UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Transcrição

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Instituto de Ciências Humanas
Curso de Licenciatura em História
Monografia
“Somos o Suco do Carnaval!” A Marchinha Carnavalesca e o Cordão do Clube
Social 24 de Agosto
Juliana dos Santos Nunes
Pelotas, 2010
Juliana dos Santos Nunes
“Somos o Suco do Carnaval!” A Marchinha Carnavalesca e o Cordão do Clube
Social 24 de Agosto
Monografia apresentada ao curso de
Licenciatura em História da Universidade
Federal de Pelotas como requisito parcial
para a obtenção do título de Licenciado
em História.
Orientadora: Cláudia Turra Magni
Pelotas, 2010
In Memorian
Ao vovô José Liberato Nunes, pelas longas tardes de “mentiras”,
Ao amigo Renan Martins, “como uma estrela nova e o seu barato”.
Zarité
“Minha primeira lembrança de felicidade, quando eu era uma pirralha magrela e
desgrenhada, é a de mexer ao som dos tambores [...] A música é um vento
pelos anos, pelas lembranças e pelo temor, esse animal preso que carrego
dentro de mim. Com os tambores desaparece a Zarité de todos os dias e volto
a ser a menina que dançava quando mal começava a andar.
O mundo estremece. O ritmo nasce [...] atravessa-me como um relâmpago e
segue em direção ao céu, levando minhas aflições [...] os tambores vencem o
medo. Os tambores são herança de minha mãe, a força da Guiné que está no
meu sangue.
Quando eu ainda não sabia andar [...] ele me convidava a me perder na música
como quem se perde num sonho. „dance, dance Zarité, porque escravo que
dança é livre... Enquanto dança.‟ Eu sempre dancei.”
Isabel Allende – A Ilha Sob o Mar
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer em primeiro lugar, aos meus pais, Cláudia e Paulo, por
compreenderem a importância dos livros e das artes em minha vida, obrigada
pelos incentivos e por me liberarem do papel de filha e amiga, agora, meus
velhos podemos dizer: Valeu!
Agradeço também a minha avó Maria que com sua sabedoria, do alto
dos seus 78 anos, passaram, e ainda passam, para mim aquilo que os livros
não puderam desvendar: a sabedoria da vida. Obrigada vó por pentear meus
cabelos sem doer!
Quero agradecer a duas tias que tiveram presentes: Cláudia e Cândida.
Tia Cláudia obrigada por me mostrar o mundo fantástico de Gabriel Garcia
Marquez e por apontar o caminho da cultura! Tia Cândida, Candoca! Obrigada
pela doçura dos conselhos, pelas noites de filmes e Amaury Jr (risos), por ler
meus trabalhos e por me aturar com minhas lenga, lengas sobre Clube 24! Aos
meus irmãos, Kevim, Patrick e Wellington, os quais não vi crescer, mas que
sempre carrego no coração. Meu sobrinho Guilherme, safado da dinda!
Devo mil agradecimentos à minha irmã Patrícia, pelo carinho,
compreensão, por ouvir falar várias vezes do Cordão União da Classe, por ter
ajudado nesta pesquisa e por ser uma grande companheira em todos os
momentos, como diz um poeta: quero sempre ver sua risada mais gostosa,
obrigada Palicha!
Quero agradecer a minha segunda família, de italianos e de gente de
todos os pêlos, que me fizeram rir em muitas ocasiões! Obrigada Sr. Francisco
e D. Maria Angélica por me receber em sua residência, de maneira intrometida
e extrovertida. Gracias pelo feijão D. Angélica que substituiu a altura o de
minha avó! Seu Chico, obrigada pelos churrascos, pelos palpites na novela das
nove e pela torcida nos jogos do Grêmio!
Obrigada minha querida Josete, ou simplesmente Jô, por abrir meus
caminhos para outros mundos, por estender a mão na hora em que mais
precisei, por ser companheira de todas as horas e momentos, de risos,
comilanças e alegrias, por acreditar que dava pé essa pesquisa e por ser
simplesmente a mecenas de minha vida! Gracias ainda ao Jair que me mostrou
o carnaval pelotense, por incentivar de maneira alegre, essa trajetória, por seus
conselhos, como professor, e por sua amizade!
Tem amigos que passam por nossas vidas e deixam rastros de luz,
simplicidade e amizade incondicional, esse é o caso da minha querida Joice
que tanto me acolhe e me quer bem, a quem eu devo parte da minha
caminhada, por esses longos 11 anos de amizade e companheirismo, por ter
ajudado nesta pesquisa, por ouvir meus lamentos e por compartilhar sua
comida, sua vida e principalmente, por sentir bater em nosso rosto, o sol de
nossa amada Jaguarão, por isso e muito mais é pouco dizer que és importante,
és eterna! Obrigada!
Desejo ainda agradecer a dois amigos queridos, também de longa data,
mas que por percalços do tempo, e das idas e vindas, nos afastamos, mas que
agora juntos novamente, compartilhamos alegrias e tristezas, Maicom e
Marlize, obrigada por momentos incríveis juntos!
Na trajetória acadêmica encontrei verdadeiras estrelas, amigas que
quero junto para o resto de minha vida e que, na morte e no nascimento, foram
braço direito e esquerdo, porto seguro, companheiras de choro, dor, alegria e
sucessos: Paula e Andréia eu simplesmente amo vocês! A essas estrelinhas
juntaram-se mais quatro: Sibele (nossa Lady Gaga da Baiúca) e Vanessa
Devantier (nossa francesa, mestra!), gurias gracias por aturar minha vaidade
excessiva e por ser amigas caras a quem devo muitas experiências! Obrigada
ainda ao Marcelo, pelos chás das quatro aos domingos, pelo arroz com couve,
pelo ombro que muitas vezes chorei e ri e pelas noites em que invocamos a
Deusa Diana! E a Vívian, minha pessoinha adorada, que com sua meiguice me
fez ser mais delicada; obrigada pelas dicas nesta pesquisa e pelas vezes em
que fostes me prestigiar, é sempre bom ver um rosto amigo numa platéia de
estranhos!
Não poderia deixar de agradecer a Taiane, meu grande exemplo de
coragem, determinação e valorização, tenho só palavras de afeto e de amor
para te ofertar no fim dessa trajetória, obrigada por acreditar que eu um dia iria
conseguir pegar o canudo, gracias amada pelos conselhos e pelas lágrimas de
felicidade ao me ver apresentado esse trabalho de pesquisa.
Ao meu amado companheiro de partido, de festa, de amizade, Júlio
César (meu ébano tudo de bom!), por todos os caminhos, lágrimas, risos,
vinhos, curtidas, pelo incentivo ao longo do curso e por ser sempre a minha
sombra, o meu irmão, aquele que mesmo em silêncio entende as minhas
palavras, obrigada ébano!
Aos professores com carinho: Cláudio Martins (pelos primeiros
ensinamentos em história), Cláudia Magni (por aceitar orientar esse trabalho
por fazer eu me apaixonar pela antropologia), Marília Stein (pelas dicas e
leituras dessa pesquisa, por seu sorriso que alegra e pela flauta doce), Mário
Maia (por seu espírito livre de amarras e preconceitos, por co-orientar essa
pesquisa e sempre ter acreditado nela), Caiuá Al-Alam (pelo incentivo inicial,
por sua alma visionária e provocadora). Obrigada ainda, aos professores
Rogério Rosa, Edgar Barbosa e Paulo Pezat.
Obrigada a minha querida comunidade! Clube Social 24 de Agosto, cada
suor desse trabalho é para vocês e por vocês, pela valorização do negro
jaguarense e desse espaço que me recebeu de braços e coração abertos!
Quero por fim agradecer, a Maria do Carmo (INSS!) por seu espírito
jovem e sua alegria pelas coisas da vida e por me acompanhar na entrevista
com Vado que abriu caminhos para essa pesquisa! Gracias!
Às funcionárias do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão, D. Nilsa
e D. Isolda, obrigada por ficarem até as seis, pela companhia e pela atenção!
Obrigada ainda a Antônio Vergara, pelo incentivo, por me mostrar a
melhor escola para que eu pudesse lecionar e por seu sorriso intenso e maroto!
A querida Andrea Lima, por ouvir conversas de “pé de página” sobre
minhas pretensões carnavalescas com o União da Classe!
Obrigada meus queridos, por construir mais uma História!
Lista de Imagens
Imagem 1 – Cordão do Clube 24 de Agosto e a Fantasia de Mexicano..........30
Imagem 2 – Cordão Carnavalesco União da Classe........................................48
Imagem 3 – Desfile do Cordão União da Classe..............................................58
Imagem 4 – Cordão União da Classe no Clube 24 de Agosto.........................63
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................9
PARTE I - A Fronteira Sul - Brasileira na Década de 1920, o Carnaval e o
Clube Social 24 de Agosto.........................................................................18
1 – Entre o Passado e o Presente.............................................................18
2 – Jaguarão na década de 1920: Um contexto que justifica um carnaval
uniforme......................................................................................................20
3 – Por um carnaval organizado: Abaixo ao entrudo!..................................24
4 – Clube Social 24 de Agosto: Classe Operária e Pertencimento étnico...29
PARTE II – O Cordão Carnavalesco União da Classe, a Performance na
Avenida e as Marchinhas Carnavalescas......................................................40
1 – O Presente do Cordão Carnavalesco União da Classe: A inserção em
Campo e a Observação Participante.............................................................40
2 – Cordas, Cordões e Comparsas: O Cordão Carnavalesco do Clube 24 de
Agosto no Carnaval Jaguarense....................................................................44
2.1 – Cordas, Cordões e o Hibridismo Cultural.............................................49
3 – “Somos o Suco do Carnaval!” O Cordão União da Classe e a Marchinha
Carnavalesca.................................................................................................53
Considerações Finais.....................................................................................64
Referências Bibliográficas..............................................................................68
INTRODUÇÃO
Jaguarão está situada na fronteira uruguaia, ao sul do Rio Grande do
Sul, uma cidade com um passado de pujança histórica e arquitetônica: as
portas da Rua Quinze de Novembro, a Matriz do Divino Espírito Santo, a Ponte
Internacional Mauá, o antigo hotel Susine, nítido na memória sentimental de
muitos jaguarenses, as antigas charqueadas e as ruínas da enfermaria militar
fascinam os que por lá vivem e aqueles que estão de passagem.
Depois de um longo período de esquecimento, o contexto atual se
mostra otimista no que tange à preservação dos bens arquitetônicos que ainda
se encontram “vivos” e à valorização da história local. A implantação da
Universidade Federal do Pampa que, dentre outros cursos, oferece a
Licenciatura em História, atende uma reivindicação da própria comunidade e
parece bem simbolizar essa mudança
.
É neste momento de transformação das mentalidades, de se voltar para
a própria história, de se valorizar feitos e prédios - recentemente o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou todos os prédios do centro
histórico da cidade - é que me encontro, enquanto aluna de um curso de
história, pela Universidade Federal de Pelotas, refletindo sobre o passado da
minha cidade natal, da comunidade negra e de uma das mais populares festas
do Brasil: o carnaval.
A escolha pelo tema carnavalesco foi decorrência de uma busca por
uma história que ainda deveria ser “redescoberta” ou “relida”; foram árduos os
tempos que passei imersa nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico de
Jaguarão, quando a agonia de ler jornais, que nada me contavam, tomou-me
de um sentimento pessimista.
Em julho de 2007, durante o XXIV Simpósio Nacional de História,
realizado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) tive a
oportunidade de prestigiar um simpósio temático de História e Música Popular,
ramo de estudos que até aquele momento desconhecia.
Foi quando ouvi o professor Adalberto Paranhos, um dos coordenadores
do simpósio, falar sobre música popular no Estado Novo e sobre os sambas
produzidos naquele período. Foi desta forma e naquele lugar que defini meu
objeto de estudos: o samba!
Mas que tipo de samba estudar? A quem deveria recorrer? Onde deveria
ser feita a pesquisa? Esses questionamentos iniciais fizeram com que as
lembranças de minha infância ficassem mais vivas e desta maneira percebi que
a pesquisa só poderia ser feita em um lugar: Jaguarão.
Em junho de 2008 resolvi procurar músicos de Jaguarão que pudessem
contar a história do samba numa cidade de fronteira. Escolhi neste primeiro
momento dois reconhecidos sambistas da cidade: Mestre Vado e Tio Paulo –
com este último possuo laços de parentesco. Ambos conviveram com meu avô
paterno e esse primeiro contato reavivou as lembranças das tardes musicais
passadas com ele e reforçaram a ideia deste estudo.
Assim é que numa tarde nublada de julho de 2008, acompanhada pela
amiga Maria do Carmo (que proporcionou a entrevista) comparecemos à
residência do Mestre Vado, na cidade de Jaguarão, na Rua do Cordão.
Quando chegamos, este já nos esperava pronto com suas lembranças do
tempo em que era “menino de calça curta” e desfilava no chamado “Cordão do
24”. Foram duas horas de conversa, uma verdadeira imersão nos carnavais
antigos e músicas misturadas com candombe. Saí cheia de expectativas e de
perguntas.
Os questionamentos que me surgiram com a narrativa de Mestre Vado
foram: como era o carnaval em Jaguarão, uma cidade de fronteira, no começo
do século XX? Como eram suas organizações carnavalescas? Como era a
música deste carnaval? Qual o sentido de organização e uniformização, para
os negros, nos festejos carnavalescos, já que essa festa é considerada como
uma “grande bagunça”? Por que escamotearam sua identidade étnica?
A partir das memórias de infância de Mestre Vado, quis saber mais
sobre esse carnaval recém descoberto. Sendo assim, procurei Tio Paulo, que,
com sua narrativa tímida, me fez perceber que enfim havia encontrado aquele
que seria o tema de minha pesquisa para a conclusão do curso de história: os
cordões carnavalescos do Clube Social 24 de Agosto.
O Clube Social 24 de Agosto de certa forma sempre esteve presente em
minha vida, seja pela participação de meu avô ou pela minha identificação com
a comunidade negra da cidade; No período em que realizei as entrevistas, o
“24”, como também é chamado, vivia dias difíceis, pois o prédio que abriga a
sede social do clube foi leiloado, correndo o Clube ainda hoje o risco de
extinção pelo perecimento da sua sede.
Movida pela curiosidade por esses cordões carnavalescos e sua forma
peculiar de desfilar, tocada pelas dificuldades do clube que tanto frequentei,
voltei aos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão a fim de
encontrar algumas pistas sobre os antigos carnavais do Clube 24 de Agosto.
Comecei minha incursão nos jornais a partir do ano de fundação do Clube,
1918, porém nada encontrei sobre os cordões carnavalescos.
Neste interregno de tempo, ocorreu em Jaguarão um encontro para
discutir o patrimônio cultural, histórico e arquitetônico da cidade do qual
participei como ouvinte com o intuito de interagir e saber das propostas para a
área da história e cultura locais. Este encontro foi importante, pois me ofereceu
a oportunidade de entrar em contato com a diretoria do Clube 24 de Agosto.
Foi quando de fato entrei num campo propriamente etnográfico.
Conheci outros sócios e também participantes remanescentes dos
cordões do Clube, o que possibilitou um aumento no número de colaboradores
para a pesquisa, facilitando, ainda, um mergulho em outras fontes, tais como
as atas do Círculo Operário Jaguarense e fotografias doadas por diversas
pessoas, entre membros da diretoria, sócios e músicos
Motivada por esses novos contatos, procurei o Senhor Nergipe
Machado, apontado pela comunidade como a pessoa que mais conhecia a
história do Clube e reconhecido por todos como um apaixonado pela entidade.
