substituição do administrador e reconveyance completa

Transcrição

substituição do administrador e reconveyance completa
Lei “Dodd-Frank”:
Institucionalização do combate à
fraude e a temeridade operacional
Fe v e r e i r o 2 0 1 2
Ari Cordeiro Filho
Roberto Campos – razão e polêmica
Gilberto Paim
Número 683
Alienação Fiduciária na custódia e
liquidação de títulos
Célio Borja
Síntese da Conjuntura
Conjuntura econômica
Ernane Galvêas
Fevereiro
2012
683
Fevereiro
2012
683
Problemas Nacionais
Conferências pronunciadas nas reuniões
semanais do Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
Sumário
Lei “Dodd-Frank”: Institucionalização do combate à
fraude e a temeridade operacional ............................. 3
Ari Cordeiro Filho
Roberto Campos – razão e polêmica........................ 57
Gilberto Paim
Alienação Fiduciária na custódia
e liquidação de títulos .............................................. 75
Célio Borja
Síntese da Conjuntura
Conjuntura econômica ........................................... 89
Ernane Galvêas
São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos
nas conferências aqui publicadas.
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Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
Fevereiro 2012, n. 683
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Carta Mensal | Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955104 p.
Mensal
ISSN 0101-4315
1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.
Lei “Dodd-Frank”:
institucionalização do
combate à fraude e
a temeridade operacional
Ari Cordeiro Filho
Advogado
O mito das leis eficazes
A
lei não costuma ser um obstáculo intransponível para intentos
de fraude, para a temeridade, para a omissão de autoridades.
Uma crise financeira também pode originar-se de uma conjugação
de fatores fora de controle de vontades isoladas ou de uma camisa
de força legal. Crises sistêmicas podem comunicar-se pelos canais de
propagação globais entre jurisdições.
A lei para preencher lacunas
Para dar uma justificativa razoável ao tema desta palestra, é de se
recordar que uma das principais causalidades atribuídas à eclosão da
crise atual é a desregulação, apontando-se particularmente, nos EUA,
a revogação da antiga proibição de holdings de instituições depositá-
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rias (bancos, tipicamente) terem atividades integradas no mercado
de capitais (Glass-Steagall Act, de 1933, versus Financial Services
Modernization Act ou Gram-Leach Billey Act, de 1999). Liberou-se
a conectividade entre as instituições bancárias e as do mercado de
capitais, mas não se estabeleceram controles adicionais pertinentes
de capital, de endividamento e outros, de instituições financeiras e
empresas interligadas ou afiliadas interligadas ou afiliadas atuantes no
mercado de capitais. Modalidades operacionais antigas (securitização)
e novas (derivativos) ensejaram um formidável gravame escalar e por
vezes não transparente nos balanços de tais instituições.
A nova lei americana não soluciona todos os problemas deixados pela
crise, obviamente, por ser retardatária, editada no calor da surpresa
com fatos antes inimaginados.
Torna contudo mais ásperas as trilhas da fraude; mais vigiados os
caminhos para a temeridade.
A lei
A lei americana Dodd-Frank de 2010 é uma resposta aos clamores generalizados quanto a lacunas institucionais de adequada
supervisão e quanto à falta de supervisão coordenada e interativa
de instituições financeiras ou de instituições exercendo atividades
financeiras, de afiliadas ou interconectadas, nos EUA. Além disto,
havia ausência de adequada transparência de riscos de modalidades operacionais, de seus importantes gravames contingentes, nos
balanços das instituições.
É também uma reação legislativa de repressão à fraude e temeridade,
de amplitude e severidade proporcionais às desordens financeiras
ocorridas naquela jurisdição, antecedentes causais imediatos da crise
global exteriorizada em 2008.
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Para aferir o pulso do vigor das novas normas, vejo como representativa a admissibilidade e premiação elevada (15% a 30%) da denúncia
anônima, recentemente regulamentada (Section. 922: Whistle Blowers).
Indicativas da manus longa do seu alcance são, entre muitas, a punição
atual de uma grande instituição bancária pelo Banco Central americano (FED), por “má conduta e negligência”, decorrente de práticas
de uma subsidiária de serviços de seleção de créditos imobiliários
e administração de hipotecas (Litton Loan Services), assim como
os processos movidos pelo governo americano contra importantes
instituições do mercado. Interessante de se observar, e acompanhar,
é a postura das regulamentações recomendadas pela Lei, muitas das
quais relevantes em termos de competitividade dos bancos americanos com os de outras jurisdições, v.g., as referentes a capital mínimo,
relação débito/capital (endividamento máximo).
Antecedentes
Em face da crise em curso, em outubro de 2008 o Senado Americano já tinha aprovado lei autorizando o Programa de Recuperação
de Ativos Problemáticos – o Troubled Assets Recovery Program
(TARP). No meu entender, este programa foi exitoso em atingir
objetivos colimados para combater a crise, naquele momento. Seu
objetivo foi desalojar uma séria afetação do sistema financeiro, falências em cadeia de instituições financeiras, seguidas de paralisia
do crédito às atividades interbancárias e produtivas, estiolamento da
liquidez das instituições financeiras, ameaça iminente aos sistemas de
transferências e pagamentos e a nulificação de mercados referenciais
para precificação de ativos financeiros. A crise sistêmica iminente foi
combatida exitosamente pelas autoridades americanas: as principais
instituições estão hoje com uma capitalização quase três vezes suCarta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
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perior à existente na eclosão da crise. O sistema financeiro se acha
funcionando e recuperado da débâcle que se lhe avizinhava.
Foi alocado um valor de US$350 bilhões, rotativos, inicialmente,
mais uma previsão de US$350 bilhões adicionais, que não foram
utilizados. Por ele, o Secretário do Tesouro e o Presidente do
FED podiam decidir comprar ativos tóxicos de bancos e outras
instituições financeiras, retirando de seus balanços estas fontes
de contínuas depreciações e ensejando razoável continuidade aos
mercados subjacentes de títulos. Foram também adquiridas ações
preferenciais de bancos e de algumas empresas, assim como outros
ativos do sistema, propiciando liquidez a segmentos que dissessem
respeito à estabilidade financeira dos EUA.
A crise deixou ali suas sequelas, como a desvalorização dos imóveis
e dos títulos emitidos em decorrência de seu financiamento, mas em
muitos casos, apenas se pôs cobro a artificialismos e se corrigiram
endividamentos excessivos (alavancagem, leverage). As decisões tomadas no âmbito do TARP blindaram o sistema financeiro dando-lhe
tempo para gerar receitas novas e regenerar-se quanto a excessos de
depreciação de seus ativos, motivados por liquidações desordenadas,
em busca de liquidez. Crises exógenas, como a da Europa, podem
advir, mas o sistema tem um arcabouço monitório que dificilmente
permitirá uma conectividade devastadora para a estabilidade do mercado financeiro americano.
Transparência
A causa da grave crise recente não foi a falta de transparência, embora
ela estivesse presente e encorajasse a temeridade. Entretanto, para que o
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novo arcabouço institucional preventivo viesse a funcionar, tornou-se
essencial dotá-lo de instrumental cognitivo oportuno, pertinente e
compreensivo de todos os fatores causais. A Lei Dodd-Frank é forte
nesta faina. Informações sobre instituições e modalidades operacionais antes não adequadamente supervisionadas passam a contribuir
para um conjunto, em referências cruzadas e se complementando em
um quadro de interconectividades. Verbi gratia, no Título IV (Regulation of Advisers of Hedge Funds and Others), a nova regulação
retirou a isenção de registro em agências primárias de supervisão de
alguns fundos conhecidos como fundos de hedge (e outros), com mais
de US$150 milhões de patrimônio. Tais fundos, administrados por
assessores (advisers), com carteiras multimercados, deverão registrar-se
na SEC, trazendo destarte ao foco do conhecimento das autoridades
dados sobre administradores, funcionários, investidores, investimentos, endividamento (leverage), posições e movimentações antes
resguardados como se fossem privados, de interesse apenas de seus
investidores. Só escritórios familiares de administração continuarão
na penumbra. No Título V (Insurance) é criado um Escritório Federal
de Seguros (Federal Insurance Office), na estrutura do Departamento
de Tesouro, preenchendo uma lacuna oriunda da competência esparsa
dos Estados para regular as atividades das empresas de seguros. Suas
atribuições incluem monitorar todos os aspectos deste setor e falhas
na regulamentação que possam influenciar no risco sistêmico. Poderá,
inclusive, apontar uma seguradora ou suas afiliadas ao Conselho de
Estabilidade Financeira, como entidades financeiras não bancárias a
serem sujeitas a normas especiais de monitoramento, uma espécie
de curatela, pelo FED, ou, mesmo, para liquidação. Da mesma forma, no Título VII (Wall Street Transparency and Accountability),
agências primárias de supervisão do mercado de swaps poderão
coletar quaisquer dados que julguem influentes no risco ao sistema,
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e mesmo proibir ou regular estritamente tipos de operações consideradas detrimentais. A regulação, neste Título, tende a tornar swaps
(e outros derivativos) substancialmente padronizados, para registro
ou negociação por instituições autorizadas, através de contrapartes
centrais, com garantias autoliquidáveis, em sistemas compensação ou
liquidação (clearings), de tal forma que se tornem conhecidas as partes,
os riscos que assumem e as garantias fornecidas. Os derivativos não
padronizados ou sob medida (customized), negociados por instituições
autorizadas no balcão, ficam mais vigiados, submetidos a normas
quanto a registro e informação.
É estabelecido um sistema mais acurado de conhecimento, avaliação
e testes quanto ao valor de registro contábil de derivativos, para que
situações de crise aguda não surpreendam as instituições, com passivos
aumentados insuportavelmente. As avaliações baseadas em modelos
próprios das instituições ficam sujeitas a testes periódicos de estresse,
com resultados informados às autoridades.
A transparência também é vista como um sistema de proteção ao
consumidor de “produtos” financeiros, no Título X. Nele, a criação
do Birô de Proteção Financeira ao Consumidor (Bureau of Consumer
Financial Protection) tem por escopo tornar a disponibilidade do
crédito ao consumidor honesta e não predatória. O princípio básico
é: “Saiba (o que vai fazer) antes de se comprometer” (know before you
owe). As normas tendem a conscientizar o cliente quanto aos ônus que
vai assumir e tornar aparentes e explícitas, para ambas as partes, as
condições objetivas de assumir os compromissos, ao longo do prazo
e não apenas no início, pelo atrativo de adocicantes como prestações
iniciais pouco gravosas.
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Como se sabe, até instituições importantes chegaram a operar com
assinaturas falsificadas de mutuários e dando a falsa impressão de que
eles tinham condições de se endividar com a aquisição de moradias.
(Clientes NINJAS: No Income, No Jobs, No Assets). Multas relevantes
foram aplicadas, no particular.
As normas são suplementadas, para sua eficiência, por outras regras
quanto à concessão de empréstimos hipotecários ou para consumo,
encontráveis em outros títulos da Lei, descendo até ao detalhamento
de procedimentos de prestadoras de serviços auxiliares.
Incidentemente, os empréstimos abusivamente onerosos nos EUA se
situam em uma faixa de rejeição legal. Em 1966, um professor meu,
da New York University, ao ser apresentado às taxas reais (descontada
a inflação) de juros aqui praticadas, para pessoas físicas, no cheque
especial e no CDC, exclamou que, nos EUA, seria um típico caso de
“shark loan”, uma hipótese de averiguação policial.
Arcabouço preventivo de supervisão
A Lei Dodd-Frank institucionaliza um novo e mais abrangente sistema
preventivo, com um Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira (Financial Stability Oversight Council), onde estão as entidades
de supervisão primária das instituições financeiras e assemelhadas.
Passa a possuir um poder forte de obter informações convergentes
organicamente, seja através das entidades de supervisão primária, seja
diretamente pelo Escritório de Pesquisa Financeira (Office of Financial
Research), criado pela Lei para dar suporte específico ao Conselho.
Passam à supervisão e sujeitam-se ao fornecimento de dados as ativida-
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des de holdings bancárias, de instituições financeiras não bancárias e de
entidades cujas operações sejam consideradas financeiras e relevantes
para a segurança do mercado americano, assim como as de suas afiliadas. Suprido o Conselho pelas informações que já são fornecidas às
entidades primárias de supervisão por bancos e outras instituições, e
pelas novas informações que alvitre, pode ser outorgado ao Board do
FED (administração do Banco Central americano) um poder amplo
de supervisão sobre estas novas entidades supervisionadas. Em alguns
casos, configura-se uma quase curatela das supervisionadas, com alguns
traços do nosso instituto da intervenção.
Com este novo arcabouço de supervisão, as autoridades têm bem
definido o tipo de atuação de cada uma, coordenadas dentro da
estrutura do Conselho.
A linha mestra de aperfeiçoar o sistema cognitivo e preventivo é complementada com a outorga de poderes especiais para o FED, quando
se alvitre que instituições ou categoria de instituições representem
risco para a estabilidade do mercado. Ante ameaça prospectiva, atividades relevantes, em tais casos, passam a sofrer monitoramento,
orientação, contenção ou indicação para liquidação.
Não revoga, e até aumenta, o montante garantido para depositantes
em instituições depositárias, suprível pelo Federal Deposit Insurance
Fund, de US$100 mil para US$250 mil , mas, fora disto, é explicita em
desencorajar investidores, depositantes e acionistas quanto a pretender
que as Autoridades cubram riscos das instituições supervisionadas. Há
normas objetivas em suporte. Assim, ao contrário do que podia aparentar, o TARP não redundará em prejuízo aos contribuintes, como
foi explanado no material distribuído aos Senhores Conselheiros.
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O detalhamento de formalidades objetivas a serem observadas no dia
a dia dos negócios, atadas a registros e informações a serem prestadas
às autoridades ou tornadas públicas, por um lado traça um roteiro
administrativo, por onde se podem mais claramente desvelar os desvios de conduta e, por outro, possibilita uma atuação corretiva mais
expedita, tanto dos administradores quanto das autoridades. Suprindo
anteriores lacunas de supervisão, elas passam a atuar dinamicamente
em cima da evolução dos fatos, sobre um espectro maior de instituições e empresas influentes, com titularidade e fundamentos de direito
sólidos. Passa-se a exigir que os regulamentos prevejam níveis mais
apropriados de capital das supervisionadas, inclusive holdings bancárias, de tal sorte que “cresça em tempos de expansão econômica e decresça em
tempos de contração econômica, consistentemente com a segurança e bom estado
da companhia” (Sec. 616).
Fraude e temeridade
Desapegando-nos de uma conceituação penal ou civil rígida da
fraude, para não gerar uma disputa acadêmica, no âmbito desta despretensiosa palestra, conforta ir aos verbetes latino e vernáculo (fraus,
fraudis, Dicionário Latino Saraiva; fraude, Dicionário Houaiss). A fraude é
a má-fé, a velhacaria, a trapaça, o dolo, a manha, a astúcia, a arteirice,
a esperteza, a falsificação, o logro, o ardil, o engano urdido para lesar
outrem ou bem juridicamente protegido, deixando de cumprir um
dever jurídico, em benefício próprio ou de terceiro.
Nos mercados financeiros e de capitais, em tipologias de ilícitos à
parte, pode exteriorizar-se pela omissão de informações vitais para
decisões de investimento, falta de transparência obrigatória, por
comissão ou omissão, aproveitamento de informações privilegiadas.
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A fraude ocorrida entre cidadãos, em suas relações privadas, tem
tratamento sempre repressivo nos diplomas penais e previsão indenizatória, nos diplomas civis, tanto aqui quanto nos EUA. No sistema
financeiro e no mercado de capitais, em que há interesses difusos e
riscos à estabilidade do mercado, militam razões sobrepostas para
uma repressão mais gravosa à fraude.
A fraude comprovada, escalar, no mercado financeiro fere de morte
a confiança de que são depositários os seus agentes. A confiança
é o fundamento do sistema. Abalada que seja, coloca em perigo
toda uma estrutura de transferências, de pagamentos, de crédito e
de precificação de títulos e valores, essenciais ao funcionamento
normal de uma economia. De uma forma brutal, os mercados têm
experimentado as consequências do abalo à confiança. No momento
em que rascunho esta palestra (final de agosto de 2011), os bancos
americanos têm empoçados cerca de US$1,5 trilhão, em excesso
de reservas, aplicados em títulos federais (treasuries). Parte desta
preferência pela liquidez advém da diminuição da confiança e do
interesse de empresas e consumidores, fazendo registro morto as
tentativas governamentais (duas) de aumentar o volume de crédito
disponível para atividades produtivas (quantitative eases 1 e 2).
A punição à fraude, nos mercados, sói ser retardatária, incompleta,
e nem sempre alcança todos os fraudadores. A reparação financeira
existe e pode ocorrer, mas os prejuízos podem ser mais amplos e os
lesados ser em grande número, esparsamente. Vemos, nos dias de
hoje, instituições, até de grande porte, pagando importâncias consideráveis, de centenas de milhões e até de bilhões de dólares, por
vícios informativos e por fraudes a investidores, perpetradas em seus
ambientes, em afiliadas ou em prestadoras de serviços.
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Temeridade
Não é razoável pretender que uma instituição opere sem sinistros
de crédito. Mesmo com um objetivo zero de impontualidade e
observância de procedimentos adequados neste sentido, todas
elas, invariavelmente, têm um índice de inadimplência e de perdas,
com flutuações ocasionais. São riscos inarredáveis pela vontade
humana, salvo estagnação proposital total dos negócios bancários
(preferência completa pela liquidez) ou mudança de objeto social.
Operações podem nascer saudáveis, bem selecionadas, mas evoluir desfavoravelmente, por fatores independentes da vontade do
administrador. Flutuações ocorrem nos índices de inadimplência,
em certa medida aceitáveis e explicáveis pelas mutações das circunstâncias econômicas gerais, setoriais ou de empresas. A estas
flutuações normalmente se opõem medidas corretivas apropriadas,
que têm possibilidade de saná-las em parte.
O que se alcança com o conceito de temeridade é o pouco usual, é fugir
ao que acontece comumente (id quod plaerumque accidit), pela ousadia
ou fraude conjugada, pela fuga aos parâmetros de boa gestão. Temeridade é adotar condutas que levem, intrinsecamente, por elas mesmas,
como causa imediata, à bancarrota ou a prejuízos. É conceder crédito
conscientemente, a quem não tenha condições de pagar ou a quem se
sabe não ser bom pagador, sem garantias autoliquidáveis. Diferente
de sofrer consequências imprevistas de fraudes informacionais de
terceiros, de fatores exógenos, sobre os quais a administração não tem
controle ou conhecimento antecedente. É não adotar sistemas internos
de deferimento de crédito com adequada seleção, ou negligenciá-los.
Originariamente, no Latim, temere é um advérbio para o que é feito
ao acaso, sem reflexão, desatinadamente, inconsequentemente. Seria
o ablativo de um substantivo arcaico em desuso (temus, temeris), usado
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para designar obscuridade, mas que sofreu ampliação de significado. Daí temeritas, ou desatino, despropósito, estouvamento, falta de
reflexão, audácia, ousadia, inconsequência (Saraiva). Mais próximo
de nós, o vocábulo afinou seu significado para ousadia excessiva,
imprudência acentuada (Houaiss).
A temeridade de administradores ou operadores no mercado
financeiro e de capitais dificilmente poderá pretender-se culposa
(stricto sensu) ou seja, por negligência, imperícia ou imprudência.
Em relação aos administradores responsáveis por operações,
milita a presunção de zelo e capacidade para o exercício das suas
funções. Têm plena consciência da resposta compatível dos resultados financeiros em face do grau exagerado de riscos assumidos,
comissiva ou omissivamente. Ou admitem “ex ante” o resultado
negativo consequente ao risco excessivo assumido em operações.
