a loucura do Japão - Instituto Politécnico de Tomar
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a loucura do Japão - Instituto Politécnico de Tomar
PUB Festivais de Tunas daniela santos P. 23 D i r e c to r a : H á l i a co s ta s a n to s www.esta.ipt.pt www.nyb.pt N.º 19 . Ano 7 . sexta-Feira, 29 de maio de 2009 Entram homens e saem mulheres alison silva Ainda não são muitas as pessoas que frequentam bares e casas de espectáculo conhecidas por terem, na sua maioria, clientes homossexuais. No Paradyse Bar, em Torres Novas, qualquer um pode entrar e ficar. Basta que cumpra com a regra do respeito. Num cubículo atrás do palco, os artistas entram homens e saem mulheres. Põem maquilhagem, vestem roupas femininas, calçam sapatos de salto alto e colocam adereços. Transformam-se e dão espectáculo. Entre outras coisas, querem mostrar que os homens também têm um lado feminino. Faculdades de Medicina precisam de corpos O “arreigado culto dos mortos” faz com que sejam poucos os portugueses que decidem doar o seu corpo para, depois da morte, ser usado para investigação científica. Sem corpos, torna-se difícil praticar uma das “capacidades indispensáveis” dos médicos: a observação. As faculdades de Medicina Porto, Coimbra e Lisboa conP. 8 tinuam à espera de mais “actos generosos”. Cruz Vermelha sem alimentos para distribuir em Abrantes Em Abrantes, a distribuição alimentar feita pela Cruz Vermelha terminou. Os apoios dos supermercados do concelho, que permitiam ajudar pessoas carenciadas, acabaram ou, então, diminuíram de tal forma a quantidade de entregas, que o fim da distribuição aconteceu. Do último dia de entrega de alimentos fica o desalento. Aos voluntários também pesa a decisão de acabar com a distribuição. P. 9 P. 14 e 15 ESTA recebe prémio de Jornalismo “Por que votamos?” é o título da reportagem, produzida por três alunos de Comunicação Social da ESTA, que venceu a primeira edição do Prémio Nacional de Jornalismo Universitário (PJNU) na categoria de televisão. Alison Silva, Nuno Pinto e Sara Pereira trouxeram para Abrantes um prémio que reconhece a dedicação de todos os alunos e o apoio dado pela instituição que frequentam. Ao longo de 18 minutos, os três jovens lançam um conjunto de perguntas a cidadãos abrantinos, do meio rural e do meio citadino, que permitem compreender a importância que os eleitores dão ao direito de voto. Fazendo o necessário contraponto, entrevistam o presidente da Câmara de Abrantes, que vai respondendo às questões dúvidas e críticas daqueles que, ao longo dos últimos anos, foram por ele governados. Privilegiando a informação diversificada, o ritmo e a aposta na imagem, a reportagem que Alison, Nuno e Sara produziram será difundida no Parlamento Global, da SIC (www.parlamentoglobal.pt). Este reconhecimento é uma das componentes dos prémios que os alunos da ESTA receberam. Para além disso, receberam um curso de formação de televisão no Centro Protocolar de Formação Profissional de Jornalistas (Cenjor). A entrega dos prémios aconteceu no dia 8 de Maio, na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Para além de estudantes e de docentes, estiveram também presentes representantes de várias Organizações Não Governamentais, que atribuíram dois prémios para além das categorias específicas de Televisão, Imprensa, Rádio e Multimédia. A loucura do Japão P. 17 PUB Avenida D. João I, n.º270 Abrantes | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 esta J O R N A L E statuto Editorial A qualidade longe dos centros Hália Costa Santos e dito r ial O Prémio Nacional de Jornalismo Universitário (PNJU) é uma iniciativa de um grupo de alunos de Comunicação Social da Universidade Nova de Lisboa, que pretende mostrar o trabalho feito pelos estudantes de Jornalismo a nível nacional. Criaram diferentes categorias e definiram um tema: “Direitos Humanos e Cidadania”. Contactaram a ESTA, como contactaram outras instituições de ensino superior, convidando-nos a divulgar o concurso e a estimular os nossos alunos a participarem. Apesar do tempo já ser curto, os futuros jornalistas que estudam em Abrantes arregaçaram as mangas, escolheram os temas e lançaram-se ao terreno. Quando chegou a notícia de que a reportagem de televisão da ESTA era finalista do PNJU foi a alegria geral. Participar era a intenção, mas estar na fase final era um especial motivo de orgulho. Quando, no momento dos prémios, o nome dos nossos alunos foi pronunciado, a alegria foi ainda maior. Alison Silva, Nuno Pinto e Sara Pereira venceram na categoria de televisão com a reportagem “Por que votamos?”. Estava provado que, fora da capital, a qualidade de ensino superior na área do Jornalismo também existe! Concretamente, que esta qualidade existe na ESTA. Os prémios foram entregues depois de um painel onde se discutiu a (Des)Centralização do ensino do Jornalismo. Na discussão ficou bem patente que os alunos de Comunicação da ESTA, apesar de estarem longe dos “locais onde tudo acontece”, têm tido, ao longo dos anos, oportunidades de aprendizagem que nem sempre são proporcionadas aos alunos da capital ou de outras grandes cidades. A aposta no “saber fazer” concretiza-se todos os dias, aproveitando todas as oportunidades. As parcerias com as instituições da região são sempre excelentes momentos para os alunos aprenderem no terreno, praticando aquilo que aprendem nas aulas. Aliás, algumas das parcerias são bem visíveis ao longo desta edição do ESTAJornal, destacando-se a participação dos nossos alunos no exercício militar Rosa Brava, nas Jornadas de Urologia e no XIX Artec. E para que estas oportunidades sejam agarradas, o apoio incondicional dos dirigentes da ESTA e do IPT em sido determinante. O prémio de televisão alcançado pela Alison Silva, pelo Nuno Pinto e pela Sara Pereira é um estímulo para eles, para os colegas, para os docentes que os acompanharam e para todos os outros que, diariamente, fazem da ESTA uma escola que, ao completar dez anos, já marca pela diferença. Há uns anos atrás, noutros pontos do país, tínhamos que explicar o que era a ESTA, que cursos tinha e que projectos desenvolvia. Este prémio, que se junta a outras distinções alcançadas por outros alunos desta Escola, comprova que o trabalho está a ser reconhecido. Não somos mais, nem somos menos. Mas fica, mais uma vez, comprovado que no interior também há gente de primeira categoria. •O ESTA é um jornal de Escola, de pendor assumidamente regional, mas que nem por isso abdica da dimensão de um órgão de grande informação ou da ambição de conquistar o público para além do meio universitário. •O ESTA Jornal adopta como lema e norma critérios de rigor, de absoluta independência e de pluralismo dos pontos de vista a que dá expressão. •O ESTA Jornal aposta, por isso, numa informação plural e diversificada, procurando abordar os mais diversos campos de actividade numa atitude de criatividade e de abertura perante a sociedade e o Mundo. •O ESTA Jornal considera como parte da sua missão contribuir para a formação de uma opinião pública informada, emancipada e interveniente - condição fundamental da democracia e de uma sociedade aberta e tolerante. • A democracia participativa e entendida para além da sua dimensão meramente institucional, o pluralismo, a abertura e a tolerância são os valores primaciais em que se alicerça a atitude do ESTA Jornal perante o Mundo. •O ESTA Jornal considera-se responsável única e exclusivamente perante a ambição e a exigência dos seus redactores, alunos do Curso de Comunicação Social da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes e perante o público a que se dirige. O ESTA Jornal está por isso plenamente disponível e empenhado com os leitores, comprometendo-se a manter canais de comunicação abertos com quantos connosco queriam partilhar as suas ideias e inquietações. cartoon de Filipe Santos e André Amante esta J O R N A L direc tora: Hália Costa Santos Editor de fotografia: Gonçalo Reis Direc tora Adjunta: Raquel Botelho Colaboradores: Filipe Santos, Mariana Azevedo, Marisa Rodrigues, Noélia Barradas, Paula Faria, Sílvia Carola, Tânia Branco Secretárias de redacç ão: Marina Araújo e Vanessa Jorge Fundado a 13 de Janeiro de 2003 propriedade da escola superior de tecnologia de abrantes Morada: Rua 17 de agosto de 1808 2200-370 abrantes telefone: 241361169 fax: 241361175 E-mail: [email protected] Revisão: Sandra Barata redacç ão: alison Silva, André Amante, Cátia Romualdo, Cláudia Ferreira, Daniela Santos, Eleantino Évora, Gonçalo Reis, Joana Rato, João Vasco Nunes, Marina Araújo, Nuno Sot toMayor, Pedro Correia, Renato lopes, Sara Daniela Costa, Sara Pereira, Sara Oliveira, Simão Santana, Tânia Machado, Vanessa Jorge Departamento comercial: Joana Mendes, Pedro Bragança, Tatiana Pedrosa Projec to gráfico e paginaç ão: joão pereira impressão: gráfica do instituto politécnico de tomar Editoras de fecho: Daniela Santos, Sara Pereira tiragem: 5000 exemplares 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | OPINIÃO “A homossexualidade Os monstros do não é normal” incesto Cláudia Ferreira Frases como esta são, muito provavelmente, o dia-a-dia de muitas pessoas. O dia-a-dia das que são obrigadas a ver a sua vida julgada de uma forma crua e dura, e também dos indivíduos que colocam os seus pensamentos e ideais acerca do mundo acima da vida dos que os rodeiam. Há coisas simples, curtas frases, pequenas atitudes. Umas podem mudar o mundo para melhor, não haja dúvida. Mas outras, porém, têm o poder de fazer o inverso. «A homossexualidade não é normal». Pergunto-me até que ponto alguém pode proferir tal frase. Algo demasiado cruel, demasiado frio e demasiado errado, que nos faz pensar que a vida parou no tempo, e que afinal, não estamos no século XXI. Há muito que acho que a Igreja perdeu o direito de afirmar as suas, cada vez mais, tristes opiniões e a frase do cardeal D. José Saraiva Martins prova que estou bastante certa. A Homossexualidade “o atributo, a característica ou a qualidade de um ser que se define pela atracção física, emocional e estética entre seres do mesmo sexo” nada mais é do que uma das variantes da sexualidade humana, que há muitos anos ganhou o direito a ser respeitada como tal. Apesar disso existe de tudo. Leis que proíbem a relação entre duas pessoas do mesmo sexo, englobando a homossexualidade na categoria das doenças. Um distúrbio, uma perversão. Existem ainda punições a aplicar a estes “delitos” em países como Índia, Nigéria ou Arábia Saudita, onde a pena é de morte. Felizmente Portugal já passou, de certa forma, essa fase. Contudo continua a existir uma sanção tremenda. Talvez o maior castigo possível, o julgamento. Ser catalogado como diferente, ser julgado por aquilo que não se escolheu, porque a homossexualidade não é uma opção e muito menos um estilo de vida. Porque será que uma pessoa como nós, com os mesmos deveres cívicos, não pode ter os mesmos direitos? Porque é que não podem decidir a sua vida, as suas relações, da mesma forma que qualquer um de nós o faz?! Um estudo realizado o ano passado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, revelou que 70% dos 3643 inquiridos condena as relações homossexuais. Portugal, quer se queira quer não, ainda é um país homofóbico. Por tudo isto são necessárias mais frases, mais atitudes positivas. Porque somos iguais, e porque o mundo ainda pode mudar. A vida é assim. Feita de frases, de momentos. Morrer ou não morrer, eis a questão!? João Vasco Nunes A discussão do assunto, eutanásia, chega enfim às vozes do poder. Para alguns já não era sem tempo, para outros não se trata de outra coisa, senão uma perda de tempo. Mas o que é certo, no meu entender, é que um País (entenda-se Governo) como Portugal, que quer estar na vanguarda da Europa, já deveria ter colocado este assunto à Sociedade há algum tempo, ora veja-se os exemplos dos países mais desenvolvidos. Perante o espectro de não passar de uma medida para pôr frente à Igreja ou mesmo de ganhar votos à Esquerda, este assunto delicado já deveria ter recebido outro tratamento. Colocando politiquismos de lado, na minha opinião esta decisão de alguns membros do PS que querem ver esta temática ser levada a Referendo, só peca por tardia. Acho inclusive, muito grave, que se queira misturar assuntos Religiosos e Políticos, com aquilo que é a vida humana, e com o direito a que todos nós deveríamos ter sobre o nosso corpo. Como disse Almeida Santos, Pre- sidente do PS, “O direito à vida é também o direito à morte, sobretudo quando não morrer implica sofrimento”, ou seja, cada ser Humano deve ter direito a delimitar o seu conceito de viver com dignidade, desde que esteja nas suas perfeitas condições racionais. Neste campo sou levado a relembrar-me da película do Espanhol Alejandro Aménabar (Mar Adentro), que nos conta a história verídica de Ramón Sampedro, um tetraplégico que foi um aceso defensor da Eutanásia em Espanha, e nos deixa a mensagem que, “viver é um direito, não uma obrigação”, principalmente quando não se vive com dignidade e dependente de tudo e todos. Entrando pelo campo das pessoas que estão em “estado vegetativo”, a questão é mais complexa, porque nesses casos a decisão não passa certamente pela pessoa visada, e não será de todo correcto, alguém decidir pela vida de outrém. São todos estes casos específicos e excepções, que já deveriam estar a ser discutidos há muito tempo, porque a Eutanásia em si, faz com certeza todo o sentido de existir. É triste sim, observar que neste país, em vez de preocuparmo-nos com as condições em que os Seres Humanos vivem, ou se querem ou não viver, discutimos primeiro os Casamentos homossexuais, deixando questões muito mais relevantes, como esta, para trás. Eleantino Évora Josef Fritzl, o monstro de Áustria, representa actualmente o lado mais cruel e irracional que um ser humano pode possuir. Era inevitável a sua condenação à prisão perpétua. O crime de homicídio negligente de uma das sete crianças, fruto da inconcebível relação incestuosa, que teve com a filha durante os “impossíveis” 24 anos, foi considerado mais que suficiente, para todos os que intervieram no julgamento, para tal condenação, de acordo com a lei austríaca. Todavia, discordo que esse facto seja por si só mais que suficiente. Pode-se considerar extremamente grave a conduta que teve para com a filha e principalmente de a manter presa em cativeiro durante tantos anos e ainda por cima, engravidá-la 7 ou mais vezes. Isto é um autêntico absurdo! No entanto, podia-se abrir uma excepção no que concerne à pena de morte e aplicavase esta condenação ao “monstro” em vez da prisão perpétua, por exemplo. Apesar de a pena de morte ser reprovável na maior parte dos casos, porém, em alguns como este seria a condenação mais justa. Pessoas como o Josef Fritzl possuem uma complacência muito precária e, por isso, representam uma constante ameaça para qualquer sociedade e o mesmo será dizer, que quem comete crimes destes pode ser capaz de outros ainda piores. Entretanto, em pleno julgamento, o advogado de defesa de Fritzl defendeu que o seu cliente devia beneficiar das “circunstâncias atenuantes” porque o mesmo sofre de problemas de personalidade, resultantes de uma infância infeliz. Pois aí está a gravidade do caso, porque se ele tem distúrbios de personalidade, então não se deve minimizar a situação. Contudo, Josef Fritzl demonstrou saber usar do seu carácter escasso para admitir todos os crimes que cometeu e de ter provocado tanto embaraço e tristeza à família. Todavia, Fritzl mostrou o seu engenho para executar planos destes e conseguir manter o sucesso do mesmo durante 24 anos, sem a própria mulher e vizinhos presumirem tal facto e sobretudo, o impensável pretexto que Fritzl inventou para convencer a mulher a criar os outros três filhos que teve da filha. Aliás, não é por acaso que ele é um engenheiro. Finalmente, este caso não é único porque veio desencadear mais dois, em Itália e Colômbia. Por sua vez, um italiano de 63 anos é acusado de violar e de ter sequestrado durante 25 anos a própria filha. Porém, a justificação que o mesmo proferiu foi o que se pode denominar de, o cúmulo da insensatez e monstruosidade, “uma lei familiar exigia que a filha mais velha lhe fosse prometida”. E como se não bastasse, este animal incitou o seu filho a fazer o mesmo com as próprias netas. Aonde é que isto vai parar? Na Colômbia, ao que parece, o caso é mais grave porque há rumores de haver muitos pais incestuosos, mas que ainda não foram denunciados. Todavia, um colombiano foi descoberto, pois violou a filha durante vinte anos, engravidando-a oito vezes. Pelo andar da carruagem, a família que se diz ser a base da sociedade vai acabar por ser arruinada e posteriormente dar maus frutos. Por isso, aconselho àqueles que já pensaram em praticar esta barbaridade, que façam uma autoavaliação e para os que já a praticam, que procurem ser internados enquanto é tempo! Como uma criança vê uma realidade cruel Daniela Santos São vários os filmes sobre o Holocausto, mas poucos são aqueles em que essa história é vista e contada por uma criança. Em “O rapaz do pijama às riscas”, Bruno, um menino inocente, vê-se envolvido num Mundo que julgava não ser o seu. Esta criança de apenas oito anos é obrigada a mudar de casa para uma região quase despovoada e deixar todos os seus amigos para trás, o que o fez sentir triste. Bruno, atraído pela curiosidade, começa a observar através da janela do seu quarto uma quinta onde, segundo ele, moravam umas pessoas estranhas que andavam sempre com uns pijamas às riscas. Foi na tentativa de explorar um pou- co mais daquela “quinta”, à revelia dos pais, que Bruno conheceu Shmuel, uma pequena criança judia que ali vivia. Apenas uma vedação de arame farpado dividia os mundos diferentes destas crianças. No dia em que Bruno ia sair daquele lugar, decidiu ir ajudar Shmuel a encontrar o seu pai que estava desaparecido, foi então que Bruno entrou na “quinta” e junto com todos os judeus foi levado para uma das câmaras de gás onde acabou por morrer de mão dada com Shmuel. Um filme que, embora não acrescente muito à história do Holocausto, é bastante interessante visto que a história é contada de uma maneira e perspectiva diferentes. O filme conta com personagens brilhantes que desempenham papéis distintos ao longo de todo o desenrolar da história. Mais uma vez este tipo de filmes serve para que este assunto (Holocausto), que abalou todo o mundo, não caia em esquecimento. É sem dúvida um filme a não perder… | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SAÚDE Maria da Conceição Sequeira, assistente social no Hospital de Abrantes “Eu sou a advogada de defesa dos bebés” Alison Silva O Hospital Distrital de Abrantes tem procurado ter um papel cada vez mais activo no futuro das crianças da sua área de abrangência. Maria da Conceição Sequeira é a responsável por determinar se as famílias têm ou não capacidade de dar condições de vida a estas crianças, de garantir a educação de jovens mães e, se necessário, retirar as crianças às famílias, para sua protecção. Como é que o Hospital detecta os maus-tratos nas crianças? O médico ou a equipa de saúde e enfermagem é que detectam sinais de maus-tratos. Há uma suspeita que é comunicada ao Serviço Social e, a partir desse momento, fazem-se diligências ao nível do Ministério Público (MP), Comissões de Protecção de Menores e Medicina Legal. Os exames para despistar maustratos são apenas físicos ou também psicológicos? O Hospital tem as duas vertentes, mas depende da idade da criança e da informação que ela conseguir dar. Se for um bebé, não consegue fornecer a informação verbal, mas uma criança a partir dos cinco ou seis anos é capaz de dizer quem é que a agrediu e tem outras maneiras de chamar a atenção. Que diferenças há nas agressões entre as crianças mais jovens e as mais velhas? É difícil, porque uma criança com dois anos não pode dizer que é maltratada, apesar de ter noção de que se trata de uma agressão. Consegue-se notar que é um bebé bem cuidado, feliz, porque é um bebé saudável e sorridente. Uma criança mais crescida pode sempre dar mais alguma informação. Mas não sei se irá mesmo dizer que é maltratada. De quem partem os maus-tratos mais frequentes? Quando se trata de agressões físicas, normalmente são familiares, apesar de haver alguns suspeitos fora do agregado. Às vezes são madrastas, por exemplo, ou os miúdos são irrequietos e as pessoas não têm muita paciência. Porém, na obstetrícia, que é quando o bebé acaba de nascer e até os 28 dias de vida, não se registam maus-tratos físicos, porque o bebé não pode ser maltratado cá dentro. As agressões só acontecem depois de o bebé deixar as instalações. Como é que o Hospital procede para proteger as crianças? Se há suspeitas de que algum elemento do agregado familiar possa representar algum tipo de perigo para a criança, ou de que a família não tem as condições mínimas para cuidar dela, fica internada no serviço de pediatria. Aqui aguarda a decisão do Tribunal e da CPCJ, que depende de situação para situação. Geralmente não é um período muito longo, podendo ser de apenas alguns dias. Às vezes, se a equipa acha que, a nível do agregado, não há perigo para nuno Sot to-Mayor Maria da Conceição Sequeira. Uma criança mais crescida poderá não dizer mesmo que é maltratada Ano 2007 Recém-nascidos sinalizados Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco - 14 Intervenção Precoce -3 Centro de Saúde - 20 Centro de Atendimento a Toxicodependentes -2 Recém-nascidos sem alta social - 6 (acompanhados pelo Tribunal ou CPCJ) a criança, ela volta para a família e é feita a comunicação às entidades competentes, particularmente se a agressão foi feita fora do agregado. Caso contrário, é encaminhada para os Serviços Sociais. Se os motivos dos maus-tratos estiverem por esclarecer, é necessário aguardar decisão ao nível da CPCJ e do internamento. A minha particular preocupação é que, quando o bebé sai, não ocorram essas agressões e assegurar que tem as condições mínimas de sobrevivência. Eu costumo dizer que sou a advogada de defesa dos bebés. Tenho a responsabilidade de saber interpretar os sinais que recolho das conversas com os pais, pelo que eu conheço e pelo que os colegas que estão na comunidade conhecem da situação. São eles que, através de um contacto telefónico meu, de acordo com a informação que eu recolhi dentro do hospital, vão fazer a avaliação da casa e da família. Em casos particulares, mesmo havendo risco, o bebé sai, mas tem vigilância no domicílio, com equipas que estão no terreno. Quando sai, há já uma enfermeira disponível e atenta à situação. Não havendo ninguém da família para fazer a supervisão, ou as condições necessárias para a família responder às necessidades do bebé, ele não sai. Quem são as equipas que actuam no terreno? São pessoas da comunidade. A enfermeira do centro de saúde é o principal contacto. Se as grávidas fizeram a vigilância na gravidez, ela tem a noção e conhece a família e a pessoa. Há a equipa de intervenção precoce, que é constituída por técnicos, enfermeiras, psicólogos, de educadoras que estão no terreno. Vão aos domicílios, fazem um trabalho de educação daquela família, dando-lhes informações que são importantes para o cuidado do bebé. São pessoas extremamente importantes. Há a CPCJ, que, mesmo não sendo uma situação conhecida, a partir do momento em Suspeitas de maus tratos raramente se confirmam Ao fim dos primeiros quatro meses do ano, 2009 não regista suspeitas nem casos efectivos de maus tratos, violação ou abusos sexuais a menores na área de abrangência do Hospital Distrital de Abrantes. Em 2008 foram avaliadas 38 situações consideradas problemáticas na área de Pediatria. Os casos mais graves recaem sobre duas suspeitas de abuso sexual, com reincidência num dos casos, uma de violação e uma de maus tratos físicos. Segundo Maria Ribeiro Ferreira, assistente social nos serviços hospitalares, nenhuma destas suspeitas se comprovou. A assistente social revela que todos os casos analisados eram já acompanhados pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Em 2007 foi registado um caso de afastamento da criança da mãe porque sofria de uma doença psiquiátrica. Ao todo, foram avaliadas 26 situações pelo Serviço Social, nas quais se registaram faltas de apoio em diversas áreas. A mais comum é a de carência económica. A baixa formação maternal e a falta de apoio psicossocial também preocupam os profissionais que trabalham no Hospital. Sempre que há suspeitas de maus tratos ou abusos sexuais, o médico pediatra pede a avaliação da Medicina Legal. Em alguns casos, e na ausência desta, solicita a avaliação da Obstetrícia/Ginecologia. É elaborado um relatório de ocorrência e, confirmando-se as suspeitas, a situação é comunicada ao Ministério Público (MP), que inicia as investigações. Em certos casos, é também sinalizada junto da CPCJ, para se fazer uma avaliação, no terreno, da situação familiar. Além deste papel, o Hospital (Pediatra ou Serviço Social) pode ainda ser chamado a testemunhar perante o Tribunal. Trata-se de “situações sociais complexas, em que os intervenientes, muitas vezes, usam este tipo de suspeitas para causar instabilidade na família e tirar proveito disso”, afirma Maria Ferreira. Na sua maioria, as suspeitas nunca chegam a ser confirmadas, por falta de provas. Nos casos em que as suspeitas são confirmadas, as crianças ficam internadas nos serviços hospitalares, até decisão do MP, ou até serem encaminhadas para instituições de apoio. Quando as suspeitas não se confirmam, as crianças regressam ao agregado familiar, umas vezes com sinalização e vigilância das instituições de apoio, outras não. A.S. que eu envio o relatório a sinalizar a situação, a pedir intervenção, eles intervêm no processo. Há uma assistente social e as ajudantes familiares, que são pessoas que estão ligadas às equipas dos Rendimentos Sociais de Inserção. A ajudante familiar ajuda a nova mãe a gerir a casa a nível de alimentação e compras. O que acontece nos casos em que a situação da família já foi comunicada à CPCJ? O bebé pode ficar retido, se já houver processo de outros irmãos. Há uma nova análise do domicílio face àquele bebé. Mas são diferentes as situações de maus-tratos e as situações de possível risco. Se, ao fim das 48 horas de internamento, numa situação normal, eu acho que há risco para o bebé, não dou alta social e o bebé não sai. Como é que as famílias reagem a este tipo de situações? Não é fácil. Nunca é fácil dizer a uma mãe que ela tem alta clínica, mas que o bebé não pode sair e que a situação tem que ser avaliada. O bebé é transferido para o serviço de neonatologia ou para o cuidado de serviço social. Eu fico responsável pela criança, mas a mãe pode sempre acompanhar o bebé no internamento de pediatria, porque uma mãe é sempre mãe. Depois das instituições, os bebés são sempre encaminhados para famílias de acolhimento? As CPCJ’s ou a Segurança Social é que vêm buscar estes bebés. Só havia uma família de acolhimento em Abrantes, mas não sei se ainda há. Geralmente as crianças que são retiradas às respectivas famílias pelos motivos atrás mencionados vão para as instituições. Ao fim de seis meses, a Comissão assina um protocolo com os pais, para proceder à protecção do bebé. Se a família não aceita a intervenção da Comissão no processo do bebé, este é automaticamente encaminhado para o Tribunal e o bebé fica internado a aguardar decisão. 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SAÚDE “Disseram-me que era logo atendido, estive ali sete horas e não fui consultado” Simão Santana Simão Santana e Joana Rato Abrantes – Hospital Doutor Manuel Constâncio, segunda-feira, dia 27 de Abril. 16h30. As Urgências estão em grande agitação, pessoas a entrar e a sair, quase nenhuma para ser atendida, e a sala da zona de adultos praticamente cheia. O desespero é visível em qualquer dos rostos das mais de 15 pessoas que estão a suplicar por uma consulta. Fernando Tocha, reformado, chega mesmo a dizer que os médicos “parece que fazem de propósito”. Já ali está desde as 14 horas e até então só saíram duas pessoas da sala, o que deixa antever uma harmoniosa tarde de primavera nas Urgências deste hospital. Na zona de entrada existe um pequeno quadro que informa os demais do tempo de espera que os aguarda. 