Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência prática

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Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência prática
Denise da Vinha Ricieri
Fisioterapia baseada em evidências:
uma experiência prática de ensino
Denise da Vinha Ricieri (Doutoranda)
Curso de Fisioterapia- Universidade Tuiuti do Paraná
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 87-108, Curitiba, jan. 2002
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Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência...
Resumo
O objetivo deste estudo foi discutir a viabilidade da incorporação da atualização clínica pela pesquisa como
atividade regular para estágio supervisionado. Estagiários trabalharam com artigos científicos para solicitação,
leitura, tradução, resenha e comentários, tendo sido oferecido suporte para desenvolvimento da atividade pela
supervisão de estágio. O impacto da atividade foi aferido pela adesão, grau de dificuldade dos artigos, cumprimento dos objetivos propostos e comparação do desempenho, em notas, contra o desempenho alcançado
em uma avaliação regular teórico-prática. De acordo com os resultados, a equação desenvolvida para comparar o desempenho intergrupos foi válida e similar ao desempenho alcançado na avaliação regular. Concluiu-se
que a atividade, nos moldes propostos, pode oferecer recursos para a prática baseada em evidências, numa
dinâmica profissional coerente com a qualidade e eficiência exigida pelo mercado de trabalho.
Palavras-chave: ensino, fisioterapia, evidências.
Abstract
This paper’s objective was discussing clinic atualization viability from research as regular activity for supervisioned
clinica practice. Trainee students of Physical Therapy was working on scientific papers for solicitation, lecture,
translation, and relate elaboration and comments, with activity development supported by teacher. The activity’s
impact was measured by adhesion, difficulty papers degree, concluded objectives and performance comparation,
in numbers, against performance in a regular evaluation. Results show that the equation used to compare
performance intergroups was valid and similar to use in comparation between this activity and the performance
achieved in regular evaluation. In conclusion, the purpose activity, in this shape, can offer resource for evidence
based practice, in a professional dynamics with efficiency and quality claimed from work market.
Key words: teaching, physiotherapy, evidence-based.
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 87-108, Curitiba, jan. 2002
Denise da Vinha Ricieri
Introdução
Um salto abrupto, verificado no acesso aos recursos
tecnológicos, tem levado a uma dissonância entre a
formação acadêmica e a realidade do mercado de
trabalho. Educadores e escolas buscam continuamente alternativas para sintonizar o ensino oferecido com
os neopanoramas da prática clínica moderna.
Segundo Luckesi et al (1996), a universidade que não
queremos é aquela que não exercita a criatividade, não identifica nem analisa problemas concretos a serem estudados e que
não incentiva o hábito do estudo crítico. Na busca infindável
da excelência, novas estratégias são colocadas em ação
pelos professores, no intuito de alcançar a formação
de um profissional mais crítico e apto a lidar de modo
eficaz com o crescente volume de informações disponíveis.
A concepção moderna do professor o define essencialmente como um orientador no processo de
questionamento reconstrutivo no aluno, supondo obviamente que detenha esta mesma competência. Neste
sentido, o que mais o define é a pesquisa pois, a rigor, ensinar é uma atitude decorrente de pesquisa
(Demo, 2000).
A competência profissional engloba os desafios
do saber pensar e aprender a aprender. Não cabe
mais a noção da ciência como estoque de conhecimentos disponíveis, acessíveis pela via da simples
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transmissão; prevalece a noção de processo permanente de inovação. O conhecimento inova tanto, porque se inova ininterruptamente. O questionamento é
sua alma e, assim como não é coerente supor um
questionamento inquestionável, é absurdo partir de
um conhecimento inovador que pare de inovar-se
(Demo, 2000).
Para Muniz (2001), florescer no acadêmico de Fisioterapia a atividade criadora, ou seja, a capacidade
de resolver situações novas que não foram abordadas em sala de aula, mas que se subsidia no conhecimento adquirido, passa preliminar mente pela
compreensão desta necessidade pelos próprios professores. O autor defende:
o aluno da área de saúde será o futuro profissional, e trabalhará com o atendimento de seres humanos no seu principal
tesouro, que é a vida. Faz-se necessário, então, que possua
um conhecimento amplo e sedimentado no que se proponha a
fazer. Mas este conhecimento não deve estar atrelado somente
a teorização recebida, mas a uma prática que propicie a
possibilidade de vivência das situações teóricas, abordadas de
maneira que, em algum momento desta relação teoria-prática, tenha sido abordada a importância das soluções para
problemas não abordados em sala de aula e que as respostas
para eles sejam encontradas quando se utiliza a pesquisa
atrelada à criatividade.
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Educar pela pesquisa é a educação da própria escola e da universidade, segundo Demo (2000). Por
isso, uma das estratégias que estimulam a atualização
e o senso crítico do acadêmico é trabalhar o conhecimento através das evidências científicas, ou seja, através da pesquisa. Adotada com sistemática, a prática
baseada em evidências é uma atitude na qual o docente que estimula a busca, a interação múltipla de
informações e linguagens, o aprimoramento do senso crítico e o despertar de uma faceta diferenciada
no profissional: a capacidade de resolução de problemas. Assim, mais que o aprender, é o aprender a
aprender que faz o bom profissional. Surge, então,
uma habilidade decisiva que é aquela voltada para
Esquema 1: Algoritmo da metodologia e objetivos
de comparação das avaliações realizadas.
dar conta de novos desafios (Demo, 2000).