Exercer uma função com alienação e desinteresse quanto aos
fundamentos do métier pode caracterizar “dolo eventual” por temeridade. Zelo é atributo que se materializa com o exercício efetivo das funções e não necessariamente deduzido de qualificações
profissionais formais. Um médico pode perfeitamente mostrar-se
um bom administrador, inclusive um bom Ministro da Fazenda
(Joaquim Murtinho, p. ex.). E um administrador profissional pode
demonstrar o contrário, até mesmo temeridade.
Nosso direito penal penaliza as condutas dolosas não só quando o
agente quer o resultado mas igualmente quando assume o risco de
produzi-lo (dolo eventual, art. 18 CP).
Se há a forma de operar por “temeritas in assentiendo” (em Cícero:
leviandade em aprovar), pode ocorrer também uma procura ativa
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de geração de operações, sem os cuidados aconselháveis. Até por
motivação concorrencial. Pode-se distinguir teoricamente entre operar levianamente, por incompetência ou inconsequência, e aprovar
ou gerar operações sem os procedimentos cautelares apropriados,
com objetivo de aumentar volume de negócios em face da concorrência, de auferir resultados, de ter maiores bônus decorrentes da
massa de negócios, de obter lucros de curto prazo, inconsistentes
ou declarados açodadamente.
Em ambos os casos, opera-se temerariamente. A consciência e o
objetivo subjacente fazem presente o “dolo direto” ou o “dolo eventual”
de ocasionar prejuízos à instituição ou a terceiros.
Com cuidado quanto à validade de afirmativas genéricas, no assunto,
em matéria penal, em se tratado de conduta temerária, não há grande
distanciamento da teoria civil do “risco criado”, na administração de
instituições financeiras. A gestão temerária, por si só, cria dolosamente
riscos anormais sejam eles de crédito, sejam de liquidez, sejam de
taxas, sejam administrativos.
O administrador temerário, no sistema financeiro, sabe que não
pode operar acima de limites, além da capacidade de controle; que
deve observar a boa técnica, no deferimento de crédito, exercendo
contínua vigilância quanto à manutenção de sua qualidade; que
deve precaver-se, não assumir operações com cujos sinistros não
possa arcar a instituição; estabelecer limitações e alçadas operacionais cuidadosas; estar diuturnamente informado da evolução dos
números de sua atividade.
Age temerariamente o administrador que opera em grande escala,
não tendo estrutura apta a lidar com grandes números. Não adota aí
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ou não tem condições objetivas de adotar meios de monitorá-los e
de administrar a qualidade dos ativos. Mesmo que os passe adiante,
compromete a saúde financeira de outras ou da sua própria instituição.
Espalha as insubsistências geradas. Isoladamente, por uma instituição
de grande porte, ou no agregado, havendo difusão da temeridade,
abala-se a estabilidade do próprio mercado.
Hoje já se sedimentou entre as autoridades financeiras globais que
a ultrapassagem de certo porte de operações, em termos de fatia de
mercado ou em números absolutos é merecedor, por definição, de
vigilância especial. A Lei Dodd-Frank adota um ponto de partida de
alerta de US$50 bilhões de ativos. Instituições que sejam caracterizadas como operando acima de sua capacidade de controle devem
sofrer estrito monitoramento e, por vezes, ser contidas em limites. O
Conselho de Estabilidade Financeira pode determinar a desaceleração, redução ou, mesmo, transferência total ou parcial de atividades
próprias ou de afiliadas.
No caso americano, a temeridade na geração de ativos gerou a
contrapartida do excessivo endividamento (leverage) de instituições
financeiras, como os bancos de investimento, ou de entidades
(fundos e outras) financiadas, administradas ou de propriedade de
instituições financeiras.
Não se estão aqui adotando teses de que o administrador financeiro
deve ter um padrão de cautela exacerbada, prejudicial à instituição,
chefiando uma espécie de delegacia de polícia em vez de uma diretoria de operações, invadindo conveniências e violando direitos dos
clientes, adotando procedimentos invasivos, fora do comum. Ad
impossibilia nemo tenetur.
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Pode haver, em tese, ausência de culpa (lato sensu) pela falsidade
não facilmente discernível de informações fornecidas por outras
instituições ou por clientes com que se opere, ou pelo advento de
situações imprevisíveis, pelos instrumentos de aferição disponíveis
existentes. Assim, nos EUA, mercados extensos de títulos municipais, estaduais ou de universidades tiveram sua grande liquidez
abruptamente suprimida como consequência da crise no mercado de
créditos hipotecários (sub-prime). Não se poderia alvitrar de temerário um comprometimento anterior significativo com este mercado,
pela razão de que era completamente imprevisível o ressecamento da liquidez, por propagação, a partir de outros mercados, de
diferente natureza.
Uma solução global eficiente plurijurisdicional
Parece ser consenso que as tratativas desenvolvidas no âmbito do
Banco de Compensações Internacionais (BIS), para estabelecer níveis
mais rigorosos de capital das instituições financeiras e do mercado de
capitais (Basileia 3), e regras mais estritas de transparência quanto a
níveis de risco em que elas estejam dinamicamente incorrendo, dizem
com o âmago da questão de liquidez e solvência das instituições.
Procuram as novas regras projetadas não deixar de fora riscos antes
homiziados, inclusive os soberanos, e têm o mérito de estabelecer
percentuais adicionais de capital para colchão de liquidez e para
precaução, nos tempos de bonança, quanto a tempos difíceis. Esta
lembrança é feita para não se perder a visão global dos fatos, em que
normas sobre fraudes, boa técnica financeira e transparência são complemento de uma situação de solidez de capital próprio do sistema
como um todo. O grande desafio é conseguir que sejam adotados
novos padrões de capital em todas as jurisdições importantes.
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E, igualmente coordenar, no curso dos anos, as exigências de novos
padrões de capital, com a faina de limpeza de suas carteiras, a que os
bancos deverão proceder.
• Foco da lei
Ela própria se denomina “Lei Dodd-Frank de Reforma de Wall Street e
de Proteção do Consumidor”.
Trata-se de um diploma legislativo ambicioso, que, em algumas
passagens, teve de atravessar um verdadeiro labirinto legislativo,
compatibilizando normas federais com estaduais, e novas normas
federais com outras do mesmo jaez, aperfeiçoando ou estabelecendo regramentos adicionais. A tarefa do legislador americano
é diferente da aqui vigente. Os Estados têm maior autonomia
legislativa; há cuidados especiais quanto a limites de abrangência das normas, limites de atuação de órgãos da administração
e quanto a instituições já estabelecidas. Daí porque leis repressivas tendem a ser minudentes e longas. É um trabalho de arte
inserir as normas em face de instituições e direitos consolidados
naquela jurisdição.
– Na leitura da Lei Dodd-Frank por um jurista brasileiro, o texto é um
tanto repetitivo ou redundante. O estilo por vezes choca. Por exemplo,
na p. 83, há um período de 19 linhas, com o sujeito na 6ª linha e o
predicado na 12ª linha. Ou o sujeito na 1ª linha e o predicado na 6ª,
em período de 13 linhas (p. 86).
Nos EUA, existe sedimentado todo um sistema de crédito capilarizado, acessível aos cidadãos e às suas iniciativas empreendedoras, a
custos não escorchantes. Existe uma preocupação legal de inclusão
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financeira de toda a população. É feita uma previsão legal de necessidade de preservar o acesso ao crédito e aos serviços financeiros
por minorias e por comunidades carentes. Em certas passagens
onde prevê mão forte repressiva, é taxativa no concernente a que a
Autoridade implementadora das medidas afira as consequências de
sua ação sobre minorias e comunidades carentes, evitando que elas
sejam prejudicadas pela ausência de crédito ou privação de serviços
financeiros. Não é permitida uma supervisão com mão forte indiferente à exclusão.
No Brasil, aparentemente somos um tanto cegos ao fato de que
existe um oligopólio no sistema financeiro, com instituições estatais
(BB, BNDES, CAIXA) e algumas privadas centralizando decisões de
concessão de crédito ou financiamento. O centralismo da União e
pouca autonomia dos Estados compõem o quadro de fundo.
A Lei Dodd-Frank é extensa e detalhista, justamente porque lida
com um assunto que, no meu entender, diz respeito a um fundamento da democracia, qual seja a estabilidade do sistema financeiro,
protegendo o direito à acessibilidade e disponibilidade do crédito
e serviços financeiros, descentralizadamente.
Uma visão geral nos surpreende, à primeira vista, pela sua extensão:
a Lei se subdivide em 16 títulos, com títulos resumidos, definições
dos termos empregados, alguns subtítulos ou partes. No total, são
1.601 secções, com subseções e seus itens.
A compartimentalização em títulos materializa onde os legisladores
americanos houveram por bem sedimentar novas instituições e
novas regras de procedimentos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
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TÍTULOS DO DODD-FRANK ACT
(Tradução aproximada dada a divergência de institutos,
em relação à nossa legislação)
Título I
Estabilidade Financeira
Título II
Autoridade para Liquidação Ordeira
Título III
Transferência de Poderes para o Comptroller
of Currency, para a Federal Deposit Insurance
Corporation (FDIC) e para o Board of Governors
do Federal Reserve System-FED
Título IV
Regulamentação dos Assessores para Fundos de Hedge
Título V
Seguros
Título VI
Melhoramentos na Regulamentação de
Holdings de Bancos, Associações de Poupança e
Instituições Depositárias
Título VII
Transparência e Confiabilidade de Wall Street
(Regulação do mercado de Swaps e de mercados de
títulos lastreados por swaps)
Título VIII Supervisão de pagamentos, compensações e liquidações
Título IX
Proteção do Investidor e melhorias na regulação dos
valores mobiliários
Título X
Agência de Proteção do Consumidor Financeiro
Título XI
Autorizações para o Federal Reserve System
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C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Título XII
Aumentando o Acesso a produtos de
Instituições Financeiras
Título XIII Repagamentos (TARP e outros)
Título XIV Reforma do Sistema de Hipotecas
e Empréstimos Predatórios
Título XV
Miscelânea
Título XVI Alguns Contratos (swaps e outros não
referidos anteriormente)
Trata-se de uma quantidade formidável de previsões e provisões.
A Lei prevê complementação através de vários estudos e de regulamentações suplementares, já hoje editadas ou a serem editadas, sendo
de se destacar as relativas a exigências de níveis de capital.
Título I – Estabilidade financeira
Fica instituído o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira (Financial Stability Oversight Council). Resolveu-se
institucionalizar o enfrentamento de crises, quando ocorrentes,
mas sobretudo a prevenção delas. As autoridades agora têm um
porto seguro legal para atuar, com discriminação de atribuições.
Naquele país, normalmente as autoridades não se sujeitam a ações
judiciais irresponsáveis, mesmo que errem em seus diagnósticos,
tendo que decidir no fogo dos acontecimentos, quando tomam
providências motivadas pelo interesse público de solução da crise
ou de problemas. O caprichoso pode resultar custoso.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
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A Lei americana reuniu no Conselho de Supervisão da Estabilidade
Financeira as principais autoridades, sob cuja supervisão estão as
instituições potencialmente origem de crises, e conferiu-lhe uma
competência abrangente:
a) Identificar riscos à estabilidade financeira dos EUA que possam
advir de dificuldades financeiras, de falência ou de atividades desenvolvidas por grandes companhias holdings interconectadas de bancos,
de instituições financeiras não bancárias, ou que possam advir de fora
do mercado de serviços financeiros.
b) Promover a disciplina de mercado, eliminando as expectativas
de acionistas, credores e contrapartes de tais companhias de que o
Governo os protegerá de perdas no caso de falência.
c) Reagir a ameaças emergentes à estabilidade do sistema americano.
Informação
O Conselho tem autoridade para obter ou requisitar quaisquer
informações, para o exercício de suas atribuições, das entidades
que o constituem, da Agência Federal de Seguros ou do Escritório de Pesquisa Financeira (Office of Financial Research). Este
“Escritório” foi criado pela própria Lei, como entidade instituída
dentro da estrutura do Departamento do Tesouro, tendo orçamento
estabelecido de acordo com o Presidente do Conselho (Secretário
do Tesouro). Goza de independência sobre a forma como vai
desincumbir-se de suas responsabilidades e exercer sua autoridade.
Seu diretor é escolhido pelo Presidente dos EUA, com assistência
do Senado. Dará suporte às responsabilidades do Conselho de
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C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Estabilidade Financeira e a seus membros, coletando dados e os
fornecendo; padronizando a forma de sua coleta e de seu suprimento; executando pesquisas aplicadas e essenciais, de longo prazo;
desenvolvendo instrumentos de mensuração e de monitoração de
riscos, assistindo as Agências reguladoras em determinar os tipos
e formatos de dados autorizados pela Lei a serem coletados por
tais Agências.
A negativa contumaz de fornecimento de informações terá o mesmo
tratamento dado pelas Cortes à desobediência a ordem judicial.
Constituição do Conselho. Tem os seguintes membros
votantes (1 voto cada):
•
o Secretário do Tesouro, que é o seu presidente (Chairperson);
•
o Presidente do FED (Federal Reserve System), o Banco Central americano, com poderes sobre holdings bancárias e bancos e,
pela nova Lei, com amplos poderes previstos sobre instituições
financeiras não bancárias, afiliadas e outras que ameacem a estabilidade financeira dos EUA;
•
o Comptroller of the Currency (literalmente seria “O
Controlador da Moeda”): o Office of the Comptroller of
the Currency (OCC) é a agência governamental a quem está afeta
a normatização e fiscalização direta, administrativa e operacional,
dos bancos (pela nova Lei, também de associações de poupança e
empréstimo. A nova Lei extinguiu o Office of Thrift Supervision);
•
o Diretor do Birô de Proteção Financeira do Consumidor, instituído no Título X da mesma Lei;
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
23
•
o Presidente da SEC (equivalente à nossa Comissão de Valores
Mobiliários);
•
o Presidente da FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation),
agência governamental que administra as garantias dadas aos
depositantes de bancos e de associações de Poupança e Empréstimo (que são as insured depository institutions). Com visto, a garantia
dada aos depositantes foi aumentada de US$100 mil para US$250
mil. A FDIC funciona como síndico de instituições financeiras
submetidas ao processo de liquidação (aprox. equivalente ao
liquidante em nossas liquidações extrajudiciais);
•
o Presidente da Comissão de Negociações de Futuros de
Commodities (Commodity Futures Trading Commission), com
jurisdição de regulamentação e de fiscalização dos mercados de
negociação pública de derivativos de commodities, além de negócios
futuros de comerciantes de commodities;
•
o Diretor da Agência Federal de Financiamento a Moradias
(FHFA), supervisora do Sistema Federal de Bancos de Empréstimos Habitacionais (Federal Home Loan Banks) e da Empresa
Federal de Financiamentos Habitacionais Hipotecários (Federal
Home Loan Mortgage Corporation);
•
o Presidente do Conselho de Administração Nacional das
Credit Unions (entidades de crédito aprox. do tipo cooperativo
ou de consórcio de crédito);
•
o Membro independente com expertise em matéria de seguros, indicado pelo Presidente por recomendação e aprovação
do Senado.
24
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Obs.(1):São basicamente commodities:
•
“produtos” de energia, como petróleo, gás;
•
“produtos” primários (ou processados), como metais (v.g. minério e pellets
de ferro, zinco, cobre, titânio, nióbio, ouro e outros);
•
produtos agrícolas in natura ou processados (soja, cacau, café, açúcar,
milho, algodão, suco de laranja e até casulos de seda).
Obs.(2): O termo “derivativos” comporta certa abertura conceitual. Gerou discussões teóricas acirradas, sobretudo quanto a negociação no balcão ou em bolsa
(padronização, hoje razoavelmente pacificada), sobre jurisdição supervisora,
entre a CFTC (commodities), OCC (operações bancárias “sob medida”,
no balcão) e SEC (derivativos tendo como subjacentes, no todo ou em parte,
valores mobiliários), em face da natureza dos “produtos” subjacentes, tipos de
negociação (em Bolsa ou no balcão) e forma de oferta. Até mesmo, a discussão
sobre se futuros, swaps e opções de moedas estrangeiras (vistas por alguns como
commodity), negociados no balcão, seriam de jurisdição desta ou daquela
entidade supervisora primária.
Para sua negociabilidade em Bolsas de Mercadorias ou Futuros, são estabelecidos contratos estandardizados, com quantidades ou lotes padronizados como
barris, metro cúbico, toneladas, unidades de bushels, fardos unitários, sacas
etc. Os contratos de derivativos financeiros, negociados em Bolsas, tendo como
subjacentes juros, moedas, índices (swaps, opções, futuros) podem ser padronizados em lotes com números simples, que possibilitem a fácil comparação
da evolução das cotações. A cada unidade destes números corresponde um
determinado valor subjacente.
As entidades de liquidação (e custódia) funcionam como contrapartes centrais, que
garantem a liquidação das operações, mediante margens (garantias líquidas) aportadas pelas partes. As liquidações se dão ordinariamente por diferença, diariamente.
Os perdedores são debitados e os ganhadores creditados, exigindo-se, conforme o
caso, reforço de garantias para as posições mantidas (compradoras ou vendedoras
de contratos). Estas margens de garantia podem ser alteradas, em função da situação do mercado. De modo que se trata de um mercado com boas salvaguardas
de liquidação, exceto em situações de crise generalizada de mercado, quando a
própria execução das garantias “ tout court” pode exacerbar o risco sistêmico.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
25
Além dos membros votantes, participam (exceto se decidido em
contrário pelo Presidente, em situações especiais) das reuniões do
Conselho membros “não votantes”:
•
o Diretor do Escritório de Pesquisa Financeira;
•
o Diretor da Agência Federal de Seguros;
•
um Comissário de Seguros, representante de comissários
estaduais de seguros;
•
um Supervisor bancário estadual, representante de supervisores
bancários estaduais;
•
um Comissário de Valores Mobiliários, representante de reguladores estaduais de valores mobiliários.
Responsabilidades do Conselho
Sua tarefa maior é monitorar o mercado de serviços financeiros
para identificar e prevenir eventuais ameaças à estabilidade financeira dos EUA.
Dirige a Agência de Pesquisa Financeira para coletar informações
das companhias holdings bancárias, instituições fi nanceiras não
bancárias, companhias que exerçam atividades financeiras, e determinar diretivas para suas pesquisas e análises. Tem autoridade para
coletar informações de suas agências-membro, de outras agências
regulatórias federais e estaduais.
Deve zelar e tomar providências objetivas para a integridade, eficiência, competitividade e estabilidade do mercado financeiro americano.
Entre as suas obrigações de aportar recomendações ao Congresso, está
a de encaminhar medidas para manter a “confiança” dos investidores.
26
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Poderes mais abrangentes de supervisão
Tem poder de determinar supervisão pelo Banco Central (FED) sobre
instituições financeiras não bancárias e suas afiliadas, que representem perigo para a estabilidade financeira, em face de dificuldades
financeiras, falência ou por causa do tipo de atividades que exerçam.
•
Deve recomendar ao FED, também, a adoção de padrões prudenciais elevados para companhias financeiras não bancárias, por
Ele supervisionadas, e para grandes e interconectadas holdings
bancárias no concernente a capital de risco, ao uso de recursos
de terceiros (endividamento, leverage), liquidez, capital contingente, informações sobre risco de crédito, limites de concentração
de crédito, padrões aperfeiçoados de transparência pública e de
administração global de risco.
•
Tem autoridade para identificar os serviços sistemicamente importantes do mercado financeiro, bem assim regular as atividades
de registro, pagamento, liquidação e compensações (clearings),
para as quais são estabelecidas regras no Título VIII da Lei. Os
serviços respectivos têm-se mostrado uma consideração-chave
no ordenamento e transparência do mercado.
•
Pode efetivar recomendações às agências reguladoras primárias para aplicar novos padrões ou salvaguardas, ou elevar os
existentes, para atividades financeiras ou práticas que possam
criar ou aumentar riscos de liquidez significativa, de crédito, ou
de outros problemas que possam espraiar-se entre companhias
holdings bancárias, instituições financeiras não bancárias e mercados dos EUA.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
27
•
Em relação à SEC, e a outros organismos que estabeleçam
padrões (v.g. FASB), revisar e submeter comentários quanto a
princípios contábeis, padrões ou procedimentos existentes ou
propostos.