3h00 é, neste momento e supostamente, o tempo limite de expectativa, no entanto, o senhor Abel Ferreira, de 47 anos, já ali esteve no último sábado: “Disseram-me que só tinha que esperar um bocadinho, que era rápido, e acabei por estar ali sete horas e não fui atendido”, situações que “chateiam” e “enervam” as pessoas lesadas. Para passar o tempo, dois jovens estudam, entre anedotas e piadas, dois outros senhores desesperam cabisbaixos e dão voz aos suspiros cansados da demora, uma senhora lê uma revista, outro senhor um jornal e na generalidade dos Horas. Os utentes chegam a esperar mais do que o tempo indicado no quadro casos o resto dos utentes, e utilizando o célebre ditado popular “quem espera, desespera”, desesperam e fazem uma estimativa ao tempo que ali vão ficar. Para completar o embelezamento do espaço, existe uma televisão, que seria bastante útil para passar o tempo. O problema é que está desligada… 18h40 e continuam na sala 16 pessoas. “Não somos informados do tempo de espera e isto não tem solução a médio ou curto prazo, é sempre a mesma coisa”, é a opinião mais ouvida entre os indivíduos que já ali estão há demasiado tempo. “Com este sistema de selecção tornou-se mais complicado.” Maria Romão de 54 anos, vive em Penhascoso, a 25 quilómetros do centro da cidade de Abrantes, toma conta do senhor Amaro Marques de 86 anos. “É por isso que aqui estou, é o meu trabalho, mas se tivesse que tomar conta de crianças era muito complicado.” Maria Romão relembra ainda um dos episódios que passou no hospital Doutor Manuel Constâncio, quando se deslocou com o senhor Amaro ao mesmo local, depois de este ter um Acidente Cardiovascular (AVC), e esteve à espera oito horas (!). No final o senhor Marques voltou para casa sem lhe ter sido feito qualquer exame ao coração (normalmente uma TAC), e o médico de serviço apenas escreveu uma carta ao médico de família para que o senhor Amaro o viesse fazer noutro dia, porque simplesmente o caso não era grave, diziam. 19h20. Outro dos motivos que segundo os utentes faz atrasar bastante as consultas é o novo sistema de Triagem de Manchester, que consiste em classificar os doentes por nível de urgência, de “Emergente” (correspondente à cor vermelha), passando pelo “Muito Urgente” (laranja), “Urgente” (amarelo), “Pouco Urgente” (verde) até ao “Não Urgente” (azul). O que acontece é que, na sala com 16 pessoas à espera e os ponteiros a marcarem 19h20, só existem “Episódios de Triagem” de cor verde. O sistema de triagem é feito segundo uma pré-análise do estado do doente que, segundo o panfleto, consta de uma “observação rápida, mas objectiva”. Ao que o ESTA Jornal conseguiu apurar, os médicos acabam por decidir quem é atendido primeiro: enquanto uns atendem por ordem de urgência, outros vão intercalando as cores. O que acontece quando o tempo de espera é ultrapassado ou quando só existe “a cor verde” na sala de espera? O sistema bloqueia? Ao que parece é o que ocorre e entretanto o quadro de informação de tempo de espera já vai nas quatro horas… CRAT e +Vida Uma escola especial Uma aposta na saúde para meninos especiais Nuno Sotto-Mayor O Hospital D. Estefânia, em Lisboa, tem para além dos seus serviços uma escola criada pelo Ministério da Educação. O objectivo é permitir que as crianças que ficam muito tempo internadas continuem a ter aulas. “Houve necessidade de criar uma escola no hospital, porque as crianças ficavam internadas por períodos longos, dando continuidade ao seu percurso escolar”, relata a professora Armanda Nunes, responsável por esta escola especial. A escola surgiu em 1926, funcionando numa sala do Serviço de Ortopedia. E o objectivo principal do hospital é tentar “minimizar tanto quanto possível a interrupção e disrupção da educação das crianças durante o internamento, através da disponibilização da educação contínua, tão normal quanto a condição clínica da criança o permita”. Por vezes, os tratamentos são muito desgastantes não permitindo à criança acompanhar o seu estudo de uma forma permanente, mas nem por isso deixa de ter esse apoio por parte do corpo docente. Quando a criança fica impossibilitada de se deslocar ao espaço da escola, “a professora dirige-se à enfermaria onde a criança está internada e com ela estabelece um plano de trabalho individual, de acordo com as suas necessidades curriculares ou utiliza os próprios manuais do aluno”. Convém realçar que esta escola entra em contacto com a professora oficial da criança internada, para obter informação sobre o nível escolar da criança. No que diz respeito ao corpo docente, é constituído por duas professoras do 1º Ciclo, existindo ainda um Núcleo Educativo de Apoio ao 2º/3º Ciclos e Secundário, formado por uma professora. “A escola funciona numa sala cedida pelo Hospital D. Estefânia e está equipada com mesas, cadeiras, algumas estantes, placards, um quadro Didax, seis computadores e três impressoras.” Existe uma turma única, formada por uma população bastante flutuante e heterogénea, com alunos provenientes do país inteiro e dos P.A.L.O.P, na sua grande maioria. Em média, frequentam esta escola especial 15 alunos. No que diz respeito aos encarregados de educação ou acompanhantes, a professora responsável explica que “prestam um apoio de retaguarda, no sentido de facultarem às docentes os contactos do professor ou da escola de origem do aluno”. Sendo uma escola oficial do Ministério da Educação, rege-se pela legislação em vigor para todas as escolas e, neste caso, obedece ao regimento interno do Agrupamento a que pertence (ver caixa de texto). Para além das actividades de componente lectiva e do cumprimento curricular, a escola elabora anualmente o seu Plano de Actividades e ajusta periodicamente as actividades à realidade hospitalar. Colabora ainda com o Grupo de Animação do Hospital e com todas as instituições da comunidade que se disponibilizam para organizar e desenvolver acções lúdico -pedagógicas com as crianças internadas. As crianças, mesmo estando dentro do Hospital Dona Estefânia, têm todo o apoio necessário para continuar mesmo com algumas interrupções por, força da natureza, para sonhar com um futuro. No dia 7 deste mês foi apresentado e assinado o projecto Centro de Recursos de Ajudas Técnicas (CRAT), na Biblioteca Municipal António Botto. Este projecto adveio de um protocolo celebrado entre o Município de Abrantes, a Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e o Centro Hospitalar do Médio Tejo e vai ser dinamizado pela Associação “Vidas Cruzadas”. Assim sendo, a população de Abrantes vai usufruir de mais um apoio aos doentes acamados ou com dependência física. O CRAT pretende rentabilizar equipamentos - como cadeiras de rodas, camas articuladas, andarilhos e canadianas - e minimizar o problema de aquisição de ajudas técnicas para utentes em recuperação ou dependentes. Quem usufruir do serviço fornecido pelo CRAT beneficiará do equipamento durante o período de recuperação do seu problema de saúde. O CRAT destina-se, essencialmente, a pessoas com deficiência permanente ou temporária que precisem de ajudas técnicas, desde que residam no concelho e que não aufiram rendimento anual per capita superior a €7.500. Às partes envolventes deste projecto competem tarefas diferentes. À Associação “Vidas Cruzadas” compete gerir o Centro de Recursos, receber os pedidos, proceder à selecção das prioridades de acordo com o regulamento e procurar apoios para a obtenção dos equipamen- tos. A Câmara de Abrantes assegura o transporte dos equipamentos, sempre que se justifique, e a atribuição de uma verba no valor de €3.000 para aquisição e reparação dos equipamentos. Por sua vez, o Centro Hospitalar do Médio Tejo assegura a manutenção dos equipamentos. Para que o cidadão possa ter acesso a informações sobre a Associação “Vidas Cruzadas”, esta possui um sítio na internet, onde explica a quem se dirige o seu trabalho, em http://associacaovidascruzadas.blogspot.com. Aproveitou-se este dia também para divulgar o Programa + Vida, um programa de gerontomotricidade dirigido ao público sénior, que é promovido pela Câmara de Abrantes, com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional. O “+ Vida” consta da prática regular de actividades físicas/lúdicas, como meio de prevenção e combate ao sedentarismo, desenvolver a autonomia funcional, melhorando a auto-estima e reduzindo o stress e contribuir para a melhoria da saúde, no que diz respeito aos níveis de colesterol, hipertensão e controlo do peso. As acções acontecem em espaços inerentes à própria instituição ou em equipamentos desportivos municipais e realizam-se uma vez por semana em cada instituição e têm a duração de 45 minutos. Paula Faria | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SAÚDE Paulo Vasco, responsável pelo serviço de Urologia do Médio Tejo “O cancro continua a ser um desafio” Paulo Vasco, médico urologista, responsável pelo Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT), fala descontraidamente, no seu consultório, sobre a sua especialidade. Durante a conversa, percorre-se tudo o que está associado a essa especialidade, nomeadamente as doenças e o relacionamento entre os médicos e os pacientes. Aborda, também, a estrutura do CHMT, que está equipado com a última tecnologia para as intervenções cirúrgicas alison silva Nuno Sotto-Mayor Quais são as principais doenças no campo da Urologia? Todas as doenças do aparelho genital masculino e do aparelho urinário masculino e feminino. Começando nos rins e acabando na extremidade da uretra. São as doenças renais de foro cirúrgico, porque existe outra especialidade, que trata as doenças renais do foro médico, que é a nefrologia. Mas essa não tem directamente a ver connosco, embora colaboremos uns com os outros. No campo da Urologia existe uma grande diversidade: a actividade das pedras dos rins, todas as doenças oncológicas (cancro do rim), os acidentes de viação com traumatismos do rim, as doenças dos testículos, os tumores dos testículos, as disfunções sexuais masculinas, a infertilidade. Como é que o Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) está organizado em termos de Urologia para poder atender todos os pacientes? O CHMT tem uma população à volta de 300 mil habitantes e tem três unidades: Abrantes, Tomar e Torres Novas. A Urologia tem como sede e zona de internamento a unidade de Tomar, mas trabalha nas três. Na unidade de Tomar estão instalados o internamento e a actividade cirúrgica; em Tomar, Abrantes e Torres Novas fazem-se consultas. Que dificuldades é que o serviço tem pelo facto de estar disperso em três locais? Nós temos níveis de atendimento muito elevados. No último ranking dos hospitais, ficámos em quinto lugar nos melhores serviços do país e temos expectativas de que vamos melhorar nos próximos anos. Exige mais um pouco de esforço e de organização em termos de distribuição das pessoas pelos espaços, mas faz-se sem grandes dificuldades. Que condições têm ao nível de recursos humanos? Somos cerca de 30 pessoas, entre médicos, especialistas (que somos três), um chefe de serviços (que sou eu), dois especialistas e, depois, enfermeiros, administrativos e auxiliares. Os três centros hospitalares estão bem equipados? O CHMT está equipado com a última tecnologia para as intervenções cirúrgicas. Em termos físicos, nomeadamente no que diz respeito às enfermarias e à capacidade para fazer exames especiais (como endoscopias e ver o aparelho urinário), temos o equipamento necessário. Os equipamentos de que dispõem, ultimamente, são mais simples? Os equipamentos que se usam agora têm a ver com a facilidade de fazer intervenções cirúrgicas com menos recurso a grandes aberturas do corpo. Faz-se através de pequenos orifícios, que é a chamada cirurgia laparoscópica, que temos vindo a desenvolver cada vez mais. Por outro lado, temos a facilidade de, quando algo não existe dentro da unidade, podemos fazer contactos com o exterior, através de acordos que o CHMT tem, para fazer outro tipo de tratamento. Por exemplo, as pedras dos rins podem ser tratadas, noutros locais, por destruição (litotrícia), através de ultra-sons. Assim, os doentes têm uma maior probabilidade de serem bem tratados. Os doentes ainda necessitam de ficar inter- Paulo Vasco. “No último ranking dos hospitais ficámos em quinto lugar nos melhores serviços” nados? Sim, ainda há essa necessidade, embora haja uma maior percentagem de doentes que fazem a chamada cirurgia ambulatória, que é a cirurgia de um dia. Mas o internamento continua a ser necessário, sobretudo porque tratamos pessoas de grupos etários muito avançados e, por vezes, não têm cuidados no domicílio que sejam eficazes. Por isso, acaba por ser melhor ficarem no hospital do que em casa. Como é que as pessoas reagem ao facto de terem doenças deste foro? As pessoas reagem um pouco tristes, porque ninguém gosta de estar doente. Quanto às doenças do aparelho urinário, o número de pacientes é crescente. Temos um grupo grande de doenças oncológicas, e por isso este tema foi escolhido para as Jornadas de Urologia deste ano. Cada vez se diagnosticam mais cedo, muitas pessoas têm a sua vida limitada com a doença oncológica. Nestes casos, apesar da tristeza inicial, depois demonstram alguma vontade de vencer os obstáculos. Existem outras situações muito frequentes, por exemplo, nas mulheres, como a incontinência urinária, que é uma situação onde temos resultados muito positivos, melhorando prontamente a qualidade de vida das pacientes. Hoje em dia as pessoas procuram-nos mais. Antes as mulheres não tinham bem a noção que tinham direitos nesse domínio e achavam que ter incontinência ou perdas de urina era muito normal da velhice. Mas não, a incontinência pode tratar-se, o que torna a vida das pacientes muito melhor. Também nos procuram para tratar pedras nos rins onde o sucesso não é menos elevado. Eventualmente, há situações mais problemáticas na nossa área como as doenças na sexualidade masculina, mas as pessoas procuram-nos tranquilamente. Existem diferenças claras entre os homens e as mulheres no que diz respeito a estas patologias? Sim. Em relação às patologias do aparelho urinário, não existem grandes diferenças, ou seja, as pessoas podem ter pedras nos rins, tumores, cancros dos rins ou da bexiga, o que acontece tanto nos homens como nas mulheres. No domínio da sexualidade, quando tratamos o homem, tratamos o casal Agora, no domínio da sexualidade, existem realmente grandes diferenças, mas nós só tratamos dos homens. Se bem que, quando tratamos o homem, também tratamos o casal. Como é que se lida, em simultâneo, com as questões relacionadas com patologias no campo da Urologia e com a sexualidade? A Urologia tem uma grande implicação, não só porque trata directamente da sua vertente chamada de andrologia, que trata da sexualidade masculina, que vai desde todas as disfunções sexuais masculinas até à infertilidade masculina. Por outro lado, a própria Urologia tem intervenções cirúrgicas (seja da bexiga, da próstata, e até do pénis) que estão implicadas com a sexualidade masculina. São situações que mexem com a imagem corporal dos homens e com uma série de outras questões. A intervenção do urologista, ou mesmo a intervenção cirúrgica, mesmo que não seja sobre sexualidade acaba por afectar órgãos que dizem respeito à sexualidade masculina. No caso da andropausa, os homens aceitam as transformações no seu corpo? Aceitam bem, no entanto o termo andropausa não é o termo exacto que nós usamos. A menopausa tem um significado que é um fim abrupto, súbito, marcado porque as mulheres deixam de menstruar num determinado mês ou num determinado dia e, então, entram na menopausa. No caso dos homens não há uma marca ou uma data possível de identificar como o declínio da sua estrutura hormonal e, então, chama-se Hipogonadismo Masculino Adquirido, que significa a baixa das gónadas. O que se passa é que os homens, a partir de uma certa altura, começam a ter uma baixa de produção das suas hormonas sexuais, principalmente da testosterona. Mas varia de homem para homem, a partir dos 50/55 anos. Hoje em dia, isso é conhecido e existem muitas formas de equilibrar e tratar. Daí que os homens, sobretudo de algum estrato cultural, nos procurem por causa dessas situações. Às vezes podem não estar directamente ligadas à vida sexual, mas facilmente se percebe que se trata da baixa de testosterona. Como é que é e como é que deveria ser o relacionamento entre os especialistas em Urologia e os médicos de família? O relacionamento deve ser o mais aberto possível. É indispensável que haja uma colaboração muito grande entre os médicos de família, que são geralmente a porta de entrada das pessoas no sistema de saúde. As pessoas têm no seu local de residência um médico de família que os acompanha num ponto de vista global e quando detectam um problema urológico fazem uma primeira abordagem. Quando se considera que as possibilidades e capacidades estão esgotadas ao nível do médico de família, o paciente deverá ter acesso a uma consulta hospitalar de Urologia, onde o tratamento e a avaliação das pessoas possam ser contínuos. Uma vez cumprido esse objectivo, também deve ser possível que as pessoas voltem com mais facilidade a esse médico de família, para que haja uma continuação de tratamentos e um acompanhamento. Os dois devem estar em ligação mais ao menos permanente. Em casos terminais, que respostas tem o CHMT? Damos todas as garantias de acompanha- 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SAÚDE mento às pessoas com doenças urológicas terminais, quer no serviço, quer, sobretudo, numa unidade de cuidados paliativos que foi uma das primeiras a existir no país. Fica na unidade de Tomar, que segue os doentes em estados terminais de vária natureza. No caso das doenças de natureza urológica, quando estão esgotadas as nossas capacidades de tratamento e de acompanhamento dessas pessoas, enviamo-las às unidades de cuidados paliativos, que depois darão continuidade ao tratamento. Que tipo de investigação fazem no CHMT ao nível da Urologia? Nós fazemos uma investigação assente em casos clínicos. Participamos em vários estudos europeus dessa natureza e, até, com ensaios de novos medicamentos para algumas doenças urológicas. E o nosso centro é muito considerado nesse âmbito. Somos muito solicitados para trabalhar com algumas entidades que tratam esse tipo de investigação. Qual é a importância de organizar as Jornadas de Urologia? É muito interessante do ponto de vista pessoal e profissional. Fomos construindo uma equipa, a equipa os Amigos do Serviço, que é uma entidade formada por pessoas que ou foram tratadas pelo serviço e ficaram amigas do serviço, ou por pessoas que pertencem ao serviço e que são amigas do serviço. É essa associação dos Amigos do Serviço que organiza as Jornadas e que é responsável pelo aluguer do espaço e pelas participações. Nós só damos o nosso apoio. Há aqui uma dinâmica que se criou entre pessoas que estão ligadas ao serviço por razões afectivas. A existência de uma associação destas, ligada a um serviço, não é muito comum e as Jornadas servem para dinamizar um pouco. Logo após as Jornadas, que ocorrem sempre em Maio, nos meses a seguir começa-se a pensar nas próximas e no tema. Há um grande entusiasmo. As Jornadas são importantes para o serviço, sobretudo porque dão uma visibilidade que de outra forma não teríamos. Começaram por ser uma forma de nós divulgarmos as actividades junto dos médicos de família, aos poucos foram ganhando volume e outra importância. Hoje são um ponto de encontro entre os urologistas do país todo e de outros doentes que trabalham no serviço urológico. Qual é o balanço que faz das últimas jornadas? O balanço é positivo. Qual foi o tema escolhido para as jornadas deste ano? O tema deste ano é a doença oncológica. A doença oncológica é uma parcela importantíssima da nossa actividade. O cancro continua a ser um desafio, porque nós tratamos muitas pessoas com cancro e também curamos algumas, não todas. É um tema que nos interessa. Participam também enfermeiros, assistentes sociais, médicos de famílias, médicos - anestesistas, médicos de outras áreas que trabalham com doentes urológicos. O tratamento destes doentes é um tratamento multidisciplinar, em que é importante ter as opiniões e perspectivas variadas para se conseguir melhor eficácia possível. Que tipo de informação é que os cidadãos, em geral, têm sobre esta especialidade? Eu penso que as pessoas aos poucos vão estando mais informadas. Até aqui há uns anos era uma área menos conhecida, mas os assuntos que a Urologia trata passaram a ser mais conhecidos na sociedade. Considera que o país está bem servido em termos de Medicina neste campo da Urologia? Eu creio que sim. Existem mais de 40 serviços de Urologia no país, entre Ponta Delgada, Vila Real e Bragança. De uma forma geral, dão resposta às necessidades das populações em termos urológicos. Os jovens médicos sentem-se atraídos por esta especialidade? Sim, no país somos à volta de 300 especialistas seniores e deve haver cerca de 60 a 70 jovens em formação. Nuno Lobo Antunes discute o seu livro “Sinto Muito” com profissionais da saúde Lidar com a vida e com a morte dr Nuno Lobo Antunes. “Sinto Muito” é a expressão que o médico utiliza para mostrar a sua solidariedade para com os doentes e familiares “A entrada nos cursos de Medicina só com base nas notas é uma aberração, um crime. Como é que não se procura saber a personalidade dos candidatos, o tipo de interesses, o tipo de cultura, o que fez enquanto andava no liceu? Os que têm as melhores notas não são necessariamente os melhores! Têm capacidade de trabalho, mas essa é apenas uma das qualidades que devem ter.” Este foi apenas um dos muitos comentários indignados que Nuno Lobo Antunes, neurologista, fez, em Tomar, perante uma plateia de quase 400 profissionais de saúde. Nuno Lobo Antunes encerrou as VII Jornadas do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo, que decorreram a 8 e 9 de Maio. Subordinado ao tema “A Doença Oncológica em Urologia”, o evento incluiu diferentes painéis nos quais, entre outros aspectos, se discutiu a forma como os médicos lidam com a morte e com o seu anúncio. Nuno Lobo Antunes, também escritor, falou sobre o seu livro “Sinto Muito”, expressão que resume a solidariedade do médico para com o doente ou para com os seus familiares quando tem que dar uma má notícia. Numa conversa com o jornalista do Expresso, Valdemar Cruz, o autor explicou a razão de ser do seu livro, falou das suas perplexidades, contou histórias (nas quais é simultaneamente actor e espectador) e falou de um “Deus franco-atirador”, que fere crianças e adultos “sem sentido”. Nuno Lobo Antunes considera-se um homem de “fé imprecisa e de fé hesitante”. Acredita que haverá alguém “mais forte” do que ele próprio, mas não deixa de se indignar: “Não acredito que um Deus bondoso para com os seus filhos os fira desta maneira”. No seu livro, conta, entre outras, histórias de crianças e jovens que acabaram por morrer. E, neste que foi o primeiro debate com profissionais da saúde sobre o livro que publicou, Nuno Lobo Antunes explicou que foi a “convivência diária com a morte” que lhe trouxe “maior apreço e maior respeito pela vida”. Por isso, é claro: “Detesto perder tempo; não cheguem atrasados e não comecem com conversas de chacha”. Sempre que um doente ou um familiar pergunta qual o tempo de vida que resta, Nuno Lobo Antunes defende que se deve ser “absolutamente honesto”. As pessoas precisam de saber quanto tempo têm “para pôr os assuntos em ordem”. É uma questão de “respeito pelas pessoas”. Alternando entre um discurso sensível e um discurso ácido (para com os meios de comunicação social, por exemplo), Nuno Lobo Antunes, com anos de experiência em hospitais portugueses e norte-americanos, arrancou gargalhadas, mas também provocou expressões de discordância. Disse, por exemplo, que “uma coisa que acontece muito em Portugal é que os médicos mentem e depois pisgam-se”. Para este especialista em Neurologia, esta é uma “atitude altamente hipócrita”. Porque “se o doente precisa de nós, nós temos de estar lá”. No final do debate, uma médica que estava na assistência elogiou a organização das VII Jornadas de Urologia, pelo “espírito empreendedor e inovador” do seu principal responsável, o urologista Paulo Vasco. Por seu turno, e em jeito de balanço, Paulo Vasco agradeceu a todos os que permitiram a realização deste evento, nomeadamente a Liga dos Amigos do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo. Durante um dia e meio foram vários os assuntos discutidos, desde o diagnóstico até às novidades na terapêutica da doença oncológica em Urologia, passando pela apresentação de casos concretos. O especialista Vaz Santos apresentou a última conferência dos trabalhos, subordinada ao tema “A Viagem”. Em jeito de conclusão, este médico defendeu que “é um erro imaginar que a morte está à nossa frente”. Porque “grande parte dela já pertence ao passado” e porque toda a nossa vida pretérita é já domínio da morte”. Para os médicos, o mais importante é a vida. Através dos conhecimentos e da prática, adquirem “um poder terrível: ganham dias à morte”. PUB | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SAÚDE “A morte ao serviço da vida” A doação de corpos para investigação é indispensável. A formação dos alunos de medicina e os progressos dos tratamentos médicos e cirúrgicos de muitas doenças dependem dela. Felizmente, e embora se trate de um número bastante reduzido, a “vontade de ajudar não só os investigadores como futuras pessoas” continua a levar alguns indivíduos a “este acto cívico, da maior generosidade”. gonçalo reis CLÁUDIA FERREIRA Se morrêssemos agora, muito provavelmente éramos enterrados. Postos num caixão, vestidos a rigor para uma “gala” que não se sabe bem onde é, e muito menos se irá acontecer. Normalmente é assim. Vamos “para baixo da terra” e o corpo ali ficará. Mas há quem queira dar um fim diferente ao seu corpo, ajudando a investigação científica. Foi no ano de 300 a.C. que se deram, pela primeira vez, dissecações do corpo humano. Através delas surgiram as descrições anatómicas que possibilitaram um razoável conhecimento da forma e da função do corpo humano. Em Portugal foi com D. João III (em 1546) que se recorreu a este método, pela primeira vez, na universidade de Coimbra. Actualmente, são três as Universidades Portuguesas a receber doações de cadáveres para fins de investigação. Coimbra, Lisboa e Porto são os marcos que resistem, apesar das poucas doações que se têm verificado nos últimos anos. Para a Universidade do Porto, a doação é um acto essencial, uma vez que torna possível “aprender a constituição do corpo humano” e acima de tudo fomentar “a observação, capacidade indispensável a um médico competente”. Francisco Correia, da Universidade de Lisboa, afirma que, mesmo não recebendo cadáveres neste momento, por motivo de obras, “os trâmites da doação são iniciados normalmente, para que, aquando da reunião das condições necessárias, estejamos aptos a concluir os processos.” Também aqui a doação assume uma grande importância, sendo considerada essencial para o ensino dos futuros médicos. Corpo. A doação pode contribuir para que os médicos sejam melhores De acordo com a legislação, as doações apenas podem ocorrer após a verificação do óbito, e caso “a pessoa falecida” tenha declarado, em vida, “a vontade de que o seu cadáver seja utilizado para fins de ensino e de investigação científica”. Assim sendo, qualquer um, desde que maior de idade, tem o direito de doar o seu corpo. Uma declara- ção de vontade, revogável, a todo o tempo, pelo próprio. Todo o processo de doação é seguido passo a passo, de uma forma muito simples. De acordo com Francisco Correia, “o procedimento começa com o contacto por parte do interessado na doação. Em resposta, é-lhe enviado um conjunto de documentação que inclui informação diversa que aborda o tema e formulários que o interessado