Foi através da voz e das lembranças deste senhor de 70 anos, que desde os
10 frequenta os salões agostinianos, que vi se desvelar a trajetória dos
cordões, me dando de presente o Cordão Carnavalesco União da Classe, que
pertenceu ao Clube 24 de Agosto, no começo do século XX.
Com aquelas lembranças e com um documento escrito pelo próprio
Nergipe, identifiquei a composição do Cordão, os nomes dos músicos que
fizeram parte da orquestra e o ano de sua fundação, 1928. Retornei à pesquisa
documental no Instituto Histórico e Geográfico, utilizando como fonte o jornal “A
Situação”.
O universo da pesquisa, portanto, é o carnaval jaguarense no início do
século XX, a partir das memórias de músicos e de alguns integrantes do
cordão carnavalesco União da Classe, juntamente com as reportagens
retiradas do jornal “A Situação” e duas fotografias que foram doadas por
pessoas que participaram da agremiação.
Cabe lembrar que se trata de um fragmento da história carnavalesca da
cidade, pois o ponto de partida para esse estudo diz respeito a um cordão
carnavalesco apenas, o União da Classe, que pertenceu ao Clube 24 de
Agosto, sendo que na cidade, para o período em questão, existiam, ao menos,
cinco cordões carnavalescos ligados a outros clubes sociais e também
agremiações independentes, como o famoso bloco Troveja Mas não Chove.
O estudo deste tipo de estrutura carnavalesca ainda é problemático e as
fontes bibliográficas não trazem algo elucidativo no que diz respeito à formação
desse jeito de pular o carnaval, suas origens e performance; os temas mais
abordados em relação aos cordões são a musicalidade, a partir das marchas
carnavalescas , e como organizações negras de resistência com a formação de
Clubes Sociais étnicos.
Neste trabalho em especial, com um recorte temporal pequeno ou até
mesmo inexistente, serão utilizados para o estudo dos cordões carnavalescos,
as obras de José Ramos Tinhorão (1979), que traz uma visão geral da prática,
apontando para uma possível origem; Olga Von Sinsom (2005), que trabalha
sobre o carnaval afro-brasileiro de São Paulo, onde ela aborda a formação de
cordões carnavalescos; Iris Germano (1999) e Marcus Rosa (2008), que
trazem em suas dissertações de mestrado o contexto do carnaval gaúcho.
Especificamente sobre o cordão União da Classe ainda se deve levantar
questões como: pertencimento étnico e etnia, tal como utilizados por Fredrik
Barth (1998), Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e Maria Catarina Zanini em
estudo sobre imigrantes italianos (2008).
A partir do contexto de fronteira, onde as trocas culturais com Uruguai
puderam ser percebidas, comparo os termos cordas e comparsas que
aparecem nos festejos carnavalescos daquele país. Para desenvolver esse
tema e situar o carnaval jaguarense próximo do carnaval uruguaio, utilizei os
estudos de Milita Alfaro (2008) e Liliane Guterres (2003), que mostram como a
origem das comparsas e do candombe são similares à origem de alguns
folguedos brasileiros, no caso de Jaguarão, os cordões carnavalescos.
Para contextualizar o carnaval nacionalmente, desde o aparecimento do
entrudo até sua condenação, no final do século XIX, passando pela introdução
de práticas carnavalescas européias e os bailes de salão, optei pelo estudo de
Marlene Pinheiro (1995) que faz uma abordagem psicológica do festejo, desde
o surgimento no mundo, sua mitologia, até o aparecimento das escolas de
samba do Rio de Janeiro. Além de Pinheiro, também se fará uso do trabalho de
Roberto DaMatta (1997) que, por sua vez, aborda o festejo sob o viés da
sociologia, fazendo uma comparação com outras festividades consideradas por
ele como dramas sociais.
Cabe ainda contar como era a prática momesca no Rio Grande do Sul;
para isso me socorri da pesquisa de Álvaro Barreto (2003) sobre o carnaval na
cidade de Pelotas, em que o autor mostra as formas de pular o folguedo desde
os fins do século XIX a meados do século XX, e os estudos de Beatriz Loner
(2007) sobre os Clubes Carnavalescos de Pelotas, complementados pelas
referidas dissertações de mestrado de Marcus Rosa (2008) e Íris Germano
(1999).
Para que se possa interpretar a prática carnavalesca dos cordões é
importante que se compreenda dois pontos de partida: por um lado, o tempo
presente, em que a valorização histórica e patrimonial leva com que o Clube
Social 24 de Agosto – um clube étnico – passe da invisibilidade à visibilidade,
sendo pauta das discussões do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) sobre patrimônio afro-brasileiro em Jaguarão, além do
dilema vivenciado pela comunidade agostiniana, de perda desse espaço por
conta do leilão do prédio onde funciona a sede do Clube. E, por outro lado, o
passado longínquo, que nos reporta para o início da República brasileira, onde
se estabelecem o capitalismo incipiente e o primado do trabalho, baseados na
doutrina positivista de Auguste Comte, quando a ordem e o progresso tornamse lema de um país moderno e civilizado. Neste contexto de “revolução”
urbanística, do fim da escravidão e surgimento da nova ética do trabalho fez-se
necessário compreender a nova rotina trabalhista, com a separação entre o
trabalhador e seus instrumentos de trabalho, tal como foi pesquisado por
Sidney Chalhoub (2001). Contamos ainda com o auxílio dos estudos de Sandra
Pesavento (1990), que retrata o cotidiano gaúcho durante o primeiro período
republicano. Esse contexto será abordado na primeira parte desse estudo, para
que depois se possa compreender o sentido das organizações carnavalescas
em formato de corda.
Em termos metodológicos, questionava-me que rumos poderiam ser
dados para esta pesquisa e o que resultaria dessa mistura entre métodos de
ciências ditas diferentes. Por um tempo isso causou certa inquietação, mas
com o trabalho de campo, o convívio com os colaboradores e à medida que se
estreitavam estes laços de amizade, percebi que o método da história oral
havia ficado insuficiente para dar conta de conversas paralelas nas ruas,
quando encontrava com algum de meus informantes ou no final de algumas
entrevistas concedidas.
Portanto, optei por utilizar metodologia etnográfica, que permite transitar
com facilidade entre o passado e o presente, flexibilizando, assim, o recorte
temporal, que se apresenta como campo desta pesquisa. Este processo foi
possível, pois me envolvi, durante a graduação, em diversos grupos de
pesquisas relacionados à área da antropologia1. As contribuições de
1
O primeiro grupo de estudos com ênfase nos trabalhos de Marcel Mauss (2006-2007),
coordenado pelo professor Edgar Barbosa Neto; o segundo grupo foi em antropologia da
performance (2008 até o presente), coordenado pela professora Cláudia Magni e o último
Malinowski (1976), assim como as de Foote-White (1975), sobre o trabalho de
campo e observação participante, foram fundamentais em termos do
desenvolvimento da metodologia.
Ainda se fez necessário o trabalho de Anthony Seeger (1992) sobre as
etnografias musicais, para dar conta da interpretação das marchinhas
carnavalescas do Cordão União da Classe e sua performance musical na
avenida, considerando o caráter étnico e político que possuem.
Sobre os primeiros sons produzidos pelos negros no Brasil, Tinhorão
(2008) aparece novamente como a grande referência, trazendo as influências
de gêneros musicais que darão origem a outros na primeira metade do século
XX. Isso será abordado na segunda parte desse trabalho, assim como a origem
das marchinhas carnavalescas e os primeiros gêneros musicais ligados ao
carnaval, como polcas, mazurcas e valsas, até a consolidação das marchas
carnavalescas.
Para compreender a estrutura performática dos cordões carnavalescos,
os estudos da antropologia da performance se fizeram necessários, tomandose os conceitos de Victor Turner a partir da leitura de John Dawsey (2005 e
2006), que permitem tratar o carnaval como um evento liminar e regenerador
da sociedade, além de mostrar a inversão e suspensão dos papéis durante o
tríduo momesco.
Além desses autores, o conceito de unidades mínimas ideológicas de
Gilberto Velho (1982), para poder analisar a canção carnavalesca que se
propôs neste trabalho, foi fundamental, na medida em que consolida o
pensamento de que o carnaval pode ser visto como um instrumento político por
parte da comunidade negra de Jaguarão.
Os conceitos de etnia e raça serão brevemente abordados a partir de
autores como Renato Ortiz (1982), Peter Fry (2005) Fredrik Barth (1998)
Patrice Schuch (2002) e Roberto Cardoso de Oliveira (1976), ajudando a
grupo de estudos sobre a questão dos quilombolas no Rio Grande do Sul, coordenado pelo
professor Rogério Rosa (2008).
compreender as teorias raciais do século XIX e servindo como aporte à escolha
do conceito de etnia.
O objetivo desse trabalho, portanto, é mostrar o contexto histórico dos
negros na cidade de Jaguarão, como eram suas relações com a elite local e
principalmente, como esses negros utilizaram o carnaval de maneira ideológica
e política, fazendo do mundo das inversões um trampolim para mostrar sua boa
conduta, sem perder sua identidade étnica (neste momento, forjada na
identidade operária). Isso será mais especificamente focado na marcha
carnavalesca composta pelos integrantes do Cordão União da Classe,
pertencentes a uma sociedade que, em vários aspectos, os excluía. De forma
mais abrangente, pretendo situar o carnaval de fronteira considerando as
especificidades do país vizinho, Uruguai, seja pela formação das comparsas
carnavalescas
jaguarenses,
seja
pela
formação
das
próprias
cordas
carnavalescas, com uma performance procissional similar ao candombe.
Na primeira parte será situado o campo de estudos, trazendo os
contextos de 2008 (quando começo a pesquisa de campo) e de 1924 (ano de
fundação do Cordão União da Classe). Nesta parte, abordarei o contexto
histórico da república velha e como estava situada a cidade de Jaguarão dentro
desse cenário maior. O carnaval, partindo do mito de fundação do festejo, até
as primeiras manifestações brasileiras, abordando seu caráter liminar e de
suspensão e inversão da sociedade no perído dedicado às festividades
momescas. E por fim a história do Clube Social 24 de Agosto, o contexto de
sua fundação, a questão do grupo étnico e seu pertencimento àquele espaço.
Na segunda parte deste trabalho, serão abordados os temas referentes
ao Cordão Carnavalesco União da Classe, como e por que se deu sua
fundação, os motivos que levaram seus membros a tratar o carnaval como um
evento político, desfilando de maneira uniforme e com distinção. Dentro desse
sistema, a performance desenvolvida na avenida era rigorosamente ensaiada,
sendo foco também desse estudo. Além disso, se levantará a questão da
origem dessas cordas carnavalescas, suas influências culturais na estrutura
performática e a situação do carnaval jaguarense dentro do contexto de
fronteira, ou seja, um carnaval que carrega características do país vizinho,
Uruguai.
Por fim, se fará um breve histórico sobre os primeiros sons dos negros
no Brasil, posteriormente, dos primeiros gêneros musicais ligados ao carnaval
brasileiro até as primeiras marchinhas carnavalescas e a popularização destas
no carnaval do início do século XX, ligadas aos primeiros blocos e cordões.
Assim até chegar ao foco principal: a marchinha carnavalesca do Cordão União
da Classe, publicada no jornal “A Situação” em 1924 e que causou enorme
sucesso entre os populares e a elite local.
A análise dessa composição terá ênfase em pequenas “unidades
ideológicas” para ratificar a ideia de que o carnaval era visto pela comunidade
negra jaguarense como uma oportunidade política de mostrar sua imagem de
trabalhadores honestos a uma sociedade que os excluía. Essa marchinha
ainda mostra elementos da identidade étnica, o sentido de união dentro de sua
classe e o favoritismo carnavalesco dessa agremiação nos festejos da cidade.
PARTE I – A FRONTEIRA SUL-BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1920, O
CARNAVAL E O CLUBE SOCIAL 24 DE AGOSTO
Nada de procissão brilhante, a cuja aproximação o povo deva orar
e admirar-se: aqui, limitam-se a dar um sinal que anuncia que
cada um pode mostrar-se tão louco e extravagante quanto quiser,
e que com exceção dos golpes de punhal quase tudo é permitido.
Goethe – Viagens à Suíssa e à Itália2
1- Entre o Presente e o Passado
O Clube Social 24 de Agosto, situado na cidade de Jaguarão, na fronteira
do Rio Grande do Sul com Uruguai, não possui documentos “oficiais”. A fim de
conhecer a sua história me dirigi, numa tarde de abril de 2009, juntamente com
o ex-presidente, Sr. Pedro Ivo, à casa do Sr. Nergipe Machado para que ele me
contasse sobre essa história. Foi nessa tarde que através da narrativa
apaixonada de Nergipe percebi noventa anos de história passando diante dos
meus olhos.
Ao chegar à sua residência, Nergipe (72 anos) começa a nos contar
sobre sua trajetória individual dentro do clube, desde os tempos de garoto até
sua vida adulta, exaltando dentre tantas figuras, a de Theodoro Rodrigues,
como um dos “antigos” responsáveis por sua formação social. Percebendo meu
interesse especial pelos cordões carnavalescos do Clube, Nergipe trouxe um
documento, redigido por ele mesmo, que mostrava o ano de fundação de um
dos cordões do Clube 243, bem como o número de músicos da orquestra e o
instrumento que cada um tocava.
A data de referência deste documento, 1928, serviu como ponto de
partida para a pesquisa documental no jornal “A Situação”, único periódico
2
Goethe apud Pinheiro. Viagens a Suíssa e à Itália, Paris, Hachette, 1862.
3
Doravante, usarei essa designação êmica, que suprime o nome completo do Clube.
encontrado na cidade que abarca a primeira metade do século XX 4. Portanto,
foi este documento, juntamente com lembrança de Nergipe, que remeteram
meu foco para o ano de 1928 a fim de investigar o Cordão Carnavalesco União
da Classe. Ele trazia consigo um fascínio e um mistério jamais encontrado em
pesquisas anteriores que realizei no acervo do Instituto Histórico e Geográfico
de Jaguarão.
Retornando àquele acervo, fui diretamente aos jornais do ano de 1928,
nos quais encontrei diversas referências sobre o “popular cordão União da
Classe”, conforme consta em algumas reportagens; surpreendi-me ao verificar
que este cordão possuía certa notoriedade perante a comunidade jaguarense,
o que me fez buscar referências sobre o ano de fundação do Clube 24 de
Agosto: 1918. Como não identifiquei qualquer menção de imprensa sobre esta
agremiação, passei a pesquisar um período posterior, tendo, então, a
encontrado.
Naquele carnaval de 1924 foi veiculada uma reportagem no jornal “A
Situação”, em 18 de fevereiro: “O Club local 24 de Agosto realisou interessante
annuncio de carnaval”. A partir deste anúncio, o cordão parecia estar mais
perto do “desvelamento” e assim descobri que em 22 de fevereiro de 1924 o
Clube formou uma comparsa com o intuito de pular o carnaval. Em 23 de
fevereiro de 1924, o mesmo jornal publica a formação de seu cordão
carnavalesco, denominado União da Classe.
Para compreender a formação deste tipo de organização carnavalesca,
antes é preciso “revisitar” a história da cidade de Jaguarão e a década de 1920
na qual estiveram inseridos o Clube 24 de Agosto e o seu Cordão
Carnavalesco União da Classe.
4
Para uma cidade de fronteira que vivia um momento de apogeu político, econômico, social e
cultural, é difícil crer que existisse apenas este veículo de informação, sendo necessário
verificar a possibilidade destes acervos terem sido transferidos para a capital.
