a loucura do Japão - Instituto Politécnico de Tomar

Transcrição

a loucura do Japão - Instituto Politécnico de Tomar
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Festivais de Tunas
daniela santos
P. 23
D i r e c to r a : H á l i a co s ta s a n to s
www.esta.ipt.pt
www.nyb.pt
N.º 19 . Ano 7 . sexta-Feira, 29 de maio de 2009
Entram homens
e saem mulheres
alison silva
Ainda não são muitas as pessoas que
frequentam bares e casas de espectáculo
conhecidas por terem, na sua maioria,
clientes homossexuais. No Paradyse
Bar, em Torres Novas, qualquer um pode
entrar e ficar. Basta que cumpra com a
regra do respeito. Num cubículo atrás do
palco, os artistas entram homens e saem
mulheres. Põem maquilhagem, vestem
roupas femininas, calçam sapatos
de salto alto e colocam adereços.
Transformam-se e dão espectáculo.
Entre outras coisas, querem
mostrar que os homens também
têm um lado feminino.
Faculdades de Medicina
precisam de corpos
O “arreigado culto dos mortos” faz com que sejam
poucos os portugueses que decidem doar o seu corpo para, depois da morte, ser usado para investigação
científica. Sem corpos, torna-se difícil praticar uma das
“capacidades indispensáveis” dos médicos: a observação.
As faculdades de Medicina Porto, Coimbra e Lisboa conP. 8
tinuam à espera de mais “actos generosos”.
Cruz Vermelha sem alimentos
para distribuir em Abrantes
Em Abrantes, a distribuição alimentar feita pela Cruz
Vermelha terminou. Os apoios dos supermercados do
concelho, que permitiam ajudar pessoas carenciadas, acabaram
ou, então, diminuíram de tal forma a quantidade de entregas,
que o fim da distribuição aconteceu. Do último dia de entrega
de alimentos fica o desalento. Aos voluntários também pesa a
decisão de acabar com a distribuição.
P. 9
P. 14 e 15
ESTA recebe prémio de Jornalismo
“Por que votamos?” é o título da reportagem, produzida por três alunos
de Comunicação Social da ESTA, que
venceu a primeira edição do Prémio
Nacional de Jornalismo Universitário
(PJNU) na categoria de televisão. Alison Silva, Nuno Pinto e Sara Pereira
trouxeram para Abrantes um prémio
que reconhece a dedicação de todos os
alunos e o apoio dado pela instituição
que frequentam.
Ao longo de 18 minutos, os três jovens
lançam um conjunto de perguntas a cidadãos abrantinos, do meio rural e do
meio citadino, que permitem compreender a importância que os eleitores dão
ao direito de voto. Fazendo o necessário
contraponto, entrevistam o presidente da
Câmara de Abrantes, que vai respondendo
às questões dúvidas e críticas daqueles que,
ao longo dos últimos anos, foram por ele
governados.
Privilegiando a informação diversificada, o ritmo e a aposta na imagem, a reportagem que Alison, Nuno e Sara produziram será difundida no Parlamento Global,
da SIC (www.parlamentoglobal.pt). Este
reconhecimento é uma das componentes
dos prémios que os alunos da ESTA receberam. Para além disso, receberam um
curso de formação de televisão no Centro
Protocolar de Formação Profissional de
Jornalistas (Cenjor).
A entrega dos prémios aconteceu no
dia 8 de Maio, na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Para além de
estudantes e de docentes, estiveram também presentes representantes de várias
Organizações Não Governamentais, que
atribuíram dois prémios para além das
categorias específicas de Televisão, Imprensa, Rádio e Multimédia.
A loucura
do Japão
P. 17
PUB
Avenida D. João I, n.º270 Abrantes
| ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
esta
J O R N A L
E statuto
Editorial
A qualidade longe dos centros
Hália Costa Santos
e dito r ial
O Prémio Nacional de Jornalismo Universitário (PNJU) é uma
iniciativa de um grupo de alunos de Comunicação Social da
Universidade Nova de Lisboa, que pretende mostrar o trabalho
feito pelos estudantes de Jornalismo a nível nacional. Criaram
diferentes categorias e definiram um tema: “Direitos Humanos
e Cidadania”. Contactaram a ESTA, como contactaram outras
instituições de ensino superior, convidando-nos a divulgar o
concurso e a estimular os nossos alunos a participarem. Apesar
do tempo já ser curto, os futuros jornalistas que estudam
em Abrantes arregaçaram as mangas, escolheram os temas
e lançaram-se ao terreno.
Quando chegou a notícia de que a reportagem de televisão
da ESTA era finalista do PNJU foi a alegria geral. Participar era a intenção, mas estar na fase final era um especial
motivo de orgulho. Quando, no momento dos prémios, o
nome dos nossos alunos foi pronunciado, a alegria foi ainda
maior. Alison Silva, Nuno Pinto e Sara Pereira venceram
na categoria de televisão com a reportagem “Por que votamos?”. Estava provado que, fora da capital, a qualidade
de ensino superior na área do Jornalismo também existe!
Concretamente, que esta qualidade existe na ESTA.
Os prémios foram entregues depois de um painel onde se
discutiu a (Des)Centralização do ensino do Jornalismo.
Na discussão ficou bem patente que os alunos de Comunicação da ESTA, apesar de estarem longe dos “locais onde
tudo acontece”, têm tido, ao longo dos anos, oportunidades
de aprendizagem que nem sempre são proporcionadas aos
alunos da capital ou de outras grandes cidades. A aposta no
“saber fazer” concretiza-se todos os dias, aproveitando todas
as oportunidades.
As parcerias com as instituições da região são sempre excelentes
momentos para os alunos aprenderem no terreno, praticando
aquilo que aprendem nas aulas. Aliás, algumas das parcerias
são bem visíveis ao longo desta edição do ESTAJornal, destacando-se a participação dos nossos alunos no exercício militar
Rosa Brava, nas Jornadas de Urologia e no XIX Artec. E para
que estas oportunidades sejam agarradas, o apoio incondicional
dos dirigentes da ESTA e do IPT em sido determinante.
O prémio de televisão alcançado pela Alison Silva, pelo Nuno
Pinto e pela Sara Pereira é um estímulo para eles, para os
colegas, para os docentes que os acompanharam e para todos
os outros que, diariamente, fazem da ESTA uma escola que,
ao completar dez anos, já marca pela diferença. Há uns anos
atrás, noutros pontos do país, tínhamos que explicar o que
era a ESTA, que cursos tinha e que projectos desenvolvia.
Este prémio, que se junta a outras distinções alcançadas por
outros alunos desta Escola, comprova que o trabalho está a ser
reconhecido. Não somos mais, nem somos menos. Mas fica,
mais uma vez, comprovado que no interior também há gente
de primeira categoria.
•O ESTA é um jornal de Escola, de pendor
assumidamente regional, mas que nem
por isso abdica da dimensão de um órgão
de grande informação ou da ambição de
conquistar o público para além do meio
universitário.
•O ESTA Jornal adopta como lema e
norma critérios de rigor, de absoluta
independência e de pluralismo dos
pontos de vista a que dá expressão.
•O ESTA Jornal aposta, por isso, numa
informação plural e diversificada,
procurando abordar os mais diversos
campos de actividade numa atitude
de criatividade e de abertura perante a
sociedade e o Mundo.
•O ESTA Jornal considera como parte da
sua missão contribuir para a formação
de uma opinião pública informada,
emancipada e interveniente - condição
fundamental da democracia e de uma
sociedade aberta e tolerante.
•
A democracia participativa e entendida
para além da sua dimensão meramente
institucional, o pluralismo, a abertura e a
tolerância são os valores primaciais em
que se alicerça a atitude do ESTA Jornal
perante o Mundo.
•O ESTA Jornal considera-se responsável
única e exclusivamente perante a ambição
e a exigência dos seus redactores, alunos
do Curso de Comunicação Social da Escola
Superior de Tecnologia de Abrantes e
perante o público a que se dirige.
O ESTA Jornal está por isso plenamente
disponível e empenhado com os leitores,
comprometendo-se a manter canais
de comunicação abertos com quantos
connosco queriam partilhar as suas ideias
e inquietações.
cartoon de Filipe Santos e André Amante
esta
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direc tora: Hália Costa Santos
Editor de fotografia: Gonçalo Reis
Direc tora Adjunta: Raquel Botelho
Colaboradores: Filipe Santos, Mariana Azevedo,
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Fundado a 13 de Janeiro de 2003
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Revisão: Sandra Barata
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Eleantino Évora, Gonçalo Reis, Joana Rato,
João Vasco Nunes, Marina Araújo, Nuno Sot toMayor, Pedro Correia, Renato lopes, Sara
Daniela Costa, Sara Pereira, Sara Oliveira,
Simão Santana, Tânia Machado, Vanessa Jorge
Departamento comercial: Joana Mendes, Pedro
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Projec to gráfico e paginaç ão: joão pereira
impressão: gráfica do instituto politécnico de
tomar
Editoras de fecho: Daniela Santos, Sara Pereira
tiragem: 5000 exemplares
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | OPINIÃO
“A homossexualidade Os monstros do
não é normal”
incesto
Cláudia Ferreira
Frases como esta são, muito provavelmente, o dia-a-dia de muitas pessoas.
O dia-a-dia das que são obrigadas a ver a
sua vida julgada de uma forma crua e dura,
e também dos indivíduos que colocam os
seus pensamentos e ideais acerca do mundo acima da vida dos que os rodeiam.
Há coisas simples, curtas frases, pequenas atitudes. Umas podem mudar o mundo
para melhor, não haja dúvida. Mas outras,
porém, têm o poder de fazer o inverso.
«A homossexualidade não é normal».
Pergunto-me até que ponto alguém pode
proferir tal frase. Algo demasiado cruel,
demasiado frio e demasiado errado, que
nos faz pensar que a vida parou no tempo, e
que afinal, não estamos no século XXI.
Há muito que acho que a Igreja perdeu
o direito de afirmar as suas, cada vez mais,
tristes opiniões e a frase do cardeal D. José
Saraiva Martins prova que estou bastante
certa.
A Homossexualidade “o atributo, a característica ou a qualidade de um ser que
se define pela atracção física, emocional e
estética entre seres do mesmo sexo” nada
mais é do que uma das variantes da sexualidade humana, que há muitos anos ganhou
o direito a ser respeitada como tal.
Apesar disso existe de tudo. Leis que proíbem a relação entre duas pessoas do mesmo sexo, englobando a homossexualidade
na categoria das doenças. Um distúrbio,
uma perversão. Existem ainda punições a
aplicar a estes “delitos” em países como Índia, Nigéria ou Arábia Saudita, onde a pena
é de morte.
Felizmente Portugal já passou, de certa
forma, essa fase. Contudo continua a existir
uma sanção tremenda. Talvez o maior castigo possível, o julgamento.
Ser catalogado como diferente, ser
julgado por aquilo que não se escolheu,
porque a homossexualidade não é uma
opção e muito menos um estilo de vida.
Porque será que uma pessoa como nós,
com os mesmos deveres cívicos, não pode
ter os mesmos direitos? Porque é que não
podem decidir a sua vida, as suas relações,
da mesma forma que qualquer um de nós
o faz?!
Um estudo realizado o ano passado pelo
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, revelou que 70% dos 3643
inquiridos condena as relações homossexuais. Portugal, quer se queira quer não, ainda
é um país homofóbico.
Por tudo isto são necessárias mais frases, mais atitudes positivas. Porque somos
iguais, e porque o mundo ainda pode
mudar. A vida é assim. Feita de frases, de
momentos.
Morrer ou não
morrer, eis a questão!?
João Vasco Nunes
A discussão do assunto, eutanásia, chega
enfim às vozes do poder. Para alguns já não
era sem tempo, para outros não se trata de
outra coisa, senão uma perda de tempo.
Mas o que é certo, no meu entender, é
que um País (entenda-se Governo) como
Portugal, que quer estar na vanguarda da
Europa, já deveria ter colocado este assunto
à Sociedade há algum tempo, ora veja-se os
exemplos dos países mais desenvolvidos.
Perante o espectro de não passar de uma
medida para pôr frente à Igreja ou mesmo
de ganhar votos à Esquerda, este assunto
delicado já deveria ter recebido outro tratamento. Colocando politiquismos de lado, na
minha opinião esta decisão de alguns membros do PS que querem ver esta temática ser
levada a Referendo, só peca por tardia.
Acho inclusive, muito grave, que se queira
misturar assuntos Religiosos e Políticos, com
aquilo que é a vida humana, e com o direito
a que todos nós deveríamos ter sobre o nosso corpo. Como disse Almeida Santos, Pre-
sidente do PS, “O direito à vida é também
o direito à morte, sobretudo quando não
morrer implica sofrimento”, ou seja, cada ser
Humano deve ter direito a delimitar o seu
conceito de viver com dignidade, desde que
esteja nas suas perfeitas condições racionais.
Neste campo sou levado a relembrar-me
da película do Espanhol Alejandro Aménabar (Mar Adentro), que nos conta a história
verídica de Ramón Sampedro, um tetraplégico que foi um aceso defensor da Eutanásia
em Espanha, e nos deixa a mensagem que,
“viver é um direito, não uma obrigação”,
principalmente quando não se vive com
dignidade e dependente de tudo e todos.
Entrando pelo campo das pessoas que
estão em “estado vegetativo”, a questão
é mais complexa, porque nesses casos a
decisão não passa certamente pela pessoa
visada, e não será de todo correcto, alguém
decidir pela vida de outrém.
São todos estes casos específicos e excepções, que já deveriam estar a ser discutidos
há muito tempo, porque a Eutanásia em si,
faz com certeza todo o sentido de existir. É
triste sim, observar que neste país, em vez de
preocuparmo-nos com as condições em que
os Seres Humanos vivem, ou se querem ou
não viver, discutimos primeiro os Casamentos homossexuais, deixando questões muito
mais relevantes, como esta, para trás.
Eleantino Évora
Josef Fritzl, o monstro de Áustria, representa actualmente o lado mais cruel e
irracional que um ser humano pode possuir.
Era inevitável a sua condenação à prisão
perpétua. O crime de homicídio negligente
de uma das sete crianças, fruto da inconcebível relação incestuosa, que teve com a
filha durante os “impossíveis” 24 anos, foi
considerado mais que suficiente, para todos
os que intervieram no julgamento, para tal
condenação, de acordo com a lei austríaca.
Todavia, discordo que esse facto seja por si
só mais que suficiente. Pode-se considerar
extremamente grave a conduta que teve para
com a filha e principalmente de a manter presa em cativeiro durante tantos anos e ainda
por cima, engravidá-la 7 ou mais vezes. Isto é
um autêntico absurdo!
No entanto, podia-se abrir uma excepção
no que concerne à pena de morte e aplicavase esta condenação ao “monstro” em vez da
prisão perpétua, por exemplo. Apesar de a
pena de morte ser reprovável na maior parte
dos casos, porém, em alguns como este seria a condenação mais justa. Pessoas como
o Josef Fritzl possuem uma complacência
muito precária e, por isso, representam uma
constante ameaça para qualquer sociedade e
o mesmo será dizer, que quem comete crimes
destes pode ser capaz de outros ainda piores.
Entretanto, em pleno julgamento, o advogado de defesa de Fritzl defendeu que o seu
cliente devia beneficiar das “circunstâncias
atenuantes” porque o mesmo sofre de problemas de personalidade, resultantes de uma
infância infeliz. Pois aí está a gravidade do
caso, porque se ele tem distúrbios de personalidade, então não se deve minimizar a
situação.
Contudo, Josef Fritzl demonstrou saber
usar do seu carácter escasso para admitir
todos os crimes que cometeu e de ter provocado tanto embaraço e tristeza à família.
Todavia, Fritzl mostrou o seu engenho para executar planos destes e conseguir manter
o sucesso do mesmo durante 24 anos, sem
a própria mulher e vizinhos presumirem tal
facto e sobretudo, o impensável pretexto que
Fritzl inventou para convencer a mulher a
criar os outros três filhos que teve da filha.
Aliás, não é por acaso que ele é um engenheiro.
Finalmente, este caso não é único porque veio desencadear mais dois, em Itália
e Colômbia. Por sua vez, um italiano de 63
anos é acusado de violar e de ter sequestrado
durante 25 anos a própria filha. Porém, a justificação que o mesmo proferiu foi o que se
pode denominar de, o cúmulo da insensatez
e monstruosidade, “uma lei familiar exigia
que a filha mais velha lhe fosse prometida”.
E como se não bastasse, este animal incitou
o seu filho a fazer o mesmo com as próprias
netas. Aonde é que isto vai parar?
Na Colômbia, ao que parece, o caso é mais
grave porque há rumores de haver muitos
pais incestuosos, mas que ainda não foram
denunciados. Todavia, um colombiano foi
descoberto, pois violou a filha durante vinte
anos, engravidando-a oito vezes.
Pelo andar da carruagem, a família que se
diz ser a base da sociedade vai acabar por
ser arruinada e posteriormente dar maus
frutos. Por isso, aconselho àqueles que já
pensaram em praticar esta barbaridade, que
façam uma autoavaliação e para os que já a
praticam, que procurem ser internados enquanto é tempo!
Como uma criança vê
uma realidade cruel
Daniela Santos
São vários os filmes sobre o Holocausto, mas
poucos são aqueles em que essa história é vista e
contada por uma criança. Em “O rapaz do pijama às riscas”, Bruno, um menino inocente, vê-se
envolvido num Mundo que julgava não ser o seu.
Esta criança de apenas oito anos é obrigada
a mudar de casa para uma região quase despovoada e deixar todos os seus amigos para
trás, o que o fez sentir triste. Bruno, atraído
pela curiosidade, começa a observar através
da janela do seu quarto uma quinta onde, segundo ele, moravam umas pessoas estranhas
que andavam sempre com uns pijamas às
riscas. Foi na tentativa de explorar um pou-
co mais daquela “quinta”, à revelia dos pais,
que Bruno conheceu Shmuel, uma pequena
criança judia que ali vivia. Apenas uma vedação de arame farpado dividia os mundos
diferentes destas crianças. No dia em que
Bruno ia sair daquele lugar, decidiu ir ajudar
Shmuel a encontrar o seu pai que estava desaparecido, foi então que Bruno entrou na
“quinta” e junto com todos os judeus foi levado para uma das câmaras de gás onde acabou
por morrer de mão dada com Shmuel.
Um filme que, embora não acrescente
muito à história do Holocausto, é bastante
interessante visto que a história é contada de
uma maneira e perspectiva diferentes. O filme
conta com personagens brilhantes que desempenham papéis distintos ao longo de todo o
desenrolar da história.
Mais uma vez este tipo de filmes serve para
que este assunto (Holocausto), que abalou todo o mundo, não caia em esquecimento.
É sem dúvida um filme a não perder…
| ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SAÚDE
Maria da Conceição Sequeira, assistente social no Hospital de Abrantes
“Eu sou
a advogada
de defesa
dos bebés”
Alison Silva
O Hospital Distrital de Abrantes
tem procurado ter um papel cada vez
mais activo no futuro das crianças da
sua área de abrangência. Maria da
Conceição Sequeira é a responsável
por determinar se as famílias têm ou
não capacidade de dar condições de
vida a estas crianças, de garantir a
educação de jovens mães e, se necessário, retirar as crianças às famílias,
para sua protecção.
Como é que o Hospital detecta os
maus-tratos nas crianças?
O médico ou a equipa de saúde e
enfermagem é que detectam sinais
de maus-tratos. Há uma suspeita que
é comunicada ao Serviço Social e,
a partir desse momento, fazem-se
diligências ao nível do Ministério Público (MP), Comissões de Protecção
de Menores e Medicina Legal.
Os exames para despistar maustratos são apenas físicos ou também
psicológicos?
O Hospital tem as duas vertentes,
mas depende da idade da criança e da
informação que ela conseguir dar. Se
for um bebé, não consegue fornecer a
informação verbal, mas uma criança
a partir dos cinco ou seis anos é capaz de dizer quem é que a agrediu
e tem outras maneiras de chamar a
atenção.
Que diferenças há nas agressões
entre as crianças mais jovens e as
mais velhas?
É difícil, porque uma criança com
dois anos não pode dizer que é maltratada, apesar de ter noção de que se
trata de uma agressão. Consegue-se
notar que é um bebé bem cuidado,
feliz, porque é um bebé saudável e
sorridente. Uma criança mais crescida pode sempre dar mais alguma
informação. Mas não sei se irá mesmo
dizer que é maltratada.
De quem partem os maus-tratos
mais frequentes?
Quando se trata de agressões físicas, normalmente são familiares,
apesar de haver alguns suspeitos fora
do agregado. Às vezes são madrastas,
por exemplo, ou os miúdos são irrequietos e as pessoas não têm muita
paciência. Porém, na obstetrícia, que
é quando o bebé acaba de nascer e até
os 28 dias de vida, não se registam
maus-tratos físicos, porque o bebé
não pode ser maltratado cá dentro.
As agressões só acontecem depois de
o bebé deixar as instalações.
Como é que o Hospital procede
para proteger as crianças?
Se há suspeitas de que algum elemento do agregado familiar possa
representar algum tipo de perigo
para a criança, ou de que a família
não tem as condições mínimas para
cuidar dela, fica internada no serviço
de pediatria. Aqui aguarda a decisão
do Tribunal e da CPCJ, que depende
de situação para situação. Geralmente não é um período muito longo,
podendo ser de apenas alguns dias.
Às vezes, se a equipa acha que, a nível do agregado, não há perigo para
nuno Sot to-Mayor
Maria da Conceição Sequeira. Uma criança mais crescida poderá não dizer mesmo que é maltratada
Ano 2007
Recém-nascidos sinalizados
Comissão de Protecção de Crianças
e Jovens em Risco - 14
Intervenção Precoce -3
Centro de Saúde - 20
Centro de Atendimento a
Toxicodependentes -2
Recém-nascidos sem alta social - 6
(acompanhados pelo Tribunal ou
CPCJ)
a criança, ela volta para a família e
é feita a comunicação às entidades
competentes, particularmente se a
agressão foi feita fora do agregado.
Caso contrário, é encaminhada para
os Serviços Sociais. Se os motivos dos
maus-tratos estiverem por esclarecer,
é necessário aguardar decisão ao nível
da CPCJ e do internamento.
A minha particular preocupação é
que, quando o bebé sai, não ocorram
essas agressões e assegurar que tem as
condições mínimas de sobrevivência.
Eu costumo dizer que sou a advogada
de defesa dos bebés. Tenho a responsabilidade de saber interpretar os sinais que recolho das conversas com os
pais, pelo que eu conheço e pelo que
os colegas que estão na comunidade
conhecem da situação. São eles que,
através de um contacto telefónico
meu, de acordo com a informação
que eu recolhi dentro do hospital,
vão fazer a avaliação da casa e da família. Em casos particulares, mesmo
havendo risco, o bebé sai, mas tem
vigilância no domicílio, com equipas
que estão no terreno. Quando sai, há
já uma enfermeira disponível e atenta
à situação. Não havendo ninguém da
família para fazer a supervisão, ou as
condições necessárias para a família
responder às necessidades do bebé,
ele não sai.
Quem são as equipas que actuam
no terreno?
São pessoas da comunidade. A
enfermeira do centro de saúde é o
principal contacto. Se as grávidas fizeram a vigilância na gravidez, ela
tem a noção e conhece a família e a
pessoa. Há a equipa de intervenção
precoce, que é constituída por técnicos, enfermeiras, psicólogos, de
educadoras que estão no terreno. Vão
aos domicílios, fazem um trabalho de
educação daquela família, dando-lhes
informações que são importantes para o cuidado do bebé. São pessoas extremamente importantes. Há a CPCJ,
que, mesmo não sendo uma situação
conhecida, a partir do momento em
Suspeitas de maus tratos raramente se confirmam
Ao fim dos primeiros quatro meses do ano, 2009
não regista suspeitas nem casos efectivos de
maus tratos, violação ou abusos sexuais a menores na área de abrangência do Hospital Distrital de
Abrantes.
Em 2008 foram avaliadas 38 situações consideradas
problemáticas na área de Pediatria. Os casos mais
graves recaem sobre duas suspeitas de abuso sexual, com reincidência num dos casos, uma de violação
e uma de maus tratos físicos. Segundo Maria Ribeiro
Ferreira, assistente social nos serviços hospitalares,
nenhuma destas suspeitas se comprovou. A assistente social revela que todos os casos analisados
eram já acompanhados pela Comissão de Protecção
de Crianças e Jovens (CPCJ).
Em 2007 foi registado um caso de afastamento
da criança da mãe porque sofria de uma doença
psiquiátrica. Ao todo, foram avaliadas 26 situações
pelo Serviço Social, nas quais se registaram faltas
de apoio em diversas áreas. A mais comum é a de
carência económica. A baixa formação maternal e a
falta de apoio psicossocial também preocupam os
profissionais que trabalham no Hospital.
Sempre que há suspeitas de maus tratos ou abusos
sexuais, o médico pediatra pede a avaliação da Medicina Legal. Em alguns casos, e na ausência desta,
solicita a avaliação da Obstetrícia/Ginecologia. É
elaborado um relatório de ocorrência e, confirmando-se as suspeitas, a situação é comunicada ao
Ministério Público (MP), que inicia as investigações.
Em certos casos, é também sinalizada junto da
CPCJ, para se fazer uma avaliação, no terreno, da
situação familiar. Além deste papel, o Hospital (Pediatra ou Serviço Social) pode ainda ser chamado a
testemunhar perante o Tribunal.
Trata-se de “situações sociais complexas, em que
os intervenientes, muitas vezes, usam este tipo de
suspeitas para causar instabilidade na família e tirar
proveito disso”, afirma Maria Ferreira. Na sua maioria,
as suspeitas nunca chegam a ser confirmadas, por
falta de provas.
Nos casos em que as suspeitas são confirmadas, as
crianças ficam internadas nos serviços hospitalares,
até decisão do MP, ou até serem encaminhadas
para instituições de apoio. Quando as suspeitas não
se confirmam, as crianças regressam ao agregado
familiar, umas vezes com sinalização e vigilância das
instituições de apoio, outras não. A.S.
que eu envio o relatório a sinalizar
a situação, a pedir intervenção, eles
intervêm no processo. Há uma assistente social e as ajudantes familiares,
que são pessoas que estão ligadas às
equipas dos Rendimentos Sociais de
Inserção. A ajudante familiar ajuda
a nova mãe a gerir a casa a nível de
alimentação e compras.
O que acontece nos casos em que a
situação da família já foi comunicada à CPCJ?
O bebé pode ficar retido, se já houver processo de outros irmãos. Há
uma nova análise do domicílio face
àquele bebé. Mas são diferentes as
situações de maus-tratos e as situações de possível risco. Se, ao fim
das 48 horas de internamento, numa
situação normal, eu acho que há risco
para o bebé, não dou alta social e o
bebé não sai.
Como é que as famílias reagem a
este tipo de situações?
Não é fácil. Nunca é fácil dizer a
uma mãe que ela tem alta clínica,
mas que o bebé não pode sair e que
a situação tem que ser avaliada. O
bebé é transferido para o serviço de
neonatologia ou para o cuidado de
serviço social. Eu fico responsável
pela criança, mas a mãe pode sempre
acompanhar o bebé no internamento de pediatria, porque uma mãe é
sempre mãe.
Depois das instituições, os bebés
são sempre encaminhados para
famílias de acolhimento?
As CPCJ’s ou a Segurança Social
é que vêm buscar estes bebés. Só havia uma família de acolhimento em
Abrantes, mas não sei se ainda há.
Geralmente as crianças que são retiradas às respectivas famílias pelos
motivos atrás mencionados vão para
as instituições. Ao fim de seis meses,
a Comissão assina um protocolo com
os pais, para proceder à protecção do
bebé. Se a família não aceita a intervenção da Comissão no processo do
bebé, este é automaticamente encaminhado para o Tribunal e o bebé fica
internado a aguardar decisão.
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SAÚDE
“Disseram-me que era logo atendido,
estive ali sete horas e não fui consultado”
Simão Santana
Simão Santana
e Joana Rato
Abrantes – Hospital Doutor Manuel Constâncio, segunda-feira, dia 27 de Abril.
16h30. As Urgências estão em grande agitação, pessoas a entrar e a sair, quase nenhuma
para ser atendida, e a sala da zona de adultos
praticamente cheia. O desespero é visível em
qualquer dos rostos das mais de 15 pessoas que
estão a suplicar por uma consulta. Fernando
Tocha, reformado, chega mesmo a dizer que
os médicos “parece que fazem de propósito”. Já
ali está desde as 14 horas e até então só saíram
duas pessoas da sala, o que deixa antever uma
harmoniosa tarde de primavera nas Urgências
deste hospital.
Na zona de entrada existe um pequeno quadro que informa os demais do tempo de espera que os aguarda. 3h00 é, neste momento e
supostamente, o tempo limite de expectativa,
no entanto, o senhor Abel Ferreira, de 47 anos,
já ali esteve no último sábado: “Disseram-me
que só tinha que esperar um bocadinho, que era
rápido, e acabei por estar ali sete horas e não fui
atendido”, situações que “chateiam” e “enervam”
as pessoas lesadas.