O Conselho proverá, igualmente, um foro adequado para discussão das principais iniciativas regulamentares do mercado, inclusive sobre seguro e contabilidade. Promoverá entendimento
entre agências reguladoras para evitar justaposição supervisiva e
conflitos jurisdicionais.
Poderes excepcionais
Na Secção 113, está previsto que o Conselho, por votação positiva
de 2/3 de seus membros, um deles sendo necessariamente o Presidente, poderá determinar, de forma indelegável, que uma instituição
financeira não bancária americana seja supervisionada pelo Banco
Central (Board of Governors of the Federal Reserve System) e
seja submetida a padrões prudenciais, se alvitrar que sérios embaraços financeiros (distress) de tal instituição ou a natureza, finalidade,
tamanho, escala, concentração, interconectividade ou a mescla de
suas atividades representem ameaça à estabilidade financeira dos
Estados Unidos.
Uma instituição financeira não bancária americana é definida como
uma companhia organizada sob as leis americanas, que esteja predominantemente engajada, por ela mesma ou por suas subsidiárias, em
atividades tidas como financeiras por sua natureza, pela lei americana
(Bank Holding Company Act de 1956).
28
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
O Banco Central (FED) precisará, por regulamento, os requisitos
para determinar se uma companhia está predominantemente engajada em atividades financeiras, de acordo com a Lei.
O Conselho tem jurisdição sobre atividades exercidas nos EUA e sobre subsidiárias de instituições financeiras não bancárias estrangeiras.
Quanto às instituições bancárias, há poder de supervisão estabelecido
em Lei, tanto para companhias americanas quanto estrangeiras, com
atividades nos EUA. No caso de instituições estrangeiras (não bancárias e bancárias), o Conselho, agindo através da Agência de Pesquisa
Financeira, procurará obter do regulador estrangeiro as informações
apropriadas, e, sempre que possível, basear-se-á em informações que
já estejam por ele colhidas, com tradução em inglês.
Na definição do engajamento que sujeite uma instituição não bancária aos ditames do Conselho, conforme descritos anteriormente,
serão considerados:
•
a extensão do uso de recursos de terceiros (endividamento, leverage);
•
a extensão da exposição financeira da empresa fora do seu balanço
(cessão de crédito vinculada, p. ex.);
•
a extensão e natureza dos negócios e relacionamentos com outras
significativas instituições financeiras não bancárias e significativas
companhias holdings bancárias;
•
a importância da companhia como fonte de crédito para famílias,
para empresas, crédito para governos locais e de Estados, e como
fonte de liquidez para o sistema financeiro dos Estados Unidos;
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
29
•
importância da companhia para como fonte de crédito para baixa
renda, para minorias, para comunidades carentes, e o impacto
que a sua falência tem na disponibilidade de crédito para tais
comunidades;
•
a extensão em que a companhia é mais administradora do que
proprietária dos ativos e a extensão em que a propriedade dos
ativos é difusa;
•
a natureza, finalidade, tamanho, escala, concentração, interconectividade e a mescla de suas atividades;
•
o grau em que a companhia é já regulada por uma ou mais agências reguladoras primárias;
•
o montante e o grau de dependência de exigibilidades da companhia, incluindo a dependência de financiamento (funding) de
curto prazo;
•
quaisquer outros fatores de risco que o Conselho julgue
apropriados.
Determinado pelo Conselho que uma companhia deva ser supervisionada pela Administração do FED, ela deverá ali registrar-se,
preenchendo os formulários e fornecendo as informações que sejam
julgadas necessárias.
Igualmente em relação a instituições financeiras não bancárias estrangeiras, com atividades nos EUA, o Conselho tem tais poderes,
inclusive para evitar que se evadam da supervisão americana, levando
ainda em consideração o tamanho de seus ativos e atividades nos
EUA a extensão em que tais instituições estão sujeitas a padrões
prudenciais em seus países de origem.
30
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Estabelecimento de uma holding intermediária
•
As companhias que estejam submetidas aos poderes excepcionais
retro descritos poderão sujeitar-se a estabelecer uma companhia
holding intermediária na qual as atividades financeiras desta companhia e de suas subsidiárias serão conduzidas, com observância
dos regulamentos e instruções do Federal Reserve (FED).
Padrões prudenciais e de supervisão aumentados
•
Para prevenir ou mitigar riscos à estabilidade financeira, que
possam provir de atividades de grandes instituições financeiras, o
Conselho poderá fazer recomendações ao FED de que estabeleça
ou refine padrões prudenciais, de informação às autoridades e de
transparência das instituições financeiras não bancárias por ele
supervisionadas e a grandes e interconectadas holdings bancárias.
Tais padrões podem ser mais rigorosos que os usuais. Ao fazê-lo,
a administração do FED diferenciará entre as companhias que
estarão sujeitas em uma base individual ou por categoria.
•
Pode recomendar igualmente que se estabeleça um ponto de
partida de US$50 bilhões em ativos para sujeitar instituições a
padrões mais elevados.
•
As holdings bancárias com ativos consolidados superiores a
US$ 50 bilhões ou companhias financeiras não bancárias supervisionada pelo Conselho, e quaisquer subsidiárias, deverão fornecer
informações auditadas para manter o Conselho sigilosamente
informado sobre as condições financeiras da companhia, sistemas para monitorar e controlar riscos financeiros, operacionais e
outros, bem assim negócios com subsidiária que seja instituição
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
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depositária e em que medida as atividades e operações da companhia ou de suas subsidiárias podem, em condições adversas,
ter potencial para romper os mercados financeiros ou afetar a
estabilidade financeira dos EUA. Podem ser-lhes estabelecidos
limites e padrões mais rigorosos (v. abaixo) do que os exigidos a
outras instituições que não representem perigo para a estabilidade
financeira e restrições a diretorias interligadas. Capital adicional de
contingência pode ser determinado. À Autoridade é conferido o
poder de alvitrar o quantum de capital de contingência suficiente.
•
32
Padrões superiores de sujeição das instituições supervisionadas
podem referir-se especificamente a:
◦
requisitos de nível de capital próprio de risco;
◦
limites de endividamento;
◦
níveis de liquidez;
◦
plano de ação para solução de emergências financeiras;
◦
relatório sobre nível de risco de crédito;
◦
limites de concentração de risco de crédito;
◦
requisitos quanto a capital para contingências (instituições
financeiras não bancárias, holdings bancárias, subsidiárias);
◦
melhor transparência pública;
◦
limites de débito de curto prazo;
◦
requisitos de administração de risco.
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Não poderão adquirir, sem um aviso prévio ao FED, controle (ações
com voto) de outras instituições com ativos consolidados superiores
a US$10 bilhões.
As holdings bancárias sujeitam-se a este aviso, no caso de aquisição de
controle de ações votantes de qualquer companhia com ativos superiores a US$50 bilhões ou de instituições financeiras não bancárias
supervisionadas pelo FED.
Embora não tratado este aviso prévio como um pedido de autorização, o FED levará em consideração se tal aquisição representa perigos
maiores ou concentrados para o mercado.
Comitê de risco
•
Instituições com ativos superiores a US$10 bilhões deverão ter
um comitê de risco, devendo efetivar testes anuais em pelo menos três simulações de situações: básica, adversa e extremamente
adversa (testes de stress).
•
Abaixo deste limite, o FED poderá, conforme o caso, também
exigir tal comitê, e os testes serão semianuais. Este comitê deverá
ter um número de diretores independentes, conforme seja determinado pelo FED, e pelo menos um experto em identificação
e administração de risco em empresas de porte e complexas. O
FED estabelecerá parâmetros de avaliação de risco e de testes
de stress, e pode avaliar, em conjunto com a agência primária de
supervisão, se a instituição tem um nível geral de capital suficiente para absorver perdas resultantes de uma situação adversa, e
também determinar que refaçam seus planos de liquidação como
consequência desta avaliação.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
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Capital para contingências (Em vista, sobretudo, da alegada
competitividade com instituições estrangeiras)
Quanto a capital para contingências, seu quantum e características,
o Conselho conduzirá estudos para avaliar a sua factibilidade, os
benefícios, custos e estrutura para as instituições supervisionadas.
Bem assim, as circunstâncias em que tal capital de contingência
será convertido em capital próprio de risco e as consequências na
estrutura e operações de crédito e outros efeitos econômicos de tais
requisitos aumentados, inclusive na competitividade das instituições
a eles sujeitas.
Tal estudo deverá ser relatado ao Congresso americano até dois anos
após a edição da lei. Após esta submissão do estudo ao Congresso,
o Conselho poderá recomendar ao FED que exija a manutenção de
um capital mínimo de contingência.
Portanto, no particular, estas providências estão sendo desenvolvidas
ao mesmo tempo em que se discute e decide sobre a implementação
de novos níveis de capital para os bancos – aí incluso capital de
contingência – nas diversas jurisdições (Basileia 3). Não há, contudo,
superposição de prazos necessária. Sabe-se que as autoridades dos
países-membros da União Europeia têm insistido em uma “liberdade assistida” para a implementação dos novos níveis de capital
dos bancos naquele bloco econômico. Tal liberdade assistida abriga
preocupações quanto a se poder exigir mais ou, então, menos dos
bancos, em face de condições locais, nas diversas jurisdições. Os
bancos europeus já enfrentam dois tipos de saneamento de suas
carteiras: o dos créditos privados e dos créditos soberanos.
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C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Exposição a risco de crédito
O FED determinará limite de exposição a risco de crédito de uma
mesma companhia (empréstimos, garantias de recompra, letras de
crédito, exposição a derivativos, investimento em títulos e outros) de
no máximo 25% do total de capital e reservas da instituição.
Restrições a operações (Intervenção branca)
Se a administração do FED alvitra que uma holding bancária com
ativos superiores US$50 bilhões ou uma instituição financeira não
bancária por ele supervisionada representa uma grave ameaça à estabilidade financeira dos EUA, ela pode, após votação do Conselho,
com maioria de 2/3 dos seus integrantes:
•
limitar a capacidade de fusão, aquisição, consolidação com outra
companhia ou de outra forma tornar-se afiliada;
•
restringir a capacidade de oferecer produto ou produtos financeiros;
•
determinar que cesse uma ou mais atividades;
•
impor condições quanto à maneira pela qual a companhia conduz
uma ou mais atividades;
•
adicionalmente, em caso de insuficiência das medidas acima, determinar venda ou de outra forma transfira ativos ou itens fora
de balanço para entidades não vinculadas a ela.
Plano de liquidação
Quanto ao pretendido “testamento” (will), que holdings bancárias e instituições financeiras devem apresentar para o caso de real emergência
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
35
financeira ou falência, a Lei prevê que, em tais casos, aquelas que estejam supervisionadas pelo Conselho reportem ao mesmo Conselho, à
administração do FED e à FDIC, plano para rápida e ordeira resolução
das pendências peculiares a tais estados financeiros (emergência) ou
regime (liquidação ou falência). Essas Autoridades têm o prazo de 18
meses, a partir da edição da Lei, para regulamentar este dispositivo.
O FED deverá ser provido com informações:
•
sobre a blindagem protetora de instituições depositárias afiliadas;
sobre a completa estrutura do controle, sobre ativos, exigibilidades, e obrigações contratuais;
•
sobre a identificação de garantias cruzadas ligadas aos diferentes
títulos das principais contrapartes, e o processo para determinar
a quem as garantias da companhia são fornecidas.
•
sobre quaisquer outros dados que sejam requeridos pelo FED
ou pela FDIC.
Deverão ser feitas transparecer as obrigações com outras instituições
e destas outras com a instituição. O plano deverá ter atributo de credibilidade e de facilitação de uma liquidação ordeira, sujeito a sofrer
os ajustes que sejam ordenados pelas ditas autoridades, que poderão
determinar o desinvestimento em certos ativos ou operações.
O Conselho pode determinar também que elas enviem relatos periódicos de exposição creditícia com outras instituições da mesma
categoria e de exposição destas últimas com elas mesmas.
Relação débito/capital
A relação débito/capital para holdings bancárias e para instituições
financeiras não bancárias submetidas à supervisão do FED, com
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C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
ativos consolidados superiores a US$50 bilhões, será por ele alvitrada
em no máximo 15 por 1.
Tal relação máxima pode ser considerada extremamente flexível,
comparada com os padrões do Acordo de Basileia (já foram 12 por
1, com tendência a diminuição acentuada). A regulamentação prevista
pela Lei é que dará o contorno definitivo desta norma, em face do que
se considerará como “capital” de referência e capital de risco próprio.
Os requisitos de capital mínimo são ou a relação entre o capital próprio (componentes regulamentares do capital – Tier 1) I e os ativos
médios totais estabelecidos pela agência reguladora; ou a relação entre
o capital próprio e os ativos ponderados por risco, como estabelecido
pela agência reguladora federal. Serão estabelecidos para instituições
depositárias seguradas, para holdings de instituições depositárias (de
bancos e associações de poupança e empréstimo) e para instituições
financeiras não bancárias supervisionadas pelo FED.
As agências reguladoras federais de instituições depositárias e de
suas holdings aplicarão exigências de níveis de capital apropriadas aos
riscos que elas podem representar não só para as instituições com
o mesmo tipo de atividade como para outros interessados públicos
ou privados em caso de performance adversa, ruptura ou falência
da instituição ou da atividade. Levarão as agências na devida conta
os volumes de atividade em derivativos, produtos securitizados comprados ou vendidos, garantias dadas ou recebidas, títulos tomados
emprestado ou emprestados, acordos de recompra ou acordos de
recompra reversos.
Também será levada em conta a concentração em ativos avaliados
no balanço segundo modelos próprios, em vez de avaliação por
custo histórico ou por valores de mercados líquidos, e a concenCarta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
37
tração em tipo de mercado que irá afetar significativamente os
mercados se a instituição for forçada a cessar suas atividades de
forma inesperada.
Atividades off-balance-sheet
Na determinação do capital necessário, deverão ser incluídas todas
as atividades que estejam fora do balanço da instituição (off-balance-sheet), assim conceituadas:
•
quando o banco transfere o próprio crédito para uma terceira
parte, incluindo cartas de crédito stand by;
•
cartas de crédito irrevogáveis que garantem pagamento de papéis
comerciais (comercial papers) ou títulos;
•
participações de risco em aceites bancários;
•
acordos de venda e recompra;
•
venda de ativos com compromisso do vendedor;
•
swaps de taxas de juros;
•
contratos de commodities;
•
contratos para entrega futura (forwads);
•
contratos com títulos e outros que venham a ser previstos pelo
FED.
As chamadas operações bancárias “sombra” (com fundos de hedge,
com fundos de empréstimo de curto prazo, com sociedades de propósito específico que absorvem títulos produzidos por instituições
financeiras) são ainda hoje extraordinariamente vultosas (na casa
38
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
dos trilhões de dólares). Não se tem transparência do montante
com que contribuíram e ainda contribuem para a deterioração dos
ativos bancários.
Ação preventiva do FED (“early remediation”) – Intervenção
Quando vislumbre situação de crescente emergência financeira em
uma instituição supervisionada, o FED, consultando o Conselho e a
FDIC, estabelecerá requisitos preventivos, que não sejam assistência
financeira do Governo Federal, para minimizar a probabilidade de
que a instituição se torne insolvente e, com esta insolvência, venha a
ameaçar a estabilidade financeira dos EUA:
•
estabelecer medidas para a saúde financeira da instituição, incluindo requisitos mais estritos de capital líquido e outros indicadores
financeiros antecipatórios;
•
limites de distribuição de capital, de aquisições e de crescimento
de ativos;
•
requisitos para restauração ou aumento de capital, negócios com
afiliadas, mudanças na administração e vendas de ativos.
Por sua vez, a FDIC tem seu campo de competência ampliado, e sua
autoridade fortalecida, para conduzir averiguações em instituições
depositárias e suas holdings, com base na nova Lei, quando o FED
julgar que devam ocorrer para fins de seguro. Acertar-se-á com o
FED em termos do plano de liquidação ordeira, evitando duplicidade
ou conflito de averiguações ou agir quando a holding da instituição
depositária esteja em boa condição e não signifique risco de perda
para o Fundo de Seguro de Depósitos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
39
Coordenação internacional de políticas
O Presidente dos EUA ou pessoa por ele designada coordenará,
através de canais internacionais de política, as políticas similares às
existentes nas leis americanas, relacionadas a limitação do objeto,
natureza, tamanho, concentração e conectividade de instituições
financeiras, com o objetivo de preservar a estabilidade financeira e
a economia global.
O Presidente (Chairperson) do Conselho de Estabilidade Financeira
dos EUA, mediante consulta aos demais membros do Conselho,
manterá tratativas regulares com outras entidades reguladoras financeiras e outras organizações apropriadas de governos estrangeiros
ou organizações internacionais sobre assuntos relacionados a risco
sistêmico para o sistema financeiro internacional.
A Administração do Banco Central Americano e o Secretário de
Tesouro dos EUA farão tratativas com contrapartes estrangeiras
e através de organizações multilaterais apropriadas para encorajar
robusta e abrangente supervisão prudencial e regulamentação
para todas as instituições financeiras altamente endividadas e
interconectadas.
Conclusão
Mesmo com esta visão perfunctória, é possível avaliar que o grau
de vigilância sobre instituições que possam representar perigo para
a estabilidade financeira aumentou dramaticamente. As autoridades
têm todo o instrumental para evitar o desenvolvimento operacional
indefinido e temerário de instituições.
40
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Citados no limiar desta palestra, os demais títulos da Lei descem
a pormenores específicos sobre instituições e operações do sistema financeiro, praticamente não deixando qualquer instituição ou
operação influente sem regulação e imune a registro, auditagem e
transparência. A trilha para a fraude certamente tornou-se mais
áspera. Assim como mais informadas estarão as autoridades sobre
o desenvolvimento de operações temerárias, em escala perigosa.
SUPLEMENTO:
Lei Dodd-Frank – Autoridade para liquidação ordeira
Liquidações de companhias financeiras são ali reguladas, com o fito
de se processarem de forma ordeira. Em essência, são sequenciados
procedimentos típicos de uma liquidação extrajudicial, de forma
minudente, com algumas características, que me pareceram elegíveis
para efeito de comparação com nossas leis a respeito: Lei 6.024/74
(Intervenção e Liquidações Extrajudiciais de Instituições Financeiras;
Decreto-Lei 2.321 de 25/2/1987 (Regime de Administração Especial
Temporária) e Lei 9.447, de 14/3/1997 (Responsabilidade de Controladores de Instituições financeiras).
Matérias ou critérios objeto de postulações ou reclamações por parte de controladores de empresas em liquidação, no Brasil, são aqui
mencionadas.
•
Acumularam-se na recente crise americana falências em grande
número de bancos de pequeno porte e de outras instituições
afiliadas. Desde logo chama a atenção o fato de a Lei determinar
que sejam realizados estudos separados pelo Administrative
Office of The United States Courts e pelo Comptroller General
of the United States sobre falência e outros processos de liqui-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
41
dação para companhias financeiras. O Comptroller também deverá
fornecer às comissões apropriadas do Senado e da Câmara, em
três anos, e a cada cinco anos, sumários sobre os resultados dos
estudos realizados.
As atividades financeiras nos EUA não são um exercício privilegiado
nem se concebe ali um oligopólio prático em decisões de concessão
de crédito e prestação de outros serviços financeiros, que não devem
ser disponibilizados abusiva ou predatoriamente. A acessibilidade
dos diversos segmentos sociais a tais serviços elegeu-se como um
direito dos cidadãos. Está presente em vários dispositivos da nova
lei, inclusive para que processos de liquidação e falência não venham
a dificultar ou impedir o exercício de tal direito. A eliminação de uma
instituição deve sempre prover para que não haja descontinuidade
nos serviços financeiros às comunidades carentes.