O objetivo foi avaliar o impacto da leitura e interpretação de artigos científicos (AC) por acadêmicos
do último ano do Curso de Fisioterapia, discutindo
em bases quantificadoras a viabilidade de sua incorporação definitiva às avaliações regulares do estágio
supervisionado em prática hospitalar. O impacto desta metodologia foi aferido considerando o grau de
dificuldade dos artigos, o cumprimento dos objetivos
propostos e a comparação de desempenhos entre a
AC e as avaliações usuais, integrantes do processo de
avaliação da disciplina.
Material e métodos
Um resumo do desenho metodológico do trabalho,
suas etapas e interações das avaliações propostas, pode
ser acompanhado no Esquema 1.
Um grupo amostral de 20 (vinte) acadêmicos do
quarto ano do curso de Fisioterapia da Universidade
Tuiuti do Paraná (Curitiba/PR) foi acompanhado durante os meses de Maio a Julho de 2001. A seleção do
grupo foi aleatória e, no período do estudo, o grupo
encontrava-se desenvolvendo estágio curricular da disciplina Prática Supervisionada de Fisioterapia Hospitalar e em Oncologia.
No total, entre a admissão e a conclusão do período experimental, foram 13 semanas de atividades que
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incluíram: (a) prática clínica (PC); (b) discussões de casos realizadas individualmente (DIC); (c) aulas de suporte (AS); (d) atividade de busca, tradução leitura e
interpretação de artigos científicos (AC), sendo esta
última o objeto central deste estudo.
A atividade AC foi iniciada na segunda semana do
período experimental, quando uma lista de oito artigos, publicados em diferentes periódicos internacionais, foi selecionada pela supervisão e distribuída entre
os acadêmicos, através de sorteio.
Os assuntos abordados nos textos versaram sobre as principais dificuldades manifestas verbalmente pelo grupo. Os levantamentos bibliográficos
foram realizados nas bases de dados que aparecem
no Quadro 1.
Para uso da base de dados PEDro (Physiotherapy
Evidence Database), foi assumida uma pontuação mínima de cinco, na escala de 1 a 10 de classificação
metodológica dos artigos, proposta pelo site.
Foram formados grupos de trabalho, envolvendo entre dois a três acadêmicos. Assim, os 20 acadêmicos dividiram-se em nove grupos de trabalho, e
cada grupo recebeu uma referência bibliográfica para
proceder aos seguintes objetivos:
- Solicitação do artigo através da biblioteca da Universidade
ou do Hospital: nesta etapa todos os grupos familiarizaram-se com o sistema COMUT e os procediTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 87-108, Curitiba, jan. 2002
Quadro 1: Cronograma das atividades envolvidas
na atividade de busca, tradução leitura e
interpretação de artigos científicos.
Banco de dados consultado
NCBI/MEDLINE
PEDro
Cochrane Library
Endereço (URL)
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed
http://ptwww.cchs.usyd.edu.au/pedro
http://www.bireme.br/cochrane
mentos e tempo necessários entre o pedido e a
chegada de um artigo.
- Entrega de um trabalho escrito: contendo cópia do texto
original, a tradução do texto, resenha do artigo, de
acordo com Severino (2000), acrescida de comentários sobre o assunto, fundamentados no aprendizado prévio recebido em sala de aula e outras
publicações nacionais e/ou estrangeiras.
- Entrega de um disquete: contento o título do trabalho,
o abstract traduzido, e um resumo dos comentários.
Da lista inicial distribuída aos acadêmicos, os artigos rejeitados pelo sistema COMUT por não estarem disponíveis em bibliotecas do território
nacional foram sistematicamente excluídos, quer
pelo custo implicado, quer pelo demorado prazo
de recebimento envolvido. Por essa razão, depois
de filtrados, somente os artigos que efetivamente
existiam em bibliotecas nacionais fizeram parte do
estudo (Quadro 2).
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Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência...
O cronograma da atividade AC ao longo das 13
semanas de observação encontra-se no Quadro 3.
Quadro 2: Lista de artigos recebidos e
trabalhados pelos grupos.
Título
Autor
Teaching pursed-lip
breathing.
PEF versus FEV1.
McConnell
E.A.
Gregg I
Periódico
Nursing 1999;
29(9):18.
Thorax. 2000 Sep;
55(9):807.
Respiratory Care. Out of
Harrison G. Nursing Times 1999
breath, into rehabilitation.
April; 95(17): 58-61.
Mucus transport and
Hill S.L.,
EUA Respir 1999;
physiotherapy – a new series. Webber B. 13:949-50.
Functional recovery in cancer Cole R.P.,
Arch Phys Med
rehabilitation
Scialla S.J., Rehabil 2000 May;
Bednarz L 81:623-7
Prevention of respiratory
Hall J.C.,
BMJ 1996; 312:148complications after
Tarala R.A., 52.
abdominal surgery: a
Tapper J.,
randomized clinical trial.
Hall J.L.
Physiotherapy for airway
Pryor.J.A.
Eur Respir J 1999;
clearance in adults
14:1418-24.