2- JAGUARÃO NA DÉCADA DE 1920: UM CONTEXTO QUE JUSTIFICA UM
CARNAVAL UNIFORME
Considerada a cidade heróica da zona sul, Jaguarão faz fronteira com a
cidade uruguaia de Rio Branco de modo que as recíprocas influências
econômicas, políticas, sociais e culturais são notórias em ambas as cidades.
Sobre as interações culturais na região, o historiador Sérgio da Costa Franco
diz que: “o primeiro fato cultural denunciador de uma profunda interação na
área em estudo foi o surgimento de falares regionais característicos, com certa
adulteração do Castelhano [...] e do Português” (Franco 2001, p. 27). A intensa
transitividade de pessoas na região de fronteira traz consigo características dos
países hermanos, fato importante para delinear uma paisagem de interação e
integração das regiões.
Estas
interações
regionais
estavam
na
contramão
do
projeto
nacionalista das elites intelectuais e políticas do resto do Brasil, que não podem
ser desconsideradas para entender o período histórico em que se deu a
fundação, tanto do Clube 24, quanto do seu Cordão, ou seja, os primeiros anos
da república brasileira que buscava seu referencial cultural nacional.
Esta primeira fase da República foi marcada pelas obras de
modernização urbanística, pela belle époque, pela implantação do Estado
capitalista industrial e, principalmente, pela formação social baseada na ordem
e no progresso; é também um período de insatisfação da classe operária que
se via massacrada pelo capitalismo, ao mesmo tempo em que a ideologia do
trabalho era fomentada pela elite política.
Este contexto republicano estudado pelo historiador Sidney Chalhoub
(2001) trouxe um novo modus vivendi, no qual as cidades emergiram pujantes
com uma nova configuração baseada na moral e nos bons costumes e na nova
ética do trabalho. A República tentava deixar relegada ao passado a sociedade
escravista de outrora, mudando assim o corpus social que a compunha e, se
tornando, a partir deste momento, o centro das atividades econômicas,
políticas, sociais e culturais.
A nova ética do trabalho, exposta por Chalhoub em Trabalho, Lar e
Botequim, tinha por base a moralização da sociedade - em especial, da
população negra saída da escravidão - através do trabalho:
Era preciso incutir nos cidadãos o hábito do trabalho, pois essa era a
única forma de regenerar a sociedade, protegendo-a dos efeitos
nocivos trazidos por centenas de milhares de libertos – indivíduos
sem nenhum senso de moralidade. (CHALHOUB, 2001, p. 71)
Neste sentido, o novo regime governamental condenava a vadiagem e
aquilo que significasse aversão ao trabalho. Este era o agente regenerador
dessa nova sociedade que nascia sob o manto da liberdade – cujo sentido de
liberdade, levando em consideração a Lei de 13 de maio de 1888, muda a
estratigrafia do trabalho na sociedade brasileira, culminando [...] “com a
separação entre trabalhador e sua força de trabalho” (Chalhoub, 2001, p.65)
Com esse contingente de negros libertos vindos das grandes fazendas
para os centros urbanos em busca de condições melhores de vida – deixando
para trás os resquícios da escravidão – acentuou-se ainda mais essa noção da
moral, pois, segundo Sandra Pesavento “a República Velha se instalara sob o
signo do trabalho livre e a condenação do ócio e da vagabundagem”
(Pesavento, 1990, p.62).
É sobre a população negra liberta que recaiu essa vigilância do Estado
moralista, o qual elaborou alguns projetos coercitivos e doutrinários com o
intuito de eliminar qualquer possibilidade de vadiagem que se acreditava ser
inerente às populações afro-brasileiras.
Trata-se de um período fortemente vigilante quanto aos desvios de
conduta, pois quando foi necessário, de acordo com o pensamento da época, o
Estado fez uso da força através da polícia. Entretanto, não se pode pensar que
toda a sociedade vivia uniformizada dentro de um padrão moral comum, para
cada contexto existe uma exceção e, pensando especificamente nas
populações negras desse período, devemos levar em conta que estas já
vinham se organizando antes mesmo da abolição da escravidão, seja política
ou intelectualmente, através de sociedades abolicionistas ou simplesmente
com expressões carnavalescas, que por sua vez, não deixam de trazer consigo
um teor político reivindicatório proporcionado pela situação social da época.
É a esta nova ordem social, ainda que incipiente, da Velha República
brasileira, em que as classes sociais começam a se organizar, que os negros
tiveram que se adequar, sujeitos aos percalços do preconceito étnico/racial,
aprofundado ainda mais pelas políticas raciais do início do século XX,
particularmente pela entrada de imigrantes europeus, tidos como verdadeiros
símbolos do progresso e civilização, capazes de tornar o Brasil rico e próspero,
segundo moldes europeus.
Portanto, é neste contexto mais amplo que, em 24 de agosto de 1918,
quatro amigos negros se reuniram na noite - e aqui flano no tempo, imaginando
esse turno livre como propício para os trabalhadores se encontrarem – e, nas
palavras do Senhor Nergipe Machado, “resolveram por bem fundar o Clube
24”, pois não tinham a possibilidade de ingressar como sócios nos clubes da
cidade.
Fui tomada de surpresa ao saber que o local de encontro desses
membros fundadores do Clube 24 de Agosto, visando criar uma sociedade
bailante para suas famílias, fora o Círculo Operário Jaguarense, pois ainda não
havia pensado no contexto histórico que unia aqueles atores sociais a esta
instituição de classe de caráter político, muito embora ligada à Igreja Católica.
Considerando as políticas educacionais que se intentaram a favor dos
libertos – este era o sentido do período – é perfeitamente compreensível a
entrada daqueles negros fundadores do Clube 24 de Agosto numa instituição
como um Círculo Operário que disponibilizava, dentre outras atividades, o
ensino das letras, pois “a transformação do liberto em trabalhador não podia se
dar apenas através da repressão, da violência explícita [...] era necessário
educar os libertos” (Chalhoub 2001, p. 69)
É por isso que se encontra boa parte dos integrantes deste clube
associada ao Círculo Operário Jaguarense, com destaque à figura de Theodoro
Rodrigues. Além de ser considerado um dos seus principais fundadores, ele
possuía estreitos laços de amizade e compadrio com membros da elite branca
jaguarense, que mais tarde, representada pela pessoa do Coronel Gabriel
Gonçalves da Silva, irão financiar boa parte das vestimentas, alegorias e
adereços do cordão União da Classe. Ademais, durante 70 anos, a sede em
que funcionou o Clube 24 foi emprestada pelo Coronel Gabriel sem qualquer
custo para a agremiação. Sem tirar o mérito de Theodoro Rodrigues, é
relevante lembrar que neste contexto histórico de uma sociedade em busca de
regramento e moralização, essas relações de amizade e compadrio eram
fundamentais.
De acordo com o explicitado acima, pode-se dizer que a República
Velha, particularmente na cidade de Jaguarão, não se distinguia das demais
localizações do Brasil: ela passava por um processo de invisibilidade da
comunidade negra local e forjava a disciplinarização e higienização do
operariado dos meios urbano, social e cultural, visando abrir a cidade para
receber o progresso e as transformações radicais de todos os setores da
sociedade. Portanto, a configuração política e social da época mostra um
quadro de intensa vigilância, tanto para as comunidades negras, como para as
camadas sociais baixas e até mesmo para as mais elevadas, não importando
qual colocação cada um possuía dentro dessa nova estrutura.
É de acordo com a ideologia e a moralização propagadas nesse período,
que emerge um novo modo de se fazer o carnaval, diferente do incivilizado
entrudo, que lembrava a colônia e a escravidão – tempos de um Brasil que
deveria ser esquecido, em favor de uma nova sociedade livre e assalariada.
Esse novo carnaval caracteriza-se pela uniformização, pelo regramento, com a
constituição de agremiações para festejar o tríduo momesco - expressão
utilizada, no início do século XX, pelos jornalistas quando se referiam aos três
dias de folia carnavalesca.
3 – POR UM CARNAVAL ORGANIZADO: ABAIXO AO ENTRUDO!
Ao pensar no carnaval e na sua grande loucura, veio-me à cabeça o
trecho de uma canção de Chico Buarque de Hollanda : “carnaval, desengano
deixei a dor em casa me esperando e brinquei e gritei e fui vestido de rei,
quarta-feira sempre desce o pano. Era uma canção, um só cordão, e uma
vontade, de tomar a mão de cada irmão pela cidade” (Chico Buarque de
Hollanda, Sonho de Carnaval).
Essa vontade de pegar na mão de cada irmão e de todos terem a
sensação de fazer parte de uma mesma família, dentro daquele amontoado de
gente pulando e cantando músicas carnavalescas, faz parte do mundo das
inversões (Roberto DaMatta, 1997) propiciado pelos dias de momo, fazendo
com que a sociedade se reinvente para suportar as penas impostas durante o
restante do ano.
Retomando sua origem histórica, podemos situar o carnaval tanto nas
antigas festas greco-romanas, quanto no período do medievo europeu momento em que a Igreja Católica dominava o festejo, impondo-lhe restrições
típicas da época. Ainda podemos reportá-lo ao mito fundador do folguedo, o
país da Cocanha, e a ideia de fartura proporcionada para os moradores deste
lugar. Considerando a atmosfera de cada momento, seja ele mítico ou
histórico, é impossível pensar exclusivamente no carnaval “espetáculo” dos
dias atuais, deixando de lado uma tradição que ultrapassa os limites do tempo,
das fábulas, dos mitos.
O período mítico remete ao país da Cocanha, onde existia uma
abundância de alimentos, de bebidas, onde as pessoas não precisavam
trabalhar para ter seu sustento garantido e onde todas as fantasias e diversões
eram permitidas. Neste momento surge a expressão carne que vale, deixando
transparecer essa atmosfera de alegria e fartura.
O tempo deste mito é baseado nas quatro estações do ano, sendo o
começo do período de abundância marcado pela entrada da primavera (o
entrudo) e o ápice, pela colheita dos frutos, quando ocorre a loucura da
inversão do mundo, em que tudo é permitido. O sentido da carne que vale é
aproveitar o momento de fartura de alimentos, pois posteriormente a população
sofreria com a restrição alimentar; colocando este mito no contexto histórico da
sociedade medieval, altamente hierarquizada e com um senso religioso
exacerbado, pode-se concluir que o período de fartura, de abundância e
loucura, é nosso carnevale, melhor referindo, é o tempo da carne que vale.
Qualquer semelhança com os termos reais do carnaval faz parte de uma
cosmologia carnavalesca, pois este festejo, como bem refere DaMatta (1997)
pertence ao plano do divino e do sagrado, não possuindo um tempo histórico
determinado e sim um tempo cósmico e cíclico. Portanto o período da carne
que vale retratado pelo mito acima, tem o sentido de suspensão (Turner apud
Dawsey, 2006, p. 18) das atividades do mundo terreno, sendo também
marcado pela inversão dos papéis sociais.
Parte da mitologia carnavalesca é transferida para o Brasil durante a
colonização, na forma do entrudo, que significa a “entrada” da primavera, tido
como o começo do período de abundância e suspensão das atividades
cotidianas. Este sentimento também fez parte das festividades dedicadas ao
Deus folião durante período colonial, imperial e republicano brasileiros. Para
situar a prática do entrudo no tempo e mostrar suas características, José
Ramos Tinhorão diz:
O entrudo, do qual se tem notícia desde o inicio do século XVII, era
uma reminiscência das festas pagãs Greco-romanas realizadas a 17
de dezembro (saturnais) e 15 de fevereiro (lupercais), que tinha
origem na comemoração das colheitas, quando se permitia liberdade
aos escravos, usavam-se máscaras, vestiam-se fantasias, e se comia
e bebia desbragadamente. (TINHORÃO, 1975, P. 111)
Remetendo ao tempo mitológico, tem-se novamente a ideia da fartura:
as lupercais e saturnais eram feitas em comemoração às colheitas, surgindo
novamente o mundo suspenso com a concessão de liberdade aos escravos,
podendo-se comer e beber com exagero.
Esse tipo de festividade foi introduzido no Brasil pelos portugueses e
logo se popularizou entre os escravos e brancos das camadas mais baixas. As
famílias mais abastadas também participavam do festejo, só que dentro de
suas casas e por vezes acompanhando das sacadas de suas residências a
loucura que imperava nas ruas. Ainda segundo Tinhorão o folguedo consistia
em: “correrias pelas ruas, sujando-se uns aos outros com farinha de trigo e
polvilho [...] enquanto as famílias brancas, refugiadas em suas casas,
divertiam-se derramando pelas janelas tinas de água suja sobre os passantes”
(Tinhorão, 1975, p. 111).
O autor supracitado ainda levanta que a participação dos escravos nas
festividades estaria condicionada à origem do festejo, ou seja, às antigas festas
pagãs Greco-romanas, quando a figura do escravo emerge da sua condição de
não-cidadão e passa ser ativa naquela sociedade também hierarquizada. Mas
tomando como base a suspensão dos mundos e as inversões sociais, arrisco
dizer que o fato de os escravos brasileiros participarem do entrudo não está
somente condicionado à origem do folguedo, mas ao sentido suspensivo que a
festa representa.
Não cabe aqui fazer esta discussão aprofundada, pois o foco deste subcapítulo é a repressão deste folguedo no período da belle epoque republicana,
pois o entrudo ia de encontro aos propósitos das elites políticas desejosas de
modernidade e progresso. Faço aqui somente uma pequena observação
quanto às interpretações anteriores para que possa ser levantada a questão de
que a suspensão dos papéis sociais é que dita as regras do festejo,
considerado regenerador.
O entrudo, como exposto anteriormente, vigorou como uma das
principais atividades carnavalescas brasileiras. Vale ressaltar que não existia
nenhum tipo de gênero musical vinculado a este tipo de fazer carnaval
(Tinhorão, 1975), pois se tratava de uma loucura - jogar-se água suja, por
vezes urina, lama, avançando para os limões de cheiro, feitos de cera, que
muito machucavam a população. Por causa disso foi considerado violento e
incivilizado, para finalmente dotar-se de caráter europeu, com a entrada do
confete e da serpentina (Álvaro Barreto, 2003).
Esse brinquedo se popularizou por todo o país chegando ao sul do
Brasil onde os jogos de águas de cheiro também foram dedicados ao Deus
fanfarrão: para exemplificar este fato, trago o estudo de Barreto (2003) sobre o
carnaval de Pelotas, o qual faz inúmeras referências ao entrudo na região,
sendo o festejo realizado na praça principal da cidade.
O autor destaca que o entrudo na região de Pelotas possuía,
inicialmente, uma característica familiar e comunitário, pois se tratava de uma
cidade pequena. Entretanto: “[...] Esse entrudo saudoso também está perdido
porque a cidade cresceu e tornou-se cosmopolita, e o livre jogo de água ficou
inadmissível, pois descamba para a violência e para o abuso.” (Barreto, 2003,
p. 21)
A partir deste período, a nova ideologia da ordem e do progresso e do
embelezamento
das
cidades
influenciou
de
maneira
significativa
na
configuração do festejo, passando de apreciado a violento e incivilizado. Ainda
devo lembrar que o entrudo contava com a participação de negros
escravizados e, com o advento da república e da nova ética do trabalho,
qualquer menção ao escravismo e ao colonialismo deveria ser relegada ao
passado.
Neste sentido a prática do entrudo começa a sofrer alterações,
principalmente com a entrada do teatro italiano, a partir de 1840 quando: “uma
trupe italiana, falida na corte, resolveu se virar e organizou no teatro São
Januário „um carnaval veneziano de máscaras‟”. (Luis Felipe de Alencastro,
1997, p. 52). Depois desse baile, o carnaval passou a ser separado entre o
entrudo e o carnaval, este no sentido europeu, sendo preferível o festejo
italiano por ser mais civilizado.