Para passar o tempo, dois jovens estudam,
entre anedotas e piadas, dois outros senhores
desesperam cabisbaixos e dão voz aos suspiros
cansados da demora, uma senhora lê uma revista, outro senhor um jornal e na generalidade dos
Horas. Os utentes chegam a esperar mais do que o tempo indicado no quadro
casos o resto dos utentes, e utilizando o célebre
ditado popular “quem espera, desespera”, desesperam e fazem uma estimativa ao tempo que ali
vão ficar. Para completar o embelezamento do
espaço, existe uma televisão, que seria bastante
útil para passar o tempo. O problema é que está
desligada…
18h40 e continuam na sala 16 pessoas. “Não
somos informados do tempo de espera e isto não
tem solução a médio ou curto prazo, é sempre a
mesma coisa”, é a opinião mais ouvida entre os
indivíduos que já ali estão há demasiado tempo.
“Com este sistema de selecção tornou-se mais
complicado.” Maria Romão de 54 anos, vive
em Penhascoso, a 25 quilómetros do centro da
cidade de Abrantes, toma conta do senhor Amaro
Marques de 86 anos. “É por isso que aqui estou, é
o meu trabalho, mas se tivesse que tomar conta
de crianças era muito complicado.” Maria Romão
relembra ainda um dos episódios que passou no
hospital Doutor Manuel Constâncio, quando se
deslocou com o senhor Amaro ao mesmo local,
depois de este ter um Acidente Cardiovascular
(AVC), e esteve à espera oito horas (!). No final o
senhor Marques voltou para casa sem lhe ter sido
feito qualquer exame ao coração (normalmente
uma TAC), e o médico de serviço apenas escreveu uma carta ao médico de família para que o
senhor Amaro o viesse fazer noutro dia, porque
simplesmente o caso não era grave, diziam.
19h20. Outro dos motivos que segundo os
utentes faz atrasar bastante as consultas é o
novo sistema de Triagem de Manchester, que
consiste em classificar os doentes por nível de
urgência, de “Emergente” (correspondente à
cor vermelha), passando pelo “Muito Urgente”
(laranja), “Urgente” (amarelo), “Pouco Urgente” (verde) até ao “Não Urgente” (azul). O que
acontece é que, na sala com 16 pessoas à espera
e os ponteiros a marcarem 19h20, só existem
“Episódios de Triagem” de cor verde.
O sistema de triagem é feito segundo uma
pré-análise do estado do doente que, segundo
o panfleto, consta de uma “observação rápida,
mas objectiva”.
Ao que o ESTA Jornal conseguiu apurar, os
médicos acabam por decidir quem é atendido
primeiro: enquanto uns atendem por ordem de
urgência, outros vão intercalando as cores.
O que acontece quando o tempo de espera é
ultrapassado ou quando só existe “a cor verde”
na sala de espera? O sistema bloqueia? Ao que
parece é o que ocorre e entretanto o quadro
de informação de tempo de espera já vai nas
quatro horas…
CRAT e +Vida
Uma escola especial
Uma aposta na saúde
para meninos especiais
Nuno Sotto-Mayor
O Hospital D. Estefânia, em Lisboa, tem para além
dos seus serviços uma escola criada pelo Ministério da
Educação. O objectivo é permitir que as crianças que
ficam muito tempo internadas continuem a ter aulas.
“Houve necessidade de criar uma escola no hospital,
porque as crianças ficavam internadas por períodos
longos, dando continuidade ao seu percurso escolar”,
relata a professora Armanda Nunes, responsável por
esta escola especial.
A escola surgiu em 1926, funcionando numa sala
do Serviço de Ortopedia. E o objectivo principal do
hospital é tentar “minimizar tanto quanto possível
a interrupção e disrupção da educação das crianças
durante o internamento, através da disponibilização
da educação contínua, tão normal quanto a condição
clínica da criança o permita”. Por vezes, os tratamentos
são muito desgastantes não permitindo à criança
acompanhar o seu estudo de uma forma permanente,
mas nem por isso deixa de ter esse apoio por parte do
corpo docente.
Quando a criança fica impossibilitada de se deslocar
ao espaço da escola, “a professora dirige-se à enfermaria
onde a criança está internada e com ela estabelece um
plano de trabalho individual, de acordo com as suas
necessidades curriculares ou utiliza os próprios manuais
do aluno”. Convém realçar que esta escola entra em contacto com a professora oficial da criança internada, para
obter informação sobre o nível escolar da criança.
No que diz respeito ao corpo docente, é constituído por duas professoras do 1º Ciclo, existindo ainda
um Núcleo Educativo de Apoio ao 2º/3º Ciclos e
Secundário, formado por uma professora. “A escola
funciona numa sala cedida pelo Hospital D. Estefânia
e está equipada com mesas, cadeiras, algumas estantes,
placards, um quadro Didax, seis computadores e três
impressoras.”
Existe uma turma única, formada por uma população bastante flutuante e heterogénea, com alunos
provenientes do país inteiro e dos P.A.L.O.P, na sua
grande maioria. Em média, frequentam esta escola
especial 15 alunos.
No que diz respeito aos encarregados de educação
ou acompanhantes, a professora responsável explica
que “prestam um apoio de retaguarda, no sentido de
facultarem às docentes os contactos do professor ou
da escola de origem do aluno”.
Sendo uma escola oficial do Ministério da Educação,
rege-se pela legislação em vigor para todas as escolas e,
neste caso, obedece ao regimento interno do Agrupamento a que pertence (ver caixa de texto).
Para além das actividades de componente lectiva e
do cumprimento curricular, a escola elabora anualmente o seu Plano de Actividades e ajusta periodicamente as actividades à realidade hospitalar. Colabora
ainda com o Grupo de Animação do Hospital e com
todas as instituições da comunidade que se disponibilizam para organizar e desenvolver acções lúdico
-pedagógicas com as crianças internadas.
As crianças, mesmo estando dentro do Hospital
Dona Estefânia, têm todo o apoio necessário para
continuar mesmo com algumas interrupções por, força
da natureza, para sonhar com um futuro.
No dia 7 deste mês foi apresentado e
assinado o projecto Centro de Recursos
de Ajudas Técnicas (CRAT), na Biblioteca Municipal António Botto.
Este projecto adveio de um protocolo
celebrado entre o Município de Abrantes, a Administração de Saúde de Lisboa
e Vale do Tejo e o Centro Hospitalar do
Médio Tejo e vai ser dinamizado pela
Associação “Vidas Cruzadas”.
Assim sendo, a população de Abrantes
vai usufruir de mais um apoio aos doentes
acamados ou com dependência física.
O CRAT pretende rentabilizar equipamentos - como cadeiras de rodas, camas
articuladas, andarilhos e canadianas - e
minimizar o problema de aquisição de
ajudas técnicas para utentes em recuperação ou dependentes. Quem usufruir do
serviço fornecido pelo CRAT beneficiará
do equipamento durante o período de
recuperação do seu problema de saúde.
O CRAT destina-se, essencialmente,
a pessoas com deficiência permanente
ou temporária que precisem de ajudas
técnicas, desde que residam no concelho
e que não aufiram rendimento anual per
capita superior a €7.500.
Às partes envolventes deste projecto
competem tarefas diferentes. À Associação “Vidas Cruzadas” compete gerir o
Centro de Recursos, receber os pedidos,
proceder à selecção das prioridades de
acordo com o regulamento e procurar
apoios para a obtenção dos equipamen-
tos. A Câmara de Abrantes assegura o
transporte dos equipamentos, sempre
que se justifique, e a atribuição de uma
verba no valor de €3.000 para aquisição e reparação dos equipamentos. Por
sua vez, o Centro Hospitalar do Médio
Tejo assegura a manutenção dos equipamentos.
Para que o cidadão possa ter acesso
a informações sobre a Associação “Vidas Cruzadas”, esta possui um sítio na
internet, onde explica a quem se dirige
o seu trabalho, em http://associacaovidascruzadas.blogspot.com.
Aproveitou-se este dia também para
divulgar o Programa + Vida, um programa de gerontomotricidade dirigido ao público sénior, que é promovido
pela Câmara de Abrantes, com o apoio
do Instituto do Emprego e Formação
Profissional.
O “+ Vida” consta da prática regular de
actividades físicas/lúdicas, como meio de
prevenção e combate ao sedentarismo, desenvolver a autonomia funcional, melhorando a auto-estima e reduzindo o stress
e contribuir para a melhoria da saúde, no
que diz respeito aos níveis de colesterol,
hipertensão e controlo do peso.
As acções acontecem em espaços
inerentes à própria instituição ou em
equipamentos desportivos municipais
e realizam-se uma vez por semana em
cada instituição e têm a duração de 45
minutos. Paula Faria
| ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SAÚDE
Paulo Vasco, responsável pelo serviço de Urologia do Médio Tejo
“O cancro continua a ser um desafio”
Paulo Vasco, médico urologista, responsável pelo Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT), fala
descontraidamente, no seu consultório, sobre a sua especialidade. Durante a conversa, percorre-se tudo o que está associado a
essa especialidade, nomeadamente as doenças e o relacionamento entre os médicos e os pacientes. Aborda, também, a estrutura
do CHMT, que está equipado com a última tecnologia para as intervenções cirúrgicas
alison silva
Nuno Sotto-Mayor
Quais são as principais doenças no campo
da Urologia?
Todas as doenças do aparelho genital masculino e do aparelho urinário masculino e feminino. Começando nos rins e acabando na extremidade da uretra. São as doenças renais de foro
cirúrgico, porque existe outra especialidade, que
trata as doenças renais do foro médico, que é
a nefrologia. Mas essa não tem directamente a
ver connosco, embora colaboremos uns com
os outros. No campo da Urologia existe uma
grande diversidade: a actividade das pedras dos
rins, todas as doenças oncológicas (cancro do
rim), os acidentes de viação com traumatismos
do rim, as doenças dos testículos, os tumores
dos testículos, as disfunções sexuais masculinas,
a infertilidade.
Como é que o Centro Hospitalar do Médio
Tejo (CHMT) está organizado em termos
de Urologia para poder atender todos os pacientes?
O CHMT tem uma população à volta de 300
mil habitantes e tem três unidades: Abrantes,
Tomar e Torres Novas. A Urologia tem como sede e zona de internamento a unidade de Tomar,
mas trabalha nas três. Na unidade de Tomar
estão instalados o internamento e a actividade
cirúrgica; em Tomar, Abrantes e Torres Novas
fazem-se consultas.
Que dificuldades é que o serviço tem pelo
facto de estar disperso em três locais?
Nós temos níveis de atendimento muito elevados. No último ranking dos hospitais, ficámos
em quinto lugar nos melhores serviços do país e
temos expectativas de que vamos melhorar nos
próximos anos. Exige mais um pouco de esforço
e de organização em termos de distribuição das
pessoas pelos espaços, mas faz-se sem grandes
dificuldades.
Que condições têm ao nível de recursos humanos?
Somos cerca de 30 pessoas, entre médicos,
especialistas (que somos três), um chefe de serviços (que sou eu), dois especialistas e, depois,
enfermeiros, administrativos e auxiliares.
Os três centros hospitalares estão bem equipados?
O CHMT está equipado com a última tecnologia para as intervenções cirúrgicas. Em termos
físicos, nomeadamente no que diz respeito às
enfermarias e à capacidade para fazer exames
especiais (como endoscopias e ver o aparelho
urinário), temos o equipamento necessário.
Os equipamentos de que dispõem, ultimamente, são mais simples?
Os equipamentos que se usam agora têm a
ver com a facilidade de fazer intervenções cirúrgicas com menos recurso a grandes aberturas
do corpo. Faz-se através de pequenos orifícios,
que é a chamada cirurgia laparoscópica, que
temos vindo a desenvolver cada vez mais. Por
outro lado, temos a facilidade de, quando algo
não existe dentro da unidade, podemos fazer
contactos com o exterior, através de acordos
que o CHMT tem, para fazer outro tipo de
tratamento. Por exemplo, as pedras dos rins
podem ser tratadas, noutros locais, por destruição (litotrícia), através de ultra-sons. Assim, os
doentes têm uma maior probabilidade de serem
bem tratados.
Os doentes ainda necessitam de ficar inter-
Paulo Vasco. “No último ranking dos hospitais ficámos em quinto lugar nos melhores serviços”
nados?
Sim, ainda há essa necessidade, embora haja
uma maior percentagem de doentes que fazem
a chamada cirurgia ambulatória, que é a cirurgia de um dia. Mas o internamento continua
a ser necessário, sobretudo porque tratamos
pessoas de grupos etários muito avançados e,
por vezes, não têm cuidados no domicílio que
sejam eficazes. Por isso, acaba por ser melhor
ficarem no hospital do que em casa.
Como é que as pessoas reagem ao facto de
terem doenças deste foro?
As pessoas reagem um pouco tristes, porque ninguém gosta de estar doente. Quanto
às doenças do aparelho urinário, o número de
pacientes é crescente. Temos um grupo grande
de doenças oncológicas, e por isso este tema foi
escolhido para as Jornadas de Urologia deste ano. Cada vez se diagnosticam mais cedo,
muitas pessoas têm a sua vida limitada com
a doença oncológica. Nestes casos, apesar da
tristeza inicial, depois demonstram alguma
vontade de vencer os obstáculos. Existem outras
situações muito frequentes, por exemplo, nas
mulheres, como a incontinência urinária, que
é uma situação onde temos resultados muito
positivos, melhorando prontamente a qualidade
de vida das pacientes.
Hoje em dia as pessoas procuram-nos mais.
Antes as mulheres não tinham bem a noção que
tinham direitos nesse domínio e achavam que
ter incontinência ou perdas de urina era muito
normal da velhice. Mas não, a incontinência
pode tratar-se, o que torna a vida das pacientes
muito melhor. Também nos procuram para
tratar pedras nos rins onde o sucesso não é
menos elevado. Eventualmente, há situações
mais problemáticas na nossa área como as doenças na sexualidade masculina, mas as pessoas
procuram-nos tranquilamente.
Existem diferenças claras entre os homens
e as mulheres no que diz respeito a estas patologias?
Sim. Em relação às patologias do aparelho
urinário, não existem grandes diferenças, ou
seja, as pessoas podem ter pedras nos rins,
tumores, cancros dos rins ou da bexiga, o que
acontece tanto nos homens como nas mulheres.
No domínio da
sexualidade, quando
tratamos o homem,
tratamos o casal
Agora, no domínio da sexualidade, existem realmente grandes diferenças, mas nós só tratamos
dos homens. Se bem que, quando tratamos o
homem, também tratamos o casal.
Como é que se lida, em simultâneo, com as
questões relacionadas com patologias no
campo da Urologia e com a sexualidade?
A Urologia tem uma grande implicação, não
só porque trata directamente da sua vertente
chamada de andrologia, que trata da sexualidade masculina, que vai desde todas as disfunções sexuais masculinas até à infertilidade
masculina. Por outro lado, a própria Urologia
tem intervenções cirúrgicas (seja da bexiga, da
próstata, e até do pénis) que estão implicadas
com a sexualidade masculina. São situações que
mexem com a imagem corporal dos homens e
com uma série de outras questões. A intervenção do urologista, ou mesmo a intervenção cirúrgica, mesmo que não seja sobre sexualidade
acaba por afectar órgãos que dizem respeito à
sexualidade masculina.
No caso da andropausa, os homens aceitam
as transformações no seu corpo?
Aceitam bem, no entanto o termo andropausa não é o termo exacto que nós usamos. A
menopausa tem um significado que é um fim
abrupto, súbito, marcado porque as mulheres
deixam de menstruar num determinado mês
ou num determinado dia e, então, entram na
menopausa. No caso dos homens não há uma
marca ou uma data possível de identificar como
o declínio da sua estrutura hormonal e, então,
chama-se Hipogonadismo Masculino Adquirido, que significa a baixa das gónadas. O que
se passa é que os homens, a partir de uma certa
altura, começam a ter uma baixa de produção
das suas hormonas sexuais, principalmente
da testosterona. Mas varia de homem para
homem, a partir dos 50/55 anos. Hoje em dia,
isso é conhecido e existem muitas formas de
equilibrar e tratar. Daí que os homens, sobretudo de algum estrato cultural, nos procurem
por causa dessas situações. Às vezes podem não
estar directamente ligadas à vida sexual, mas
facilmente se percebe que se trata da baixa de
testosterona.
Como é que é e como é que deveria ser o
relacionamento entre os especialistas em
Urologia e os médicos de família?
O relacionamento deve ser o mais aberto
possível. É indispensável que haja uma colaboração muito grande entre os médicos de
família, que são geralmente a porta de entrada
das pessoas no sistema de saúde. As pessoas têm
no seu local de residência um médico de família
que os acompanha num ponto de vista global
e quando detectam um problema urológico
fazem uma primeira abordagem. Quando se
considera que as possibilidades e capacidades
estão esgotadas ao nível do médico de família,
o paciente deverá ter acesso a uma consulta
hospitalar de Urologia, onde o tratamento e a
avaliação das pessoas possam ser contínuos.
Uma vez cumprido esse objectivo, também
deve ser possível que as pessoas voltem com
mais facilidade a esse médico de família, para
que haja uma continuação de tratamentos e
um acompanhamento. Os dois devem estar em
ligação mais ao menos permanente.
Em casos terminais, que respostas tem o
CHMT?
Damos todas as garantias de acompanha-
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SAÚDE
mento às pessoas com doenças urológicas terminais, quer no serviço, quer, sobretudo, numa
unidade de cuidados paliativos que foi uma das
primeiras a existir no país. Fica na unidade de
Tomar, que segue os doentes em estados terminais de vária natureza. No caso das doenças de
natureza urológica, quando estão esgotadas as
nossas capacidades de tratamento e de acompanhamento dessas pessoas, enviamo-las às
unidades de cuidados paliativos, que depois
darão continuidade ao tratamento.
Que tipo de investigação fazem no CHMT ao
nível da Urologia?
Nós fazemos uma investigação assente em
casos clínicos. Participamos em vários estudos
europeus dessa natureza e, até, com ensaios de
novos medicamentos para algumas doenças
urológicas. E o nosso centro é muito considerado nesse âmbito. Somos muito solicitados para
trabalhar com algumas entidades que tratam
esse tipo de investigação.
Qual é a importância de organizar as Jornadas
de Urologia?
É muito interessante do ponto de vista pessoal
e profissional. Fomos construindo uma equipa, a
equipa os Amigos do Serviço, que é uma entidade
formada por pessoas que ou foram tratadas pelo
serviço e ficaram amigas do serviço, ou por pessoas que pertencem ao serviço e que são amigas do
serviço. É essa associação dos Amigos do Serviço
que organiza as Jornadas e que é responsável pelo
aluguer do espaço e pelas participações. Nós só
damos o nosso apoio. Há aqui uma dinâmica
que se criou entre pessoas que estão ligadas ao
serviço por razões afectivas. A existência de uma
associação destas, ligada a um serviço, não é muito
comum e as Jornadas servem para dinamizar
um pouco. Logo após as Jornadas, que ocorrem
sempre em Maio, nos meses a seguir começa-se
a pensar nas próximas e no tema. Há um grande
entusiasmo. As Jornadas são importantes para o
serviço, sobretudo porque dão uma visibilidade
que de outra forma não teríamos. Começaram por
ser uma forma de nós divulgarmos as actividades
junto dos médicos de família, aos poucos foram
ganhando volume e outra importância. Hoje são
um ponto de encontro entre os urologistas do
país todo e de outros doentes que trabalham no
serviço urológico.
Qual é o balanço que faz das últimas jornadas?
O balanço é positivo.
Qual foi o tema escolhido para as jornadas
deste ano?
O tema deste ano é a doença oncológica. A
doença oncológica é uma parcela importantíssima da nossa actividade. O cancro continua a ser
um desafio, porque nós tratamos muitas pessoas
com cancro e também curamos algumas, não
todas. É um tema que nos interessa. Participam
também enfermeiros, assistentes sociais, médicos de famílias, médicos - anestesistas, médicos
de outras áreas que trabalham com doentes
urológicos. O tratamento destes doentes é um
tratamento multidisciplinar, em que é importante ter as opiniões e perspectivas variadas para
se conseguir melhor eficácia possível.
Que tipo de informação é que os cidadãos, em
geral, têm sobre esta especialidade?
Eu penso que as pessoas aos poucos vão
estando mais informadas. Até aqui há uns anos
era uma área menos conhecida, mas os assuntos
que a Urologia trata passaram a ser mais conhecidos na sociedade.
Considera que o país está bem servido em termos de Medicina neste campo da Urologia?
Eu creio que sim. Existem mais de 40 serviços de Urologia no país, entre Ponta Delgada,
Vila Real e Bragança. De uma forma geral, dão
resposta às necessidades das populações em
termos urológicos.
Os jovens médicos sentem-se atraídos por
esta especialidade?
Sim, no país somos à volta de 300 especialistas
seniores e deve haver cerca de 60 a 70 jovens
em formação.
Nuno Lobo Antunes discute o seu livro “Sinto Muito” com profissionais da saúde
Lidar com a vida e com a morte
dr
Nuno Lobo Antunes. “Sinto Muito” é a expressão que o médico utiliza para mostrar a sua solidariedade para com os doentes e familiares
“A entrada nos cursos de Medicina só com
base nas notas é uma aberração, um crime.
Como é que não se procura saber a personalidade dos candidatos, o tipo de interesses, o
tipo de cultura, o que fez enquanto andava no
liceu? Os que têm as melhores notas não são
necessariamente os melhores! Têm capacidade
de trabalho, mas essa é apenas uma das qualidades que devem ter.” Este foi apenas um dos
muitos comentários indignados que Nuno
Lobo Antunes, neurologista, fez, em Tomar,
perante uma plateia de quase 400 profissionais
de saúde.
Nuno Lobo Antunes encerrou as VII Jornadas do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar do Médio Tejo, que decorreram a 8 e
9 de Maio. Subordinado ao tema “A Doença
Oncológica em Urologia”, o evento incluiu
diferentes painéis nos quais, entre outros aspectos, se discutiu a forma como os médicos
lidam com a morte e com o seu anúncio. Nuno
Lobo Antunes, também escritor, falou sobre o
seu livro “Sinto Muito”, expressão que resume
a solidariedade do médico para com o doente
ou para com os seus familiares quando tem
que dar uma má notícia. Numa conversa com
o jornalista do Expresso, Valdemar Cruz, o
autor explicou a razão de ser do seu livro, falou
das suas perplexidades, contou histórias (nas
quais é simultaneamente actor e espectador) e
falou de um “Deus franco-atirador”, que fere
crianças e adultos “sem sentido”.
Nuno Lobo Antunes considera-se um homem de “fé imprecisa e de fé hesitante”. Acredita que haverá alguém “mais forte” do que ele
próprio, mas não deixa de se indignar: “Não
acredito que um Deus bondoso para com os
seus filhos os fira desta maneira”. No seu livro,
conta, entre outras, histórias de crianças e jovens que acabaram por morrer. E, neste que foi
o primeiro debate com profissionais da saúde
sobre o livro que publicou, Nuno Lobo Antunes
explicou que foi a “convivência diária com a
morte” que lhe trouxe “maior apreço e maior
respeito pela vida”. Por isso, é claro: “Detesto
perder tempo; não cheguem atrasados e não
comecem com conversas de chacha”.
Sempre que um doente ou um familiar pergunta qual o tempo de vida que resta, Nuno
Lobo Antunes defende que se deve ser “absolutamente honesto”. As pessoas precisam de
saber quanto tempo têm “para pôr os assuntos
em ordem”. É uma questão de “respeito pelas
pessoas”.
Alternando entre um discurso sensível e
um discurso ácido (para com os meios de comunicação social, por exemplo), Nuno Lobo
Antunes, com anos de experiência em hospitais
portugueses e norte-americanos, arrancou
gargalhadas, mas também provocou expressões
de discordância. Disse, por exemplo, que “uma
coisa que acontece muito em Portugal é que os
médicos mentem e depois pisgam-se”. Para este
especialista em Neurologia, esta é uma “atitude
altamente hipócrita”. Porque “se o doente precisa de nós, nós temos de estar lá”.
No final do debate, uma médica que estava
na assistência elogiou a organização das VII
Jornadas de Urologia, pelo “espírito empreendedor e inovador” do seu principal responsável,
o urologista Paulo Vasco. Por seu turno, e em
jeito de balanço, Paulo Vasco agradeceu a todos
os que permitiram a realização deste evento,
nomeadamente a Liga dos Amigos do Serviço
de Urologia do Centro Hospitalar do Médio
Tejo. Durante um dia e meio foram vários os
assuntos discutidos, desde o diagnóstico até às
novidades na terapêutica da doença oncológica
em Urologia, passando pela apresentação de
casos concretos.
O especialista Vaz Santos apresentou a última
conferência dos trabalhos, subordinada ao tema
“A Viagem”. Em jeito de conclusão, este médico
defendeu que “é um erro imaginar que a morte
está à nossa frente”. Porque “grande parte dela
já pertence ao passado” e porque toda a nossa
vida pretérita é já domínio da morte”. Para os
médicos, o mais importante é a vida. Através
dos conhecimentos e da prática, adquirem “um
poder terrível: ganham dias à morte”.
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| ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SAÚDE
“A morte ao serviço da vida”
A doação de corpos para investigação é indispensável. A formação dos alunos de medicina e os progressos dos tratamentos médicos e
cirúrgicos de muitas doenças dependem dela. Felizmente, e embora se trate de um número bastante reduzido, a “vontade de ajudar
não só os investigadores como futuras pessoas” continua a levar alguns indivíduos a “este acto cívico, da maior generosidade”.
gonçalo reis
CLÁUDIA FERREIRA
Se morrêssemos agora, muito
provavelmente éramos enterrados. Postos num caixão, vestidos
a rigor para uma “gala” que não se
sabe bem onde é, e muito menos
se irá acontecer. Normalmente é
assim. Vamos “para baixo da terra”
e o corpo ali ficará. Mas há quem
queira dar um fim diferente ao seu
corpo, ajudando a investigação
científica.
Foi no ano de 300 a.C. que se deram, pela primeira vez, dissecações
do corpo humano. Através delas
surgiram as descrições anatómicas
que possibilitaram um razoável conhecimento da forma e da função
do corpo humano. Em Portugal
foi com D. João III (em 1546) que
se recorreu a este método, pela
primeira vez, na universidade de
Coimbra. Actualmente, são três as
Universidades Portuguesas a receber doações de cadáveres para fins
de investigação. Coimbra, Lisboa e
Porto são os marcos que resistem,
apesar das poucas doações que se
têm verificado nos últimos anos.
Para a Universidade do Porto, a
doação é um acto essencial, uma
vez que torna possível “aprender a
constituição do corpo humano” e
acima de tudo fomentar “a observação, capacidade indispensável a
um médico competente”.
Francisco Correia, da Universidade de Lisboa, afirma que, mesmo não recebendo cadáveres neste
momento, por motivo de obras, “os
trâmites da doação são iniciados
normalmente, para que, aquando
da reunião das condições necessárias, estejamos aptos a concluir os
processos.” Também aqui a doação
assume uma grande importância,
sendo considerada essencial para o
ensino dos futuros médicos.
Corpo. A doação pode contribuir para que os médicos sejam melhores
De acordo com a legislação, as
doações apenas podem ocorrer
após a verificação do óbito, e caso
“a pessoa falecida” tenha declarado,
em vida, “a vontade de que o seu
cadáver seja utilizado para fins de
ensino e de investigação científica”.
Assim sendo, qualquer um, desde
que maior de idade, tem o direito
de doar o seu corpo. Uma declara-
ção de vontade, revogável, a todo o
tempo, pelo próprio.
Todo o processo de doação é seguido passo a passo, de uma forma muito simples. De acordo com
Francisco Correia, “o procedimento
começa com o contacto por parte do interessado na doação. Em
resposta, é-lhe enviado um conjunto de documentação que inclui
informação diversa que aborda o
tema e formulários que o interessado deverá preencher (sendo que
um requer assinatura reconhecida
notarialmente) e devolver”. Todos
os custos decorrentes da doação
estarão a cargo da Faculdade de
Medicina que recebe o corpo do
falecido dador. As condições de sigilo e segurança exigidas pela lei são
completamente asseguradas.
João Nunes, estudante do ensino
superior, não considera sequer a
hipótese. Ana Fernandes, também
estudante, também não encara a
possibilidade de doar o seu corpo: “Já pensei sobre o assunto, mas
não vou doar o meu corpo para
investigação, porque a minha ideia
é seguir o que a minha família tem
feito (ser enterrada ou cremada)”.
Já para Marina Araújo, a questão
é vista de outra forma. “Penso bastante no assunto, porque acho um
desperdício enterrar o meu corpo,
uma vez que é material para os alunos de medicina que precisam de
muito mais do que treinar em bonecos de borracha”. Esta estudante
de jornalismo acha importante a
possibilidade de ajudar a alcançar
avanços na medicina.
Maria Fernanda Costa descobriu
a possibilidade da doação através
de “uma reportagem na televisão
em que nos era dito que as faculdades de Medicina tinham falta de
corpos para estudar”. A partir desse
momento não houve hesitações.
“Depois de morrer já não há nada a fazer. Por isso pensei doar o
meu corpo”. Falou com a família
e informou-se dos passos a seguir.
“Não me incomoda nada a ideia de
cortarem o meu corpo para o estudarem. Fico feliz, porque vou fazer o
bem. Estou muito confortável com a
minha decisão, muito satisfeita.”