*Brochopulmonary hygiene
Jones A.,
Heart Lung. 2000
physical therapy in
Rowe B.H. Mar-Apr; 29(2):125bronchiectasis and
35.
obstructive pulmonary
disease: a systematic review.
N.º
páginas
01
01
02
02
05
06
07
11
Para a análise do impacto da leitura e manuseio de
textos científicos sobre o senso crítico e a atuação prática dos acadêmicos em estágio foram analisados os
itens constantes do Quadro 4.
Resultados
Os resultados foram considerados pela natureza do
estudo que expressavam.
Adesão à atividade
Todos os acadêmicos participaram do estudo (100%),
resultando em nove trabalhos entregues, cada um referente a um texto. O Gráfico 1 apresenta o resumo
dos dados referentes à adesão.
Dos nove grupos, apenas um grupo manifestouse relutante quanto à atividade, alegando dificuldade
na leitura e interpretação da língua estrangeira. Por outro
lado, dois grupos manifestaram o desejo de trabalhar,
em uma nova oportunidade, também com outras línguas, pelo interesse em conhecer aspectos específicos
da profissão e como tais conhecimentos são expressos em outras línguas, que não o inglês. Todos os outros grupos apresentaram boa recepção à atividade
proposta, sem queixas de dificuldades. Quanto ao tempo, todos os grupos acharam o tempo de 13 semanas
adequado para a resolutividade da atividade.
* Devido à complexidade e extensão do texto, este artigo foi distribuído para dois grupos.
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Grau de dificuldade
Para comparar o desempenho dos grupos entre si,
optou-se por equacionar o grau de dificuldade de cada
texto, avaliado pela extensão (número de páginas) e
pela complexidade do assunto envolvido no artigo,
através da pontuação para cada item, num intervalo
de zero a dez.
A complexidade foi igualmente equacionada em
pontuações, levando em consideração os elementos
como conhecimentos pregressos necessários à compreensão do assunto, linguagem, tipo de texto (artigo
original, carta ao editor, meta-análise, etc.).
O Gráfico 3 mostra os textos por autores, apresentando o grau de dificuldade de cada um, escalonado
pela pontuação atribuída de acordo com a complexidade do texto e sua interpretação, e a extensão do
trabalho, em páginas. A relação percentual de complexidade e extensão dos textos foi avaliada como referência para a discussão dos resultados (Gráfico 2).
Quadro 3: Cronograma das atividades
envolvidas na atividade de busca, tradução
leitura e interpretação de artigos científicos.
Semana
1.ª
semana
2.ª
semana
2.ª a 3.ª
semana
3.ª a 7.ª
semana
7.ª a 12.ª
semana
Apresentação final
Para tornar viável uma comparação entre a atividade
AC e as avaliações teóricas e práticas regulares e integrantes da disciplina de prática hospitalar supervisionada, uma escala de zero a dez foi adotada, onde o
cumprimento de todos os objetivos propostos representou uma pontuação de dez pontos (Quadro 5).
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13.ª
semana
Atividade
Familiarização com a unidade
de estágio e apresentação do
conjunto de atividades a serem
desenvolvidas
Entrega dos artigos para cada
grupo de acadêmicos.
Objetivo
Ambientalização do estagiário
com o novo cenário de prática
clínica.
Familiarização com o formato
internacional de citações
bibliográficas.
Solicitação dos artigos junto à Domínio das etapas de
biblioteca do hospital.
solicitação de material
científico.
Rejeição de artigos cujas
Identificação da diferença de
revistas não se encontravam
prazos e custos na solicitação
em bibliotecas nacionais e
de artigos localizados em
recebimento dos artigos
periódicos constantes e não
encontrados nas bibliotecas
constantes em bibliotecas
nacionais.
nacionais.
Tradução do artigo com
Interação entre os conceitos
suporte da supervisão de
aprendidos durante o curso e
estágio para dúvidas e
a linguagem internacional,
conceitos não compreendidos tornando a leitura e tradução
devido a leitura em língua
uma discussão prévia para
estrangeira.
assimilação dos conceitos
exarados no artigo.
Entrega do artigo original, um Expressão ordenada dos
trabalho escrito e um resumo conceitos e conhecimentos
para publicação na Internet
adquiridos através da leitura
em páginas dedicadas a
realizada e incentivo à
estudos em Fisioterapia.
linguagem de publicação
científica.
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Quadro 4: Critérios, forma e objetivos da análise
dos resultados alcançados com a aplicação da
atividade AC.
Forma de avaliação dos resultados Objetivo
Foram relacionadas, em
percentual dos assuntos
distribuídos, as desistências
(atividades não entregues) e
as atividades incompletas.
Grau de
Foram pontuadas a
dificuldade
complexidade do assunto e o
número de páginas do texto,
atribuindo-se valores numa
escala de um a dez, sendo
dez a pontuação para o texto
mais longo e para o mais
complexo.
Apresentação Foram relacionados os
final
objetivos propostos e
aqueles atingidos por cada
grupo.
Comparação Foram confrontados os
de
resultados da apresentação
desempenhos final e as notas obtidas na
avaliação prática e teórica,
exigidas para aproveitamento
do estágio curricular.