Portanto, desde meados do século XIX o entrudo começou a ser
hostilizado pela alta sociedade brasileira, criando uma dicotomia entre o
carnaval de rua, o entrudo, e o carnaval de salão, o veneziano ou europeu.
Com isso, de acordo com Alencastro, houve uma privatização do divertimento,
pois somente sócios dos clubes e aqueles que possuíam recursos poderiam
adquirir ingressos e ter acesso aos carnavais de salão. Como se percebe, essa
dicotomia não se dava somente no campo do puro divertimento, mas sim na
separação entre a grande massa, o povo e a elite social e econômica.
Ainda sob a influência dos carnavais italianos, tentou-se dar um ar de
civilidade ao entrudo, afim de que fosse aceito pela sociedade, substituindo-se,
como já foi referido, os limões de cheiros por artigos carnavalescos novos e
europeus - o confete e a serpentina, que, segundo Barreto: “dá um toque de
refinamento de que o Entrudo necessita para continuar sendo uma
manifestação aceitável, ao aproximá-lo do carnaval” (Barreto, 2003, p. 22).
Por causa desses artifícios novos, o entrudo terá uma sobrevivência
acima das expectativas da elite, que contava com um fim breve, mas ainda
tem-se notícia do entrudo por volta da década de 1930 quando então se
consolida outro jeito de brincar o carnaval: cordões, blocos e ranchos
carnavalescos, que organizam a folia incivilizada do entrudo. Entretanto não se
constituíam novidade aqueles modos de se brincar o carnaval, pois os
primeiros cordões e blocos datam de meados do século XIX. A mudança,
portanto, está na mentalidade política e social do período pré-republicano e
republicano brasileiros.
Esse carnaval moderno e civilizado tinha na ideologia republicana uma
justificativa para desejar o brinquedo mais ordenado, dentro da lógica da moral
e dos bons costumes, significa dizer, o entrudo deveria ser posto abaixo, assim
como o foi a monarquia, para que uma nova ordem carnavalesca fosse posta
em prática, assim como foi feito com a república.
Portanto, em meados do século XIX e início do século XX, vê-se a
emergência de modos de brincar o carnaval de maneira organizada e
ordenada, com a condenação do entrudo e a privatização do divertimento por
parte da elite social, dando origem aos carnavais de salão promovidos pelos
clubes sociais. Esse entrudo foi dado como “morto” para que se pudesse
“limpar” o carnaval, mostrando para a civilização européia, que o Brasil da
república mantinha seu país na linha reta do progresso.
4 – CLUBE SOCIAL 24 DE AGOSTO: CLASSE SOCIAL OPERÁRIA E
PERTENCIMENTO ÉTNICO
Clube Social 24 de Agosto - depois de tanto tempo, o reencontro em
outro contexto, de outra maneira e com outro olhar. Este tradicional clube
jaguarense fez parte da história de meu avô paterno, José Liberato Nunes, a
quem devo parte do impulso desta pesquisa, as histórias fantásticas que
sempre contara em longas tardes que juntos passávamos plantando,
lembranças que ficaram em minha memória desde os tempos dos morangos
escondidos nas abóboras.
Esse reencontro se deu ao receber a notícia de que a sede do clube
havia sido leiloada, por conta de dívidas, para uma rede de supermercados, e
que dentro em breve o espaço seria demolido para a construção de um
depósito. Nesse momento já era acadêmica do curso de história e ao ter noção
da gravidade da situação do clube decidi elaborar um projeto de pesquisa para
“guardar” a memória daquela instituição.
Os caminhos foram vários até a chegada definitiva na comunidade
agostiniana. Foram tempos em que percorri os prazerosos labirintos da história
do samba e do negro no Brasil. Após um ano de pesquisas sem alcançar
maiores objetivos, passei a entrevistar alguns músicos a fim de que me
contassem sobre o samba em Jaguarão. Em uma dessas entrevistas fui
presenteada com a história dos cordões carnavalescos do Clube 24 e esse era
o ponto que perseguia sem perceber. Esse presente foi me dado por um
senhor de 86 anos, chamado Osvaldo Emílio Medeiros, mais conhecido por
Mestre Vado, morador da rua do cordão, berço da negritude jaguarense após o
fim da escravidão.
Neste mesmo tempo, resolvi procurar meu tio, irmão de meu avô,
músico que tocou nos cordões do clube 24, para saber mais sobre esses
antigos carnavais. Tio Paulo, 78 anos, de uma timidez sem precedentes, faloume da fantasia de mexicanos do Cordão do 24 e do sucesso que aquela
indumentária fizera no carnaval de 1950. Ao contar-me sobre esse desfile,
pediu para parar a gravação da entrevista e se ausentou por um instante. Ao
retornar para sala, Tio Paulo conduzia nas mãos uma foto, mostrando os
mexicanos do Clube 24, e ele no meio tocando cavaquinho.
Imagem 1: Cordão do 24 e a fantasia de mexicano. No detalhe, Tio Paulo.
Essa imagem quase apagada pelo tempo, assim como a história do
Clube 24 e seus carnavais, faz rememorar a trajetória de uma agremiação que
passa por dificuldades no presente, porém mantém viva a lembrança daqueles
que fundaram a instituição, dos períodos de “ouro”, da sede atrás da Matriz do
Divino Espírito Santo, das festas nas casas de família antes do Clube 24, enfim
uma história da comunidade negra jaguarense.
Em abril de 2009, com Nergipe Machado – freqüentador do clube desde
os dez anos de idade, já tendo sido seu presidente - pude ter acesso à história
do Clube Social 24 de Agosto, embora até o presente não tenha encontrado as
atas de sua fundação, nem da dos cordões carnavalescos.
Diante das lacunas documentais mais remotas e da profusão de
informantes, ainda vivos, que se deparam com a iminência de ver esse
patrimônio popular jaguarense sepultado sob a lage de um depósito de
supermercados, optei por trabalhar com o conceito de etnografia da duração,
desenvolvido por Ana Luíza Carvalho da Rocha e Cornélia Eckert (2000).
Essas antropólogas servem-se desta noção para tratar das lembranças do
passado ou “reminiscências de um tempo vivido” a partir do tempo presente,
sofrendo “ondulações rítmicas” (Carvalho & Eckert, 2000, p. 12), que posso
interpretar como as idas e vindas da lembrança quando, a partir de desafios
atuais, em que se incluem os riscos do desaparecimento futuro, a pessoa
rememora algum episódio em outros termos. Trata-se de uma etnografia
diacrônica e sincrônica, pois os elementos que se deseja lembrar estão no
presente, no ato de contar a história, mas se voltam ao passado quando se
aciona, por razões afetivas, políticas ou econômicas, aquela recordação vivida.
Neste sentido, quando Nergipe conta sobre a história do clube 24, em
2009, e retorna ao passado para trazer de suas lembranças de menino a
história daqueles amigos negros que se reuniram para fundar a instituição,
está-se tratando do fenômeno da duração da lembrança, ativada a partir de
dois contextos: o primeiro, de ordem econômica e política, relacionado ao leilão
da sede do Clube, e o segundo, de ordem afetiva e patrimonial, relacionado à
necessidade de valorizar a história da comunidade agostiniana, a fim de
sensibilizar os meios públicos da cidade para intercederem em favor do Clube
24. A etnografia da duração, portanto:
“persegue esta obra de recordar, que parte de uma intenção
presente, „nenhuma imagem surge sem razão, sem associação de
ideias‟(BACHELARD. 1989:51), ou seja, sem que ali estejam
presentes estruturas espaço - temporais através das quais a memória
se configura como construção de um ato de duração.” (CARVALHO &
ECKERT, 2000, P. 13)
A história do Clube 24 de Agosto, através da lembrança de Nergipe e de
alguns recortes jornalísticos da década de 1920, relembram o contexto político,
social, econômico e cultural da época da sua fundação. Nas primeiras décadas
do século XX, temos, como visto, a incipiente República Velha, a nova ordem
do trabalho, baseada agora na mão-de-obra livre e assalariada e mais: as
políticas raciais com o intuito homogeneizar a população brasileira em uma
única “raça”. Essa noção viria a reforçar e dar eco ao contexto das políticas de
invisibilidade da comunidade negra brasileira, pois, como diz a antropóloga
Patrice Schuch “a raça funciona como um elemento estruturador de
hierarquias” (Schuch, 2002, p. 9).
Neste panorama de construção de uma identidade nacional, muitos
intelectuais brasileiros debruçaram-se sobre a questão do atraso da nossa
sociedade, sendo pioneiros nesses estudos, autores como Silvio Romero e
Nina Rodrigues. Sobre a influência do evolucionismo, positivismo e darwinismo
social, fundamentaram suas teorias raciológicas do século XIX (Ortiz, 1982)
tomando, segundo Ortiz, como “parâmetro epistemológico” para o atraso
brasileiro, o meio e a raça, ou seja, o ambiente geográfico interferindo na
constituição intelectual e física dos homens e a raça como categoria de
superioridade, em que a branca seria o ideal a ser alcançado, no futuro, para
que o Brasil se tornasse evoluído como os países europeus. “Essas teorias
[raciológicas] são demandas a partir das necessidades internas brasileiras.”
(Ortiz, 1982, p. 30).
Ainda tem-se o clássico de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, que
foi “um exercício de construção da nação” (Fry, 2005, p. 214) ao propor a teoria
de um Brasil mestiço onde “a miscigenação e a mistura de culturas não eram a
danação do Brasil, mas sim a salvação.” (Fry, 2005, p. 213). Com o estudo de
Freyre tem-se a ideia de uma “democracia racial” no Brasil, pelas relações
supostamente harmoniosas entre senhores e seus escravos, apresentados na
obra do autor.
Esses conceitos ficaram arraigados em nossa estrutura social, tanto que
ainda se discute a questão de raça e etnia a partir desses autores. Mas, muito
além das discussões acadêmicas, essas teorias raciais serviram como base
para o processo de branqueamento e exclusão dos componentes culturais dos
negros e índios, numa tentativa de fazer com que o Brasil progredisse na
escala evolutiva, onde a utopia de uma nação branca e civilizada ficaria para
um futuro próximo.
Assim, entendo o conceito de raça como uma permanência do
programa das elites intelectuais conservadoras do início do século passado,
visando o embranquecimento da população negra a fim de que a sociedade
brasileira
passasse
pelo
mesmo
processo
de
evolução
dos
países
desenvolvidos: “o uso da categoria raça leva a [...] que se construa uma escala
evolutiva entre as diferentes formas culturais de vida existente” (Sérgio Costa,
2002, p. 40). A raça seria vista, portanto, como uma categoria que compõem a
constituição do conceito de etnia, que, por conseguinte, é formada por outros
elementos, como por exemplo: língua, raça, cultura, etc.
Para o caso em estudo, portanto, o conceito de etnia é útil na medida em
que faz uma abertura conceitual, no que diz respeito ao seu sentido de
coletividade – mesmo sabendo que a palavra etnia sirva para designar uma
gama de povos diferentes, e que as populações negras vindas para o Brasil,
como escravas, fossem compostas das mais variadas etnias, e que, passado o
tempo, essas populações acreditavam pertencer a uma mesma origem étnica.
Assim, Weber acredita que “as identidades étnicas são crenças na „afinidade
de origem‟, ou seja, num sentimento comum de pertencimento e não
necessariamente no fato de terem uma origem historicamente comprovada.”
(Weber apud Zanini, 2008, p. 143)
Para Roberto Cardoso de Oliveira, “a categoria étnica, por conseguinte,
tem significação enquanto existe como uma representação coletiva” (Oliveira,
1982, p. 89). Neste sentido, penso no conceito de etnia para o contexto social
do Clube 24, pois se trata de um grupo que se auto-identifica como pertencente
a uma classe, (operários, associados a uma sociedade operária), guardando
nessa identificação, suas características étnicas – quando o cordão
carnavalesco União da Classe compõem canções que trazem elementos de
festividades afro-brasileiras. Além do que, ser de classe, como bem refere
Frigerio (1993), contém o sentido de coletividade do grupo, ser de classe,
significa ser negro. Essa afirmação partiu de estudos que o autor realizou, no
Uruguai e Argentina, em comunidades negras ligadas ao candombe, antes e
depois do processo de “invisibilidade” histórica por que passou os afrouruguaios e afro-argentinos.
Não se pode deixar de mencionar que essa identidade étnica é
relacional, ideológica e flexível (Oliveira, 1982). Portanto, de acordo com o
contexto histórico vivido pela comunidade negra de Jaguarão foi necessário
vincular-se a uma categoria de classe, operários, trabalhadores, como forma de
integrar-se na sociedade de classes – quando, na segunda metade do século
XX, começou um movimento de retomada à valorização da cultura afrobrasileira, o cordão do Clube 24 mudou de nome, passando a chamar-se
Bataclan, vestindo suas rainhas com fantasias étnicas, com roupas de baianas.
Para Weber “o étnico só tem sentido enquanto base para a ação coletiva: a
consciência étnica é produtora de ação social; a consciência de pertencimento
é eminentemente política” (Weber apud Schuch, 2002, p. 7).
Portanto, a união de alguns amigos na intenção de fundar uma
sociedade para o divertimento da comunidade negra mostra que esse
pertencimento e essa identidade étnica não estavam despossuídos de
pretensões políticas – cabe lembrar que Theodoro Rodrigues, um dos
fundadores do Clube 24, posteriormente foi presidente do Círculo Operário de
Jaguarão – e ideológicas, pois vincular-se à ideia de operários trazia consigo
uma série de condutas moralmente aceitas pela sociedade branca, e foi dessa
maneira que o grupo foi identificado, de acordo com Barth: “desde que
pertencer a uma categoria étnica implica ser um certo tipo de pessoa que
possui aquela identidade básica, isso implica igualmente que se reconheça o
direito de ser julgado e de julgar-se pelos padrões relevantes para aquela
identidade.” (Barth, 1998, p. 194).
No contexto, de entrada da comunidade negra liberta e das políticas de
invisibilidade e branqueamento desse grupo étnico, que surge o Clube Social
24 de Agosto. Optei por utilizar a designação oficial da instituição – Clube
Social, e não Clube Negro5 - pois esta é uma definição etic cunhada pelo
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Ministério da
Cultura e não uma designação da própria comunidade, que vem fazendo um
5
Essa expressão, Clubes Negros, vem de iniciativas de valorização do patrimônio material e
imaterial desses espaços, cunhada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional).
esforço de valorização de sua história, estando, portanto, o “social”, localizado
dentro de uma categoria êmica e não somente institucional. Mais do que isso, o
termo Clubes Negros, sem que se questionasse o sentido, é uma expressão
estatal que serve para dar visibilidade às políticas públicas de apoio a essas
instituições, em outras palavras, é uma expressão cunhada de cima para baixo
e que está se popularizando sem uma investigação detalhada e crítica.