deverá preencher (sendo que um requer assinatura reconhecida notarialmente) e devolver”. Todos os custos decorrentes da doação estarão a cargo da Faculdade de Medicina que recebe o corpo do falecido dador. As condições de sigilo e segurança exigidas pela lei são completamente asseguradas. João Nunes, estudante do ensino superior, não considera sequer a hipótese. Ana Fernandes, também estudante, também não encara a possibilidade de doar o seu corpo: “Já pensei sobre o assunto, mas não vou doar o meu corpo para investigação, porque a minha ideia é seguir o que a minha família tem feito (ser enterrada ou cremada)”. Já para Marina Araújo, a questão é vista de outra forma. “Penso bastante no assunto, porque acho um desperdício enterrar o meu corpo, uma vez que é material para os alunos de medicina que precisam de muito mais do que treinar em bonecos de borracha”. Esta estudante de jornalismo acha importante a possibilidade de ajudar a alcançar avanços na medicina. Maria Fernanda Costa descobriu a possibilidade da doação através de “uma reportagem na televisão em que nos era dito que as faculdades de Medicina tinham falta de corpos para estudar”. A partir desse momento não houve hesitações. “Depois de morrer já não há nada a fazer. Por isso pensei doar o meu corpo”. Falou com a família e informou-se dos passos a seguir. “Não me incomoda nada a ideia de cortarem o meu corpo para o estudarem. Fico feliz, porque vou fazer o bem. Estou muito confortável com a minha decisão, muito satisfeita.” Ainda são poucas as pessoas que doam o seu corpo. A verdade é que, em Portugal, “existe um arreigado conceito do culto dos mortos. É um assunto melindroso”. Para além disso, e Francisco Correia explica, “existem duas situações distintas relativas ao óbito do doador” que implicam duas abordagens distintas quanto à forma de cumprir a sua vontade. Num primeiro caso, o “óbito ocorre em meio hospitalar e todo o processo é desenvolvido internamente”. Mais fácil, com menos complicações. Num segundo caso, “o óbito ocorre fora do meio hospitalar e todo o processo se desenrola como se não houvesse intenção de doação. É dada a hipótese de velar o corpo ou de efectuar qualquer outra cerimónia e, posteriormente, o corpo é transladado para a instituição que aceitou a doação.” Neste caso podem existir alguns percalços. Francisco confirma que, por vezes, os “familiares se opõem à doação”. Muitas razões existem para que isso aconteça, mas “regra geral, estão associadas a questões religiosas ou culturais.” Para a Faculdade de Medicina do Porto, “não é um tema fácil de abordar”. Porém, se “a importância da dissecção” for divulgada, “o seu impacto junto de potenciais doadores poderá ser o desejado”. É necessária divulgação. Teme-se o fim das actividades de dissecção efectuadas pelos alunos, e esse facto terá reflexos muito negativos. “Através do altruísmo e da generosidade de uma doação pode-se contribuir para que os médicos possam vir a ser melhores do que são hoje”, que aprendam a tratar melhor os doentes e, quem sabe, “cedo se tornem mais humanizados”. A Maria Fernanda Costa só falta “assinar os documentos depressa”. Depois fica descansada, porque sabe que a sua vontade vai ser respeitada. Legalização do Testamento Vital continua em aberto “Documento com valor jurídico, em que uma pessoa que se encontre em situação de lucidez diz qual é a sua vontade relativamente aos procedimentos que deseja que sejam adoptados, designadamente por médicos, para o caso de se vir a encontrar numa situação de doença terminal, física ou mental, com características de incurabilidade, de inconsciência e sem expectativas de regressão” – esta, é a definição de Testamento Vital para o Direito. Ponto de partida para muitas discussões, manifestos, convicções e protestos por todo o mundo. A discussão pela validade, a ética e a necessidade de uma legislação para a existência e a aceitação ou não de um Testamento Vital, é um tema a ser resolvido em vários países. Se há quem diga que a legalização do Testamento Vital deve ser considerada como um marco civilizacional e que somos nós que decidimos sobre a nossa própria vida, por outro lado há quem defenda que ninguém pode decidir sobre a vida ou a morte, muito menos sem saber as probabilidades frente a uma doença, por mais grave que esta seja. “Cada caso é um caso”, defende Deolinda Matos, pediatra do Hospital de Almada. Mas se este é um caso que levanta alguns problemas legais e éticos, a nível social parece ser algo que já não é completamente estranho. Frases como “é mais fácil escolhermos nós a nossa morte, do que estar por exemplo em estado vegetativo”, “as pessoas devem ser livres de optar por aquilo que é melhor” e “ajudaria a aliviar a dor de muitas pessoas” surgem com frequência quando se aborda o tema. Este que é considerado pela maioria como um debate simples, para o pároco de Alcanena é um assunto que “é muito difícil de responder com um sim ou um não” e que não pode ser tratado de forma “leviana”. Assuntos estes que, para o pároco António Ribeiro, têm de ser bem pensados e amadurecidos porque, na sua opinião, muitas vezes “somos levianos a querer legislar esse género de coisas”. A pediatra do Hospital de Almada salienta que este é um assunto “muito complexo” e que a aprovação deste testamento “pode ser perigosa”. Devido à complexidade do assunto e ao facto de abranger várias áreas, desde a Saúde ao Direito, muito dificilmente irá começar a vigorar este ano, pois há mais de dois anos que a Associação Portuguesa de Bioética (APB) enviou para a Assembleia da República uma proposta de projecto de lei para a criação do Testamento Vital, que continua à espera de oportunidade política e social. Contudo, Maria de Belém, presidente da Comissão Parlamentar da Saúde, diz que a legalização do Testamento Vital é uma questão que terá de ser discutida. A APB já pediu uma audiência à Comissão Parlamentar e defende que, antes do debate sobre a eutanásia, é preciso aprovar o Testamento Vital. Tem de haver uma hierarquização de prioridades para que o tema não seja discutido a correr. Jorge Ferreira, advogado e docente de Direito, explica que uma alteração destas seria uma “pequena revolução jurídica e nos valores que actualmente a estruturam. Representariam a relativização da vida humana tal e qual ela é hoje protegida pelo Direito”. Desde 2002 que este é um assunto que está resolvido em Espanha, contudo, em Portugal, é uma questão “bastante polémica na sociedade” e que gera necessariamente uma grande “reflexão e ponderação nas várias instituições sociais, religiosas e políticas”. Para a pediatra Deolinda Matos, “o que deve estar bem esclarecido e talvez “legislado” são normas para NÃO se manter a vida do doente a qualquer custo”. Acima de tudo, deve haver “bom senso, informação e diálogo com o doente e ou familiares tentando perceber o que pensam e desejariam que fizéssemos”, remata. Tânia Machado 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SOCIEDADE CLÁUDIA FERREIRA Distribuição de alimentos em Abrantes A última vez Em Abrantes a distribuição alimentar feita pela Cruz vermelha terminou. Os apoios acabaram e a ajuda às famílias carenciadas deixou de ser possível. Do último dia de entrega de alimentos fica o desalento, e uma frase na memória: “É preciso ter coragem”. Cláudia Ferreira e Tânia Machado O silêncio invadiu a sala. Nada mais havia a fazer. A dura explicação fora dada e o desânimo estava estampado nas caras das pessoas. Esta era a última vez. A última vez que a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) de Abrantes fazia a distribuição de alimentos. Aos poucos, uma a uma, foram chegando, cada uma destas pessoas, do concelho de Abrantes que, por diversos motivos, necessitam de ajuda. A alimentação, vestuário e até brinquedos são doados por supermercados e entidades individuais, e trazidos pelos homens e mulheres da CVP. Também a estes pesa a decisão de acabar com a distribuição. Não é fácil. Mas não há muito que possam fazer. Os apoios (dos supermercados do concelho), que lhes permitiam ajudar estas pessoas, acabaram ou, então, diminuíram de tal forma a quantidade de entregas, que o fim da distribuição aconteceu. O principal apoio, o Modelo, passou a entregar comida apenas uma vez por mês. Esta quantidade não chega para as 40 famílias do programa de apoio. Infelizmente, e segundo o comandante Luís Florêncio, não existe a capacidade de saber quem realmente necessita de ajuda. Os documentos necessários para recorrer a este amparo são, apenas, atestados de pobreza da Junta de Freguesia e algumas certidões com o agregado familar, que qualquer um consegue arranjar. Não é possível à CVP cruzar os dados com os da Segurança Social e, portanto, a lista de pessoas a ajudar é longa. Os quatro meses sem distribuição não chegaram para encher a pequena sala com comida. Claro é que não será suficiente para todas as famílias. A distribuição começa, sempre em função do tamanho do agregado familiar, e cada uma destas pessoas sai daqui um pouco melhor do que quando entrou neste rés-do-chão. Maria Elvira conhece bem os homens da Cruz Vermelha. Já faz dois anos desde a primeira vez que recorreu à distribuição de alimentos. Os 50 anos, assim como as dores, não perdoam. A falta de reforma, tão necessária devido à doença, assim como os poucos rendimentos obtidos mensalmente pelo marido, criam necessidades. A CVP ia, aos poucos, “remediando” a situação. O que levavam dava para pouco, mas “ia-se esticando”. Mas não são caso único. A bicicleta à porta. O meio de transporte para a comida e para as três bonecas que Jacinta decidiu levar consigo, talvez pela companhia. A reforma por invalidez dá a esta mulher cerca de 200 euros por mês. O marido, Custódio, tem 60 anos. Nas obras já não o aceitam, não tem idade para trabalhar. Não tem rendimentos. Nada é fácil. Para Sandra, monitora de ATL, e voluntária da Cruz Vermelha, a parte da decisão de quem ia dar a notícia tão negativa, foi o mais difícil. Para além disso já estavam acostumados a estas pessoas, pessoas de todas semanas, que agora vão deixar de ver. O fim da distribuição de alimentos pela CVP assusta as 15 pessoas CLÁUDIA FERREIRA Transporte. É assim que Jacinta e Custódio vão buscar a comida que compareceram à última entrega. Esta era uma das formas de conseguir viver todos os meses. A solução será recorrer ao banco alimentar de Abrantes. Nada é garantido, mas o certo é que esta é a melhor hipótese de conseguirem alguma ajuda. Os 30 minutos de caminho não metem medo. O saco da comida é preso à bicicleta, e Jacinta e Custódio estão prontos para a viagem. Aos poucos, afastam-se no caminho, afastam-se da CVP, sem saber o que os espera pela frente. Deixam um “obrigado” por aquilo que por eles fizeram. CLÁUDIA FERREIRA Um Banco diferente Vanessa Jorge Os munícipes de Abrantes, que estão em situação de desemprego conjuntural e que estejam a viver situações de carência económica, têm, desde Fevereiro, a oportunidade de ser ajudados. Nessa altura, no âmbito da Rede Social, a Câmara Municipal e o Centro de Recuperação e Integração de Abrantes (CRIA) assinaram um protocolo que fez nascer o Banco Social de Abrantes. Para poderem receber a ajuda do BSA, as famílias devem reunir alguns requisitos. Entre eles: morar, no mínimo, há um ano no concelho; ter encargos com habitação não superiores a 500 euros mensais; ter prestações por liquidar há, pelo menos três meses; e já terem esgotados todos os mecanismos de apoios sociais disponíveis. A selecção é minuciosa. Uma assistente social da autarquia explica: “A sinalização das famílias é feita pelas Comissões Sociais de Freguesia (CSF), ou, no caso destas não existirem, a própria Junta de Freguesia, que após uma análise pré-liminar preenche uma ficha de sinalização. A sinalização é posteriormente avaliada por uma Comissão Técnica, que com base no parecer da CSF, realiza de forma mais aprofundada o estudo social da família, através de entrevista personalizada e de visita domiciliária.” Contribua! A Câmara ofereceu €50.000,000 Contribua também: Caixa Geral de Depósitos Centro de Recuperação e Integração Abrantes Banco Social Número: 2001014623430 NIB: 003520010001462343081 Este apoio social pode ser alimentar, habitacional, escolar e ao nível da saúde. Entre outros apoios, o BSA atribui apoio financeiro para pagamento de crédito à habitação ou renda de casa, fornece bens alimentares, em articulação com o Banco Alimentar de Abrantes, apoio para material escolar e medicamentos. Até ao fecho do jornal eram apenas conhecidos dois casos inseridos no BSA. 10 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SOCIEDADE Santa Casa da Misericórdia proporciona comida e atenção Refeições solidárias no Sardoal Normalmente, são idosos que já não conseguem cozinhar. Até podem ter filhos relativamente perto, mas continuam a precisar de refeições entregues à porta. A Santa Casa da Misericórdia do Sardoal distribui, diariamente, cerca de 50 refeições. As funcionárias que fazem estas entregas de refeições são, frequentemente, as únicas pessoas que os idosos vêem durante o dia. Daí a importância do sorriso e das palavras de conforto. Gonçalo reis Joana Rato e Simão Santana Doze horas e quinze minutos, sol tórrido, mas ambiente acolhedor e refrescante na Santa Casa da Misericórdia do Sardoal – Abrantes (SCMS). É o começo de mais um dia de dedicação por parte das “meninas” que distribuem as refeições diárias por todo o concelho do Sardoal, a poucos quilómetros de Abrantes, no distrito de Santarém. Dois sentimentos diferentes surgem quando se visualiza a carrinha mais solidária deste concelho: por fora, a vulgaridade de uma simples viatura; por dentro, a magia e o encanto de certos pormenores que a tornam especial. A carrinha que distribui refeições a quem precisa tem um toque feminino e uma fragrância primaveril, simbolizados por uma flor no tablier. Na porta do passageiro estão meia dúzia de laranjas, vitamina C para dar força ao corpo e à alma. Para os raros momentos de distracção, a revista Maria, fonte de informação cor-de-rosa, está disponível. Afinal, quem não gosta de uma boa fofoca? Descida íngreme, viragem à esquerda, nova descida, rotação à direita e a primeira paragem… Não, não é a primeira refeição que vai ser entregue, antes de mais é preciso “pagar a luz a esta senhora”. Quem o diz é Irene Duque, numa atitude que é o reflexo de um trabalho que é muito mais do que algo estritamente profissional, marcado pelos laços de amizade que se criam ao longo dos tempos. Após o favorzinho, é hora de pôr mãos ao trabalho, porque o caminho é longo e são mais de 50 as refeições a entregar, de casa em casa, de porta em porta, porque o dever chama e o coração pede. Apesar de serem 50 as refeições, “esta é a volta mais pequena”, mas veremos… A viagem vai começar dentro de momentos, cintos colocados, olhos nas estradas e aí vamos nós! Primeira paragem, um corredor escuro, um cheiro intenso a humidade, a porta de entrada do lado direito… uma senhora forte e com grandes dificuldades para se movimentar. A D. Irene Gonçalo reis Solidariedade. As “meninas” da SCMC entregam refeições e um sorriso a quem precisa deixou a caixa térmica com o almoço na sala de estar e faz as típicas perguntas: “Como está? Está melhorzinha?” A conversa não é fácil, mas reconforta. Pelo menos, há alguém que se preocupa. Há que seguir viagem. As ruas são estreitas e dentro da carrinha, quase automaticamente, parece que os corpos também se encolhem. Mas a D. Irene sabe bem o que faz e nem por um segundo desconfia da sua perícia de condutora convicta! Quando encarrega o repórter de entregar uma refeição, a D. Irene também sabe o que faz. Para contar, mais do que ver importa fazer. Surpreso, com o coração apertado e sem saber muito bem o que fazer, as pernas soltam-se, as mãos descontraem-se e a alma solta-se para entregar mais um sorriso. Tudo aconteceu à porta da casa do senhor António que, por acaso, não estava. É solteiro e bom rapaz, por isso, compreende-se… Mais uma missão cumprida! D. Artémia Silva olha para estas pessoas que diariamente lhe entregam refeições como se fossem a sua família. “São como filhos”. Os olhos brilham, o coração quase salta para fora do seu corpo, como que se de uma explosão de alegria se tratasse. Nota-se o agradecimento pela ajuda que recebe em cada gesto daquelas mãos com 78 anos de trabalho, a que a vida obrigou. Mais uma subida íngreme, respiração ofegante e uma nova boa acção feita como se se tratasse de um passeio à beira-mar, quando o espírito se eleva e o cansaço desaparece. A “menina” da Santa Casa leva mais um sorriso nos lábios, mas só até à próxima casa, porque aqui as “coisas são diferentes”. Neste caso, quem recebe ajuda até tem os filhos por perto, mas têm os seus empregos e não podem ajudar a mãe, que já vai nos 80 anos de vida. Por causa da idade, sente dificuldade em cozinhar, o que a levou a aceitar as refeições da SCMS. “Já nem chego a certos sítios em condições”, conta. Então “para não haver acidentes”, é melhor assim: a SCMS ajuda e a octogenária senhora agradece. O calor está do tamanho do sol e o cansaço nem é visível na cara da D. Irene Duque. Só pogonçalo reis de ser obra daquele músculo, o mais importante do nosso corpo - o coração - a falar mais alto. Última paragem na casa da D. Armandina, de 78 anos, que vive em condições complicadas. O ar abafado e cheiro desconfortável são prova disso mesmo. Esta idosa senhora gosta “bastante das pessoas da Santa Casa” porque, diz ela, “não dão à língua”, gesto que é visto pela D. Armandina como sendo de fidelidade e honestidade nas suas profissões. O tempo escasseia, a conversa, mesmo não sendo nas melhores condições, “está boa”, mas é preciso regressar à base, porque há sempre muito a fazer. É a altura das despedidas, desejam-se as melhoras (mesmo não sendo preciso) e segue-se viagem, curta, até ao local de partida, a SCMS. À chegada, Vânia, de 24 anos, já está a preparar a próxima etapa de distribuição, num sítio bem mais fresco e arejado. É a hora do descanso, recarregam-se «baterias» e fala-se do que mais sentem falta estes idosos solitários. Sobretudo, “companhia, a atenção e o carinho”. O palpitar do coração e os olhos pequeninos de emoção começam a chegar, nestas jovens raparigas que tudo fazem para satisfazer os mais pequenos desejos de pessoas que já deram bastante por um Portugal melhor e que agora “ficam sempre à nossa espera” para mais um almoço, por mais um dia e por mais um sorriso do reencontro. A verdade é crua: “Há pessoas que só nos vêem a nós durante o dia todo”. Estes profissionais que entregam refeições e carinho sentem a falta dessas pessoas, quando estão de férias ou “quando morre alguém”. Faz-se silêncio, a palavra «morte» nunca costuma ser bem-vinda. Naquele instante, naquele segundo de silêncio, o agudizar da repugnância da palavra foi mais do que visível, os corpos encolheram-se como quem se encolhe para passar num local muito estreito e como quando uma espinha passa na garganta. Vânia sabe o que diz, a expressão fala por mil palavras, ela que já encontrou “uma idosa morta em casa”. São experiências difíceis, mas que tornam mais ricas as vidas destas moças que dão tudo por alguém que, quase sempre, também já deu muito. 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 11 SOCIEDADE “Como responder à actual crise” paula faria Paula Faria A crise, que se faz sentir um pouco por todo o mundo e também no nosso país, preocupa muitos portugueses e a população abrantina não fica atrás em relação a essa preocupação. Prova disso foi a grande assistência no debate organizado pela Associação Portuguesa de Cidadania Activa (APCA), “Como Responder à Actual Crise”, que ocorreu no passado dia 23 de Abril, na ESTA. Este debate foi moderado pela presidente da APCA, Ascensão Duarte, e contou com a presença dos economistas Silva Lopes e Daniel Bessa. Ambos defendem que Portugal enfrenta “não uma, mas duas crises. Uma nacional, que evolui desde 2001 e por cá deve continuar, e outra internacional, que será resolvida mais rapidamente”. Daniel Bessa defendeu mesmo que parte dos salários da função pública, com valores superiores a 1.500€, “devem ser pagos em dívida pública de forma a reduzir o consumo, a dívida pública e responder à actual crise”. O professor e ex-ministro afirma que “seria o primeiro a subscrever essa forma percentual de pagamento dos funcionários públicos, com salários mais elevados, com dívida pública, uma medida que deveria ser alargada a outros sectores do Estado.” No final do debate era visível o contentamento de Ascensão Duarte. “A participação foi excelente. A cidadania está a ganhar a todos os Vítor Conde. “A crise vai-se manter por algum tempo” níveis. Nem o facto de a hora já ir adiantada fez as pessoas arredarem pé da sala. Foi um privilégio para Abrantes e para nós ter os oradores que estiveram aqui.” Todos sentem a crise, mas nem todos estão dispostos a falar dela. Por vergonha ou para se esconderem desta realidade difícil. Maria Amé- lia Meira, de 57 anos, aposentada da função pública, e Bruno Ferreira, empregado de mesa, dizem que esta crise que o país atravessa afectou as suas vidas, “como afecta a de toda a gente.” Ambos dizem que para sobreviver, a solução é “poupar”: “Compra-se só o essencial. Já não podemos dar-nos a luxos.” Para José Rodrigues, de 51 anos, “a crise arrastou-se”. A dúvida que levanta é a de saber até quando é que vai durar: “Tinha uma empresa por conta própria e tive de fechála, porque os outros sócios reformaram-se. Como havia incumprimentos e as dívidas já começavam a acumular-se…não quis arriscar.” Tal como muitos portugueses, José esteve desempregado dois meses, mas acabou por conseguir trabalho “numa empresa de fabrico de materiais para automóveis”. Mesmo assim, acrescenta: “Nos dias de hoje não há garantias nenhumas.” Quem também sente os efeitos desta crise são os comerciantes. “As pessoas só compram por necessidade”, diz Sandra Ibarra, funcionária da “Charanga” em Abrantes. “Esta loja vai vendendo porque é de roupa para crianças, mas em comparação com o ano passado há uma quebra de vendas.” Por sua vez, Vítor Conde, proprietário da “Papelaria Condes”, também admite dificuldades nas vendas e aponta o dedo aos grandes espaços comercias, que “dificultam muito a nossa actividade”, tanto no seu estabelecimento “como nos outros aqui na zona histórica da cidade”. No que respeita à crise, acredita que se vai “manter por algum tempo.” Manuel Dias, dono da “Tabacaria”, também em Abrantes, adianta que não sente especiais efeitos da crise no seu estabelecimento, mas acrescenta que tem “a consciência que o comércio aqui tem sentido muito os efeitos da crise. Mas não é só aqui em Abrantes, é em todo o lado.” Na opinião deste dono da tabacaria, “os que menos têm, são os que mais sofrem, principalmente os que não têm emprego”. Mas a mensagem que deixa é positiva: “Melhores dias virão…o mundo não vai acabar.” (In)Segurança em Abrantes paula faria Daniela Santos Por entre ruas e ruelas a vaguear, são poucas as pessoas que podemos encontrar na noite abrantina. Por vezes, numa rua mais escondida, lá se encontra um grupo ou outro de rapazes, que se escondem não se sabe bem do quê nem o porquê, mas a verdade é que a aparência desse grupo assusta as pessoas que andam sozinhas à noite. Sem algum segurança por perto, o medo de nos acontecer alguma coisa, numa daquelas ruas, aumenta a cada passo que damos, o coração começa a bater mais forte e de repente começamos a aumentar a velocidade com que andamos. Porquê? Porque não conhecemos as pessoas e fugimos com medo que nos façam mal. Mas isto só acontece a quem anda na rua durante a noite. De dia já nada disto acontece. De dia as ruas enchem-se de vida e, como consequência, aumenta a segurança desta pequena cidade. Mas, mesmo assim, a cidade de há vinte anos atrás já não é o que era. As pessoas que nela habitam já não são as mesmas e isso faz com que alguns residentes mais velhos desconfiem das pessoas novas que Vigilância. “Muitas vezes as lojas não são assaltadas graças aos jovens” chegam a Abrantes. Bem no centro desta cidade, a vida era diferente da que se vive agora. Todos os dias apareciam pessoas novas que apenas passavam por ali para conhecer a cidade, mas eram pessoas que chegavam e passadas poucas horas iam embora. “Essas pessoas nunca trouxeram grandes problemas, até pelo contrário, davam alegria à nossa pequena cidade”, diz o senhor António Pedro, um abrantino de gema já com 68 anos. Cheio de sorrisos e sempre a falar da cidade que o viu crescer, o senhor António diz ainda que hoje em dia já não se sente tão seguro como antes e que tem medo de andar na rua com a mesma descontracção com que andava. “Está a criar-se uma marginalidade nova, isto porque há pessoas que chegam à cidade e têm a ideia que são os donos dela devido à impunidade com que são tratados”. Esta é a ideia que Tiago Lopes, que mora desde muito pequeno em Abrantes, tem acerca dos novos habitantes de Abrantes. Tiago coloca ainda de parte a ideia de que os novos jovens que chegam a Abrantes para estudarem na ESTA são perigosos, acrescentando que “a insegurança em Abrantes é um problema interno, é um problema dos «nativos» de Abrantes”. No que diz respeito ao papel desempenhado pelos agentes de autoridade da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Abrantes, Tiago diz que “nem sempre é um trabalho eficaz, mas a culpa também não é só deles. Algum do imobilismo policial é resultante dos vários decretos-lei que limitam a acção policial”. Luisilda Salgueiro é uma das comerciantes de Abrantes que pode sentir mais medo. Proprietária de duas ourivesarias, viu-se obrigada a fechar uma delas, que ficava no Centro Comercial Millenium, devido à criminalidade que existe na zona comercial de Abrantes. Quanto ao espaço comercial que mantém aberto desde há 20 anos, perto da Câmara Municipal de Abrantes, nunca teve grandes problemas de insegurança. Já foi vítima de alguns roubos nesta loja, mas nada de grande valor. No que diz respeito à presença dos jovens estudantes de Abrantes, Luisilda Salgueiro afirma que “são uma segurança que temos durante a noite e acredito que muitas vezes as nossas lojas não são assaltadas graças à presença destes jovens nas ruas”. Assim sendo, Luisilda Salgueiro diz que a única queixa maior que tem a fazer é sobre a falta de policiamento nas ruas do centro da cidade e do tempo que os agentes levam a chegar ao local quando são chamados. Na opinião de alguns munícipes, o patrulhamento nas ruas do centro da cidade é quase nulo, ou seja, visto que estas ruas foram cortadas ao trânsito, os carros da polícia não podem por elas circular. Assim sendo, a única forma de a polícia fazer o patrulhamento é andando a pé, o que raramente se vê. Foram várias as tentativas de questionar o Comandante da PSP de Abrantes acerca deste assunto, mas até ao fecho desta edição não foi possível obter qualquer esclarecimento. Ao povo abrantino pouco resta fazer! Trancar as portas, fechar bem as janelas e evitar andar sozinho nas ruas durante a noite, são algumas das medidas que devem ser tomadas para garantir uma melhor segurança na cidade florida. Mas será que só isto alguma vez irá contribuir para a diminuição da criminalidade e da insegurança em Abrantes? 