Avaliar a resistência e/ou a
dificuldade em lidar com
desafios que não seguem os
padrões usuais da graduação
Considerar a complexidade e
a extensão do trabalho como
fatores interferenciais no
interesse pela atividade ou na
sua apresentação final
AF = [(SP + SC)/ 2] + OC
2
Onde: AF representa o resultado da avaliação final; SP, a pontuação para o número de páginas; SC, a
pontuação de complexidade; e OC, a pontuação para
os objetivos cumpridos. A média das pontuações que
avaliaram o grau de dificuldade foi calculada e, a seGráfico 1: Resultados encontrados quanto à
adesão dos acadêmicos à atividade AC proposta.
Avaliação da adesão à atividade
Estabelecer o índice de
cumprimento de metas
propostas, considerado o
grau de dificuldade
Comparar as ambas formas
de manuseio do
conhecimento adquirido.
8
N.º de grupos
Item de
avaliação de
resultados
Adesão à
atividade
Nesta etapa foi necessário considerar a complexidade
dos textos, avaliada anteriormente, e que poderia interferir no cumprimento dos objetivos propostos. Em
decorrência, a seguinte fórmula foi adotada:
8
7
6
5
4
3
2
1
0
0
Desistências
1
Dificuldades
Aprovação
Intercorrências
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guir, calculada a média entre a dificuldade e os objetivos cumpridos.
Como resultado, a AF encontrada foi um valor
positivo e inteiro, entre zero e dez, que expressou a
relação dificuldade do artigo versus cumprimento dos
objetivos (Gráfico 4).
Gráfico 2: Distribuição da complexidade e
extensão dos textos que compuseram o estudo.
Quanto à extensão, foram considerados textos
breves ou de baixa extensão aqueles até cinco
páginas. Quanto à complexidade, foram
considerados complexos aqueles com score
superior a cinco pontos.
Comparação de desempenhos
O Gráfico 5 mostra o desempenho de cada acadêmico individualmente, considerando a média das notas
alcançadas na avaliação prática (apresentação de caso
clínico e abordagem do paciente no leito) e teórica
(prova escrita), comparativamente ao valor alcançado
pelo mesmo acadêmico na AF, obtida através da atividade AC.
Gráfico 3: Resultados encontrados quanto ao
grau de dificuldade dos textos.
Avaliação do grau de dificuldade dos textos
Alta
56%
Baixa
44%
Texto (autores)
Jones A. & Rowe B.H.
Distribuição da extensão dos textos, número de páginas
Pryor.J.A.
Hall J.C. et al.
Cole R.P. et al.
Hill S.L. & Webber B.
Harrison G.
Gregg I
Distribuição da complexidade entre os 9 grupos
McConnell E.A.
0
Alta
67%
Baixa
33%
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1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Grau de dificuldade (escala 1 a 10)
Score páginas
Score complexidade
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Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência...
Discussão
Para um fisioterapeuta, nem sempre é fácil falar de
educação. De modo geral, a idéia de reformular o
ensino de Fisioterapia parte dos colegas que têm a
oportunidade de conhecer as teorias da Educação
nos programas de pós-graduação. Talvez, mesmo,
seja difícil suscitar o interesse da leitura de experiências pedagógicas em profissionais tão afetos às clínicas e aos hospitais, mas existem momentos em que a
reflexão precede qualquer tentativa de continuidade,
e de continuísmo.
A pergunta inicial deste estudo era clara: qual o impacto de uma forma de aprendizagem e avaliação baseada em
pesquisa, ou em evidências, para acadêmicos concluintes do Curso
de Fisioterapia?
O discurso de ensino baseado em métodos reflexivos não é exatamente o que se pode chamar de novo,
mas é exatamente o que se vem denominando “ino-
Gráfico 4: Resultados encontrados para a
apresentação final dos textos.
Quadro 5: Resultados encontrados quanto aos
objetivos cumpridos pelos grupos.
Avaliação da apresentação final (AF) dos textos
10
9
10
9
8
6
5
5
4
Cole R.P. et
al.
Pryor.J.A.
Jones A. &
Rowe
B.H.(G2)
Hill S.L. &
Webber B.
Gregg I
McConnell
E.A.
Texto/Grupo
Harrison G.
Hall J.C. et
al.
Jones A. &
Rowe
B.H.(G1)
Cole R.P. et al.
Hill S.L. &
Webber B.
Pryor.J.A.
Jones A. &
Rowe B.H.
(grupo 2)
Gregg I
McConnell E.A
Harrison G.
Hall J.C. et al.
Jones A. &
Rowe B.H
(grupo 1)
Texto
original
(até 2
pontos)
2
3
Comentários
(até 3
pontos)
0
2
2
2
1
7
2
2
1
2
7
2
2
2
1
7
1
2
2
2
3
3
3
3
3
3
3
3
2
2
2
2
9
10
10
10
2
3
3
2
10
Resenha
(até 3
pontos)
Disquete
(até 2
pontos)
OC
(até 10
pontos)
1
6
Autores
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ção e ética. É sobre o questionamento construtivo
que girou a atividade avaliada neste estudo.
Como primeira reflexão, a dinâmica proposta envolveu um conjunto híbrido de teorias (SaarinenRahiika, 1998; Scalzitti, 2001). Estas teorias foram
adaptadas à realidade institucional e à disponibilidade
de acesso para busca e levantamento por evidências
que fundamentassem a prática clínica de final de curso. Partiu-se, assim, de dois pressupostos: (a) aprenGráfico 5: Resultados encontrados para a
comparação de desempenhos, onde Média TP
representa a média entre os valores alcançados
nas provas teórica e prática, AF os valores da
apresentação final, e as linhas mostram as
tendências de ambos desempenhos.