Sec. 202 – Submissão necessária a revisão judicial de decisão de liquidação – A pedido da FDIC e do FED, o Secretário do Tesouro
dos EUA determina se uma companhia financeira enquadra-se nos
requisitos legais para ser liquidada, designando-se a Federal Insurance
Deposit Corporation como síndico. Precede tal determinação uma
recomendação da Administração do FED (Board) e da FDIC (Board)
aprovada por pelo menos 2/3 dos administradores dessas entidades,
em exercício. No caso de sociedades corretoras, recomendação partirá
da SEC e do FED, com o mesmo quorum administrativo. No caso
de seguradoras ou subsidiárias, a iniciativa da recomendação escrita
partirá do Diretor do Federal Insurance Office, criado pela Lei, e de
pelo menos 2/3 do Board do FED, com consulta à FDIC.
A recomendação segue um roteiro informativo para caracterização
legal da companhia financeira e para causas de ser recomendada
sua liquidação, inclusive uma avaliação de alternativas privadas para
42
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
a liquidação e dos efeitos em relação a credores, contrapartes contratuais, acionistas e outros participantes do mercado. A liquidação,
portanto, não é considerada uma solução isolada de suas sequelas.
O Secretário do Tesouro pode tomar a iniciativa de liquidação, em
consulta com o Presidente, se alvitrar que a sujeição de uma empresa
à lei federal de falências ou a leis estaduais de falência colocará em
perigo a estabilidade financeira dos EUA.
•
A administração da companhia designada para liquidação pode
concordar, ou não. Se não aquiescer, então, o Secretário do
Tesouro submeterá, sigilosa e motivadamente, o conflito à Corte
do Distrito de Colúmbia (Washington-USA).
Qualquer pessoa que descuidadamente viole tal sigilo será submetida a uma multa de até US$250 mil ou a prisão de até cinco anos.
Intimada, sob segredo de Justiça, a parte demandada para contestar,
a Corte decidirá, em audiência, se a petição é procedente em termos
do enquadramento legal ou se é “arbitrária ou caprichosa”, em 24
horas desde a recepção da petição, sob pena de ser considerada provida, e a liquidação ser imediatamente iniciada. A decisão da Corte
é passível de recurso à 2ª Instância e à Suprema Corte em prazos de
30 dias, com recomendação legal de julgamentos expedidos, em face
da gravidade da questão.
Satisfações ao Congresso e ao público
O Secretário do Tesouro, em 24 horas após a materialização da FDIC
como síndico, reportará ao Congresso as razões da recomendação
e da determinação: ao líder da maioria e da minoria no Senado, ao
porta-voz e ao líder da Câmara dos Deputados, ao Comitê de Bancos, Habitação e Negócios Urbanos da Câmara, esclarecendo sobre
as fontes de recursos (capital e crédito) que eram disponíveis para a
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
43
companhia financeira liquidanda, atividades que poderiam ter impacto
na estabilidade financeira e nos mercados, identificação dos bancos
e companhias financeiras que podem fornecer os serviços financeiros providos pela liquidanda, consequências para os consumidores,
liquidez de bancos e outras companhias financeiras.
Em até 60 dias, a própria FDIC preencherá um relatório, com estes
Comitês do Congresso, para tornar públicas as condições financeiras
da liquidanda, especificar ativos e passivos, os planos da FDIC para dar
uma solução à liquidanda, mencionar as razões de aporte de recursos
para a massa (além dos recursos do Fundo de Liquidação Ordeira),
estabelecido pela Seção 210 da Lei, com a previsão de custos, as razões de tratamento especial de certos créditos, e os sítios eletrônicos
onde estarão disponíveis informações periódicas adicionais. Trinta
dias após a produção deste relatório, tanto a FDIC quanto a agência
supervisora primária poderão ser convocados pelo Congresso para
prestar esclarecimentos.
O Comptroller General dos EUA poderá avaliar a decisão de colocar
em liquidação e reportar ao Congresso americano as bases da determinação, o objetivo de qualquer atuação (v.g. colocar um grande
número de inspetores em um banco), os efeitos em contrapartes,
credores e acionistas, inclusive os que sejam detrimentais em face de
razoáveis expectativas destes.
Aplicabilidade da lei de falências (Bankrupticy Code)
Não se aplicará a lei de falências, nos casos em que a FDIC funcionar como síndico por designação do Secretário de Tesouro, e, sim,
a Lei Dodd-Frank. Em face do volume de interesses envolvidos
e às consequências que poderiam advir para o sistema como um
44
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
todo, esta Lei é bastante extensa e detalhada, além de ter algumas
provisões específicas para aplicação subsidiária da lei de falências.
As “companhias financeiras” que se sujeitam ao regime especial
por ela estabelecido passam a chamar-se covered financial companies,
e são holdings bancárias, companhias financeiras não bancárias que
sejam consideradas sob a supervisão do FED, companhias que,
no entender do FED, estejam predominantemente engajadas em
atividades financeiras, e subsidiárias de qualquer uma das companhias anteriores, que sejam tidas como exercendo atividades
predominantemente financeiras.
Prazo para término das liquidações
Estabelecido um prazo de 3 anos para que a FDIC permaneça
como síndico. Prazo prorrogável por mais um período de 1 ano,
em situações excepcionais, em que tal prorrogação seja necessária
para maximizar o valor presente da venda ou de outra disposição
dos ativos da entidade liquidanda, ou para minimizar perdas ou para
proteger a estabilidade do sistema financeiro.
Neste caso, o Presidente da FDIC deverá afirmar e certificar, perante as Comissões apropriadas do Senado e da Câmara, que existe
tal necessidade.
Mais um período de 1 ano de extensão pode ocorrer, desde que dadas
as mesmas satisfações às Comissões do Congresso, pelo presidente
da FDIC e pelo próprio Secretário do Tesouro.
Qualquer permanência adicional da FDIC como síndico só será
possível, por mais 90 dias, se houver litigâncias em que a FDIC
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
45
seja parte, como síndico, e o Conselho de Estabilidade Financeira
alvitrar que a permanência se justifica pelos interesses envolvidos,
estabelecendo o plano para terminar o(s) litígio(s). Após aprovação
do Conselho, em 90 dias será submetido às Comissões apropriadas
do Congresso. A própria FDIC fará o plano para terminar o litígio
e retirar-se como síndico.
Após deixar as funções de síndico, nenhuma responsabilidade terá
a FDIC, nem o Fundo de Seguro de Depósitos, por postulações
não atendidas.
Plano de liquidação
A FDIC elaborará um plano de políticas e procedimentos que sejam
aceitáveis para o Secretário de Tesouro, relativamente ao uso de
recursos disponíveis para a liquidação. A liquidação de companhias
seguradoras será conduzida de acordo com a Lei estadual.
Responsabilidades em uma liquidação
Os credores e os acionistas arcarão com as perdas. O “síndico”
(FDIC) não assumirá qualquer posição acionária na liquidanda. O
sistema financeiro, como um todo, posderá arcar com excessos não
cobertos.
Os administradores (membros do conselho de administração, diretores), quaisquer outras pessoas que sejam consideradas como
causadoras da condição financeira da liquidanda arcarão com as
perdas, em conformidade com suas responsabilidades (responsabilidade subjetiva). Responderão por prejuízos que tenham causa46
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
do. Em tal caso, serão obrigados a restituições e recuperação de
compensações recebidas e outros ganhos, compativelmente com
suas responsabilidades.
A responsabilidade é apurada explicitamente com o apontamento
de conduta dolosa, negligência grave, desconsideração com o dever
de diligência.
Estende-se a responsabilidade a gerentes, empregados, agentes, advogados, contadores ou avaliadores ou quaisquer outras partes que
tenham prestado serviços à companhia.
Indisponibilidade de bens
A FDIC poderá pedir a uma Corte que coloque os bens de determinada pessoa sob controle desta Corte, mostrando que a perda ou
dano é imediata e irreparável por outra forma.
Diferente do Brasil, onde, como se sabe, a indisponibilidade de bens
dos que administraram a companhia nos 12 meses antecedentes à
liquidação é objetiva, automática, e se materializa através de um ato
administrativo do Banco Central, sem contraditório, sem discussão
quanto a responsabilidades.
A administração da liquidanda é afastada, mas inexiste responsabilidade objetiva indiscriminada para ex-administradores, podendo
o síndico permitir, mesmo, que qualquer membro, acionista ou administrador da liquidanda, exerça uma função por ela determinada
(Sec. 210). (C)
A FDIC, como síndico, tomará todas as providências judiciais e extrajudiciais necessárias para promover responsabilidades.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
47
Atuação da FDIC como síndico
Regida pelo propósito principal de preservar a estabilidade financeira
dos EUA, prioritariamente a preservar a companhia liquidanda, a
FDIC deve assegurar que os acionistas nada recebam até que todos
os outros créditos sejam pagos, privilegiados ou não, inclusive os do
Fundo de Liquidações Ordeiras.
Como sucessor pro tempore da liquidanda, o síndico “age como uma
empresa”, que administra um patrimônio, assumindo, portanto, e
gerenciando todos os direitos e ativos da companhia com poderes
dos administradores.
Deve administrar os ativos da companhia, consistentemente com a
maximização de seu valor, podendo contratar assistência para desempenhar tais funções (administração de carteira de empréstimos,
leiloeiros, administração de propriedades, serviços jurídicos, serviços
de corretagem).
Neste sentido, pode continuar com contratos vantajosos, que adicionem valor ou aportem receitas. Pode obter fundos provenientes
de empréstimos, emissão de obrigações vinculadas, com pagamento prioritário sobre os demais credores, para arcar com despesas
administrativas da liquidação ou para outros atos administrativos
ou financeiros.
Pode adquirir dívidas próprias ou de subsidiárias, garantir dívidas da companhia ou de subsidiárias, constituir uma ou mais
empresas-ponte (inclusive sem capital), para alocar ativos e transferir responsabilidades da companhia de no máximo igual valor,
48
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
independente do consentimento de partes, ou para exercício de
funções temporárias.
Como obrigação explicitada em Lei, exercendo qualquer direito, a
FDIC conduzirá sua conduta de molde a maximizar o retorno da
venda de seus ativos, minimizará as perdas na solução de pendências,
mitigará quaisquer efeitos potenciais de efeitos adversos no sistema
financeiro, assegurará competição tempestiva e apropriada entre
competidores pelos ativos da companhia.
Esta orientação motiva o comportamento do síndico (liquidante)
ante uma compensação de dívida federal com outra dívida de ente
federal ou de controlada por ente federal, depreciada por decisão de
entidade deste devedor federal.
Contrariariam este dispositivo legal alienações desastradas de ativos,
como p. ex., know-how de software, abandono de conjuntos residenciais
por terminar, exigindo novos aportes de capital; rescisão simples de
contratos de locação, ao invés de venda de pontos.
Pagamentos ou concessão de crédito
A FDIC poderá, como síndico, fazer pagamentos adicionais ou
conceder crédito a credores, mediante aprovação do Secretário do
Tesouro, se julgar que tais pagamentos ou concessão de crédito são
necessários ou apropriados para preservar patrimônio ou minimizar
perdas. Assim, p. ex., crédito para terminar a construção de um shopping ou prédio de apartamentos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
49
Ordem dos pagamentos
A ordem de prioridades de pagamento é a seguinte:
•
Despesas administrativas da liquidação.
•
Importâncias devidas aos EUA, exceto se os EUA decidirem
ceder a vez.
•
Verbas salariais, até certo limite individual (US$11.725,00).
•
Contribuições a planos de funcionários (limite acima multiplicado
pelo número de funcionários).
•
Obrigações, segundo suas prioridades legais.
•
Obrigações subordinadas.
•
Salários e compensações de ex-administradores.
•
Obrigações para com acionistas.
Em algumas circunstâncias, para maximizar o valor de seus ativos ou
minimizar as perdas pela venda de ativos, o síndico poderá deixar de
efetivar os pagamentos na ordem supracitada.
Blindagem de ativos segregados em contratos
financeiros qualificados
Exceto se decorrente ou em suporte a fraude, ou destinado a
segregar artificialmente bens, a FDIC não poderá obstaculizar a
disponibilidade de títulos, dinheiro ou mercadoria segregados ou
exigíveis como garantia ou para cumprimento de contratos financei-
50
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
ros qualificados, v. g. contratos de entrega futura, de futuros, swaps,
opções nestes contratos, acordos de recompra e outros que a FDIC
determine serem elegíveis. Nestes casos, reversamente, não serão
válidas cláusulas que desobriguem terceiros em face de a empresa ter
entrado em liquidação (walkaway clause). O síndico deverá empenhar-se ao máximo para completar garantias ou atender a outras exigências de Câmaras de Compensação de negócios qualificados, podendo
aquelas entidades executar as garantias e liquidar os contratos, se
não atendidas.
Fundo de Liquidação Ordeira (Orderly Liquidation Fund)
•
A Lei instituiu, no Tesouro dos EUA, um Fundo de Liquidação
Ordeira, com recursos provenientes de taxas (asssesments) especiais
vinculadas, recebidas pela FDIC e:
◦
Da venda de obrigações por ela emitidas, juros e outros retornos de investimentos.
◦
De recursos ociosos aplicados em obrigações do Tesouro
com vencimento compatível.
◦
E de pagamentos feitos pelas empresas liquidandas.
Tem o Fundo como objetivo pagamento de despesas administrativas
e outros pagamentos autorizados pela Lei. A emissão de obrigações
tem como limite 10% do valor dos ativos, no início da liquidação
(30 dias), e 90% do valor dos ativos livres para pagamento, depois,
sendo seu pagamento equiparado a despesas administrativas (precede
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
51
a todos os demais pagamentos, inclusive os pagamentos aos EUA,
como credor).
O Fundo de Liquidação Ordeira não se comunica com o Fundo de
Garantia de Depósitos, e os recursos deste último não podem ser usados, de qualquer forma, para assistir uma companhia em liquidação.
As importâncias do Fundo de Liquidação Ordeira só estarão disponíveis após aprovação de plano da FDIC pelo Secretário do Tesouro,
com todas as previsões de pagamentos, inclusive a terceiras partes.
Este plano deverá levar na devida conta os efeitos da liquidação sobre
minorias de baixa renda e comunidades carentes, com curso de ação
para coordenação com todas as agências reguladoras primárias, para
que haja eficácia na sua execução. O plano deverá conter cronograma
de pagamento das obrigações que sejam emitidas, sendo reportado
aos Comitês apropriados do Senado e da Câmara.
Algumas despesas razoáveis de implementação da FDIC como
síndico, mas não vinculadas a qualquer liquidação, serão pagas pelo
Conselho de Estabilidade Financeira (custos de desenvolvimento de
políticas, procedimentos, edição de normas e planejamento).
Contribuições em benefício do Fundo
de Liquidação Ordeira
São fontes de recursos as receitas que sejam necessárias para pagamento de obrigações emitidas pela FDIC e pagáveis ao Tesouro
americano, no prazo de 60 dias após sua emissão (prorrogáveis por
52
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
razões sérias que afetem o sistema financeiro). São receitas variáveis
(assessments) cobráveis de:
•
Qualquer credor beneficiado por pagamento recebido acima do
valor que lhe seria atribuível pela moeda da massa (percentual
de crédito atribuível a cada credor, pelo rateio de todos os ativos
disponíveis).
Se e as importâncias acima arrecadadas forem insuficientes para
pagamento das obrigações emitidas, as taxas serão cobráveis:
◦
de “companhias financeiras elegíveis” e, sucessivamente;
◦
de (quaisquer) companhias financeiras com ativos totais
consolidados iguais ou superiores a US$50 bilhões.
São “companhias financeiras elegíveis” as holdings bancárias com
ativos consolidados iguais ou superiores a US$50 bilhões e qualquer companhia financeira não bancária supervisionada pelo FED
(i.e., que ele venha a ter sob sua jurisdição, por suas características,
em face da estabilidade financeira dos EUA, exercendo atividades
financeiras predominantemente).
As taxas serão cobradas escalarmente, segundo uma matriz de risco, e
levando em conta períodos de bonança e de estresse, taxas já cobradas
da companhia ou de afiliada, como instituição depositária ou, então,
taxas já cobradas da empresa:
•
como abrangida pela Lei de Proteção a Investidores em Valores
Mobiliários (Securities Investors Protection Act);
•
pela Lei de de Credit Union (Federal Credit Unions Act);
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
53
•
quando seja uma companhia seguradora, já com taxas estabelecidas em leis estaduais.
Nesta avaliação, serão considerados os riscos que o taxado representa
para o sistema financeiro, os benefícios que ele receberá da liquidação de uma companhia, a sua fatia de mercado, submissão a súbitas
demandas de liquidez em face de riscos da economia sob estresse,
outras considerações explicitadas pela lei, inclusive riscos apresentados nos 10 anos precedentes pela companhia, que mantêm nexo de
causalidade com a liquidação.
Isenção de quaisquer impostos
A FDIC é isenta de quaisquer impostos ou taxas federais, estaduais,
de condados ou municipais, exceto imposto territorial.
Supervisões múltiplas
•
O Inspetor Geral da FDIC é responsável pela supervisão e
coordenará auditorias, com obrigação de Relatório semestral
abrangente sobre diversos aspectos das liquidações, inclusive sobre a performance em geral, as ações tomadas, discriminação de
vendas, transferências, obrigações, compras, e outras negociações.
•
O Inspetor Geral do Departamento do Tesouro conduzirá também sua averiguação semestral, versando sobre os itens apropriados relativos à atuação do Secretário do Tesouro, inclusive sobre
a adequação da compra de obrigações da FDIC.
54
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
•
O Inspetor Geral da Agência Primária de Regulamentação elaborará seu Relatório sobre a supervisão da agência primária ou
do FED, opinando sobre a efetividade desta supervisão, sobre
atos ou omissões que contribuíram para o estado de quebra ou
perigo de quebra da instituição, e sobre ações que poderiam ter
sido desenvolvidas para evitar tais situações, bem assim sugestões
de legislação preventiva. Seu Relatório será fornecido à Agência
primária ou ao FED, e comparecerá perante os Comitês do Congresso, junto com os destinatários, para testemunhar sobre o seu
Relatório. As Agências ou o FED, até 90 dias após o recebimento
do Relatório, deverão relatar ao Congresso as medidas tomadas
em resposta às recomendações ali constantes, descrevendo as
eventuais razões pelas quais nenhuma ação foi tomada.
O Conselho de Estabilidade Financeira conduzirá um estudo especial, incluindo sua avaliação sobre como uma redução (haircut)
nos valores de créditos segurados poderia ser benéfica para o
sistema de liquidações.
Proteção do contribuinte
As Companhias em que a FDIC for síndico serão liquidadas. Como
regra geral, nenhum dinheiro do contribuinte será usado para evitar
a liquidação das companhias. Todos os recursos despendidos com
a liquidação serão provenientes da venda dos ativos da companhia
financeira em liquidação ou serão responsabilidade do sistema financeiro, através de taxas (gravames, contribuições). Nenhuma perda será
arcada pelos contribuintes.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
55
Senhores Conselheiros, certamente, a grande extensão da Lei
Dodd-Frank sobre o tema versado, o grande número de referências
cruzadas levaram-me a apenas expor à vol d’oiseau sobre estes dispositivos
que me pareceram merecer destaque, em face da legislação brasileira.
Palestra pronunciada em 20/9/2011.
56
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 3-56, fev. 2012
Roberto Campos
– razão e polêmica
Gilberto Paim
Jornalista
E
m 17 de abril de 1917, nascia, em Nossa Senhora do Livramento, então distrito de Cuiabá, Roberto de Oliveira Campos, que
se distinguiu como polemista durante toda a sua longa existência.
Formado em Filosofia (1934) e em Teologia (1937), nos seminários
católicos de Guaxupé e Belo Horizonte, ingressou na carreira diplomática em 1939. Colocado no posto de secretário da Embaixada
em Washington, em 1942, aproveitou a oportunidade para estudar
economia na George Washington University, onde fez graduação e
mestrado. Ainda estava na Embaixada quando foi convidado a integrar a delegação brasileira à Conferência de Bretton Woods, instalada
em julho de 1944 e que criou o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial.
