Caracterização da personalidade em atletas brasileiros

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Caracterização da personalidade em atletas brasileiros
Caracterização da personalidade
em atletas brasileiros
Maurício Gattás Bara Filho | [email protected]
Grupo Estudos Olímpicos
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
0 | Abstract
Studies about athletes’ personalities include today sport
psychology and Olympic Studies. This investigation put
together a 423-sample of Brazilian athletes who answered
the Freiburg Personality Inventory - FPI. The results showed
consistent differences between athletes of various individual
and team disciplines; however, the most constant and
meaningful differences came up between athletes of direct
physical contact sports (judo and basketball) and athletes
that had no direct physical contact in their sports (swimming
and volleyball). Similar differences between these disciplines
also took place when the athletes of both sexes were
compared, showing consistency of results.
1 | Introdução
Os estudos sobre a personalidade de atletas sempre foram,
desde a década de 1960, objeto de investigação da área de
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estudos da Psicologia do Esporte, constituindo-se em uma de
suas raízes científicas. Conhecer o atleta e suas peculiaridades
demonstra o tamanho da importância social, política e econômica
que o esporte de rendimento representa para a sociedade atual.
Estudar a personalidade no esporte competitivo pode
caracterizar uma volta às origens dos estudos da Psicologia
do Esporte, não significando isto, de forma alguma, um
retrocesso nas pesquisas. O grande volume de investigações
científicas não solucionou os problemas propostos da
maneira desejada, gerando dúvidas, inconsistência nos
dados e resultados não conclusivos. Muitas dessas dúvidas
ainda persistem e cabe aos pesquisadores buscarem
motivações para continuar a estudar o tema, objetivando
preencher as lacunas presentes no conhecimento. A
complexidade do tema deve ser tomada como um desafio
perante uma tese de doutoramento para que realmente
haja uma contribuição na construção do conhecimento nas
áreas da Educação Física, do Esporte, da Psicologia do
Esporte e, sobretudo, dos Estudos Olímpicos.
Os estudos sobre a personalidade no esporte têm ampliado
seus horizontes de atuação com novos e diferentes
enfoques, apresentando um maior rigor metodológico, bem
como utilizando diferentes medidas e variáveis analisadas
nos distintos estudos. No entanto, isso acarreta uma maior
dificuldade de se estabelecerem conclusões e comparações
mais concisas sobre o assunto devido à utilização de distintos
instrumentos de avaliação da personalidade, bem como a
diversidade das amostras estudadas até hoje.
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Muitas dificuldades metodológicas, de certa forma, limitaram
os estudos da personalidade no esporte e, durante décadas,
o mundo científico da Psicologia do Esporte se baseou nos
estudos realizados, principalmente, com atletas dos Estados
Unidos, país onde esse campo de conhecimento evoluiu mais
rapidamente e anteriormente aos demais. Com o decorrer
dos anos e com a democratização do conhecimento científico,
observou-se uma grande necessidade de se expandirem
os estudos para outras regiões do planeta, dentre as quais
se encontra o Brasil.
O atleta brasileiro ainda não foi exaustivamente estudado
nesse aspecto, carecendo de estudos nesse âmbito. O Brasil
também se apresenta no esporte como um país em desenvolvimento. Apesar dos atletas brasileiros possuírem uma
capacidade reconhecida para conseguir resultados de altorendimento nas mais diferentes modalidades, ainda estamos
muito aquém de apresentarmos nossa melhor performance
esportiva. Muito ainda necessita ser realizado em diversas
áreas, e as ciências do esporte também precisam auxiliar
os envolvidos no processo de treinamento na busca da
excelência esportiva.
A presente tese apresenta características peculiares que
virão a contribuir com o conhecimento científico. Primeiramente, existem poucos estudos realizados sobre personalidade com atletas brasileiros e, mais precisamente, com
atletas de alto-rendimento. Somando a isso, o instrumento
utilizado nessa pesquisa (Inventário de Personalidade de
Freiburg-FPI) é pouco utilizado no Brasil - por ter sua
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tradução para a língua portuguesa realizada há poucos
anos - não sendo ainda usado para pesquisas em atletas
de alto-rendimento no país.