Comparação de desempenhos
11,0
10,0
NOTA (valor alcançado)
vador” em Saúde e, por decorrência, em Fisioterapia
(Rosa, 2000). Uma das mais antigas escolas de Fisioterapia encontra-se na Inglaterra, com mais de um século de formação profissional de fisioterapeutas
(Albanese & Mitchell, 1993). A escola inglesa desde há
muito acredita que, muito precocemente, a aplicação
de práticas de ensino que conduzam o aluno a reflexões sobre situações práticas podem desenvolver o
senso crítico e melhorar a qualidade do profissional.
Este estudo, embora ainda em seus primeiros resultados parciais, é o prelúdio do fato de que são
necessárias evidências no ensino em Fisioterapia para
modificar o sistema com segurança e eficiência. Discutir os resultados encontrados foi um exercício à
parte, já que tão poucos estudos na área de ensino
em Fisioterapia estão disponíveis para que se possa
comparar os objetivos atingidos e medir a competência da metodologia adotada. Por essa razão, a base
da discussão se fundamenta em pensadores e pesquisadores da área de Educação e Pedagogia, numa
analogia válida para a Educação pretendida em Fisioterapia.
Demo (2000) relata a educação como um processo de formação de competência humana, atribuindo à pesquisa um critério diferencial nessa formação,
que é o questionamento construtivo, englobador de
teoria e prática, qualidade formal e política, inova-
9,0
8,0
7,0
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
Acadêmicos (notas individuais)
Média TP
AF
Polinômio (Média TP)
Polinômio (AF)
18
19
20
98
Fisioterapia baseada em evidências: uma experiência...
dizagem pregressa, já realizada nas disciplinas específicas da grade curricular plena do Curso de Fisioterapia
da UTP e princípio básico da aprendizagem baseada
em problemas (Albanese & Mitchell, 1993); (b) o levantamento de evidências pertinentes ao cenário clínico
vivenciado durante o período de estágio para melhoria
da performance profissional e desenvolvimento de senso crítico, com vistas à filtragem das informações relativas ao diagnóstico cinesiológico funcional e a eleição de
procedimentos terapêuticos (Scalzitti, 2001).
A aprendizagem pregressa considerada foi, fundamentalmente, aquela adquirida nas disciplinas de Patologia
Geral (2.ª série do curso) e Fisioterapia Aplicada à
Pneumologia (3.ª série do curso), e serviram de base
para o raciocínio durante as discussões entre a supervisão e os grupos individualmente, na tradução e interpretação dos textos. Este foi o momento para a alusão
a questões anteriores do conhecimento fisioterápico de
per si, pertinentes e relevantes à compreensão dos artigos. Entendeu-se não ser ainda o momento para a avaliação direta do conhecimento em língua inglesa, uma
vez que mesmo o uso da tradução eletrônica ou profissional não satisfariam a necessidade de compreensão
clínica do texto, tendo então o supervisor um papel
fundamental de ajuste de arestas entre a ciência formal
escrita e a transferência destas informações para a
1
vivência clínica.
Esta dinâmica pretendeu ser uma estratégia intermediária àquelas relatadas por Rosa (2000), a respeito
dos diferentes momentos na construção da aprendizagem, e dos seus resultados, descritos no ensino de Fisioterapia na Inglaterra. Em seu trabalho, Rosa apontou
estudos centrados no ciclo de aprendizagem de Kolb
em acadêmicos recém admitidos no curso de Fisioterapia e egressos com menos de um ano de formação.
No primeiro caso, seus resultados encontraram a construção de um perfil para estudar, a observação da prática realizada por outro profissional e a importância dada
à aprendizagem; no segundo caso, apontou que as expectativas individuais, crenças e atitudes profissionais
adotadas em relação à teoria da ação e reflexão eram
fortemente influenciadas pelos programas curriculares
oferecidos pelas Universidades de origem.
Tendo como linha mestra este raciocínio, a proposta da AC foi influenciar um estilo mais científico de lidar
com os problemas clínicos do dia a dia, desmistificando
a língua estrangeira e o levantamento de evidências como
dificuldades para uma práxis mais consubstanciada.
Dentro deste contexto, uma alusão às diretrizes
curriculares para os cursos de Fisioterapia faz-se pertinente. De acordo com o texto, aprovado recentemente 1 pelo CNE/MEC, deve ser objetivo do projeto
Aprovação das Diretrizes Curriculares para Cursos de Saúde em 08/09/2001.
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Denise da Vinha Ricieri
pedagógico de um curso de graduação em Fisioterapia
estimular as práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional (MEC/CNE, 2001).
O confrontamento da informação de base, obtida
em disciplinas curriculares pregressas, contra a atualização desta informação, alcançada através da leitura crítica dos artigos propostos, teve por meta estimular no
aluno o conceito de reciclagem de informações e
reposicionamento profissional, atitudes importantes para
os profissionais que pretendem disputar o mercado de
trabalho atual. De acordo com Demo (2000) o profissional não é aquele que apenas executa sua profissão, mas sobretudo,
quem sabe pensar e refazer sua profissão. Cabe, neste ponto,
uma interferência direta e positiva do professor, como
mediador deste processo de transformação e atualização do profissional que atua no mercado de trabalho.