O futuro haveria de colocá-lo no centro dos grandes debates nacionais e internacionais, na antevisão do célebre economista austríaco
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
57
Joseph Schumpeter, que o convidou para fazer o doutorado na
Escola de Economia da Universidade de Harvard, “já que estava
pronta a sua tese de doutorado”, referindo-se à tese de mestrado que
Campos apresentara, em 1947, na George Washington University. O
convite não pôde ser aceito, pois foi formulado quando Campos se
preparava para chefiar a delegação brasileira junto à Comissão Mista
Brasil-Estados, criada em 31 de julho de 1951. Mais tarde Roberto
Campos foi proclamado doutor honoris causa pela Universidade de
Nova Iorque.
Os trabalhos daquela Comissão tiveram muita influência sobre a vida
de Roberto Campos. No cenário dessa entidade, onde convivia com
técnicos brasileiros e americanos de alto gabarito intelectual, sepultou
fragmentos do ideário marxista e fez a adoção plena do liberalismo,
tornando-se um defensor coerente da livre iniciativa e das liberdades
democráticas. Um dos frutos dessa Comissão foi a criação do Banco
Nacional do Desenvolvimento, onde Campos exerceu as funções de
Superintendente, ao lado do presidente Ari F. Torres, e lhe foi dada
a chance de criar uma equipe de técnicos competentes, inteiramente
comprometidos com o progresso industrial.
Em julho de 1953, Campos deixa a Superintendência do BNDE,
inconformado com a nomeação de José Soares Maciel Filho, amigo
pessoal de Vargas e então diretor da SUMOC, para assumir a Presidência da instituição. Na opinião de Campos essa nomeação desfigurava
a missão estritamente técnica do Banco. Em setembro de 1953, foi
ele nomeado cônsul em Los Angeles, EUA, de onde regressaria em
1955, a instâncias de Eugênio Gudin, então Ministro da Fazenda,
para reassumir a Superintendência do BNDE.
58
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
Foi nessa oportunidade que Campos desenvolveu coerente contestação às ideias nacionalistas, que ele definia como um dos fatores
subjetivos, que mais impedem ou retardam o desenvolvimento
econômico. Inicia essa discussão propondo identificar três falácias:
a primeira é a falácia do nacionalismo temperamental; a segunda, a
falácia do socialismo munificente; e a terceira, a falácia do mimetismo
hedonista. E fundamenta a discussão, perguntando em que consiste a
falácia do “nacionalismo temperamental”. “Registre-se, e acrescenta
com certo grau de acidez, que as discussões sobre nacionalismo
entre nós passaram do plano do discurso lógico para o da eructação
sentimental ou religiosa.”
Segundo Campos, a ruína imanente de certas formas de “nacionalismo temperamental” – “cuja aceitação e popularidade entre nós
é um dos maiores desserviços à causa do desenvolvimento econômico” – poderá ser melhor apreciada à luz do exemplo histórico
da política petrolífera.
Campos achava divertida uma história (verídica) sobre a Petrobras:
Em uma reunião em cidade mineira, onde um ex-deputado liberal,
discordando da instituição do monopólio, alegava que um litro de
gasolina vinha de matéria-prima que percorria os mares até o local
onde estava instalada a refinaria. Dali vinha para o Brasil, que ficava
a vários milhares de quilômetros e era aqui vendido pela metade do
preço de um litro de água mineral. O auditório guardou instantes de
silêncio, até que irrompe o jornalista Gentil Noronha, enviado para
a reunião pelo movimento carioca, e proclama: um litro de água
mineral tem quatro copos de água enquanto a garrafa coca-cola só
tem um copo e meio. A assembleia vibrou com a vitória do “argumento” nacionalista.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
59
Ao iniciar a abordagem do tema – o nacionalismo e a política petrolífera – afirma Campos que é com compreensível hesitação que
trata da questão do petróleo. Esclarece que, em primeiro lugar, há
quase uma impossibilidade de discussão em um plano racional e
objetivo. O diálogo com essa variedade de nacionalista é desde logo
transformado em um monólogo acusatório e o tema versado com
intolerância religiosa ou com furor maometano. Um é patriota e o
outro, entreguista.
Prossegue Campos: o segundo motivo é a simplificação bárbara das
posições extremas: ou o monopólio caboclo ou o trust gringo.
Mas para iniciar a discussão racional do tema, Campos começou
fixando posição a respeito da Petrobras. Expõe ele:
•
Há várias razões por que essa empresa merece o apoio de todos
os brasileiros, mesmo daqueles que não são possuídos de qualquer fagulha de jacobinismo. A primeira razão, óbvia e fundamental, afirmou, é que essa empresa se funda em um estatuto
votado no âmbito das instituições democráticas, e merecedor,
portanto, de respeito.
•
A segunda é que, mesmo que a lei não houvesse consagrado
a existência da Petrobras, valeria a pena criá-la. Valeria a pena
embarcarmos em um esforço próprio, ainda que de proporções
modestas, dada a importância fundamental do problema e
ante a impossibilidade de termos absoluta certeza de que a
empresa estrangeira, além da eficiência comercial, que já demonstrou alhures, exiba também compreensão dos nossos
desígnios nacionais.
Salienta Campos: “Daí, entretanto, a se advogar o monopólio estatal
puro e simples, vai uma grande distância...”
60
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
Depois de argumentar que a participação de capitais estrangeiros
fortaleceria a Petrobras, Campos insiste na folga cambial produzida
pelo ingresso desses capitais, aliviando o peso dos investimentos do
monopólio. Os resultados das pesquisas realizadas por companhias
estrangeiras trariam consideráveis benefícios para a empresa estatal,
que passaria a investir em áreas de comprovada existência de óleo.
Campos tratou, a seguir, da questão da urgência da solução, afirmando:
do ponto de vista brasileiro, a solução melhor é a mais rápida, seja
através de capitais nacionais, seja de estrangeiros. A velocidade da
solução, acrescenta, é infinitamente mais importante, no caso, que a
nacionalidade do investidor. Bom-senso e lógica econômica se irmanam para nos aconselhar que atraiamos um fluxo máximo de capitais
estrangeiros, para a exploração petrolífera, libertando recursos nossos
para as inversões em educação, estradas, saneamento etc.
O segundo motivo da urgência é a posição do balanço de pagamentos. Esclarece Campos que a realização interna de certas atividades
de processamento de petróleo, refinarias, transportes etc. abranda
a gravidade do problema, mas a própria instalação de refinarias e
o ensejo que oferecem de fabricação de subprodutos, de industrialização derivada e secundária, criam no curto prazo uma nova
demanda cambial.
A propósito, poderíamos lembrar que o presidente argentino Arturo
Frondizi abriu o país, em 1958, aos investimentos estrangeiros na área
do petróleo. Quatro anos depois, em 1962, a Argentina anunciava a
autossuficiência petrolífera. Naquele ano, em meio a crises política e
econômica, as forças armadas derrubaram o seu governo.
No caso brasileiro, o País teria tido a oportunidade de ganhar a
autossuficiência petrolífera, nos dois decênios após a criação da
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
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Petrobras, se tivesse havido investimento estrangeiro no setor. Em
tal hipótese teria sido diferente o curso da história econômica brasileira, após o primeiro choque do petróleo, em 1973.
Em 1979, a partir do segundo choque, o País viveu terrível crise cambial, pois as exportações não eram suficientes para cobrir os gastos
com a importação de petróleo. Era pesada e complicada a tarefa do
Ministro da Fazenda, de então, aqui presente, que tinha de mobilizar
recursos para Itaipu, Tucurui, Terminal de Conteiners de Santos, estrada
de ferro de Carajás e inúmeros outros projetos de infraestrutura e
de substituição de importações. O Conselheiro Galvêas, que era o
titular das Finanças, não teria enfrentado tão variados problemas, se
o País já fosse autossuficiente em petróleo. Esse objetivo teria sido
alcançado se o nacionalismo truculento e temperamental não tivesse
bloqueado a colaboração de empresas petrolíferas estrangeiras.
Concluindo o argumento sobre o tema principal, dizia Campos que
o balanço do nacionalismo sentimental e de suas implicações para
o desenvolvimento econômico lhe parecia, até então, negativo; o
nacionalismo não pragmático, o nacionalismo romântico, malcriado
e temperamental implica substituir unidades de renda por unidades
de orgulho.
À luz do persistente desequilíbrio das contas externas, Campos jamais
deixou de defender o ingresso de companhias petrolíferas estrangeiras
no setor do petróleo do Brasil. Em sua opinião, mesmo na presença
de saldos positivos no balanço de pagamentos, seria conveniente a
colaboração de empresas estrangeiras, pois a expansão da infraestrutura haveria de absorver quaisquer sobras de recursos.
Não se poderia esperar que o nacionalismo raivoso e intolerante
jamais pudesse reconhecer a racionalidade do pensamento de Cam62
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
pos, cujas posições sobre o capital estrangeiro o expunham ao ódio
e à intransigência do movimento que Monteiro Lobato caracterizava
como “o nacionalismo bocó”. Mas seria admissível o reconhecimento
do sentimento nacional autêntico de Juarez Távora, um símbolo nacional, como barreira às manifestações irreverentes do nacionalismo
truculento contra as propostas de participação do capital estrangeiro
no capital da Petrobras, formuladas por ele pouco antes de ser criada,
em 1953, a empresa monopolista. Em longo depoimento na Câmara
dos Deputados, em 1952, e em dois livros sobre petróleo, publicados
em 1955, Juarez argumentava que nenhum país conseguira extrair
petróleo em seu território contando apenas com recursos próprios.
Tão indispensável era a participação de capitais estrangeiros na pesquisa e lavra, do seu ponto de vista, que as empresas estrangeiras
ganhariam ações do capital da Petrobras, até 40%, segundo a escala
de seus investimentos, em pesquisa e produção.
Campos sempre dedicou atenção à exploração de minérios, inclusive
com a colaboração de investidores estrangeiros. Diz que retardamos
a conquista de mercados externos para minério de ferro e também
a implantação da siderurgia de grande porte, no decênio de 1920 do
século passado, quando o Governo Bernardes decidiu levar ao fracasso o Plano Farquhar, um importante plano de investimentos em
infraestrutura. Percival Farquhar pretendia exportar quatro milhões
de toneladas de minério de ferro e, ao mesmo tempo, instalar uma
usina siderúrgica em Vitória. Com esse objetivo criou a Itabira Iron
Ore Company. Em 1920, esse projeto teve o apoio do Presidente
Epitácio Pessoa, ao mesmo tempo em que Artur Bernardes, ainda
Governador de Minas, passou a combatê-lo. Eleito presidente da
República, Bernardes praticamente pôs fim ao sonho de Farquhar,
cuja empresa, a Itabira Iron Ore Company, foi finalmente encampada
para criação da Cia. Vale do Rio Doce, em 1942.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
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Recorda Campos o argumento nacionalista, segundo o qual a exploração estrangeira de recursos minerais deixaria somente buracos no
solo. Essa exploração, intensa, por companhias estrangeiras, levaria
à exaustão desses recursos. O futuro iria demonstrar a ingenuidade
dessa tese. O importante em uma exportação de US$50 a US$60 milhões (moeda do decênio em 1950), de minério de ferro, argumentava
Campos, era o fato de se tratar de uma receita contínua e estável, que
poderia ser utilizada como parcela de amortização de empréstimos
muito maiores. Seria uma forma de colocar à disposição da economia
nacional um volume consideravelmente maior de capital.
Prossegue o biografado: “se existe a possibilidade de se estabelecer
uma divisão de trabalho entre o capital nacional e o estrangeiro, com
vistas a apressar o ritmo de capitalização do País, a atitude racional
parece-me ser a de procurarmos o capital estrangeiro para ramos de
investimentos: (a) que exigem doses maciças de capital por unidade de produto; (b) que exigem investimentos de longo período de
maturação; (c) que envolvem elevados riscos, como a exploração
petrolífera, ou comportam rentabilidade direta relativamente baixa,
como energia e transportes”.
Sob esse aspecto, dizia Campos, nossa política de investimentos estrangeiros pode ser classificada como uma obra-prima de irracionalidade. É que proibimos, em alguns casos, e em outros desestimulamos,
a aplicação de capitais estrangeiros naqueles setores para os quais os
capitais estrangeiros estariam melhor habilitados que os nacionais.
E acrescentava que a resultante dessa política é lançarmos sobre os
ombros do setor industrial e do setor agrícola parte da responsabilidade pesada de criar as economias externas, diminuindo-se, assim, a
produtividade direta de seu capital. O industrial, obrigado a investir
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em transporte, em compra de vagões ferroviários, em construção
de ramais ou em autogeração de energia elétrica, compreende bem
a gravidade do problema. Uma das consequências é que o capital
estrangeiro deixa de roer o osso da economia para se orientar para as
atividades de distribuição e para a indústria de transformação, onde
vem competir com o capital nacional.
Salientava Campos que, sendo o capital nacional insuficiente para
atender os setores de infraestrutura, tem o Governo de assumir
a responsabilidade da realização das economias externas. Como
é inadequada, em qualidade e quantidade, a ação governamental,
criam-se pontos de estrangulamento que dificultam a aplicação de
capitais privados. É, pois, negativa a contribuição do nacionalismo
temperamental para a industrialização nacional.
Nos sucessivos embates com o nacionalismo, Campos sempre esteve
convencido da racionalidade de seus argumentos. Jamais deixaria de
terçar armas com o adversário, quando via o obscurantismo embaraçar
o desenvolvimento econômico brasileiro. Não há dúvida de que, ao
qualificar o nacionalismo brasileiro de jansenista, o identificava com
o dogmatismo, fanatismo e o radicalismo da doutrina do Bispo Cornélio Otto Jansen, nascido na Holanda e formado na Bélgica (15851638). Mais tarde, na segunda metade do século XVIII, o Marquês de
Pombal nos impregnou do ódio à Inglaterra, que se transformou em
ódio à língua inglesa, o veículo que transferiu o ódio pombalino aos
Estados Unidos, com algumas ressalvas, pois os brasileiros adoram
a Coca-Cola e Nova Iorque, cidade onde anualmente gastam bilhões
de dólares como prova de amor sem limites.
Em uma crítica sensata sobre a questão da ajuda externa à América
Latina, dizia Campos que, nos primeiros anos do decênio de 1960,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
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havia nos Estados Unidos uma sensação de fadiga e desencanto a
respeito da ajuda externa. A fadiga, em sua opinião, resultava de
uma superavaliação do ônus real imposto à economia americana
pelos programas de ajuda externa a países subdesenvolvidos, em
geral, e à América Latina, em particular. Havia, ao mesmo tempo,
uma subavaliação da poupança que deflui para o consumidorcontribuinte mediante o declínio, a partir de 1953, dos preços de
importação de produtos primários, declínio esse que, no caso dos
produtos de exportação da América Latina, tem sido suficientemente grande para frustrar vários efeitos benéficos esperados da
assistência financeira externa.
Dizia Campos que esse ponto, que tende a ser um tanto esquecido
na discussão corrente, mereceu ênfase em discurso pronunciado pelo
Sr. Edwin Martin, Secretário de Estado Assistente para Assuntos
Latino-Americanos. O seu discurso foi pronunciado no Institute of
World Affairs (Instituto de Assuntos Mundiais), da Universidade da
Califórnia do Sul. Como afirmou o Sr. Martin:
•
Entre 1953 e 1960, as exportações latino-americanas, excluído o
petróleo, cresceram 30% em volume, mas renderam somente 4%
a mais em divisas. Se os preços tivessem permanecido aos níveis
de 1953, a renda derivada das exportações latino-americanas teria
sido US$ 1,3 bilhão maior do que foram. Podeis compreender a
diferença que isso teria feito.
•
As exportações desses países são representadas, em grande parte,
por produtos cujos preços variam largamente, respondendo a
pequenas variações de oferta. Em consequência, se esses países
tivessem exportado quantidade muito maior desses produtos, é
possível que tivessem recebido menos em vez de mais. Em 1961,
o preço médio do café e do cacau atingiu somente cerca de 60%
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do nível de 1953. E o das fibras – algodão e lã – cerca de 80%.
Esses produtos representaram a quarta parte da renda proveniente
das exportações latino-americanas naqule ano.
Acrescentou o Subsecretário de Estado que a mencionada receita
apenas 4% maior, comparada ao volume exportado 30% superior,
foi acompanhada de um acréscimo demográfico de cerca de 20%.
É claro que a renda per capita proveniente das exportações decaiu
substancialmente.
Mais importante ainda, frisava Campos, é que, em termos de bem-estar
do consumidor norte-americano, o custo do auxílio tem sido grandemente reduzido pelas poupanças involuntariamente auferidas, através
do barateamento dos preços pagos pelos nossos produtos primários
de exportação.
Examinando a estagnação das exportações brasileiras a partir de 1946,
Roberto Campos não podia deixar de se insurgir contra o irrealismo
da política de câmbio rígido, imposta pelo Fundo Monetário Internacional, irrealismo que, em parte, fiou submerso na valorização do
café, cujos preços externos foram compensadores, até 1952, e já a
partir de 1953 entravam em brusco declínio. Recorda-se que a taxa
cambial em vigor, no período, estava rigidamente fixada em R$18,40,
valor inferior à cotação da moeda estrangeira em 1938. Quinze anos
depois, o processo inflacionário reduzira de muito a receita cambial
produzida pela exportação de bens primários, pauperizando a agricultura. Os dólares disponíveis tinham de ser racionados, porém os
amigos do poder podiam tirar excepcionais vantagens da situação,
obtendo, por influência política, licenças de importação.
Campos fez chegar ao FMI, por diferentes vias, sem êxito, a sua
opinião sobre as consequências dessa política: as exportações de pro-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 57-74, fev. 2012
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dutos primários ficavam deprimidas ou estagnadas; o País incorria em
déficits no balanço de pagamentos e acabava realizando importações
sem possuir recursos próprios. Finalmente, recorria a empréstimos
externos para cobrir os atrasados comerciais.
Em 1956, inconformado com a rigidez do FMI, que era contrário à
desvalorização da nossa moeda, Roberto Campos, então Superintendente do BNDE, decidiu ir a Washington, para conversações com o
Fundo. Foi ali recebido pelo Diretor-Geral que, mal tinha começado
a reunião, se retirou, deixando o visitante com dois de seus assessores. Enquanto o visitante falava, durante uma hora, os assessores
tomavam notas, mas não se manifestavam. A reunião terminou e
Campos percebeu que fizera uma viagem perdida. O Brasil vivia um
círculo vicioso, em que as exportações estagnadas criavam déficits
comerciais, que logo deveriam ser cobertos por empréstimos externos.
Sob o pretexto de manter a estabilidade monetária internacional, o
FMI praticava uma irracionalidade absurda.
Campos chamava a atenção para um descompasso causado pela
taxa cambial do FMI. Na evolução da indústria nacional de veículos
automotores sempre se observou a dimensão desigual dos mercados
de automóveis, de um lado, e, de outro, o de tratores e máquinas
agrícolas. Enquanto a renda urbana, amparada no desenvolvimento
da indústria de transformação, abria amplo espaço aos automóveis,
ônibus e caminhões, o mercado de tratores se caracterizava pela
ínfima quantidade de unidades fabricadas. Resultava isso do poder
aquisitivo insuficiente da agricultura, submetida à taxa cambial rígida,
que empobrecia os que labutavam na economia agrária.
Roberto Campos não conseguia entender a resistência emocional e
intelectual a um debate do tema do planejamento familiar. Insistia
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em afirmar que os defensores da reprodução irrestrita, para garantir
a ocupação da Amazônia, se esqueciam que essa ocupação exige prévio investimento em infraestrutura de estradas, habitação, educação
e saneamento; e que a capacidade de investir continuaria pequena se
uma grande parte do produto se destinasse simplesmente a atender
ao consumo de uma enorme população em idade pré-produtiva.