A fundação de clubes étnicos para o divertimento de parte da
comunidade negra, que possuía, no início do século XX, parcas possibilidades
de espaços para a sociabilidade, foi um fenômeno que atingiu dimensões
nacionais, sendo que o clube considerado mais antigo do país – o Clube
Floresta Aurora de Porto Alegre - data de um perído anterior à própria abolição
da escravidão. No Rio Grande do Sul clubes étnicos surgiram mesmo em
localidades de forte colonização européia, como atestam várias pesquisas, é o
caso do Clube Gaúcho de Caxias do Sul, pesquisado por Fabrício Gomes
(2008). Tem-se também a fundação desses clubes no interior do Estado, como
em Pelotas, com inúmeras agremiações, dando destaque para os Clubes
Carnavalescos “Chove e Não Molha” e “Fica Ahí para ir Dizendo”, pesquisados
pelas historiadoras Beatriz Loner e Lorena Gill (2007), sendo aquele último,
objeto de estudos também de Fernanda Oliveira (2008). Temos o exemplo do
Clube 13 de Maio, de Santa Maria, pesquisado pro Giane Escobar (2010), onde
hoje funciona o Museu 13 de Maio. Mais ao sul, temos o Clube Guarani de
Arroio Grande, cujo levantamento de dados foi realizado por membros da
própria comunidade, e integra o acervo do clube. Trago somente exemplos de
clubes étnicos do Rio Grande do Sul, sendo que os citados representam
apenas uma parte dos existentes.
O Clube 24 de Agosto foi fundado em 24 de agosto de 1918 por
iniciativa de dois amigos: Malaquia de Oliveira e Theodoro Rodrigues. Na
fundação do clube participaram mais onze pessoas, entretanto os nomes mais
citados nas entrevistas realizadas são os de Malaquia e Theodoro, sendo que
este último é tido como a figura principal pela empreitada de fundação de uma
instituição para o divertimento e sociabilidade dos negros em Jaguarão. Antes
disso, a comunidade negra jaguarense possuía dois tipos de divertimento: a
festa nas casas das famílias, como nos afirma Nergipe Machado: “eles só
tinham as casas de família que formavam brincadeiras e assim se divertiam” e
o Clube O Gaúcho, primeiro clube étnico de Jaguarão que, de acordo com
Mestre Vado, era considerado violento.
Ainda
existia
outro
espaço
para
sociabilidade,
aprendizado
e
divertimento para esses negros fundadores do 24 de Agosto: o Círculo
Operário Jaguarense. Essa instituição foi fundada em 1911 por membros da
comunidade católica da cidade e, aparentemente, por parte da elite branca
local. Entretanto, ao consultar as atas da sociedade operária, encontrei os
nomes de Theodoro Rodrigues e Malaquia de Oliveira, sendo que o primeiro
chegou ao cargo de presidente, como citado anteriormente.
Retomando o panorama histórico do período, vimos que o Cordão União
da Classe, fundado pelo Clube 24 de Agosto, a ele vinculado, inserem-se no
contexto de estruturação da nova sociedade, moderna e civilizada, desejosa de
novos avanços - tecnológicos e sociais - atentando ainda para as políticas
raciais do início do século XX, que pretendia a uniformização da população em
uma única “raça”, a fim de que o Brasil se transformasse num país “europeu”,
no qual os negros ficariam relegados a um esquecimento intencional ou
atrelados a um processo de doutrinação moralista, sendo que para isso uma
instituição de base católica, como o Círculo Operário, propôs-se bem ao papel
de “educadora” da comunidade negra recém liberta.
Neste sentido, compreendem-se os motivos que levaram os negros
fundadores do Clube 24 de Agosto ao Círculo Operário Jaguarense, pois este
proporcionava uma suposta integração dessa comunidade à sociedade branca,
além de escamotear a etnicidade dos libertos como desejavam as elites
intelectuais da época, através, por exemplo, do ensino de artes e ofícios, da
elevação desses indivíduos a “cidadãos de bem”, incutindo-lhes novos valores
morais e retirando, dessa forma, os estigmas da escravidão que caíam sobre
os negros do início do século XX.
Cabe ainda dizer que o Círculo Operário Jaguarense, foi um espaço não
somente para o aprendizado de artes e ofícios, mas que também
proporcionava
a
sociabilidade
e
descontração
de
seus
associados,
promovendo jogos de cartas, dentre outras atividades. Neste contexto, entre as
atividades de ensino e lazer, foi fundado o Clube 24. Não quero dizer que o
espaço da sociedade operária agiu como um salvador e que suas atitudes
fossem isentas de intenções, muito pelo contrário, pois como visto, essas
instituições estavam indo ao encontro de um projeto político-pedagógico
nacional para fomentar a “educação” dos libertos, ao passo que promovia sua
invisibilidade.
Sendo assim, a entrada de parte dos negros jaguarenses na sociedade
operária, fez com que estes fossem vistos como pertencentes a este estatuto
social – de operários -, um grupo que pertencia a uma determinada categoria
de classe e não a um grupo étnico. Há indícios desse pertencimento à classe
operária nas reportagens vinculadas no jornal “A Situação” sobre o carnaval no
Clube 24, como mostra o trecho a seguir: “Esse appreciado Club, composto de
ellemento operário, festejou também magistralmente o carnaval, tendo
effectuado animados bailes.” (“A Situação”, 23 de fevereiro de 1928) Aqui o
elemento operário deixa para segundo plano a questão étnica, pois esta era
uma pretensão, também, da comunidade negra a fim de que não recaísse
sobre si uma imagem negativa, atrelada ao seu pertencimento étnico, lembrado
pelos tempos da escravidão, e aos estigmas que isto trazia para uma
população que visava sua entrada numa sociedade hierarquizada.
Serem vistos como operários mostrava à sociedade uma imagem
positiva de sua comunidade, pois o “trabalho é o elemento ordenador da
sociedade” (Chalhoub, 2001, p. 70). Numa relação entre moral e trabalho é
compreensível que os negros jaguarenses tenham construído essa imagem de
trabalhadores, pois “as características que são levadas em conta são somente
aquelas que interessam aos próprios atores sociais – a atribuição é o traço
fundamental dos grupos étnicos – o que faz com que os atributos sejam
variáveis” (Schuch, 2002, p. 8). Ainda de acordo com Schuch (2002, p.8) “a
identidade é relacional [...] processual e flexível, com que é constituída em
contextos específicos.” Pode-se dizer, para o caso específico de Jaguarão, que
foi necessária essa auto-identificação dos negros com a classe social operária
a fim de que sua integração se desse sem os estigmas negativos que caía
sobre sua etnicidade, após a lei de 13 de maio.
O pertencimento étnico, vinculado à classe social, que de acordo com
Weber (Weber apud Schuch, 2002, p.13) “está diretamente relacionado com a
noção de poder, já que classe é um fenômeno de distribuição de poder do tipo
econômico”, mostra que essa noção pode ser vista de maneira significativa nos
libertos ligados à sociedade operária jaguarense e ainda mais “tanto a noção
de etnia quanto a noção de classe social é uma categoria política” (Schuch,
2002, p. 27). Colocando isso dentro da ideologia do período, observamos o
fenômeno de “forjamento” da etnia negra em classe social operária, mostrando
dessa maneira que a etnicidade existia, muito embora com outro sentido, ou
seja, os negros jaguarenses desejavam ser identificados pela sociedade como
operários na tentativa de retirar a vigilância e negatividade a que estavam
sujeitados. Neste sentido, o pertencimento étnico pode ser relativizado de
acordo não só com o contexto, mas levando em consideração, também, a
localidade. Essa relação entre classe social, etnicidade e pertencimento étnico
será abordada com mais profundidade na segunda parte deste trabalho, onde
se explorará a nomenclatura do cordão carnavalesco do Clube 24, estando
este relacionado diretamente às questões da negritude, etnicidade, coletividade
e classe social; para o momento ficamos com essa hipótese levantada.
A importância do Clube Social 24 de Agosto para os negros, tanto à
época de sua fundação, como no presente, pode ser exemplificada pelas
palavras do Senhor Nergipe Machado ao falar de sua entrada na sociedade e
do significado que isso teve:
Eu ali me formei um cidadão social, porque eu não tive raízes
sociais, então eu me fiz sozinho na sociedade [...] eu agradeço a
esses velhos que ainda existiam e que me ensinaram a ser um
cidadão social, e assim eu me criei ali dentro, me formei moço, me
casei, criei filho, criei neto, já tô agora criando bisneto, dentro do 24.
(entrevista concedida por Nergipe Machado)
A ideia de ser “um cidadão social” está sempre presente na narrativa de
Nergipe, isso mostra o quanto os descendentes dos antigos escravos
perseguiam essa identificação, a fim de que não fossem mais estigmatizados
pela sua origem étnica a qual os ligava a uma condição de “selvagens” e
“incivilizados”, nos termos da ideologia evolucionista da época.
Assim, nesta primeira parte contextualizou-se o presente, quando da
minha entrada em campo, e os motivos pessoais que impulsionaram esta
pesquisa, além dos problemas financeiros que culminaram com o leilão da
sede do Clube 24 de Agosto. Também ressaltei o contexto histórico das
políticas ordenadas do início do século XX, quando a adoção da ideologia
positivista, baseada na ordem e no progresso, influenciou a maneira como
deveriam ser vistos e tratados os negros recém libertos. Vimos como esse
mesmo ideal atingiu as formas de organizações carnavalescas, dando origem
ao que chamamos de carnaval veneziano, evoluindo para o carnaval
privatizado dos clubes e logo em seguida, uniformizando e organizando o
carnaval de rua, com o aparecimento de inúmeros cordões carnavalescos,
blocos e ranchos, que visavam abolir o “incivilizado” entrudo, cujo fim
decretado não foi definitivo, na medida em que ainda apresenta resquícios no
carnaval contemporâneo.
E por fim, se contou parte da história do Clube Social 24 de Agosto e a
relação dessa instituição com Círculo Operário Jaguarense, mostrando a
importância da identificação dos negros como operários para que fosse retirado
o estigma da escravidão que assombrava a comunidade.
Na continuidade do trabalho, serão abordados os temas referentes ao
cordão carnavalesco, foco principal do presente estudo, trazendo as questões
do pertencimento étnico e de classe sócio-econômica, além da abordagem
sobre a coletividade e as relações performáticas.
Portanto, estas linhas apenas são um pequeno fragmento das
lembranças dessa comunidade que tanto tem para ensinar àqueles que
desejam contar outras histórias desses descendentes dos antigos escravos
jaguarenses vindos de algum rincão da África e que hoje, num contexto de
liberdade, tem buscado a valorização de sua negritude e etnicidade.
PARTE II – O CORDÃO CARNAVALESCO UNIÃO DA CLASSE, A
PERFORMANCE NA AVENIDA E AS MARCHINHAS CARNAVALESCAS
[...] Mas é carnaval não me diga mais quem é você amanhã tudo
volta ao normal deixe a festa acabar deixe o barco correr deixe o
dia raiar que hoje eu sou da maneira que você me quer o que você
pedir eu lhe dou, seja você quem for, seja o que Deus quiser.
(Chico Buarque)
1- O Presente do Cordão Carnavalesco União da Classe: A inserção em
Campo e a Observação Participante.
Em 2009 recebi do Senhor Nergipe Machado um documento, redigido de
forma simples, contendo parte da história de um cordão carnavalesco do Clube
24: O Cordão União da Classe. Quando o li pela primeira vez o que mais me
interessou foi a composição da orquestra do folguedo, pois trazia o nome de
cada músico e o instrumento musical que cada um tocava durante os desfiles.
Ao entrevistar Mestre Vado e Tio Paulo, ambos fizeram referências apenas
a um cordão carnavalesco do Clube 24, pois não lembravam o nome da
agremiação. Questionando Nergipe sobre esse cordão, ele logo disse se tratar
do União da Classe, fundado para pular o carnaval no ano de 1928, e Vado
aparecendo como um dos componentes daquela orquestra.
Neste instante, lembrei-me da tarde em que Vado contou sobre sua
trajetória musical e participação no cordão do Clube 24, quando ainda era
menino de calça curta:
[...] Com 13 anos eu já tocava um pouquinho, então vivia por
dentro do 24. Quando Theodoro veio falar com meu pai para sair num
cordão do 24, eu estava até jogando bola ali de calça curta. Quando
vieram me chamar, e fiquei louco de contente porque ia sair no
cordão do 24 e todo mundo ia ver o cordão do 24, porque tinha um
guri que tocava.(entrevista concedida por MESTRE VADO)
Agora sabia que se tratava do Cordão União da Classe e também sabia
quem era o Theodoro Rodrigues, que além de ter sido um dos fundadores do
Clube 24, também foi sócio-fundador de uma forma de divertimento, no âmbito
do carnaval, para sócios e membros daquela instituição.
Aguçada a curiosidade, resolvi investigar mais sobre o Cordão União da
Classe no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão, pesquisando
no Jornal “A Situação”, tendo por referência o documento de Nergipe, que
indicava 1928 como ano de fundação do folguedo. Ao folhar os jornais daquele
ano, percebi que o cordão já era considerado popular e sendo assim recuei
quatro anos, chegando ao ano de 1924, onde encontrei o anúncio da sua
fundação e inúmeras reportagens sobre a agremiação do Clube 24 de Agosto.
Ao levantar essas notícias a respeito do cordão União da Classe, fui
levando-as aos membros sócios e diretores do Clube 24, e, para minha
surpresa, poucos conheciam aquele folguedo e mesmo desconheciam a
história de fundação da própria instituição que o abrigava, ou seja, o Clube.
Comecei então a apresentar parte dessa pesquisa em eventos da própria
Universidade Federal de Pelotas e em dois eventos locais, na cidade Jaguarão
- Seminário Internacional Bioma Pampa e I Semana da consciência Negra de
Jaguarão - que deram boa visibilidade para o Clube e para a pesquisa. Nestes
eventos houve a oportunidade dos próprios integrantes do Clube e
simpatizantes conhecerem um pouco dessa história.
Foi desta e de outras maneiras, como nas conversas informais com os
colaboradores deste trabalho, que ressurgiu parte da história do 24 de Agosto –
aqui devo esclarecer que essa pesquisa não se deve a um esforço puramente
solitário do pesquisador e seu campo/objeto de estudos, mas sim a uma gama
de pessoas que, de maneira direta ou indireta, são parte integrante que deu
andamento ao estudo sobre o cordão União da Classe e fundação do Clube 24.
Sendo assim, o diálogo entre passado e presente foi uma constante durante
o processo de levantamento dos dados nos arquivos da cidade e a entrega
dessas informações para a comunidade, de modo a estabelecer um contato
entre uma “etnografia do passado” ou dos arquivos, que “pode iluminar uma
outra temporalidade dos documentos, para além daquela que remete ao evento
ou à atividade que registram” (Heymann, 2008, p. 8) e a “etnografia do
presente”. Enquanto a primeira estava sendo realizada de maneira solitária
entre os jornais, a segunda me permitia uma partilha de informações com meus
colaboradores, a respeito das reportagens encontradas sobre o cordão
carnavalesco do Clube.
Entretanto, essa etnografia não se deu de forma tão intensa de acordo com
os ensinamentos de Malinowski que exaltava a necessidade de: “[...]
permanecer em contato tão estreito quanto possível com os nativos, o que na
realidade só pode ser alcançado pela residência efetiva em suas aldeias”
(Malinowski, 1978, p. 43) – devido à distância espacial existente entre a cidade
que resido atualmente e aquela onde está situado o campo de atuação e os
colaboradores da pesquisa. Mas se não estive presente de maneira intensa,
em termos de convivência contínua no mesmo espaço físico, pude fazer uma
“observação participante” (Foote-Whyte, 1975) sem prejudicar a continuidade
da pesquisa e sem prejudicar minha relação com os colaboradores. Essa
observação participante foi se dando na medida em que trazia alguns dados da
pesquisa documental, facilitando, assim, minha aceitação dentro do grupo, que
me considerava da família por causa do meu avô paterno.