A comparação do perfil de personalidade entre atletas de
diferentes modalidades esportivas tornou-se uma
constante na busca de similaridades e, principalmente,
diferenças que pudessem caracterizar de maneira particular
cada um dos grupos de atletas. No entanto, nem sempre
as respostas apareceram na mesma velocidade que a
quantidade dos estudos.
Um outro tipo de comparação realizada nos estudos da
personalidade no esporte ocorreu e, ainda ocorre, entre
amostras de atletas e não-atletas. Essa metodologia,
geralmente, almeja buscar características psicológicas que
diferenciem o atleta de alto-rendimento do restante da
população.
Os estudos realizados até o presente momento denotam
a existência de algumas diferenças psicológicas entre
atletas e não-atletas, mas, novamente, como uma tônica
nos estudos sobre o tema, não apresentam resultados
suficientemente consistentes que
caracterizem os atletas
através de traços de personalidade únicos e diferenciados.
A realização de uma investigação científica de tamanho porte
gera, simultaneamente, muitos resultados, várias contribuições para o conhecimento, novas dúvidas e, também,
sugestões para a realização de futuros estudos na área.
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A personalidade deve ser entendida no esporte como um
fator envolvido na performance atlética, sem, no entanto,
ser considerada o principal deles, como alguns estudiosos
tentaram provar em tempos anteriores. O complexo processo
do esporte e do treinamento desportivo constitui-se em um
campo de pesquisas extremamente amplo e que deve ser
explorado profundamente pela Educação Física e pela
Psicologia do Esporte.
O controverso quadro apresentado, e constantemente
mencionado, das pesquisas sobre a personalidade de atletas
é fomentador de idéias para os pesquisadores do assunto
aprofundarem seus estudos e continuarem a explorar este
amplo campo de estudos.
De uma maneira geral, homens e mulheres atletas se
diferenciam em muitas das variáveis psicológicas estudadas
(Auto-realização, Agressividade, Inibição, Irritabilidade,
Queixas Físicas e Emotividade). No entanto, essas
diferenças não apareceram de maneira mais específica nos
subgrupos de atletas homens e mulheres, divididos em
suas respectivas modalidades. Os resultados não se
mostraram consistentes quando foram analisados separadamente. Ao contrário, homens e mulheres de uma
mesma modalidade pouco se diferenciaram, o que pode
indicar similaridades de características psicológicas entre
grupos de atletas, bem como o fato de diferenças entre os
sexos ocorrerem de maneira semelhante em uma população
geral, também de não-atletas.
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Na presente pesquisa, observou-se que existem diferenças
consistentes entre atletas de diferentes modalidades
individuais e coletivas. No entanto, as diferenças mais
constantes e significativas surgiram entre atletas de
esportes de contato físico direto (judô e basquete) e aqueles
sem contato direto (natação e voleibol). Diferenças
semelhantes entre essas modalidades também ocorreram
quando atletas de ambos os sexos foram comparados,
demonstrando a consistência dos resultados encontrados.
Alguns resultados apresentados, contrastando com os
achados literários anteriores, vêm a contribuir e acrescentar,
significativamente, para a construção e o crescimento do
conhecimento na área da personalidade no esporte. Dentre
essas contribuições, observou-se que atletas brasileiros de
alto-rendimento se diferenciaram claramente da amostra de
não-atletas estudada.
Os resultados tornam-se relevantes por vários fatores: a
quantidade de diferenças nas variáveis psicológicas (em oito
das doze variáveis), a homogeneidade da amostra de atletas
e não-atletas brasileiros, sua representatividade (constituída
somente por atletas de alto-rendimento) e a extensão total
da amostra com 423 indivíduos.