E o pouco que se investia teria de ser devotado em grande parte a
investimentos sociais antes que econômicos.
Campos analisava alguns equívocos. Em primeiro lugar, afirmava,
não tem fundamento a crença ingênua de que uma grande população
daria um grande mercado. Bastaria uma simples comparação entre
a Suíça, de seis milhões de habitantes de alto poder aquisitivo, e o
Paquistão e a Índia, com centenas de milhões de pessoas situadas
abaixo da linha da pobreza.
Havia quem atribuísse a uma grande população um incremento
paralelo da capacidade militar do País. A tese do grande exército
nascido de uma grande população era tão infantil quanto perniciosa
ao esclarecimento da opinião pública sobre a necessidade de uma
redução contínua das elevadas taxas de natalidade. Pois essa tese,
dizia Campos, coloca o sentimento nacionalista contra a busca de
consenso quanto às vantagens decorrentes da expansão demográfica
moderada. Um menor número de nascimentos dará maior eficiência
aos recursos disponíveis para aplicação na área social. E o poder das
Forças Armadas estará condicionado ao nível de progresso industrial,
técnico e científico do País.
Se as manifestações constantes da preocupação de Roberto Campos
sobre a explosão demográfica tivessem tido a ressonância necessária,
produzindo aceitação ampla da sociedade, o País teria chegado ao
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ano 2000 sem favelas humilhantes. Mediante investimento maciço
em campanha pró-redução da alta taxa de natalidade, teríamos na
virada do milênio menos 35 milhões de habitantes, com reflexos na
melhoria da qualidade de vida de toda a população.
Entre os “fatos cruéis”, oriundos da expansão populacional imoderada, referidos por Campos, poderíamos incluir as elevadas taxas
de homicídios, os gastos públicos e privados com segurança, a falta
de saneamento básico e de habitações condignas, a precariedade do
ensino e da saúde pública, a calamidade do transporte urbano sobre
rodas e a insegurança pública geral que atormenta cidadãos de renda
alta, baixa e média.
Roberto Campos se destacou durante a segunda metade do século
XX pela perseverança com que sustentou a sua luta contra a inflação.
Dele ouvi algumas vezes que a estabilidade monetária é o principal
instrumento de justiça social, mas a sua voz ficou quase sempre abafada sob a fanfarra dos beneficiários da transferência de renda dos
pobres em favor das empresas públicas ou do empresariado privado.
Afirmava ele que a transferência de recursos das classes consumidoras
para as produtoras só encontra obstáculos quando os assalariados e
as classes de renda fixa aprendem a se defender contra a espoliação
por meio de greves e de reivindicações salariais antecipatórias da alta
do custo de vida. Sobretudo, disse, a inflação provoca desemprego
pela paralisia dos investimentos, piora a distribuição de renda em
detrimento dos assalariados, provoca ou agrava o estrangulamento
cambial e inviabiliza um crescimento econômico sustentável. Advertia
o pensador brasileiro que quem procurar combater a alta de preços,
cortando apenas o crédito bancário e deixando que se ampliem lascivamente os gastos do governo, estará prejudicando o desenvolvimento
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sem na realidade conter o custo de vida. Quem, ao disciplinar as
despesas do Governo, só comprimir as de investimento, sem conter
as de custeio, não estará fazendo estabilização nem desenvolvimento.
Estará fazendo apenas besteira.
É fato comumente observado, salientava Campos, que, à medida que
a inflação cresce de intensidade e começa a gerar inquietação social,
os governos parecem cair na tentação de conter os preços dos produtos alimentícios básicos. Com frequência, isso não passa de uma
tentativa de curar os sintomas, lançando mão dos controles de preços
como um substituto de medidas mais difíceis e menos dramáticas
para reduzir o excesso global de procura agregada.
Considerando o processo inflacionário um mecanismo precário,
ineficiente e cruel, Campos salientava que, mesmo quando se realiza
a aludida transferência de renda, ocorrem desperdícios, porque a inflação estimula o consumo de luxo e os investimentos especulativos,
desencorajando as aplicações em serviços públicos e industriais de base.
As tarifas de serviços públicos representaram um dos temas de presença mais constante nos trabalhos de Roberto Campos. Durante
a segunda metade do século XX até o fim de seus dias, o pensador
brasileiro empregou esforço para demonstrar que tarifas baixas dos
serviços públicos são um dos motores da inflação. Concitava ele o
Governo ao reexame da noção popular de que a tarifa baixa é um
benefício para a economia. Campos combatia também a ideia de que
é inflacionária a elevação das tarifas a níveis capazes de cobrir o custo
real do serviço, inclusive depreciação e renovação do equipamento.
•
É lícito inferir que a adoção de um regime tarifário capaz de
cobrir o custo de operação dos serviços de infraestrutura e,
ainda, de proporcionar recursos para a sua expansão, tem duplo
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efeito favorável sobre o nível de poupança do País. De um lado,
a eliminação da carga dos subsídios aumentará a capacidade de
poupança do Governo. De outro lado, o fato de ficarem esses
setores em condições de financiar, total ou parcialmente, a sua
própria expansão, dispensando parte de recursos públicos, liberará
fundos para investimentos em outras iniciativas de desenvolvimento econômico. O bonde, um meio de transporte urbano eficiente e barato, foi levado à ruína em consequência dessa política
e substituído pelo ônibus, consumidor de combustível líquido,
que importávamos sem termos folga no balanço de pagamentos.
Os serviços de utilidade pública, principalmente em um contexto
inflacionário, são vítimas de um círculo vicioso. Os preços desses
serviços são “preços políticos”, que afetam direta e indiretamente o
consumidor, afirmava Campos, acrescentando: Nada mais tentador
para os governos acovardados no combate às causas da inflação, do
que combater-lhe os sintomas, congelando as tarifas dos serviços
de utilidade pública, por exemplo. Essa tentação é praticamente
irresistível se se trata de empresa estrangeira. Desenha-se, então, o
círculo vicioso: paralisação de investimentos, deterioração qualitativa
dos serviços, deformação da imagem do investidor externo, maior
resistência ao reajustamento de tarifas.
O pensador brasileiro é bastante didático quando diz que o Governo oculta custos e os distribui de modo injusto, ao cobrar do
usuário apenas uma parcela, por via de tarifas baixas e preços
políticos, e descarregando uma parcela sobre o público em geral,
através de impostos. Todos sabemos que o sistema ferroviário
foi sucateado pela política de conservação inalterada do nível
tarifário em fase de inflação. Os trens suburbanos da Rede Ferroviária Federal transportavam, diariamente, em 1964, um milhão
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e quatrocentos mil passageiros, mas quando o serviço foi dado
em concessão ao setor privado, o número de passageiros transportados por dia não passava de 200 mil. Na navegação marítima,
tínhamos duas empresas: a Companhia Nacional de Navegação
Costeira e o Loide Brasileiro, de longo curso. A Costeira faliu
nos anos 1960 e o Loide veio se arrastando até desaparecer por
completo nos anos 1990.
A partir de 1964, na qualidade de Ministro do Planejamento e
Coordenação Econômica, no Governo Castello Branco, Roberto
Campos, contando com o apoio do Ministro da Fazenda, Octavio
Bulhões, criou o Banco Nacional da Habitação (BNH), o salário-educação, o cruzeiro novo, formulou e executou uma reforma fiscal
através do novo Código Tributário Nacional, em 1966. Deu nova
redação a vários artigos da Lei 4.131 (Lei de Remessa de Lucros)
aprovada em 1962, e tornou exequível sobre capitais estrangeiros,
na forma em que foi aprovada a Lei 4.390, de agosto de 1964.
Criou, também, o Banco Central do Brasil, o FGTS, o Estatuto da Terra. Foi o autor dos artigos econômicos da Constituição de 1967, a qual foi, nas palavras dele, “a constituição
menos inflacionista do mundo”, a qual, entre outros dispositivos anti-inflacionários, não permitia que o Congresso Nacional fizesse emendas ao orçamento que aumentassem os gastos
públicos da União.
Um dos pontos mais importantes do programa reformista foi a
restauração do crédito público, através das Obrigações Reajustáveis
do Tesouro Nacional– ORTNs. Recorda-se que ocorreu em 1952
o último lançamento de títulos públicos, com a emissão de títulos
para capitalizar o BNDE.
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Roberto Campos abriu outra frente de luta ao combater a política nacional de informática, oficialmente lançada em 1975. Em termos práticos
essa política veio caracterizando-se pela intolerância, impregnada de fanatismo. Na residência de um ministro do Governo Geisel reuniram-se,
em 1976, algumas figuras do primeiro escalão para deliberar a respeito
da intenção da IBM de produzir no País um minicomputador que fazia
sucesso no mercado externo. Era o IBM-32, que acabou sendo rejeitado
pela maioria dos presentes àquele encontro. Em busca de conciliação, a
empresa propôs que o computador seria fabricado no Brasil apenas para
venda no mercado externo, assumindo o compromisso, por escrito, de
que nenhuma de suas unidades seria colocada no País. Nova rejeição,
apesar de a proposta render divisas, em uma fase em que enfrentávamos sérios problemas de balanço de pagamentos. Na mesma ocasião,
Campos recebeu o presidente internacional da Hewlett-Parker, de quem
ouviu que fora rejeitada a sua proposta de fabricar no País o HP-3000,
cuja produção foi finalmente transferida para o México, a Coreia do
Sul e a China comunista. Estava consagrada a rejeição. Nenhuma das
grandes empresas mundiais de informática conseguiu autorização para
fabricar aqui micro ou minicomputadores.
Estava firmado o grande princípio da autonomia tecnológica, a ser
alcançada por meios próprios, inclusive a cópia pura e simples de
equipamentos estrangeiros. Com a criação da Secretaria Especial de
Informática (SEI), essa política só veio a ser abrandada em 1992, depois
de subordinada à área militar a condução dos mais variados assuntos
da infinita área da eletrônica. No combate a essa política, inclusive da
tribuna do Senado, Campos só fez crescer o número de seus adversários.
Chego ao fim, depois de um superficial exame das ideias de Roberto
Campos. Uma abordagem mais ampla dessas ideias dependeria de
análise mais profunda do conteúdo de seus 19 livros publicados.
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Alienação Fiduciária na custódia
e liquidação de títulos
Célio Borja
Professor Aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Ministro Aposentado do Supremo Tribunal Federal
A Disciplina positiva do negócio fiduciário
A
alienação fiduciária em garantia está hoje incorporada ao capítulo IX, do Título III do Livro III, do Código Civil, artigos
1.361 a 1.368-A (Art. 1.361 – Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere
ao credor). Leis especiais instituíram negócio fiduciário específico do
mercado de ações e de capitais,1 o qual, não sendo de garantia (cum
creditore), tem-se que é cum amico, pois sua causa é a segurança do
bem e a implementação do destino que seu proprietário (fiduciante)
lhe quer dar. A especificidade dessa modalidade de fidúcia fica patente nas disposições do artigo 66-B da Lei nº 4.728 de 14.7.1965,
acrescentado pela Lei nº 10.931 de 2.8.2004.2 Normas regulamentares autorizam a Central de Custódia e Liquidação Financeira de
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
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Títulos (CETIP) a guardar e cobrar os que lhe tenham sido transferidos em alienação fiduciária, que se assemelha à sua matriz romana,
única fonte material do direito brasileiro, anterior e superior à fonte
germânica. O negócio jurídico que a norma regulamentar tipificou
(MNI. Regulamento de Disposições Especiais, 4,15, Disposições
Preliminares) ajusta-se à doutrina de romanistas e civilistas acerca
da dupla relação que a alienação fiduciária instaura: uma pessoal, de
direito das obrigações, outra, patrimonial, de direito real.3 A primeira concerne ao crédito e, a segunda, ao poder sobre a coisa que o
fiduciário exercita em face de terceiros. A relação obrigacional não
é desnaturada pela de direito real, que com ela coexiste e autoriza o
fiduciário a apresentar-se como titular de certo e limitado poder sobre
a coisa que lhe foi confiada para o fim preestabelecido pelo fiduciante.4
Fidúcia Romana – Trust e negócio fiduciário na CIVIL LAW
O direito romano distinguia o negócio fiduciário com o credor do
pactuado cum amico, como se lê em Gaio; neste caso, poderia servir a
diferentes propósitos do fiduciante, como, ex. gr., o de suprir a falta
do instituto da representação.5 Ainda que a fidúcia romana tivesse
sido seu antecedente histórico, o trust, instituto peculiar dos países
anglo-saxões, se desenvolveu autonomamente, desde as origens da
Common Law, mas o negócio fiduciário romano apenas tardiamente foi
incorporado aos vários sistemas nacionais da Civil Law, acreditando-se
tenha sido o direito alemão o primeiro a fazê-lo.
Causa fiduciœ
Embora a fidúcia (confiança) seja um traço inerente a tipos contratuais regulados nas nossas leis civis, o negócio fiduciário recente76
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
mente incorporado ao direito legislado, foi a alienação em garantia,
que corresponde à fidúcia cum creditore. Paralelamente, o contrato de
adesão que transfere à CETIP a propriedade (titularidade) do direito
de crédito – para a finalidade exclusiva de custodiar os títulos causais,
receber e transferir ao banco depositário o bem físico ou o valor que
por ele o devedor pagou – esse contrato, repito, tem sido assemelhado,
à fiducia cum amico. Romanistas e civilistas ensinam que os distintos
negócios fiduciários são identificados pela sua causa (causa fiduciœ)
e, esta, na fiducia cum amico – e nas diversas modalidades em que não
há escopo de garantia – pode ser a segurança do direito ou do bem
e a efetiva implementação do destino que o fiduciante determina no
pactum conventum.6
A fiducia cum amico tinha, em Roma, diversidade de causas. Francis de
Zulueta, Professor Régio de Direito Civil da Universidade de Oxford,
nos comentários às Institutas de Gaio, que verteu para a língua inglesa,
sustenta que, não obstante Gaio lhe atribuir somente o escopo de
custódia, a fiducia cum amico “poderia ter propósitos vários, como o
de suprir a lacuna do instituto da representação (Law of agency),
inexistente no direito romano”7. Perozzi assevera que “segundo as
nossas fontes, não se conclui que todos os casos de fidúcia que não
fossem cum creditore, fossem cum amico, em razão de Gaio apresentar a
sua distinção como se ela exaurisse todos os casos de fidúcia”... “Em
muitos casos, não se divisa o escopo de melhor tutela da coisa”. Perozzi conclui que “o conceito desta figura de fidúcia se formou durante
a pré-história do nosso instituto e que Gaio repete uma distinção,
cujo segundo caso havia desaparecido, substituído por múltiplos e
variadíssimos casos qualificados por escopo diverso”.8
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
77
Posse desdobrada e compartilhada
No nosso direito civil positivo, a posse é compartilhada entre as partes do
negócio fiduciário em garantia: “Com a constituição da propriedade fiduciária,
dá-se o desdobramento da posse, tornando o devedor possuidor direto da coisa” (Código Civil, artigo 1.361, § 2º). Não é somente na alienação fiduciária em
garantia que a posse é desdobrada, mas também naquelas outras em que
não há tal escopo, porque seu desdobramento inere ao negócio fiduciário
tout court, como se lê em Pontes de Miranda9 e nos romanistas. Não são
só os doutos assim pensam, mas também a lei assim dispõe, pois a regra
do artigo 1.367-A, do Código Civil,10 manda aplicar às outras espécies
de negócio fiduciário as suas disposições sobre a alienação fiduciária
em garantia, sempre que compatíveis com as respectivas leis especiais.11
A transferência fiduciária dos títulos de crédito para a CETIP não extingue a obrigação do devedor para com o seu credor. A outorga de poder
para custodiar e liquidar o crédito, não atrai outra responsabilidade que
não a de receber e transferir-lhe o valor ao seu titular, permanecendo
com o devedor a de adimplir por inteiro a sua obrigação. O Manual de
Normas e Instruções do Banco Central é taxativo no que concerne às
responsabilidades bem delimitadas da CETIP: “(Regulamento e Disposições Especiais – 4; Sistema de Registro e Liquidação Financeira
de Títulos – 15; Responsabilidade – 11) a) Liquidar junto ao Sistema
sua posição financeira final, conforme definido na seção 4-15-9, não
cabendo à CETIP qualquer responsabilidade pelo não pagamento do principal,
dos juros e de outros quaisquer rendimentos dos títulos registrados no Sistema”
(Grifei). No mesmo capítulo 15, o item 5 define como responsabilidade
das instituições bancárias ou financeiras que guardam fisicamente os
títulos “liquidar a posição financeira final do participante do Sistema
que o elegeu liquidante, desde que o mesmo tenha saldo disponível
em sua conta de depósitos à vista, no caso de posição devedora”.
Aqui a ressalva final também limita a responsabilidade das instituições
78
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
que financeiramente adimplem as obrigações e exercitam o direito do
devedor e do credor, respectivamente. Cuidando-se de títulos de crédito, milita ainda a favor desse entendimento a regra segundo a qual a
posse direta (imediata) e subordinada do fiduciário recai sobre o título,
não sobre a relação jurídica fundamental que o credor fiduciante não
aliena, uma vez que lhe conserva a titularidade originária e a consolida
plenamente ao se retirar do sistema.12
Legitimidade processual
Assim, também a transferência do direito cartular, nos negócios
fiduciários com títulos de crédito, não importa a privação de todo
o direito que o fiduciante sobre eles tinha. Tullio Ascarelli, revendo
o que antes escrevera,13 afirma que, “... é preciso fazer; em matéria
de títulos de crédito uma distinção preliminar a que vai entre direito
cartular e direito derivado da relação fundamental. Cada um deles se
origina de um negócio diverso e está sujeito a disciplina diferente”.
Prossegue: “O título de crédito, originalmente surgido como documento confessório, é, agora, no direito moderno, constitutivo do
direito autônomo nele mencionado”. Atento à especificidade dos
títulos causais, Ascarelli explica que, “Quando o direito cartular é
um direito causal, ele visa, como veremos, à declaração do direito
decorrente da relação fundamental e, portanto, ambos os direitos,
embora distintos, circulam juntos, pertencendo necessariamente ao mesmo
titular ”14 (Grifei). Portanto, consolidadas no credor a propriedade e a
posse do crédito e dos títulos causais que o confessam, somente ele
tem legitimidade ativa para exigir do devedor os valores que entende
lhe serem devidos (legitimatio ad causam). Cândido Rangel Dinamarco
corrobora: “Em linguagem processual diz-se que não basta ao autor
ter o direito de ação e exercê-lo adequadamente” (...) “ação é somente
direito ao meio e não aos resultados do processo (Liebman). Para ob-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
79
ter sentença favorável é preciso que, além da ação, ele tenha o direito
alegado (v.g., que seja realmente credor, como alega)”.15 Mas, esclarece
Dinamarco, a relação jurídica processual é conceptualmente autônoma
em face do direito subjetivo material, tendo sido essa dicotomia o tema
central da controvérsia sobre a actio romana entre Windscheid e Muther.16 Nessa relação, “são situações processuais ativas as que permitem
realizar atos processuais segundo a deliberação ou o interesse do seu
titular, ou exigir de outro sujeito processual a prática de algum ato”.
...“Dizem-se passivas as situações jurídicas processuais que impelem
o sujeito a um ato (deveres e ônus) ou lhe impõem a aceitação de um
ato alheio”.17 Sem embargo da autonomia do conceito de legitimidade
processual, não se há de esquecer que “Para propor ou contestar a ação
é necessário ter legitimidade e interesse”(CPC, art. 3º).