Ainda são poucas as pessoas que
doam o seu corpo. A verdade é que,
em Portugal, “existe um arreigado
conceito do culto dos mortos. É
um assunto melindroso”. Para além
disso, e Francisco Correia explica,
“existem duas situações distintas
relativas ao óbito do doador” que
implicam duas abordagens distintas quanto à forma de cumprir a
sua vontade. Num primeiro caso, o
“óbito ocorre em meio hospitalar e
todo o processo é desenvolvido internamente”. Mais fácil, com menos
complicações. Num segundo caso,
“o óbito ocorre fora do meio hospitalar e todo o processo se desenrola
como se não houvesse intenção de
doação. É dada a hipótese de velar o
corpo ou de efectuar qualquer outra
cerimónia e, posteriormente, o corpo é transladado para a instituição
que aceitou a doação.” Neste caso
podem existir alguns percalços.
Francisco confirma que, por vezes,
os “familiares se opõem à doação”.
Muitas razões existem para que isso
aconteça, mas “regra geral, estão
associadas a questões religiosas ou
culturais.”
Para a Faculdade de Medicina
do Porto, “não é um tema fácil de
abordar”. Porém, se “a importância da dissecção” for divulgada, “o
seu impacto junto de potenciais
doadores poderá ser o desejado”.
É necessária divulgação. Teme-se
o fim das actividades de dissecção
efectuadas pelos alunos, e esse facto
terá reflexos muito negativos. “Através do altruísmo e da generosidade
de uma doação pode-se contribuir
para que os médicos possam vir a
ser melhores do que são hoje”, que
aprendam a tratar melhor os doentes e, quem sabe, “cedo se tornem
mais humanizados”.
A Maria Fernanda Costa só falta
“assinar os documentos depressa”.
Depois fica descansada, porque
sabe que a sua vontade vai ser respeitada.
Legalização do Testamento Vital continua em aberto
“Documento com valor jurídico, em que uma
pessoa que se encontre em situação de lucidez
diz qual é a sua vontade relativamente aos
procedimentos que deseja que sejam adoptados, designadamente por médicos, para o caso
de se vir a encontrar numa situação de doença
terminal, física ou mental, com características
de incurabilidade, de inconsciência e sem
expectativas de regressão” – esta, é a definição
de Testamento Vital para o Direito.
Ponto de partida para muitas discussões,
manifestos, convicções e protestos por todo
o mundo. A discussão pela validade, a ética e
a necessidade de uma legislação para a existência e a aceitação ou não de um Testamento
Vital, é um tema a ser resolvido em vários
países.
Se há quem diga que a legalização do Testamento Vital deve ser considerada como um
marco civilizacional e que somos nós que decidimos sobre a nossa própria vida, por outro
lado há quem defenda que ninguém pode
decidir sobre a vida ou a morte, muito menos
sem saber as probabilidades frente a uma doença, por mais grave que esta seja. “Cada caso
é um caso”, defende Deolinda Matos, pediatra
do Hospital de Almada.
Mas se este é um caso que levanta alguns problemas legais e éticos, a nível social parece ser
algo que já não é completamente estranho.
Frases como “é mais fácil escolhermos nós a
nossa morte, do que estar por exemplo em estado vegetativo”, “as pessoas devem ser livres
de optar por aquilo que é melhor” e “ajudaria
a aliviar a dor de muitas pessoas” surgem com
frequência quando se aborda o tema.
Este que é considerado pela maioria como um
debate simples, para o pároco de Alcanena é
um assunto que “é muito difícil de responder
com um sim ou um não” e que não pode ser
tratado de forma “leviana”. Assuntos estes que,
para o pároco António Ribeiro, têm de ser
bem pensados e amadurecidos porque, na sua
opinião, muitas vezes “somos levianos a querer
legislar esse género de coisas”. A pediatra do
Hospital de Almada salienta que este é um
assunto “muito complexo” e que a aprovação
deste testamento “pode ser perigosa”.
Devido à complexidade do assunto e ao facto
de abranger várias áreas, desde a Saúde ao
Direito, muito dificilmente irá começar a vigorar
este ano, pois há mais de dois anos que a Associação Portuguesa de Bioética (APB) enviou
para a Assembleia da República uma proposta
de projecto de lei para a criação do Testamento
Vital, que continua à espera de oportunidade
política e social. Contudo, Maria de Belém,
presidente da Comissão Parlamentar da Saúde,
diz que a legalização do Testamento Vital é
uma questão que terá de ser discutida. A APB já
pediu uma audiência à Comissão Parlamentar e
defende que, antes do debate sobre a eutanásia, é preciso aprovar o Testamento Vital. Tem de
haver uma hierarquização de prioridades para
que o tema não seja discutido a correr.
Jorge Ferreira, advogado e docente de Direito,
explica que uma alteração destas seria uma
“pequena revolução jurídica e nos valores que
actualmente a estruturam. Representariam a
relativização da vida humana tal e qual ela é
hoje protegida pelo Direito”. Desde 2002 que
este é um assunto que está resolvido em Espanha, contudo, em Portugal, é uma questão
“bastante polémica na sociedade” e que gera
necessariamente uma grande “reflexão e ponderação nas várias instituições sociais, religiosas e políticas”.
Para a pediatra Deolinda Matos, “o que deve estar
bem esclarecido e talvez “legislado” são normas
para NÃO se manter a vida do doente a qualquer
custo”. Acima de tudo, deve haver “bom senso, informação e diálogo com o doente e ou familiares
tentando perceber o que pensam e desejariam
que fizéssemos”, remata. Tânia Machado
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | SOCIEDADE
CLÁUDIA FERREIRA
Distribuição de alimentos em Abrantes
A última vez
Em Abrantes a distribuição alimentar feita pela Cruz vermelha terminou. Os
apoios acabaram e a ajuda às famílias carenciadas deixou de ser possível. Do
último dia de entrega de alimentos fica o desalento, e uma frase na memória:
“É preciso ter coragem”.
Cláudia Ferreira
e Tânia Machado
O silêncio invadiu a sala. Nada
mais havia a fazer. A dura explicação fora dada e o desânimo estava
estampado nas caras das pessoas.
Esta era a última vez. A última
vez que a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) de Abrantes fazia a
distribuição de alimentos.
Aos poucos, uma a uma, foram
chegando, cada uma destas pessoas,
do concelho de Abrantes que, por
diversos motivos, necessitam de
ajuda. A alimentação, vestuário e até
brinquedos são doados por supermercados e entidades individuais,
e trazidos pelos homens e mulheres da CVP. Também a estes pesa a
decisão de acabar com a distribuição. Não é fácil. Mas não há muito
que possam fazer. Os apoios (dos
supermercados do concelho), que
lhes permitiam ajudar estas pessoas,
acabaram ou, então, diminuíram de
tal forma a quantidade de entregas,
que o fim da distribuição aconteceu.
O principal apoio, o Modelo, passou
a entregar comida apenas uma vez
por mês. Esta quantidade não chega
para as 40 famílias do programa
de apoio.
Infelizmente, e segundo o comandante Luís Florêncio, não existe a
capacidade de saber quem realmente necessita de ajuda. Os documentos necessários para recorrer a este
amparo são, apenas, atestados de
pobreza da Junta de Freguesia e algumas certidões com o agregado
familar, que qualquer um consegue
arranjar. Não é possível à CVP cruzar os dados com os da Segurança
Social e, portanto, a lista de pessoas
a ajudar é longa.
Os quatro meses sem distribuição não chegaram para encher a
pequena sala com comida. Claro é
que não será suficiente para todas
as famílias. A distribuição começa, sempre em função do tamanho
do agregado familiar, e cada uma
destas pessoas sai daqui um pouco
melhor do que quando entrou neste
rés-do-chão.
Maria Elvira conhece bem os homens da Cruz Vermelha. Já faz dois
anos desde a primeira vez que recorreu à distribuição de alimentos.
Os 50 anos, assim como as dores,
não perdoam. A falta de reforma,
tão necessária devido à doença, assim como os poucos rendimentos
obtidos mensalmente pelo marido,
criam necessidades. A CVP ia, aos
poucos, “remediando” a situação.
O que levavam dava para pouco,
mas “ia-se esticando”. Mas não são
caso único.
A bicicleta à porta. O meio de
transporte para a comida e para
as três bonecas que Jacinta decidiu
levar consigo, talvez pela companhia. A reforma por invalidez dá a
esta mulher cerca de 200 euros por
mês. O marido, Custódio, tem 60
anos. Nas obras já não o aceitam,
não tem idade para trabalhar. Não
tem rendimentos. Nada é fácil.
Para Sandra, monitora de ATL,
e voluntária da Cruz Vermelha, a
parte da decisão de quem ia dar
a notícia tão negativa, foi o mais
difícil. Para além disso já estavam
acostumados a estas pessoas, pessoas de todas semanas, que agora
vão deixar de ver.
O fim da distribuição de alimentos pela CVP assusta as 15 pessoas
CLÁUDIA FERREIRA
Transporte. É assim que Jacinta e Custódio vão buscar a comida
que compareceram à última entrega.
Esta era uma das formas de conseguir viver todos os meses. A solução
será recorrer ao banco alimentar de
Abrantes. Nada é garantido, mas o
certo é que esta é a melhor hipótese
de conseguirem alguma ajuda.
Os 30 minutos de caminho não
metem medo. O saco da comida é
preso à bicicleta, e Jacinta e Custódio estão prontos para a viagem.
Aos poucos, afastam-se no caminho, afastam-se da CVP, sem saber
o que os espera pela frente. Deixam
um “obrigado” por aquilo que por
eles fizeram.
CLÁUDIA FERREIRA
Um Banco diferente
Vanessa Jorge
Os munícipes de Abrantes, que
estão em situação de desemprego
conjuntural e que estejam a viver
situações de carência económica,
têm, desde Fevereiro, a oportunidade de ser ajudados. Nessa altura,
no âmbito da Rede Social, a Câmara Municipal e o Centro de Recuperação e Integração de Abrantes
(CRIA) assinaram um protocolo
que fez nascer o Banco Social de
Abrantes.
Para poderem receber a ajuda
do BSA, as famílias devem reunir
alguns requisitos. Entre eles: morar,
no mínimo, há um ano no concelho; ter encargos com habitação
não superiores a 500 euros mensais;
ter prestações por liquidar há, pelo
menos três meses; e já terem esgotados todos os mecanismos de apoios
sociais disponíveis.
A selecção é minuciosa. Uma assistente social da autarquia explica:
“A sinalização das famílias é feita pelas Comissões Sociais de Freguesia
(CSF), ou, no caso destas não existirem, a própria Junta de Freguesia,
que após uma análise pré-liminar
preenche uma ficha de sinalização.
A sinalização é posteriormente avaliada por uma Comissão Técnica,
que com base no parecer da CSF,
realiza de forma mais aprofundada
o estudo social da família, através de
entrevista personalizada e de visita
domiciliária.”
Contribua!
A Câmara ofereceu €50.000,000
Contribua também:
Caixa Geral de Depósitos
Centro de Recuperação e
Integração Abrantes Banco Social
Número: 2001014623430
NIB: 003520010001462343081
Este apoio social pode ser alimentar, habitacional, escolar e ao nível
da saúde. Entre outros apoios, o
BSA atribui apoio financeiro para
pagamento de crédito à habitação
ou renda de casa, fornece bens
alimentares, em articulação com
o Banco Alimentar de Abrantes,
apoio para material escolar e medicamentos.
Até ao fecho do jornal eram apenas conhecidos dois casos inseridos
no BSA.
10 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SOCIEDADE
Santa Casa da Misericórdia proporciona comida e atenção
Refeições solidárias no Sardoal
Normalmente, são idosos que já não conseguem cozinhar. Até podem ter filhos relativamente perto, mas continuam a precisar de
refeições entregues à porta. A Santa Casa da Misericórdia do Sardoal distribui, diariamente, cerca de 50 refeições. As funcionárias
que fazem estas entregas de refeições são, frequentemente, as únicas pessoas que os idosos vêem durante o dia. Daí a importância
do sorriso e das palavras de conforto.
Gonçalo reis
Joana Rato
e Simão Santana
Doze horas e quinze minutos, sol tórrido, mas
ambiente acolhedor e refrescante na Santa Casa
da Misericórdia do Sardoal – Abrantes (SCMS).
É o começo de mais um dia de dedicação por
parte das “meninas” que distribuem as refeições diárias por todo o concelho do Sardoal,
a poucos quilómetros de Abrantes, no distrito
de Santarém.
Dois sentimentos diferentes surgem quando
se visualiza a carrinha mais solidária deste concelho: por fora, a vulgaridade de uma simples
viatura; por dentro, a magia e o encanto de certos
pormenores que a tornam especial. A carrinha
que distribui refeições a quem precisa tem um
toque feminino e uma fragrância primaveril,
simbolizados por uma flor no tablier. Na porta do
passageiro estão meia dúzia de laranjas, vitamina
C para dar força ao corpo e à alma. Para os raros
momentos de distracção, a revista Maria, fonte de
informação cor-de-rosa, está disponível. Afinal,
quem não gosta de uma boa fofoca?
Descida íngreme, viragem à esquerda, nova
descida, rotação à direita e a primeira paragem… Não, não é a primeira refeição que vai
ser entregue, antes de mais é preciso “pagar a
luz a esta senhora”. Quem o diz é Irene Duque,
numa atitude que é o reflexo de um trabalho
que é muito mais do que algo estritamente
profissional, marcado pelos laços de amizade
que se criam ao longo dos tempos.
Após o favorzinho, é hora de pôr mãos ao
trabalho, porque o caminho é longo e são mais
de 50 as refeições a entregar, de casa em casa,
de porta em porta, porque o dever chama e o
coração pede.
Apesar de serem 50 as refeições, “esta é a volta
mais pequena”, mas veremos… A viagem vai
começar dentro de momentos, cintos colocados,
olhos nas estradas e aí vamos nós!
Primeira paragem, um corredor escuro, um
cheiro intenso a humidade, a porta de entrada do
lado direito… uma senhora forte e com grandes
dificuldades para se movimentar. A D. Irene
Gonçalo reis
Solidariedade. As “meninas” da SCMC entregam refeições e um sorriso a quem precisa
deixou a caixa térmica com o almoço na sala de
estar e faz as típicas perguntas: “Como está? Está
melhorzinha?” A conversa não é fácil, mas reconforta. Pelo menos, há alguém que se preocupa.
Há que seguir viagem. As ruas são estreitas e dentro da carrinha, quase automaticamente, parece
que os corpos também se encolhem. Mas a D.
Irene sabe bem o que faz e nem por um segundo
desconfia da sua perícia de condutora convicta!
Quando encarrega o repórter de entregar uma
refeição, a D. Irene também sabe o que faz. Para
contar, mais do que ver importa fazer.
Surpreso, com o coração apertado e sem saber muito bem o que fazer, as pernas soltam-se,
as mãos descontraem-se e a alma solta-se para
entregar mais um sorriso. Tudo aconteceu à
porta da casa do senhor António que, por acaso, não estava. É solteiro e bom rapaz, por isso,
compreende-se… Mais uma missão cumprida!
D. Artémia Silva olha para estas pessoas que
diariamente lhe entregam refeições como se
fossem a sua família. “São como filhos”. Os olhos
brilham, o coração quase salta para fora do seu
corpo, como que se de uma explosão de alegria
se tratasse. Nota-se o agradecimento pela ajuda
que recebe em cada gesto daquelas mãos com 78
anos de trabalho, a que a vida obrigou.
Mais uma subida íngreme, respiração ofegante e uma nova boa acção feita como se se
tratasse de um passeio à beira-mar, quando o
espírito se eleva e o cansaço desaparece. A “menina” da Santa Casa leva mais um sorriso nos
lábios, mas só até à próxima casa, porque aqui as
“coisas são diferentes”. Neste caso, quem recebe
ajuda até tem os filhos por perto, mas têm os
seus empregos e não podem ajudar a mãe, que
já vai nos 80 anos de vida. Por causa da idade,
sente dificuldade em cozinhar, o que a levou a
aceitar as refeições da SCMS. “Já nem chego a
certos sítios em condições”, conta. Então “para
não haver acidentes”, é melhor assim: a SCMS
ajuda e a octogenária senhora agradece.
O calor está do tamanho do sol e o cansaço
nem é visível na cara da D. Irene Duque. Só pogonçalo reis
de ser obra daquele músculo, o mais importante
do nosso corpo - o coração - a falar mais alto.
Última paragem na casa da D. Armandina,
de 78 anos, que vive em condições complicadas.
O ar abafado e cheiro desconfortável são prova
disso mesmo. Esta idosa senhora gosta “bastante
das pessoas da Santa Casa” porque, diz ela, “não
dão à língua”, gesto que é visto pela D. Armandina como sendo de fidelidade e honestidade nas
suas profissões. O tempo escasseia, a conversa,
mesmo não sendo nas melhores condições, “está
boa”, mas é preciso regressar à base, porque há
sempre muito a fazer. É a altura das despedidas,
desejam-se as melhoras (mesmo não sendo
preciso) e segue-se viagem, curta, até ao local
de partida, a SCMS.
À chegada, Vânia, de 24 anos, já está a preparar
a próxima etapa de distribuição, num sítio bem
mais fresco e arejado. É a hora do descanso,
recarregam-se «baterias» e fala-se do que mais
sentem falta estes idosos solitários. Sobretudo,
“companhia, a atenção e o carinho”. O palpitar
do coração e os olhos pequeninos de emoção
começam a chegar, nestas jovens raparigas que
tudo fazem para satisfazer os mais pequenos
desejos de pessoas que já deram bastante por
um Portugal melhor e que agora “ficam sempre
à nossa espera” para mais um almoço, por mais
um dia e por mais um sorriso do reencontro. A
verdade é crua: “Há pessoas que só nos vêem a
nós durante o dia todo”.
Estes profissionais que entregam refeições e
carinho sentem a falta dessas pessoas, quando
estão de férias ou “quando morre alguém”. Faz-se
silêncio, a palavra «morte» nunca costuma ser
bem-vinda. Naquele instante, naquele segundo
de silêncio, o agudizar da repugnância da palavra
foi mais do que visível, os corpos encolheram-se
como quem se encolhe para passar num local
muito estreito e como quando uma espinha passa
na garganta. Vânia sabe o que diz, a expressão
fala por mil palavras, ela que já encontrou “uma
idosa morta em casa”. São experiências difíceis,
mas que tornam mais ricas as vidas destas moças
que dão tudo por alguém que, quase sempre,
também já deu muito.
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 11
SOCIEDADE
“Como responder à actual crise”
paula faria
Paula Faria
A crise, que se faz sentir um pouco
por todo o mundo e também no nosso país, preocupa muitos portugueses e a população abrantina não fica
atrás em relação a essa preocupação.
Prova disso foi a grande assistência
no debate organizado pela Associação Portuguesa de Cidadania Activa
(APCA), “Como Responder à Actual
Crise”, que ocorreu no passado dia 23
de Abril, na ESTA.
Este debate foi moderado pela presidente da APCA, Ascensão Duarte, e
contou com a presença dos economistas Silva Lopes e Daniel Bessa. Ambos
defendem que Portugal enfrenta “não
uma, mas duas crises. Uma nacional,
que evolui desde 2001 e por cá deve
continuar, e outra internacional, que
será resolvida mais rapidamente”.
Daniel Bessa defendeu mesmo que
parte dos salários da função pública,
com valores superiores a 1.500€, “devem ser pagos em dívida pública de
forma a reduzir o consumo, a dívida
pública e responder à actual crise”. O
professor e ex-ministro afirma que
“seria o primeiro a subscrever essa
forma percentual de pagamento dos
funcionários públicos, com salários
mais elevados, com dívida pública,
uma medida que deveria ser alargada
a outros sectores do Estado.”
No final do debate era visível o
contentamento de Ascensão Duarte. “A participação foi excelente. A
cidadania está a ganhar a todos os
Vítor Conde. “A crise vai-se manter por algum tempo”
níveis. Nem o facto de a hora já ir
adiantada fez as pessoas arredarem
pé da sala. Foi um privilégio para
Abrantes e para nós ter os oradores
que estiveram aqui.”
Todos sentem a crise, mas nem
todos estão dispostos a falar dela.
Por vergonha ou para se esconderem
desta realidade difícil. Maria Amé-
lia Meira, de 57 anos, aposentada da
função pública, e Bruno Ferreira, empregado de mesa, dizem que esta crise
que o país atravessa afectou as suas
vidas, “como afecta a de toda a gente.”
Ambos dizem que para sobreviver, a
solução é “poupar”: “Compra-se só
o essencial. Já não podemos dar-nos
a luxos.”
Para José Rodrigues, de 51 anos,
“a crise arrastou-se”. A dúvida que
levanta é a de saber até quando é
que vai durar: “Tinha uma empresa
por conta própria e tive de fechála, porque os outros sócios reformaram-se. Como havia incumprimentos e as dívidas já começavam
a acumular-se…não quis arriscar.”
Tal como muitos portugueses, José
esteve desempregado dois meses,
mas acabou por conseguir trabalho “numa empresa de fabrico de
materiais para automóveis”. Mesmo
assim, acrescenta: “Nos dias de hoje
não há garantias nenhumas.”
Quem também sente os efeitos
desta crise são os comerciantes. “As
pessoas só compram por necessidade”, diz Sandra Ibarra, funcionária
da “Charanga” em Abrantes. “Esta
loja vai vendendo porque é de roupa
para crianças, mas em comparação
com o ano passado há uma quebra
de vendas.”
Por sua vez, Vítor Conde, proprietário da “Papelaria Condes”, também
admite dificuldades nas vendas e
aponta o dedo aos grandes espaços
comercias, que “dificultam muito a
nossa actividade”, tanto no seu estabelecimento “como nos outros aqui
na zona histórica da cidade”. No que
respeita à crise, acredita que se vai
“manter por algum tempo.”
Manuel Dias, dono da “Tabacaria”,
também em Abrantes, adianta que
não sente especiais efeitos da crise
no seu estabelecimento, mas acrescenta que tem “a consciência que o
comércio aqui tem sentido muito
os efeitos da crise. Mas não é só aqui
em Abrantes, é em todo o lado.” Na
opinião deste dono da tabacaria, “os
que menos têm, são os que mais sofrem, principalmente os que não têm
emprego”. Mas a mensagem que deixa
é positiva: “Melhores dias virão…o
mundo não vai acabar.”
(In)Segurança em Abrantes
paula faria
Daniela Santos
Por entre ruas e ruelas a vaguear,
são poucas as pessoas que podemos
encontrar na noite abrantina. Por
vezes, numa rua mais escondida, lá
se encontra um grupo ou outro de
rapazes, que se escondem não se sabe
bem do quê nem o porquê, mas a
verdade é que a aparência desse grupo assusta as pessoas que andam sozinhas à noite. Sem algum segurança
por perto, o medo de nos acontecer
alguma coisa, numa daquelas ruas,
aumenta a cada passo que damos, o
coração começa a bater mais forte
e de repente começamos a aumentar a velocidade com que andamos.
Porquê? Porque não conhecemos as
pessoas e fugimos com medo que
nos façam mal. Mas isto só acontece
a quem anda na rua durante a noite.
De dia já nada disto acontece.
De dia as ruas enchem-se de vida
e, como consequência, aumenta a
segurança desta pequena cidade.
Mas, mesmo assim, a cidade de
há vinte anos atrás já não é o que
era. As pessoas que nela habitam já
não são as mesmas e isso faz com
que alguns residentes mais velhos
desconfiem das pessoas novas que
Vigilância. “Muitas vezes as lojas não são assaltadas graças aos jovens”
chegam a Abrantes.
Bem no centro desta cidade, a vida
era diferente da que se vive agora. Todos os dias apareciam pessoas novas
que apenas passavam por ali para
conhecer a cidade, mas eram pessoas que chegavam e passadas poucas
horas iam embora. “Essas pessoas
nunca trouxeram grandes problemas,
até pelo contrário, davam alegria à
nossa pequena cidade”, diz o senhor
António Pedro, um abrantino de gema já com 68 anos. Cheio de sorrisos
e sempre a falar da cidade que o viu
crescer, o senhor António diz ainda
que hoje em dia já não se sente tão
seguro como antes e que tem medo
de andar na rua com a mesma descontracção com que andava.
“Está a criar-se uma marginalidade nova, isto porque há pessoas que
chegam à cidade e têm a ideia que
são os donos dela devido à impunidade com que são tratados”. Esta é
a ideia que Tiago Lopes, que mora
desde muito pequeno em Abrantes,
tem acerca dos novos habitantes de
Abrantes. Tiago coloca ainda de
parte a ideia de que os novos jovens que chegam a Abrantes para
estudarem na ESTA são perigosos,
acrescentando que “a insegurança
em Abrantes é um problema interno, é um problema dos «nativos» de
Abrantes”. No que diz respeito ao
papel desempenhado pelos agentes
de autoridade da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Abrantes, Tiago
diz que “nem sempre é um trabalho
eficaz, mas a culpa também não é só
deles. Algum do imobilismo policial
é resultante dos vários decretos-lei
que limitam a acção policial”.
Luisilda Salgueiro é uma das comerciantes de Abrantes que pode
sentir mais medo. Proprietária de
duas ourivesarias, viu-se obrigada
a fechar uma delas, que ficava no
Centro Comercial Millenium, devido à criminalidade que existe na zona
comercial de Abrantes. Quanto ao
espaço comercial que mantém aberto
desde há 20 anos, perto da Câmara
Municipal de Abrantes, nunca teve
grandes problemas de insegurança. Já
foi vítima de alguns roubos nesta loja,
mas nada de grande valor. No que diz
respeito à presença dos jovens estudantes de Abrantes, Luisilda Salgueiro
afirma que “são uma segurança que
temos durante a noite e acredito que
muitas vezes as nossas lojas não são
assaltadas graças à presença destes
jovens nas ruas”. Assim sendo, Luisilda Salgueiro diz que a única queixa
maior que tem a fazer é sobre a falta
de policiamento nas ruas do centro
da cidade e do tempo que os agentes
levam a chegar ao local quando são
chamados.
Na opinião de alguns munícipes,
o patrulhamento nas ruas do centro da cidade é quase nulo, ou seja,
visto que estas ruas foram cortadas
ao trânsito, os carros da polícia não
podem por elas circular. Assim sendo, a única forma de a polícia fazer
o patrulhamento é andando a pé, o
que raramente se vê.
Foram várias as tentativas de
questionar o Comandante da PSP
de Abrantes acerca deste assunto, mas
até ao fecho desta edição não foi possível obter qualquer esclarecimento.
Ao povo abrantino pouco resta
fazer! Trancar as portas, fechar bem
as janelas e evitar andar sozinho nas
ruas durante a noite, são algumas
das medidas que devem ser tomadas
para garantir uma melhor segurança
na cidade florida. Mas será que só
isto alguma vez irá contribuir para
a diminuição da criminalidade e da
insegurança em Abrantes?
12 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SOCIEDADE
Escola Básica de Cardigos, Mação
Ensinar a Cidadania
Sara Pereira
Cardigos é uma pequena aldeia no concelho de Mação. Parece um lugar isolado entre
as serras, onde a única coisa que lá chega
facilmente é o frio e o vento. Porém, nem por
isso é um lugar isolado do resto do mundo
em termos de educação: ao entrar na sala de
aula dos 3º e 4º anos da Escola Básica, salta à
vista um cartaz pregado no quadro de cortiça.
Nele, um desenho com três crianças: um índio americano com uma pena bem espetada,
uma menina loira com um laçarote na cabeça
e um menino negro que, tal como os outros,
tem um enorme sorriso estampado no rosto.
Os três encabeçam uma frase que resume a
declaração Universal dos Direitos do Homem
a três palavras: “Somos todos iguais”.
Nesta, como em todas as escolas do país, a
cidadania aprende-se desde o Jardim de Infância, já que é lá que a criança tem o primeiro contacto com a sociedade e se começa a
relacionar com o mundo e com o outro. “Vão
sendo dadas a conhecer as regras de conduta
à medida que vão sendo necessárias, senão
não ficava lá nada”, explica Gorete Valente,
educadora de infância do estabelecimento
de ensino. Em certas alturas, são levados a
aplicar aquilo que aprenderam na escola:
“No Natal fizemos uma festa junto com o lar
de idosos. Aprenderam, de uma forma mais
prática do que se fosse apenas dado em teoria,
como o respeito pelos idosos, por exemplo.
Aprendem, no terreno, para saberem em que
situações devem cumprir os seus deveres ou
reclamar os seus direitos”.
Depois do pré-escolar, logo no 1º ano, os
alunos começam a habituar-se a ver regras
escritas. Contudo, como tema de estudo
em si, a cidadania só é abordada nos 3º e 4º
anos. A aula de hoje é, precisamente, sobre
cidadania.
Rodrigo, do 4º ano, lê o texto distribuído
e a professora Fátima Belém, que acumula funções como directora da escola, pede
exemplos de regras de cidadania. A turma
hesita, mas aos poucos o burburinho sobe de
tom, pois todos têm alguma coisa a dizer, seja
as regras de trânsito, o direito a pedir o livro
de reclamações, ou mesmo o direito ao voto.
Há ainda uma certa confusão entre deveres e
direitos, mas que se desvanece quando Fátima explica que “para cada direito, existe um
dever”, porque “para termos respeito, temos
de respeitar os outros!”, remata de imediato
Edgar, também do 4º ano, “por exemplo,
temos o dever a não poluir o mundo”, ao que
a docente completa, “porque temos direito a
viver num mundo não poluído”.