Positivamente factível e atual, o impacto dos passos
necessários para levar a termo tal metodologia foi aferido pelas etapas seguintes. A adesão à atividade, o grau
de dificuldade manifesto e os objetivos cumpridos ao
final da atividade foram as referências necessárias para
comparar, nos resultados finais, a viabilidade de implantação e seu impacto quantitativo, medido através
das pontuações obtidas versus as notas alcançadas em
métodos de avaliação tradicionais ao longo do curso.
A adesão à atividade mostrou resultados considerados satisfatórios. Para conclusões mais sólidas, numa
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próxima etapa, acredita-se que a elaboração de uma
avaliação qualitativa, através de um questionário,
quantifique também as implicações da obrigatoriedade,
do interesse dos acadêmicos sobre o assunto, e do
domínio da língua estrangeira proposta, inclusive como
modo de medir a interferência negativas/positivas
destes pontos nas pontuações alcançadas. Outra questão que ficou suspensa e que precisará de acompanhamento específico é a quantificação do tempo mínimo
necessário para o desenvolvimento deste tipo de
metodologia. Em disciplinas igualmente práticas mas
que disponham de menos de 13 semanas, essa seria
uma metodologia aplicável?
Para a discussão do item grau de dificuldade, duas abordagens foram necessárias: (1) a pontuação da complexidade do texto; e (2) a pontuação geral alcançada pelo
grupo.
A pontuação da complexidade dos artigos merece comentários específicos. Numa primeira análise, dir-seia que todos os textos deveriam ter níveis equivalentes
de complexidade e extensão para uma melhor avaliação dos resultados alcançados pelos alunos e a
parametrização das dificuldades entre os grupos. Entretanto, ao avaliar o processo de obtenção de artigos,
questões práticas foram suscitadas, como o nível de
dificuldade dos textos e extensão dos mesmos.
O acesso somente ao resumo do texto, obtido atra-
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vés do levantamento bibliográfico, tornou difícil a tarefa de equiparar o nível de dificuldade dos conteúdos. Além
disso, seria necessário ainda, relacionar o assunto do texto
com o conteúdo curricular ministrado aos alunos ao
longo dos três anos anteriores de Curso. Refletindo sobre estas hipóteses, e avaliando a prática da aplicação da
metodologia proposta, concluiu-se que:
(a) restringir ou selecionar assuntos poderia não levantar
questões em dúvidas ou mal compreendidas no conhecimento pregresso, necessárias de serem solucionadas
nesta fase final da graduação – um dos objetivos desta
abordagem;
(b) filtrar complexidades significaria nivelar por baixo o conhecimento disponível, uma vez que sempre existirão controvérsias, divergências e inconclusões, e mesmo estas
últimas, precisam ser discutidas em todos os níveis da
profissão.
Como um espelho de tais reflexões, a função docente na supervisão de estágio ampliou-se sobremaneira: foi imprescindível uma mudança de atitude, de
transmissor para mediador do conhecimento, inclusive
sendo necessário o auxílio na orientação para buscas
complementares, para a construção dos comentários
que se seguiram à resenha. Este item da atividade impôs
um perfil de desempenho diferenciado: um perfil docente mais dinâmico e participativo, impreterivelmente
atualizado com a prática, e sintonizado com as
tecnologias de acesso à informação científica, bem como
com a metabolização destas tecnologias no processo
formador do fisioterapeuta.
Surgiu assim, num segundo plano, um dado não
considerado inicialmente: quais as atitudes e requisitos
deste professor/supervisor para esta dinâmica diferenciada e sintonizada com a evolução tecnológica e
metodológica?
A prática baseada em evidências nada mais é do que
educar pela pesquisa, pelo questionamento construtivo,
encontrando bases sólidas de argumentação e ensinando os pilares da construção da própria ciência. Porém,
para educar pela pesquisa existe a condição essencial de
que o profissional da educação seja ele próprio um pesquisador, ou seja, maneje a pesquisa como princípio científico e educativo e a tenha como atitude cotidiana
(Demo 2000).
A Filosofia da “Escola Nova” tem convidado ao
desenvolvimento de recursos didáticos próprios e apropriados à Fisioterapia, abandonando paulatinamente
aqueles importados das áreas mais antigas da Saúde
(Ricieri, 2001b). O fisioterapeuta vê-se, então, em uma
nova dimensão da atividade de ensino: a de pensar como
fisioterapeuta para agir para a Fisioterapia, especificamente. Esta tarefa conclama ao conhecimento sólido
da pesquisa como meio de comunicação da ciência formal e das chamadas tecnologias educacionais, versão
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contemporânea dos recursos complementares aplicados à prática do ensino, além do conhecimento técnico
fisioterapêutico. Este novo cenário do ensino tem promovido o crescimento das interfaces de utilização dos
recursos tecnológicos, exigindo a adoção de novas posturas para docentes e alunos.