Legitimatio ad causam
Ora, como titular de um direito material (interesse) — direito de
crédito — o credor da cártula alienada fiduciariamente é parte legítima para estar em juízo, pois “Ordinariamente, têm essa qualidade
apenas os sujeitos da relação material em litígio”.18 Admitindo-se,
para argumentar, a legitimação extraordinária da CETIP na vigência
da fidúcia mandato, teríamos que ela seria, então, substituto processual do credor, i.e., “pessoa que poderia figurar na relação processual
como parte”, embora não fosse “a mesma pessoa titular da relação
de direito material deduzida em juízo”.19 Corrobora esta proposição
a estipulação do contrato de adesão ao Regulamento que obriga a
CETIP a transferir logo o que o devedor paga. Se, alegando ter legitimidade processual extraordinária, CETIP cobrasse judicialmente
a dívida não poderia incorporar o produto desse pagamento ao seu
patrimônio, porque não é titular do direito de crédito, nos estritos
termos do contrato de adesão que ela celebrou com o credor. Embora
80
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a legitimação processual não resulte somente da participação do autor
e do réu na relação jurídica de direito material, no sistema do Código
de Processo Civil de 1973, “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (CPC, art. 6º).
Quitação mediante devolução do título
Como fiduciária, a CETIP não detém fisicamente os títulos de crédito que custodia e liquida, mas eles são depositados na instituição
financeira escolhida pelo fiduciante, que age por instrução do seu
cliente. Se este não a autoriza a entregar as cártulas ao devedor, ela
não poderá nem deverá fazê-lo. No que concerne ao direito, é certo
também que “a hipótese prevista no caput [do artigo 324 do Código
Civil] contém presunção relativa ou juris tantum”... “o seu fundamento
reside na consideração de o título constituir a prova da existência da
obrigação. Quando essa é extinta pelo adimplemento, o credor restitui
o título ao devedor.20 Logo, se o devedor não adimpliu plenamente
sua obrigação, os títulos causais que a documentam não lhe deveriam
ser entregues. Esta doutrina, que prevalece na interpretação do artigo
324 do Código Civil vigente, era sustentada por Clóvis Beviláqua
atinentemente à disposição homóloga do artigo 945, do Código
Civil de 1916: “O princípio do artigo estabelece uma presunção juris
tantum, em benefício do devedor. O fundamento desta presunção
é o seguinte: o título é a prova da existência da obrigação; extinta
esta, o credor o restitui ao devedor; consequentemente, se o título
se acha nas mãos do devedor, é porque o credor, satisfeito o débito,
lhe entregou. Como, entretanto, a entrega do título deve ser feita
voluntariamente, pelo credor, no momento de receber o pagamento,
e pode acontecer que esse documento vá ter às mãos do devedor por
meios ilícitos (violentos ou dolosos), tem o credor o direito de provar
que o não entregou, voluntariamente, que não foi solvida a obriga-
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
81
ção”.21 Examinando essa questão à luz do artigo 1.237 do Código Civil
italiano,22 Pellizzi observa que: “Tal artigo, inclusive na seção referente
à remissão do débito, se limita a afirmar que a restituição voluntária
do título original do crédito constitui prova da liberação do devedor,
não já da ocorrência do pagamento”.23 Pellizzi distingue a situação do
credor por título cambiário, “no âmbito das relações de estrita natureza
cambiária”, com os seus coobrigados e, de outra parte, a posição do
obrigado cambiário “em face do seu credor que, depois de lhe haver
restituído o título, age causalmente para conseguir o adimplemento
do débito nele compreendido. Aqui, não nos encontramos mais no
âmbito de uma ação cambiária, mas no de uma ação causal: e com relação a esta o obrigado possuidor não é mais credor e autor, mas, sim,
devedor e réu. Já não se trata mais de saber se o obrigado é portador
legítimo, ou seja, titular de uma ação cambiária, mas de determinar o
fato do pagamento, e não mais pelo seu valor atributivo de um direito
ao possuidor, mas do valor extintivo de um direito alheio”.24
É, pois, de concluir-se que a modalidade de alienação fiduciária de
títulos de crédito ou de cártulas de pecúnia ou de bens, para os fins
de custódia e liquidação, acolhida hoje pelo direito positivo brasileiro,
não importa a perda da propriedade ou titularidade do credor; e que,
se porventura, o fiduciário (CETIP), recebe valor insuficiente para
o pagamento integral do crédito, entrega o título ao devedor ou
dá-lhe quitação presumida, o fiduciante que conservou a propriedade
da cártula, retoma-lhe a posse e pode exercitar o direito de ação.25
Notas
1. Lei no 6.404, de 15.12.1976, arts. 41, 66 a 70; Lei no 10.931, 2.8.2004.
Na custódia de ações, Lei no 10.303, de 31.10.2001, art. 41, § 2º
estende aos demais valores mobiliários a transferência necessária
82
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da propriedade fiduciária. Ver ainda, Instrução CVM n.o 115, de
11.4.1990, arts. 2º, 3º e 4º.
2. Lei no 4.728, de 14.7.1965, art. 66-B – “É admitida a alienação fiduciária
de coisa fungível e a cessão fiduciária de coisas móveis, bem como de títulos de
crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta
do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou
do crédito é atribuído ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da
obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial
ou extrajudicial devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito
e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor
o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.”
3. DERNBURG, Pandette, vol. 1º, parte 1ª (Parte Generale),
Torino, Fratelli Bocca Editori, 1906, §§ 100-3, p. 295: “Nei negozi
fiduciarii il rapporto esterno è diverso dal rapporto interno: noi diamo in essi
al fiduciario esternamente la condizione di proprietário della nostra cosa, o
di un creditore di un credito a noi spetante, è li procuriamo con ciò la piena
legitimazione a far valere il nostro diritto. Ma al interno il fiduciário rimane
un semplice procuratore; la cosa, e rispettivamente il crédito, è per lui estranea
in rapporto a chi ha dato la procura.”
4. EMILIO BETTI, Teoria Generale del Negozio Giuridico,
Seconda Ristampa, Torino, 1955, p. 307, também adota a opinião
segundo a qual a relação obrigacional produz efeitos exclusivamente
entre credor e devedor; a patrimonial ou real (de disposição)
consiste na outorga de um direito dotado de relevância em face
de terceiros: [...] “concorso fra negozi eterogenei, si ha di solito nel negozio fiduciario: ha porre in essere il quale concorrono normalmente, se non
necessariamente, due distinti negozi, dei quali l’uno, di disposizione, consiste
nel conferimento di un diritto dotato di rilevanza rispetto ai terzi, l’altro, di
obbligazione, spiega effetti esclusivamente nei rapporti interni fra le parti e
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
83
crea nel nuovo titolare di quel diritto l’obbligo fiduciario di esercitarlo soltanto
nell’orbita di una finalità (causa) determinata col patto di fiducia”.
5. Cfr. The Institutes of Gaius, Text With Critical Notes and
Translation by FRANCIS DE ZULUETA, Regius Professor
of Civil Law in the University of Oxford, At The Clarendon
Press, Livro II, 60: “Sed cum fiducia contrahitur aut cum creditore pignoris
iure aut cum amico, quo tutius nostrae res apud eum essent, siquidem cum
amico contracta sit fiducia, sane omni modo competit ususreceptio, si uero
cum creditore, soluta quidem pecunia omni modo competit, nondum uero
soluta ita demum competit, si neque conduxerit eam rem a creditore debitor,
neque precario rogauerit ut eam rem possidere liceret; quo casu lucratiua
ususcapio competit.” Também, GAIUS, Institutes, Texte Établi
et Traduit par JULIEN REINACH, Quatrième Tirage, Paris,
Belles Lettres, 1991, 2ª parte, p. 60.
6. Cfr., RUDOLPH SOHM, Institutionen, Geschichte und System des Römischen Privatrechts, 17 Auflage, 1949, Duncker &
Humblot, Berlin, p. 60: “Über den Inhalt der Treuverpflichtung gab die
Manzipation also keine Auskunft, sondern lediglich das nebenher geschlossene
formlose pactum conventum.” Ver, também, BETTI, op. cit., p. 324,
atribui a relação pessoal de direito das obrigações, a destinação
de servir ao interesse do fiduciante, mas pondera: “al solo rapporto
obbligatorio interno qualificato dalla causa fiduciœ è rimessa la funzione
di limitare la posizione del fiduciario, e insieme la funzione di assegnarle una
causa idonea a giustificarla (giacchè senza questa il fiduciario sarebbe esposto
fin dall’inizio a una ripetizione): causa, che può essere garanzia, custódia,
amministrazione, Così, infatti, si configura la custodia di tipo romano: essa
porta a conferire al fiduciario una posizione giuridica verso i terzi assai più
forte di quanto basterebbe per il raggiungimento dello scopo pratico avuto di
mira dalle parti e, perciò, di quanto esse parti propriamente intenderebbero”.
7. FRANCIS DE ZULUETA, Gaius Institutes, Text with critical
notes, Oxford, At The CLARENDON PRESS, Part II, Commen84
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
tary, §§ 52-G1, n. 2, pg. 73: “Fiducia cum amico was a conveyance
to a friend with a trust for reconveyance. It might have various purposes, for
example that of making good the lack of a law of agency; Gaius, however,
only mentions that of safe keeping. Fiducia cum creditore resembled the
English mortgage; it was a giving of security for debt by making the creditor
owner. It remained in use throughout the classical period, but in the law of
Justinian it has given way to pignus and hypotheca. In f. cum amico reconveyance would be due on demand, in f. cum creditore on satisfaction of
the debt. But delicacy in the one case and timidity in the other, or slackness in
either, might prevent insistence on the formality of a reserving mancipatio or
in iure cessio. However, if the original owner recovered possession, his title
was made good by usucapio, here called usureceptio, in spite of his knowing
that the thing belonged to another (§ 59). This is readily intelligible since except
in one case he would as a matter of equity be on a par with a bonitary owner.
The less intelligible case is that f. cum creditore, even if the debt had not
been satisfied, usucapion was allowed provided that possession had not been
recovered by licence or hire from the creditor. Presumably it was thought that
security of which the creditor was careless was likely to be superfluous.”
8. Cfr., SILVIO PEROZZI, Istituzioni di Diritto Romano, vol. II,
Seconda Edizione, Atheneum, Roma, MCMXXVIII, p. 248; “Dalle
nostre fonti, se risulta un largo impiego della fiducia, non risulta anche se
tutti i casi di fiducia, che non fosse cum creditore, fossero anche casi di
fiducia cum amico, come si dovrebbe dire considerando che Gaio presenta
la sua distinzione come esauriente tutti i casi di fiducia, o se fossero alcuni
e non fossero altri, come si dovrebbe dire invece considerando che in molti non
si scorge lo scopo accennato di tutela migliore della cosa. Nella seconda ipotesi
manca inoltre ogni modo di distinguere i casi compresi nel concetto gaiano di
fiducia cum amico dagli altri. Onde riteniamo che il nome e il concetto
di questa figura di fiducia si siano formati durante la preistoria del nostro
istituto e che Gaio ripeta una distinzione, di cui il secondo caso era scomparso,
per essere sostituito da molteplici e veriisimi casi qualificati da scopi diversi”.
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85
9. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Parte Especial, Tomo X, 2ª edição, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, p.
101-103, esp.: “Se o fiduciário recebeu a coisa com a obrigação de, após a
transmissão, dar a posse ao fiduciante, o fiduciante imediatiza-se, e mediatiza-se
o fiduciário. Não nos esqueçamos que a propriedade é direito absoluto, e há
a impossibilidade de se tirar, in abstracto, à propriedade todo o direito à
posse, sem regra jurídica especial, como a respeito da compra e venda
com reserva de domínio.”
10. Art. 1.368-A. “As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis
especiais, somente se aplicando às disposições deste Código naquilo que não
for incompatível com a legislação especial.”
11. MARCO AURÉLIO S. VIANA, Comentários ao Novo
Código Civil, vol. XVI, 3ª edição, Coordenador Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2007, p.
606-607: “Propriedade Fiduciária e Legislação Especial” – ...
“A disciplina do Código Civil incide, em havendo lei especial, somente quando
não houver incompatibilidade. Se essa ocorre prevalece a regulamentação da lei
especial”... “A regulamentação continua a se fazer pela lei especial, somente
se aplicando o diploma civil quando não houver incompatibilidade.”
12. MARTÍN WOLFF, Derecho de Cosas, volumen primero, §
8º, p. 43. In: Tratado de Derecho Civil por LUDWIG ENNECCERUS, THEODOR KIPP Y MARTÍN WOLFF,
Tercer tomo, Derecho de Cosas, I, BOSCH, Buenos Aires: “La
posesión mediata es la que se tiene por mediación de la posesión de otro: entre
el poseedor mediato y la cosa media aquel que (en contraposición al servidor de
la posesión) tiene la posesión misma; es el mediador posesorio o subposeedor;
el poseedor mediato es poseedor superior. Al que posee sin mediador posesorio,
se le llama poseedor immediato. I – La posesión mediata presupone, aparte de
una posesión del mediador, una cierta relación entre el poseedor y el subposeedor.
86
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
Este tiene que poseer la cosa “a título de usufructuario, acreedor pignoraticio,
arrendatario, depositário o en una relación semejante, en virtud de la cual esté
temporalmente facultado u obligado frente a otro a la posesión (§ 868). Es claro
que se requiere una relación jurídica que dé al poseedor mediato una pretensión
de entrega contra el mediador”. WOLFF, adiante, responde à questão
da necessidade de ser o possuidor superior, também o titular da
pretensão: “Poseedor mediato es únicamente aquel a quien corresponda la
pretensión de entrega. No es menester que su pretensión se dirija a que se le
entregue a él mismo”... “No es poseedor mediato el que, sin ser titular de la
pretensión de entrega, tenga poder para hacer la pretensión de entrega de otro
con eficacia en contra del verdadero titular” (§ 8º, p. 47).
13. TULLIO ASCARELLI, Teoria Geral dos Títulos de Crédito,
Servanda Editora, Campinas, 2009, p. 122, nota 65.
14. T. ASCARELLI, op. cit. p. 122.
15. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de
Direito Processual Civil, vol. I, Malheiros Editores, 08-2001,
p. 105.
16. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, op. cit., vol. II, nº 489,
p. 196-197.
17. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, op. cit., vol. II, nº 492,
p. 201.
18. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, op. cit., vol. II, nº
520, p. 247.
19. OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, Curso de Processo Civil,
vol. 1, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 244-245.
20. JUDITH MARTINS COSTA, Comentários ao Código Civil,
V. T. I, 2ª edição, Forense, 2006, p. 350.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
87
21. CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil Comentado, 3o edição, vol. IV, Livraria Francisco Alves,
1930, p. 101-102.
22. CÓDIGO CIVIL DA ITÁLIA, ART. 1.237 – Restituzione
volontaria del titolo. La restituzione volontaria del titolo originale del
credito, fatta del creditore al debitore, costituisce prova della liberazione anche
rispetto ai condebitori in solido. Se il titolo del credito è in forma pubblica,
la consegna volontaria della copia spedita in forma esecutiva fa presumere la
liberazione, salva la prova contrária.
23. GIOVANNI L. PELLIZZI, Studi sui Titoli di Credito, Padova, CEDAM, 1960, p. 242.
24. GIOVANNI L. PELLIZZI, op. cit., p. 240-241. Ver ainda,
GIORGIO CIAN e ALBERTO TRABUCCHI, Commentário
Breve al Códice Civile, Padova, Cedam, 1984, p.831. A proposição de PELLIZZI, segundo a qual, na determinação do fato do
pagamento extintivo do direito do devedor, não importa “saber se o
obrigado é portador legítimo, ou seja, titular de uma ação cambiária”, parece
compatível com decisão antiga do Supremo Tribunal Federal que
assentou “que somente aquele [emitente da obrigação] pode apresentar
defesa”...“nos casos em que a defesa do avalista não é fundada em direito seu,
pessoal, contra o portador, mas do direito do emitente resultante de transações
suas com o portador” (RF, LXXVI, 449, esp. p. 451).
25. “O custodiante do título executivo não tem legitimidade para
estar no polo passivo do processo de execução. Ademais, as
notas de venda comprovantes das compras de letras de câmbio
custodiadas, não são documentos hábeis para a propositura de
processo de execução. Recurso conhecido e provido” (Apelação
Cível nº 32.458, S. Francisco do Sul, SC. In: Nelson Eizirik;
Instituições Financeiras e Mercado de Capitais, Jurisprudência,
vol. II, Renovar, p. 1.094-1.095).
88
C a r t a M e n s a l • Rio de Janeiro, n. 683, p. 75-88, fev. 2012
Síntese da Conjuntura
Conjuntura econômica
Ernane Galvêas
Ex-Ministro da Fazenda
A economia brasileira em 2011/2012
A evolução da atual crise mundial acabou impactando a economia
brasileira, embora com menor intensidade do que em 2009.
O IBC-Br (PIB) do Banco Central cresceu apenas 0,02% em setembro
e o 3º trimestre, comparado ao 2º, apresentou queda de 0,32%. A
previsão de mercado para o crescimento do PIB em 2011 é ligeiramente inferior a 3%.
A redução das atividades econômicas está sendo puxada pela retração
da indústria, cuja produção vem apresentando nítida tendência de
queda desde novembro de 2010. A produção industrial caiu 2,0%
outubro, em relação a setembro.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 89-104, fev. 2012
89
A mesma tendência de desaceleração vem sendo apresentada pelo
comércio, cujo volume de vendas cresceu 0,6% em outubro frente
a setembro. O comércio cresceu 10% em 2010 e deverá crescer 6%
em 2011.
O setor agrícola é o que apresentou melhor resultado, em face da forte
demanda externa e interna. A produção de grãos na safra 2010/2011
cresceu 6% sobre a safra anterior. As chuvas torrenciais no Sul e no
Sudeste podem prejudicar a próxima safra de 2012.
Um ponto preocupante é o desempenho fiscal, com o crescimento
da carga tributária e da dívida pública, em paralelo com a falta de
investimentos em serviços públicos e infraestrutura, em detrimento
do setor privado. Entretanto, até agora, esse quadro negativo não
prejudicou o mercado de trabalho, cujo nível de desemprego chegou
a 5,2% (o mais baixo da história).
A nosso ver, ainda não constitui maior preocupação o índice de inflação (IPCA), que deverá chegar a 6,5% em 2011, dentro do limite
superior da meta, e cair para 5,5% em 2012.
O que está sustentando a situação no Brasil, em grande parte, são as
exportações, que vêm mantendo a média mensal de US$ 23 bilhões,
desde maio, registrando um aumento de US$ 48,8 bilhões em 12
meses, dos quais grande parte se deve ao aumento das exportações
para a China.
As previsões para 2012 apontam uma situação ligeiramente inferior
a 2011, contrariando a visão otimista do Governo. O PIB de 2012
deverá registrar expansão entre 2% e 3%, ligeiramente menor de que
2011, em face do agravamento da crise europeia, ligeira redução na
demanda da China e fraco desempenho do mercado interno.
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Agricultura – Vai ter crescimento possivelmente menor do que em
2011, como consequência das chuvas torrenciais de dezembro, no
Sul e Sudeste.
Indústria – Crescimento de 1,3% em 2011 e no máximo de 2%
em 2012.
Comércio – Crescimento de 6%, pouco abaixo da média dos últimos anos.
Exportações – Crescimento de 10%, ante 26% em 2011.
Governo – A execução orçamentária da União vai ser o ponto crucial
na evolução da economia em 2012:
Despesa primária: + 15,9%
Receita primária: + 12,8%
O PIB Brasil
Uma surpresa agradável de fim de ano foi a constatação de que o PIB
nacional alcançou US$ 2,52 trilhões, ocupando o 6º lugar mundial,
acima da Inglaterra com US$ 2,48 trilhões. O resultado decorre não só
do crescimento da economia nacional, como também da estagnação
econômica da Europa.
Nos últimos 10 anos, o PIB brasileiro teve a seguinte evolução: 2002:
2,7%; 2003: 1,1%; 2004: 5,7%; 2005: 3,2%; 2006: 4,0%; 2007: 6,1%;
2008: 5,2%; 2009: -0,6%; 2010: 7,5% e 2011: 2,7%.