Se o assunto fosse leccionado de um modo
tradicionalista, provavelmente os aprendizes
dispersavam-se. A melhor maneira de lhes
chamar a atenção para um tema que, mais
cedo do que imaginam, lhes será exigido no
dia-a-dia, é ensinando a partir de uma brincadeira. O “Jogo da Cidadania”, criado pre-
A melhor maneira de
chamar a atenção é
ensinando a partir de
uma brincadeira
cisamente por Fátima Belém, não é mais que
um conjunto de cartões, uns com perguntas,
lidas por ela, outros com as respostas correspondentes, que são distribuídos pelas crianças. A que tiver a resposta certa à pergunta
feita, lê o seu cartão. “O que são cidadãos
eleitores”? “São aqueles que podem votar. Eu
ainda não posso…”, responde Rodrigo. Ainda
terá tempo de aprender a ser um bom cidadão, se bem que as bases se comecem a criar.
“Um mau condutor é um mau cidadão”, “sim,
mas um peão que ande no meio da estrada
também!” Cria-se um espírito de debate entre
todos, a interactividade vai ajudando a que
as ideias fiquem bem cimentadas. A partir
dos exemplos dados, concluem que “direito
é aquilo que podemos fazer, dever é aquilo a
que somos obrigados a fazer” e, aos poucos,
desenha-se um significado colectivo criado
pela turma: “Cidadania é saber quais são os
nossos direitos e os nossos deveres”. Sim, de
um modo geral, pode-se dizer que sim.
Como curiosidade, Fátima pergunta se
algum deles sabe para que serve pedir o talão
de pagamento ou uma factura e, perante o
silêncio, explica que tal serve para que quem
venda seja levado a cumprir o dever de pagar
os impostos, “que o Estado depois utiliza para
pagar as reformas, os subsídios…”, exemplifica. A lição foi dada, a matéria está sabida,
as dúvidas foram tiradas. Mas Renata, da
turma do 4º ano, continua de dedo espetado:
“Se é tão importante que toda a gente pague
impostos, por que é que há gente que não
os paga?” A pergunta fica no ar. “Porque há
maus cidadãos que não cumprem os seus
deveres”, atira Gonçalo. Por vezes há quem
insista em não respeitar a frase no cartaz.
“Somos todos iguais”… Às vezes.
sara pereira
Mensagem. “Vão sendo dadas a conhecer as regras de conduta à medida que vão sendo necessárias, senão não ficava lá nada”
Afinal o que é a
Formação Cívica?
Quem tem filhos a estudar no ensino básico já os
deve ter ouvido a falar sobre Formação Cívica. Provavelmente, são mais as dúvidas do que as certezas,
tanto para encarregados de educação como para
alunos. Basta falar com jovens que já completaram
o ensino obrigatório para verificar que nem sempre
os objectivos do tempo dedicado à Formação Cívica
foram atingidos.
Rosa Maria Anselmo, Coordenadora dos Directores
de Turma e professora de Formação Cívica, explica
que “é uma área curricular não disciplinar”, apesar
de fazer parte do currículo obrigatório para todos
os alunos do ensino básico (ou seja, do 1º ao 9º ano
de escolaridade). Esta responsável acrescenta que “é
uma área com natureza transversal e integradora:
transversal porque atravessa todas as disciplinas e
restantes áreas do currículo; integradora, porque se
constitui como espaço de integração onde confluem
saberes diversos.”
Não sendo uma unidade curricular não quer dizer
que não tenha um plano de estudos. Apenas é diferente
e a forma como é feito também, “O plano de estudos
está norteado pela grande finalidade de preparar
cidadãos idóneos, responsáveis e dotados de capacidade reflexiva, crítica e interveniente numa sociedade
democrática”, explica Rosa Maria Anselmo.
O plano de estudos varia de turma para turma,
pois cada uma tem necessidades diferentes, logo
os temas abordados nas aulas são diferentes. Mas
os objectivos da área curricular não disciplinar são
sempre os mesmos, formar cidadãos conscientes e
que saibam estar.
Rosa Anselmo diz ainda que estas aulas são um “espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação
para a cidadania, e, pretendendo-se, prioritariamente,
o fomento de competências transversais”.
Ainda falando do plano de estudos, este é feito
através de “proposta/negociação de temas com os
alunos e de análise das escolhas pretendidas no seio
do conselho de turma”, sendo que a opinião dos alunos
é bastante importante, porque assim as aulas poderão
ser mais dinâmicas.
Visto ser um momento com características especiais no processo de aprendizagem, a dinamização
das aulas é diferente das outras unidades curriculares. “As aulas de Formação Cívica são dedicadas a
projectos temáticos, a dilemas hipotéticos; a jogos
interpessoais; a diálogos informais solicitados pelos
alunos, à auto e hetero-avaliação, no final de cada
sessão”. Tudo isto para que os alunos façam uma
reflexão geral sobre os assuntos tratados, sobre as
conclusões a que chegam e sobre a lição que tiram
da aula.
Pelo facto de as aulas serem praticamente diálogos e
jogos com os alunos, seria normal que existisse algum
ruído e confusão na sala de aula. No entanto, Rosa
Anselmo diz que isso não acontece, pois os alunos
sabem “saber ser/saber estar”.
A receptividade dos alunos a estas aulas também
é questão importante. Sobretudo nalgumas idades,
os “temas sérios” nem sempre são fáceis de abordar.
Mesmo assim, a Coordenadora dos Directores de
Turma diz que os alunos são bastante receptivos e
isso deve-se à forma como o plano de estudos é feito,
porque se são temas escolhidos por eles é óbvio que
estes se vão interessar e ser receptivos aos temas tratados nas aulas.
Uma conversa rápida com alguns alunos sobre
o tema das aulas de Formação Cívica revela algum
desinteresse. Reconhecem que os temas são importantes, mas são “sempre os mesmos”. Alguns alunos
argumentam ainda que já sabem tudo o que é dito.
Eles querem saber mais sobre um tema e não ficar
limitados à informação básica, que será aquela que
adquirem, provavelmente, através da televisão e da
Internet.
Independentemente das críticas que possam fazer,
os alunos reconhecem que os resultados até são bons,
porque há alunos que mudam de atitude, ou seja, e como eles dizem, “ficam mais fixes”. Cátia Romualdo
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 13
SOCIEDADE
Prémio de 25 mil euros por projecto sobre cidadania ambiental
Escola do Sardoal
reconhecida a nível nacional
Sara Oliveira
Sara Oliveira
Foi pelas mãos de Maria Cavaco Silva
que, no passado dia 18 de Março, o Agrupamento de Escola do Sardoal foi distinguido e premiado com 25 mil euros pela
Fundação Montepio, em Lisboa.
O Prémio Escolar Montepio foi criado
no ano de 2008 e tem como objectivos
distinguir o bom desempenho dos estabelecimentos de ensino e incentivar os
projectos que visem melhorar as condições
de aprendizagem. Neste sentido, as 50
escolas que apresentaram mais melhorias
significativas nos resultados escolares foram convidadas a participar num concurso
e, entre estas, cinco foram premiadas.
Um dos prémios atribuídos destinou-se
à Escola Básica 2,3/S Dra. Maria Judite
Serrão Andrade, no Sardoal, que apresentou um projecto voltado para a cidadania
ambiental. Ana Mendes, coordenadora
do projecto, explica que se trata de uma
“temática e preocupação mundiais”.
A professora Ana Mendes revela que
este foi o primeiro prémio pecuniário que
a escola recebeu e acredita que, de alguma
forma, o facto de serem “uma escola do
interior e uma escola pobre foi um factor”
relevante e “positivo” para a selecção da escola. Numa primeira fase ficaram entre as
dez primeiras, tendo-se seguido a distinção
entre as cinco melhores.
O trabalho desenvolvido na escola do
Sardoal baseia-se na preservação dos ambientes aquáticos e promove a reciclagem
dos mais variados produtos. Sob o lema
“Defender o Planeta Azul”, alunos e professores pretendem, entre outros objectivos,
construir um lago no espaço exterior da
escola e um aquário no interior de um dos
blocos de salas de aulas.
Ana Mendes salienta que “o projecto está articulado em todas as disciplinas”, facto
que pensa ter pesado muito na entrega do
prémio. A candidatura focava o facto de
se tratar de um projecto transversal, com
Objectivo. “Alargar o leque de competências dos alunos”
um objectivo comum: “Alargar o leque
de competências dos alunos, tendo em
atenção o contexto socioeconómico da
sua vivência”.
Apesar da dedicação ao projecto, as
expectativas não eram muitas: “Nunca
pensei que iríamos ganhar o prémio”. A
professora responsável destaca o trabalho
desenvolvido pela sua colega e professora
Rita Brito, a quem deve “parte deste prémio”, por ter impulsionado a candidatura
da escola. Ana Mendes enaltece também
o esforço e dedicação de alunos, docentes,
pais e encarregados de educação, que considera factores essenciais para o sucesso
deste projecto. A eles se deve, também,
o apuramento entre as cinquenta escolas
convidadas a concorrer ao Prémio Escolar
Montepio.
No seguimento deste projecto, na Escola
Básica 2,3/S do Sardoal decorreu, entre os
dias 20 e 24 de Abril, a “Semana Amiga do
Planeta Terra” onde foram apresentadas as
actividades referentes aos objectivos e acção do projecto, que segundo a professora,
decorreram de “ forma satisfatória”.
Fizeram parte destes dias vários tipos de
desporto, torneios entre as turmas, filmes
sobre a temática da semana, um peddy
paper de Matemática, uma feira de minerais, uma feira do livro, trabalhos manuais
com materiais reciclados, entre outras.
Nas várias salas da escola estavam expostos
os trabalhos do 7º ano com a temática
“Água, um bem a preservar”, do 8º ano com
“O ar que respiramos”, e do 9º ano referente a “ Resíduos”. Visitando as exposições
e analisando os trabalhos, facilmente se
constatava a articulação das várias unidades curriculares do 3º ciclo, confirmando
a união do trabalho feito por todos. Visível era também o bom ambiente que esta
semana de cariz ambiental proporcionou,
assim como o interesse e a participação
activa dos alunos.
De salientar que o júri deste concurso
que foi constituído por nomes como David Justino, Isabel Alçada, Nuno Crato,
Guilherme Valente, Henrique Monteiro e
José da Silva Lopes.
Novo têxtil
inteligente para
problemas de pele
Chamam-se SKINtoSKIN e são os novos produtos têxteis de tratamento e prevenção de problemas de pele que
a empresa New Textiles® apresentou no dia 29 de Abril,
numa conferência de imprensa, no AvePark - Parque de
Ciência de Tecnologia, sedeado nas Caldas das Taipas, em
Guimarães.
Com o objectivo de combater a dermatite atópica - doença crónica de pele que afecta particularmente as crianças
no primeiro ano de vida - estes têxteis funcionais são uma
combinação de algodão, algas e prata, que têm uma função
anti-séptica, anti-bacteriana e calmante. Estima-se que,
em Portugal, 10 a 20% das crianças sofram deste problema
de pele.
Após testes clínicos in vitro e in vivo, que decorrem desde
Outubro de 2008, feitos a 50 crianças com dermatite atópica,
a empresa New Textiles® apresenta uma linha de roupa para
bebé, criança e adultos.
Esta linha de têxteis inteligentes de nome SKINtoSKIN
só se encontra à venda em farmácias e para-farmácias e
é destinada “a pessoas que sofrem de problemas de pele,
nomeadamente as peles atópicas”, como afirma Cláudio
Carvalheira, um dos responsáveis pelo projecto.
Para além do mercado nacional, a empresa pretende
exportar estes artigos inovadores e prevê a facturação de
300 mil euros até ao final de 2009 e de 3 milhões de euros
até ao ano 2011.
Resultante da iniciativa de dois jovens empreendedores,
Pedro Pinto e Cláudio Carvalheira, o projecto contou ainda
com o apoio do investidor Armindo Mirante e com a colaboração da Universidade do Minho. Sara Oliveira
D.R
Têxteis. Combate as dermatites atópicas
Porque a Reciclagem é um Dever
Sara Daniela Costa
Em Abrantes o número total de
ecopontos é de 295, “distribuídos a
olho”, incluindo as 16 freguesias que
rodeiam a cidade, o que dá uma média de 240 pessoas por ecoponto. “A
recolha do cartão e do plástico é feita
uma vez por semana, sem dia específico e a recolha do vidro apenas de
15 em 15 dias, conforme o estado dos
contentores, se tiver pouco lixo não
vale a pena”, explica António Lopes,
responsável da VALNOR, empresa
encarregada da distribuição e recolha
de ecopontos pela cidade.
Na Rua de Angola, perto do centro
abrantino, dentro de uma amostra
aleatória de 21 pessoas, 16 fazem separação do lixo. A maioria são pessoas com idade compreendida entre
os 45 e os 80 anos e fazem-no por
dever cívico para com o ambiente.
José Mendes, de 61 anos, considera
que a quantidade de pessoas que já
introduziu a reciclagem nas suas rotinas é “entusiasmante”. E acrescenta:
“Nos dias que correm o comodismo
é um desporto”.
Algumas das mulheres que, na Rua
de Angola, fazem a separação do lixo,
fazem-no pelos filhos e com a ajuda
deles. Na maioria são crianças do
ensino básico, onde a sensibilização
para as causas ambientais é maior. Às
vezes, são filhos que educam os pais.
“Eu comecei a fazer porque os miúdos
um dia chegaram da escola com uns
caixotes de reciclagem feitos em cartão. Eles gostam de ir até ao ecoponto
comigo e ouvir as garrafas a cair lá
para dentro” - diz Palmira Ocha, de
45 anos e com dois filhos. Também
Leonor, de 32 anos, empresária, diz
que faz a separação “a pensar nas próximas gerações”, enquanto mima a
filha, de sorriso desdentado, agarrada
à sua cintura. “Ela em casa colabora
na separação, aqui não porque é mais
complicado”.
A VALNOR promove também a
distribuição de ecopontos domésticos pelas famílias em iniciativa
conjunta com a Câmara Municipal,
uma visão de progresso que se esgota
quando os utentes falam da satisfação com os serviços. Além de queixas como “os mosquitos e a falta de
limpeza” apresentadas pelo senhor
Vítor, de 78 anos, outra habitante em
Abrantes, Maria dos Anjos, critica o
estado em que os contentores ficam
quando não há recolha: “Quando
enchem, os animais de rua espalham
o lixo todo e fica um nojo”. Susana
Neves, de 23 anos, acrescenta que,
muitas vezes, quando vai depositar
o lixo para reciclagem, os ecopontos “estão muito cheios”. Resultado:
“Temos que deixar o lixo em sacos
encostados aos ecopontos. Isso desmotiva os miúdos que gostam de
pôr a mão no buraco e de ouvir as
garrafas a cair”.
Susana Neves levanta ainda a questão da distância a que os ecopontos
estão de algumas casas: “Confesso
que só faço reciclagem porque tenho os ecopontos à porta de casa.
Se morasse ao fundo da rua e tivesse
que subir isto tudo para pôr o lixo já
não fazia”. Outros moradores, cujas
casas estão mais longe, queixam-se
disso mesmo. O “esforço já custa” ou
“a idade atrapalha as pernas”. Ainda
assim, não deixam de cumprir quando podem. “Tem de se fazer” para
preservar o meio ambiente.
Freguesia
Ecopontos
Pego
11
Rossio ao Sul do Tejo
13
Tramagal
30
S. Miguel do Rio
Torto
12
Rio de Moinhos
12
Carvalhal
7
Souto
6
Fontes
2
Aldeia do Mato
3
Martinchel
5
Mouriscas
11
Alvega
11
Concavada
4
Bemposta
14
Vale de Mós
3
S. Facundo
6
Abrantes cidade (Alferrarede; S. João, S.
Miguel e S. Vicente)
145
14 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SOCIEDADE
A noite transforma-se no Paraíso
Alison silva
Sofia
Transformismo. O Paradyse apresenta três espectáculos por semana, divulgados sobretudo através dos próprios clientes
Alison Silva e Nuno Sotto-mayor
S
ão 22 horas. Aquele que dará vida a Vivienne Dion, mas opta por não revelar
a sua verdadeira identidade, acaba de
chegar ao Paradyse Bar, em Torres Novas. Na Ladeira da Enfermaria Militar, a porta da
frente abre-se e deixa ver uma outra porta que dá
acesso ao interior do bar. As poucas pessoas que
ali estão conversam descontraidamente enquanto
Vivienne ganha vida atrás da cortina vermelha dos
lavabos. Às 22h30, bases, sombras de olhos, lápis
de olhos, rímeis, batons, lápis de lábios, brilhantinas, brincos e colares espalham-se pelo cubículo
e transformam um rosto masculino num rosto de
uma jovem mulher.
Os rostos iluminam-se de azul ou verde, consoante o recanto onde cada grupo se junta. No bar, à
meia-luz, distinguem-se os vermelhos malhados
de branco nas paredes pintadas de fresco. O ar
ainda cheira à tinta que vestiu o bar no seu mais
recente traje. Tal como os artistas, é preciso inovar
e mudar de vestido a cada novo espectáculo. Nos
seus três anos de vida, o Paradyse já viu e já passou
por muitas transformações.
Duas cortinas vermelhas sobem ao palco do
lado direito do balcão de atendimento e escondem os segredos da transformação. O reduzido
camarim atrás do palco, onde mal cabe uma pesPUB
soa, cresce através do grande espelho que cobre
a parede minúscula. Deixa-se invadir por dois,
às vezes três, homens e três ou quatro vestidos,
outros tantos pares de sapatos, plumas e perucas
que cada um traz, de acordo com o número de
músicas que vai interpretar. Por baixo do espelho,
uma pequenina mesa arrecada sucessivas colecções de cosméticos e maquilhagens. Ali entram
homens e saem mulheres. Abrem-se as cortinas
e mostram a porta de pano do camarim de onde
saem agora as artistas.
Arménio Moreira, gerente do Paradyse, orgulha-se de esta ser uma casa bem aceite pela
comunidade desde a sua inauguração. Nascida
de uma oportunidade, no momento improvável
em que, estando desempregado, Arménio decidiu
apostar numa estabelecimento deste género, a casa
tem agora três espectáculos transformistas por
semana. Aberta de terça a domingo, conta com
três transformistas residentes (Divineya Pandora, Alexia Morgana e Sofia Britt Jones) e alguns
convidados especiais.
À quarta, a casa dá ao cliente a oportunidade de
ver as suas músicas favoritas interpretadas pelos
transformistas residentes.
Sexta-feira é dia de “lugar às novas”. Trata-se de
uma oportunidade a novos talentos no mundo
do transformismo. O número de candidatos tem
vindo a crescer nos últimos tempos, apesar de um
período em que não se registaram novos nomes.
“Ultimamente temos tido três ou quatro pessoas
em cada “lugar às novas”, que gostam e que acabam
por ir ficando”, afirma Arménio Moreira.
As noites de Sábado contam com um espectáculo especial, onde residentes e convidados mostram
novos sucessos das suas carreiras.
No bar, as pessoas vão entrando e cumprimentando todos e cada um à medida que atravessam
o pequeno espaço. Há proximidade entre todos e
relações de amizade entre os clientes e a gerência.
Acima de tudo, nota-se o respeito mútuo pelas
pessoas que ali estão. Desde a sua abertura, há três
anos, alguns clientes mantêm-se fiéis à casa e aos
seus artistas. São eles, os clientes, que fazem a divulgação do bar. Assim é desde ainda antes da sua
abertura. Apesar de ser assumidamente uma casa
homossexual, dá as boas vindas a quem quiser entrar, independentemente da sua orientação sexual.
A regra é não provocar nem ofender ninguém. As
pessoas que ali vão procuram apenas distrair-se e
passar uma noite divertida e diferente.
Depois de 45 minutos de maquilhagem e de 15
para vestir e ajustar as roupas, Vivienne está pronta
para aparecer, às 23h30. Entre os clientes, vai dançando em cima dos saltos agulha de umas botas
negras que usa com o top vermelho e o calção
preto que traja. Solta-se e solta gargalhadas divertidas ao som da música e das piadas dos amigos.
Encostada à porta, reage sempre que a luz laranja
se acende. É mais um cliente que toca à campainha.
Durante momentos é a porteira da noite.
Uma das principais dificuldades enfrentadas
pelos transformistas é encontrar sapatos do seu
número que se adeqúem aos shows. As roupas
são mais fáceis de encontrar, desde que algo provocantes. Mesmo assim, a necessidade obriga a
que se reciclem inúmeras peças de espectáculo
para espectáculo.
A casa vai enchendo muito calmamente até à
meia-noite. Estão presentes cerca de 25 pessoas,
Sofia Britt Jones
(nome artístico
de Álvaro) está no
mundo do transformismo há 20
anos. Estreou-se
também no Finalmente com um
tema de Mafalda
Veiga. “Na época,
eu era muito parecida com ela, e o meu
nome de estreia foi mesmo esse”, lembra
com entusiasmo. Há menos de um ano é
residente no Paradyse Bar, já tendo passado
por Leiria e Figueira da Foz. Caracteriza-se
pela sua roupa, onde tenta ser única, através
de uma mistura de estilos. Diz “não” a artefactos como as plumas e não tem um tipo de
roupa definido para cada personagem que
interpreta. Os fatos que usa, tal como outras
colegas de profissão, são, na sua maioria, feitos por medida, por outros colegas. Os seus
espectáculos são sempre improvisados, pelo
que interpreta as músicas que lhe apetece
em cada dia. No momento da transformação
não gosta de ser incomodada, pois é algo
que exige concentração, desde a transformação exterior ao verdadeiro encarnar do
personagem. Nos dias em que não tem que
disfarçar as sobrancelhas, a maquilhagem
demora, no mínimo, 15 minutos. Se tem que
as disfarçar, leva 45 minutos na transformação. Lisboeta, mas actualmente a morar na
Marinha Grande, a tempo inteiro, Álvaro
trabalha num armazém de ferro. Sempre que
pode, assiste aos espectáculos de colegas,
tanto para apoiá-los, como para conhecer
novas tendências.
Alexia
Alexia Morgana dá
show no Paradyse
Bar desde a sua
abertura. Iniciou
a sua carreira por
brincadeira no
Finalmente, em
Lisboa, com o tema “Abandonada”,
de Fafá de Belém.
Por gostar daquilo
que faz, já foi convidada a passar por várias
casas em Lisboa, Leiria, Costa da Caparica e
Algarve. Muito daquilo que hoje sabe sobre
maquilhagem e roupas deve a Sofia Britt Jones e à sua presença habitual neste bar, onde
é já residente. O primeiro nome tem origem
na sua verdadeira identidade (Alexandre). O
segundo nome (Morgana), Alexia deve à Perigosa Morgana no seu primeiro espectáculo. A,
então, veterana Pirigosa Morgana perguntou
a Alexandre qual o seu nome artístico. Instintivamente respondeu “Alexia”, mas Morgana
considerou que devia dar-lhe um segundo
nome e optou pelo seu. Alexia, desde então
conhece a bruxa boa Morgana, que lhe deu
um nome, e a sua história. Actualmente reside
em Torres Novas e prepara os espectáculos
em casa. Garante que apenas deixou os espectáculos por motivos de saúde, durante
alguns meses no último ano. Voltou ao Paradyse em Agosto como prenda de aniversário
ao gerente Arménio e para festejar os seus 12
anos de carreira. Agora prepara o seu 13º aniversário no mundo do transformismo.
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 15
SOCIEDADE
dispersas pelo espaço com capacidade para 15
pessoas sentadas e 50 de pé. O som sobe e o bar
transforma-se numa pista de dança. Entretanto,
chegam dois homens, à vez, cada um com uma
mala de bagagem pequena. Transpõem o bar directamente para trás da cortina vermelha do palco.
São Alexandre e Álvaro, os artistas residentes da
noite. Até à primeira hora da noite, ficam ocultos
no camarim. Deste lado, as expectativas pairam
e os olhares começam a voltar-se para o mistério
da cortina. A curiosidade aumenta com a demora
do início da apresentação e é atenuada pelo casal
heterossexual que desliza na pista ao compasso
da música.
Mário e Dina Cidades são casados e frequentam
este bar por opção desde a sua abertura. Além do
facto de o sub-gerente Telmo Roque ser irmão de
Dina, o casal aprecia o ambiente e os espectáculos
a que assiste com entusiasmo. Este é apenas um de
alguns casais que aqui vêm para quebrar a rotina.
É um número que tem vindo a crescer, também
pelo amor ao espectáculo e à arte.
Ajustam-se as luzes do palco e abrem-se as
cortinas ao som do genérico da 20th Century Fox.
Alexia Morgana (Alexandre) inicia a noite com a
interpretação de “Sonhos de um Palhaço”, seguida de Sofia Britt Jones (Álvaro), que interpreta
Cher. Vão alternando as apresentações, mudam
as músicas e trocam-se as roupas. O público reage
positivamente a cada nova aparição.
A espera valeu a pena e vale a pena assistir ao
espectáculo, só para se estar na parte final. “As
pessoas estão à espera do fim”, garante Álvaro,
quando afirma que a interacção com o público, as
brincadeiras e as piadas atrevidas, porém inocentes, são tudo improviso. Entre risos e gargalhadas,
Sofia e Alexia introduzem Vivienne no “lugar às
novas” da noite. Hoje está sozinha, mas apenas
como “nova”. Traz apenas uma música, onde faz
dueto com o “DJ Queer”, como carinhosamente se
refere Sofia a Telmo Roque. Num misto de músicas
românticas, Vivienne, agora num longo vestido
preto, mostra as suas qualidades enquanto transformista. O dueto emociona a sala e é aplaudido
com entusiasmo por todos.
A animação e as brincadeiras continuam à
responsabilidade de Sofia Britt Jones e Alexia Morgana, que oferecem mais uma música ao público.
Aproveitam o momento para fazer publicidade
ao Festival Eurovisão 2009, a ter lugar ali no dia
9 de Maio. Arménio declara e Álvaro confirma
que este é um festival particularmente apreciado
entre os homossexuais, pelo que decidiram investir
num projecto diferente e inovador, no que toca ao
transformismo. Duas semanas antes do grande
dia, cada um dos artistas já tem as quatro músicas que apresenta escolhidas e dão-se os últimos
retoques na organização do evento. 15 canções
foram trabalhadas para serem apresentadas em
duas semi-finais por vários nomes do transformismo e deram vida à noite que se ambicionou
tão grande como a noite do terceiro aniversário do
bar. Arménio esperava, no mínimo, 100 pessoas
de todo o país, desde o Algarve, Porto e Lisboa.
À entrada tinham preparadas 15 bandeiras, uma
de cada país, para dar a cada cliente. Assim ou por
telemóvel podiam votar na sua favorita.
Depois do fim, a noite continua no Paradyse Bar.
“Um artista tem que saber se relacionar com o seu
público”, declara Álvaro, justificando o momento em
que, finalizado o espectáculo, sai de trás da cortina,
ainda transformado, só para estar com as pessoas
que foram ali para o ver. Lamenta, contudo, o facto
de nem todas as pessoas apreciarem o esforço que
os transformistas fazem a nível de maquilhagem,
roupas e, sobretudo, de conseguirem estar uma
noite inteira nuns saltos de 10 centímetros. Procura, especialmente, uma relação próxima com as
mulheres, a fim de fazê-las perceber que os homens
também têm um lado feminino “que até é mais
apurado quando falamos de homossexuais”.
Algumas pessoas abandonam agora o local e
deixam para trás Vivienne no seu vestido negro, que
volta à posição de porteiro. Dali, há-de despir-se da
sua personagem, tirar a maquilhagem e seguir para
casa, para preparar um novo dia como homem.
Casamento Homossexual:
sim ou não?
Casal homossexual critica a sociedade por não saber lidar com a homosexualidade, defendendo
o direito ao casamento, enquanto que a Igreja Baptista opõe-se e condena esta possibilidade.
Em Abrantes, as pessoas mostram-se divididas sobre esta problemática.
Eleantino Évora
Jorge Santos e Tiago Jesus formam um casal.
Um vive no Porto e o outro em Coimbra. Jorge
tem 33 anos e Tiago conta apenas 18. Quando
confrontados com questões acerca da sua relação, deixam transparecer alguma angústia.
Para eles, a sociedade portuguesa não está
minimamente preparada para aceitar uniões
entre pessoas do mesmo sexo. “A sociedade
portuguesa continua a ser pouco permeável a
tudo o que diz respeito à homossexualidade e,
apesar de nos dias de hoje já existir uma maior
abertura por parte da população, ainda assim
há muita discriminação”, desabafam prontamente os dois jovens. Todavia, defendem
que a sociedade portuguesa só tem a ganhar
com a legalização do casamento entre pessoas
do mesmo sexo. E apresentam argumentos:
ganhava-se mais respeito uns pelos outros,
sobretudo pelos homossexuais. Jorge acrescenta: “É uma questão de liberdade de cada um.
Num país tão mentalmente “pequeno” como o
nosso, contribuiria de certeza para uma maior
abertura em relação à homossexualidade.”
Confrontados com exemplos de países como
Holanda, Espanha, Bélgica, Canadá e outros,
que já legalizaram o casamento homossexual,
este casal encontra apenas uma explicação para
este facto: “Somos um povo pequeno e tacanho que só sabe se queixar e nada fazer para
de facto mudar alguma coisa!” Em relação à
questão da adopção de crianças, os dois jovens
não vêem razões para um casal homossexual
não adoptar, verificando-se a existência de
condições emocionais e financeiras para tal.