Embora o uso das tecnologias educacionais tenha
por finalidade adequar Escola e Ensino, antigas instituições da sociedade civilizada, às necessidades emergentes da sociedade do início do terceiro milênio, está claro
que não se deve perder o elo que liga passado e presente, qual seja, a figura necessária do mediador deste processo: o professor (Ricieri, 2001a). O professor tem
um papel diferenciado nesta nova filosofia de ensino: o
de mediador, em substituição ao antigo perfil de transferidor de conhecimentos. Incorporado deste novo
papel, o docente moderno vai a busca de novas atividades para igualmente fazer girar a roda dos hábitos e
atitudes dos acadêmicos, tão cristalizados na figura do
receptor de conteúdos, decorador de clichês e repetidor
das frases dos mestres.
Podemos afirmar que o ensino em Fisioterapia vive
uma crise de paradigmas, que se caracteriza, de acordo
com Brandão (2001)
como uma mudança conceitual, ou uma mudança de visão do
mundo, conseqüência de uma insatisfação com modelos anteriTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 87-108, Curitiba, jan. 2002
ormente predominantes de explicação. A crise de paradigmas
leva geralmente a uma mudança de paradigmas, sendo que as
mudanças mais radicais consistem em revoluções científicas.
Aliar educação, e não somente ensino, atualização
de conhecimentos, questionamento construtivo e práticas diferenciadas exigem um novo perfil para o professor, tanto quanto para o aluno e futuro
fisioterapeuta.
Outro fator que contribuiu para a pontuação de
complexidade foi o número de páginas. Este, facilmente
identificável na citação bibliográfica. É importante ressaltar que nem sempre os textos de poucas páginas
foram os de mais simples compreensão. O texto de
Gregg (2000; vide Quadro 2) foi um exemplo para
esta afirmativa, posto que, apesar de apresentar apenas uma página, requereu uma sólida formação de
conceitos sobre fisiologia respiratória, espirometria,
fisiopatologia da broncoconstrição e bioengenharia dos
equipamentos de avaliação de pico de fluxo expiratório
e volume expiratório forçado no primeiro segundo.
Por outro lado, seguindo esta mesma linha de raciocínio, observou-se que os textos mais longos guardaram uma relação direta e positiva com complexidades
mais altas nos assuntos abordados. Considerando a
distribuição destes fatores, percentualmente houve um
predomínio de textos de complexidade moderada a
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alta, ao passo que a distribuição entre alta e baixa extensão foi aproximadamente equivalente entre si.
Pelas razões relatadas, e pelos aspectos práticos
que a aplicação da metodologia exigiu, concluiu-se
que, a menos que se conheça previamente o conteúdo do texto – e aí o fator aleatório perderia seu sentido – a seleção de textos em torno de quatro a seis
páginas poderia funcionar como um fator de seleção que viabilizasse a aquisição de textos de complexidade moderada a alta, tornando equivalente o grau
de dificuldade para cada grupo ao traduzi-lo e discuti-lo.
A fórmula para apresentação final (AF) foi uma outra “invenção” que deverá merecer maior atenção
em estudos posteriores. A equação proposta faz um
balanço entre o grau de dificuldade e os objetivos
atingidos. Como os resultados são preliminares, ainda não se pôde concluir pela eficiência do sistema
matemático na aferição de ambas variáveis, mas certamente ele representou um caminho a ser explorado quando se depende de fatores dinâmicos,
atualizados tempo a tempo, como buscas bibliográficas. Do ponto de vista dos resultados alcançados
nas AF, o predomínio de desempenhos acima da
média (67% dos grupos) para um intervalo admitido de pontuação (1 a 10), falou a favor de uma resposta inicial positiva a esta metodologia de manuseio
dos resultados, pertinentes ao trabalho com informação científica.
Ao avaliar os itens isolados que compuseram o
valor final da AF, percebeu-se a independência entre
objetivos cumpridos e grau de complexidade do texto.
Provavelmente os resultados estiveram mais estreitamente relacionados à experiência inédita de trabalhar
com métodos diferenciados daqueles que habitualmente compuseram o histórico da graduação. Também aqui foi percebida a necessidade de avaliar mais
profundamente as causas que levaram a desempenhos sub-máximos, através de um questionário. Altamente oportuna seria a introdução de uma variável
que fornecesse o feedback de cada estagiário, no tocante ao domínio da língua e do assunto – conhecimento pregresso – mas agora, do ponto de vista de
quem recebeu o conhecimento. Não obstante, a
quantificação do domínio individual da informática,
da habilidade na procura e localização de dados complementares, da expressão escrita de idéias e a interpretação de textos, reforçariam pontos a serem
trabalhados ao longo da graduação, tanto ao nível
das disciplinas regulares, como através de atividade
complementares.
O reflexo dos itens anteriores espelhou-se na distribuição das notas obtidas através da avaliação tradicional e dos valores obtidos na AF (vide gráfico 10).
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Houve uma maior homogeneidade, ou uma menor
dispersão, nos valores obtidos na avaliação tradicional, quando comparada à dispersão encontrada para
os valores da AF. Fartamente conhecida e treinada,
as avaliações tradicionais, teórica e prática, apresentam uma familiaridade indiscutível e manifesta através de seus resultados. O acadêmico sabe o que lhe
espera e sabe como se portar diante dela. Em outras
palavras, pode-se dizer que esta forma mais estática
de lidar com os conhecimentos adquiridos vai ao
encontro de tudo o que ele vivenciou durante toda
sua vida escolar, desde o ensino fundamental.