Porém, a relação que se estabeleceu sempre foi de alteridade, ou seja,
sempre fui o diferente naquele grupo, o que não significou um distanciamento
brutal nas relações. Assim, mesmo tentando ser membro da comunidade
pesquisada, dando um mergulho total no campo, isso não ocorreu e não
ocorrerá, pois de acordo com Foote-Whyte: “aprendi que as pessoas não
esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade estavam interessadas em
mim e satisfeitas comigo porque viam que eu era diferente. Abandonei,
portanto, meus esforços de imersão total” (Foote-Whyte apud Valladares, 2007,
p. 154).
Portanto, a metodologia baseada na observação participante, no contexto
presente, foi o caminho encontrado para as conversas paralelas trazendo a
subjetividade dos interlocutores, seus sentimentos, etc; como por exemplo, no
dia em que encontrei por acaso o Senhor Nergipe e a Senhora Aldaci numa
esquina e começaram a lembrar dos tempos em que a sede do Clube 24 ficava
situada atrás da Matriz do Divino Espírito Santo, rememorando os antigos
carnavais e festas do Clube a partir de algumas fotos que a Senhora Aldaci
havia me emprestado; neste dia a emoção daquelas pessoas era evidente ao
se sentirem projetadas naquele tempo passado novamente, suas histórias de
juventude e suas trajetórias individuais carregaram aquele encontro de
nostalgia e passei a denominar aquele lugar de a “esquina da saudade”, pois
todo encontro se deu entre as ruas Barbosa Neto e Quinze de Novembro, na
cidade de Jaguarão.
Por vezes pensei que estava virando membro da comunidade, como se
fosse parte efetiva do quadro de sócios do Clube, chegando a pensar que
deveria fazer algo mais pela instituição no que concerne à questão patrimonial
(através da mobilização de um número suficiente de pessoas para manter
intacta a sede do Clube), assim como à questão financeira. Mas percebi que
meus colaboradores já haviam determinado qual seria a minha tarefa: mostrar
para a sociedade jaguarense, de certa forma, mesmo que simples, que alguém
se importava com a história daquela instituição e com a história de parte da
comunidade negra da cidade. E foi assim, “nos limites de passar da
observação participante [...] para uma participação observante” (Prass, 2004, p.
28) que dei continuidade à pesquisa jornalística sobre o cordão União da
Classe, mantendo atualizada a comunidade agostiniana, mesmo correndo o
risco de “se perder enquanto sujeito teórico.” (Prass, 2008).
Foi desta forma que consegui me inserir dentro do Clube, conquistando a
amizade e a confiança necessárias para seguir com meu trabalho; essa
inserção se deu quando, em um churrasco, fui convidada para falar, expondo
minha pesquisa e meus estudos para os diretores do 24 de Agosto. Desde
então fiquei conhecida como “a Jú” ou simplesmente “a guria que pesquisa o
24”.
2- Cordas, Cordões e Comparsas: O Cordão Carnavalesco do Clube 24 de
Agosto no Carnaval Jaguarense.
O carnaval jaguarense do início do século XX teve inúmeras agremiações
em estilo bloco, cordão ou ranchos carnavalescos, com destaque para o
Troveja Mas Não Chove que alegrou os carnavais da cidade até meados da
década de 1940. Outro bloco, de nome muito interessante, tido pelo jornal “A
Situação” como impagável, foi o Bloco da Ignácia ou Família Carrapatosa que
desfilou no carnaval de 1928 – sobre essa agremiação não foi encontrado
nenhuma outra referência nos anos pesquisados, mas pela descrição parece
ser um bloco humorístico (com encenação de pequenas peças teatrais cômicas
ao longo do desfile) e não burlesco (evolução na avenida sem encenação
teatral) – assim como o cordão dos Sempre Vivas. Além desses grupos,
animou as ruas da cidade um bloco chamado de Minas, que aparece na
narrativa de Mestre Vado como um bloco formado por negras vestidas com
indumentárias africanas, com turbantes e roupas brancas. O interessante
desse grupo de Minas é o nome que mostra sua pertença à determinada etnia
em um período fortemente “branqueador” 6 da cultura africana e afro-brasileira.
Tem-se, ainda, a notícia de que saía às ruas de Jaguarão o “alegre Zé
Pereira” referendado pelo mesmo periódico supracitado, assaltando diversos
clubes do centro da cidade. Cabe dar destaque ao cordão dos Misturados e ao
Cordão Bando da Lua fundado em 1936, talvez sob a influência do famoso
conjunto vocal, de mesmo nome, que tanto fez sucesso ao lado de diversos
artistas brasileiros, em especial Carmem Miranda.
A tradicional Batalha das Flores (similar ao corso só que os componentes
que desfilam em cima dos carros são tomados por uma chuva de flores, daí o
nome batalha das flores) não foi mencionada pelo jornal nos anos pesquisados.
Já as festividades do Corso (pessoas fantasiadas em cima de carros de
passeio) possuem notícias vinculadas à imprensa. Há que se dizer que havia
um cordão carnavalesco chamado Fica Ahí, de designação igual ao Clube
6
Ver Domingues (2004).
Carnavalesco pelotense; entretanto nada foi encontrado para que se pudesse
confirmar uma ligação de compadrio entre ambas as instituições.
No meio dessas inúmeras manifestações carnavalescas, a que mais
ganhou destaque, através da imprensa, no carnaval jaguarense foi o Cordão
União da Classe. Diferente de outras agremiações, o Cordão União da Classe
foi fundado dentro do Clube 24 de Agosto, para o carnaval de 1924. Embora
haja indícios de que o cordão carnavalesco possuía atas de sua fundação e de
doações, até o presente nada foi encontrado. O que se tem sobre essa
manifestação diz respeito às reportagens veiculadas no jornal “A Situação” e as
narrativas dos colaboradores da pesquisa. É interessante o termo comparsa
formada por militares – a maioria dos negros que fundaram tanto o Clube 24
como o cordão faziam parte do exército, pois a entrada de negros nessa
instituição era comum para o início do século XX 7 – antes do tríduo momesco,
como contou D. Tereza de Los Angeles.
O Cordão União da Classe surgiu, ao que tudo indica, a partir de uma
comparsa organizada pelo Clube 24, que percorreu as ruas anunciando uma
novidade para o carnaval de 1924. Essa passeata foi noticiada e recebida com
alegria pelos transeuntes que se encontravam no trajeto. Abaixo, trecho da
reportagem: “Uma comparsa do Club 24 de Agosto percorreu hontem algumas
ruas da cidade, puchada por excellente orchestra que mereceu elogios de
quantos ouviram.” (A Situação, 22 de Fevereiro de 1924).
Esse termo comparsa não é recorrente em outros estudos sobre cordões
carnavalescos, sendo que para o presente foram consultados os trabalhos de
Germano (1999), Rosa (2008) e Loner & Gill (2007) e ainda a pesquisa de
Simson (2007) sobre o carnaval paulistano, e nenhum faz menção à formação
de comparsas antes do desfile oficial do folguedo. A performance em formato
de passeata aparece para os estudos de cordões no Rio Grande do Sul, com o
nome de muamba (uma grande “bagunça” que consiste em sair às ruas da
cidade, sem organização e sem fantasias, com intuito de arrecadar dinheiro
para o carnaval) .
7
Sobre esse assunto ver Loner (1996).
Entretanto, a proximidade com o Uruguai proporcionada pela intensa
transitividade de pessoas na região de fronteira, em especial, a transitividade
de músicos de ambos os países, leva a pensar que a comparsa seja influência
do país vizinho, pois esse termo designa a forma de desfile do Candombe,
manifestação carnavalesca afro-uruguaia que se desenvolve ao som
percussivo de três tambores, percorrendo as avenidas principais da cidade de
Montevidéu, com a participação de personagens típicos. Esse termo comparsa,
de acordo com Alfaro (2008), foi apropriado pelas agrupaciones de negros,
ainda no século XIX, colocando nesse modo de desfilar a tradição dos
tambores de Candombe.
Ao que tudo indica essas comparsas uruguaias são similares aos
cordões carnavalescos brasileiros, pois possuíam nomes engraçados,
estimulando o riso durante as festividades, além de realizarem crítica social,
como diz Alfaro: “la Comparsa Fomentista [...] em medio de las carcajadas
generales, la comparsa parodiaba la fiebre especulativa de aquellos días al
mejor postor cuanto caía em sus manos” (Alfaro, 2008, p. 17). O episódio
narrado pela autora diz respeito à especulação imobiliária que ocorreu na
segunda metade do século XIX na cidade de Montevidéu, sendo paródia da
comparsa acima citada, realizada através de uma canção que ficou famosa
naqueles
dias
de
Momo.
Outra
semelhança
existente
entre
essas
manifestações carnavalescas é o repertório musical que, no final do século XIX
e início do XX, era composto por polcas, mazurcas e valsas, notadamente
influenciado pelo estilo europeu.
Além disso, essas comparsas uruguaias, à similaridade dos cordões
jaguarenses, foram formadas a partir das Sociedades afrouruguaias e “tais
sociedades, nos dias de carnaval, constituíam-se em comparsas. Em 1870, os
jornais [...] apontavam para a existência de três comparsas [...] todas
organizadas a partir de Sociedades Filarmônicas.” (Guterres, 2003, p. 81).
Esse fato indica que a comparsa jaguarense está mais voltada ao carnaval
afrouruguaio, do que ao carnaval brasileiro.
Depois do anúncio da comparsa, o Cordão União da Classe fez sua
primeira aparição numa terça-feira gorda do carnaval de 1924:
O traço mais frisante de originalidade foi dado pelo bem organisado
cordão União da Classe. Composto por elementos do club 24 de
Agosto, nada deixou a desejar. Primou tanto pela uniformidade de
trajes como pelas composições vocalisadas com o melhor gosto
de precisão. A curiosidade que despertou em nosso público foi
enorme, seguindo-o, através das ruas da cidade, uma grande
multidão de phantasiados e curiosos. (Jornal A Situação, 5 de Março
de 1924)
Nota-se que a expectativa quanto ao desfile do cordão foi superada ao
mostrar na avenida o bom preparo, tanto de suas fantasias como de suas
canções compostas especialmente para o carnaval daquele ano. O que chama
atenção nesse texto é a exaltação que o jornal faz ao cordão “composto por
elementos do club 24 de Agosto” (grifo meu), pois não se pode deixar de lado
que esse veículo de comunicação pertencia à elite branca da cidade.
Porém, todos esses preparativos em torno das fantasias, das músicas,
da evolução e o primado pela uniformidade durante os desfiles eram para
passar, através da imprensa, uma imagem positiva de sua comunidade para os
“outros”. Isso também ocorreu com os cordões populares em Porto Alegre:
“valores como ordem, disciplina, organização, associados aos blocos e cordões
populares também eram exaltados pela imprensa, que funcionava como
legitimadora e normatizadora de padrões de comportamento.” (Íris Germano,
1999, p. 141). Mestre Vado lembra:
Eram moças e rapazes, então era bem ensaiado e a gente saía a
cantar nas casas, mandavam um ofício e a pessoa esperava e depois
davam um envelope ali com um dinheiro e saía de um e ia a outro.
Saía de tarde e voltava de noite e depois de noite tinha o baile que ia
até um pedaço e naquele tempo era lindo. (entrevista concedida por
Mestre Vado)
Ainda sobre essa questão, Marcus Rosa em estudo recente sobre
cordões carnavalescos populares da capital, diz que: “as preocupações [...]
giravam em torno de dois elementos principais: os instrumentistas e os trajes
festivos. Ambos denunciam a importância que os próprios foliões atribuíam à
sua auto-imagem pública e ao desempenho carnavalesco durante os desfiles.”
(Rosa, 2008, p. 62).
Isso implica em um desfile altamente organizado e com impecável
precisão nas “composições vocalisadas com melhor gosto”, pois desta forma
estariam evitando as “caracterizações depreciativas que sobre eles pesavam
em suas vidas cotidianas.” (Rosa, 2008, p. 54). O contexto prova essa
depreciação a partir do escamoteamento do negro na nova sociedade de
classe. Portanto, o cotidiano carnavalesco aparece aqui não só como um
momento de suspensão dos papeis sociais, mas como um legitimador da “boa
imagem” para o período pós-carnaval, objetivo que os negros almejavam ao se
apresentarem de maneira organizada, com fantasias impecáveis e um bom
gosto musical impresso nas suas orquestras.
Para ilustração desse tipo de agremiação carnavalesca, abaixo
reproduzo uma fotografia do Cordão Carnavalesco União da Classe, que
apesar de não estar datado, permite afirmar que se tratava do início do século
XX, pelo estilo de disposição dos seus integrantes, pelas fantasias iguais a
todos e pela orquestra com ausência de instrumentação percussiva.
Imagem 2: Cordão Carnavalesco União da Classe.
Essa imagem é muito significativa e só vem ratificar a ideia de que a
comunidade negra aproveitava o momento liminar (Turner apud Dawsey), ou
seja, de inversões e suspensão dos papeis sociais, do carnaval para produzir
uma imagem diversa daquela que lhe era imposta no restante do ano.
Isso pode ser percebido, dentre outras coisas, pelo estilo de fantasia
utilizado pelos integrantes do Cordão União da Classe que: “revela mais que
oculta, já que uma fantasia, representando um desejo escondido, faz uma
síntese entre o fantasiado, os papéis que representa e os que gostaria de
desempenhar.” (DaMatta, 1997, p. 61).
Por isso que, ao se encontrarem em dificuldades financeiras – como
ocorreu com o União da Classe no carnaval de 1930 -, os cordões
carnavalescos ligados à comunidade negra não desfilavam, pois o carnaval
não era visto como um folguedo só para o divertimento, mas como uma forma
de tentar construir uma boa imagem diante de uma sociedade que os excluía,
tentando ficar distantes dos estigmas do cotidiano. Daí o sentido da
uniformização dos trajes, correção de postura durante os desfiles e
principalmente: vocalidades impecáveis, instrumentistas bem ensaiados e
preferencialmente canções feitas pelo próprio grupo.
Há que se dizer ainda, que o carnaval representa uma quebra na
estrutura social, pois é um momento em que o tempo lógico é suspenso em
favor de um tempo cósmico, é o “extraordinário construído pela e para a
sociedade” (DaMatta, 1997, p. 47), sendo a partir dessa quebra, desse
extraordinário necessário, que os negros viram a oportunidade de retirar-lhes
os elementos depreciativos, como por exemplo, a malandragem. Portanto,
pode-se afirmar que o festejo carnavalesco possuía um sentido político muito
forte, pois, ao servir como construtor de um padrão social de conduta, deixa de
lado, por alguns instantes, sua característica de “suspensão” para ser encarado
com seriedade por parte da comunidade negra.
2.1 – Cordas, Cordões e o Hibridismo Cultural
São escassos os estudos sobre o surgimento desse tipo de organização
carnavalesca, seja pelo formato peculiar como se apresentava às ruas, em fila
indiana, representando uma espécie de corda, seja sobre o sentido de
“profanação” dos ritos católicos do século XVIII, há muito estudado por
pesquisadores do tema. Esses questionamentos são importantes na medida
em que se observa a questão da performance desses cordões (em estilo
procissional com os integrantes de mãos dadas, ou em fila indiana) durante a
evolução na avenida - seria reducionista afirmar que os cordões são um
derivado das procissões católicas do Brasil colônia, pois dessa maneira está-se
excluindo uma gama de trocas culturais vinculadas a esses folguedos.
A primeira notícia sobre os cordões carnavalescos remonta à segunda
metade do século XIX, com a repressão ao entrudo, como visto anteriormente,
e de acordo com Tinhorão:
O povo lembrou-se de paganizar a estrutura das procissões e no
correr da segunda metade do século XIX apareceram os cordões. Os
cordões [...] constituíam uma sobrevivência das alas de certas
procissões, como a de Nossa Senhora do Rosário – em que se
permitiam cantos e danças de caráter dramático. (Tinhorão, 1975, p.