Apesar das dificuldades, este casal perspectiva um futuro risonho. Apostam nos sentimentos que têm um pelo outro e prometem muita
luta pelos seus direitos.
Jonathan Andrews, Pastor da Igreja Evangélica Baptista de Abrantes, critica severamente a
homossexualidade, afirmando que se trata de
“um erro”. E explica a sua posição: “Em termos
de forma e função, o corpo masculino não se
adapta a um outro igual e vice-versa, sendo
por isso, contra a natureza humana.” Sendo
Pastor, acredita que Deus criou somente dois
géneros (macho e fêmea) e, por isso, classifica
a homossexualidade como uma “anomalia”.
Lembra que a Bíblia é a mensagem de Deus e
que ela é avessa a esta prática, concluindo que o
casamento entre pessoas do mesmo sexo seria
um acto de desobediência ao próprio.
O Pastor alerta para os problemas que, na
sua opinião, a homossexualidade poderá causar, principalmente nos países em que já se
encontra legalizado tal casamento. Concretamente, Jonathan Andrews demonstra a sua
preocupação com o caso da adopção por parte
dos casais homossexuais, insistindo na necessidade de as crianças carecerem das qualidades
únicas que apenas um pai e uma mãe podem
oferecer para um desenvolvimento saudável:
“Uma criança educada por homossexuais vai
crescer com uma perspectiva deturpada do
que é ser rapariga ou rapaz e até mesmo do
mundo em geral”.
O ESTAJornal saiu à rua para saber a opinião
dos abrantinos sobre o casamento entre pessoas
do mesmo sexo. Num universo de 50 inquiridos,
notou-se que este é um caso polémico, complexo e de difícil entendimento. Por um lado, a
faixa etária entre os 18 e os 30 anos mostra-se,
na maioria, a favor do casamento homossexual,
com o argumento de que todos são livres de
escolher o companheiro ou companheira que
quiserem, e acrescentando que nos tempos em
que vivemos devemos ter uma mente mais aberta. Todavia, as pessoas que se mostram contra
invocam questões religiosas, lembrando que o
casamento é a consolidação do amor entre duas
pessoas de sexo oposto com vista à reprodução.
Por outro lado, na faixa etária dos 40 aos 60
anos, existe alguma divergência entre a opinião
masculina e feminina, porque, na generalidade,
os homens opõem-se e as mulheres aceitam.
No entanto, a faixa etária mais indecisa é a dos
30 aos 40 anos.
Neste questionário aplicado de forma aleatória, a maior parte dos abrantinos inquiridos
reprova o recurso à adopção pelos casais homossexuais. Para uns, a criança precisa de um
equilíbrio de ambos os sexos porque, deve ser
ponderada a questão da educação psicológica
e social da criança. Outros definem como
uma “barbaridade” as crianças, poderem ser
adoptadas por casais desta natureza porque
acreditam que a sociedade não vai ser capaz
de as integrar.
Jorge Ferreira, advogado e professor, contextualiza o assunto, olhando para a legislação
actual do casamento em Portugal. Para este
especialista, o artigo 1577º do Código Civil
é bastante claro porque “define o casamento
como o contrato celebrado entre duas pessoas
de sexo diferente que pretendem constituir
família mediante uma plena comunhão de
vida” e, por conseguinte, a ordem jurídica
portuguesa não admite o casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
No entanto, já se apresentou uma proposta de
lei para a legalização do casamento de homossexuais, mas ainda não foi aprovada, porque
os órgãos de soberania não chegaram a um
consenso sobre esta matéria. Para Jorge Ferreira,
tem faltado, sobretudo, o apoio político que vai
radicar na falta de apoio social ao caso.
Pessoalmente, Jorge Ferreira demonstra a
sua oposição à legalização do casamento entre homossexuais porque “o Estado não deve
abdicar de valores fundamentais estruturantes
quando legisla” Por outro lado, este advogado
não compreende o facto de os homossexuais
exigirem o direito à diferença, quando querem
ser exactamente iguais aos heterossexuais.
Porém, mostra-se a favor de um referendo
que mostre a opinião dos portugueses sobre
a matéria.
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16 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
SOCIEDADE
Na pele de um vegetariano
Uma semana, em Abrantes, sem comer carne e seus derivados foi o desafio. Restaurantes vegetarianos não existem. A alternativa foi
confeccionar as próprias refeições, com receitas retiradas da Internet. O resultado foi um conjunto de agradáveis surpresas.
dr
Joana Rato
O pequeno-almoço estava na mesa
às 7h20. Naquela manhã de segunda,
apressada e madrugadora, fome era
coisa que não tinha. A visão meio ensonada de uma taça de cereais com leite
de soja intimidava-me. O leite nunca foi
a minha bebida de eleição e a combinação leite e soja era coisa para rejeitar à
primeira. Então pensei na minha curiosidade sobre o vegetarianismo, aliada
à nova experiência alimentar, razão
suficiente para agarrar na maior colher
que se encontrava na gaveta e lançar-me
sem receios àquela refeição.
São cinco os sentidos do corpo humano e, naquele momento, no meu corpo encontravam-se apurados a visão, o
olfacto e o paladar. Visto ser a primeira
vez que estabelecia contacto com o leite
de soja, olhar para ele com aquele tom
creme desanimou-me. Pensei então em
cheirá-lo. Das duas uma: ou adorava
ou detestava. Tinha um cheiro doce e
dava vontade de comer…Bingo! Era
mesmo essa a vontade que precisava.
Experimentei e gostei!
Começo perfeito, manhã animadora. Abdicar de certos alimentos não é
o meu forte. Contam-se pelos dedos
das mãos as vezes que eu tentei fazer
uma dieta e as vezes em que essa dieta
durou mais do que, em média, uns quatro dias. Mas a decisão estava tomada:
uma semana como vegetariana. Para
tentar colmatar as minhas fraquezas e
enriquecer a minha pesquisa, a Internet revelou-se a minha grande aliada
durante estes sete dias. Precisava de
receitas, de descobrir mais sobre este
tipo de alimentação e sobre esta forma
de viver.
O vegetarianismo divide-se em três
grupos: lacto-ovo-vegetarianismo (come-se tudo o que é usado na alimentação comum à excepção das carnes),
o lacto-vegetarianismo (diferente do
primeiro só pelo facto de não se co-
Vegetarianismo. A soja é uma das bases deste tipo de alimentação
mer ovos) e o vegetarianismo (muitas
vezes designado por vegetarianismo
puro, que consiste numa alimentação
sem carnes, ovos e lacticínios). O mais
comum dos três é o primeiro, mas eu
decidi que queria ser, por sete dias, vegetariana pura. Objectivo? Comparar
uma semana de alimentação comum
com outra semana de alimentação vegetariana.
Segunda-feira foi um dia movimentado e, passada a manhã, eis que chega
a hora do almoço. Como o tempo era
escasso e as compras do supermercado
ainda não tinham sido feitas, decidi ir
à procura de comida vegetariana em
Abrantes. Não encontrei nenhum restaurante e apenas existe uma loja de produtos naturais que faz encomendas de
hambúrgueres de soja e de empadas, por
exemplo, para fora. Já não fui a tempo
da encomenda para essa semana. Mas
consegui comer uma sandes vegetariana.
Pão, folhas de alface, tomate às rodelas e
milho. Simples, mas apetitosa.
A tarde ficou destinada para as compras no supermercado. A lista era bem
simples. Por exemplo, frutas, legumes,
leguminosas, produtos integrais, grão,
feijão e frutos secos, alimentos suficientes para compor uma dieta totalmente
vegetariana e que a tornam acessível a
todas as carteiras. Quis também experimentar a soja em todas as suas formas,
desde os rebentos aos cubos, assim como o tofu e o seitan. Estes são alimentos
alternativos que enriquecem este tipo
de alimentação, e que actualmente se
encontram em supermercados. O seu
preço é um pouco elevado, mas, considerando que não se gasta em carne nem
peixe, a diferença não é significativa.
Chega a hora do jantar. Como escapatória para a minha falta de aptidão,
nada melhor do que ter amigas disponíveis a ajudar e que até percebem
do assunto. Naquela segunda à noite,
consegui mobilizar três pessoas para me
ajudarem na preparação do jantar. De
entre as mil e uma receitas encontradas
na Internet sobre vegetarianismo, decidimos que a escolhida seria bolonhesa
de soja. A meio da receita verificámos
que não tínhamos granulado de soja,
noura. Enfim, uma estratégia utilizada
para facilitar a tarefa, tendo em conta a
escassez de tempo. Da lista de refeições
preparadas constavam as seguintes:
legumes salteados com arroz branco;
lasanha de soja; macarrão com molho
de ervilhas; hambúrgueres de seitan
com salada; arroz com feijão e cogumelos ao almoço; hambúrgueres de
tofu com salada; macarrão branco à
mexicana; bolonhesa de soja ao jantar
(desta vez com granulado).
Uma das coisas que não queria era
deixar de me alimentar porque não
fazia ideia do que comer. Sabia de antemão que tinha necessariamente de
abdicar de certos alimentos, mas daí
a passar fome, não obrigada! Por isso,
entre as refeições, comia cereais integrais com leite de soja, fruta, pão com
margarina e com compotas, batidos,
amendoins, passas, nozes, enfim alimentos que não cortariam a dieta vegetariana e que me ajudariam a equilibrar
a minha alimentação. Esta foi a minha
estratégia de fuga para a necessidade
Tinha um
cheiro doce e
dava vontade de
comer... Bingo!
Abdicar de certos
alimentos, sim,
mas passar fome,
não obrigada!
essencial para a preparação da receita;
os rebentos de soja que tínhamos não
serviam. O passo seguinte foi usar a
imaginação. Saiu algo que não tinha
nada a ver com a receita, mas que se
afirmou pelo bom sabor: massa com
uma mistura de legumes, cogumelos e
rebentos de soja com molho de tomate
a seis mãos.
Para o resto da semana decidi organizar uma lista com as refeições que
iriam ser feitas. Aos almoços decidi
apostar nas sopas, desde de legumes
à de feijão verde, passando pela de ce-
de comer iogurtes, queijo, chocolate.
Embora tenha comprado iogurtes de
soja e sobremesas de soja com chocolate, não os consegui comer, pelo seu
sabor peculiar.
Sete dias opostos aos dezanove anos
anteriores e uns meses. Na nossa cultura, a carne está muito enraizada, sendo
difícil abdicar dela. Mas até que ponto é
que a nossa evolução não pode passar
por abdicar de certas coisas? Neste caso,
de certos alimentos, abrindo-se um
espaço para a descoberta de refeições
vegetarianas.
vendidos, desengane-se. Não se vendem com a mesma facilidade que os
artigos mais comuns, mas está longe
de ser um mercado pouco próspero.
São artigos procurados por um grupo
de clientes mais restrito que, apesar
de serem cada vez em maior número,
continuam a ter alguma dificuldade
em vingar no top de vendas.
É aqui que a generalidade da população começa a interrogar-se sobre o
bem-estar do animal. Será que os ganchos danificam o pêlo? Os perfumes
podem alterar o faro e desorientar
os animais? As roupas incomodam
o andar?
De acordo com Margarida Bairrão,
veterinária há 23 anos, estes artigos
não são causa de problemas para os
animais. “Pior do que usar estes produtos é a quantidade de banhos que
se dá aos cães. Devem tomar banho,
no máximo, uma vez por mês, mas
o ideal seria duas vezes por ano”. A
veterinária salienta ainda que muitas
vezes as pessoas nem se apercebem
do mal que fazem aos cães. “As pessoas não fazem por mal, mas utilizam
champôs normais, o que não é indicado. É preferível que usem champôs
próprios para os animais”.
Quanto às roupas, é fácil saber
quando estão a incomodar o animal.
“Quando lhes causa incómodo, os
animais não ficam quietos, tentam
arrancar e rasgar as roupas”, explica
a veterinária. As alergias são sempre
um factor a ter em consideração, mas
tal como acontece com as pessoas,
depende do tipo de animal e também das marcas e das próprias roupas. Afinal, podemos todos dormir
descansados, pois tal como explica a
veterinária Margarida Bairrão, “desde
que seja bem feito, não há qualquer
problema”. André Amante
Animais de luxo
andré amante
Hoje em dia, quem entra numa
loja de animais depara-se com o mais
variado tipo de artigos. Para além dos
animais, há um conjunto de objectos
que pretendem decorar e melhorar o
conforto do ambiente onde o animal
se encontra. Peixes, répteis ou até
mesmo aracnídeos, que vivam em
tanques, podem ter um habitat mais
ou menos elaborado, dependendo das
posses e gostos dos donos.
No caso de aves ou ratos, a variedade de artigos aumenta. Além de haver
os artigos de decoração, há também
artigos feitos com o propósito de divertir os animais. Quanto a cães e
gatos, está à disposição uma infindável variedade de objectos. Há artigos
para o conforto, para eles brincarem,
mas não é tudo. Nos dias que correm,
conseguimos encontrar também artigos para salientar a beleza dos nossos
companheiros de quatro patas.
Acessórios. São vários os objectos utilizados para enfeitar os animais
Muitas lojas já vendem estes artigos
que pretendem melhorar o visual dos
animais. Escovas, colares, roupinhas,
ganchos, laços e até perfumes embelezam nem que seja o canto mais escondido da loja. Se pensa que não são
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 17
CULTURA
A loucura do Japão
Eles estão em todo o lado, porém apenas os reconhecemos quando temos
acesso aos seus computadores, MP3 ou às suas pens. São a comunidade
Otaku, uma geração de fãs dos desenhos animados japoneses.
Marina araújo
Hoje em dia, ligar a televisão à tarde
significa sermos brindados com programas da tarde ou ficção nacional,
dedicados aos mais jovens. Em alguns
casos, temos também alguns desenhos
animados, porém, o que nos dias de
hoje é a realidade de um canal, foi a de
todos há alguns anos atrás. A geração
dos que nasceram entre 1986 e 1991,
muito provavelmente, ainda se recorda quando a tarde era dedicada a eles.
Dragonball, Sailor Moon (As Navegantes da Lua) e Samurai X são três que
despontam mais memórias. Enquanto
para muitos dos jovens estes desenhos
animados não são agora mais do que
memórias de tardes de uma infância
passada, para outros, tornam-se um
gosto que leva a outras paixões.
No nosso país a comunidade dos
fãs de desenhos animados japoneses
(ou seja, a comunidade Otaku) está a
crescer a cada ano que passa, principalmente com a divulgação do anime
(os desenhos animados japoneses) em
várias cadeias televisivas. A SIC transmite os episódios dobrados de Naruto,
enquanto na SIC Radical já figuram
com as vozes originais em japonês e
legendados. Já o canal de cabo Ani-
max transmite todas as séries na sua
versão original, o que a comunidade
Otaku agradece. “Prefiro ouvir as vozes originais dos personagens, já que o
Japão dá uma grande importância aos
seiyus (pessoas que fazem as vozes dos
personagens)”, admite Francisco Almeida. Contudo, este jovem de 20 anos
sublinha que em Portugal ainda é muito
complicado seguir uma série de anime
na televisão, e que a Internet ainda é o
melhor local para conseguir episódios.
Na net os Otaku têm o primeiro contacto com mais do que apenas o anime.
Através de fóruns, de outros Otaku e de
sites de legendagem, outro bichinho
começa a crescer dentro deles: a música dos animes entra devagar nos seus
MP3. Tiago Dias explica como descobre
novas músicas: “Normalmente é através
das Openings (créditos iniciais) e das
Endings (créditos finais) dos animes,
mas de vez em quando ando a navegar
pelo YouTube e calha encontrar algo
que goste”.
Em Portugal esta paixão pela J-Music
(música japonesa, não apenas a relacionada com o anime), está a tomar
outra magnitude. Em vez de os jovens
consumirem apenas a música que vem
do Japão, novas bandas surgem que
cantam elas mesmas em japonês. “J-
Rock não é só Rock japonês, é
um estilo diferente do resto do
Rock do mundo”, defende Tari, a vocalista dos Kuroi Star,
uma banda portuguesa de
J-Music que, a 28 de Abril,
completou um ano de
existência. “Por isso é que
não concordo quando
dizem que J-Rock não
pode sair do Japão. O
J-Rock é mais do que
a definição de uma
nacionalidade, é
mesmo um estilo
musical diferente”. A banda toca covers, mas
também alguns
originais escritos por eles, e
mais tarde
traduzidos
por amigos que
compreendem
japonês. O
facto
d e
to-
“O novo disco está
a desenhar-se na
minha cabeça”
carem
numa
língua
dominada por tão
pouca gente não os faz
sentirem-se
isolados em
palco. Acreditam
que, para os fãs, as
letras não são o mais
importante. “Apesar de
muita gente não compreender o que eu canto,
gostam da música pelo
que ela é, sem fronteiras
nem barreiras linguísticas… música”. E os fãs de JMusic concordam com Tari.
Sara Vigário e Nuno Paixão
conhecem-se desde jovens e
compartilham a paixão por este
tipo de música. Mesmo ouvindo
estilos diferentes, as suas opiniões não divergem muito. “Gosto
principalmente da energia”, diz ele,
enquanto ela confessa que o que a
cativa mais “é a dimensão que tem,
o facto de ser uma cultura diferente
dá-lhe uma profundidade muito própria”. Porém, nem todas as críticas à
música japonesa são positivas. Cláudia
Oliveira, estudante do ensino superior,
deixa bem claro o que não lhe agrada:
“Não é de todo algo que faça sentido
ouvir. Não apenas por ser numa língua
diferente e confusa, mas principalmente
porque não tem nada a ver connosco.
Claro que não irei criticar quem a ouve,
contudo continuo a achar este tipo de
música muito pouco interessante.” A JMusic é um exemplo de como a cultura
Japonesa se encontra presente no nosso
dia-a-dia, para além de outros, como
pratos com ideogramas ou acessórios
para a casa. O próprio filme “Memórias de uma Gueixa” teve uma óptima
aceitação e filmes como a “Viagem de
Chihiro” foi visto por muitos. Devagar,
o “J” estará em todo o lado.
D.R.
“Golden Era”, considerado por alguns como um dos melhores
álbuns de 2007, trouxe o reconhecimento a Rita Redshoes.
Numa entrevista via email, a artista fala do álbum que
“percorreu alguns anos e fases decisivas” na sua vida, assim
como do que virá no futuro.
Cláudia Ferreira
Recorde os seus primeiros passos no mundo da música. O grupo de Teatro “ITA
VERO”, os Atomic Bees, assim como os restantes projectos em que participou, abriram
o caminho/vontade para a carreira a solo? De
que maneira?
Todos os projectos em que participei até
chegar à decisão de lançar o meu disco a solo
contribuíram para a minha formação enquanto pessoa e música. Através da minha participação como baterista no grupo de teatro
percebi que queria estar próxima de algo que
envolvesse o palco. Depois, nos Atomic Bees,
percebi que a linguagem que me fazia sentido
explorar era a linguagem musical, a música.
E foi aí que comecei a explorar a minha voz,
a minha escrita e interpretação. Mais tarde, a
experiência de tocar com o David (Fonseca)
também me enriqueceu, acho que se aprende
muito a desempenhar um papel de suporte
para alguém.
Sempre esteve presente na minha cabeça fazer
alguma coisa a solo, mas confesso que só ao fim
de oito anos é que a coragem apareceu. E acho
que se não estivesse esses oito anos a fermentar
tudo isto, as coisas agora não seriam assim. Parece que vai ter de responder à pergunta de
sempre. Porquê Rita “Redshoes”?
Sabia que queria criar e usar um nome que,
de alguma forma, espelhasse o meu universo
musical. Uma manhã apareceu o Redshoes, e
hoje percebo o porquê: tem implícito um lado
mágico, associado ao Feiticeito de Oz, e um
lado de atrevimento e feminilidade que estão
presentes na minha música e na minha personalidade. Por isso, ficou.
Fale-me um pouco sobre o seu álbum de
estreia (Golden Era). Por que é que acha que
tem sido tão bem acolhido pelo público?
Este disco contém músicas com 8 anos e outras que foram acabadas à entrada para estúdio.
Não é um disco autobiográfico mas, de certa
forma, percorreu comigo alguns anos e fases
decisivas para a minha vida actual. É sobretudo
Rita Redshoes. “A emoção de estar em palco é comparável a poucas coisas na vida”
um disco muito honesto, talvez ingénuo em
algumas coisas.
Acho que a explicação que encontro para as
pessoas gostarem é precisamente ouvir-se o lado
verdadeiro com que construí cada canção. Mas
também não sei bem...
Como é andar em digressão pelo país e ser
considerada uma das revelações musicais
do momento?
Bom, para além de compor e cantar, o estar
na estrada é das coisas que mais gosto de fazer
na vida. Portanto, neste momento, como tenho
imensos concertos, estou muito feliz, pois passo
grande parte do meu tempo a fazer algo que
adoro. Para além disso, a emoção de estar em
palco é comparável a poucas coisas na vida.
Quanto à parte da revelação... hum, diria
que a maior revelação tem sido tudo isto estar
a acontecer.
Acha que este álbum de estreia coloca a fasquia demasiado alta para um segundo álbum?
Já está a trabalhar em novos projectos?
É assustador pensar assim. Espero fazer muito mais discos, e discos cada vez melhores. É
suposto crescermos e evoluirmos. Conto com
isso.
Já tenho alguns bocados de canções e diria
que o novo disco se está a desenhar na minha
cabeça. Vai aparecendo aos poucos, ao longo
dos dias que passam.
18 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
ESPECTÁCULOS
Mão Morta passam em Abrantes na digressão “Ventos Animais”
Invasão de demónios
às portas do S. Pedro
Hoje é dia 3 de Abril de 2009 e 21h30
é a hora escolhida para a chegada dos
Mão Morta ao concerto mais negro
do mês no Cine-Teatro S. Pedro, em
Abrantes.
cláudia ferreira
Renato Lopes
São neste momento 21 horas e a noite é fria
como os diabos. E ventosa. Os parques de estacionamento estão completamente cheios, e
apesar do mau tempo, muitas pessoas fazem
pulular o tom das suas vozes em coro desordenado cá fora. Lá dentro, no entanto, a entrada
é quente, abrigada e acolhedora. E assustadora.
Tanto negro numa sala tão quente e branca
assusta, mas a verdade é que os demónios esta
noite invadiram o S. Pedro em massa, como
aliás se pode comprovar.
Aqui e ali vê-se uma outra cor de vestuário,
mas a regra de etiqueta geral é o negro. Mais
perto da entrada, como ainda é relativamente
cedo, a fila na bilheteira não é muito grande,
mas vai aumentando, até que alguns minutos
depois as portas do Céu se abrem para acomodar a horda de demónios na sala azul. Já
são 21h30, e há gente com medo no meio da
audiência. “Eles são muito complicados em
termos de entrevista?”. “Não, eles são acessíveis.
É apenas rock and roll.”
Dentro da sala azul ouve-se uma simpática música de fundo que cria uma atmosfera
agradável, junto com o burburinho da gentedemónio que praticamente enche a sala e que
se traduz numa elevada expectativa por entre
o público. À frente está o imponente palco, que
agora parece ter o espaço de um cubículo de
tão cheio que está de instrumentos, holofotes e
colunas. De repente começa a sair fumo detrás
do palco e as luzes da sala apagam-se gradualmente em filas até a noite cair e uma onda de
palmas inundar a sala, acompanhada de um
vendaval de assobios – Mão Morta entra em
palco e cada um dos membros dirige-se ao seu
lugar, pegando no seu instrumento.
E é com o som das baquetas a baterem uma
na outra que o concerto começa, dando luz
verde aos holofotes para avançarem com o
seu papel.
O concerto começa com “Ventos Animais” e
o som é alto. Adolfo Luxúria Canibal desempenha o papel de vocalista, dançando e gesticulando pelo palco enquanto canta, mas raramente
saindo do mesmo sítio. As luzes vão alternando
entre forte e fraco ao ritmo da música e no fim
ouve-se uma grande salva de palmas.
“Bem vindos aos nossos Ventos Animais”, fala
Canibal à audiência, e o segundo tema, “Budapeste”, começa com um grande espectáculo de
luzes. Durante a música entram algumas pessoas apressadas pelo meio da sala que se dirigem
aos seus lugares na fila da frente, mas ninguém
parece ligar – está tudo hipnotizado com as
luzes psicadélicas, que alternam freneticamente
entre o vermelho e o branco, juntando-se-lhes
luzes amarelas no refrão com os “Sempre a rock
and rollar” de Canibal.
O tema seguinte foi “Tetas da Alienação” e
em seguida “E Se Depois” começa a vibrar pelas
paredes azuis, com Adolfo a agitar-se ao ritmo
frenético da música e das luzes psicadélicas
que muito bem levariam a colocar um sinal de
cuidado dirigido às pessoas com epilepsia.
“Vamos acalmar mais um bocadinho”, diz
Adolfo quase ofegante do esforço físico, e as
luzes violeta erguem-se no criar do ambiente
Demoníacos. A negrura prevaleceu no concerto de Mão Morta em Abrantes
para a próxima música, “Arrastando o Seu Cadáver”. Numa sala praticamente cheia, ainda
assim ocasionalmente se vê alguém em pé. No
palco, Adolfo bate o pé ao ritmo da música, e
no solo de guitarra vai para junto de um dos
guitarristas, dançando de forma desconcertante, vagamente lembrando um morto-vivo.
A música termina com um grande desafinar de
guitarra e um fade out das luzes, fazendo ainda
mais uma vez o público vibrar intensamente
com a prestação.
Segue a vez de “Tu Disseste” em luz verde
e bolas de luzes a passear pelas cortinas do
fundo. “E eu disse: Que é que isso interessa?
E tu disseste: Nada.”, ouviu-se repetidamente
durante toda a música e, no fim, esta pequena
deixa abriu um momento de interacção com o
público: “E vocês disseram:” “Nada!!!”
Na sétima música do concerto, “É Um Jogo”,
uma vez mais as luzes violetas assumem o papel
principal entre as brancas e amarelas, iluminando e destacando a banda. Mais uma vez,
Adolfo dança de uma forma desviante, dando
passos de valsa na música rock. Numa nota de
curiosidade, na fila mais distante do palco, vê-se uma pessoa que fechou os olhos apenas para
ouvir a música, que acaba com a já previsível
saraivada de palmas.
“Este é um tema que os Mão Morta já tocavam muito antes de ter qualquer álbum”,
introduz assim Adolfo Luxúria Canibal o tema
“Bófia”, o que despertou uma ruidosa salva de
palmas. Por entre as palavras, o microfone é
Está tudo
hipnotizado com as
luzes psicadélicas,
que alternam
freneticamente entre o
vermelho e o branco
“Estou farto de mim!”,
queixa-se Canibal,
esfregando a cabeça
incessantemente e
continuando mesmo
após o fim da música
agarrado com força ,e a dada altura, “Pá!”, surge
uma onomatopeia de rompante pela música
acompanhada de um pontapé de Canibal no ar
em direcção ao público. Seguiu-se um fade out
completo no fim, mas ainda houve tempo para
mais uma pequena interacção com o público,
talvez não tanto amigável. “Parabéns, Joana!”,
grita uma pessoa da audiência repentinamente,
despertando a atenção do temível Adolfo Luxúria Canibal, a estranheza em pessoa. “Quê?”
“Nada, esquece.” E o estranho e corajoso anónimo voltou a sentar-se no seu lugar.
Monta-se assim a ponte para o próximo tema,
“Em Directo (Para a Televisão)”, um clássico
acolhido na sala azul com um grande calor na
audiência. Assobios, palmas, banda a vermelho
e começa o tema com Adolfo a desenhar com os
dedos uma televisão aquando o refrão “Encena-se um directo­/Para a televisão”. Acaba com
uma grande gargalhada maquiavélica por parte
de Canibal, que colhe imensas palmas e alguns
comentários menos próprios: “Deixem-se de
drogas!”; “Viciados!”
“Penso Que Penso” entra a seguir, alternando
o seu ritmo entre o monótono e uma explosão
acelerada no refrão, acompanhada pelas luzes,
que por vezes fazem lembrar pequenas velas
de cera enquanto os “Murmurar, murmurar”
de Adolfo se vão perdendo na música, que
lentamente se vai sobrepondo à voz até explodir
mais uma vez no refrão. “Estou farto de mim!”,
queixa-se Canibal, esfregando a cabeça incessantemente e continuando mesmo após o fim
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 19
ESPECTÁCULOS
“A música de Mão
Morta não é violenta,
é coro infantil”
Sara Pereira
Conhecidos pela crueza e acidez da música que fazem, os Mão Morta revisitaram em
Abrantes 25 anos de carreira, depois de uma
longa digressão apoiada nos Cantos de Maldoror, de Isidore Ducasse. Após o concerto, o
ESTAjornal esteve em conversa com o mentor
da banda de Braga, Adolfo Luxúria Canibal.
E, envolto no fumo do seu cigarro, falou de
Maldoror, da iniciativa da Câmara de Braga
em criar salas de ensaio… e da violência do
trabalho.
cláudia ferreira
Adolfo Luxúria Canibal
Nesta digressão houve a necessidade de voltar
a um registo mais convencional, depois de
uma fuga à norma?
Podemos pôr as coisas nesses termos, sim.