12 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SOCIEDADE Escola Básica de Cardigos, Mação Ensinar a Cidadania Sara Pereira Cardigos é uma pequena aldeia no concelho de Mação. Parece um lugar isolado entre as serras, onde a única coisa que lá chega facilmente é o frio e o vento. Porém, nem por isso é um lugar isolado do resto do mundo em termos de educação: ao entrar na sala de aula dos 3º e 4º anos da Escola Básica, salta à vista um cartaz pregado no quadro de cortiça. Nele, um desenho com três crianças: um índio americano com uma pena bem espetada, uma menina loira com um laçarote na cabeça e um menino negro que, tal como os outros, tem um enorme sorriso estampado no rosto. Os três encabeçam uma frase que resume a declaração Universal dos Direitos do Homem a três palavras: “Somos todos iguais”. Nesta, como em todas as escolas do país, a cidadania aprende-se desde o Jardim de Infância, já que é lá que a criança tem o primeiro contacto com a sociedade e se começa a relacionar com o mundo e com o outro. “Vão sendo dadas a conhecer as regras de conduta à medida que vão sendo necessárias, senão não ficava lá nada”, explica Gorete Valente, educadora de infância do estabelecimento de ensino. Em certas alturas, são levados a aplicar aquilo que aprenderam na escola: “No Natal fizemos uma festa junto com o lar de idosos. Aprenderam, de uma forma mais prática do que se fosse apenas dado em teoria, como o respeito pelos idosos, por exemplo. Aprendem, no terreno, para saberem em que situações devem cumprir os seus deveres ou reclamar os seus direitos”. Depois do pré-escolar, logo no 1º ano, os alunos começam a habituar-se a ver regras escritas. Contudo, como tema de estudo em si, a cidadania só é abordada nos 3º e 4º anos. A aula de hoje é, precisamente, sobre cidadania. Rodrigo, do 4º ano, lê o texto distribuído e a professora Fátima Belém, que acumula funções como directora da escola, pede exemplos de regras de cidadania. A turma hesita, mas aos poucos o burburinho sobe de tom, pois todos têm alguma coisa a dizer, seja as regras de trânsito, o direito a pedir o livro de reclamações, ou mesmo o direito ao voto. Há ainda uma certa confusão entre deveres e direitos, mas que se desvanece quando Fátima explica que “para cada direito, existe um dever”, porque “para termos respeito, temos de respeitar os outros!”, remata de imediato Edgar, também do 4º ano, “por exemplo, temos o dever a não poluir o mundo”, ao que a docente completa, “porque temos direito a viver num mundo não poluído”. Se o assunto fosse leccionado de um modo tradicionalista, provavelmente os aprendizes dispersavam-se. A melhor maneira de lhes chamar a atenção para um tema que, mais cedo do que imaginam, lhes será exigido no dia-a-dia, é ensinando a partir de uma brincadeira. O “Jogo da Cidadania”, criado pre- A melhor maneira de chamar a atenção é ensinando a partir de uma brincadeira cisamente por Fátima Belém, não é mais que um conjunto de cartões, uns com perguntas, lidas por ela, outros com as respostas correspondentes, que são distribuídos pelas crianças. A que tiver a resposta certa à pergunta feita, lê o seu cartão. “O que são cidadãos eleitores”? “São aqueles que podem votar. Eu ainda não posso…”, responde Rodrigo. Ainda terá tempo de aprender a ser um bom cidadão, se bem que as bases se comecem a criar. “Um mau condutor é um mau cidadão”, “sim, mas um peão que ande no meio da estrada também!” Cria-se um espírito de debate entre todos, a interactividade vai ajudando a que as ideias fiquem bem cimentadas. A partir dos exemplos dados, concluem que “direito é aquilo que podemos fazer, dever é aquilo a que somos obrigados a fazer” e, aos poucos, desenha-se um significado colectivo criado pela turma: “Cidadania é saber quais são os nossos direitos e os nossos deveres”. Sim, de um modo geral, pode-se dizer que sim. Como curiosidade, Fátima pergunta se algum deles sabe para que serve pedir o talão de pagamento ou uma factura e, perante o silêncio, explica que tal serve para que quem venda seja levado a cumprir o dever de pagar os impostos, “que o Estado depois utiliza para pagar as reformas, os subsídios…”, exemplifica. A lição foi dada, a matéria está sabida, as dúvidas foram tiradas. Mas Renata, da turma do 4º ano, continua de dedo espetado: “Se é tão importante que toda a gente pague impostos, por que é que há gente que não os paga?” A pergunta fica no ar. “Porque há maus cidadãos que não cumprem os seus deveres”, atira Gonçalo. Por vezes há quem insista em não respeitar a frase no cartaz. “Somos todos iguais”… Às vezes. sara pereira Mensagem. “Vão sendo dadas a conhecer as regras de conduta à medida que vão sendo necessárias, senão não ficava lá nada” Afinal o que é a Formação Cívica? Quem tem filhos a estudar no ensino básico já os deve ter ouvido a falar sobre Formação Cívica. Provavelmente, são mais as dúvidas do que as certezas, tanto para encarregados de educação como para alunos. Basta falar com jovens que já completaram o ensino obrigatório para verificar que nem sempre os objectivos do tempo dedicado à Formação Cívica foram atingidos. Rosa Maria Anselmo, Coordenadora dos Directores de Turma e professora de Formação Cívica, explica que “é uma área curricular não disciplinar”, apesar de fazer parte do currículo obrigatório para todos os alunos do ensino básico (ou seja, do 1º ao 9º ano de escolaridade). Esta responsável acrescenta que “é uma área com natureza transversal e integradora: transversal porque atravessa todas as disciplinas e restantes áreas do currículo; integradora, porque se constitui como espaço de integração onde confluem saberes diversos.” Não sendo uma unidade curricular não quer dizer que não tenha um plano de estudos. Apenas é diferente e a forma como é feito também, “O plano de estudos está norteado pela grande finalidade de preparar cidadãos idóneos, responsáveis e dotados de capacidade reflexiva, crítica e interveniente numa sociedade democrática”, explica Rosa Maria Anselmo. O plano de estudos varia de turma para turma, pois cada uma tem necessidades diferentes, logo os temas abordados nas aulas são diferentes. Mas os objectivos da área curricular não disciplinar são sempre os mesmos, formar cidadãos conscientes e que saibam estar. Rosa Anselmo diz ainda que estas aulas são um “espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania, e, pretendendo-se, prioritariamente, o fomento de competências transversais”. Ainda falando do plano de estudos, este é feito através de “proposta/negociação de temas com os alunos e de análise das escolhas pretendidas no seio do conselho de turma”, sendo que a opinião dos alunos é bastante importante, porque assim as aulas poderão ser mais dinâmicas. Visto ser um momento com características especiais no processo de aprendizagem, a dinamização das aulas é diferente das outras unidades curriculares. “As aulas de Formação Cívica são dedicadas a projectos temáticos, a dilemas hipotéticos; a jogos interpessoais; a diálogos informais solicitados pelos alunos, à auto e hetero-avaliação, no final de cada sessão”. Tudo isto para que os alunos façam uma reflexão geral sobre os assuntos tratados, sobre as conclusões a que chegam e sobre a lição que tiram da aula. Pelo facto de as aulas serem praticamente diálogos e jogos com os alunos, seria normal que existisse algum ruído e confusão na sala de aula. No entanto, Rosa Anselmo diz que isso não acontece, pois os alunos sabem “saber ser/saber estar”. A receptividade dos alunos a estas aulas também é questão importante. Sobretudo nalgumas idades, os “temas sérios” nem sempre são fáceis de abordar. Mesmo assim, a Coordenadora dos Directores de Turma diz que os alunos são bastante receptivos e isso deve-se à forma como o plano de estudos é feito, porque se são temas escolhidos por eles é óbvio que estes se vão interessar e ser receptivos aos temas tratados nas aulas. Uma conversa rápida com alguns alunos sobre o tema das aulas de Formação Cívica revela algum desinteresse. Reconhecem que os temas são importantes, mas são “sempre os mesmos”. Alguns alunos argumentam ainda que já sabem tudo o que é dito. Eles querem saber mais sobre um tema e não ficar limitados à informação básica, que será aquela que adquirem, provavelmente, através da televisão e da Internet. Independentemente das críticas que possam fazer, os alunos reconhecem que os resultados até são bons, porque há alunos que mudam de atitude, ou seja, e como eles dizem, “ficam mais fixes”. Cátia Romualdo 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 13 SOCIEDADE Prémio de 25 mil euros por projecto sobre cidadania ambiental Escola do Sardoal reconhecida a nível nacional Sara Oliveira Sara Oliveira Foi pelas mãos de Maria Cavaco Silva que, no passado dia 18 de Março, o Agrupamento de Escola do Sardoal foi distinguido e premiado com 25 mil euros pela Fundação Montepio, em Lisboa. O Prémio Escolar Montepio foi criado no ano de 2008 e tem como objectivos distinguir o bom desempenho dos estabelecimentos de ensino e incentivar os projectos que visem melhorar as condições de aprendizagem. Neste sentido, as 50 escolas que apresentaram mais melhorias significativas nos resultados escolares foram convidadas a participar num concurso e, entre estas, cinco foram premiadas. Um dos prémios atribuídos destinou-se à Escola Básica 2,3/S Dra. Maria Judite Serrão Andrade, no Sardoal, que apresentou um projecto voltado para a cidadania ambiental. Ana Mendes, coordenadora do projecto, explica que se trata de uma “temática e preocupação mundiais”. A professora Ana Mendes revela que este foi o primeiro prémio pecuniário que a escola recebeu e acredita que, de alguma forma, o facto de serem “uma escola do interior e uma escola pobre foi um factor” relevante e “positivo” para a selecção da escola. Numa primeira fase ficaram entre as dez primeiras, tendo-se seguido a distinção entre as cinco melhores. O trabalho desenvolvido na escola do Sardoal baseia-se na preservação dos ambientes aquáticos e promove a reciclagem dos mais variados produtos. Sob o lema “Defender o Planeta Azul”, alunos e professores pretendem, entre outros objectivos, construir um lago no espaço exterior da escola e um aquário no interior de um dos blocos de salas de aulas. Ana Mendes salienta que “o projecto está articulado em todas as disciplinas”, facto que pensa ter pesado muito na entrega do prémio. A candidatura focava o facto de se tratar de um projecto transversal, com Objectivo. “Alargar o leque de competências dos alunos” um objectivo comum: “Alargar o leque de competências dos alunos, tendo em atenção o contexto socioeconómico da sua vivência”. Apesar da dedicação ao projecto, as expectativas não eram muitas: “Nunca pensei que iríamos ganhar o prémio”. A professora responsável destaca o trabalho desenvolvido pela sua colega e professora Rita Brito, a quem deve “parte deste prémio”, por ter impulsionado a candidatura da escola. Ana Mendes enaltece também o esforço e dedicação de alunos, docentes, pais e encarregados de educação, que considera factores essenciais para o sucesso deste projecto. A eles se deve, também, o apuramento entre as cinquenta escolas convidadas a concorrer ao Prémio Escolar Montepio. No seguimento deste projecto, na Escola Básica 2,3/S do Sardoal decorreu, entre os dias 20 e 24 de Abril, a “Semana Amiga do Planeta Terra” onde foram apresentadas as actividades referentes aos objectivos e acção do projecto, que segundo a professora, decorreram de “ forma satisfatória”. Fizeram parte destes dias vários tipos de desporto, torneios entre as turmas, filmes sobre a temática da semana, um peddy paper de Matemática, uma feira de minerais, uma feira do livro, trabalhos manuais com materiais reciclados, entre outras. Nas várias salas da escola estavam expostos os trabalhos do 7º ano com a temática “Água, um bem a preservar”, do 8º ano com “O ar que respiramos”, e do 9º ano referente a “ Resíduos”. Visitando as exposições e analisando os trabalhos, facilmente se constatava a articulação das várias unidades curriculares do 3º ciclo, confirmando a união do trabalho feito por todos. Visível era também o bom ambiente que esta semana de cariz ambiental proporcionou, assim como o interesse e a participação activa dos alunos. De salientar que o júri deste concurso que foi constituído por nomes como David Justino, Isabel Alçada, Nuno Crato, Guilherme Valente, Henrique Monteiro e José da Silva Lopes. Novo têxtil inteligente para problemas de pele Chamam-se SKINtoSKIN e são os novos produtos têxteis de tratamento e prevenção de problemas de pele que a empresa New Textiles® apresentou no dia 29 de Abril, numa conferência de imprensa, no AvePark - Parque de Ciência de Tecnologia, sedeado nas Caldas das Taipas, em Guimarães. Com o objectivo de combater a dermatite atópica - doença crónica de pele que afecta particularmente as crianças no primeiro ano de vida - estes têxteis funcionais são uma combinação de algodão, algas e prata, que têm uma função anti-séptica, anti-bacteriana e calmante. Estima-se que, em Portugal, 10 a 20% das crianças sofram deste problema de pele. Após testes clínicos in vitro e in vivo, que decorrem desde Outubro de 2008, feitos a 50 crianças com dermatite atópica, a empresa New Textiles® apresenta uma linha de roupa para bebé, criança e adultos. Esta linha de têxteis inteligentes de nome SKINtoSKIN só se encontra à venda em farmácias e para-farmácias e é destinada “a pessoas que sofrem de problemas de pele, nomeadamente as peles atópicas”, como afirma Cláudio Carvalheira, um dos responsáveis pelo projecto. Para além do mercado nacional, a empresa pretende exportar estes artigos inovadores e prevê a facturação de 300 mil euros até ao final de 2009 e de 3 milhões de euros até ao ano 2011. Resultante da iniciativa de dois jovens empreendedores, Pedro Pinto e Cláudio Carvalheira, o projecto contou ainda com o apoio do investidor Armindo Mirante e com a colaboração da Universidade do Minho. Sara Oliveira D.R Têxteis. Combate as dermatites atópicas Porque a Reciclagem é um Dever Sara Daniela Costa Em Abrantes o número total de ecopontos é de 295, “distribuídos a olho”, incluindo as 16 freguesias que rodeiam a cidade, o que dá uma média de 240 pessoas por ecoponto. “A recolha do cartão e do plástico é feita uma vez por semana, sem dia específico e a recolha do vidro apenas de 15 em 15 dias, conforme o estado dos contentores, se tiver pouco lixo não vale a pena”, explica António Lopes, responsável da VALNOR, empresa encarregada da distribuição e recolha de ecopontos pela cidade. Na Rua de Angola, perto do centro abrantino, dentro de uma amostra aleatória de 21 pessoas, 16 fazem separação do lixo. A maioria são pessoas com idade compreendida entre os 45 e os 80 anos e fazem-no por dever cívico para com o ambiente. José Mendes, de 61 anos, considera que a quantidade de pessoas que já introduziu a reciclagem nas suas rotinas é “entusiasmante”. E acrescenta: “Nos dias que correm o comodismo é um desporto”. Algumas das mulheres que, na Rua de Angola, fazem a separação do lixo, fazem-no pelos filhos e com a ajuda deles. Na maioria são crianças do ensino básico, onde a sensibilização para as causas ambientais é maior. Às vezes, são filhos que educam os pais. “Eu comecei a fazer porque os miúdos um dia chegaram da escola com uns caixotes de reciclagem feitos em cartão. Eles gostam de ir até ao ecoponto comigo e ouvir as garrafas a cair lá para dentro” - diz Palmira Ocha, de 45 anos e com dois filhos. Também Leonor, de 32 anos, empresária, diz que faz a separação “a pensar nas próximas gerações”, enquanto mima a filha, de sorriso desdentado, agarrada à sua cintura. “Ela em casa colabora na separação, aqui não porque é mais complicado”. A VALNOR promove também a distribuição de ecopontos domésticos pelas famílias em iniciativa conjunta com a Câmara Municipal, uma visão de progresso que se esgota quando os utentes falam da satisfação com os serviços. Além de queixas como “os mosquitos e a falta de limpeza” apresentadas pelo senhor Vítor, de 78 anos, outra habitante em Abrantes, Maria dos Anjos, critica o estado em que os contentores ficam quando não há recolha: “Quando enchem, os animais de rua espalham o lixo todo e fica um nojo”. Susana Neves, de 23 anos, acrescenta que, muitas vezes, quando vai depositar o lixo para reciclagem, os ecopontos “estão muito cheios”. Resultado: “Temos que deixar o lixo em sacos encostados aos ecopontos. Isso desmotiva os miúdos que gostam de pôr a mão no buraco e de ouvir as garrafas a cair”. Susana Neves levanta ainda a questão da distância a que os ecopontos estão de algumas casas: “Confesso que só faço reciclagem porque tenho os ecopontos à porta de casa. Se morasse ao fundo da rua e tivesse que subir isto tudo para pôr o lixo já não fazia”. Outros moradores, cujas casas estão mais longe, queixam-se disso mesmo. O “esforço já custa” ou “a idade atrapalha as pernas”. Ainda assim, não deixam de cumprir quando podem. “Tem de se fazer” para preservar o meio ambiente. Freguesia Ecopontos Pego 11 Rossio ao Sul do Tejo 13 Tramagal 30 S. Miguel do Rio Torto 12 Rio de Moinhos 12 Carvalhal 7 Souto 6 Fontes 2 Aldeia do Mato 3 Martinchel 5 Mouriscas 11 Alvega 11 Concavada 4 Bemposta 14 Vale de Mós 3 S. Facundo 6 Abrantes cidade (Alferrarede; S. João, S. Miguel e S. Vicente) 145 14 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SOCIEDADE A noite transforma-se no Paraíso Alison silva Sofia Transformismo. O Paradyse apresenta três espectáculos por semana, divulgados sobretudo através dos próprios clientes Alison Silva e Nuno Sotto-mayor S ão 22 horas. Aquele que dará vida a Vivienne Dion, mas opta por não revelar a sua verdadeira identidade, acaba de chegar ao Paradyse Bar, em Torres Novas. Na Ladeira da Enfermaria Militar, a porta da frente abre-se e deixa ver uma outra porta que dá acesso ao interior do bar. As poucas pessoas que ali estão conversam descontraidamente enquanto Vivienne ganha vida atrás da cortina vermelha dos lavabos. Às 22h30, bases, sombras de olhos, lápis de olhos, rímeis, batons, lápis de lábios, brilhantinas, brincos e colares espalham-se pelo cubículo e transformam um rosto masculino num rosto de uma jovem mulher. Os rostos iluminam-se de azul ou verde, consoante o recanto onde cada grupo se junta. No bar, à meia-luz, distinguem-se os vermelhos malhados de branco nas paredes pintadas de fresco. O ar ainda cheira à tinta que vestiu o bar no seu mais recente traje. Tal como os artistas, é preciso inovar e mudar de vestido a cada novo espectáculo. Nos seus três anos de vida, o Paradyse já viu e já passou por muitas transformações. Duas cortinas vermelhas sobem ao palco do lado direito do balcão de atendimento e escondem os segredos da transformação. O reduzido camarim atrás do palco, onde mal cabe uma pesPUB soa, cresce através do grande espelho que cobre a parede minúscula. Deixa-se invadir por dois, às vezes três, homens e três ou quatro vestidos, outros tantos pares de sapatos, plumas e perucas que cada um traz, de acordo com o número de músicas que vai interpretar. Por baixo do espelho, uma pequenina mesa arrecada sucessivas colecções de cosméticos e maquilhagens. Ali entram homens e saem mulheres. Abrem-se as cortinas e mostram a porta de pano do camarim de onde saem agora as artistas. Arménio Moreira, gerente do Paradyse, orgulha-se de esta ser uma casa bem aceite pela comunidade desde a sua inauguração. Nascida de uma oportunidade, no momento improvável em que, estando desempregado, Arménio decidiu apostar numa estabelecimento deste género, a casa tem agora três espectáculos transformistas por semana. Aberta de terça a domingo, conta com três transformistas residentes (Divineya Pandora, Alexia Morgana e Sofia Britt Jones) e alguns convidados especiais. À quarta, a casa dá ao cliente a oportunidade de ver as suas músicas favoritas interpretadas pelos transformistas residentes. Sexta-feira é dia de “lugar às novas”. Trata-se de uma oportunidade a novos talentos no mundo do transformismo. O número de candidatos tem vindo a crescer nos últimos tempos, apesar de um período em que não se registaram novos nomes. “Ultimamente temos tido três ou quatro pessoas em cada “lugar às novas”, que gostam e que acabam por ir ficando”, afirma Arménio Moreira. As noites de Sábado contam com um espectáculo especial, onde residentes e convidados mostram novos sucessos das suas carreiras. No bar, as pessoas vão entrando e cumprimentando todos e cada um à medida que atravessam o pequeno espaço. Há proximidade entre todos e relações de amizade entre os clientes e a gerência. Acima de tudo, nota-se o respeito mútuo pelas pessoas que ali estão. Desde a sua abertura, há três anos, alguns clientes mantêm-se fiéis à casa e aos seus artistas. São eles, os clientes, que fazem a divulgação do bar. Assim é desde ainda antes da sua abertura. Apesar de ser assumidamente uma casa homossexual, dá as boas vindas a quem quiser entrar, independentemente da sua orientação sexual. A regra é não provocar nem ofender ninguém. As pessoas que ali vão procuram apenas distrair-se e passar uma noite divertida e diferente. Depois de 45 minutos de maquilhagem e de 15 para vestir e ajustar as roupas, Vivienne está pronta para aparecer, às 23h30. Entre os clientes, vai dançando em cima dos saltos agulha de umas botas negras que usa com o top vermelho e o calção preto que traja. Solta-se e solta gargalhadas divertidas ao som da música e das piadas dos amigos. Encostada à porta, reage sempre que a luz laranja se acende. É mais um cliente que toca à campainha. Durante momentos é a porteira da noite. Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos transformistas é encontrar sapatos do seu número que se adeqúem aos shows. As roupas são mais fáceis de encontrar, desde que algo provocantes. Mesmo assim, a necessidade obriga a que se reciclem inúmeras peças de espectáculo para espectáculo. A casa vai enchendo muito calmamente até à meia-noite. Estão presentes cerca de 25 pessoas, Sofia Britt Jones (nome artístico de Álvaro) está no mundo do transformismo há 20 anos. Estreou-se também no Finalmente com um tema de Mafalda Veiga. “Na época, eu era muito parecida com ela, e o meu nome de estreia foi mesmo esse”, lembra com entusiasmo. Há menos de um ano é residente no Paradyse Bar, já tendo passado por Leiria e Figueira da Foz. Caracteriza-se pela sua roupa, onde tenta ser única, através de uma mistura de estilos. Diz “não” a artefactos como as plumas e não tem um tipo de roupa definido para cada personagem que interpreta. Os fatos que usa, tal como outras colegas de profissão, são, na sua maioria, feitos por medida, por outros colegas. Os seus espectáculos são sempre improvisados, pelo que interpreta as músicas que lhe apetece em cada dia. No momento da transformação não gosta de ser incomodada, pois é algo que exige concentração, desde a transformação exterior ao verdadeiro encarnar do personagem. Nos dias em que não tem que disfarçar as sobrancelhas, a maquilhagem demora, no mínimo, 15 minutos. Se tem que as disfarçar, leva 45 minutos na transformação. Lisboeta, mas actualmente a morar na Marinha Grande, a tempo inteiro, Álvaro trabalha num armazém de ferro. Sempre que pode, assiste aos espectáculos de colegas, tanto para apoiá-los, como para conhecer novas tendências. Alexia Alexia Morgana dá show no Paradyse Bar desde a sua abertura. Iniciou a sua carreira por brincadeira no Finalmente, em Lisboa, com o tema “Abandonada”, de Fafá de Belém. Por gostar daquilo que faz, já foi convidada a passar por várias casas em Lisboa, Leiria, Costa da Caparica e Algarve. Muito daquilo que hoje sabe sobre maquilhagem e roupas deve a Sofia Britt Jones e à sua presença habitual neste bar, onde é já residente. O primeiro nome tem origem na sua verdadeira identidade (Alexandre). O segundo nome (Morgana), Alexia deve à Perigosa Morgana no seu primeiro espectáculo. A, então, veterana Pirigosa Morgana perguntou a Alexandre qual o seu nome artístico. Instintivamente respondeu “Alexia”, mas Morgana considerou que devia dar-lhe um segundo nome e optou pelo seu. Alexia, desde então conhece a bruxa boa Morgana, que lhe deu um nome, e a sua história. Actualmente reside em Torres Novas e prepara os espectáculos em casa. Garante que apenas deixou os espectáculos por motivos de saúde, durante alguns meses no último ano. Voltou ao Paradyse em Agosto como prenda de aniversário ao gerente Arménio e para festejar os seus 12 anos de carreira. Agora prepara o seu 13º aniversário no mundo do transformismo. 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 15 SOCIEDADE dispersas pelo espaço com capacidade para 15 pessoas sentadas e 50 de pé. O som sobe e o bar transforma-se numa pista de dança. Entretanto, chegam dois homens, à vez, cada um com uma mala de bagagem pequena. Transpõem o bar directamente para trás da cortina vermelha do palco. São Alexandre e Álvaro, os artistas residentes da noite. Até à primeira hora da noite, ficam ocultos no camarim. Deste lado, as expectativas pairam e os olhares começam a voltar-se para o mistério da cortina. A curiosidade aumenta com a demora do início da apresentação e é atenuada pelo casal heterossexual que desliza na pista ao compasso da música. Mário e Dina Cidades são casados e frequentam este bar por opção desde a sua abertura. Além do facto de o sub-gerente Telmo Roque ser irmão de Dina, o casal aprecia o ambiente e os espectáculos a que assiste com entusiasmo. Este é apenas um de alguns casais que aqui vêm para quebrar a rotina. É um número que tem vindo a crescer, também pelo amor ao espectáculo e à arte. Ajustam-se as luzes do palco e abrem-se as cortinas ao som do genérico da 20th Century Fox. Alexia Morgana (Alexandre) inicia a noite com a interpretação de “Sonhos de um Palhaço”, seguida de Sofia Britt Jones (Álvaro), que interpreta Cher. Vão alternando as apresentações, mudam as músicas e trocam-se as roupas. O público reage positivamente a cada nova aparição. A espera valeu a pena e vale a pena assistir ao espectáculo, só para se estar na parte final. “As pessoas estão à espera do fim”, garante Álvaro, quando afirma que a interacção com o público, as brincadeiras e as piadas atrevidas, porém inocentes, são tudo improviso. Entre risos e gargalhadas, Sofia e Alexia introduzem Vivienne no “lugar às novas” da noite. Hoje está sozinha, mas apenas como “nova”. Traz apenas uma música, onde faz dueto com o “DJ Queer”, como carinhosamente se refere Sofia a Telmo Roque. Num misto de músicas românticas, Vivienne, agora num longo vestido preto, mostra as suas qualidades enquanto transformista. O dueto emociona a sala e é aplaudido com entusiasmo por todos. A animação e as brincadeiras continuam à responsabilidade de Sofia Britt Jones e Alexia Morgana, que oferecem mais uma música ao público. Aproveitam o momento para fazer publicidade ao Festival Eurovisão 2009, a ter lugar ali no dia 9 de Maio. Arménio declara e Álvaro confirma que este é um festival particularmente apreciado entre os homossexuais, pelo que decidiram investir num projecto diferente e inovador, no que toca ao transformismo. Duas semanas antes do grande dia, cada um dos artistas já tem as quatro músicas que apresenta escolhidas e dão-se os últimos retoques na organização do evento. 