113).
Como se vê, Tinhorão levantou a hipótese de profanação dos ritos
católicos, ao passo que, fazendo isso, excluiu as mesclas (Néstor Canclini,
2003) culturais entre brancos e negros, comuns numa sociedade colonizada,
como é o caso da brasileira. Mas, levando em consideração que este tipo de
manifestação carnavalesca surgiu em todo Brasil, não faz sentido concluir que
os cordões carnavalescos surgiram de um ato de profanação de determinado
culto religioso.
Para Olga Von Simson o folguedo carnavalesco em estilo corda teria
sido originado a partir de outras festas afro-brasileiras: “destacam-se duas
influências culturais. A primeira, mais antiga e negra, diz respeito às festas de
caráter profano-religioso – como a congada, moçambique e o próprio samba de
Pirapora.” (Simson, 2007, p. 115). Essa autora ainda coloca outras influências
para o surgimento dessas organizações, como por exemplo, a partir de outros
folguedos, o cinema e o teatro de revista, dentre outros.
Tomando ainda como referência o contexto geográfico da cidade de
Jaguarão, pode-se dizer que essas organizações também tiveram influências
culturais do país vizinho, Uruguai, pois, desde os tempos coloniais, já se tem
notícias dos primeiros folguedos afrouruguaios, tendo o candombe - que possui
uma forma procissional de desfile, podendo apresentar-se, também, parado,
nos chamados tablados e em teatros, formando cordas de tambores - se
originado a partir das coroações de reis Congos, uma das vertentes culturais
que compõem a estrutura dos cordões brasileiros:
Sin perjuicio de tales antecedentes, la década de 1890 marca un
antes y um después en la articulación del carnaval montevideano com
el candombe, cerimônia ritual de origen africano em la cual, desde los
tiempos de la colônia, los negros recreaban la coronación de los
reyes congos. (Alfaro, 2008, p. 18)
A autora supracitada, assim como Simson, abre outro caminho para o
surgimento dos cordões carnavalescos, a partir, no caso da fronteira
jaguarense, do candombe, substituindo os tambores pelas vozes femininas do
União da Classe. Trata-se, portanto de uma manifestação com várias
estruturas, podendo ser considerada dentro das chamadas culturas híbridas. A
hibridação “aparece hoy como el concepto que permite lecturas abiertas y
plurales de las mezclas históricas [...] contribuye a identificar y explicar
múltiples alianzas fecundas.” (Canclini, 2003, p. 3).
Mestre Vado traz outra possível vertente cultural de influência na
formação dessas cordas de carnaval, ao se lembrar dos cordões funerários
africanos, realizados pelos antigos escravos jaguarenses, radicados à rua do
cordão após o fim da escravidão – apontando, também, para a fundação da
umbanda na cidade – conhecidos por cordão da mão dada, que consistia em:
Tinha um costume, lá da terra deles, a África, que batiam tambor e
choravam nos enterros, faziam preces e aquelas tradições deles, na
volta de uma mesa de mão dada, uma espécie de um cordão assim e
rodavam e giravam e rezavam e daí tiraram a umbanda [...] era
costume lá da África, que eles traziam tradição, de chorar nos
enterros e tudo. (entrevista concedida por Mestre Vado)
Portanto, esse ritual funerário também aparece como referência para a
formação dos cordões carnavalescos. Trajano Filho, numa pesquisa realizada
sobre carnaval de São Tomé e Príncipe ratifica essa ideia e ainda faz a
seguinte proposição: “carnaval em formato de cordão pode ser resultante de
uma fusão do antigo teatro medieval português com práticas funerárias
africanas, onde se homenageava o falecido visitando a casa dos parentes, para
contar histórias de forma cantada” (Trajano Filho, 1992, p. 9).
Neste sentido, percebe-se que existem três estruturas na formação das
cordas carnavalescas: as antigas festas de coroação dos reis congos, as
procissões religiosas do século XVIII e os cordões funerários africanos. Dessa
forma, os cordões carnavalescos são um híbrido, pois “a mera qualificação de
uma forma estética como híbrida implica a existência de outras que certamente
não são híbridas.” (José Jorge de Carvalho, 2000, p. 6) e essas outras formas
estéticas foram identificadas, estando presentes em três estruturas.
Portanto, essa manifestação carnavalesca com um jeito de desfilar
regrado, de mãos dadas ou até mesmo em fila indiana (como ocorreu nos
cordões da década de 1950) de forma procissional, como se estivessem
levando um corpo já morto, remetendo às visitações que realizavam na
residência de pessoas mais próximas, pode ser considerada um híbrido
proveniente das mais variadas culturas, tanto portuguesas, à época do Brasil
colonial, como africanas e, para Jaguarão, uruguaias.
Esse fato mostra que existiram múltiplos processos de trocas e até
mesmo negociações culturais, entre brancos e negros, criando organizações,
que, ao mesmo tempo pertenciam à ordem moralista da sociedade branca, que
condenava os folguedos africanos, e à ordem social dos afro-brasileiros, que
por utilizar a estrutura performática das procissões, puderem manter alguns
resquícios da sua cultura de origem.
3 – “Somos o Suco do Carnaval!” O Cordão União da Classe e a
Marchinha Carnavalesca
O cordão União da Classe; O cordão da mocidade; Vem hoje
mostrar-se alegre; Ao povo desta cidade. Nesta cidade querida; Não
tem, nem teve rival; É o sucesso do dia; O suco do carnaval. (Jornal
“A Situação” 5 de Março de 1924)
Quando pesamos em carnaval, atualmente, logo vem à mente os
grandes desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, suas grandes
alegorias,
fantasias enormes,
ornadas com plumas e
lantejoulas e,
principalmente, na sua grande bateria, o chamado coração de cada escola. A
música de carnaval que hoje toma conta dos bailes, festividades e desfiles são
de dois tipos: samba enredo e axé music, sendo que esta última vem ocupando
um espaço significativo nos últimos dez anos.
O que não passa pela nossa cabeça é que, até chegar ao tipo de
música que escutamos hoje, seja em festividades distintas do período
carnavalesco, ou nos dias dedicados a Momo, passaram-se vários séculos de
trocas culturais, recebendo influências diversificadas que deram origem a esse
caldeirão de ritmos característicos do Brasil.
Esse trabalho, evidentemente, não tratará de todos os gêneros musicais
que existiram no Brasil, desde a sua descoberta até o período recente de
nossa história, e sim fará um recorte sobre os sons produzidos pelos negros,
desde os tempos da colonização até o apogeu das músicas feitas para
carnaval, com ênfase às marchinhas carnavalescas que tanto sucesso fizeram.
Apesar de escassas as notícias sobre os primeiros sons produzidos
pelos negros no Brasil, há indícios desde o século XVII quando um senhor de
engenho chamado Baltazar de Aragão, ostentava “uma banda integrada por 20
ou 30 escravos, dirigidos por um vizinho de Marselha.” (Tinhorão, 2008, p. 32).
Não se pode pensar, entretanto, que o Brasil passou mais de cem anos em
silêncio, os primeiros sons reproduzidos em terras brasileiras vinham de dentro
das igrejas, como relatado pelo padre José de Anchieta em 1584, quando
meninos indígenas “fizeram suas danças à portuguesa, com tamboris e violas,
com muita graça, como se fossem meninos portugueses.” (Tinhorão, 2008,
p.32). Existem os registros de pintores, que retratam o cotidiano da colônia
portuguesa,
nos
quais
podem ser
encontrados
escravos
com seus
instrumentos ou ainda em posição de dança.
Em 1645, escravos pernambucanos entoavam cânticos de guerra na luta
contra a expulsão dos holandeses: “levantaram logo todos os circunstantes as
vozes... e banhados de alegria, aclamaram por três vezes a vitória, e a
celebraram ao som de charamelas, caixas e trombetas.” (Frei Manuel Calado
apud Tinhorão, 2008, p.34).
Mas, os sons que ficaram marcados como tipicamente africanos, dizem
respeito aos “batuques”, descritos de forma genérica pelos colonizadores,
como provenientes dos cultos afro-religiosos, executados pelos escravos nas
fazendas. Porém, deve-se olhar com desconfiança essas generalizações, pois,
nem todos os toques de tambor são de origem religiosa, embora os mais
significativos para o período e que mereceram algumas páginas nos relatos
dos viajantes, fossem os sons dos calundus ou calundu, que Tinhorão
descreve como uma “cerimônia religiosa de escravos”.
Os registros mais antigos dessas manifestações dos escravos ficaram a
cargo do famoso e debochado poeta Gregório de Matos Guerra. Em seus
poemas, ele traz representações de escravas possuídas por algumas
divindades, as quais davam o nome de calundus. De acordo com Tinhorão,
tratava-se de “cerimônias religiosas que, por incluírem a invocação das
entidades chamadas calundus [...] acabariam passando esse nome aos sons
de seus batuques.” (Tinhorão, 2008, p. 37)
Sobre as composições de Gregório, o autor supracitado diz se tratar de
dois poemas “da sua fase na Bahia”: a primeira, um romance, sempre trazendo
a mulher negra como sedutora e possuidora dos calundus; a segunda narra um
relacionamento sexual entre um frei franciscano e uma escrava que estava
possuída pelos lundus durante o ato sexual.8
O importante de reter sobre essas manifestações religiosas e sua
musicalidade, ocorridas no tempo da colonização, é que a partir delas,
possivelmente, originaram-se dois gêneros musicais brasileiros – os quais são,
na verdade, uma mescla de ritmos portugueses, afro-brasileiros e africanos – o
lundu (umbigada) e o samba.
O surgimento do samba ainda é um mistério, pois há, em sua estrutura
rítmica, inúmeras vertentes culturais, e autores como José Bittencourt, apontam
para os tambores do jongo como uma dessas vertentes. Já José Tinhorão
aponta para o lundu, que virou canção em meados do século XIX, mesclandose com outros gêneros musicas, como a polca, na virada de um século para
outro, como outra vertente para o surgimento do samba. Essa discussão é
longa, e ainda não se tem uma definição concluída de quais estruturas
originaram o samba; o que se percebe é que se trata, novamente, de uma
estrutura híbrida, pois possui mais de duas influências culturais não mescladas.
É sobre esse gênero musical que se sustentará o carnaval a partir da
década de 1940, com o aparecimento dos primeiros sambas-enredo para as
escolas de samba. Entretanto, antes do samba tornar-se música, digamos,
“oficial” do carnaval, outros gêneros tomaram conta das ruas e dos salões.
Cabe ainda destacar que o entrudo, considerado o ancestral do carnaval, não
possuía animação através de sons, como visto na primeira parte desse
trabalho, apenas constituía-se numa grande loucura de jogos de limões de
cheiro e água suja.
Os primeiros gêneros musicais para o carnaval apareceram com o
surgimento dos bailes públicos de salão à moda européia, promovidos por uma
trupe de teatro italiana radicada na corte, introduzindo artigos carnavalescos
como o confete, a serpentina e a polca. Para Tinhorão, esse foi o primeiro ritmo
8
Sobre esse assunto ver Tinhorão (2008).
musical vinculado ao carnaval. A polca surgiu em 1844 e consistia em: “dança
de par enlaçado européia” (Tinhorão, 1975, p. 112).
Além da polca, existiam outros dois gêneros musicais ligados ao
carnaval: as valsas e as mazurcas. Embora esses últimos ritmos tenham feito
sucesso no Brasil, a polca, para o carnaval, fazia mais sucesso devido ao seu
andamento acelerado em compasso binário. Essas primeiras músicas
incorporadas ao carnaval podem ser consideradas carnavalizadas, ou seja,
gêneros musicais que fizeram parte dos festejos carnavalescos, na segunda
metade do século XIX, mas que não foram compostas para aquele tipo de
festividade. O sentido de carnavalizado diz respeito à simbologia carnavalesca
que amplia o conceito do carnaval, dando características carnavalescas para
músicas não carnavalescas.9
Entretanto, as primeiras músicas dedicadas ao carnaval não demoraram
a surgir. Dentre essas, destacamos as marchinhas carnavalescas que,
segundo Tinhorão, apareceram com os primeiros cordões carnavalescos,
sendo a primeira marcha - composta em 1899 a pedido do cordão Rosa de
Ouro - intitulada “Ó Abre Alas”, da maestrina Chiquinha Gonzaga, fazendo
“sucesso entre os foliões na primeira década do século XX e até hoje símbolo
de referência do carnaval carioca” (Dicionário Houaiss Ilustrado da Música
Popular Brasileira, 2006, p. 326). Antes da marcinha tem-se uma canção feita
especialmente para carnaval, do cordão Flor de São Lourenço, de 1885.
As marchinhas carnavalescas, de compasso binário, com letras jocosas,
por vezes críticas, possuíam uma cadencia que Tinhorão afirma ser:
“[...] típica de compositores da classe média da
década de 20, a marcha carnavalesca
representava mais o resultado do impacto de
marchas portuguesas divulgadas no Brasil por
companhias de teatro musicado nos primeiros
anos do século.” (Tinhorão, 1975, p. 126).
9
Para melhor compreender o conceito de carnavalizado em outros contextos, ver Bakhtin
(2008).
Além dessa influência portuguesa, as marchinhas carnavalescas têm
muito do ritmo da marcha militar com “andamento acelerado, melodias simples
e comunicativas” (André Diniz, 2006, p. 93). Esse andamento acelerado é
considerado por Tinhorão como facilitador do andamento na avenida e,
lembrando as estruturas dos cordões carnavalescos e sua performance na
avenida, pode-se constatar que essa afirmação faz sentido ao pensar que o
andamento daquela forma de organização carnavalesca deveria ser mais
embalada pela sua característica procissional.
Essas canções não foram um gênero musical somente dos grandes
centros do Brasil. No Rio Grande do Sul, figuraram muitos compositores desse
estilo musical, dando destaque aqui a Lupicínio Rodrigues, que começou sua
carreira musical como compositor de marchas carnavalescas para ranchos de
Porto Alegre. Neste sentido, esse tipo de música se espalhou pelo país,
chegando dessa forma, ao carnaval jaguarense e ao Cordão União da Classe.
Mestre Vado, com sua lembrança musical, relata que algumas dessas
marchinhas carnavalescas eram compradas pelo Quartel Militar da cidade (3º
Regimento de Cavalaria General Osório) e vinham pelo correio. Essas canções
eram de compositores famosos como Lamartine Babo, Noel Rosa e Ari Barroso
e, de acordo com Vado, eram executadas de surpresa pelos componentes da
orquestra do Cordão União da Classe:
Então naquele tempo não havia rádio, ninguém conhecia essas
músicas, então quando o cordão entrava numa casa ele apresentava
de surpresa; então eles não davam nem o nome das músicas, apitava
ali, o apitador era o Teodoro Rodrigues, e diziam, samba número um,
e a orquestra tocava e entrava cantando [...] só que os sambas de
antes não eram uns sambas enfezados como os de hoje, eram tudo
de mão dada, com aqueles passos certos, não requebravam, e
faziam uma roda assim, e a orquestra no centro tocando. (entrevista
concedida por Mestre Vado)
Esse samba a que se refere Vado, com andar mais lento, diferente dos
sambas enredo de hoje, em tom mais acelerado; são as marchas
carnavalescas, genericamente chamadas de samba, que serviam para a
performance de mãos dadas do cordão, sem as danças requebradas das
passistas da atualidade. O interessante dessa narrativa de Mestre Vado é o
fato de a orquestra ocupar o centro da performance musical, rodeada por
pessoas de mãos dadas, lembrando as celebrações funerárias dos antigos
escravos jaguarenses, que,desse modo levavam o falecido, no centro da roda,
até o sepultamento. Na imagem do cordão fica evidente o estilo performático
narrado por Vado.