Houve necessidade de voltar ao velho Rock
N’Roll, porque “Maldoror” ocupou-nos muito
tempo, cerca de quatro anos entre a feitura, a
composição, a montagem do espectáculo e
depois a digressão e era um espectáculo muito
exigente, com muita marcação, muitos pormenores, muito absorvente. Precisávamos limpar
estes quatro anos, agora que as pontas soltas que
tinham sobrado do espectáculo estavam com o
nó dado, ou seja, o disco e o DVD já estavam cá
fora. Só faltava mesmo voltar à estrada e voltar
à crueza e à agrura, à nudez do Rock N’Roll,
para ficarmos limpos, ultrapassar toda a fase
de “Maldoror” e podermos avançar para um
trabalho novo.
Como é que uma banda “alternativa” sobrevive 25 anos no panorama musical português?
Não dependendo da música, senão não sobrevive.
Participou no projecto Mundo Cão, de Pedro
Laginha, como letrista. Há mais projectos do
género na calha?
Sim, fiz as letras para o primeiro disco de
Mundo Cão, fiz algumas para o segundo disco
e tenho colaborado com vários grupos. Mundo
Cão é particular, porque são dois elementos
dos Mão Morta, o Miguel Pedro e o Vasco Vaz,
que são os fundadores, portanto é um projecto
deles, há uma proximidade muito maior. Além
disso, há muita gente que me convida para
meter uma voz, ou para escrever uma letra, ou
mesmo para as duas coisas. Normalmente, se
tenho disponibilidade de tempo, digo que sim,
se não tenho, digo que não, porque uma pessoa
não pode inventar o tempo. Mas sim, é possível
que haja no futuro outras colaborações, com
outras pessoas.
E projectos paralelos com Mão Morta, como
Mécanosphere?
Esse continua, e continua Estilhaços, por
exemplo. Com Mécanosphere temos dois espectáculos marcados para Maio, um no Porto,
outro em Lisboa, com alguns artistas estrangeiros, nomeadamente com Kenneth Anger e
com David Tibet. Temos esses dois projectos e o
disco, no qual o David Tibet também participa.
Provavelmente vai sair pela editora do David
Tibet em Inglaterra, as coisas continuam a
funcionar.
É vocalista de Mão Morta e, simultaneamente, foi advogado até 1999. Passou por
algum episódio estranho, resultante dessa
dualidade?
Não, são dois mundos que, regra geral, não se
tocam. Normalmente, os desconhecidos ligados
às leis, nomeadamente tribunais, ou pessoas
que precisem de advogados, grosso modo, não
conhecem a música, muito menos a música alternativa, e com as pessoas que iam ter comigo,
porque sabiam que eu era advogado, mas que
me conheciam da música, também não se passam situações caricatas, já me conhecem.
Com a fornada de novas bandas de Braga,
como exemplo, Peixe:Avião, Monstro Mau
ou Mundo Cão, pode-se dizer que Braga,
musicalmente, “está bem e recomenda-se”?
Está, neste momento está muito bem mesmo,
numa fase de grande criatividade. Há muitas
bandas que estão a surgir ligadas às salas de
ensaio que a Câmara montou no antigo estádio
Primeiro de Maio. Peixe:Avião é exemplo típico
de uma banda dessas, Smix Smox Smux é outra… Braga tinha os músicos sempre dispersos,
a não ser nos anos 80 em que um grupo de
pessoas, que já se conheciam, que eram amigos,
decidiu fazer música. Durante todo o resto, nos
anos 90 e mesmo início dos anos 00, Braga não
teve propriamente um “movimento”. Agora tem
essas pessoas todas juntas, a trocarem ideias,
a ajudarem-se uns aos outros… É engraçado,
efectivamente é muito interessante o que se está
a passar em Braga.
Os Mão Morta abriram portas nesse aspecto?
Não propriamente os Mão Morta. O Miguel
Pedro sim, ele está por trás da ideia das salas
de ensaio. No fundo, deve-se a ele toda esta
“cena” emergente.
A música dos Mão Morta é violenta?
(risos) Não… Eu pessoalmente acho que não,
eu divirto-me [com a música] e com a violência
não me divirto, a partir daí acho que não é violenta. A violência está na sociedade, no mundo
em que vivemos, esse sim, é muito violento.
As pessoas serem obrigadas a trabalhar para
sobreviver é de uma violência terrível, é uma
coisa completamente desumana. As pessoas
não foram feitas para trabalhar. A sociedade
tal como existe, o capitalismo, é que obriga as
pessoas a trabalhar e quando elas não produzem o suficiente, quando elas não se entregam
de alma e coração e corpo e tudo ao trabalho,
despede-as! Isso é que é uma violência! A música dos Mão Morta não é, a música dos Mão
Morta é “coro infantil”.
da música, terminando num choro excêntrico
muito após a música ter fugido da sala. Uma
grande actuação que colheu uma enorme salva
de palmas, para variar.
Uma breve pausa e começam-se a ver pessoas
com braços no ar, a abanar a cabeça para a frente
e para trás ou a dar pequenos saltinhos nas confortáveis cadeiras ao som de “Amesterdão (Have
Big Fun)”. Duas pessoas em pé abanam-se todas
a um canto da sala, ao lado do palco, ao som da
música mexida acompanhada com um bom
trabalho de luzes. Adolfo continua a dançar no
palco e a apontar na direcção do público, o qual
responde com palmas e urras. “Vocês são um
bocado tímidos”, diz Adolfo Luxúria Canibal,
dirigindo-se ao público no fim da música. “Olha
que eu vou p’ó palco!”, ouve-se alguém gritar. E o
temível Canibal responde “Já vi. Aliás, se me quiseres substituir já sabes… Se souberes as letras…”.
O anónimo destemido nada mais disse.
Algumas palavras em alemão por parte do
público anunciam uma nova música entoada pelo
mesmo em tons de “la-la-las” mesmo antes de a
própria banda começar a tocar. Em breve, os músicos acompanham o público na música – “1º de
Novembro” vem a chegar. No entanto, subitamente
o público silencia-se como adivinhando o timing,
e Adolfo começa a cantar. Braços de demónios
erguem-se ao Céu, tentando agarrar bocados da
melodia e no refrão o mesmo coro de “la-la-las”
irrompe e destaca-se no instrumental e no solo de
guitarra. Depois de o ritmo se suspender, a voz de
Canibal perdura pela sala, até a música irromper
novamente e acompanhar o coro do público uma
vez mais. Aumenta-se o som e nem isso esmorece
os participativos convidados, mas eventualmente
os “la-la-las” dissipam-se na música original. Mais
no fim, Adolfo dança mecanicamente, e imita os
“la-la-las” do público, como que o homenageando,
Adolfo Luxúria
Canibal revela-se mais
uma vez a estranheza
em pessoa enquanto
entoa o refrão
mas que se vão também transformando a pouco e
pouco em urros assustadores que perduram mesmo durante as palmas do público. Com tempo, os
urros vão alternando entre urros e gargalhadas,
com as palmas a ecoar no fundo, e no fim apenas
se ouve o respirar ofegante de Adolfo Luxúria
Canibal.
O grande sucesso termina e o alinhamento
segue em frente com “Barcelona (Encontrei-a
na Plaza Real)”. Há uma troca de guitarras pelo
guitarrista do lado esquerdo durante a música,
e Adolfo abana os braços de um lado para o
outro no solo de guitarra, fazendo de conta
que corre. Palmas ouvem-se por todo o lado no
fim, fazendo a transição para a frenética “Quero
Morder-te as Mãos”, onde se observam imensas
cabeças a abanar ao ritmo da música e um ou
outro com braços no ar.
A música seguinte chama-se “Vamos
fugir”.“Tive uma ideia, tive uma ideia!/Vamos
fugir!”, canta Adolfo com um erguer do braço
como se fosse um aluno a pôr uma questão a um
professor. Acaba rápido, e caminhamos a uma
grande velocidade para o fim do concerto “E
agora, quase a acabar: Lisboa”, anuncia Canibal
ofegante “Lisboa (Por Entre as Sombras e o
Lixo)”. Algumas pessoas levantam-se de braços
no ar, enquanto outras, principalmente na fila
da frente, põem nas mãos uma banal air guitar
para acompanhar os músicos e, mal a música
acaba, as luzes apagam-se.
Um rufar de pés denuncia o que se aproxima,
e “Cão da Morte” irrompe e atravessa violentamente a sala com cada desafinar melódico da
guitarra. Adolfo Luxúria Canibal revela-se mais
uma vez a estranheza em pessoa enquanto entoa
o refrão, elaborando uma cruz com o corpo e
não se mexendo um único centímetro enquanto
tanto os músicos – o guitarrista esquerdo vai
até ao lado direito em pose – como o público
vibram. No fim, Adolfo esfrega a nuca uma e
outra vez. “Sinto o Cão da Morte a bafejar no
meu pescoço” e um grande maremoto de palmas ecoa vivamente pela sala, dançando com
assobios na atmosfera e dando à luz um rufar
de pés e um terramoto, e o ressuscitar do coro
de “la-la-las” da “1º de Novembro”. O público
vibra e vibra e manifesta e exige mais. Os Mão
Morta voltam a entrar em palco pouco tempo
após o abandonarem.
“Dá-lhe gás!”, ouve-se no público, e os Mão
Morta iniciam o Encore com “Chabala”, uma
música para aqueles que “gostam de músicas
calmas”, como diz Adolfo. Apenas luzes vermelhas habitam o palco, e Adolfo tomba a cabeça e
balanceia-se de um lado para o outro na parte
instrumental. E a seguir vem a “Véus Caídos”,
com umas opostas luzes azuis e com gritos a
surgirem algures no público não se sabendo
exactamente de onde, dentro dos quais um
outro “Dá-lhe gás!”.
Finalmente surge a última música da noite,
“Anarquista Duval”, uma música que já havia sido
pedida imensas vezes durante todo o concerto. As
luzes atingem uma luminosidade tal que ofuscam
completamente impedindo a visão em direcção
ao palco, e de repente, sem mais nem menos,
Canibal solta uma grande gargalhada maquiavélica e a música pára, como que obedecendo ao
seu comando para recomeçar logo a seguir aos
assobios que se ouviram no breve intervalo. No
instrumental, Adolfo dança desengonçadamente,
e algumas pessoas voltam a fechar os olhos para
sentirem a música e marcarem o compasso com o
abanar da cabeça. Cabeças e corpos levantam-se
rapidamente, mesmo antes de a música acabar,
e aplaudem a banda com um grande fervor e
estremecer dos arredores, reunindo os músicos
em palco, que, fazendo vénias, vão saindo pelo
mesmo lado por onde entraram dando por terminada a actuação.
As pessoas apressam-se a sair e saem quase
todas ao mesmo tempo. O concerto acabou e o
sorriso de satisfação está completamente preso
como uma estampa nas suas caras. No entanto,
não dispersam. Transmite-se a ideia de que
muitos não são efectivamente de Abrantes, e
transmite-se também que muitos encontram
em outros companheiros ou camaradas de
armas, provavelmente de outros pontos do país.
O pós-concerto torna-se assim numa pequena
reunião de demónios, dentro e fora do hall de
entrada do Cine-Teatro S. Pedro.
Cá fora está frio, e negro. Negro da noite, e negro das pessoas e da sua roupa. Muitos fumam,
muitos falam, poucos aparentam ar amigável de
todo. Ironicamente são-no. No geral, o concerto
pareceu satisfazer a audiência. “O concerto foi
um espectáculo!” “Correspondeu às expectativas.” Mas também houve espaço para algumas
críticas sobre a falta de espaço:“Gostava de saltar
e não pude”. E outras dirigidas ao concelho
abrantino: “Reagi bem [ao descobrir que os
Mão Morta iriam tocar no S. Pedro] porque
Abrantes tem falta de cultura”. Pelo caminho
encontramos também João Pedro, um jornalista
do Público que partilha connosco o seu gosto
pelos Mão Morta “desde que nasceram”, e no
meio do burburinho uma ou outra pessoa que se
atreve a imitar na rua os movimentos de Adolfo
Luxúria Canibal em palco.
O movimento vai-se dispersando e os demónios regressam ao seu covil para descansar e
preparar as próximas traquinices. O Cine-Teatro
fica uma vez mais vazio e para trás fica apenas
a equipa técnica que retira os instrumentos. A
noite acaba em grande, mas acaba, e as portas
do Céu fecham-se novamente, encerrando a celebração de 25 anos de Mão Morta a atormentar
portugueses sonoramente.
20 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
REGIÃO
Uma banda, uma casa acolhedora e um Secretário de Estado marcam uma manhã diferente em Constância
Se todos abríssemos as portas
Dia 13 de Abril marca o fim das festividades em Constância, e que melhor maneira de acabar que com uma manhã fria, nublada e
com ameaças de chuva? É o dia ideal para um desfile pela vila de bandeira em punho.
SARA PEREIRA
Renato Lopes
Pouca ou nenhuma gente se vê na rua
às 9:30 da manhã e, tirando um grupo
de oficiais que conversa com algumas
mulheres de idade, não se vê viv’alma
pela rua. Até que um grupo de homens
fardados desce a rua envergando a bandeira. “Atenção! Descansar! À vontade!”
ouve-se, e os homens aguardam pacientemente no meio da estrada pelos
colegas que faltam. Passam-se minutos
e minutos que se tornam uma eternidade para os homens que aguardam,
porque “os gajos da música chegam
sempre atrasados”, ouve-se dizer, mas
eventualmente começam-se a ouvir
ao longe os tambores que anunciam
a sua chegada, e lá vêm eles a descer a
mesma rua.
Guiados pelo maestro, chegam e alojam-se num bocado de alcatrão onde
começam a entoar o Hino Nacional,
sob os olhos atentos do maestro que,
com os seus gestos, vai montando os
sons dos instrumentos como se fossem
blocos de Lego.
Momentos depois perde-se a solenidade e, eventualmente, o grupo de
músicos dissolve-se numa multidão. É
tempo da pausa para o café da manhã, e
a rua passa de cheia a vazia num instante, com toda a gente a ir para dentro do
café, preparado para esse mesmo efeito.
Lá dentro está barulho, demasiado. Cá
fora os altifalantes saúdam-nos com um
“Então muito bom dia” e uma repórter
de rádio encontra-se a fazer reportagem
no local. Algum tempo depois mobilizam-se e está na hora de continuar a
volta a Constância ao som da melodia
da banda dos bombeiros.
Já não tocando aleatoriamente, como faziam há pouco, mas parecendo
agora um computador a processar um
Constância. As ruas enchem-se de alegria quando a banda passa
ficheiro mp3, a banda é aguardada por
muita gente na rua, mas também em
portas e janelas, e ruelas por onde passa. Acorrem todos para ver a banda a
passar. Uns descaradamente de porta
aberta, outros apenas com uma fresta
suficiente para espreitar timidamente,
mas todos vêem e olham quem vem lá e
quem torna o dia num dia diferente.
A meio do caminho a ameaça da
manhã torna-se realidade e começam
a cair os primeiros pingos, enquanto a
banda segue destemidamente contra
o vento, mas nem isso impede uma
senhora de idade e a neta de verem a
banda passar com um ar sorridente. Até
porque é chovisco chato mas rápido, e
alguns minutos depois já se foi.
Constância continua a passar por
baixo dos nossos pés e chegamos a uma
pequeníssima rotunda, onde a banda
estaca como se tocasse de propósito
para esta casa, a casa de Maria de Lurdes que todos os anos faz questão de
Arqueologia ao alcance de todos
preparar lanche para a banda, que pára
e prepara-se para devorar e ficar com
“pedalada para andar o resto do dia”.
“Gosto muito que venham cá tocar.
Dão muita alegria a Constância.”, diz
Maria de Lurdes, contente e sorridente, servindo à banda o seu pequeno
lanchinho feito “com muito gosto”. “A
nossa alegria é receber as pessoas”, diz
ainda e assim recebe tanta gente na sua
varanda. Encontra-se acompanhada
do seu marido, José Mendes, e juntos tratam dos doces tradicionais de
Constância: os Queijinhos do Céu. A
casa de Maria de Lurdes é já paragem
obrigatória da banda há mais de 10 anos
e ela aprecia o seu esforço e defende
o seu gesto, dizendo que “andam de
porta em porta e acho que se abrirmos
as portas é mais giro.”
Findo o lanche, é hora de prosseguir
em direcção ao próximo destino e após
um pequeno concerto numa praça, a
banda dispersa. É hora de observar a
parte de Constância que está coberta de
enfeites e barracas, que por acaso a esta
hora ainda não tem tanta gente como
seria de esperar, com a maior parte do
movimento a dar-se em roda da estátua
do autor de ”Os Lusíadas”, tanto com
miúdos como com graúdos.
Mas o dia vai passando e a hora de
almoço aproxima-se a passos largos, e
com ela a hora da ansiosa chegada do
tão falado Secretário de Estado Adjunto
e da Justiça, Conde Rodrigues. Com
grande tumulto criado em sua roda,
o Secretário de Estado desembarca do
seu automóvel e dirige-se à praia para
assistir à procissão dos barcos.”Rui! Ó
Rui! Bora!”, ouve-se o que se poderia
tomar como um pescador ainda com
um pé quase dentro de água e outro
na areia fina à beira-rio. Aproxima-se
a hora da procissão.
Tudo pronto, faltam os barcos. Em
roda do Secretário de Estado gira um
tumulto de pessoas, e apenas as crianças
que brincam alegremente na areia parecem imunes ao íman político e social
que atrai o resto das pessoas.
De repente, a banda começa a tocar
e é sabido que está na hora da chegada
dos barcos, que fazem uma entrada
gloriosa ao som de foguetes e com o
próprio Sol a romper o Céu nublado
para os saudar, tornando-se depois
tão forte que obriga algumas pessoas a abrirem os guarda-chuvas para
se resguardar e ouvir as palavras do
ilustre convidado “Bom dia a todos”,
começou com a sua voz a ecoar por
toda a praia. “Vêm aqui hoje por razões religiosas, razões culturais (…).
Queríamos desejar um bom dia da
Nossa Senhora da Boa Viagem.” E
foi de facto engraçado, senhor Secretário de Estado, referir-se ao Sol
que surgiu animadamente aquando
a chegada dos barcos :“Tivemos um
sinal do Céu, já que estava de chuva
quando viemos…”. A seguir foi a vez
do Presidente da Câmara de Constância, António Mendes, se pronunciar
acerca do evento, apelidando Conde
Rodrigues de “homem dos rios”, entre
outras palavras que sublinharam a
importância do rio.
Após a chegada das embarcações, o
movimento começou a dispersar-se e
as pessoas foram em busca de algo para
forrar os estômagos, já num almoço
tardio para alguns. Com muitas alternativas entre cafés, restaurantes e tascas,
o movimento separou-se e alimentou as
ruas de Constância com o movimento
que faltava de manhã e que necessitava
para dar movimento à vila. E assim
Constância vive novamente até ao resto
do dia e até para o ano que vem.
Gonçalo Reis
ALISON SILVA
Alison Silva
A Carta Arqueológica é o
documento que reúne toda a
informação sobre o património
histórico recolhida até à data
no concelho de Abrantes. Criada por Candeias Silva, Álvaro
Baptista e pela arqueóloga Filomena Gaspar, foi apresentada
oficialmente às 16 horas do dia
18 de Abril, numa sala do Castelo de Abrantes.
A vereadora da Cultura, Isilda
Jana, deu início à sessão onde se
explicou o funcionamento da
carta digital. Resultado de um
trabalho de muitos anos, a Carta
Arqueológica do concelho de
Abrantes cobre 700 quilómetros
e torna mais fácil a programação
de novos projectos, na região,
que interfiram com o subsolo,
de modo a que o património
Documento. 700 quilómetros de história
histórico não seja destruído.
Trata-se de um projecto que
superou as expectativas dos seus
criadores. Agora, está ao alcance
do público e pronto a receber novas actualizações. A influência dos
antepassados na região de Abrantes é, para estes investigadores, um
mistério que pode ser desvendado
a qualquer momento, seja “debaixo de um arado ou um tractor”,
como sublinha Candeias Silva.
Álvaro Baptista fez particular
referência ao trabalho que ainda
está por desenvolver, particularmente na zona norte do concelho. As muitas obras que já foram
encontradas estão devidamente
sinalizadas, desenhadas e identificadas, para facilitar o regresso aos
mesmos locais ou a identificação
de outros da mesma região. Agora estão, também, disponíveis na
Carta Arqueológica.
O presidente da Câmara Municipal de Constância, António Mendes,
aproveitou a visita de Aníbal Cavaco Silva à vila para falar das faltas
que o seu concelho tem. As críticas surgiram durante a cerimónia de
inauguração do Ritchey-Crétien, o maior telescópio público do país,
adquirido pelo Centro de Ciência Viva de Constância, com o apoio da
Fundação EDP. O autarca comunista enunciou as obras conseguidas ao
longo de 24 anos de mandatos, mas também lamentou aquelas que não
conquistou, nomeadamente a ponte sobre o Tejo. Por isso, sai das suas
funções com mágoa por não ter resolvido todos os projectos que desejava.
O Presidente da República tentou dar ânimo: “Coloque as angústias no
centro das velharias e coloque na estante mais perto de si os casos de
sucesso”. Vanessa Jorge
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 21
REGIÃO
Exercício militar envolve a comunidade
nuno Sot to-Mayor
Renato Lopes
“Rosa Brava” é o nome do exercício
prático levado a cabo pela Brigada Mecanizada do Campo Militar de Santa
Margarida e que marca o fim de um
ciclo de instrução militar. Num cenário fictício, semelhante ao que podem
encontrar na realidade, os militares
definiram e colocaram em prática uma
estratégia de libertação de um país,
anexado à força por outro.
O “Rosa Brava” deste ano começou
a ser desenvolvido em Outubro do
ano passado e acabou por ter a aprovação superior pelo Comando Operacional do Exército em Dezembro
do mesmo ano, decorrendo depois o
gonçalo reis
exercício propriamente dito de 24 a 30
de
Abril de 2009.
Neste exercício faz-se uma avaliação do nível da interiorização dos militares acerca das tácticas, das técnicas
e dos protocolos de acção, bem como
uma identificação das potencialidades e vulnerabilidades da Força. “A
finalidade principal do exercício é
que depois de todo um ciclo normal
de instrução que já se iniciou o ano
passado, importa agora fazer a validação desse mesmo treino”, explica ao
ESTAJornal o Tenente-Coronel Amaral Lopes, Chefe do Estado-Maior da
Brigada Mecanizada.
“Ros
a
Brava”
é , e nt ã o, u m
exercício prático com
u m
contexto fictício, mas é ainda assim
um exercício tão real como as armas de fogo nele usadas, baseando
todo o seu conceito em situações
de conflito conhecidas, como as
verificadas nos Balcãs, na Bósnia,
no Kosovo, no Líbano, no Iraque e
no Afeganistão. “Estando a Brigada
Mecanizada, associada ao Campo
Militar de Santa Margarida, submetida a algumas das missões de enviar
para estes teatros alguns militares,
fará todo o sentido, no âmbito daquilo que é um programa de apontamento dos nossos homens, poder
materializar neste tipo de exercício,
as condições, mais ou menos reais,
onde efectivamente eles irão efectuar as operações”, acrescenta ainda o
Tenente-Coronel.
Durante o exercício, as forças da
Brigada Mecanizada estiveram espalhadas pelas principais localidades
mais próximas do Campo Militar
de Santa Margarida. Na Chamusca
esteve uma unidade de escalão Batalhão, em Torres Novas, um Posto de
Comando da Brigada Mecanizada e
também uma pequena base de operações avançada com um Esquadrão
de Reconhecimento, e ainda duas
outras bases, uma na Bemposta e
outra em Ponte de Sôr.
Mas o “Rosa Brava” não é um evento fechado. Várias parcerias foram
formadas, incluindo a presença de
uma companhia do exército espanhol, um conjunto de forças pertencentes à força operacional do exército
português, e a parceria realizada com
a ESTA, que permitiu levar os alunos
do curso de Comunicação Social até
à concentração militar na Chamusca,
localizada nas ruínas da antiga fábrica
de tomate Spalil.
O apoio das câmaras municipais
da Chamusca, da Ponte de Sôr e de
Torres Novas, bem como da Junta
de Freguesia da Bemposta, foi decisivo para a realização do exercício,
cedendo tanto as instalações como
facultando água e electricidade. Mas
não só. Em Torres Novas realizou-se
uma exposição de material, que até
dia 26 de Abril contou com quase
2000 visitantes, e montou-se uma
torre de actividades no jardim de Torres Novas, visitada e utilizada por
650 pessoas, sendo a última pessoa
que a utilizou “uma idosa de 71 anos,
que fez a escalada da torre e o slide”,
partilha Amaral Lopes em tom de
curiosidade.
Tudo isto porque cada vez mais os
conflitos bélicos são desencadeados no
meio da população e em grandes áreas
urbanas, o que faz com que o exército
tenha de se preparar para interagir
com as populações. Não fazendo parte
do exercício em si, estas actividades
são ainda uma parte importante do
treino e da avaliação dos militares.
Abrantes recebe caravanistas
A liberdade parece ser o motivo
para se comprar uma auto-caravana. “Conhecer diferentes locais, fazer
amigos e confraternizar” são algumas
das justificações dadas pelos caravanistas que compareceram ao encontro
organizado em Abrantes, no último
fim-de-semana de Abril.
O facto de “adorarmos caravanismo” é, segundo Odete Sousa, suplente
da direcção do Clube Português de
Auto – Caravanismo (CPA), uma das
razões para a organização de mais
um encontro. A escolha do local tem
muito a ver com as condições que cada terra apresenta e o Tecnopólo, em
Alferrarede, tem as “infra–estruturas”
necessárias para uma concentração
de caravanistas.
Foi pela hora de almoço, de caravana em caravana e com simpatia por
parte de todos, que se foram ouvindo
histórias sobre esta vida de caravanista. Entre eles muitos portugueses,
mas também ingleses, franceses e um
belga. A conversa fez-se em diferente
línguas, acompanhada por gestos de
mímica.
tânia machado
Motivos. Liberdade, fazer amigos e viajar para conhecer outros locais
Manuel, Ex–Tenente–Coronel, de
Leiria, tem uma caravana há 30 anos.
Quando começou era jovem ainda:
“Durante a juventude fiz campismo,
depois evoluí para um carro-tenda,
a seguir uma auto vivenda e depois a
auto - caravana. Foi uma questão de
evolução”. Foi com um bolo típico
de Santarém que o Sócio nº 61 do
CPA abriu as portas da sua caravana,
explicando o seu funcionamento e
mostrando alguns dos galhardetes
dos países pelos quais passou. A autocaravana até já serviu para levar “uns
amigos à Alemanha”.
Os encontros são divulgados pelos
sites de auto–caravanismo de todo o
mundo. Willy Vlaminekx, belga, teve
conhecimento deste encontro através
do “Belgium Motorhome Club, na
Internet”. A maioria dos que responderam ao desafio já viajou por toda
a Europa. Este é o caso do francês
Henri Boué, que viaja de auto-caravana desde 1997. Conhece Portugal
de lés a lés, pois “pelo menos uma
vez por ano, desde há 20 anos”, que
nos visita.
Apesar do encontro nesta cidade ribatejana ter contado com 250
auto–caravanas e com pessoas de
várias nacionalidades, em Portugal
só existe um grande Clube de Auto–Caravanismo, contrastando com
França, onde há vários. Contudo,
Jean Levet, diz que em França, “os
portugueses não são tantos como
gostaríamos”.
Em mais uma conversa, onde até
se falou de bacalhau, Bernard Fraisse, jornalista da revista francesa “De
Monde de Campincar”, revela que os
custos de uma auto–caravana são os
normais de um carro, sendo que o
investimento maior é mesmo a sua
compra. Fazem milhares de quiló-
metros com as suas segundas casas às
costas e a fazer sinais de luzes quando
se “cruzam na auto-estrada”. É uma
tradição da qual não prescindem. É
“uma forma de cumprimento”.
Cândido Boaventura, guia dos
caravanistas estrangeiros, muito popular entre eles, diz, num tom irónico, que uma auto – caravana é boa
“quando já se tem a casa paga e os
filhos arrumados”.
Durante o encontro de Abrantes,
os caravanistas tinham à disposição,
num pavilhão, vários stands com produtos tradicionais da zona (bolos,
enchidos, artesanato), assim como
excursões organizadas para mostrar
as áreas mais importantes desta zona.
Por exemplo, quem quisesse visitar o
Castelo de Almourol tinha transporte
gratuito de autocarro.
Foi durante os dias de 23 a 27 de
Abril que esta iniciativa decorreu na
cidade florida, onde houve reencontros, petiscos e boa disposição à mistura, nesta que já é considerada uma
família e onde todos se tratam por
“companheiros”. Tânia Machado
22 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
ESTA/IPT
IPT distinguido
com Selos de
Qualidade
da Comissão
Europeia
A candidatura do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) ao Label
ECTS e ao Label Suplemento de
Diploma foi aprovada, na primeira
semana de Maio, pela Comissão
Europeia.
Esta distinção consiste num selo de qualidade para as melhores
práticas na utilização do Sistema
de Transferência e Acumulação de
Créditos e num selo de qualidade
para o Suplemento ao Diploma,
respectivamente. A par com o IPT,
foram distinguidas com a Label
ECTS as universidades do Minho,
Aveiro e a Técnica de Lisboa. Com
a Label Suplemento ao Diploma foram reconhecidas as universidades
do Minho e de Aveiro.