A redução da educação a ensino transparece em
atividades centrais, como a aula reprodutiva, a prova
colada, a avaliação pela restituição copiada. O tempo letivo é gasto, essencialmente, em aula e prova
(Demo, 2000). Essa é uma atitude que não se enquadra na formação para o profissional competitivo e
competente e precisa ser reavaliada pelos docentes e
também pelos acadêmicos. Trabalhar com formas
mais dinâmicas de pensar e agir pode significar, à
primeira vista, um entrave, embora os resultados tenham mostrado que este é um entrave facilmente
superável por ambos os lados.
Saviani (1997) defende o conceito do habitus, ou
seja, quando o objeto de aprendizagem se converte
numa espécie de segunda natureza. Criar um habitus
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significa criar uma situação irreversível, fruto de insistência e persistência; faz-se mister repetir muitas
vezes determinados atos até que eles se fixem. Completado o habitus ou atingida a segunda natureza, a
interrupção da atividade, ainda que por longo período de tempo não acarretará em reversão da aprendizagem.
Entendeu-se, pela interpretação dos resultados,
que se o acadêmico for mais experimentado na busca dinâmica por informações, ao longo de sua formação de graduação, criaria o habitus necessário para
prosseguir profissionalmente dotado de uma práxis
mais científica e independente, e o curso de graduação do qual ele egressou teria então atingido os preceitos exarados pelas diretrizes curriculares.
Poder-se-ia, assim, chegar a uma menor dispersão
dos valores de AF, equivalente à dispersão de valores
encontrados no sistema de avaliação já conhecido pelo
acadêmico, qual sejam, as provas teóricas e práticas.
Logo, a resposta à pergunta inicial teve sua resposta.
Brandão (2001) apregoa o
...construir através de processos educativos, e neles mesmos,
formas solidárias, igualitárias e plurais de convivência entre
os homens. Ter esta postura é se opor, mas se opor na ofensiva de quem deseja construir. E por pretender a construção
do homem, não de um homem qualquer, mas de um homem
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fraterno, solidário, tolerante e aberto à alegria de novas experiências, a Educação não pode ser pensada senão interagindo
com o universo de conhecimento que a cerca e do qual ela faz
parte.
É esse construir que se busca para o novo profissional de Fisioterapia; mas para isso, é necessário repensar estratégias para a construção desse mesmo
profissional.
A pesquisa afastada do compromisso educativo é a
expressão típica da mera qualidade formal, por vezes
eminente e convincente, na condição de capacidade inovadora e de domínio metodológico (Demo, 2000).
Conclusão
O ensino em Fisioterapia vive um momento crucial,
entre a necessidade de atualização metodológica e
capacitação do corpo docente, a nível nacional, e a
proliferação dos Cursos de Graduação. Este conjunto de eventos tem requerido cada vez mais dos
profissionais atuantes na docência um
posicionamento de novas atitudes frente aos seus
acadêmicos, para que a dinâmica da evolução do
ensino não se perca por entre a simples repetição das
atitudes dos professores que tiveram.
A metodologia de prática baseada em evidências
é de aplicabilidade relativamente simples, mas exigiu
do docente uma visão e postura altamente diferenciadas. É possível ainda, adequar a seleção dos textos
de acordo com as necessidades exaradas por cada
grupo, fazendo que a atividade venha a se tornar mais
interessante e envolvente para os acadêmicos. A língua estrangeira não representou um problema efetivo, embora tenha causado um certo impacto,
decorrente da não utilização – em anos anteriores –
de atividades que estimulassem o desenvolvimento
da leitura aplicada à língua estrangeira.
A relação entre extensão dos trabalhos e sua complexidade fundamentaram uma mudança na rotina
de seleção de textos para os próximos grupos. A
partir do próximo grupo, dar-se-á preferência aos
textos que apresentem em torno de 4 a 7 páginas,
sempre que possível. O uso de uma equação matemática para equiparar pontuações, comparáveis às
pontuações das avaliações tradicionais, bem como o
tempo mínimo necessário para a aplicação da
metodologia, deverão ser ainda objetos de investigações futuras.
Embora sejam resultados parciais, pode-se considerar que o estudo contribuiu positivamente para
o aperfeiçoamento de detalhes operacionais fundamentais para que se possa, no futuro, implementar a
prática baseada em evidências como formato oficial
de aprendizagem e avaliação, tanto na prática superTuiuti: Ciência e Cultura, n. 26, FCBS 03, p. 87-108, Curitiba, jan. 2002
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visionada de estágio como em outras disciplinas do
currículo pleno do curso de Fisioterapia, atendendo
assim ao objetivo de mudanças sobre as atitudes, formação e desempenho profissional do acadêmico de
Fisioterapia, requerido pelas diretrizes curriculares.
Permeando o estudo, veio à tona a necessidade
de alunos e professores reaprenderem a exercer seus
papéis em uma filosofia de trabalho mais dinâmica,
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moderna e eficaz para a formação do profissional
competente. Parafraseando Demo (2000), educar pela
pesquisa é a educação própria da escola e da universidade.
Não obstante, a atividade AC convidou à reflexão
sobre a necessidade precoce de integração do acadêmico a um novo modo de pensar: aquele em que
se usa a ciência como alicerce para, numa etapa ulterior, alavancar a produção da própria ciência.
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