Imagem 3: Cordão União da Classe em desfile na avenida 27 de Janeiro. Ao fundo a orquestra.
Essa performance em cortejo é facilitada pelo andamento rítmico das
marchas carnavalescas, como bem refere Tinhorão. O Cordão União da Classe
compôs, para o carnaval de 1924, seus primeiros sambas e marchinhas
carnavalescas. Essas composições (trata-se de dois sambas e duas marchas)
foram publicadas pelo jornal “A Situação”. Entretanto, o que se possui dessas
canções são apenas os textos poético-carnavalescos; os sons são baseados
em audições e análises de marchinhas carnavalescas produzidas à época das
marchas do União da Classe.
Nessas músicas, percebe-se elementos étnicos, de coletividade e
unidade, da uniformidade e maestria do cordão, vitorioso em suas competições
carnavalescas. A marchinha escolhida para análise nesse estudo foi a de
número 2, publicada em 5 de março de 1924, causando surpresa aos
transeuntes que acompanhavam a peregrinação carnavalesca do União da
Classe.
Marcha nº 2
Avante oh
brincar;
companheiros,
vamos
Não encontra competidor
Dizem, eu não afirmo;
Com alegria, unidos, vamos saudar;
Mas aqui a voz é geral
Nosso rei da folia sejamos bem
unidos;
Se não sahisse esse cordão;
Não haveria carnaval;
Para nosso cordão honrar;
CORO
Pela entrada do carnaval;
Saudando o povo em geral;
CORO
Ao nobre povo agradecemos;
Grupo há por toda parte;
É fácil coisa de fazer;
Ao nobre povo agradecemos;
Mas como o nosso não há, não há;
Do fundo d‟alma e do coração;
Os applausos que são tributados;
A este modesto cordão;
2
Sigamos para frente
Despreocupados e sem temor;
Inda é preciso nascer;
Nosso cordão é batuta;
Rapaziada destemida;
Quem não goza o carnaval;
Não tem prazer nesta vida.
(grifos meus)
Que este bloco no mundo;
As palavras em destaque são apenas ilustrativas do discurso que os
integrantes do cordão desejavam passar. Longe de se propor uma análise de
discurso, a marchinha aqui é vista como um modo legitimador do
comportamento da comunidade negra jaguarense, como afirma Germano, ou
seja, mostravam-se humildes e organizados, comprometidos com aquele
mundo inverso do carnaval, como explicitado antes, sendo o carnaval uma
oportunidade de retirada dos estigmas negativos que recaíam sobre os recém
libertos.
Dessa canção nos restou esse texto. O sentimento durante a audição
dessa música, a performance durante a execução e a emoção que causava no
público somente pode-se imaginar. Entretanto, além do descrito acima, é
possível perceber elementos que indicam como se apresentavam na avenida,
suas reverências ao povo e o gosto deste por suas canções. Como afirma Ruth
Finnegan: “tomar a canção e a poesia [...] não como texto, mas como
performance” (Finnegan, 2008, p. 18).
Assim, essa marcha carnavalesca faz parte da performance que ela
integra: o texto poético carnavalesco, a evolução na avenida e o som que
outrora foi produzido durante as apresentações. Essa proposta que Finnegan
traz, se deu por conta da importância que os primeiros estudos sobre música
davam à palavra escrita. O sentido da canção pode ser encontrado muitas
vezes em uma conjunção entre o texto, a música e a execução da
performance.
Não se pode deixar de lado o contexto da produção desse som e do
texto carnavalesco, por quem ele foi produzido e para quem. A marcha,
enquanto ritmo carnavalesco, mal havia se consolidado no cenário musical, e o
samba ainda era incipiente criação - o primeiro samba gravado data de 1917.
Portanto, as letras dessas canções do União da Classe tinham um público em
específico e serviam para um determinado fim. Lembre-se novamente que
essas composições datam do início do século XX, numa cidade de fronteira,
recém saída da escravidão, assim como o resto do país, motivo pelo qual suas
letras têm o peso de conseguir transmitir a boa conduta desses novos
cidadãos, incorporados à sociedade por uma simples assinatura de libertação.
O primeiro verso da canção interpela os “companheiros”, convidando os
membros do cordão União da Classe para brincar10 no carnaval. A ideia dessa
expressão é a de coesão dentro de sua classe, ratificada pela palavra “unidos”
do próximo verso. De acordo com Alejandro Frigerio, essa unidade demonstra
a coletividade do grupo, reiterada pela nomenclatura do cordão, o que, desde o
10
Brincar ou ser brincante no carnaval diz respeito à forma lúdica que cada pessoa incorpora
seu personagem. Sobre esse assunto ver Leão e Freitas (2008).
princípio, transmite a ideia de unidade dos seus integrantes, não só enquanto
organização carnavalesca, mas também enquanto organização clubística.
Ser de uma classe, para o caso dos afro-uruguaios e afro-argentinos
pesquisados por Frigerio, significava ser negro e pertencente a uma classe,
também no sentido de coletividade: “a expressão classe quer dizer negro, de
cor, e a classe implica a coletividade em seu conjunto” (Carmona apud Frigerio,
1993, p. 4). Pode-se dizer que esse mesmo sentido ocorre com o Cordão
União da Classe, pois não somente nessa canção transparece a ideia da
unidade e da coletividade, mas também numa reportagem sobre o batismo de
seu estandarte, em que o cordão: “concitou os seus companheiros a serem
sempre unidos, fazendo da denominação desse cordão um verdadeiro lema.”
(Jornal “A Situação, Fevereiro de 1933).
Logo a seguir, a canção pede para saudar o “nosso rei da folia”. Essa
frase parece remeter à identidade étnica do grupo, isto porque, no começo do
século XX era costume invocar ao Deus Momo, ou ao Deus Fanfarrão para
fazer parte dos préstitos carnavalescos, e não saudar um rei. Como já
referendado, uma das vertentes estruturais de formação das cordas
carnavalescas
provém
da
cultura
afro-brasileira
e
africana,
mais
especificamente, das coroações dos reis congos, podendo-se pensar que a
prática de saudar ao rei da folia seria influência dessa estrutura longínqua.
As palavras neste contexto constituem “unidades mínimas ideológicas
[...] de análise e a partir delas, de suas combinações e sistematizações que é
possível reconstruir não só um sistema de classificação [...] mas formulações
de caráter ideológico do universo estudado.” (Gilberto Velho, 1982, p 66). As
unidades mínimas ideológicas - como unidade, classe, companheiros e rei da
folia - servem para mostrar a coesão de um grupo étnico e construir uma boa
imagem, em oposição àquela produzida pela sociedade branca que os vigiava
e ditava padrões morais, pois os dias dedicados a Momo tinham um significado
político para os integrantes do cordão e para os associados e frequentadores
do Clube 24 de Agosto.
Portanto, o carnaval, como um fenômeno liminar, capaz de suspender as
atividades do mundo lógico e racional, propício para construção ideológica da
boa imagem dos negros na sociedade jaguarense, serve também para:
“revitalizar estruturas sociais e contribuir para o bom funcionamento dos
sistemas, reduzindo as tensões e ruídos” (Dawsey, 2005, p. 168). Neste caso,
a música serve como um agenciador e até mesmo facilitador dessa construção,
ao trazer em suas estrofes elementos que valorizam a comunidade negra de
Jaguarão, em especial aqueles ligados ao Clube 24. Como bem afirma Nettl:
“em cada cultura a música funcionará para expressar, de forma particular, uma
série de valores” (Nettl apud Seeger, 1992, p. 17).
“Agradecer ao nobre povo”, ser “batuta” e “rapaziada destemida”, só
corrobora a ideia de que a música é agenciadora desse processo de integração
do negro e de construção de sua nova ética social, de trabalhador honesto,
livre dos vícios e da malandragem. Claro que não se pode pensar que a letra
dessa canção tenha a força de apagar estigmas perpetuados sobre os negros
durantes séculos, mas contribui para a legitimação do processo e dos
componentes envolvidos na composição e representação da marchinha, da
música e de seus elementos, como: o ritmo, a melodia, a harmonia das vozes,
a letra e a performance uniformes na avenida, além do público (audiência,
como refere Anthony Seeger (1992), que possuía certa expectativa.
Portanto, a canção carnavalesca do União da Classe, além de ajudá-lo
em sua evolução e performance ao longo do desfile nas ruas jaguarenses,
também transmitia, a partir da letra, o sentido que possuía o carnaval para os
negros daquelas organizações, ou seja, de que defendiam o caráter da
identidade do grupo em “forma musical” (Seeger, 1992). Se o som executado
pelo Cordão União da Classe pudesse ser reproduzido em conjunto com sua
performance e letra, teríamos o panorama completo, tanto musical, como das
técnicas corporais de seus integrantes; mas para o presente estudo, a
imaginação deixará que esse “modesto cordão” desperte, em outros carnavais,
sua performance e sonoridade, há tempos adormecida.
Fragmento de Samba em Homenagem ao Cordão União da Classe.
União da Classe é luta!
União da Classe, batuta!
União da Classe, alegria geral
O suco do Carnaval!11
Imagem 4: Cordão União da Classe no Clube Social 24 de Agosto.
11
Samba composto pela autora da monografia em parceria com Josete Vignolle.
Considerações Finais
Essa pesquisa mostrou possibilidades de se trabalhar com a etnografia
do passado ou da duração em conjunto com o método histórico, trazendo
conteúdos de fontes secundárias de jornais produzidos no início do século XX
e narrativas de integrantes dos antigos carnavais do Clube Social 24 de
Agosto. A análise temática enfocou os carnavais realizados por esse Clube,
demonstrando
sua
relevância
política
e
ideológica
através de
suas
manifestações coletivas e canções, que colocam em evidência os ideais de
unidade dentro da classe, com sentido étnico implícito: ser de classe é ser
negro, ser unido em classe é ser unido dentro de seu grupo étnico.
A necessidade de estabelecer um foco analítico remeteu para segundo
plano outros aspectos importantes para compreensão de outras dimensões da
música carnavalesca representada pelas marchinhas, e que são igualmente
relevantes para a comunidade negra de Jaguarão, representada aqui pelo
Cordão União da Classe e pelo Clube Social 24 de Agosto.
Procurei discutir a transitividade entre passado e presente, numa relação
diacrônica e sincrônica, servindo-me da etnografia da duração como aporte
teórico fundamental para pensar a relação entre documentos escritos, que eu
levava aos meus colaboradores de pesquisa, e, por outro lado, a ativação de
suas lembranças, no relato de seus feitos como integrantes do Cordão União
da Classe.
Buscando entender o contexto histórico e social em que ele se situava,
servi-me da contribuição de historiadores que demonstraram como a nova ética
do trabalho, imposta logo após o fim da escravidão, fundamentou-se em teorias
raciais, ao mesmo tempo em que as nutriu, escamoteando a condição do negro
enquanto sujeito histórico, ser pensante e produtor de conhecimento. O
predomínio destes estudos raciológicos que diagnosticam o atraso da
sociedade brasileira pela presença de “raças inferiores à branca”, justificou a
opção pelo caminho da modernidade e civilização através do branqueamento e
disciplinamento da população.
Já o contexto carnavalesco foi considerado a partir do mito de fundação
do festejo, abordando, dessa maneira, mais de uma dimensão do folguedo.
Isso foi necessário para mostrar o mundo suspensivo produzido pela festa e
pelas inversões dos papéis sociais – afinal o rei é gordo!
Reportei a origem do folguedo para o mito do país da cocanha e para o
medievo europeu, mostrando o sentido da “carne que vale” durante os dias de
folgança, porque depois viriam dias sombrios da quaresma, com restrições
alimentares e sexuais.
Tratei
igualmente
das
primeiras
manifestações
carnavalescas
brasileiras, como o entrudo, prática trazida pelos colonos portugueses e que se
popularizou, até mesmo entre os escravos, que eram liberados para participar
da festa. Assim, com o advento da república e os ideias de ordem e progresso
incutidos no pensamento dos intelectuais e da elite brasileira, a prática do
entrudo
começou
a
ser
severamente
condenada,
mas
não
extinta!
Percebemos, ainda, nos dias atuais, os resquícios do divertido, porém, violento
entrudo.
Com essa condenação, novas formas carnavalescas foram surgindo,
dentre elas, os cordões. Aqui procurei mostrar o caráter híbrido dessas
organizações, colocando, para o caso do carnaval jaguarense, os cordões com
forte influência de três vertentes culturais: uruguaias, a partir do candombe;
portuguesas, pelas procissões católicas e africanas, por conta dos cordões
funerários.
Com apoio de outras pesquisas, argumentei que a fundação do clube
Social 24 de Agosto estava relacionada à questão da etnia e da constituição da
classe operária, como estratégia política de aceitabilidade e inserção na
comunidade branca e na nova ética trabalhista dos novos anos pós-abolição. A
unidade dentro da classe sempre o foi lema do cordão carnavalesco e da
própria comunidade agostiniana. Entretanto, essa unidade de classe constituíase como identidade étnica do grupo, que não deixou de existir, embora forjada
pela identidade do “operário”.
Em se tratando do carnaval, este foi tido como um elemento de quebra
da estrutura social, um período extraordinário, feito pela sociedade e para a
sociedade, na tentativa de amenização do cotidiano, buscando-se enfrentar as
adversidades da vida ao longo do ano. É nesse momento de quebra social que
a comunidade negra do Clube 24 viu a oportunidade de se mostrar
publicamente como constituída por boas pessoas e figuras trabalhadoras, de
respeito. Dessa forma, o carnaval foi percebido em sua dimensão política e não
apenas no sentido de divertimento.
Relatei o panorama dos primeiros sons dos negros no Brasil, até a
elevação do samba como música de carnaval, embora essa temática não tenha
sido amplamente debatida neste trabalho, na medida em que não se constituía
em seu problema central. Nesse contexto, mostrei as músicas carnavalizadas
do começou do carnaval de salão, com a introdução de gêneros musicais para
animar os bailes públicos da alta sociedade.
As marchinhas carnavalescas, centro da pesquisa, foram tratadas desde
suas possíveis origens, até a sua incorporação como música própria de
carnaval - neste caso trata-se de canções feitas especialmente para o carnaval
-, chegando-se à particularidade desses gêneros musicais na fronteira sul brasileira.
Na marcha carnavalesca do Cordão União da Classe destaquei a
performance de evolução na avenida, devido ao andamento da música e das
influências culturais na estrutura que deu origem a essa prática carnavalesca.
Além disso, apesar da falta do componente sonoro (aqui o som da marcha do
União da Classe foi baseado na audição de marchinhas carnavalesca do início
do século XX, portanto, contemporâneas em estética sonora), foi possível
perceber essa característica peculiar de desfile: em “corda”, de mãos dada ou
em fila indiana.
Na canção em que me detive para o encerramento deste capítulo,
analisei as “unidades mínimas ideológicas” contidas na letra da marchinha, que
deixam transparecer o ideal de unidade na classe, de pertencimento étnico
(saudando o rei da folia), deixando implícitas as intenções políticas que essa
música transmitia ao tratar os integrantes do cordão como humildes e
destemidos.
Ainda há muito a dizer sobre o Cordão União da Classe e sobre as suas
canções - foram encontradas duas marchas e dois sambas, assim como sobre
a performance de evolução e suas influências culturais, mas isso se dará em
outros carnavais, pois “todo carnaval tem seu fim” e desse sobrou apenas os
confetes e as serpentinas no chão!
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