Para Luiz Oosterbeek, director do
Gabinete de Relações Internacionais e professor do IPT, a distinção
“é um momento importante para
o nosso Instituto” e “consagra de
forma transversal um grau de reconhecimento internacional”. Oosterbeek salienta ainda a “orientação
prosseguida pela presidência” e os
esforços dos responsáveis de departamentos, centros do IPT, directores
de escolas e dos funcionários de
diversos serviços, que “souberam
correr para além das horas para
atingir este patamar de qualidade
a tempo de poder ser avaliado de
forma independente e internacional”. Sara Pereira
Incentivo aos estudantes de Design e Artes Gráficas
Alunos do IPT organizam
XIX do ARTEC
Nuno Sot to-mayor
Eleantino Évora
e Nuno Sotto-Mayor
Promover os alunos do curso de
Design e Artes Gráficas do Instituto
Politécnico de Tomar é, segundo
Pedro Gomes, actual presidente da
Artec, um dos principais objectivos
deste evento que ocorre todos os
anos. “Tentamos sempre, desde a
primeira edição, trazer oradores
que motivem os empresários a virem para partilhar experiências e
a ouvirem-nos porque há sempre
falhas na área do design e na própria
impressão”, explica.
Na XIX edição do ARTEC (Artes e Tecnologias), que decorreu
entre os dias 22 e 23 de Abril, o
tema centrou-se nos suportes. No
primeiro dia do simpósio, os temas
que mais se destacaram foram: “A
empresa gráfica no Mundo da Comunicação”, conduzido por Paulo
Dourado, “O papel e outros suportes de impressão”, por Rui Sebrosa
e João Faleiro. Outros temas que
mereceram ênfase foram temas os
sobre a Serigrafia Cerâmica, que é
considerada uma boa via de saída
para os formandos e sobre Design
de Informação, que inclusive já tem
mestrado.
Para a aluna, Silvia Bernardo,
estes temas do primeiro dia foram
interessantes e benéficos porque
obriga os alunos a reflectir e “leva
à transmissão de ideias, de pensamento e sobretudo, contribui para o
Objectivo. Contribuir para o dinamismo e mais-valia do Design
dinamismo e mais-valia do design”
argumentou.
O segundo dia começou com uma
Mesa Redonda constituída por Guilhermino Pires e alguns convidados.
“A gráfica está na impressão que se
dá às pessoas e não somente imprimir”, defendeu Guilhermino Pires.
Para este antigo professor do Ins-
tituto Politécnico de Tomar (IPT),
“toda a evolução das tecnologias
passa pelo design e artes gráficas”.
Da parte da tarde o designer e antigo aluno do IPT, André Figueiredo, falou de design cerâmico, João
Brandão de Linguagens e suportes
de vídeo digital e João Vasco Neves
de signos e informação turística.
Grito académico
FRA! A! FRE! E! FRI! I! FRO! O!
FRU! U! FRA FRE FRI FRO FRU ALIQUA, liquá, liquá ALIQUA, liquá, liquá
CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ HURRA,
HURRA, HURRA!!! Qual o verdadeiro
significado?
O grito académico, que se divide em
duas partes, a Dedicatória e a Aclamação, nasceu em Coimbra, no ano de
1938, apesar de existir quem defenda
que o seu berço pertença ao ano de
1969 e esteja ligado à Crise Académica
coimbrã.
F.R.A. simboliza Frente Revolucionária Académica ou Falange de Renovação Académica e era considerado uma
arma de luta política. ALIQUA refere-se
a alguém, provavelmente para chamar
a atenção. CHIRIBIRIBI-TÁ-TÁ-TÁTÁ é uma simbologia para a alegria e
folia vivida na vida académica. Apesar do significado do F.R.A. ser quase
desconhecido, mesmo para quem não
frequenta a Universidade este grito significa “as etapas por onde todos os estudantes universitários passam”, como
diz Cleide Ramos, 18 anos. Este grito
também é associado às tunas. Sofia
Macedo, 25 anos, tunante e licenciada
em Jornalismo, diz que as memórias
que o grito académico lhe traz são positivas: “Lembro-me dos amigos que fiz,
da tuna… bons momentos que vivi na
Universidade”. Verónica Baptista, professora do Ensino Secundário, associa
o F.R.A “aos festivais de tunas em que
estive e aos bons tempos de estudante”.
“A força, o orgulho, as praxes, a queima das fitas” estão também ligados a
este grito, como declara Célia Jorge, 36
anos, licenciada em Psicologia Social,
actualmente responsável de Recursos
Humanos. Sara Rosa, 19 anos, refere
a “força de triunfar, o orgulho de estar
na Faculdade e a garra que une todos os
universitários”. Vanessa Jorge
3ª Conferência de Design de Produtos da ESTA
A educação do Design
“O objectivo destas conferências é
criar um espaço de diálogo, de encontro entre alunos, professores, profissionais da área e abrir a discussão do
design de produtos à restante comunidade”, afirmou Mário Barros, docente da ESTA, na sessão de abertura
de mais uma conferência dedicada ao
design, que teve como tema principal
“a educação do Design.”
Esta terceira conferência contou
com a presença de três docentes da
Escola Superior de Belas Artes de
Marselha, Frédéric Frédout, Ronan
Kerdreux e Frédérique Entrialgo, e
também com Sérgio Gonçalves, do
Instituto Politécnico de Leiria, e Miguel Estima, do Instituto Politécnico
de Castelo Branco.
Numa primeira parte, mais teórica,
falou-se essencialmente sobre as metodologias de aprendizagem. Frédéric
Frédout, responsável pela licenciatura
do curso de design e espaço, falou
sobre o design em ciclo curto e da
“importância de ir ao encontro e ter
contacto com outras realidades e
outros enquadramentos.” Falou sobretudo da relação entre a luz, ar e
espaço. Por sua vez, o docente Ronan
Kerdreux trouxe até Abrantes uma
apresentação dedicada ao ciclo longo
e aos laboratórios de investigação que
eles têm na Escola de Belas Artes de
Marselha.
Na segunda parte, mais prática, a
professora Frédèrique Entrialgo apresentou aos alunos o workshop URBIC
– junção de urbano e com informação
de comunicação. Este prende-se com
a aplicação num espaço público de
um novo tipo de código de barras
– código 2D – que funciona a partir
do cruzamento dos códigos de barras em X e Y, que conseguem ter um
maior número de informação e ter
imagens, números de telefone e sítios
da internet, explicou posteriormente
Mário Barros.
Depois das apresentações feitas
pelos docentes franceses, em que
Margarida Gil fez o elo de ligação,
traduzindo de francês para português
para que todos os presentes entendes-
sem, chegou a vez da comunicação de
Sérgio Gonçalves que apresentou o
workshop sobre Designer em Campo,
que foi feito com alunos da escola de
design das Caldas da Rainha, que
tentaram reabilitar várias técnicas
de artesanato existentes que se estão
a perder. O intuito primordial é adequar o artesanato para o design contemporâneo como utilidade prática
no mundo actual.
Por fim, o professor Miguel Estima mostrou o resultado prático de
uma disciplina do 1.º semestre, em
que os alunos do curso de design de
interiores e equipamento tiveram que
fazer pequenos objectos em madeira,
contraplacado e contraplacado moldado, técnica que já existe desde o
século XIX. Tiveram que trabalhar
esses objectos desde o início: recebiam as folhas de madeira e tinham
que fazer tudo até ao produto final,
desde colar as folhas, fazer o molde,
fazer o próprio projecto para o objecto, ou seja, ver todas as fases que um
produto tem, que para um design de
produto é essencial.
Segundo Mário Barros, “dá trabalho, mas é tal e qual como os colegas
do curso de design e desenvolvimento
de produtos, que também têm aqui as
oficinas e têm que pensar os objectos,
a função, têm que desenhá-los à mão
ou a computador, para saber todos os
processos que um produto tem que
ter até chegar ao consumidor final e
pensar como é que podem optimizar
todas essas fases. Então para os alunos é importante ver essas técnicas
e perceber que o trabalho que eles
fazem aqui também é semelhante ao
trabalho que fazem noutros lados.”
Posteriormente à conferência, o
mesmo diz que estes workshops são
importantes para os alunos porque
“vêem em directo e no momento outras pessoas a trabalhar e novos modos de trabalho. A ideia de trabalho,
de ritmo, faz com que eles tenham de
reaprender outras técnicas e também
de ver o que resulta melhor e como
é que podem aproveitar isso no diaa-dia.”
Para Licínia Gaspar e Filipe Santos,
alunos do curso de DDP, por poucas que sejam as conferências que
se realizam na ESTA, “são bastante
importantes para uma maior compreensão e conhecimento da nossa
área, aumentando, assim, o nosso
saber a nível de técnicas e de formas
de concepção, desde a ideia, até ao
produto pré-final, dando-nos, igualmente, força para criar novas ideias
e para continuar a trabalhar.”
Visto a Internet ser um meio demasiado vasto e amplo, “dificulta a obtenção de informações necessárias ao
nosso estudo do Design, o que estas
conferências vêm a facilitar, porque
temos acesso a conhecimentos mais
específicos, ligados à área profissional
do Design, relatados em primeira
pessoa.”
Por isso, alunos, professores e até
mesmo os profissionais da área tiram
proveito destas conferências, pois servem para “fortalecer o nosso nível de
aprendizagem”, dizem Licínia e Filipe.
Paula Faria
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 23
FESTIVAIS
Diferentes mas todos iguais
Daniela Santos
As luzes apagam-se. A sala está cheia. A
euforia começa. Num ambiente escuro e frio
ouvem-se gargalhadas e sussurros em toda a
sala. Esquisito? Nem por isso! De repente ouve-se uma voz desconhecida: “Chiu… Prestem
atenção! O teatro vai começar!”
Quinze minutos antes, a entrada do Cine-Teatro S. Pedro, em Abrantes, enche-se, sobretudo
de crianças e de seniores, que se preparam para
se divertirem com as peças de teatro feitas por
jovens que, tal como diziam, são “especiais”. No
programa do Festival Nacional de Teatro Especial (FNATES), que todos os anos acontece pela
mão do Centro de Recuperação e Integração de
Abrantes (CRIA), percebe-se de que se trata:
“É arte… esta vontade de ser o mesmo e ser o
outro. Abrantes é, e será sempre, o palco que
envolve o público e vence essa barreira invisível
do preconceito face à diferença”.
Naquele momento, naquela sala, surgiria
uma demonstração de que pessoas portadoras
de deficiências também são capazes de fazer
arte. Aqueles meninos sempre conseguiram
surpreender as pessoas que por ali passavam e
desta vez não ia ser diferente. “São encantadores
e cada vez me sinto mais surpreendida com
o trabalho feito por todos eles”, comentava
Andreia Antunes, de 17 anos, que costuma
acompanhar todas as peças de teatro feitas pelos
actores e actrizes do CRIA.
No meio de toda aquela confusão estava Manuel Alves Brites, um senhor reformado de 87
anos, preparado para “desfrutar de momentos
de grande prazer”. Ainda antes do espectáculo,
FNATES. A arte sem preconceitos
tinha a certeza de que iria gostar de tudo o que
eles fizessem. “Para eles não deve ser muito fácil
decorar tantas coisas, mas mesmo assim eles
estão aqui e conseguiram”.
Começa a primeira peça de teatro, Café e Amor
– Uma grande Palhaçada, encenada por Vítor
Branco, e apresentada pela APPCDM de Setúbal,
que diz que toda aquela história é “original e criada
por todos” e que “o principal objectivo não é que
a história tenha uma moral”. Em cima do palco
estava uma pequena banca e cerca de 10 pessoas.
Nada mais foi necessário para encher o palco. Os
Leiria recebe Tunas
Pedro Correia
membro honorário da Tum’Acanénica à Câmara
Municipal de Leiria, ao Instituto Politécnico de
Leiria e ao Teatro José Lúcio da Silva, pelo contributo prestado ao longo destas doze edições
do Real FesTA. Foram ainda nomeados Tunos
Honorários o Professor João Paulo Marques,
vice-presidente do Instituto Politécnico de Leiria,
e o Dr. Daniel Pereira, assessor da Presidente da
Câmara Municipal de Leiria, juntamente com
seis outros elementos da Tuna que viram assim
o seu esforço recompensado pelo trabalho que
desenvolveram.
A Enftuna sagrou-se a grande vencedora deste Festival ao arrecadar seis dos nove prémios
em disputa, tornando-se assim recordista do
número de prémios vencidos numa só edição
do Real FESTA. A Enftuna venceu o prémio de
melhor Porta-Estandarte, melhor Pandeireta,
Melhor Solista, Tuna do Público, melhor Serenata e melhor Tuna.
Os restantes prémios (melhor Pasacalles,
melhor instrumental e 2ª melhor Tuna) foram
entregues à TAISCTE.
O XII Real FesTA é um dos festivais de tunas
mistas mais importantes a nível nacional, pelo ambiente criado em volta deste espectáculo. A última
edição aconteceu no primeiro fim-de-semana de
Abril, em Leiria. Ainda antes das actuações em
palco, a tarde foi marcada por um dos momentos
mais altos do evento, o Passa Calles, que teve início
junto à da Câmara Municipal e foi passando por
diversas praças, ruas e avenidas, tendo a sua conclusão sido feita no Teatro José Lúcio da Silva, que
foi o palco escolhido para o XII Real Festa.
TAISCTE (Tuna Académica do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa),
Enftuna (Tuna da Escola Superior de Saúde
de Portalegre), ESTATUNA (Tuna da Escola
Superior de Tecnologia de Abrantes), K & Batuna (Tuna da Escola Superior de Educação de
Coimbra) e Instituna (Tuna do Instituto Politécnico de Leiria) foram as tunas convidadas
para esta XII Real Festa.
A Tuna a abrir as hostes deste XII Real Festa
foi a Estatuna, que iniciou a sua
Daniela Santos
actuação com o tema “Prima da
Chula”, dos Trovante. Contudo, o
ponto alto da actuação da conhecida tuna de Abrantes foi a estreia
de um poema de Bocage intitulado
de “Marília Ausente”.
O momento mais alto da noite
foi quando a Tum’ Acanénica tocou
a música “Linda Leiria” entoada
por todo o público presente; um
momento arrepiante que arrebatou
o público e, como não poderia deixar de ser, arrancou a maior salva
de palmas de toda a noite. A Tuna
da casa atribuiu ainda o título de Passa Calles. Alegria contangiante nas ruas de Leiria
sorrisos e as danças daqueles pequenos-grandes
actores tornavam o ambiente cada vez mais mágico. As músicas repletas de ritmo e a interacção com
o público fizeram com que as pessoas se sentissem
mais perto deles e vice-versa.
“Gostei muito de toda a peça!” Estas foram
as palavras mais escutadas durante o intervalo.
Lisete Neves, aluna do Centro de Recuperação
Infantil de Ponte de Sôr, acrescentou: “Eu também gostava de participar porque eles estão
a ser muito engraçados”.
O pano volta a abrir-se. A peça apresentada
pelo Centro de Reabilitação e Integração Torrejano (CRIT), “Uma formiga diferente”, “é uma
adaptação de uma história dos mais pequenos
em que eles depois vão construindo a história”.
O objectivo era mostrar que não é necessário
mudar para que as pessoas gostem de nós. Toda
a preparação da peça coube aos alunos. Segundo
o encenador João Paulo, “o teatro para eles é uma
forma de expressão. Esta é uma oportunidade que
eles levam muito a sério”, “eles têm muito cuidado”
com este trabalho. Uma prova disso é a duração
dos ensaios que “duravam duas horas por semana,
mas duas semanas antes do espectáculo era uma
hora todos os dias”, diz Samuel, aluno do CRIT,
que participou na segunda peça como pasteleiro.
Para ele, “participar nesta peça foi fácil”, até porque
“o texto decora-se facilmente”.
Foi assim que, durante seis dias, decorreu em
Abrantes o Festival Nacional de Teatro Especial
(FNATES 2009) e, simultaneamente, a sua primeira edição internacional, já que contou com a
participação de uma grupo brasileiro, do Estado
de São Paulo. “É uma troca de culturas através
da arte”, diz José Roberto, do projecto brasileiro
Tam Tam. Amélia Bento, do CRIA, explica que
o objectivo da internacionalização é “aumentar
ainda mais a interactividade.”
Os protagonistas eram muitos e de todos os
cantos do país. A participação de grupos de
teatro constituídos por actores com deficiência
é a alma deste projecto. Humberto Pires Lopes,
presidente da direcção do CRIA, afirma que
“ainda hoje se tenta acabar com o preconceito
que a sociedade tem em relação às pessoas
portadoras de deficiências”. Este festival é mais
um contributo: “Pretendemos mostrar que
eles podem desempenhar um papel no teatro
como actores, tal e qual como outra pessoa dita
normal”. Promove-se a inclusão pela arte.
Este VII FNATES foi não só especial pela reacção do público, como diz Ana Machado, da Organização do CRIA, mas também porque “começa
a haver compreensão e está-se a criar o hábito de
participar nestas iniciativas”. O evento teve um
custo de 15 mil euros, mas metade desse valor foi
financiado pela Câmara Municipal de Abrantes.
De resto, para além do apoio das pequenas mascotes que os espectadores foram comprando para
ajudar a organização, registam-se ainda os patrocínios das empresas que acreditam no projecto.
As peças acabam, as portas abrem-se e o público começa a sair. Os espectadores gostaram.
“O teatro deve-se apoiar, seja de que tipo for”.
“É uma boa causa”.
Daniela Santos, Cláudia Ferreira, Marina
Araújo e Tânia Machado
X fESTA- Encontro de tunas
na cidade de Abrantes
Sara Daniela Costa
duma Tuna especial, afilhada da ESTATUNA,
a Tuna Senior da UTIA (Universidade da
Terceira Idade de Abrantes). Não se dispensa
um bom pé de dança e umas idas à barraca da
cerveja, montada no Largo, enquanto se fala
com entusiasmo do espectáculo, aguardado
para as 21h e 30 no cine teatro de S. Pedro.
E, tal como se deseja, a sala fica completamente cheia na ansiedade pela abertura do
Pano. Pelo palco desfilam a Tuna Médica de
Lisboa, a VicenTuna, a Tuma Acanénica de
Leiria e a Instituna.
Para finalizar o espectáculo, sabendo que
a culpa de todos os males do mundo é do
álcool, “Vamos todos Cantar Vamos todos
Beber”, porque o veredicto dos representantes das tunas convidadas, tal como a opinião
do público, é de que “este encontro é um
êxito, pela sua boa organização e excelente
acolhimento”.
Depois da hora de jantar, a praça Raimundo Soares enche-se de movimento e música,
atraindo populares que se espalham pelo meio
dos trajes académicos e copos de cerveja, na
azáfama do reencontro de amigos feitos noutros encontros de tunas. Dá-se assim as boas
vindas ao X fESTA, um encontro de Tunas,
organizado pela ESTATUNA, para a qual esta
recepção é apenas um ensaio geral para o que
se espera no dia a seguir.
Sábado, pelas 3 da tarde, a Praça da República abrantina fica envolvida pelo som
característico dos cavaquinhos e pandeiretas,
as tunas preparam-se para o “Passa Calles”,
uma tradição antiga vinda de Espanha, que
outrora dava direito aos pobres trovadores a
um prato de sopa, mas também lhes conferiu
a alcunha de Sopistas.
Sara daniela costa
Hoje os tempos são outros, o que se pretende é a
animação e simpatia dos
populares que reagem, a
princípio, com espanto ao
romper da primeira tuna na
“praça do Chave”, mas no fim
aplaudem e alguns seguemna pelo resto do trajecto. Os
comerciantes agradecem o
“sopro de vida” que os estudantes dão à cidade.
Depois da paragem no
“Tonho Paulus” as tunas
vão-se reunindo no “Largo
do PT”. É hora da actuação Vicentuna. Os tunos cativam a atenção dos populares
24 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
PATRIMÓNIO
Comunicação do Património junta
alunos e professores de diferentes países
Tânia Branco
Mariana Azevedo
O programa intensivo “Global
Quality Heritage Management”, que
no ano passado foi distinguido com
a Medalha de Ouro para formações
deste tipo ao nível europeu, decorreu, mais uma vez, no Museu de
Arte Pré-Histórica em Mação. Foi
entre os dias 25 de Março e 4 de
Abril e o tema escolhido para este
ano foi “Comunicar a cultura”. Este
programa contou com a participação de alunos, docentes e profissionais vindos de outros países como
Lituânia, Itália, Brasil, Espanha e
Chile, assim como do IPT.
Procurar respostas para a(s)
forma(s) de comunicar as diferentes componentes do património foi
um dos objectivos deste programa
intensivo, organizado pelos professores Luiz Oosterbeek, do IPT, e
Maurizio Quagliuolo, do HERITY
Internacional. Vários especialistas
apresentaram estratégias de comunicação, quer com os jornalistas,
quer com o público em geral. Uma
das conclusões a que se chegou é
que cada caso deve ser avaliado na
sua especificidade. Por exemplo, o
momento em que se divulga um
determinado achado arqueológico
para a opinião pública, pode não ser
o mesmo se estivermos a falar de
países diferentes. Isto porque nuns
casos o património descoberto po-
Mação. “Comunicar a cultura” foi o tema tratado no programa intensivo “Global Quality Heritage Management”
de ser alvo de pilhagens, enquanto
noutros casos as populações respeitarão o achado.
O programa intensivo iniciou-se
com uma visita ao Vale do Ocreza, a Vila Nova da Barquinha e ao
Convento de Cristo em Tomar, prosseguindo nos restantes dias com a
participação de personalidades ligadas à cultura e à comunicação,
de Portugal e do estrangeiro. Jorge
Rodrigues, da Fundação Calouste
Gulbenkian, Virgílio Correia, do
Museu Monográfico de Conímbriga,
e Luís Raposo, director do Museu
Nacional de Arqueologia, foram alguns dos convidados presentes.
Esta formação contou ainda com
a apresentação de painéis que eram
abertos à discussão, assim como
jantares e festas temáticas a fim de
proporcionar o convívio entre os formandos. Para além das sessões teóricas e da apresentação de estudos de
caso, este programa terminou com a
apresentação de trabalhos finais pelos
alunos, como forma de avaliação. A
frequência deste curso correspondeu
a um módulo de formação superior,
atribuindo quatro créditos.
A longa experiência de cooperação
entre parceiros, que actuam em áreas
decisivas da gestão e da qualidade do
património cultural, tanto na área do
ensino superior como noutras, incluindo museus e agentes de turismo,
esteve na origem desta iniciativa. Simultaneamente, a formação intensiva
que se realizou em Mação resultou
da necessidade de estudar, proteger
e disseminar o conhecimento acerca
do Património Europeu que é reconhecido pelos Estados Membros e
pela UNESCO. Entre as diferentes
preocupações que estiveram na origem desta formação destaca-se a necessidade de harmonizar as tensões e
contradições entre as duas tradicionais abordagens do património: a dos
operadores turísticos (que se centram
na disseminação dos conteúdos e na
acessibilidade aos locais de interesse
patrimonial) e a dos agentes culturais
(que actuam nas áreas do estudo e da
preservação).
Visita à Pré-História em Mação
D.R.
A visita começa por uma sala, do lado direito
da entrada, onde se destaca um molde horizontal
que reproduz um local de escavações referente ao
período do Paleolítico, no qual podemos observar
algumas peças verdadeiras, essencialmente lascas
retocadas em diferentes matérias-primas (sílex,
quarto, quartzito). É aqui que começa uma viagem
ao mundo da Pré-História.
As paragens acontecem sempre que o visitante
quiser: qualquer dúvida é esclarecida pela Técnica/guia. As perguntas variam em função do
visitante. Uns querem saber para que servem os
instrumentos expostos; outros precisam de ajuda
para conseguir distinguir as gravuras feitas na
pedra e representadas no museu.
Margarida Morais, a técnica que normalmente
acompanha os visitantes, fala da vastidão em que
o Homem da Pré-História se movia. Atribui à
presença de cursos de água e caça a forma como
o Homem, enquanto caçador-recolector, há 50 ou
60.000 anos atrás, se deslocava pelo território.
A técnica chama a atenção para um painel na
parede e explica: “aqui temos um corte estratigráfico, que apresenta três camadas mais ou menos
homogéneas. No topo, à superfície, observamos
restos de vegetação; se descermos até ao último
nível, o paleosolo, encontramos o nível arqueológico com indústria lítica”.
Posteriormente, passando ao resto da sala,
encontramos artefactos ligados ao quotidiano
do dia-a-dia do Homem. Lascas, núcleos, raspadores, bifaces, choppers eram os diferentes
objectos utilizados para caçar, para cortar carne
e peles, e para raspar as mesmas, para se poder
Espólio. “Os materiais encontrados são multifuncionais, sendo difícil identificar que função têm”
cobrir. Margarida Morais diz que “os materiais
encontrados são na sua maioria multifuncionais, sendo muitas vezes difícil identificar que
função específica teriam, pois eram usados no
local e deixados nos acampamentos, abandonados e reocupados sucessivamente”.
Subidas umas escadinhas, entra-se numa fase distinta. Como diz a técnica, “o Museu anteriormente era completamente distinto e após a
remodelação efectuada optou-se por criar um
espaço com uma exposição ligada à transformação
da paisagem, evoluindo em três momentos do
período neolítico, desde o seu início até ao pleno
Calcolítico.”
Seguidamente, na visita, encontram-se expostas
“peças ligadas ao espaço doméstico” do “período
do Neolítico, onde se dá uma transformação física
da paisagem, há mais ou menos 7.000 anos”. Ainda
segundo a técnica, com a desflorestação começaram a existir os primeiros povoados, “inicia-se a
agricultura e o mobiliário.” Descobrem-se peças
como o machado, a enxó, os polidores e os vasos
de fundo plano, “peças que fazem parte da modificação da paisagem e do quotidiano”.
Aproxima-se a parte da exposição dedicada
aos espaços funerários e aos seus símbolos. O
machado é um símbolo neste espaço, tal como
as placas de xisto, que são um símbolo de status,
de hierarquia. “A placa de xisto era utilizada
enquanto identificação”, atestando a emergência
do status individual e anunciando o alvor das
sociedades guerreiras.
“Segue-se o espaço dedicado à arte rupestre,
onde encontramos, circundado por três conjuntos de fotos, um molde de uma gravura do
rio Ocreza”. Nas fotos do lado direito encontramos as gravuras de Cobragança, que segundo
Margarida Morais, “em 2003 foram bastante
danificadas pelos incêndios”, tendo ficando com
diversas fracturas. Em frente encontramos “as
pinturas rupestres do Pego da Rainha, situadas
num pequeno abrigo, numa zona muito próxima
do (rio) Ocreza.”
No lado esquerdo encontramos ainda “as gravuras do rio Ocreza” que se apresentam em dois
núcleos; um próximo da barragem da Pracana “ao
qual correspondem as figuras antropomórficas
aqui apresentadas” e outro próximo da Foz “onde
encontramos o cavalo sem cabeça atribuído ao
paleolítico”.
No molde encontra-se, segundo Margarida Morais, “um único painel onde estão representados
zoomorfos picotados”.
E foi a tentar descobrir o que as figuras poderiam significar que terminou a nossa visita guiada
ao mundo da Pré-História. Sílvia Carola
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 25
DESPORTO
Equipa Júnior local paga para jogar Futebol
Em Abrantes, ainda há amor à camisola…
gonçalo reis
João Vasco Nunes
Corria a época de 2005/2006, e
o Complexo Desportivo da Cidade de Abrantes recebia as equipas
de Juniores de Benfica, Sporting
e Belenenses. Tudo isto se tornara
possível, visto a equipa de Juniores
do Abrantes Futebol Clube ser a
Campeã Distrital de Santarém na
época anterior, e com isso ter ganho o “passaporte” para disputar
a 1ª Divisão Nacional de Juniores,
onde honrou e dignificou uma terra
e um distrito.
Volvidos três anos, o cenário é
muito diferente. A equipa de Juniores do A.F.C., apesar de ter passado
ainda mais um ano nos Nacionais,
agora tem de lutar para sobreviver
aos últimos lugares da tabela do
Campeonato Distrital da I Divisão
de Santarém. A cidade já perdera a
única equipa Sénior que possuía, e
agora via-se reduzida e representada
apenas por duas equipas Juniores,
e as duas em situação desportiva
semelhante.
Para Pedro Roldão, antigo jogador da equipa campeã distrital em
2004/2005, e que inclusive chegou a
ser Sénior do A.F.C., isto não passa
de uma “situação vergonhosa”. Para
o ex-jogador, “podia-se ter construído uma boa equipa, e nada disso
foi possível devido às rivalidades
existentes entre Abrantes F.C. e
Sport Abrantes e Benfica”, dizendo
ainda que, “é impensável haver duas
equipas de Juniores, porque no meu
tempo estavam os melhores jogadores juntos numa equipa e conseguíamos bater-nos sempre pela subida
de Divisão”. O jovem classifica esta
situação de “desonra para a cidade”,
e agora as duas equipais colhem os
frutos da rivalidade.
O pôr-do-sol estava a chegar
e, à zona circundante ao Estádio
Municipal de Abrantes, chegam
A.F.C. Os jogadores lutam com a esperança de conseguir um futuro melhor e de concretizar o sonho de criança
dois jovens com as suas mochilas
de treino às costas. São juniores
do Abrantes F.C. que vinham para
o treino, mesmo não sabendo se
este era “às 8 ou às 8 e meia”. Nem
sabiam se era “ no Estádio ou no
sintético”. A conversa espelha um
pouco a época atribulada que esta
equipa atravessa. Mais tarde chega
a notícia que o treinador da equipa, por motivos profissionais, não
pode comparecer ao treino. Treino
esse que conta com a presença
de apenas oito atletas e é dirigido pelo Capitão de equipa com a
ajuda do Senhor Mário da Mouca
que, fora das quatro linhas, vai
soltando uns gritos de incentivo
ao conjunto.