15 canções foram trabalhadas para serem apresentadas em duas semi-finais por vários nomes do transformismo e deram vida à noite que se ambicionou tão grande como a noite do terceiro aniversário do bar. Arménio esperava, no mínimo, 100 pessoas de todo o país, desde o Algarve, Porto e Lisboa. À entrada tinham preparadas 15 bandeiras, uma de cada país, para dar a cada cliente. Assim ou por telemóvel podiam votar na sua favorita. Depois do fim, a noite continua no Paradyse Bar. “Um artista tem que saber se relacionar com o seu público”, declara Álvaro, justificando o momento em que, finalizado o espectáculo, sai de trás da cortina, ainda transformado, só para estar com as pessoas que foram ali para o ver. Lamenta, contudo, o facto de nem todas as pessoas apreciarem o esforço que os transformistas fazem a nível de maquilhagem, roupas e, sobretudo, de conseguirem estar uma noite inteira nuns saltos de 10 centímetros. Procura, especialmente, uma relação próxima com as mulheres, a fim de fazê-las perceber que os homens também têm um lado feminino “que até é mais apurado quando falamos de homossexuais”. Algumas pessoas abandonam agora o local e deixam para trás Vivienne no seu vestido negro, que volta à posição de porteiro. Dali, há-de despir-se da sua personagem, tirar a maquilhagem e seguir para casa, para preparar um novo dia como homem. Casamento Homossexual: sim ou não? Casal homossexual critica a sociedade por não saber lidar com a homosexualidade, defendendo o direito ao casamento, enquanto que a Igreja Baptista opõe-se e condena esta possibilidade. Em Abrantes, as pessoas mostram-se divididas sobre esta problemática. Eleantino Évora Jorge Santos e Tiago Jesus formam um casal. Um vive no Porto e o outro em Coimbra. Jorge tem 33 anos e Tiago conta apenas 18. Quando confrontados com questões acerca da sua relação, deixam transparecer alguma angústia. Para eles, a sociedade portuguesa não está minimamente preparada para aceitar uniões entre pessoas do mesmo sexo. “A sociedade portuguesa continua a ser pouco permeável a tudo o que diz respeito à homossexualidade e, apesar de nos dias de hoje já existir uma maior abertura por parte da população, ainda assim há muita discriminação”, desabafam prontamente os dois jovens. Todavia, defendem que a sociedade portuguesa só tem a ganhar com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E apresentam argumentos: ganhava-se mais respeito uns pelos outros, sobretudo pelos homossexuais. Jorge acrescenta: “É uma questão de liberdade de cada um. Num país tão mentalmente “pequeno” como o nosso, contribuiria de certeza para uma maior abertura em relação à homossexualidade.” Confrontados com exemplos de países como Holanda, Espanha, Bélgica, Canadá e outros, que já legalizaram o casamento homossexual, este casal encontra apenas uma explicação para este facto: “Somos um povo pequeno e tacanho que só sabe se queixar e nada fazer para de facto mudar alguma coisa!” Em relação à questão da adopção de crianças, os dois jovens não vêem razões para um casal homossexual não adoptar, verificando-se a existência de condições emocionais e financeiras para tal. Apesar das dificuldades, este casal perspectiva um futuro risonho. Apostam nos sentimentos que têm um pelo outro e prometem muita luta pelos seus direitos. Jonathan Andrews, Pastor da Igreja Evangélica Baptista de Abrantes, critica severamente a homossexualidade, afirmando que se trata de “um erro”. E explica a sua posição: “Em termos de forma e função, o corpo masculino não se adapta a um outro igual e vice-versa, sendo por isso, contra a natureza humana.” Sendo Pastor, acredita que Deus criou somente dois géneros (macho e fêmea) e, por isso, classifica a homossexualidade como uma “anomalia”. Lembra que a Bíblia é a mensagem de Deus e que ela é avessa a esta prática, concluindo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seria um acto de desobediência ao próprio. O Pastor alerta para os problemas que, na sua opinião, a homossexualidade poderá causar, principalmente nos países em que já se encontra legalizado tal casamento. Concretamente, Jonathan Andrews demonstra a sua preocupação com o caso da adopção por parte dos casais homossexuais, insistindo na necessidade de as crianças carecerem das qualidades únicas que apenas um pai e uma mãe podem oferecer para um desenvolvimento saudável: “Uma criança educada por homossexuais vai crescer com uma perspectiva deturpada do que é ser rapariga ou rapaz e até mesmo do mundo em geral”. O ESTAJornal saiu à rua para saber a opinião dos abrantinos sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Num universo de 50 inquiridos, notou-se que este é um caso polémico, complexo e de difícil entendimento. Por um lado, a faixa etária entre os 18 e os 30 anos mostra-se, na maioria, a favor do casamento homossexual, com o argumento de que todos são livres de escolher o companheiro ou companheira que quiserem, e acrescentando que nos tempos em que vivemos devemos ter uma mente mais aberta. Todavia, as pessoas que se mostram contra invocam questões religiosas, lembrando que o casamento é a consolidação do amor entre duas pessoas de sexo oposto com vista à reprodução. Por outro lado, na faixa etária dos 40 aos 60 anos, existe alguma divergência entre a opinião masculina e feminina, porque, na generalidade, os homens opõem-se e as mulheres aceitam. No entanto, a faixa etária mais indecisa é a dos 30 aos 40 anos. Neste questionário aplicado de forma aleatória, a maior parte dos abrantinos inquiridos reprova o recurso à adopção pelos casais homossexuais. Para uns, a criança precisa de um equilíbrio de ambos os sexos porque, deve ser ponderada a questão da educação psicológica e social da criança. Outros definem como uma “barbaridade” as crianças, poderem ser adoptadas por casais desta natureza porque acreditam que a sociedade não vai ser capaz de as integrar. Jorge Ferreira, advogado e professor, contextualiza o assunto, olhando para a legislação actual do casamento em Portugal. Para este especialista, o artigo 1577º do Código Civil é bastante claro porque “define o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida” e, por conseguinte, a ordem jurídica portuguesa não admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, já se apresentou uma proposta de lei para a legalização do casamento de homossexuais, mas ainda não foi aprovada, porque os órgãos de soberania não chegaram a um consenso sobre esta matéria. Para Jorge Ferreira, tem faltado, sobretudo, o apoio político que vai radicar na falta de apoio social ao caso. Pessoalmente, Jorge Ferreira demonstra a sua oposição à legalização do casamento entre homossexuais porque “o Estado não deve abdicar de valores fundamentais estruturantes quando legisla” Por outro lado, este advogado não compreende o facto de os homossexuais exigirem o direito à diferença, quando querem ser exactamente iguais aos heterossexuais. Porém, mostra-se a favor de um referendo que mostre a opinião dos portugueses sobre a matéria. PUB 16 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 SOCIEDADE Na pele de um vegetariano Uma semana, em Abrantes, sem comer carne e seus derivados foi o desafio. Restaurantes vegetarianos não existem. A alternativa foi confeccionar as próprias refeições, com receitas retiradas da Internet. O resultado foi um conjunto de agradáveis surpresas. dr Joana Rato O pequeno-almoço estava na mesa às 7h20. Naquela manhã de segunda, apressada e madrugadora, fome era coisa que não tinha. A visão meio ensonada de uma taça de cereais com leite de soja intimidava-me. O leite nunca foi a minha bebida de eleição e a combinação leite e soja era coisa para rejeitar à primeira. Então pensei na minha curiosidade sobre o vegetarianismo, aliada à nova experiência alimentar, razão suficiente para agarrar na maior colher que se encontrava na gaveta e lançar-me sem receios àquela refeição. São cinco os sentidos do corpo humano e, naquele momento, no meu corpo encontravam-se apurados a visão, o olfacto e o paladar. Visto ser a primeira vez que estabelecia contacto com o leite de soja, olhar para ele com aquele tom creme desanimou-me. Pensei então em cheirá-lo. Das duas uma: ou adorava ou detestava. Tinha um cheiro doce e dava vontade de comer…Bingo! Era mesmo essa a vontade que precisava. Experimentei e gostei! Começo perfeito, manhã animadora. Abdicar de certos alimentos não é o meu forte. Contam-se pelos dedos das mãos as vezes que eu tentei fazer uma dieta e as vezes em que essa dieta durou mais do que, em média, uns quatro dias. Mas a decisão estava tomada: uma semana como vegetariana. Para tentar colmatar as minhas fraquezas e enriquecer a minha pesquisa, a Internet revelou-se a minha grande aliada durante estes sete dias. Precisava de receitas, de descobrir mais sobre este tipo de alimentação e sobre esta forma de viver. O vegetarianismo divide-se em três grupos: lacto-ovo-vegetarianismo (come-se tudo o que é usado na alimentação comum à excepção das carnes), o lacto-vegetarianismo (diferente do primeiro só pelo facto de não se co- Vegetarianismo. A soja é uma das bases deste tipo de alimentação mer ovos) e o vegetarianismo (muitas vezes designado por vegetarianismo puro, que consiste numa alimentação sem carnes, ovos e lacticínios). O mais comum dos três é o primeiro, mas eu decidi que queria ser, por sete dias, vegetariana pura. Objectivo? Comparar uma semana de alimentação comum com outra semana de alimentação vegetariana. Segunda-feira foi um dia movimentado e, passada a manhã, eis que chega a hora do almoço. Como o tempo era escasso e as compras do supermercado ainda não tinham sido feitas, decidi ir à procura de comida vegetariana em Abrantes. Não encontrei nenhum restaurante e apenas existe uma loja de produtos naturais que faz encomendas de hambúrgueres de soja e de empadas, por exemplo, para fora. Já não fui a tempo da encomenda para essa semana. Mas consegui comer uma sandes vegetariana. Pão, folhas de alface, tomate às rodelas e milho. Simples, mas apetitosa. A tarde ficou destinada para as compras no supermercado. A lista era bem simples. Por exemplo, frutas, legumes, leguminosas, produtos integrais, grão, feijão e frutos secos, alimentos suficientes para compor uma dieta totalmente vegetariana e que a tornam acessível a todas as carteiras. Quis também experimentar a soja em todas as suas formas, desde os rebentos aos cubos, assim como o tofu e o seitan. Estes são alimentos alternativos que enriquecem este tipo de alimentação, e que actualmente se encontram em supermercados. O seu preço é um pouco elevado, mas, considerando que não se gasta em carne nem peixe, a diferença não é significativa. Chega a hora do jantar. Como escapatória para a minha falta de aptidão, nada melhor do que ter amigas disponíveis a ajudar e que até percebem do assunto. Naquela segunda à noite, consegui mobilizar três pessoas para me ajudarem na preparação do jantar. De entre as mil e uma receitas encontradas na Internet sobre vegetarianismo, decidimos que a escolhida seria bolonhesa de soja. A meio da receita verificámos que não tínhamos granulado de soja, noura. Enfim, uma estratégia utilizada para facilitar a tarefa, tendo em conta a escassez de tempo. Da lista de refeições preparadas constavam as seguintes: legumes salteados com arroz branco; lasanha de soja; macarrão com molho de ervilhas; hambúrgueres de seitan com salada; arroz com feijão e cogumelos ao almoço; hambúrgueres de tofu com salada; macarrão branco à mexicana; bolonhesa de soja ao jantar (desta vez com granulado). Uma das coisas que não queria era deixar de me alimentar porque não fazia ideia do que comer. Sabia de antemão que tinha necessariamente de abdicar de certos alimentos, mas daí a passar fome, não obrigada! Por isso, entre as refeições, comia cereais integrais com leite de soja, fruta, pão com margarina e com compotas, batidos, amendoins, passas, nozes, enfim alimentos que não cortariam a dieta vegetariana e que me ajudariam a equilibrar a minha alimentação. Esta foi a minha estratégia de fuga para a necessidade Tinha um cheiro doce e dava vontade de comer... Bingo! Abdicar de certos alimentos, sim, mas passar fome, não obrigada! essencial para a preparação da receita; os rebentos de soja que tínhamos não serviam. O passo seguinte foi usar a imaginação. Saiu algo que não tinha nada a ver com a receita, mas que se afirmou pelo bom sabor: massa com uma mistura de legumes, cogumelos e rebentos de soja com molho de tomate a seis mãos. Para o resto da semana decidi organizar uma lista com as refeições que iriam ser feitas. Aos almoços decidi apostar nas sopas, desde de legumes à de feijão verde, passando pela de ce- de comer iogurtes, queijo, chocolate. Embora tenha comprado iogurtes de soja e sobremesas de soja com chocolate, não os consegui comer, pelo seu sabor peculiar. Sete dias opostos aos dezanove anos anteriores e uns meses. Na nossa cultura, a carne está muito enraizada, sendo difícil abdicar dela. Mas até que ponto é que a nossa evolução não pode passar por abdicar de certas coisas? Neste caso, de certos alimentos, abrindo-se um espaço para a descoberta de refeições vegetarianas. vendidos, desengane-se. Não se vendem com a mesma facilidade que os artigos mais comuns, mas está longe de ser um mercado pouco próspero. São artigos procurados por um grupo de clientes mais restrito que, apesar de serem cada vez em maior número, continuam a ter alguma dificuldade em vingar no top de vendas. É aqui que a generalidade da população começa a interrogar-se sobre o bem-estar do animal. Será que os ganchos danificam o pêlo? Os perfumes podem alterar o faro e desorientar os animais? As roupas incomodam o andar? De acordo com Margarida Bairrão, veterinária há 23 anos, estes artigos não são causa de problemas para os animais. “Pior do que usar estes produtos é a quantidade de banhos que se dá aos cães. Devem tomar banho, no máximo, uma vez por mês, mas o ideal seria duas vezes por ano”. A veterinária salienta ainda que muitas vezes as pessoas nem se apercebem do mal que fazem aos cães. “As pessoas não fazem por mal, mas utilizam champôs normais, o que não é indicado. É preferível que usem champôs próprios para os animais”. Quanto às roupas, é fácil saber quando estão a incomodar o animal. “Quando lhes causa incómodo, os animais não ficam quietos, tentam arrancar e rasgar as roupas”, explica a veterinária. As alergias são sempre um factor a ter em consideração, mas tal como acontece com as pessoas, depende do tipo de animal e também das marcas e das próprias roupas. Afinal, podemos todos dormir descansados, pois tal como explica a veterinária Margarida Bairrão, “desde que seja bem feito, não há qualquer problema”. André Amante Animais de luxo andré amante Hoje em dia, quem entra numa loja de animais depara-se com o mais variado tipo de artigos. Para além dos animais, há um conjunto de objectos que pretendem decorar e melhorar o conforto do ambiente onde o animal se encontra. Peixes, répteis ou até mesmo aracnídeos, que vivam em tanques, podem ter um habitat mais ou menos elaborado, dependendo das posses e gostos dos donos. No caso de aves ou ratos, a variedade de artigos aumenta. Além de haver os artigos de decoração, há também artigos feitos com o propósito de divertir os animais. Quanto a cães e gatos, está à disposição uma infindável variedade de objectos. Há artigos para o conforto, para eles brincarem, mas não é tudo. Nos dias que correm, conseguimos encontrar também artigos para salientar a beleza dos nossos companheiros de quatro patas. Acessórios. São vários os objectos utilizados para enfeitar os animais Muitas lojas já vendem estes artigos que pretendem melhorar o visual dos animais. Escovas, colares, roupinhas, ganchos, laços e até perfumes embelezam nem que seja o canto mais escondido da loja. Se pensa que não são 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 17 CULTURA A loucura do Japão Eles estão em todo o lado, porém apenas os reconhecemos quando temos acesso aos seus computadores, MP3 ou às suas pens. São a comunidade Otaku, uma geração de fãs dos desenhos animados japoneses. Marina araújo Hoje em dia, ligar a televisão à tarde significa sermos brindados com programas da tarde ou ficção nacional, dedicados aos mais jovens. Em alguns casos, temos também alguns desenhos animados, porém, o que nos dias de hoje é a realidade de um canal, foi a de todos há alguns anos atrás. A geração dos que nasceram entre 1986 e 1991, muito provavelmente, ainda se recorda quando a tarde era dedicada a eles. Dragonball, Sailor Moon (As Navegantes da Lua) e Samurai X são três que despontam mais memórias. Enquanto para muitos dos jovens estes desenhos animados não são agora mais do que memórias de tardes de uma infância passada, para outros, tornam-se um gosto que leva a outras paixões. No nosso país a comunidade dos fãs de desenhos animados japoneses (ou seja, a comunidade Otaku) está a crescer a cada ano que passa, principalmente com a divulgação do anime (os desenhos animados japoneses) em várias cadeias televisivas. A SIC transmite os episódios dobrados de Naruto, enquanto na SIC Radical já figuram com as vozes originais em japonês e legendados. Já o canal de cabo Ani- max transmite todas as séries na sua versão original, o que a comunidade Otaku agradece. “Prefiro ouvir as vozes originais dos personagens, já que o Japão dá uma grande importância aos seiyus (pessoas que fazem as vozes dos personagens)”, admite Francisco Almeida. Contudo, este jovem de 20 anos sublinha que em Portugal ainda é muito complicado seguir uma série de anime na televisão, e que a Internet ainda é o melhor local para conseguir episódios. Na net os Otaku têm o primeiro contacto com mais do que apenas o anime. Através de fóruns, de outros Otaku e de sites de legendagem, outro bichinho começa a crescer dentro deles: a música dos animes entra devagar nos seus MP3. Tiago Dias explica como descobre novas músicas: “Normalmente é através das Openings (créditos iniciais) e das Endings (créditos finais) dos animes, mas de vez em quando ando a navegar pelo YouTube e calha encontrar algo que goste”. Em Portugal esta paixão pela J-Music (música japonesa, não apenas a relacionada com o anime), está a tomar outra magnitude. Em vez de os jovens consumirem apenas a música que vem do Japão, novas bandas surgem que cantam elas mesmas em japonês. “J- Rock não é só Rock japonês, é um estilo diferente do resto do Rock do mundo”, defende Tari, a vocalista dos Kuroi Star, uma banda portuguesa de J-Music que, a 28 de Abril, completou um ano de existência. “Por isso é que não concordo quando dizem que J-Rock não pode sair do Japão. O J-Rock é mais do que a definição de uma nacionalidade, é mesmo um estilo musical diferente”. A banda toca covers, mas também alguns originais escritos por eles, e mais tarde traduzidos por amigos que compreendem japonês. O facto d e to- “O novo disco está a desenhar-se na minha cabeça” carem numa língua dominada por tão pouca gente não os faz sentirem-se isolados em palco. Acreditam que, para os fãs, as letras não são o mais importante. “Apesar de muita gente não compreender o que eu canto, gostam da música pelo que ela é, sem fronteiras nem barreiras linguísticas… música”. E os fãs de JMusic concordam com Tari. Sara Vigário e Nuno Paixão conhecem-se desde jovens e compartilham a paixão por este tipo de música. Mesmo ouvindo estilos diferentes, as suas opiniões não divergem muito. “Gosto principalmente da energia”, diz ele, enquanto ela confessa que o que a cativa mais “é a dimensão que tem, o facto de ser uma cultura diferente dá-lhe uma profundidade muito própria”. Porém, nem todas as críticas à música japonesa são positivas. Cláudia Oliveira, estudante do ensino superior, deixa bem claro o que não lhe agrada: “Não é de todo algo que faça sentido ouvir. Não apenas por ser numa língua diferente e confusa, mas principalmente porque não tem nada a ver connosco. Claro que não irei criticar quem a ouve, contudo continuo a achar este tipo de música muito pouco interessante.” A JMusic é um exemplo de como a cultura Japonesa se encontra presente no nosso dia-a-dia, para além de outros, como pratos com ideogramas ou acessórios para a casa. O próprio filme “Memórias de uma Gueixa” teve uma óptima aceitação e filmes como a “Viagem de Chihiro” foi visto por muitos. Devagar, o “J” estará em todo o lado. D.R. “Golden Era”, considerado por alguns como um dos melhores álbuns de 2007, trouxe o reconhecimento a Rita Redshoes. Numa entrevista via email, a artista fala do álbum que “percorreu alguns anos e fases decisivas” na sua vida, assim como do que virá no futuro. Cláudia Ferreira Recorde os seus primeiros passos no mundo da música. O grupo de Teatro “ITA VERO”, os Atomic Bees, assim como os restantes projectos em que participou, abriram o caminho/vontade para a carreira a solo? De que maneira? Todos os projectos em que participei até chegar à decisão de lançar o meu disco a solo contribuíram para a minha formação enquanto pessoa e música. Através da minha participação como baterista no grupo de teatro percebi que queria estar próxima de algo que envolvesse o palco. Depois, nos Atomic Bees, percebi que a linguagem que me fazia sentido explorar era a linguagem musical, a música. E foi aí que comecei a explorar a minha voz, a minha escrita e interpretação. Mais tarde, a experiência de tocar com o David (Fonseca) também me enriqueceu, acho que se aprende muito a desempenhar um papel de suporte para alguém. Sempre esteve presente na minha cabeça fazer alguma coisa a solo, mas confesso que só ao fim de oito anos é que a coragem apareceu. E acho que se não estivesse esses oito anos a fermentar tudo isto, as coisas agora não seriam assim. Parece que vai ter de responder à pergunta de sempre. Porquê Rita “Redshoes”? Sabia que queria criar e usar um nome que, de alguma forma, espelhasse o meu universo musical. Uma manhã apareceu o Redshoes, e hoje percebo o porquê: tem implícito um lado mágico, associado ao Feiticeito de Oz, e um lado de atrevimento e feminilidade que estão presentes na minha música e na minha personalidade. Por isso, ficou. Fale-me um pouco sobre o seu álbum de estreia (Golden Era). Por que é que acha que tem sido tão bem acolhido pelo público? Este disco contém músicas com 8 anos e outras que foram acabadas à entrada para estúdio. Não é um disco autobiográfico mas, de certa forma, percorreu comigo alguns anos e fases decisivas para a minha vida actual. É sobretudo Rita Redshoes. “A emoção de estar em palco é comparável a poucas coisas na vida” um disco muito honesto, talvez ingénuo em algumas coisas. Acho que a explicação que encontro para as pessoas gostarem é precisamente ouvir-se o lado verdadeiro com que construí cada canção. Mas também não sei bem... Como é andar em digressão pelo país e ser considerada uma das revelações musicais do momento? Bom, para além de compor e cantar, o estar na estrada é das coisas que mais gosto de fazer na vida. Portanto, neste momento, como tenho imensos concertos, estou muito feliz, pois passo grande parte do meu tempo a fazer algo que adoro. Para além disso, a emoção de estar em palco é comparável a poucas coisas na vida. Quanto à parte da revelação... hum, diria que a maior revelação tem sido tudo isto estar a acontecer. Acha que este álbum de estreia coloca a fasquia demasiado alta para um segundo álbum? Já está a trabalhar em novos projectos? É assustador pensar assim. Espero fazer muito mais discos, e discos cada vez melhores. É suposto crescermos e evoluirmos. Conto com isso. Já tenho alguns bocados de canções e diria que o novo disco se está a desenhar na minha cabeça. Vai aparecendo aos poucos, ao longo dos dias que passam. 18 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 ESPECTÁCULOS Mão Morta passam em Abrantes na digressão “Ventos Animais” Invasão de demónios às portas do S. Pedro Hoje é dia 3 de Abril de 2009 e 21h30 é a hora escolhida para a chegada dos Mão Morta ao concerto mais negro do mês no Cine-Teatro S. Pedro, em Abrantes. cláudia ferreira Renato Lopes São neste momento 21 horas e a noite é fria como os diabos. E ventosa. Os parques de estacionamento estão completamente cheios, e apesar do mau tempo, muitas pessoas fazem pulular o tom das suas vozes em coro desordenado cá fora. Lá dentro, no entanto, a entrada é quente, abrigada e acolhedora. E assustadora. Tanto negro numa sala tão quente e branca assusta, mas a verdade é que os demónios esta noite invadiram o S. Pedro em massa, como aliás se pode comprovar. Aqui e ali vê-se uma outra cor de vestuário, mas a regra de etiqueta geral é o negro. Mais perto da entrada, como ainda é relativamente cedo, a fila na bilheteira não é muito grande, mas vai aumentando, até que alguns minutos depois as portas do Céu se abrem para acomodar a horda de demónios na sala azul. Já são 21h30, e há gente com medo no meio da audiência. “Eles são muito complicados em termos de entrevista?”. “Não, eles são acessíveis. É apenas rock and roll.” Dentro da sala azul ouve-se uma simpática música de fundo que cria uma atmosfera agradável, junto com o burburinho da gentedemónio que praticamente enche a sala e que se traduz numa elevada expectativa por entre o público. À frente está o imponente palco, que agora parece ter o espaço de um cubículo de tão cheio que está de instrumentos, holofotes e colunas. De repente começa a sair fumo detrás do palco e as luzes da sala apagam-se gradualmente em filas até a noite cair e uma onda de palmas inundar a sala, acompanhada de um vendaval de assobios – Mão Morta entra em palco e cada um dos membros dirige-se ao seu lugar, pegando no seu instrumento. E é com o som das baquetas a baterem uma na outra que o concerto começa, dando luz verde aos holofotes para avançarem com o seu papel. O concerto começa com “Ventos Animais” e o som é alto. Adolfo Luxúria Canibal desempenha o papel de vocalista, dançando e gesticulando pelo palco enquanto canta, mas raramente saindo do mesmo sítio. As luzes vão alternando entre forte e fraco ao ritmo da música e no fim ouve-se uma grande salva de palmas. “Bem vindos aos nossos Ventos Animais”, fala Canibal à audiência, e o segundo tema, “Budapeste”, começa com um grande espectáculo de luzes. Durante a música entram algumas pessoas apressadas pelo meio da sala que se dirigem aos seus lugares na fila da frente, mas ninguém parece ligar – está tudo hipnotizado com as luzes psicadélicas, que alternam freneticamente entre o vermelho e o branco, juntando-se-lhes luzes amarelas no refrão com os “Sempre a rock and rollar” de Canibal. O tema seguinte foi “Tetas da Alienação” e em seguida “E Se Depois” começa a vibrar pelas paredes azuis, com Adolfo a agitar-se ao ritmo frenético da música e das luzes psicadélicas que muito bem levariam a colocar um sinal de cuidado dirigido às pessoas com epilepsia. “Vamos acalmar mais um bocadinho”, diz Adolfo quase ofegante do esforço físico, e as luzes violeta erguem-se no criar do ambiente Demoníacos. A negrura prevaleceu no concerto de Mão Morta em Abrantes para a próxima música, “Arrastando o Seu Cadáver”. Numa sala praticamente cheia, ainda assim ocasionalmente se vê alguém em pé. No palco, Adolfo bate o pé ao ritmo da música, e no solo de guitarra vai para junto de um dos guitarristas, dançando de forma desconcertante, vagamente lembrando um morto-vivo. A música termina com um grande desafinar de guitarra e um fade out das luzes, fazendo ainda mais uma vez o público vibrar intensamente com a prestação. Segue a vez de “Tu Disseste” em luz verde e bolas de luzes a passear pelas cortinas do fundo. “E eu disse: Que é que isso interessa? E tu disseste: Nada.”, ouviu-se repetidamente durante toda a música e, no fim, esta pequena deixa abriu um momento de interacção com o público: “E vocês disseram:” “Nada!!!” Na sétima música do concerto, “É Um Jogo”, uma vez mais as luzes violetas assumem o papel principal entre as brancas e amarelas, iluminando e destacando a banda. Mais uma vez, Adolfo dança de uma forma desviante, dando passos de valsa na música rock. Numa nota de curiosidade, na fila mais distante do palco, vê-se uma pessoa que fechou os olhos apenas para ouvir a música, que acaba com a já previsível saraivada de palmas. “Este é um tema que os Mão Morta já tocavam muito antes de ter qualquer álbum”, introduz assim Adolfo Luxúria Canibal o tema “Bófia”, o que despertou uma ruidosa salva de palmas. Por entre as palavras, o microfone é Está tudo hipnotizado com as luzes psicadélicas, que alternam freneticamente entre o vermelho e o branco “Estou farto de mim!”, queixa-se Canibal, esfregando a cabeça incessantemente e continuando mesmo após o fim da música agarrado com força ,e a dada altura, “Pá!”, surge uma onomatopeia de rompante pela música acompanhada de um pontapé de Canibal no ar em direcção ao público. Seguiu-se um fade out completo no fim, mas ainda houve tempo para mais uma pequena interacção com o público, talvez não tanto amigável. “Parabéns, Joana!”, grita uma pessoa da audiência repentinamente, despertando a atenção do temível Adolfo Luxúria Canibal, a estranheza em pessoa. “Quê?” “Nada, esquece.” E o estranho e corajoso anónimo voltou a sentar-se no seu lugar. Monta-se assim a ponte para o próximo tema, “Em Directo (Para a Televisão)”, um clássico acolhido na sala azul com um grande calor na audiência. Assobios, palmas, banda a vermelho e começa o tema com Adolfo a desenhar com os dedos uma televisão aquando o refrão “Encena-se um directo/Para a televisão”. Acaba com uma grande gargalhada maquiavélica por parte de Canibal, que colhe imensas palmas e alguns comentários menos próprios: “Deixem-se de drogas!”; “Viciados!” “Penso Que Penso” entra a seguir, alternando o seu ritmo entre o monótono e uma explosão acelerada no refrão, acompanhada