 65ª reunião da SBPC. Ouça entrevista com
Ildeu de Castro no Ondas da ciência.
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Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e poeta, Ana Elisa Ribeiro criou os versos ao lado a convite de MINAS FAZ CIÊNCIA.
VARAL
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