O Senhor Mário da Mouca, o delegado ao jogo, fala das dificuldades
que a equipa atravessou esta época.
“Não temos meios financeiros, não
temos ninguém que nos apoie. Os
nossos dirigentes abandonaramnos completamente”. O delegado
da equipa Abrantina vai mais longe,
adiantando que “os jogadores e os
pais dos jogadores é que pagaram
as inscrições. Os nossos Presidentes
garantiram-nos que não haveria
problema e tinham o dinheiro para
as inscrições, mas à última hora
deitaram-nos completamente para
a sarjeta”.
Algumas destas palavras foram
corroboradas pelo treinador Pedro Santos. O “Mister” revelou que
a época tem sido “extremamente
complicada”, tendo apenas 15 jogadores inscritos, e falando também
na situação das inscrições pagas
pelos pais. Apesar de tudo Pedro
Santos também realça aspectos po-
sitivos do trabalho desenvolvido por
si e pelos seus: “Temos superado as
expectativas”.
A direcção do A.F.C., pela voz
do Vice-Presidente para o Futebol, David Ferreira, fez questão
de esclarecer que o mandato da
actual direcção acaba em Junho,
e os membros não querem dar seguimento ao trabalho realizado
até aqui, mas mantêm as portas
abertas para ajudar quem os quiser
suceder. David Ferreira explica que
o grande objectivo da Direcção
sempre foi o Futebol Sénior, e após
o castigo de dois anos aplicado ao
A.F.C., impedido de inscrever a
equipa Sénior, não vêem razão para
continuar, revelando que esta situação também os tem prejudicado a
nível pessoal.
O membro da Direcção fez ques-
tão de realçar que os Sócios são soberanos e adianta desde já que, em
momento oportuno, será convocada
uma Assembleia Geral para discutir
o futuro do clube, que por entre
outras hipóteses até poderá passar
pela extinção, se assim for a vontade
dos sócios, face ao castigo já anteriormente referido.
Relativamente à equipa Júnior,
David Ferreira explica que, por vontade da Direcção, “a época não tinha
começado”, visto que para eles “não
fazia sentido algum”, até porque o
foco das intenções ter sido sempre
o Futebol Sénior.
O Director vai mais além e afirma
que “a vontade de levar o projecto
avante foi dos pais”, e contraria as
declarações de Mário da Mouca e
Pedro Santos, dizendo que “o Clube
não contribuiu para as inscrições,
mas eu (Vice-Presidente) e o Presidente nas nossas pessoas, demos
uma contribuição, assim como os
pais”, adiantando, inclusive, o valor:
“1200 Euros”.
O treinador confessa que já pensou algumas vezes abandonar o
barco, mas os compromissos assumidos perante os jogadores fazem
com que nunca avance para tal.
“Já estou ligado a eles há cerca de
um ano, e prometi-lhes que não
os abandonaria, porque se isso
acontecesse iriam ter que parar de
competir, e para isso não acontecer,
aguentei o barco, mesmo sendo
muito complicado”.
Assim se vive o Futebol na Cidade de Abrantes com esperança de
dias melhores, e sem uma referência
a nível futebolístico. É assim, com
mais ou menos dificuldade, com rivalidades à mistura, com multas por
falta de pessoas inscritas no banco de
suplentes, com discordância entre dirigentes, com todo este lado negro do
futebol à vista, que estes jovens levam
vidas de heróis, em busca do sonho de
qualquer criança: jogar à bola.
Abrantes recebe campeonato de rugby
Alison Silva
Nuno Sotto-Mayor
O Complexo Desportivo de
Abrantes recebeu, dia 26 de Abril,
a 4ª jornada do Torneio de equipas
emergentes. No total estiveram no
local 71 atletas e disputaram-se ao
todo doze jogos, sendo que cada uma
das equipas jogou três jogos.
As equipas que participaram neste campeonato foram a equipa da
casa (Abrantes), Viseu, Bairrada e
Marinha Grande. No final, quem
saiu vitorioso deste campeonato foi
a equipa da casa (Abrantes), seguida
da equipa de Viseu, Marinha Grande
e Bairrada.
Houve também espaço para se
Rugby. Um desporto enriquecedor que tem grande importância para a população abrantina
realizar o torneio dos Sub 14 e Sub
16. A equipa dos sub-14 ganhou a
equipa da Moita nos dois jogos que
disputaram com Abrantes por 50-5
e 50-10. Os Sub-16 perderam contra a equipa da Vila da Moita por:
10-60.
Rui Carvalho, director regional
da Federação Portuguesa de Rugby,
afirma que este campeonato tem
muita importância para a cidade de
Abrantes, uma vez que esta modalidade é muito enriquecedora, quer
para os participantes quer para as
crianças que estão a iniciar agora, e
também para a organização que recebe este evento. Este projecto recebe
ainda o apoio dos encarregados de
educação dos jovens atletas.
26 | ESTA JORNAL • 29 de Maio de 2009
CONTO
Um dia e
uma noite
Conto de Noélia Barradas
O
dia já passou, mais um dia e aqui
estou eu, sozinha no meu pequeno T0 (prefiro chamar T0, é
mais bonito que cubículo) a fazer zapping
nos 302 canais que não me fazem mais feliz,
mas que pelo menos prolongam a busca pelo
programa ideal.
Hoje, para mal dos meus pecados, terminei os relatórios mais cedo e nenhum dos
meus colegas necessitava de mais café, odeio
quando isto acontece, para quê vir para casa
mais cedo? Não tenho nada à minha espera,
nem um raio de um animal de estimação
posso ter neste espaço, o mais certo seria
morrermos de claustrofobia, até as plantas
me negam o prazer de as possuir, aqui não
entra sol, maldita cave… cave … qual cave,
isto é um raio de um bunker.
Televisão, ora vamos lá ver… noticiários
= chato, telenovelas = decadência, séries =
sangue, tele vendas = bater no fundo…
Raio de vida que arranjei, esta ideia de ser
independente é muito bonita, é tão bonita
que todos deveriam desconfiar, deixei universidade, amigos, família para ganhar uma
fantástica, maravilhosa, deslumbrante… vida
sozinha! Num bunker para apenas uma pessoa, com vista para as facturas por pagar.
Cristel relaxa e olha para a televisão, como
é que posso relaxar se até o meu nome me
custa pronunciar C R I S T E L, até o nome é
triste, como é que eu posso criticar as risadas?
Não posso…parece mesmo nome de estrela
porno ou cantora pimba…grrrrrrrrrrrr.
Vou esquecer a televisão, não dá, são 20
horas, talvez seja melhor preparar o jantar,
hoje vai ser… vitela com quatro queijos,
graças a deus que pelo menos isso sei fazer,
cozinhar é um dos meus dons, as férias com
o Tomás serviram de alguma coisa, apesar
de ser um martírio a sua conversa acerca
dos bens da vida militar, as dicas de cozinha
ficaram para toda a vida.
Magnífico o jantar e felizmente almoço
de amanhã, estou contente, tão contente que
não fico mais um segundo emparedada neste
caixão que é a minha casa.
A noite está fria, mas ao contrário do que
é normal, a sensação é agradável, faz-me
sentir viva, o vento parece que nos irriga o
corpo de uma energia avassaladora, ainda
não sei qual é o meu destino, mas estou a
amar o percurso.
Cinema não é o que procuro, bares também não se encontram nos meus planos,
apesar de o caminho ser agradável, terei de
me decidir por um local onde passar algumas horas, caso contrário ficarei congelada
como as postas de pescada que jazem na
minha arca frigorífica. Teatro, teatro, é isso,
apetece-me ir ver uma peça.
Aquele cine – teatro parece-me ideal, a sua
fachada é realmente fabulosa, a delicadeza
dos adornos com os seus tons dourados,
criam a ilusão que nos dirigimos para uma
gala onde por uma noite somos o centro das
atenções. A peça em cartaz condiz com a
fachada do cine teatro, passados cinco meses
vou conseguir ver, no cartaz já não existe a
dura e odiosa palavra ESGOTADO. O ambiente no teatro é de solenidade e respeito
pelo texto e actores, toda a plateia parece
hipnotizada e conduzida pelos diálogos,
sinto-me bem no meio desta gente que nada
me diz, eles compreendem.
Acendem-se as luzes, limpo as lágrimas
do rosto e contenho o riso que ainda me está
entranhado na garganta, há tanto tempo que
não via nada tão envolvente, risos e lágrimas
a ponto de soluçar, se soubesse que a peça
era tão boa, decerto que já teria adquirido os
bilhetes, era bem mais proveitoso que procurar canais e descobrir mais um sinónimo
degradante para o T0.
Os espectadores rumavam para a saída
tão ordeiramente, que mais parecia um
rebanho de Zombies a abanar a cabeça e
a dizer “Yes Master”, eu própria fazia parte
deste rebanho, a peça tinha sido magnífica.
No meio da multidão, lá estava eu feliz,
mas sozinha, como pude constatar após
a espera quase eterna para reaver o meu
casaco enclausurado no bengaleiro, todos
estavam acompanhados, amigos, famílias,
casais, começo a pensar que o universo está
contra mim e contra todas as pessoas que
não possuem ninguém por perto além da
própria sombra.
-Que frio, raios partam!
Já não acho tanta piada ao regresso a casa,
afinal os graus agora são negativos, as pontas
do meu corpo estão a ponto de se partirem,
pontas dos dedos, do nariz, das orelhas…
- Ei!
- Menina! Olhe, desculpe, sim a senhora!
Olho para trás, ainda pensando no frio que
ameaçava o meu corpo e mente, e vejo uma
senhora/homem, deve ser o frio que não me
deixa descodificar o sexo das pessoas. O meu
cérebro atingiu os zero graus.
- Boa noite! Disse eu um pouco embaraçada
- Mais uma vez peço desculpa pelo incómodo, mas a senhora tem o meu casaco, aliás
eu tenho o seu!
- Deve ser engano, o casaco que tenho vestido é o meu, eu conheço as minhas coisas!
Neste momento mais que a preocupação de
dizer que o casaco me pertencia, era de não
mencionar qualquer tipo de sexo na frase…
para mim esta frase era para um Hermafrodita, apesar de olhar fixamente a pessoa em
questão e ainda não conseguia dizer se era
homem ou mulher.
Entretanto o estranho/estranha insiste:
- Passo a explicar, a menina esteve no teatro ainda há pouco e creio que houve uma
troca de casacos no bengaleiro, encontrei a
sua carteira no bolso interior, e se procurar
no casaco que veste, encontrará as minhas
chaves e algum dinheiro.
Pensei um pouco, e realmente apesar de
ser igual ao meu casaco, este é um pouco
maior e raios… começo a sentir o volume das
chaves! Será melhor realizar a troca quanto
antes, dirijo-me à pessoa.
- Perdão pela minha desconfiança, mas
o casaco é realmente igual, só daria pela
diferença em casa, faça favor!
Entreguei o casaco e recuei na esperança
que a pessoa fizesse o mesmo.
- Não tem de quê, apesar de tudo foi apenas uma confusão, espero que não tenha sido
brusco consigo, imagino que se deva ter sentido um pouco desconfortável, a estas horas
ser abordada por alguém a pedir algo que lhe
pertence! Já agora qual a sua graça?
- Acredite que é mesmo uma graça, o meu
nome é Cristel. E o seu?
Já sabia! Disse o meu nome e o hermafrodita com o meu casaco vestido esboçou
aquele sorriso, mais uma sessão de gozo, logo
hoje que a noite estava tão agradável.
- Desculpe novamente, é que achei piada
ao nome, é que aqui o transexual sou eu, e
o seu nome podia ser meu! O meu nome é
Madona.
Agora a vez de rir foi minha
- Madona? Eu até suporto que gozem com
o meu nome, mas alguém chamado Madona
não!
Desatámos os dois a rir, acabara de esbarrar com uma personagem tirada de um
filme alternativo, mas, que por razões que
eu e o mundo desconhecemos, simpatizei.
Simpatizei de tal maneira que me apeteceu conhecê-la melhor, afinal de contas o
que é que eu tinha a perder? Não conheço
ninguém.
- Olhe, já que temos tanto em comum (o
casaco e o nome engraçado), posso convidála para um chá ou um café? Nunca falei com
a Madona!
Aceite o convite, começamos a caminhar
em direcção a um bar muito conhecido pela
qualidade e variedade de chás, apesar da
aparência bizarra, Madona era bastante agradável, a sua voz era dócil e meiga, transpirava
paz. O caminho até ao bar fez-me perceber
que aquela personagem divertida vinda de
um filme de Hollywood poderia tornar-se
em grande amiga, uma grande companhia
para a solidão em que tenho vivido durante
todos estes longos meses.
Pedimos o chá entre gargalhadas, a sua
companhia é realmente relaxante, já consigo me abstrair da quantidade exagerada
de base entranhada nos seus poros e das
sombras verde fluorescente que lhe emolduram os olhos, afinal tudo é uma questão
de hábito. O chá foi servido e parece que
apenas eu é que me conseguia abstrair da
quantidade de maquilhagem, reparei que
todos no bar nos olhavam de um modo
estranho, principalmente os homens, acho
que se sentem afectados na sua virilidade
ao verem um dos seus transformado em
mulher.
Madona sabia que eu já tinha reparado
que todos olhavam para ela, pela pior das
razões ela sabia na pele o que era ser tratada
como uma aberração, percebi desde logo a
sua necessidade em esconder o desconforto,
foi então que decidi perguntar:
- Eu sei que isto deve ser difícil para ti,
estes olhares, mas porque é que tens peito e
te vestes como uma mulher?
- É a mesma conversa de todos os que
querem mudar de sexo, desde pequeno que
sabia que não me encaixava no corpo de um
homem e que no fundo era uma mulher, o
crescimento só me fez acentuar essa ideia
e hoje em dia só me falta a operação para
mudar de sexo, é simples e acredita que para
mim esta pergunta não é difícil, é muito fácil,
eu sei o que quero.
Apesar da resposta sincera e descontraída,
o silêncio voltou a instalar-se entre nós, mas
correndo o risco de parecer egoísta, precisava
de saber o que ela achava dos olhares dos
nossos colegas de bar.
- Madona, ouve lá, eu percebo que tu estejas segura do que queres, mas e estes olhares
e reprovações não te fazem recuar ou pensar
que se calhar não vale a pena?
- Antes faziam, mas isso é passado! O tempo em que estava reprimido já passou e hoje
ergo a cabeça e continuo o meu caminho.
Já viste na mulheraça que me transformei?
Apenas me julgam por eu ser diferente, as
pessoas têm medo do que não conhecem,
acredita que é assim. Esta reprovação não
é contra mim, a reprovação é contra o desconhecido.
A sua maneira de encarar a vida era sem
dúvida bem melhor que a minha, se alguém
me olhasse desse modo já me teria levantado
e pedido um monte de satisfações. Esta mulher era uma Mulher como M grande.
O chá estava óptimo e a conversa ainda
melhor, já passava das 3 da manhã quando
olhei para o relógio e reparei o quão tarde
era, estava na hora de partir, despedi-me
de Madona (antigo Carlos Francisco, optou
pelo nome Madona devido ao fetiche desenfreado que nutre pela estrela com o mesmo
nome) e rumei a casa. O sono apoderou-se
de mim antes de subir ao elevador que me
transporta ao fundo da terra, enfim à minha
cave. Abri a porta e o sono levou-me até à
cama, os lençóis estavam quentes e então
percebi que a minha vida não é patética, eu
é que sou patética, afinal tudo está no sitio,
afinal nada é assim tão mau, numa só noite
descobri que posso ir sozinha ao teatro, que
posso conhecer pessoas, que o bizarro é
afinal normal, que a minha casa é pequena
mas bonita, sei cozinhar… que dia ou melhor que noite! A noite em que eu descobri
uma amiga num transexual e uma aberração em mim, afinal eu posso ser quem eu
quiser, mas ao contrário disso limito-me a
estar parada à espera das respostas com um
comando de televisão na mão e a atirar fora
a possibilidade de criar as minhas maneiras
de ser feliz. Enfim… o meu nome Cristel
e basta. Amanhã vou trabalhar, apesar de
não ter a certeza que chegue a horas de
manhã, tomara que saia mais cedo…antes
de adormecer abri a agenda e escrevi: Às 17
horas, lanche com a Madona.
29 de Maio de 2009 • ESTA JORNAL | 27
CRIATIVIDADE
O menino e a menina
Bom Dia!
m menino olhou para uma menina e viu o seu reflexo nos
seus olhos. “Ouá”, disse ele timidamente. “Ouá”, respondeu
ela. Ficaram em silêncio uns momentos e deram as mãos. E
de mãos dadas passearam e passearam.
Passou por eles um casal de adolescentes aos beijos que os olhou com curiosidade, mas as crianças não ligaram. Os adolescentes entraram num carro e tiveram
sexo, e o abanar e chiar do carro despertou a curiosidade das crianças. Olharam
por alguns momentos, e depois fitaram-se mutuamente enquanto os gemidos
se propagavam no ar. Quando os gemidos se tornaram mais intensos, a rapariga
beijou o rapaz na face e ambos prosseguiram caminho de mãos dadas.
O som do carro a afastar-se passou despercebido e, enquanto caminhavam,
a rapariga olhava o ar forte e corajoso do rapaz, no seu glorioso perfil recortado pela luz do Sol tombante no horizonte. “Tás bonito”, disse ela de olhos
arregalados, mas o rapaz não pareceu notar nenhuma diferença em si. “Não,
tu é que ‘tás bonita”, e sorriu.
Uma mulher bem vestida caminhou furiosamente rua abaixo na direcção
contrária em que o casal de crianças seguia. Parecia bufar, mas nada disse. Ao
longe, os sons de um homem ouviram-se no horizonte sem se perceberem muito
bem o que eram e a quem se dirigiam. “Que che pacha, senhôua?”, perguntou
a rapariguinha, pondo-se à frente da mulher que agora se havia sentado num
degrau. “Oh, nada, nada. Está tudo bem, crianças, não se preocupem. Vão
brincar, vão.”, disse a mulher, tentando disfarçar o nervosismo e o medo
interior com um largo sorriso. As crianças ergueram os ombros uma vez
e seguiram caminho.
Desta vez foi o menino que reparou na menina. “’Tás bonita”, disse,
tocando o dedo indicador direito com o esquerdo e olhando para baixo.
“Obigado”, disse a menina toda contente, apertando a mão do menino
com mais força.
Já estavam a chegar ao cruzamento ao fundo da rua, quando passou
por eles um casal de idosos, abraçados um ao outro e a sorrirem calorosamente. As crianças apertaram-se uma na outra com tanta, tanta, tanta
força que mal podiam respirar, e separaram-se no cruzamento.
o longo da vida conhecemos um número incontável de
pessoas. E contactamos com muitas mais. Apesar de sermos
tantos e cada vez mais, a nossa sociedade sofre da “síndrome
da solidão”.
Esta é uma síndrome tanto maior, quanto maior for o meio em que nos
encontramos. Nas aldeias, ou mesmo nas cidades mais pequenas, ainda
se ouve um “Bom dia!” na boca de um velhinho, que passeia o cão, ou de
uma senhora de meia idade sentada num banco de jardim. Porém, cada vez
menos. Nos grandes meios, basta pensarmos no caminho para o trabalho.
Das 500 pessoas com que nos cruzamos até à entrada do trabalho, mais
de metade estão caladas. As restantes estão ao telemóvel ou apenas falam
com pessoas conhecidas que tomam o mesmo rumo. Aquele gesto bonito
que toda a gente aprecia não é tomado por ninguém.
Confesso que também eu peco aí. Conhecendo os dois meios, às vezes
fico na dúvida. Olho para as pessoas e imagino o que pensariam se eu
lhes desejasse um bom dia. O mais provável seria responderem, alguns
indiferentes, outros espantados. Talvez alguém sorrisse, dizendo “Estou
mesmo a precisar”. Mas acho que as pessoas têm medo do que pode ser a
reacção de um estranho, perante um comportamento que um dia foi tão
comum. Mesmo assim, às vezes (menos do que eu acho que deveria) arrisco
e surpreendo-me na maioria das vezes com um simples “Bom dia!”, sem
interesse como resposta.
Às vezes usamos a indisposição ou o facto de ainda nem termos bem
acordado como desculpa e eu sou mais uma vez suspeita. Mas a experiência
diz-me, ou quase que grita todos os dias, que sempre que desejo um bom
dia a alguém com um sorriso no rosto, por forçado que seja, o meu dia
corre melhor e esse sorriso deixa de ser tão forçado.
De facto, se todos disséssemos “Bom dia!” a todas as pessoas, andar
nas ruas seria um verdadeiro cântico. Talvez só assim as pessoas fossem
mais felizes. Talvez seja este o passo para conhecermos mais pessoas,
no verdadeiro sentido da palavra. Talvez seja este o passo para o fim
da solidão.
U
A
Alison Silva
Renato Lopes
Uma noite no Céu
Insónia
R
espiro fundo, recebendo, no rosto,
o vento do fim de tarde. Há aquele
não sei quê no ar, tão característico
de um anoitecer tardio de Verão, em
que uma pessoa olha pela janela e pensa: “Como seria
bom sair”. Obedeço a esse pensamento, pego nas chaves do carro e saio porta fora, feliz por estar vivo, por
ser livre. O vento entra pela janela aberta enquanto
conduzo estrada fora, sem rumo, sem destino, sem
obrigações. O cheiro a mar, a areia, a praia e a Verão
bate-me na cara e eu sorrio.
Minutos depois ando pelo areal, grãos de areia
enfiando-se entre os dedos dos meus pés descalços,
as sapatilhas penduradas no meu pescoço pelos
atacadores. Tinha-as tirado e dobrado as calças
até ao joelho, por isso, é com um sorriso que deixo
que a água do mar me lamba os pés. É uma sensação
libertadora e, com uma alegria quase infantil no peito,
rio-me sonoramente.
Olho para cima. As primeiras estrelas começam
a surgir. Na realidade, Vénus já me sorri há bastante
tempo e agora juntam-se-lhe as suas irmãs. Dispo-me, lanço a roupa para a areia seca e mergulho. A
água está fria, mas após algumas braçadas sinto-me
quente, um peixe dentro de
água, se não parece cómico.
Suspiro, nado, nado e finalmente saio da água, correndo pelo areal para me secar.
O vento sopra, gelado e, finalmente seco, visto-me e
deito-me na areia.
O telemóvel toca, quebra o som das ondas na areia,
mas eu não atendo. Sou livre. O telemóvel cala-se.
Mas volta a tocar. A rotina repete-se, uma e outra
vez. Finalmente sento-me e atendo. “Vem para casa!”
Anuo e enfio-me no carro.
A casa parece silenciosa quando estaciono o
carro, porém, gritos partem da janela quando
o desligo. Pouso a cabeça no volante, os
meus braços cheios de nódoas negras cruzados acima de mim. Respiro
fundo e preparo-me para
encarar o inferno.
S
ão 3 horas e 33 minutos. Que raio
de hora, tarde como tudo e ainda
repetitiva. O sono tarda em chegar;
para passar o tempo, vejo como é
tão doentio o ser humano. De todas as maneiras.
Um homem com quem não tenho nada a ver, nem
talvez nunca quisesse ter - e infelizmente os meus
momentos de fraqueza foram demasiados - desafia-me para eu ir à porta de minha casa. Conversar,
diz ele. Apenas um exemplo entre muitos. Caixa de
e-mail. Insistem em me enviar mails de publicidade
a sites pouco recomendáveis a quem queira manter
a sua saúde sexual-mental intocável. Cambada de
doentes... Nem sequer na típica incursão nocturna
pela cozinha consigo desligar-me. Pego numa gelatina pré-fabricada, pré-mastigada, pré-digerida,
abrir a embalagem, comer e deitar fora, ecoponto
amarelo; cheia de E’s e aditivos. Será que se comer
muita gelatina fico mutante, ganho cor amarela? Os
chineses comeram muita gelatina. Os pensamentos
voam mais rápido que a velocidade de compreensão. Penso mais rápido do
que penso? Volto ao computador. Mais um mail. Visita site de tal para veres mais
filmes snuff como este. Imagens bloqueadas para
sua protecção. Boa, vou conseguir dormir esta noite.
Falo deste estado frenético a alguém de quem nem
sei o nome. Mete mais meio e isso passa. Andas a
meter os ácidos errados. Não me meto nisso, quero
manter a minha saúde mental por
mais uns anos. Rio-me quando
me apercebo que já não resta
muito. A minha mãe manda-me
calar por me rir a estas horas, por
não estar a dormir. Desligo. Suspiro.
Respiro fundo. E agradeço por me teres
mostrado alguma normalidade na vida. Shut
off. Cama. São 3 horas e 44 minutos.
Continua repetitivo, este relógio,
esta vida.
Marina Araújo
ilustração de sara pereira
Sara Pereira
Sexta-Feira, 29 de Maio de 2009
Armindo e Loeb heróis
do Rally de Portugal
esta
J O R N A L
Texto e Fotos de Gonçalo Reis
São dez para as 6h00 de domingo
em Albufeira. O sol ainda não raiou
e o único sinal de vida àquela hora é
um grupo de ingleses embriagados,
que cortam o silêncio da noite com
risos histéricos. Poucos minutos depois, Hugo, Tiago e Eduardo Gomes
apressam-se a sair do apartamento
que alugaram nesse fim-de-semana.
O seu destino: mais uma especial
classificativa do Rally de Portugal.
O primeiro piloto na estrada, o
penta campeão mundial Sébastien
Loeb, faz a sua primeira passagem
na zona de espectáculo do Barranco
do Velho às 6h50 e o percurso até
Loulé ainda é longo. Além disso,
têm de contar com quase três quilómetros a pé, serra acima, em “caminhos de cabras”, como dizem, em
tom jocoso. “De manhã vemos um
troço, almoçamos e depois à tarde
vamos ver outro. Há que aproveitar
ao máximo”, afirma Hugo, de olhos
postos no GPS.
Apesar de ter perdido a
mística que tinha nos anos 80 e 90,
o Rally de Portugal continua a ser
um dos melhores ralis do actual
calendário do WRC (Campeonato
do Mundo de Ralis). Embora actualmente já não se dispute no Norte
e Centro do país, mas, quase exclusivamente, no Algarve, o público
continua a acorrer em massa, vindo
não só de Portugal, mas também de
Espanha e do Norte da Europa.
Apesar do gosto por este
tipo de prova, muitas pessoas fizeram questão de mostrar o seu desagrado em relação à organização,
sobretudo pela fraca possibilidade
de circulação. A liberdade de movimentos, para os espectadores, era
pouquíssima, uma vez que se encontravam restringidos às chamadas “Zonas de Espectáculo”, onde
os soldados da Guarda Nacional
Republicana e vários “Marshalls”
mantinham em ordem o público
que marcou presença. Na verdade, e
embora se compreenda o desagrado
do público, só através deste apertado controlo se consegue evitar uma
tragédia como a que se sucedeu há
23 anos, em Sintra, quando um Ford
Rally de Portugal. O público, eufórico, não deixou de apresentar as suas críticas em relação à organização e à fraca possibilidade de circulação
RS200 desgovernado matou três
espectadores.
De ano para ano, a organização parece levar cada vez mais
a sério a sua missão de controlar o
melhor possível o efusivo público
português, e, até, diminuí-lo em
número. “Isto é feito para as televisões, quanto menos público melhor
para a organização,” desabafa Raúl
Cardoso, “Marshall” no Rally de
Portugal.
O pó foi também uma
constante ao longo das 17 especiais
classificativas que constituíram o
Rally de Portugal. Esta foi, aliás,
uma das maiores adversidades para
os pilotos e nem mesmo o vencedor,
Sébastien Loeb, escapou à onda de
pó quando, na 1ª etapa do rali, se viu
envolto numa nuvem de pó que, por
momentos, o impediu de ver o troço. Apesar desse pequeno percalço,
o francês dominou durante a 2ª e a
3ª etapas do rali, sem dar hipóteses
a Mikko Hirvonen, em Ford Focus,
que nada pôde fazer para contrariar
o andamento de Loeb, que, no fim
do 2º dia, já detinha uma vantagem
confortável.
A sua vitória foi consumada na derradeira super-especial do
Estádio Algarve, onde uma massa
humana de cerca de 40 mil pessoas
marcou presença para aplaudir os
vencedores e vencidos deste importante evento desportivo nacional.
Quem mais tinha razões para festejar e ser aplaudido era mesmo Sébastien Loeb, mas foi, sem surpresa.
o piloto nacional Armindo Araújo,
vencedor do agrupamento PWRC
(reservado a carros de promoção),
que mais aplausos recebeu do público presente no estádio. Durante dois
minutos só se ouviu: “ARMINDO,
ARMINDO, ARMINDO”.
Esta é a imagem que fica
da edição de 2009 do Rally de Portugal: um piloto feliz e eufórico, que
em cima do tejadilho do seu carro,
de bandeira de Portugal às costas e
de punhos erguidos no ar, celebra
“a sua vitória, do seu campeonato”,
ovacionado por milhares de portugueses. Em suma: um tremendo
sucesso!

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