pelas luzes, que por vezes fazem lembrar pequenas velas de cera enquanto os “Murmurar, murmurar” de Adolfo se vão perdendo na música, que lentamente se vai sobrepondo à voz até explodir mais uma vez no refrão. “Estou farto de mim!”, queixa-se Canibal, esfregando a cabeça incessantemente e continuando mesmo após o fim 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 19 ESPECTÁCULOS “A música de Mão Morta não é violenta, é coro infantil” Sara Pereira Conhecidos pela crueza e acidez da música que fazem, os Mão Morta revisitaram em Abrantes 25 anos de carreira, depois de uma longa digressão apoiada nos Cantos de Maldoror, de Isidore Ducasse. Após o concerto, o ESTAjornal esteve em conversa com o mentor da banda de Braga, Adolfo Luxúria Canibal. E, envolto no fumo do seu cigarro, falou de Maldoror, da iniciativa da Câmara de Braga em criar salas de ensaio… e da violência do trabalho. cláudia ferreira Adolfo Luxúria Canibal Nesta digressão houve a necessidade de voltar a um registo mais convencional, depois de uma fuga à norma? Podemos pôr as coisas nesses termos, sim. Houve necessidade de voltar ao velho Rock N’Roll, porque “Maldoror” ocupou-nos muito tempo, cerca de quatro anos entre a feitura, a composição, a montagem do espectáculo e depois a digressão e era um espectáculo muito exigente, com muita marcação, muitos pormenores, muito absorvente. Precisávamos limpar estes quatro anos, agora que as pontas soltas que tinham sobrado do espectáculo estavam com o nó dado, ou seja, o disco e o DVD já estavam cá fora. Só faltava mesmo voltar à estrada e voltar à crueza e à agrura, à nudez do Rock N’Roll, para ficarmos limpos, ultrapassar toda a fase de “Maldoror” e podermos avançar para um trabalho novo. Como é que uma banda “alternativa” sobrevive 25 anos no panorama musical português? Não dependendo da música, senão não sobrevive. Participou no projecto Mundo Cão, de Pedro Laginha, como letrista. Há mais projectos do género na calha? Sim, fiz as letras para o primeiro disco de Mundo Cão, fiz algumas para o segundo disco e tenho colaborado com vários grupos. Mundo Cão é particular, porque são dois elementos dos Mão Morta, o Miguel Pedro e o Vasco Vaz, que são os fundadores, portanto é um projecto deles, há uma proximidade muito maior. Além disso, há muita gente que me convida para meter uma voz, ou para escrever uma letra, ou mesmo para as duas coisas. Normalmente, se tenho disponibilidade de tempo, digo que sim, se não tenho, digo que não, porque uma pessoa não pode inventar o tempo. Mas sim, é possível que haja no futuro outras colaborações, com outras pessoas. E projectos paralelos com Mão Morta, como Mécanosphere? Esse continua, e continua Estilhaços, por exemplo. Com Mécanosphere temos dois espectáculos marcados para Maio, um no Porto, outro em Lisboa, com alguns artistas estrangeiros, nomeadamente com Kenneth Anger e com David Tibet. Temos esses dois projectos e o disco, no qual o David Tibet também participa. Provavelmente vai sair pela editora do David Tibet em Inglaterra, as coisas continuam a funcionar. É vocalista de Mão Morta e, simultaneamente, foi advogado até 1999. Passou por algum episódio estranho, resultante dessa dualidade? Não, são dois mundos que, regra geral, não se tocam. Normalmente, os desconhecidos ligados às leis, nomeadamente tribunais, ou pessoas que precisem de advogados, grosso modo, não conhecem a música, muito menos a música alternativa, e com as pessoas que iam ter comigo, porque sabiam que eu era advogado, mas que me conheciam da música, também não se passam situações caricatas, já me conhecem. Com a fornada de novas bandas de Braga, como exemplo, Peixe:Avião, Monstro Mau ou Mundo Cão, pode-se dizer que Braga, musicalmente, “está bem e recomenda-se”? Está, neste momento está muito bem mesmo, numa fase de grande criatividade. Há muitas bandas que estão a surgir ligadas às salas de ensaio que a Câmara montou no antigo estádio Primeiro de Maio. Peixe:Avião é exemplo típico de uma banda dessas, Smix Smox Smux é outra… Braga tinha os músicos sempre dispersos, a não ser nos anos 80 em que um grupo de pessoas, que já se conheciam, que eram amigos, decidiu fazer música. Durante todo o resto, nos anos 90 e mesmo início dos anos 00, Braga não teve propriamente um “movimento”. Agora tem essas pessoas todas juntas, a trocarem ideias, a ajudarem-se uns aos outros… É engraçado, efectivamente é muito interessante o que se está a passar em Braga. Os Mão Morta abriram portas nesse aspecto? Não propriamente os Mão Morta. O Miguel Pedro sim, ele está por trás da ideia das salas de ensaio. No fundo, deve-se a ele toda esta “cena” emergente. A música dos Mão Morta é violenta? (risos) Não… Eu pessoalmente acho que não, eu divirto-me [com a música] e com a violência não me divirto, a partir daí acho que não é violenta. A violência está na sociedade, no mundo em que vivemos, esse sim, é muito violento. As pessoas serem obrigadas a trabalhar para sobreviver é de uma violência terrível, é uma coisa completamente desumana. As pessoas não foram feitas para trabalhar. A sociedade tal como existe, o capitalismo, é que obriga as pessoas a trabalhar e quando elas não produzem o suficiente, quando elas não se entregam de alma e coração e corpo e tudo ao trabalho, despede-as! Isso é que é uma violência! A música dos Mão Morta não é, a música dos Mão Morta é “coro infantil”. da música, terminando num choro excêntrico muito após a música ter fugido da sala. Uma grande actuação que colheu uma enorme salva de palmas, para variar. Uma breve pausa e começam-se a ver pessoas com braços no ar, a abanar a cabeça para a frente e para trás ou a dar pequenos saltinhos nas confortáveis cadeiras ao som de “Amesterdão (Have Big Fun)”. Duas pessoas em pé abanam-se todas a um canto da sala, ao lado do palco, ao som da música mexida acompanhada com um bom trabalho de luzes. Adolfo continua a dançar no palco e a apontar na direcção do público, o qual responde com palmas e urras. “Vocês são um bocado tímidos”, diz Adolfo Luxúria Canibal, dirigindo-se ao público no fim da música. “Olha que eu vou p’ó palco!”, ouve-se alguém gritar. E o temível Canibal responde “Já vi. Aliás, se me quiseres substituir já sabes… Se souberes as letras…”. O anónimo destemido nada mais disse. Algumas palavras em alemão por parte do público anunciam uma nova música entoada pelo mesmo em tons de “la-la-las” mesmo antes de a própria banda começar a tocar. Em breve, os músicos acompanham o público na música – “1º de Novembro” vem a chegar. No entanto, subitamente o público silencia-se como adivinhando o timing, e Adolfo começa a cantar. Braços de demónios erguem-se ao Céu, tentando agarrar bocados da melodia e no refrão o mesmo coro de “la-la-las” irrompe e destaca-se no instrumental e no solo de guitarra. Depois de o ritmo se suspender, a voz de Canibal perdura pela sala, até a música irromper novamente e acompanhar o coro do público uma vez mais. Aumenta-se o som e nem isso esmorece os participativos convidados, mas eventualmente os “la-la-las” dissipam-se na música original. Mais no fim, Adolfo dança mecanicamente, e imita os “la-la-las” do público, como que o homenageando, Adolfo Luxúria Canibal revela-se mais uma vez a estranheza em pessoa enquanto entoa o refrão mas que se vão também transformando a pouco e pouco em urros assustadores que perduram mesmo durante as palmas do público. Com tempo, os urros vão alternando entre urros e gargalhadas, com as palmas a ecoar no fundo, e no fim apenas se ouve o respirar ofegante de Adolfo Luxúria Canibal. O grande sucesso termina e o alinhamento segue em frente com “Barcelona (Encontrei-a na Plaza Real)”. Há uma troca de guitarras pelo guitarrista do lado esquerdo durante a música, e Adolfo abana os braços de um lado para o outro no solo de guitarra, fazendo de conta que corre. Palmas ouvem-se por todo o lado no fim, fazendo a transição para a frenética “Quero Morder-te as Mãos”, onde se observam imensas cabeças a abanar ao ritmo da música e um ou outro com braços no ar. A música seguinte chama-se “Vamos fugir”.“Tive uma ideia, tive uma ideia!/Vamos fugir!”, canta Adolfo com um erguer do braço como se fosse um aluno a pôr uma questão a um professor. Acaba rápido, e caminhamos a uma grande velocidade para o fim do concerto “E agora, quase a acabar: Lisboa”, anuncia Canibal ofegante “Lisboa (Por Entre as Sombras e o Lixo)”. Algumas pessoas levantam-se de braços no ar, enquanto outras, principalmente na fila da frente, põem nas mãos uma banal air guitar para acompanhar os músicos e, mal a música acaba, as luzes apagam-se. Um rufar de pés denuncia o que se aproxima, e “Cão da Morte” irrompe e atravessa violentamente a sala com cada desafinar melódico da guitarra. Adolfo Luxúria Canibal revela-se mais uma vez a estranheza em pessoa enquanto entoa o refrão, elaborando uma cruz com o corpo e não se mexendo um único centímetro enquanto tanto os músicos – o guitarrista esquerdo vai até ao lado direito em pose – como o público vibram. No fim, Adolfo esfrega a nuca uma e outra vez. “Sinto o Cão da Morte a bafejar no meu pescoço” e um grande maremoto de palmas ecoa vivamente pela sala, dançando com assobios na atmosfera e dando à luz um rufar de pés e um terramoto, e o ressuscitar do coro de “la-la-las” da “1º de Novembro”. O público vibra e vibra e manifesta e exige mais. Os Mão Morta voltam a entrar em palco pouco tempo após o abandonarem. “Dá-lhe gás!”, ouve-se no público, e os Mão Morta iniciam o Encore com “Chabala”, uma música para aqueles que “gostam de músicas calmas”, como diz Adolfo. Apenas luzes vermelhas habitam o palco, e Adolfo tomba a cabeça e balanceia-se de um lado para o outro na parte instrumental. E a seguir vem a “Véus Caídos”, com umas opostas luzes azuis e com gritos a surgirem algures no público não se sabendo exactamente de onde, dentro dos quais um outro “Dá-lhe gás!”. Finalmente surge a última música da noite, “Anarquista Duval”, uma música que já havia sido pedida imensas vezes durante todo o concerto. As luzes atingem uma luminosidade tal que ofuscam completamente impedindo a visão em direcção ao palco, e de repente, sem mais nem menos, Canibal solta uma grande gargalhada maquiavélica e a música pára, como que obedecendo ao seu comando para recomeçar logo a seguir aos assobios que se ouviram no breve intervalo. No instrumental, Adolfo dança desengonçadamente, e algumas pessoas voltam a fechar os olhos para sentirem a música e marcarem o compasso com o abanar da cabeça. Cabeças e corpos levantam-se rapidamente, mesmo antes de a música acabar, e aplaudem a banda com um grande fervor e estremecer dos arredores, reunindo os músicos em palco, que, fazendo vénias, vão saindo pelo mesmo lado por onde entraram dando por terminada a actuação. As pessoas apressam-se a sair e saem quase todas ao mesmo tempo. O concerto acabou e o sorriso de satisfação está completamente preso como uma estampa nas suas caras. No entanto, não dispersam. Transmite-se a ideia de que muitos não são efectivamente de Abrantes, e transmite-se também que muitos encontram em outros companheiros ou camaradas de armas, provavelmente de outros pontos do país. O pós-concerto torna-se assim numa pequena reunião de demónios, dentro e fora do hall de entrada do Cine-Teatro S. Pedro. Cá fora está frio, e negro. Negro da noite, e negro das pessoas e da sua roupa. Muitos fumam, muitos falam, poucos aparentam ar amigável de todo. Ironicamente são-no. No geral, o concerto pareceu satisfazer a audiência. “O concerto foi um espectáculo!” “Correspondeu às expectativas.” Mas também houve espaço para algumas críticas sobre a falta de espaço:“Gostava de saltar e não pude”. E outras dirigidas ao concelho abrantino: “Reagi bem [ao descobrir que os Mão Morta iriam tocar no S. Pedro] porque Abrantes tem falta de cultura”. Pelo caminho encontramos também João Pedro, um jornalista do Público que partilha connosco o seu gosto pelos Mão Morta “desde que nasceram”, e no meio do burburinho uma ou outra pessoa que se atreve a imitar na rua os movimentos de Adolfo Luxúria Canibal em palco. O movimento vai-se dispersando e os demónios regressam ao seu covil para descansar e preparar as próximas traquinices. O Cine-Teatro fica uma vez mais vazio e para trás fica apenas a equipa técnica que retira os instrumentos. A noite acaba em grande, mas acaba, e as portas do Céu fecham-se novamente, encerrando a celebração de 25 anos de Mão Morta a atormentar portugueses sonoramente. 20 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 REGIÃO Uma banda, uma casa acolhedora e um Secretário de Estado marcam uma manhã diferente em Constância Se todos abríssemos as portas Dia 13 de Abril marca o fim das festividades em Constância, e que melhor maneira de acabar que com uma manhã fria, nublada e com ameaças de chuva? É o dia ideal para um desfile pela vila de bandeira em punho. SARA PEREIRA Renato Lopes Pouca ou nenhuma gente se vê na rua às 9:30 da manhã e, tirando um grupo de oficiais que conversa com algumas mulheres de idade, não se vê viv’alma pela rua. Até que um grupo de homens fardados desce a rua envergando a bandeira. “Atenção! Descansar! À vontade!” ouve-se, e os homens aguardam pacientemente no meio da estrada pelos colegas que faltam. Passam-se minutos e minutos que se tornam uma eternidade para os homens que aguardam, porque “os gajos da música chegam sempre atrasados”, ouve-se dizer, mas eventualmente começam-se a ouvir ao longe os tambores que anunciam a sua chegada, e lá vêm eles a descer a mesma rua. Guiados pelo maestro, chegam e alojam-se num bocado de alcatrão onde começam a entoar o Hino Nacional, sob os olhos atentos do maestro que, com os seus gestos, vai montando os sons dos instrumentos como se fossem blocos de Lego. Momentos depois perde-se a solenidade e, eventualmente, o grupo de músicos dissolve-se numa multidão. É tempo da pausa para o café da manhã, e a rua passa de cheia a vazia num instante, com toda a gente a ir para dentro do café, preparado para esse mesmo efeito. Lá dentro está barulho, demasiado. Cá fora os altifalantes saúdam-nos com um “Então muito bom dia” e uma repórter de rádio encontra-se a fazer reportagem no local. Algum tempo depois mobilizam-se e está na hora de continuar a volta a Constância ao som da melodia da banda dos bombeiros. Já não tocando aleatoriamente, como faziam há pouco, mas parecendo agora um computador a processar um Constância. As ruas enchem-se de alegria quando a banda passa ficheiro mp3, a banda é aguardada por muita gente na rua, mas também em portas e janelas, e ruelas por onde passa. Acorrem todos para ver a banda a passar. Uns descaradamente de porta aberta, outros apenas com uma fresta suficiente para espreitar timidamente, mas todos vêem e olham quem vem lá e quem torna o dia num dia diferente. A meio do caminho a ameaça da manhã torna-se realidade e começam a cair os primeiros pingos, enquanto a banda segue destemidamente contra o vento, mas nem isso impede uma senhora de idade e a neta de verem a banda passar com um ar sorridente. Até porque é chovisco chato mas rápido, e alguns minutos depois já se foi. Constância continua a passar por baixo dos nossos pés e chegamos a uma pequeníssima rotunda, onde a banda estaca como se tocasse de propósito para esta casa, a casa de Maria de Lurdes que todos os anos faz questão de Arqueologia ao alcance de todos preparar lanche para a banda, que pára e prepara-se para devorar e ficar com “pedalada para andar o resto do dia”. “Gosto muito que venham cá tocar. Dão muita alegria a Constância.”, diz Maria de Lurdes, contente e sorridente, servindo à banda o seu pequeno lanchinho feito “com muito gosto”. “A nossa alegria é receber as pessoas”, diz ainda e assim recebe tanta gente na sua varanda. Encontra-se acompanhada do seu marido, José Mendes, e juntos tratam dos doces tradicionais de Constância: os Queijinhos do Céu. A casa de Maria de Lurdes é já paragem obrigatória da banda há mais de 10 anos e ela aprecia o seu esforço e defende o seu gesto, dizendo que “andam de porta em porta e acho que se abrirmos as portas é mais giro.” Findo o lanche, é hora de prosseguir em direcção ao próximo destino e após um pequeno concerto numa praça, a banda dispersa. É hora de observar a parte de Constância que está coberta de enfeites e barracas, que por acaso a esta hora ainda não tem tanta gente como seria de esperar, com a maior parte do movimento a dar-se em roda da estátua do autor de ”Os Lusíadas”, tanto com miúdos como com graúdos. Mas o dia vai passando e a hora de almoço aproxima-se a passos largos, e com ela a hora da ansiosa chegada do tão falado Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Conde Rodrigues. Com grande tumulto criado em sua roda, o Secretário de Estado desembarca do seu automóvel e dirige-se à praia para assistir à procissão dos barcos.”Rui! Ó Rui! Bora!”, ouve-se o que se poderia tomar como um pescador ainda com um pé quase dentro de água e outro na areia fina à beira-rio. Aproxima-se a hora da procissão. Tudo pronto, faltam os barcos. Em roda do Secretário de Estado gira um tumulto de pessoas, e apenas as crianças que brincam alegremente na areia parecem imunes ao íman político e social que atrai o resto das pessoas. De repente, a banda começa a tocar e é sabido que está na hora da chegada dos barcos, que fazem uma entrada gloriosa ao som de foguetes e com o próprio Sol a romper o Céu nublado para os saudar, tornando-se depois tão forte que obriga algumas pessoas a abrirem os guarda-chuvas para se resguardar e ouvir as palavras do ilustre convidado “Bom dia a todos”, começou com a sua voz a ecoar por toda a praia. “Vêm aqui hoje por razões religiosas, razões culturais (…). Queríamos desejar um bom dia da Nossa Senhora da Boa Viagem.” E foi de facto engraçado, senhor Secretário de Estado, referir-se ao Sol que surgiu animadamente aquando a chegada dos barcos :“Tivemos um sinal do Céu, já que estava de chuva quando viemos…”. A seguir foi a vez do Presidente da Câmara de Constância, António Mendes, se pronunciar acerca do evento, apelidando Conde Rodrigues de “homem dos rios”, entre outras palavras que sublinharam a importância do rio. Após a chegada das embarcações, o movimento começou a dispersar-se e as pessoas foram em busca de algo para forrar os estômagos, já num almoço tardio para alguns. Com muitas alternativas entre cafés, restaurantes e tascas, o movimento separou-se e alimentou as ruas de Constância com o movimento que faltava de manhã e que necessitava para dar movimento à vila. E assim Constância vive novamente até ao resto do dia e até para o ano que vem. Gonçalo Reis ALISON SILVA Alison Silva A Carta Arqueológica é o documento que reúne toda a informação sobre o património histórico recolhida até à data no concelho de Abrantes. Criada por Candeias Silva, Álvaro Baptista e pela arqueóloga Filomena Gaspar, foi apresentada oficialmente às 16 horas do dia 18 de Abril, numa sala do Castelo de Abrantes. A vereadora da Cultura, Isilda Jana, deu início à sessão onde se explicou o funcionamento da carta digital. Resultado de um trabalho de muitos anos, a Carta Arqueológica do concelho de Abrantes cobre 700 quilómetros e torna mais fácil a programação de novos projectos, na região, que interfiram com o subsolo, de modo a que o património Documento. 700 quilómetros de história histórico não seja destruído. Trata-se de um projecto que superou as expectativas dos seus criadores. Agora, está ao alcance do público e pronto a receber novas actualizações. A influência dos antepassados na região de Abrantes é, para estes investigadores, um mistério que pode ser desvendado a qualquer momento, seja “debaixo de um arado ou um tractor”, como sublinha Candeias Silva. Álvaro Baptista fez particular referência ao trabalho que ainda está por desenvolver, particularmente na zona norte do concelho. As muitas obras que já foram encontradas estão devidamente sinalizadas, desenhadas e identificadas, para facilitar o regresso aos mesmos locais ou a identificação de outros da mesma região. Agora estão, também, disponíveis na Carta Arqueológica. O presidente da Câmara Municipal de Constância, António Mendes, aproveitou a visita de Aníbal Cavaco Silva à vila para falar das faltas que o seu concelho tem. As críticas surgiram durante a cerimónia de inauguração do Ritchey-Crétien, o maior telescópio público do país, adquirido pelo Centro de Ciência Viva de Constância, com o apoio da Fundação EDP. O autarca comunista enunciou as obras conseguidas ao longo de 24 anos de mandatos, mas também lamentou aquelas que não conquistou, nomeadamente a ponte sobre o Tejo. Por isso, sai das suas funções com mágoa por não ter resolvido todos os projectos que desejava. O Presidente da República tentou dar ânimo: “Coloque as angústias no centro das velharias e coloque na estante mais perto de si os casos de sucesso”. Vanessa Jorge 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 21 REGIÃO Exercício militar envolve a comunidade nuno Sot to-Mayor Renato Lopes “Rosa Brava” é o nome do exercício prático levado a cabo pela Brigada Mecanizada do Campo Militar de Santa Margarida e que marca o fim de um ciclo de instrução militar. Num cenário fictício, semelhante ao que podem encontrar na realidade, os militares definiram e colocaram em prática uma estratégia de libertação de um país, anexado à força por outro. O “Rosa Brava” deste ano começou a ser desenvolvido em Outubro do ano passado e acabou por ter a aprovação superior pelo Comando Operacional do Exército em Dezembro do mesmo ano, decorrendo depois o gonçalo reis exercício propriamente dito de 24 a 30 de Abril de 2009. Neste exercício faz-se uma avaliação do nível da interiorização dos militares acerca das tácticas, das técnicas e dos protocolos de acção, bem como uma identificação das potencialidades e vulnerabilidades da Força. “A finalidade principal do exercício é que depois de todo um ciclo normal de instrução que já se iniciou o ano passado, importa agora fazer a validação desse mesmo treino”, explica ao ESTAJornal o Tenente-Coronel Amaral Lopes, Chefe do Estado-Maior da Brigada Mecanizada. “Ros a Brava” é , e nt ã o, u m exercício prático com u m contexto fictício, mas é ainda assim um exercício tão real como as armas de fogo nele usadas, baseando todo o seu conceito em situações de conflito conhecidas, como as verificadas nos Balcãs, na Bósnia, no Kosovo, no Líbano, no Iraque e no Afeganistão. “Estando a Brigada Mecanizada, associada ao Campo Militar de Santa Margarida, submetida a algumas das missões de enviar para estes teatros alguns militares, fará todo o sentido, no âmbito daquilo que é um programa de apontamento dos nossos homens, poder materializar neste tipo de exercício, as condições, mais ou menos reais, onde efectivamente eles irão efectuar as operações”, acrescenta ainda o Tenente-Coronel. Durante o exercício, as forças da Brigada Mecanizada estiveram espalhadas pelas principais localidades mais próximas do Campo Militar de Santa Margarida. Na Chamusca esteve uma unidade de escalão Batalhão, em Torres Novas, um Posto de Comando da Brigada Mecanizada e também uma pequena base de operações avançada com um Esquadrão de Reconhecimento, e ainda duas outras bases, uma na Bemposta e outra em Ponte de Sôr. Mas o “Rosa Brava” não é um evento fechado. Várias parcerias foram formadas, incluindo a presença de uma companhia do exército espanhol, um conjunto de forças pertencentes à força operacional do exército português, e a parceria realizada com a ESTA, que permitiu levar os alunos do curso de Comunicação Social até à concentração militar na Chamusca, localizada nas ruínas da antiga fábrica de tomate Spalil. O apoio das câmaras municipais da Chamusca, da Ponte de Sôr e de Torres Novas, bem como da Junta de Freguesia da Bemposta, foi decisivo para a realização do exercício, cedendo tanto as instalações como facultando água e electricidade. Mas não só. Em Torres Novas realizou-se uma exposição de material, que até dia 26 de Abril contou com quase 2000 visitantes, e montou-se uma torre de actividades no jardim de Torres Novas, visitada e utilizada por 650 pessoas, sendo a última pessoa que a utilizou “uma idosa de 71 anos, que fez a escalada da torre e o slide”, partilha Amaral Lopes em tom de curiosidade. Tudo isto porque cada vez mais os conflitos bélicos são desencadeados no meio da população e em grandes áreas urbanas, o que faz com que o exército tenha de se preparar para interagir com as populações. Não fazendo parte do exercício em si, estas actividades são ainda uma parte importante do treino e da avaliação dos militares. Abrantes recebe caravanistas A liberdade parece ser o motivo para se comprar uma auto-caravana. “Conhecer diferentes locais, fazer amigos e confraternizar” são algumas das justificações dadas pelos caravanistas que compareceram ao encontro organizado em Abrantes, no último fim-de-semana de Abril. O facto de “adorarmos caravanismo” é, segundo Odete Sousa, suplente da direcção do Clube Português de Auto – Caravanismo (CPA), uma das razões para a organização de mais um encontro. A escolha do local tem muito a ver com as condições que cada terra apresenta e o Tecnopólo, em Alferrarede, tem as “infra–estruturas” necessárias para uma concentração de caravanistas. Foi pela hora de almoço, de caravana em caravana e com simpatia por parte de todos, que se foram ouvindo histórias sobre esta vida de caravanista. Entre eles muitos portugueses, mas também ingleses, franceses e um belga. A conversa fez-se em diferente línguas, acompanhada por gestos de mímica. tânia machado Motivos. Liberdade, fazer amigos e viajar para conhecer outros locais Manuel, Ex–Tenente–Coronel, de Leiria, tem uma caravana há 30 anos. Quando começou era jovem ainda: “Durante a juventude fiz campismo, depois evoluí para um carro-tenda, a seguir uma auto vivenda e depois a auto - caravana. Foi uma questão de evolução”. Foi com um bolo típico de Santarém que o Sócio nº 61 do CPA abriu as portas da sua caravana, explicando o seu funcionamento e mostrando alguns dos galhardetes dos países pelos quais passou. A autocaravana até já serviu para levar “uns amigos à Alemanha”. Os encontros são divulgados pelos sites de auto–caravanismo de todo o mundo. Willy Vlaminekx, belga, teve conhecimento deste encontro através do “Belgium Motorhome Club, na Internet”. A maioria dos que responderam ao desafio já viajou por toda a Europa. Este é o caso do francês Henri Boué, que viaja de auto-caravana desde 1997. Conhece Portugal de lés a lés, pois “pelo menos uma vez por ano, desde há 20 anos”, que nos visita. Apesar do encontro nesta cidade ribatejana ter contado com 250 auto–caravanas e com pessoas de várias nacionalidades, em Portugal só existe um grande Clube de Auto–Caravanismo, contrastando com França, onde há vários. Contudo, Jean Levet, diz que em França, “os portugueses não são tantos como gostaríamos”. Em mais uma conversa, onde até se falou de bacalhau, Bernard Fraisse, jornalista da revista francesa “De Monde de Campincar”, revela que os custos de uma auto–caravana são os normais de um carro, sendo que o investimento maior é mesmo a sua compra. Fazem milhares de quiló- metros com as suas segundas casas às costas e a fazer sinais de luzes quando se “cruzam na auto-estrada”. É uma tradição da qual não prescindem. É “uma forma de cumprimento”. Cândido Boaventura, guia dos caravanistas estrangeiros, muito popular entre eles, diz, num tom irónico, que uma auto – caravana é boa “quando já se tem a casa paga e os filhos arrumados”. Durante o encontro de Abrantes, os caravanistas tinham à disposição, num pavilhão, vários stands com produtos tradicionais da zona (bolos, enchidos, artesanato), assim como excursões organizadas para mostrar as áreas mais importantes desta zona. Por exemplo, quem quisesse visitar o Castelo de Almourol tinha transporte gratuito de autocarro. Foi durante os dias de 23 a 27 de Abril que esta iniciativa decorreu na cidade florida, onde houve reencontros, petiscos e boa disposição à mistura, nesta que já é considerada uma família e onde todos se tratam por “companheiros”. Tânia Machado 