Além disso, as diferenças entre atletas e não-atletas
ocorreram de maneira extremamente constante, com
resultados muito semelhantes, mesmo quando o grupo de
atletas foi subdividido (esporte coletivos e individuais,
homens e mulheres) e comparado com os não-atletas.
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Desta forma, há fortes indícios de que os atletas brasileiros
de alto-rendimento possuam características psicológicas
diferenciadas de uma amostra de não-atletas, constituindose em uma fonte riquíssima de estudos para a Psicologia do
Esporte e para as Ciências do Esporte.
Para avançar ainda mais no tema da personalidade no
esporte de rendimento e entender as possíveis evoluções
das variáveis psicológicas no transcorrer da carreira esportiva
dos atletas, devem-se realizar pesquisas tanto longitudinais,
que venham a avaliar durante anos os mesmos grupos de
atletas, quanto transversais, que objetivem pesquisar atletas
de diferentes idades ao mesmo tempo.
Apesar da extensão da presente investigação, diversas outras
modalidades esportivas necessitam ser pesquisadas para
verificar a dimensão das diferenças e/ou semelhanças
psicológicas entre os atletas. Dentre outras, pode-se
mencionar e sugerir estudos com handebol, ginástica artística,
ginástica rítmica desportiva, saltos ornamentais, tiro, tênis,
hipismo, etc. Isso demonstra de certa forma, extensão do
campo de estudos no esporte e na Psicologia Esportiva.
Outra direção a ser tomada é buscar relacionar fatores
psicológicos da personalidade com fatores fisiológicos,
bioquímicos, físicos, sociais e econômicos. Observa-se uma
tendência atual nos estudos da personalidade em abranger
outros fatores, porém entende-se que isso deva ser realizado
como maior profundidade e que existem muitos fatores
intervenientes e relacionados com variáveis psicológicas.
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Deve-se ressaltar que há uma consistência nas diferenças
de características psicológicas entre atletas de modalidades
de contato físico direto com aqueles de contato indireto.
Desta maneira, uma das sugestões do presente estudo é o
aprofundamento
de
futuras
pesquisas
sobre
a
personalidade no esporte, pois características psicológicas
específicas podem determinar a escolha, preferência e,
consequentemente, o sucesso esportivo do indivíduo para
um determinado tipo de modalidade esportiva.
Para um crescimento mais amplo dos estudos da
personalidade, estes devem continuar a se expandir pelas
mais diversas partes do mundo como, Américas do Sul e
Central, África e Ásia, no sentido de estabelecer outras
relações e padrões específicos para cada região.
O estudo das características psicológicas de atletas pode ser
utilizado como mecanismo auxiliador na detecção de talentos
no esporte. Mas, para que este processo seja completo e
realmente válido, variáveis físicas, fisiológicas, sociais e
culturais necessitam ser consideradas. Desta forma, um
modelo mais completo poderia ser desenvolvido para este
fim. Caso contrário, cometer-se-iam os mesmos equívocos
de pesquisadores da personalidade nos anos 1970, que
tentaram, sem êxito, predizer o resultado esportivo somente
através do conhecimento das variáveis psicológicas.
Esse estudo sobre a personalidade, realizado com atletas
brasileiros de alto-rendimento, acrescenta e suprime uma
parcela da carência de pesquisas sobre o tema no Brasil.
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Deve-se enfatizar, porém, que ainda há um longo e árduo
caminho a percorrer pela Psicologia e pelas Ciências do
Esporte em nosso país.
A dimensão que o esporte de alto-rendimento atingiu, e
ainda vem atingindo, perante a sociedade e o mundo atual,
exige que esse fenômeno social e seus atores principais
(os atletas) sejam investigados e pesquisados pelas mais
diferentes áreas do conhecimento.
Essa dimensão da influência do esporte tem atingido uma
extensão territorial, quantitativa e social jamais imaginada
há alguns anos, apresentando-se para os pesquisadores
das áreas envolvidas como uma fonte de investigação
consistente e positiva.
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