Em termos de renda per capita, estima-se os Estados Unidos com US$
48,2 mil, Alemanha, Japão e França com US$ 45 mil, Inglaterra com
US$ 39,6 mil, China com US$ 5,2 mil e Brasil com US$ 12,9 mil.
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A crise mundial em 2001
A economia mundial, e especialmente a americana, atravessava longo
período de prosperidade, quando ocorreu o ataque terrorista às Torres
do World Trade Center, em Nova York, em 11/09/2001. O medo e as
incertezas promoveram uma forte retração das atividades, a começar
pelas viagens aéreas. Em 2 de dezembro, a situação agravou-se, com
a quebra inesperada da holding ENRON.
Segundo Paulo Guimarães, do Jornal do Commercio, a empresa fora
eleita, por seis anos consecutivos, a mais inovadora dos EUA. Em
menos de 15 anos, seu valor de mercado subiu de US$ 2 bilhões
para US$ 70 bilhões. Com a falência, a cotação de suas ações caiu de
US$ 90 para US$ 0,20, uma tragédia que arrastou, também, a Arthur
Andersen, uma das maiores empresas de auditoria do mundo. Os
principais diretores executivos da ENRON, Kenneth Lay e Joffrey
Skilling, tiveram fim trágico: Lay morreu de ataque cardíaco e Skilling
encontra-se preso, cumprindo pena de 24 anos.
Corrida armamentista
A indústria bélica mundial está em festa, faturando tudo que pode com
a corrida armamentista que se desenvolve no mundo. O espetáculo
maior está sendo realizado no Oriente Médio, em que o Irã gasta
bilhões de dólares em mísseis de médio e longo alcance, a título de
defesa de seu projeto de construir armas nucleares. De outro lado,
Israel, Inglaterra e Estados Unidos, principalmente, exibem gastos
colossais em aviões e helicópteros de combate, porta-aviões gigantescos e toda a parafernália da guerra. A China também faz parte dessa
corrida irresponsável, assim como a Rússia e outros países europeus.
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Há sinais ostensivos de uma política de guerra nos Estados Unidos,
construindo bases militares na Austrália e em vários pontos do leste
asiático, uma repetição da Guerra Fria que foi desenvolvida entre os
Estados Unidos e a União Soviética, nos anos 1970 e 1980.
É evidente que raciocinar em termos de uma terceira guerra mundial
parece um absurdo inominável. Mas há evidências de interesses tão
fortes que estariam desconsiderando tal absurdo. Algo realmente fantástico e inconcebível contra a Paz mundial, tão decantada desde 1945.
O ponto nevrálgico atual é a ameaça do governo do Irã de fechar o
Estreito de Ormuz e a anunciada reação violenta dos Estados Unidos.
Segundo noticiário da imprensa, os Estados Unidos estão negociando
a venda de US$ 46 bilhões de aviões de ataque supersônicos, para os
países do Oriente Médio. Isso ajuda a entender os acontecimentos.
Uma notícia auspiciosa, ligada ao corte de gastos fiscais, é a anunciada
retirada de 15 mil soldados americanos da Europa, onde existe uma
força estacionada de quase 100 mil.
Inflação e política econômica
Quando a soma da demanda agregada (consumo, investimentos,
gastos do Governo, exportações menos importações) supera a
oferta global de bens e serviços, o resultado tende a ser a inflação.
Mas, lógico, não necessariamente, pois é esse desequilíbrio de curto
prazo que vai gerar estímulos para que os empresários respondam
com mais investimentos e maior produção. As inovações induzem
ao aumento do consumo e dos investimentos e o sistema financeiro amplia o crédito, para proporcionar o “transporte financeiro da
produção”, com o que aumentam a arrecadação e os gastos do Go-
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verno, ao mesmo tempo em que cresce o comércio exterior. É esse
círculo virtuoso – aumento da demanda, expansão do emprego, da
renda e dos investimentos – que caracteriza o efeito multiplicador
dos investimentos e explica a dinâmica do crescimento econômico.
Mas não se pode perder de vista o desequilíbrio ex ante do mercado,
que pressupõe um gap inflacionário se a demanda persistir em nível
superior à oferta potencial, enquanto não se produz um aumento
da produção. Nessas condições, se não houver resposta do lado da
oferta, só haverá equilíbrio ex post, através da elevação dos preços.
A função principal do Banco Central como controlador da inflação,
visando à estabilidade monetária, tem por finalidade assegurar uma
elevação sustentável da taxa de desenvolvimento econômico. Não faz
sentido colocar o controle da inflação como um fim em si mesmo.
Sem dúvida, esse deve ser, também, o objetivo das demais unidades do
Governo, apenas com inversão da ordem, ou seja alcançar uma taxa
elevada e sustentável de desenvolvimento econômico e de emprego,
com a menor inflação possível.
Daí a necessidade de coordenação entre a política monetária e a
política fiscal, que vão traçar as bases para a política econômica do
País. Essa coordenação não existia, até pouco tempo. Parece que está
começando a existir.
A Selic e a política monetária
Parabéns à nova Diretoria do Banco Central, sob o comando de
Alexandre Tombini, que está quebrando o tabu do comportamento
da taxa de juros, no contexto da política monetária de prevenção das
pressões inflacionárias.
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A elevada taxa de juros SELIC, fixada pelo Banco Central, produz
dois impactos diretos, de curto prazo: de um lado, aumenta o déficit
fiscal do Governo e sobrecarrega os custos da dívida pública; de
outro, induz o sistema financeiro a aumentar o rendimento de seus
títulos (CDBs etc.) e dos Fundos de Renda Fixa. Por esse processo, a
elevação da SELIC encarece o financiamento dos bens de consumo
duráveis e eleva os ganhos da poupança, reduzindo a propensão a
consumir. E mais, encarece o crédito para as empresas, reduzindo as
taxas de retorno e, pois, diminuindo a propensão a investir.
Assim sendo, a elevada taxa SELIC reduz o nível da demanda agregada (C+I), aliviando a pressão sobre os preços.
Essa é a teoria dos juros. Na prática, a eficácia da política monetária
baseada na taxa de juros vai depender da oferta de crédito. São as
variações na disponibilidade do crédito que mais influenciam as variações dos preços (inflação). Uma elevação das taxas de juros pode
atrair capitais do exterior, que vão expandir a liquidez e aumentar
a oferta de crédito, anulando o primeiro impacto da elevação da
taxa de juros.
É isso, basicamente, o que ocorre no Brasil. A taxa de juros alta
estimula o ingresso de capitais e expande o crédito. Para impedir o
impacto da expansão do crédito sobre a inflação, o Banco Central
entra no mercado vendendo títulos do Tesouro, comprando dólares
e acumulando reservas cambiais. Um giro financeiro desordenado,
cujos resultados práticos são a sobrecarga fiscal e a desnecessária e
onerosa acumulação de reservas.
Por outro lado, há uma forte expansão de crédito dos bancos públicos
– CEF, BNDES, Banco do Brasil, BNE e BASA – independentemente
da política monetária do Banco Central.
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No fundo, observa-se uma correlação mínima ou quase nula entre
a manipulação da taxa SELIC pelo Banco Central e seus resultados
sobre a inflação. Ao fechar o circuito de todos os resultados produzidos, resta a conclusão de que a teoria da taxa de juros, no Brasil,
não funciona.
Atividades econômicas
Quadro do PIB 2012 – Estimativas
Em %
Crescimento do PIB
Indústria
Comércio
Agricultura
Exportações
Importações
Nível de desemprego
Expansão de crédito
Juros Selic – 31/dez.
Transações correntes
Ingresso de IEDs
Taxa de câmbio – 31/dez.
3,0%
2,0%
6,0%
-2,8%
5,0%
7,0%
5,0%
15,0%
8,5%
US$ 68 bilhões
US$ 60 bilhões
1,85/US$
No âmbito interno, devem continuar as mesmas preocupações com
os reajustes salariais, que puxam a inflação, a falta de recursos fiscais
para os investimentos na infraestrutura, o que eleva os custos da
produção e reduz o nível de competitividade, e fundamentalmente a
menor contribuição das exportações, em face da baixa expectativa de
expansão do comércio internacional e dos preços, exceto petróleo. Se
o Banco Central tiver juízo, pode continuar baixando a SELIC até 9%.
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Nesse mundo de incertezas, é difícil prever o desfecho da crise Irã/
Estados Unidos, assim com o curso das eleições na Europa. O que
menos parece preocupar é a situação da China, que tem meios e
recursos suficientes para enfrentar algum ligeiro arrefecimento na
expansão das exportações e do PIB. Do ponto de vista externo, vem
da China a maior possível influência sobre o Brasil.
Assim sendo, para o Brasil, o ano de 2012 não deverá ser muito
diferente de 2011, mesmo considerando as variáveis políticas das
eleições municipais.
Indústria
Após crescer 10,5% em 2010, a indústria brasileira cresceu apenas
0,3% em 2011. Dos 27 setores analisados, 12 apresentaram queda.
Em novembro e dezembro, a indústria voltou a crescer. A produção de bens de capital subiu 3,3% e equipamentos para transportes
12,4%; a produção de bens duráveis caiu 2%, puxada pela indústria
automobilística (-7,8%). Espírito Santo (+6,8%) e Paraná (+7,0%)
tiveram forte alta, enquanto Ceará (-11,7%) e Santa Catarina (-5,1%),
tiveram fortes quedas.
A produção têxtil caiu 14,9% em 2011, sendo -10,1% no Rio e -8,7%
em São Paulo. A agroindústria sofreu queda de 2,3%, sendo -1,6%
no setor agrícola e -0,6% na pecuária (IBGE).
Segundo a CNI, o faturamento real da indústria de transformação
cresceu 5,1%, com queda nas horas trabalhadas de 1,2% e aumento
de 3% no rendimento médio real. O nível do emprego cresceu 2,2%.
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Em janeiro/2012, a produção de veículos caiu 19,2% ante dezembro/2011 e as vendas -23% (Anfavea). As vendas da indústria fluminense subiram 13,3% (Firjan).
A produção de petróleo, em 2011, aumentou 2,5% e a de gás natural
4,9%. Mas a venda de gás teve uma redução de 32%, devido ao menor
uso das termoelétricas. A indústria consumiu mais 5,64%, o comércio
+16,48 e as residências + 13,22% (Abegás). O consumo de energia
cresceu 1,8% em dezembro/2011/dezembro/2010.
A produtividade industrial (PTF), que deslanchou desde 2006, perdeu
fôlego nos últimos trimestres e fechou estável (+0,07%) em dezembro/2011 (FGV).
Comércio
Segundo a Abrasce, as vendas dos shopping centers, em 2011, tiveram
crescimento de 18,6%. As vendas do comércio varejista, em geral, perderam força, em dezembro/2011 e janeiro último, ao mesmo tempo
em que se reduziu em 2,3% o índice de confiança dos empresários
(ICEC), divulgado pela CNC. A intenção de investir caiu 4,5% e a
de contratar mão de obra caiu 10,8%.
Pelos dados da Serasa, o varejo caiu 1,6% em janeiro, ante dezembro/2011, mas com alta de 6,4% sobre janeiro/2011. A CDL registrou
alta de vendas de 7,8% no Rio de Janeiro em 2011.
A PEIC da CNC apurou que o endividamento das famílias com
renda inferior a 10 salários-mínimos recuou de 61,3% para 59,5%
e dos que ganham mais de 10 salários subiu de 48,9% para 53,4%,
nos últimos 12 meses.
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O otimismo dos paulistanos aumentou 0,9% em janeiro segundo a
Fecomercio-SP, mas o ICEC caiu 1,7%. Em Goiás, caiu a intenção
de contratar, mas o ICEC continua positivo (Fecomercio-GO). No
Rio Grande do Sul, ao contrário, o ICEC sofreu queda de 4,1% em
janeiro (Fecomercio-RS). Segundo o IPEA, o otimismo das famílias
cresceu de 67,2 em dezembro para 69 pontos em janeiro.
A inadimplência do consumidor caiu 0,4% em janeiro, ante dezembro/2011, conforme levantamento da Serasa, em face do recuo dos
cheques sem fundos e das dívidas com bancos. Para o SPC, entretanto,
a inadimplência do consumidor registrou alta de 2,91% em janeiro,
sobre janeiro/2011.
Agricultura
Segundo a Conab, a safra 2012 de grãos deve ficar em 158,4 milhões
de toneladas, 2,8% abaixo da anterior. A queda da produção na Região
Sul, por causa da seca, será em boa parte compensada pelo aumento
no Centro-Oeste.
As chuvas continuam em Minas Gerais, onde 230 municípios estão
em situação de emergência, com mais de 100 mil pessoas desalojadas.
De outro lado, 70% dos municípios gaúchos estão em emergência,
por causa da seca. O Governo vai subsidiar a compra de milho pelos
pequenos produtores, a R$ 20,00/saco, contra R$ 30,00 no mercado.
A estimativa da safra de soja no Brasil caiu de 75,6 bilhões de toneladas para 72 milhões.
O índice de preços recebidos pelo agricultor subiu 0,45% em janeiro.
Na Bolsa de Chicago, no início do mês, subiram os preços da soja,
do milho e do trigo, revertendo em uma breve tendência anterior de
queda. O café continua em queda na Bolsa de New York.
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Mercado de Trabalho
Certamente, o baixo índice de desemprego é o fator mais importante
na atual conjuntura econômica do Brasil, com nível recorde de 4,7%,
registrado em dezembro último.
O emprego na indústria cresceu 0,2% em dezembro, em relação a
novembro/2011. Na construção civil, houve contratação de 211 mil
vagas (FGV/Sinduscom-SP).
O piso salarial subiu cerca de 14% em quase todos os Estados; no
Rio de Janeiro, o salário-mínimo do empregado doméstico passou
a R$ 729,58.
O mercado de trabalho está sofrendo uma revolução: a taxa de expansão do PEA caiu de 2,5% em 2010 para 1,1%, segundo a Fiesp.
O número de estrangeiros residindo no Brasil, entre 2010 e 2011,
subiu 56%, enquanto 2 milhões de brasileiros retornaram do exterior.
Setor Financeiro
Sinal amarelo: a inadimplência aumentou 23%, em 2011, e já representa R$ 154 bilhões no ativo das instituições financeiras. Segundo
o Banco Central, a inadimplência de 5,7% em 2010 subiu a 7,3%
em 2011, em linha com o resultado da PEIC coordenada pela CNC,
para famílias com renda acima de 10 salários-mínimos, cuja alta foi
de 48,9% para 53,4%. O Banco Central está liberando R$ 30 bilhões
para os bancos grandes comprarem ativos dos pequenos.
O mercado financeiro brasileiro está em véspera de criar mais uma
“jabuticaba”, a securitização do Certificado de Recebíveis Imobiliários
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(CRI), além da liberdade que já existe nesse mercado e nos derivativos da BM&F Bovespa. Parece que a CVM e o Banco Central não
conhecem a história do Lehman Brothers.
Os economistas de plantão estão tentando vender ao Banco Central a
ideia de um juro neutro que, aliado ao PIB potencial, serviria de base
para a política monetária. Juro neutro seria o juro real que controla
a inflação sem sacrificar o crescimento. O Banco Central continua
vivendo à sombra da teoria quantitativa da moeda e achando que é
a SELIC que controla a inflação.
Segundo a CNSeg, o mercado segurador no Brasil vai de vento em
popa, com reservas técnicas de previdência privada de cerca de
R$ 300 bilhões.
Inflação
A inflação de janeiro vai refletir a alta dos alimentos provocada pelo
clima muito seco no Sul e muito chuvoso no Sudeste. No atacado,
em janeiro, a soja subiu 3,4% (-3,5% em dezembro) e o milho 5,2%
(-7,0% em dezembro). Ainda assim, o IGP-M subiu apenas 0,25%
e o IGP-DI 0,30%. No varejo, o IPCA subiu 0,56%, reflexo da alta
na alimentação, transporte, aluguéis e educação, mantendo-se em
torno de 0,5% nos últimos cinco meses. Há uma significativa queda
no preço dos bens de consumo duráveis. A diária dos hotéis subiu
20% no 4º trimestre 2011.
O índice do Dieese (ICV de São Paulo) subiu 1,32% em janeiro e a
cesta básica aumentou em: Brasília (+4,72%), João Pessoa (+3,90%),
Florianópolis (+3,51%), Rio de Janeiro (+3,25%), Recife (+3,32%),
Carta Mensal • Rio de Janeiro, n. 683, p. 89-104, fev. 2012
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Curitiba (+3,17%) e Aracaju (+3,11%). Houve queda em Vitória
(-1,54%) e Porto Alegre (-0,81%). Na cidade de São Paulo, o índice
ICV-Fipe subiu 0,51%.
Ao fixar a taxa SELIC em 10,5%, o Banco Central continua transmitindo ao mercado a expectativa de que a inflação ainda gira acima de 6,0%.
Setor Fiscal
O Governo continua trabalhando com a ilusão de que um superávit
primário de 3,1% do PIB é suficiente para equilibrar as contas públicas. Não é. O peso dos juros chegou a R$ 236,7 bilhões em 2011,
elevando a dívida bruta a 54,3% do PIB. Mas o Governo caminha
para substituir as LFTs indexadas à SELIC por títulos prefixados.
O Tesouro Nacional autorizou a emissão de R$ 49,2 bilhões de
NTN-B, para pagar ao Banco Central o custo de carregamento das
reservas internacionais, no 1º semestre 2011. O Governo Federal
esperava arrecadar R$ 5,5 bilhões com a concessão dos aeroportos
e arrecadou R$ 24,5 bilhões. Os investimentos a que se obrigam os
vencedores terão 80% financiados pelo BNDES. Segundo os analistas de Termômetro Tributário, a carga tributária no Brasil chegou
a 36,2%, em 2011.
Setor Externo
Está “secando” a boa temporada das exportações. Pelas estimativas
do Governo, em 2012, as exportações devem crescer apenas 5,0% e as
importações 7,0% deixando um saldo de US$ 23 bilhões. Para a AEB,
as exportações devem diminuir 7% e as importações crescer 3,2%,
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com saldo pouco superior a US$ 3 bilhões (!). Em 2011, o minério de
ferro foi negociado a US$ 126/tonelada e, hoje, a US$ 100,00, uma
baixa de 20%, e a soja vendida a US$ 430/tonelada, 13,13% abaixo
da média de 2010.
No cenário internacional, melhoraram as expectativas com a aprovação da proposta da Troika (FMI, BCE e MCE). A Grécia, que
já recebeu ajuda de € 110 bilhões, vai receber mais € 130 bilhões,
inclusive para pagar € 14,5 bilhões que vencem em março. Vamos
aguardar os resultados.
Nos Estados Unidos, o Governo fechou um acordo de US$ 26 bilhões com os cinco principais bancos, com o objetivo de subsidiar
e solucionar a dívida hipotecária de 2 milhões de mutuários, o que
deveria ter sido feito em 2008. Por outro lado, o FDIC estendeu até
31/12/2012 uma cobertura, sem juros, para garantir os depósitos
bancários à vista.
O Banco Central Europeu está em vias de realizar novo leilão de
créditos, além dos € 489 bilhões de 21/12/2011. Também o Banco
da Inglaterra planeja operação idêntica, no montante de £ 275 bilhões.
Como se sabe, esse aumento de liquidez monetária pode produzir
um efeito equivalente à desvalorização cambial. Agora, sim, há uma
guerra cambial, entre o dólar e o euro.
Um fato que abalou os ânimos na Europa foi a queda de 2,9% na
produção da Alemanha, em dezembro/2011. Some-se a isto a terrível
onda de frio que se abateu sobre toda a Europa, especialmente no
Leste, nos Balcãs, na Áustria e na Itália.
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A exportação da China caiu 15,3% em janeiro, mas sua produção
industrial cresceu levemente. Em mais um Relatório terrorista, o
FMI adverte que o crescimento chinês pode cair à metade, isto é,
até cerca de 4%(!).
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