22 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 ESTA/IPT IPT distinguido com Selos de Qualidade da Comissão Europeia A candidatura do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) ao Label ECTS e ao Label Suplemento de Diploma foi aprovada, na primeira semana de Maio, pela Comissão Europeia. Esta distinção consiste num selo de qualidade para as melhores práticas na utilização do Sistema de Transferência e Acumulação de Créditos e num selo de qualidade para o Suplemento ao Diploma, respectivamente. A par com o IPT, foram distinguidas com a Label ECTS as universidades do Minho, Aveiro e a Técnica de Lisboa. Com a Label Suplemento ao Diploma foram reconhecidas as universidades do Minho e de Aveiro. Para Luiz Oosterbeek, director do Gabinete de Relações Internacionais e professor do IPT, a distinção “é um momento importante para o nosso Instituto” e “consagra de forma transversal um grau de reconhecimento internacional”. Oosterbeek salienta ainda a “orientação prosseguida pela presidência” e os esforços dos responsáveis de departamentos, centros do IPT, directores de escolas e dos funcionários de diversos serviços, que “souberam correr para além das horas para atingir este patamar de qualidade a tempo de poder ser avaliado de forma independente e internacional”. Sara Pereira Incentivo aos estudantes de Design e Artes Gráficas Alunos do IPT organizam XIX do ARTEC Nuno Sot to-mayor Eleantino Évora e Nuno Sotto-Mayor Promover os alunos do curso de Design e Artes Gráficas do Instituto Politécnico de Tomar é, segundo Pedro Gomes, actual presidente da Artec, um dos principais objectivos deste evento que ocorre todos os anos. “Tentamos sempre, desde a primeira edição, trazer oradores que motivem os empresários a virem para partilhar experiências e a ouvirem-nos porque há sempre falhas na área do design e na própria impressão”, explica. Na XIX edição do ARTEC (Artes e Tecnologias), que decorreu entre os dias 22 e 23 de Abril, o tema centrou-se nos suportes. No primeiro dia do simpósio, os temas que mais se destacaram foram: “A empresa gráfica no Mundo da Comunicação”, conduzido por Paulo Dourado, “O papel e outros suportes de impressão”, por Rui Sebrosa e João Faleiro. Outros temas que mereceram ênfase foram temas os sobre a Serigrafia Cerâmica, que é considerada uma boa via de saída para os formandos e sobre Design de Informação, que inclusive já tem mestrado. Para a aluna, Silvia Bernardo, estes temas do primeiro dia foram interessantes e benéficos porque obriga os alunos a reflectir e “leva à transmissão de ideias, de pensamento e sobretudo, contribui para o Objectivo. Contribuir para o dinamismo e mais-valia do Design dinamismo e mais-valia do design” argumentou. O segundo dia começou com uma Mesa Redonda constituída por Guilhermino Pires e alguns convidados. “A gráfica está na impressão que se dá às pessoas e não somente imprimir”, defendeu Guilhermino Pires. Para este antigo professor do Ins- tituto Politécnico de Tomar (IPT), “toda a evolução das tecnologias passa pelo design e artes gráficas”. Da parte da tarde o designer e antigo aluno do IPT, André Figueiredo, falou de design cerâmico, João Brandão de Linguagens e suportes de vídeo digital e João Vasco Neves de signos e informação turística. Grito académico FRA! A! FRE! E! FRI! I! FRO! O! FRU! U! FRA FRE FRI FRO FRU ALIQUA, liquá, liquá ALIQUA, liquá, liquá CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ HURRA, HURRA, HURRA!!! Qual o verdadeiro significado? O grito académico, que se divide em duas partes, a Dedicatória e a Aclamação, nasceu em Coimbra, no ano de 1938, apesar de existir quem defenda que o seu berço pertença ao ano de 1969 e esteja ligado à Crise Académica coimbrã. F.R.A. simboliza Frente Revolucionária Académica ou Falange de Renovação Académica e era considerado uma arma de luta política. ALIQUA refere-se a alguém, provavelmente para chamar a atenção. CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁTÁ é uma simbologia para a alegria e folia vivida na vida académica. Apesar do significado do F.R.A. ser quase desconhecido, mesmo para quem não frequenta a Universidade este grito significa “as etapas por onde todos os estudantes universitários passam”, como diz Cleide Ramos, 18 anos. Este grito também é associado às tunas. Sofia Macedo, 25 anos, tunante e licenciada em Jornalismo, diz que as memórias que o grito académico lhe traz são positivas: “Lembro-me dos amigos que fiz, da tuna… bons momentos que vivi na Universidade”. Verónica Baptista, professora do Ensino Secundário, associa o F.R.A “aos festivais de tunas em que estive e aos bons tempos de estudante”. “A força, o orgulho, as praxes, a queima das fitas” estão também ligados a este grito, como declara Célia Jorge, 36 anos, licenciada em Psicologia Social, actualmente responsável de Recursos Humanos. Sara Rosa, 19 anos, refere a “força de triunfar, o orgulho de estar na Faculdade e a garra que une todos os universitários”. Vanessa Jorge 3ª Conferência de Design de Produtos da ESTA A educação do Design “O objectivo destas conferências é criar um espaço de diálogo, de encontro entre alunos, professores, profissionais da área e abrir a discussão do design de produtos à restante comunidade”, afirmou Mário Barros, docente da ESTA, na sessão de abertura de mais uma conferência dedicada ao design, que teve como tema principal “a educação do Design.” Esta terceira conferência contou com a presença de três docentes da Escola Superior de Belas Artes de Marselha, Frédéric Frédout, Ronan Kerdreux e Frédérique Entrialgo, e também com Sérgio Gonçalves, do Instituto Politécnico de Leiria, e Miguel Estima, do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Numa primeira parte, mais teórica, falou-se essencialmente sobre as metodologias de aprendizagem. Frédéric Frédout, responsável pela licenciatura do curso de design e espaço, falou sobre o design em ciclo curto e da “importância de ir ao encontro e ter contacto com outras realidades e outros enquadramentos.” Falou sobretudo da relação entre a luz, ar e espaço. Por sua vez, o docente Ronan Kerdreux trouxe até Abrantes uma apresentação dedicada ao ciclo longo e aos laboratórios de investigação que eles têm na Escola de Belas Artes de Marselha. Na segunda parte, mais prática, a professora Frédèrique Entrialgo apresentou aos alunos o workshop URBIC – junção de urbano e com informação de comunicação. Este prende-se com a aplicação num espaço público de um novo tipo de código de barras – código 2D – que funciona a partir do cruzamento dos códigos de barras em X e Y, que conseguem ter um maior número de informação e ter imagens, números de telefone e sítios da internet, explicou posteriormente Mário Barros. Depois das apresentações feitas pelos docentes franceses, em que Margarida Gil fez o elo de ligação, traduzindo de francês para português para que todos os presentes entendes- sem, chegou a vez da comunicação de Sérgio Gonçalves que apresentou o workshop sobre Designer em Campo, que foi feito com alunos da escola de design das Caldas da Rainha, que tentaram reabilitar várias técnicas de artesanato existentes que se estão a perder. O intuito primordial é adequar o artesanato para o design contemporâneo como utilidade prática no mundo actual. Por fim, o professor Miguel Estima mostrou o resultado prático de uma disciplina do 1.º semestre, em que os alunos do curso de design de interiores e equipamento tiveram que fazer pequenos objectos em madeira, contraplacado e contraplacado moldado, técnica que já existe desde o século XIX. Tiveram que trabalhar esses objectos desde o início: recebiam as folhas de madeira e tinham que fazer tudo até ao produto final, desde colar as folhas, fazer o molde, fazer o próprio projecto para o objecto, ou seja, ver todas as fases que um produto tem, que para um design de produto é essencial. Segundo Mário Barros, “dá trabalho, mas é tal e qual como os colegas do curso de design e desenvolvimento de produtos, que também têm aqui as oficinas e têm que pensar os objectos, a função, têm que desenhá-los à mão ou a computador, para saber todos os processos que um produto tem que ter até chegar ao consumidor final e pensar como é que podem optimizar todas essas fases. Então para os alunos é importante ver essas técnicas e perceber que o trabalho que eles fazem aqui também é semelhante ao trabalho que fazem noutros lados.” Posteriormente à conferência, o mesmo diz que estes workshops são importantes para os alunos porque “vêem em directo e no momento outras pessoas a trabalhar e novos modos de trabalho. A ideia de trabalho, de ritmo, faz com que eles tenham de reaprender outras técnicas e também de ver o que resulta melhor e como é que podem aproveitar isso no diaa-dia.” Para Licínia Gaspar e Filipe Santos, alunos do curso de DDP, por poucas que sejam as conferências que se realizam na ESTA, “são bastante importantes para uma maior compreensão e conhecimento da nossa área, aumentando, assim, o nosso saber a nível de técnicas e de formas de concepção, desde a ideia, até ao produto pré-final, dando-nos, igualmente, força para criar novas ideias e para continuar a trabalhar.” Visto a Internet ser um meio demasiado vasto e amplo, “dificulta a obtenção de informações necessárias ao nosso estudo do Design, o que estas conferências vêm a facilitar, porque temos acesso a conhecimentos mais específicos, ligados à área profissional do Design, relatados em primeira pessoa.” Por isso, alunos, professores e até mesmo os profissionais da área tiram proveito destas conferências, pois servem para “fortalecer o nosso nível de aprendizagem”, dizem Licínia e Filipe. Paula Faria 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 23 FESTIVAIS Diferentes mas todos iguais Daniela Santos As luzes apagam-se. A sala está cheia. A euforia começa. Num ambiente escuro e frio ouvem-se gargalhadas e sussurros em toda a sala. Esquisito? Nem por isso! De repente ouve-se uma voz desconhecida: “Chiu… Prestem atenção! O teatro vai começar!” Quinze minutos antes, a entrada do Cine-Teatro S. Pedro, em Abrantes, enche-se, sobretudo de crianças e de seniores, que se preparam para se divertirem com as peças de teatro feitas por jovens que, tal como diziam, são “especiais”. No programa do Festival Nacional de Teatro Especial (FNATES), que todos os anos acontece pela mão do Centro de Recuperação e Integração de Abrantes (CRIA), percebe-se de que se trata: “É arte… esta vontade de ser o mesmo e ser o outro. Abrantes é, e será sempre, o palco que envolve o público e vence essa barreira invisível do preconceito face à diferença”. Naquele momento, naquela sala, surgiria uma demonstração de que pessoas portadoras de deficiências também são capazes de fazer arte. Aqueles meninos sempre conseguiram surpreender as pessoas que por ali passavam e desta vez não ia ser diferente. “São encantadores e cada vez me sinto mais surpreendida com o trabalho feito por todos eles”, comentava Andreia Antunes, de 17 anos, que costuma acompanhar todas as peças de teatro feitas pelos actores e actrizes do CRIA. No meio de toda aquela confusão estava Manuel Alves Brites, um senhor reformado de 87 anos, preparado para “desfrutar de momentos de grande prazer”. Ainda antes do espectáculo, FNATES. A arte sem preconceitos tinha a certeza de que iria gostar de tudo o que eles fizessem. “Para eles não deve ser muito fácil decorar tantas coisas, mas mesmo assim eles estão aqui e conseguiram”. Começa a primeira peça de teatro, Café e Amor – Uma grande Palhaçada, encenada por Vítor Branco, e apresentada pela APPCDM de Setúbal, que diz que toda aquela história é “original e criada por todos” e que “o principal objectivo não é que a história tenha uma moral”. Em cima do palco estava uma pequena banca e cerca de 10 pessoas. Nada mais foi necessário para encher o palco. Os Leiria recebe Tunas Pedro Correia membro honorário da Tum’Acanénica à Câmara Municipal de Leiria, ao Instituto Politécnico de Leiria e ao Teatro José Lúcio da Silva, pelo contributo prestado ao longo destas doze edições do Real FesTA. Foram ainda nomeados Tunos Honorários o Professor João Paulo Marques, vice-presidente do Instituto Politécnico de Leiria, e o Dr. Daniel Pereira, assessor da Presidente da Câmara Municipal de Leiria, juntamente com seis outros elementos da Tuna que viram assim o seu esforço recompensado pelo trabalho que desenvolveram. A Enftuna sagrou-se a grande vencedora deste Festival ao arrecadar seis dos nove prémios em disputa, tornando-se assim recordista do número de prémios vencidos numa só edição do Real FESTA. A Enftuna venceu o prémio de melhor Porta-Estandarte, melhor Pandeireta, Melhor Solista, Tuna do Público, melhor Serenata e melhor Tuna. Os restantes prémios (melhor Pasacalles, melhor instrumental e 2ª melhor Tuna) foram entregues à TAISCTE. O XII Real FesTA é um dos festivais de tunas mistas mais importantes a nível nacional, pelo ambiente criado em volta deste espectáculo. A última edição aconteceu no primeiro fim-de-semana de Abril, em Leiria. Ainda antes das actuações em palco, a tarde foi marcada por um dos momentos mais altos do evento, o Passa Calles, que teve início junto à da Câmara Municipal e foi passando por diversas praças, ruas e avenidas, tendo a sua conclusão sido feita no Teatro José Lúcio da Silva, que foi o palco escolhido para o XII Real Festa. TAISCTE (Tuna Académica do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), Enftuna (Tuna da Escola Superior de Saúde de Portalegre), ESTATUNA (Tuna da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes), K & Batuna (Tuna da Escola Superior de Educação de Coimbra) e Instituna (Tuna do Instituto Politécnico de Leiria) foram as tunas convidadas para esta XII Real Festa. A Tuna a abrir as hostes deste XII Real Festa foi a Estatuna, que iniciou a sua Daniela Santos actuação com o tema “Prima da Chula”, dos Trovante. Contudo, o ponto alto da actuação da conhecida tuna de Abrantes foi a estreia de um poema de Bocage intitulado de “Marília Ausente”. O momento mais alto da noite foi quando a Tum’ Acanénica tocou a música “Linda Leiria” entoada por todo o público presente; um momento arrepiante que arrebatou o público e, como não poderia deixar de ser, arrancou a maior salva de palmas de toda a noite. A Tuna da casa atribuiu ainda o título de Passa Calles. Alegria contangiante nas ruas de Leiria sorrisos e as danças daqueles pequenos-grandes actores tornavam o ambiente cada vez mais mágico. As músicas repletas de ritmo e a interacção com o público fizeram com que as pessoas se sentissem mais perto deles e vice-versa. “Gostei muito de toda a peça!” Estas foram as palavras mais escutadas durante o intervalo. Lisete Neves, aluna do Centro de Recuperação Infantil de Ponte de Sôr, acrescentou: “Eu também gostava de participar porque eles estão a ser muito engraçados”. O pano volta a abrir-se. A peça apresentada pelo Centro de Reabilitação e Integração Torrejano (CRIT), “Uma formiga diferente”, “é uma adaptação de uma história dos mais pequenos em que eles depois vão construindo a história”. O objectivo era mostrar que não é necessário mudar para que as pessoas gostem de nós. Toda a preparação da peça coube aos alunos. Segundo o encenador João Paulo, “o teatro para eles é uma forma de expressão. Esta é uma oportunidade que eles levam muito a sério”, “eles têm muito cuidado” com este trabalho. Uma prova disso é a duração dos ensaios que “duravam duas horas por semana, mas duas semanas antes do espectáculo era uma hora todos os dias”, diz Samuel, aluno do CRIT, que participou na segunda peça como pasteleiro. Para ele, “participar nesta peça foi fácil”, até porque “o texto decora-se facilmente”. Foi assim que, durante seis dias, decorreu em Abrantes o Festival Nacional de Teatro Especial (FNATES 2009) e, simultaneamente, a sua primeira edição internacional, já que contou com a participação de uma grupo brasileiro, do Estado de São Paulo. “É uma troca de culturas através da arte”, diz José Roberto, do projecto brasileiro Tam Tam. Amélia Bento, do CRIA, explica que o objectivo da internacionalização é “aumentar ainda mais a interactividade.” Os protagonistas eram muitos e de todos os cantos do país. A participação de grupos de teatro constituídos por actores com deficiência é a alma deste projecto. Humberto Pires Lopes, presidente da direcção do CRIA, afirma que “ainda hoje se tenta acabar com o preconceito que a sociedade tem em relação às pessoas portadoras de deficiências”. Este festival é mais um contributo: “Pretendemos mostrar que eles podem desempenhar um papel no teatro como actores, tal e qual como outra pessoa dita normal”. Promove-se a inclusão pela arte. Este VII FNATES foi não só especial pela reacção do público, como diz Ana Machado, da Organização do CRIA, mas também porque “começa a haver compreensão e está-se a criar o hábito de participar nestas iniciativas”. O evento teve um custo de 15 mil euros, mas metade desse valor foi financiado pela Câmara Municipal de Abrantes. De resto, para além do apoio das pequenas mascotes que os espectadores foram comprando para ajudar a organização, registam-se ainda os patrocínios das empresas que acreditam no projecto. As peças acabam, as portas abrem-se e o público começa a sair. Os espectadores gostaram. “O teatro deve-se apoiar, seja de que tipo for”. “É uma boa causa”. Daniela Santos, Cláudia Ferreira, Marina Araújo e Tânia Machado X fESTA- Encontro de tunas na cidade de Abrantes Sara Daniela Costa duma Tuna especial, afilhada da ESTATUNA, a Tuna Senior da UTIA (Universidade da Terceira Idade de Abrantes). Não se dispensa um bom pé de dança e umas idas à barraca da cerveja, montada no Largo, enquanto se fala com entusiasmo do espectáculo, aguardado para as 21h e 30 no cine teatro de S. Pedro. E, tal como se deseja, a sala fica completamente cheia na ansiedade pela abertura do Pano. Pelo palco desfilam a Tuna Médica de Lisboa, a VicenTuna, a Tuma Acanénica de Leiria e a Instituna. Para finalizar o espectáculo, sabendo que a culpa de todos os males do mundo é do álcool, “Vamos todos Cantar Vamos todos Beber”, porque o veredicto dos representantes das tunas convidadas, tal como a opinião do público, é de que “este encontro é um êxito, pela sua boa organização e excelente acolhimento”. Depois da hora de jantar, a praça Raimundo Soares enche-se de movimento e música, atraindo populares que se espalham pelo meio dos trajes académicos e copos de cerveja, na azáfama do reencontro de amigos feitos noutros encontros de tunas. Dá-se assim as boas vindas ao X fESTA, um encontro de Tunas, organizado pela ESTATUNA, para a qual esta recepção é apenas um ensaio geral para o que se espera no dia a seguir. Sábado, pelas 3 da tarde, a Praça da República abrantina fica envolvida pelo som característico dos cavaquinhos e pandeiretas, as tunas preparam-se para o “Passa Calles”, uma tradição antiga vinda de Espanha, que outrora dava direito aos pobres trovadores a um prato de sopa, mas também lhes conferiu a alcunha de Sopistas. Sara daniela costa Hoje os tempos são outros, o que se pretende é a animação e simpatia dos populares que reagem, a princípio, com espanto ao romper da primeira tuna na “praça do Chave”, mas no fim aplaudem e alguns seguemna pelo resto do trajecto. Os comerciantes agradecem o “sopro de vida” que os estudantes dão à cidade. Depois da paragem no “Tonho Paulus” as tunas vão-se reunindo no “Largo do PT”. É hora da actuação Vicentuna. Os tunos cativam a atenção dos populares 24 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 PATRIMÓNIO Comunicação do Património junta alunos e professores de diferentes países Tânia Branco Mariana Azevedo O programa intensivo “Global Quality Heritage Management”, que no ano passado foi distinguido com a Medalha de Ouro para formações deste tipo ao nível europeu, decorreu, mais uma vez, no Museu de Arte Pré-Histórica em Mação. Foi entre os dias 25 de Março e 4 de Abril e o tema escolhido para este ano foi “Comunicar a cultura”. Este programa contou com a participação de alunos, docentes e profissionais vindos de outros países como Lituânia, Itália, Brasil, Espanha e Chile, assim como do IPT. Procurar respostas para a(s) forma(s) de comunicar as diferentes componentes do património foi um dos objectivos deste programa intensivo, organizado pelos professores Luiz Oosterbeek, do IPT, e Maurizio Quagliuolo, do HERITY Internacional. Vários especialistas apresentaram estratégias de comunicação, quer com os jornalistas, quer com o público em geral. Uma das conclusões a que se chegou é que cada caso deve ser avaliado na sua especificidade. Por exemplo, o momento em que se divulga um determinado achado arqueológico para a opinião pública, pode não ser o mesmo se estivermos a falar de países diferentes. Isto porque nuns casos o património descoberto po- Mação. “Comunicar a cultura” foi o tema tratado no programa intensivo “Global Quality Heritage Management” de ser alvo de pilhagens, enquanto noutros casos as populações respeitarão o achado. O programa intensivo iniciou-se com uma visita ao Vale do Ocreza, a Vila Nova da Barquinha e ao Convento de Cristo em Tomar, prosseguindo nos restantes dias com a participação de personalidades ligadas à cultura e à comunicação, de Portugal e do estrangeiro. Jorge Rodrigues, da Fundação Calouste Gulbenkian, Virgílio Correia, do Museu Monográfico de Conímbriga, e Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia, foram alguns dos convidados presentes. Esta formação contou ainda com a apresentação de painéis que eram abertos à discussão, assim como jantares e festas temáticas a fim de proporcionar o convívio entre os formandos. Para além das sessões teóricas e da apresentação de estudos de caso, este programa terminou com a apresentação de trabalhos finais pelos alunos, como forma de avaliação. A frequência deste curso correspondeu a um módulo de formação superior, atribuindo quatro créditos. A longa experiência de cooperação entre parceiros, que actuam em áreas decisivas da gestão e da qualidade do património cultural, tanto na área do ensino superior como noutras, incluindo museus e agentes de turismo, esteve na origem desta iniciativa. Simultaneamente, a formação intensiva que se realizou em Mação resultou da necessidade de estudar, proteger e disseminar o conhecimento acerca do Património Europeu que é reconhecido pelos Estados Membros e pela UNESCO. Entre as diferentes preocupações que estiveram na origem desta formação destaca-se a necessidade de harmonizar as tensões e contradições entre as duas tradicionais abordagens do património: a dos operadores turísticos (que se centram na disseminação dos conteúdos e na acessibilidade aos locais de interesse patrimonial) e a dos agentes culturais (que actuam nas áreas do estudo e da preservação). Visita à Pré-História em Mação D.R. A visita começa por uma sala, do lado direito da entrada, onde se destaca um molde horizontal que reproduz um local de escavações referente ao período do Paleolítico, no qual podemos observar algumas peças verdadeiras, essencialmente lascas retocadas em diferentes matérias-primas (sílex, quarto, quartzito). É aqui que começa uma viagem ao mundo da Pré-História. As paragens acontecem sempre que o visitante quiser: qualquer dúvida é esclarecida pela Técnica/guia. As perguntas variam em função do visitante. Uns querem saber para que servem os instrumentos expostos; outros precisam de ajuda para conseguir distinguir as gravuras feitas na pedra e representadas no museu. Margarida Morais, a técnica que normalmente acompanha os visitantes, fala da vastidão em que o Homem da Pré-História se movia. Atribui à presença de cursos de água e caça a forma como o Homem, enquanto caçador-recolector, há 50 ou 60.000 anos atrás, se deslocava pelo território. A técnica chama a atenção para um painel na parede e explica: “aqui temos um corte estratigráfico, que apresenta três camadas mais ou menos homogéneas. No topo, à superfície, observamos restos de vegetação; se descermos até ao último nível, o paleosolo, encontramos o nível arqueológico com indústria lítica”. Posteriormente, passando ao resto da sala, encontramos artefactos ligados ao quotidiano do dia-a-dia do Homem. Lascas, núcleos, raspadores, bifaces, choppers eram os diferentes objectos utilizados para caçar, para cortar carne e peles, e para raspar as mesmas, para se poder Espólio. “Os materiais encontrados são multifuncionais, sendo difícil identificar que função têm” cobrir. Margarida Morais diz que “os materiais encontrados são na sua maioria multifuncionais, sendo muitas vezes difícil identificar que função específica teriam, pois eram usados no local e deixados nos acampamentos, abandonados e reocupados sucessivamente”. Subidas umas escadinhas, entra-se numa fase distinta. Como diz a técnica, “o Museu anteriormente era completamente distinto e após a remodelação efectuada optou-se por criar um espaço com uma exposição ligada à transformação da paisagem, evoluindo em três momentos do período neolítico, desde o seu início até ao pleno Calcolítico.” Seguidamente, na visita, encontram-se expostas “peças ligadas ao espaço doméstico” do “período do Neolítico, onde se dá uma transformação física da paisagem, há mais ou menos 7.000 anos”. Ainda segundo a técnica, com a desflorestação começaram a existir os primeiros povoados, “inicia-se a agricultura e o mobiliário.” Descobrem-se peças como o machado, a enxó, os polidores e os vasos de fundo plano, “peças que fazem parte da modificação da paisagem e do quotidiano”. Aproxima-se a parte da exposição dedicada aos espaços funerários e aos seus símbolos. O machado é um símbolo neste espaço, tal como as placas de xisto, que são um símbolo de status, de hierarquia. “A placa de xisto era utilizada enquanto identificação”, atestando a emergência do status individual e anunciando o alvor das sociedades guerreiras. “Segue-se o espaço dedicado à arte rupestre, onde encontramos, circundado por três conjuntos de fotos, um molde de uma gravura do rio Ocreza”. Nas fotos do lado direito encontramos as gravuras de Cobragança, que segundo Margarida Morais, “em 2003 foram bastante danificadas pelos incêndios”, tendo ficando com diversas fracturas. Em frente encontramos “as pinturas rupestres do Pego da Rainha, situadas num pequeno abrigo, numa zona muito próxima do (rio) Ocreza.” No lado esquerdo encontramos ainda “as gravuras do rio Ocreza” que se apresentam em dois núcleos; um próximo da barragem da Pracana “ao qual correspondem as figuras antropomórficas aqui apresentadas” e outro próximo da Foz “onde encontramos o cavalo sem cabeça atribuído ao paleolítico”. No molde encontra-se, segundo Margarida Morais, “um único painel onde estão representados zoomorfos picotados”. E foi a tentar descobrir o que as figuras poderiam significar que terminou a nossa visita guiada ao mundo da Pré-História. Sílvia Carola 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 25 DESPORTO Equipa Júnior local paga para jogar Futebol Em Abrantes, ainda há amor à camisola… gonçalo reis João Vasco Nunes Corria a época de 2005/2006, e o Complexo Desportivo da Cidade de Abrantes recebia as equipas de Juniores de Benfica, Sporting e Belenenses. Tudo isto se tornara possível, visto a equipa de Juniores do Abrantes Futebol Clube ser a Campeã Distrital de Santarém na época anterior, e com isso ter ganho o “passaporte” para disputar a 1ª Divisão Nacional de Juniores, onde honrou e dignificou uma terra e um distrito. Volvidos três anos, o cenário é muito diferente. A equipa de Juniores do A.F.C., apesar de ter passado ainda mais um ano nos Nacionais, agora tem de lutar para sobreviver aos últimos lugares da tabela do Campeonato Distrital da I Divisão de Santarém. A cidade já perdera a única equipa Sénior que possuía, e agora via-se reduzida e representada apenas por duas equipas Juniores, e as duas em situação desportiva semelhante. Para Pedro Roldão, antigo jogador da equipa campeã distrital em 2004/2005, e que inclusive chegou a ser Sénior do A.F.C., isto não passa de uma “situação vergonhosa”. Para o ex-jogador, “podia-se ter construído uma boa equipa, e nada disso foi possível devido às rivalidades existentes entre Abrantes F.C. e Sport Abrantes e Benfica”, dizendo ainda que, “é impensável haver duas equipas de Juniores, porque no meu tempo estavam os melhores jogadores juntos numa equipa e conseguíamos bater-nos sempre pela subida de Divisão”. O jovem classifica esta situação de “desonra para a cidade”, e agora as duas equipais colhem os frutos da rivalidade. O pôr-do-sol estava a chegar e, à zona circundante ao Estádio Municipal de Abrantes, chegam A.F.C. Os jogadores lutam com a esperança de conseguir um futuro melhor e de concretizar o sonho de criança dois jovens com as suas mochilas de treino às costas. São juniores do Abrantes F.C. que vinham para o treino, mesmo não sabendo se este era “às 8 ou às 8 e meia”. Nem sabiam se era “ no Estádio ou no sintético”. A conversa espelha um pouco a época atribulada que esta equipa atravessa. Mais tarde chega a notícia que o treinador da equipa, por motivos profissionais, não pode comparecer ao treino. Treino esse que conta com a presença de apenas oito atletas e é dirigido pelo Capitão de equipa com a ajuda do Senhor Mário da Mouca que, fora das quatro linhas, vai soltando uns gritos de incentivo ao conjunto. O Senhor Mário da Mouca, o delegado ao jogo, fala das dificuldades que a equipa atravessou esta época. “Não temos meios financeiros, não temos ninguém que nos apoie. Os nossos dirigentes abandonaramnos completamente”. O delegado da equipa Abrantina vai mais longe, adiantando que “os jogadores e os pais dos jogadores é que pagaram as inscrições. Os nossos Presidentes garantiram-nos que não haveria problema e tinham o dinheiro para as inscrições, mas à última hora deitaram-nos completamente para a sarjeta”. Algumas destas palavras foram corroboradas pelo treinador Pedro Santos. O “Mister” revelou que a época tem sido “extremamente complicada”, tendo apenas 15 jogadores inscritos, e falando também na situação das inscrições pagas pelos pais. Apesar de tudo Pedro Santos também realça aspectos po- sitivos do trabalho desenvolvido por si e pelos seus: “Temos superado as expectativas”. A direcção do A.F.C., pela voz do Vice-Presidente para o Futebol, David Ferreira, fez questão de esclarecer que o mandato da actual direcção acaba em Junho, e os membros não querem dar seguimento ao trabalho realizado até aqui, mas mantêm as portas abertas para ajudar quem os quiser suceder. David Ferreira explica que o grande objectivo da Direcção sempre foi o Futebol Sénior, e após o castigo de dois anos aplicado ao A.F.C., impedido de inscrever a equipa Sénior, não vêem razão para continuar, revelando que esta situação também os tem prejudicado a nível pessoal. O membro da Direcção fez ques- tão de realçar que os Sócios são soberanos e adianta desde já que, em momento oportuno, será convocada uma Assembleia Geral para discutir o futuro do clube, que por entre outras hipóteses até poderá passar pela extinção, se assim for a vontade dos sócios, face ao castigo já anteriormente referido. Relativamente à equipa Júnior, David Ferreira explica que, por vontade da Direcção, “a época não tinha começado”, visto que para eles “não fazia sentido algum”, até porque o foco das intenções ter sido sempre o Futebol Sénior. O Director vai mais além e afirma que “a vontade de levar o projecto avante foi dos pais”, e contraria as declarações de Mário da Mouca e Pedro Santos, dizendo que “o Clube não contribuiu para as inscrições, mas eu (Vice-Presidente) e o Presidente nas nossas pessoas, demos uma contribuição, assim como os pais”, adiantando, inclusive, o valor: “1200 Euros”. O treinador confessa que já pensou algumas vezes abandonar o barco, mas os compromissos assumidos perante os jogadores fazem com que nunca avance para tal. “Já estou ligado a eles há cerca de um ano, e prometi-lhes que não os abandonaria, porque se isso acontecesse iriam ter que parar de competir, e para isso não acontecer, aguentei o barco, mesmo sendo muito complicado”. Assim se vive o Futebol na Cidade de Abrantes com esperança de dias melhores, e sem uma referência a nível futebolístico. É assim, com mais ou menos dificuldade, com rivalidades à mistura, com multas por falta de pessoas inscritas no banco de suplentes, com discordância entre dirigentes, com todo este lado negro do futebol à vista, que estes jovens levam vidas de heróis, em busca do sonho de qualquer criança: jogar à bola. Abrantes recebe campeonato de rugby Alison Silva Nuno Sotto-Mayor O Complexo Desportivo de Abrantes recebeu, dia 26 de Abril, a 4ª jornada do Torneio de equipas emergentes. No total estiveram no local 71 atletas e disputaram-se ao todo doze jogos, sendo que cada uma das equipas jogou três jogos. As equipas que participaram neste campeonato foram a equipa da casa (Abrantes), Viseu, Bairrada e Marinha Grande. No final, quem saiu vitorioso deste campeonato foi a equipa da casa (Abrantes), seguida da equipa de Viseu, Marinha Grande e Bairrada. Houve também espaço para se Rugby. Um desporto enriquecedor que tem grande importância para a população abrantina realizar o torneio dos Sub 14 e Sub 16. A equipa dos sub-14 ganhou a equipa da Moita nos dois jogos que disputaram com Abrantes por 50-5 e 50-10. Os Sub-16 perderam contra a equipa da Vila da Moita por: 10-60. Rui Carvalho, director regional da Federação Portuguesa de Rugby, afirma que este campeonato tem muita importância para a cidade de Abrantes, uma vez que esta modalidade é muito enriquecedora, quer para os participantes quer para as crianças que estão a iniciar agora, e também para a organização que recebe este evento. Este projecto recebe ainda o apoio dos encarregados de educação dos jovens atletas. 26 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009 CONTO Um dia e uma noite Conto de Noélia Barradas O dia já passou, mais um dia e aqui estou eu, sozinha no meu pequeno T0 (prefiro chamar T0, é mais bonito que cubículo) a fazer zapping nos 302 canais que não me fazem mais feliz, mas que pelo menos prolongam a busca pelo programa ideal. Hoje, para mal dos meus pecados, terminei os relatórios mais cedo e nenhum dos meus colegas necessitava de mais café, odeio quando isto acontece, para quê vir para casa mais cedo? Não tenho nada à minha espera, nem um raio de um animal de estimação posso ter neste espaço, o mais certo seria morrermos de claustrofobia, até as plantas me negam o prazer de as possuir, aqui não entra sol, maldita cave… cave … qual cave, isto é um raio de um bunker. Televisão, ora vamos lá ver… noticiários = chato, telenovelas = decadência, séries = sangue, tele vendas = bater no fundo… Raio de vida que arranjei, esta ideia de ser independente é muito bonita, é tão bonita que todos deveriam desconfiar, deixei universidade, amigos, família para ganhar uma fantástica, maravilhosa, deslumbrante… vida sozinha! Num bunker para apenas uma pessoa, com vista para as facturas por pagar. Cristel relaxa e olha para a televisão, como é que posso relaxar se até o meu nome me custa pronunciar C R I S T E L, até o nome é triste, como é que eu posso criticar as risadas? Não posso…parece mesmo nome de estrela porno ou cantora pimba…grrrrrrrrrrrr. Vou esquecer a televisão, não dá, são 20 horas, talvez seja melhor preparar o jantar, hoje vai ser… vitela com quatro queijos, graças a deus que pelo menos isso sei fazer, cozinhar é um dos meus dons, as férias com o Tomás serviram de alguma coisa, apesar de ser um martírio a sua conversa acerca dos bens da vida militar, as dicas de cozinha ficaram para toda a vida. Magnífico o jantar e felizmente almoço de amanhã, estou contente, tão contente que não fico mais um segundo emparedada neste caixão que é a minha casa. A noite está fria, mas ao contrário do que é normal, a sensação é agradável, faz-me sentir viva, o vento parece que nos irriga o corpo de uma energia avassaladora, ainda não sei qual é o meu destino, mas estou a amar o percurso. Cinema não é o que procuro, bares também não se encontram nos meus planos, apesar de o caminho ser agradável, terei de me decidir por um local onde passar algumas horas, caso contrário ficarei congelada como as postas de pescada que jazem na minha arca frigorífica. Teatro, teatro, é isso, apetece-me ir ver uma peça. Aquele cine – teatro parece-me ideal, a sua fachada é realmente fabulosa, a delicadeza dos adornos com os seus tons dourados, criam a ilusão que nos dirigimos para uma gala onde por uma noite somos o centro das atenções. A peça em cartaz condiz com a fachada do cine teatro, passados cinco meses vou conseguir ver, no cartaz já não existe a dura e odiosa palavra ESGOTADO. O ambiente no teatro é de solenidade e respeito pelo texto e actores, toda a plateia parece hipnotizada e conduzida pelos diálogos, sinto-me bem no meio desta gente que nada me diz, eles compreendem. Acendem-se as luzes, limpo as lágrimas do rosto e contenho o riso que ainda me está entranhado na garganta, há tanto tempo que não via nada tão envolvente, risos e lágrimas a ponto de soluçar, se soubesse que a peça era tão boa, decerto que já teria adquirido os bilhetes, era bem mais proveitoso que procurar canais e descobrir mais um sinónimo degradante para o T0. Os espectadores rumavam para a saída tão ordeiramente, que mais parecia um rebanho de Zombies a abanar a cabeça e a dizer “Yes Master”, eu própria fazia parte deste rebanho, a peça tinha sido magnífica. No meio da multidão, lá estava eu feliz, mas sozinha, como pude constatar após a espera quase eterna para reaver o meu casaco enclausurado no bengaleiro, todos estavam acompanhados, amigos, famílias, casais, começo a pensar que o universo está contra mim e contra todas as pessoas que não possuem ninguém por perto além da própria sombra. -Que frio, raios partam! Já não acho tanta piada ao regresso a casa, afinal os graus agora são negativos, as pontas do meu corpo estão a ponto de se partirem, pontas dos dedos, do nariz, das orelhas… - Ei! - Menina! Olhe, desculpe, sim a senhora! Olho para trás, ainda pensando no frio que ameaçava o meu corpo e mente, e vejo uma senhora/homem, deve ser o frio que não me deixa descodificar o sexo das pessoas. O meu cérebro atingiu os zero graus. - Boa noite! Disse eu um pouco embaraçada - Mais uma vez peço desculpa pelo incómodo, mas a senhora tem o meu casaco, aliás eu tenho o seu! - Deve ser engano, o casaco que tenho vestido é o meu, eu conheço as minhas coisas! Neste momento mais que a preocupação de dizer que o casaco me pertencia, era de não mencionar qualquer tipo de sexo na frase… para mim esta frase era para um Hermafrodita, apesar de olhar fixamente a pessoa em questão e ainda não conseguia dizer se era homem ou mulher. Entretanto o estranho/estranha insiste: - Passo a explicar, a menina esteve no teatro ainda há pouco e creio que houve uma troca de casacos no bengaleiro, encontrei a sua carteira no bolso interior, e se procurar no casaco que veste, encontrará as minhas chaves e algum dinheiro. Pensei um pouco, e realmente apesar de ser igual ao meu casaco, este é um pouco maior e raios… começo a sentir o volume das chaves! Será melhor realizar a troca quanto antes, dirijo-me à pessoa. - Perdão pela minha desconfiança, mas o casaco é realmente igual, só daria pela diferença em casa, faça favor! Entreguei o casaco e recuei na esperança que a pessoa fizesse o mesmo. - Não tem de quê, apesar de tudo foi apenas uma confusão, espero que não tenha sido brusco consigo, imagino que se deva ter sentido um pouco desconfortável, a estas horas ser abordada por alguém a pedir algo que lhe pertence! Já agora qual a sua graça? - Acredite que é mesmo uma graça, o meu nome é Cristel. E o seu? Já sabia! Disse o meu nome e o hermafrodita com o meu casaco vestido esboçou aquele sorriso, mais uma sessão de gozo, logo hoje que a noite estava tão agradável. - Desculpe novamente, é que achei piada ao nome, é que aqui o transexual sou eu, e o seu nome podia ser meu! O meu nome é Madona. Agora a vez de rir foi minha - Madona? Eu até suporto que gozem com o meu nome, mas alguém chamado Madona não! Desatámos os dois a rir, acabara de esbarrar com uma personagem tirada de um filme alternativo, mas, que por razões que eu e o mundo desconhecemos, simpatizei. Simpatizei de tal maneira que me apeteceu conhecê-la melhor, afinal de contas o que é que eu tinha a perder? Não conheço ninguém. - Olhe, já que temos tanto em comum (o casaco e o nome engraçado), posso convidála para um chá ou um café? Nunca falei com a Madona! Aceite o convite, começamos a caminhar em direcção a um bar muito conhecido pela qualidade e variedade de chás, apesar da aparência bizarra, Madona era bastante agradável, a sua voz era dócil e meiga, transpirava paz. O caminho até ao bar fez-me perceber que aquela personagem divertida vinda de um filme de Hollywood poderia tornar-se em grande amiga, uma grande companhia para a solidão em que tenho vivido durante todos estes longos meses. Pedimos o chá entre gargalhadas, a sua companhia é realmente relaxante, já consigo me abstrair da quantidade exagerada de base entranhada nos seus poros e das sombras verde fluorescente que lhe emolduram os olhos, afinal tudo é uma questão de hábito. O chá foi servido e parece que apenas eu é que me conseguia abstrair da quantidade de maquilhagem, reparei que todos no bar nos olhavam de um modo estranho, principalmente os homens, acho que se sentem afectados na sua virilidade ao verem um dos seus transformado em mulher. Madona sabia que eu já tinha reparado que todos olhavam para ela, pela pior das razões ela sabia na pele o que era ser tratada como uma aberração, percebi desde logo a sua necessidade em esconder o desconforto, foi então que decidi perguntar: - Eu sei que isto deve ser difícil para ti, estes olhares, mas porque é que tens peito e te vestes como uma mulher? - É a mesma conversa de todos os que querem mudar de sexo, desde pequeno que sabia que não me encaixava no corpo de um homem e que no fundo era uma mulher, o crescimento só me fez acentuar essa ideia e hoje em dia só me falta a operação para mudar de sexo, é simples e acredita que para mim esta pergunta não é difícil, é muito fácil, eu sei o que quero. Apesar da resposta sincera e descontraída, o silêncio voltou a instalar-se entre nós, mas correndo o risco de parecer egoísta, precisava de saber o que ela achava dos olhares dos nossos colegas de bar. - Madona, ouve lá, eu percebo que tu estejas segura do que queres, mas e estes olhares e reprovações não te fazem recuar ou pensar que se calhar não vale a pena? - Antes faziam, mas isso é passado! O tempo em que estava reprimido já passou e hoje ergo a cabeça e continuo o meu caminho. Já viste na mulheraça que me transformei? Apenas me julgam por eu ser diferente, as pessoas têm medo do que não conhecem, acredita que é assim. Esta reprovação não é contra mim, a reprovação é contra o desconhecido. A sua maneira de encarar a vida era sem dúvida bem melhor que a minha, se alguém me olhasse desse modo já me teria levantado e pedido um monte de satisfações. Esta mulher era uma Mulher como M grande. O chá estava óptimo e a conversa ainda melhor, já passava das 3 da manhã quando olhei para o relógio e reparei o quão tarde era, estava na hora de partir, despedi-me de Madona (antigo Carlos Francisco, optou pelo nome Madona devido ao fetiche desenfreado que nutre pela estrela com o mesmo nome) e rumei a casa. O sono apoderou-se de mim antes de subir ao elevador que me transporta ao fundo da terra, enfim à minha cave. Abri a porta e o sono levou-me até à cama, os lençóis estavam quentes e então percebi que a minha vida não é patética, eu é que sou patética, afinal tudo está no sitio, afinal nada é assim tão mau, numa só noite descobri que posso ir sozinha ao teatro, que posso conhecer pessoas, que o bizarro é afinal normal, que a minha casa é pequena mas bonita, sei cozinhar… que dia ou melhor que noite! A noite em que eu descobri uma amiga num transexual e uma aberração em mim, afinal eu posso ser quem eu quiser, mas ao contrário disso limito-me a estar parada à espera das respostas com um comando de televisão na mão e a atirar fora a possibilidade de criar as minhas maneiras de ser feliz. Enfim… o meu nome Cristel e basta. Amanhã vou trabalhar, apesar de não ter a certeza que chegue a horas de manhã, tomara que saia mais cedo…antes de adormecer abri a agenda e escrevi: Às 17 horas, lanche com a Madona. 29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 27 CRIATIVIDADE O menino e a menina Bom Dia! m menino olhou para uma menina e viu o seu reflexo nos seus olhos. “Ouá”, disse ele timidamente. “Ouá”, respondeu ela. Ficaram em silêncio uns momentos e deram as mãos. E de mãos dadas passearam e passearam. Passou por eles um casal de adolescentes aos beijos que os olhou com curiosidade, mas as crianças não ligaram. Os adolescentes entraram num carro e tiveram sexo, e o abanar e chiar do carro despertou a curiosidade das crianças. Olharam por alguns momentos, e depois fitaram-se mutuamente enquanto os gemidos se propagavam no ar. Quando os gemidos se tornaram mais intensos, a rapariga beijou o rapaz na face e ambos prosseguiram caminho de mãos dadas. O som do carro a afastar-se passou despercebido e, enquanto caminhavam, a rapariga olhava o ar forte e corajoso do rapaz, no seu glorioso perfil recortado pela luz do Sol tombante no horizonte. “Tás bonito”, disse ela de olhos arregalados, mas o rapaz não pareceu notar nenhuma diferença em si. “Não, tu é que ‘tás bonita”, e sorriu. Uma mulher bem vestida caminhou furiosamente rua abaixo na direcção contrária em que o casal de crianças seguia. Parecia bufar, mas nada disse. Ao longe, os sons de um homem ouviram-se no horizonte sem se perceberem muito bem o que eram e a quem se dirigiam. “Que che pacha, senhôua?”, perguntou a rapariguinha, pondo-se à frente da mulher que agora se havia sentado num degrau. “Oh, nada, nada. Está tudo bem, crianças, não se preocupem. Vão brincar, vão.”, disse a mulher, tentando disfarçar o nervosismo e o medo interior com um largo sorriso. As crianças ergueram os ombros uma vez e seguiram caminho. Desta vez foi o menino que reparou na menina. “’Tás bonita”, disse, tocando o dedo indicador direito com o esquerdo e olhando para baixo. “Obigado”, disse a menina toda contente, apertando a mão do menino com mais força. Já estavam a chegar ao cruzamento ao fundo da rua, quando passou por eles um casal de idosos, abraçados um ao outro e a sorrirem calorosamente. As crianças apertaram-se uma na outra com tanta, tanta, tanta força que mal podiam respirar, e separaram-se no cruzamento. o longo da vida conhecemos um número incontável de pessoas. E contactamos com muitas mais. Apesar de sermos tantos e cada vez mais, a nossa sociedade sofre da “síndrome da solidão”. Esta é uma síndrome tanto maior, quanto maior for o meio em que nos encontramos. Nas aldeias, ou mesmo nas cidades mais pequenas, ainda se ouve um “Bom dia!” na boca de um velhinho, que passeia o cão, ou de uma senhora de meia idade sentada num banco de jardim. Porém, cada vez menos. Nos grandes meios, basta pensarmos no caminho para o trabalho. Das 500 pessoas com que nos cruzamos até à entrada do trabalho, mais de metade estão caladas. As restantes estão ao telemóvel ou apenas falam com pessoas conhecidas que tomam o mesmo rumo. Aquele gesto bonito que toda a gente aprecia não é tomado por ninguém. Confesso que também eu peco aí. Conhecendo os dois meios, às vezes fico na dúvida. Olho para as pessoas e imagino o que pensariam se eu lhes desejasse um bom dia. O mais provável seria responderem, alguns indiferentes, outros espantados. Talvez alguém sorrisse, dizendo “Estou mesmo a precisar”. Mas acho que as pessoas têm medo do que pode ser a reacção de um estranho, perante um comportamento que um dia foi tão comum. Mesmo assim, às vezes (menos do que eu acho que deveria) arrisco e surpreendo-me na maioria das vezes com um simples “Bom dia!”, sem interesse como resposta. Às vezes usamos a indisposição ou o facto de ainda nem termos bem acordado como desculpa e eu sou mais uma vez suspeita. Mas a experiência diz-me, ou quase que grita todos os dias, que sempre que desejo um bom dia a alguém com um sorriso no rosto, por forçado que seja, o meu dia corre melhor e esse sorriso deixa de ser tão forçado. De facto, se todos disséssemos “Bom dia!” a todas as pessoas, andar nas ruas seria um verdadeiro cântico. Talvez só assim as pessoas fossem mais felizes. Talvez seja este o passo para conhecermos mais pessoas, no verdadeiro sentido da palavra. Talvez seja este o passo para o fim da solidão. U A Alison Silva Renato Lopes Uma noite no Céu Insónia R espiro fundo, recebendo, no rosto, o vento do fim de tarde. Há aquele não sei quê no ar, tão característico de um anoitecer tardio de Verão, em que uma pessoa olha pela janela e pensa: “Como seria bom sair”. Obedeço a esse pensamento, pego nas chaves do carro e saio porta fora, feliz por estar vivo, por ser livre. O vento entra pela janela aberta enquanto conduzo estrada fora, sem rumo, sem destino, sem obrigações. O cheiro a mar, a areia, a praia e a Verão bate-me na cara e eu sorrio. Minutos depois ando pelo areal, grãos de areia enfiando-se entre os dedos dos meus pés descalços, as sapatilhas penduradas no meu pescoço pelos atacadores. Tinha-as tirado e dobrado as calças até ao joelho, por isso, é com um sorriso que deixo que a água do mar me lamba os pés. É uma sensação libertadora e, com uma alegria quase infantil no peito, rio-me sonoramente. Olho para cima. As primeiras estrelas começam a surgir. Na realidade, Vénus já me sorri há bastante tempo e agora juntam-se-lhe as suas irmãs. Dispo-me, lanço a roupa para a areia seca e mergulho. A água está fria, mas após algumas braçadas sinto-me quente, um peixe dentro de água, se não parece cómico. Suspiro, nado, nado e finalmente saio da água, correndo pelo areal para me secar. O vento sopra, gelado e, finalmente seco, visto-me e deito-me na areia. O telemóvel toca, quebra o som das ondas na areia, mas eu não atendo. Sou livre. O telemóvel cala-se. Mas volta a tocar. A rotina repete-se, uma e outra vez. Finalmente sento-me e atendo. “Vem para casa!” Anuo e enfio-me no carro. A casa parece silenciosa quando estaciono o carro, porém, gritos partem da janela quando o desligo. Pouso a cabeça no volante, os meus braços cheios de nódoas negras cruzados acima de mim. Respiro fundo e preparo-me para encarar o inferno. S ão 3 horas e 33 minutos. Que raio de hora, tarde como tudo e ainda repetitiva. O sono tarda em chegar; para passar o tempo, vejo como é tão doentio o ser humano. De todas as maneiras. Um homem com quem não tenho nada a ver, nem talvez nunca quisesse ter - e infelizmente os meus momentos de fraqueza foram demasiados - desafia-me para eu ir à porta de minha casa. Conversar, diz ele. Apenas um exemplo entre muitos. Caixa de e-mail. Insistem em me enviar mails de publicidade a sites pouco recomendáveis a quem queira manter a sua saúde sexual-mental intocável. Cambada de doentes... Nem sequer na típica incursão nocturna pela cozinha consigo desligar-me. Pego numa gelatina pré-fabricada, pré-mastigada, pré-digerida, abrir a embalagem, comer e deitar fora, ecoponto amarelo; cheia de E’s e aditivos. Será que se comer muita gelatina fico mutante, ganho cor amarela? Os chineses comeram muita gelatina. Os pensamentos voam mais rápido que a velocidade de compreensão. Penso mais rápido do que penso? Volto ao computador. Mais um mail. Visita site de tal para veres mais filmes snuff como este. Imagens bloqueadas para sua protecção. Boa, vou conseguir dormir esta noite. Falo deste estado frenético a alguém de quem nem sei o nome. Mete mais meio e isso passa. Andas a meter os ácidos errados. Não me meto nisso, quero manter a minha saúde mental por mais uns anos. Rio-me quando me apercebo que já não resta muito. A minha mãe manda-me calar por me rir a estas horas, por não estar a dormir. Desligo. Suspiro. Respiro fundo. E agradeço por me teres mostrado alguma normalidade na vida. Shut off. Cama. São 3 horas e 44 minutos. Continua repetitivo, este relógio, esta vida. Marina Araújo ilustração de sara pereira Sara Pereira Sexta-Feira, 29 de Maio de 2009 Armindo e Loeb heróis do Rally de Portugal esta J O R N A L Texto e Fotos de Gonçalo Reis São dez para as 6h00 de domingo em Albufeira. O sol ainda não raiou e o único sinal de vida àquela hora é um grupo de ingleses embriagados, que cortam o silêncio da noite com risos histéricos. Poucos minutos depois, Hugo, Tiago e Eduardo Gomes apressam-se a sair do apartamento que alugaram nesse fim-de-semana. O seu destino: mais uma especial classificativa do Rally de Portugal. O primeiro piloto na estrada, o penta campeão mundial Sébastien Loeb, faz a sua primeira passagem na zona de espectáculo do Barranco do Velho às 6h50 e o percurso até Loulé ainda é longo. Além disso, têm de contar com quase três quilómetros a pé, serra acima, em “caminhos de cabras”, como dizem, em tom jocoso. “De manhã vemos um troço, almoçamos e depois à tarde vamos ver outro. Há que aproveitar ao máximo”, afirma Hugo, de olhos postos no GPS. Apesar de ter perdido a mística que tinha nos anos 80 e 90, o Rally de Portugal continua a ser um dos melhores ralis do actual calendário do WRC (Campeonato do Mundo de Ralis). Embora actualmente já não se dispute no Norte e Centro do país, mas, quase exclusivamente, no Algarve, o público continua a acorrer em massa, vindo não só de Portugal, mas também de Espanha e do Norte da Europa. Apesar do gosto por este tipo de prova, muitas pessoas fizeram questão de mostrar o seu desagrado em relação à organização, sobretudo pela fraca possibilidade de circulação. A liberdade de movimentos, para os espectadores, era pouquíssima, uma vez que se encontravam restringidos às chamadas “Zonas de Espectáculo”, onde os soldados da Guarda Nacional Republicana e vários “Marshalls” mantinham em ordem o público que marcou presença. Na verdade, e embora se compreenda o desagrado do público, só através deste apertado controlo se consegue evitar uma tragédia como a que se sucedeu há 23 anos, em Sintra, quando um Ford Rally de Portugal. O público, eufórico, não deixou de apresentar as suas críticas em relação à organização e à fraca possibilidade de circulação RS200 desgovernado matou três espectadores. De ano para ano, a organização parece levar cada vez mais a sério a sua missão de controlar o melhor possível o efusivo público português, e, até, diminuí-lo em número. “Isto é feito para as televisões, quanto menos público melhor para a organização,” desabafa Raúl Cardoso, “Marshall” no Rally de Portugal. O pó foi também uma constante ao longo das 17 especiais classificativas que constituíram o Rally de Portugal. Esta foi, aliás, uma das maiores adversidades para os pilotos e nem mesmo o vencedor, Sébastien Loeb, escapou à onda de pó quando, na 1ª etapa do rali, se viu envolto numa nuvem de pó que, por momentos, o impediu de ver o troço. Apesar desse pequeno percalço, o francês dominou durante a 2ª e a 3ª etapas do rali, sem dar hipóteses a Mikko Hirvonen, em Ford Focus, que nada pôde fazer para contrariar o andamento de Loeb, que, no fim do 2º dia, já detinha uma vantagem confortável. A sua vitória foi consumada na derradeira super-especial do Estádio Algarve, onde uma massa humana de cerca de 40 mil pessoas marcou presença para aplaudir os vencedores e vencidos deste importante evento desportivo nacional. Quem mais tinha razões para festejar e ser aplaudido era mesmo Sébastien Loeb, mas foi, sem surpresa. o piloto nacional Armindo Araújo, vencedor do agrupamento PWRC (reservado a carros de promoção), que mais aplausos recebeu do público presente no estádio. Durante dois minutos só se ouviu: “ARMINDO, ARMINDO, ARMINDO”. Esta é a imagem que fica da edição de 2009 do Rally de Portugal: um piloto feliz e eufórico, que em cima do tejadilho do seu carro, de bandeira de Portugal às costas e de punhos erguidos no ar, celebra “a sua vitória, do seu campeonato”, ovacionado por milhares de portugueses. Em suma: um tremendo sucesso!
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