Vitória – ES 2008 - Universidade Federal do Espírito Santo

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Vitória – ES 2008 - Universidade Federal do Espírito Santo
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
DEPARTAMENTO DE PRÁTICA DE ENSINO
SONIA MARIA DE OLIVEIRA FERREIRA
Resgatando as memórias a partir das obras de
Almeida Júnior e Leonilson
Vitória – ES
2008
Justificativa:
A Escola Estadual Hildebrando Lucas, inicialmente atendia ao ensino
fundamental e médio. E com a municipalização do ensino, passou
gradativamente a atender apenas ao ensino médio e à Educação de Jovens
e Adultos. Localizada em frente a pracinha de Maruípe, no alto de um
“morro”, apenas com uma entrada íngreme dificultando o acesso a
portadores de necessidades especiais (apenas acesso a pedestres).
No ano de 2007, atendendo às exigências dos alunos que terminaram o
último ciclo do ensino fundamental do turno matutino, abriram uma turma
do EJA no período da manhã, no segundo semestre desse ano para o
primeiro ciclo do ensino médio (1º ano). Diante das negociações, as aulas
iniciaram dia 05 de outubro, com data prevista de término em 14 de
dezembro. Como as aulas iniciaram em setembro, os alunos perderam
algumas atividades inerentes à série no período em questão. O período que
ficou em aberto foram planejados a fim de que os alunos apresentassem
atividades extra-classe, cumprindo a carga horária, suprindo assim as
perdas.
Teríamos pela frente 7 aulas geminadas para aplicar a nossa proposta. A
turma continha 21 alunos, oriundos de vários bairros da grande Vitória.
Porém, apenas 6 freqüentavam as aulas, e apenas 5 eram realmente
assíduas. A idade também é um fator diferencial desta modalidade de
ensino. As alunas, quase todas mães, com sonhos e vontade de
continuarem os estudos foi o que nos permitiu refletir e fazer uma leitura
de obras, como também de nós mesmos, através das lembranças e
memórias. O objetivo era apresentar a arte e como podemos comparar a
nossa vivência, momentos vividos pelo artista e a sua expressividade,
criando um “estado” crítico sobre a arte, com condições de analisar,
praticando o “artesanal” como uma verdadeira obra de arte.
Objetivos
O objetivo principal deste trabalho foi apresentar a história da arte
remetendo a memória, a partir da obra de Almeida Júnior “Saudade” e das
obras de Leonilson, resgatando a história pessoal, exteriorizando o
sentimento e a livre expressão numa construção de um baú e/ou caixinhas,
através da técnica de colagem, mosaico de papel e customização.
Objetivos Específicos:
- Apresentar a história da arte brasileira do século XIX, com referência
ao realismo brasileiro na obra “Saudade” de Almeida Júnior.
- Contextualizar e analisar a obra fazendo um paralelo às vivências
pessoas e lembranças.
- Contextualizar a história da arte na década de 80 no Brasil “retomada
da pintura”, o momento histórico e as obras de artistas como Leonilson e
Leda Catunda, referenciando ao cubismo sintético,abordado
anteriormente.
- Construir baús e caixinhas de “memórias” a partir da colagem e da
técnica de mosaico de papel e customização.
- Apresentar as peças prontas com textos formulados a partir da
construção.
Introdução:
José Ferraz de Almeida Júnior, artista oriundo da Academia de Artes e
Ofícios do Rio de Janeiro, aluno de pintura de Vitor Meirelles,no século
XIX, retratou várias cenas do Brasil, em pintura sobre tela. As pessoas as
quais representava eram reais, ora da elite, ora pessoas comuns, do interior
de São Paulo. A realidade está tão presente em suas obras, que registra os
detalhes mais corriqueiros, como uma parece descascada, um pé descalço,
as feições realistas onde as expressões são representadas com sentimento.
Para trabalhar o tema proposto, buscamos a obra “Saudade”(fig 1), que
representa uma mulher na janela de sua cozinha, ao lado da janela, para
que com a luminosidade exterior pudesse iluminar melhor a foto de alguém
muito querido, saudosa, e chorosa, segura suas lágrimas com um xale que
está pendurado no pescoço. As cores vivas, porém sóbrias, denotam a
temática entristecida a que propõe representar. “Homens e mulheres que,
em diversas ocasiões, caracterizam o regional, sem que pareçam
estereótipos. Curiosamente, o quadro foi pintado no último ano de vida
de Almeida Júnior, como que antevendo a morte do pintor”.
Cubismo Sintético
Para adentrarmos no contexto da sobreposição de materiais na
customização, apresentamos o cubismo sintético, que tem como técnica a
sobreposição de palavras e materiais diversos, experimentado por Pablo
Picasso e Braque, considerada por eles a 3a. Fase do Cubismo.
As formas geométricas são compartilhadas com sobreposições de
materiais, como algodão, palha, caixa de cigarro, pedaços de jornal.
Geração 80 – Leonilson e Leda Catunda
Assim como o cubismo gerou mudanças na arte, a “geração
80”também trouxe uma nova visão de arte. Os artistas sairam dos salões e
foram para as ruas. A retomada da pintura veio com um novo carater, o de
experimentar novas possibilidades de materiais e suportes.
Supostamente, podemos dizer, que é uma herança do cubismo. Foram
vários artistas, com temáticas voltadas para paródia, para discussão ou
como experimento de novas técnicas e materiais. Agrupavam-se em
ateliês para troca de experiências e rateio no custo dos materiais. Para
alguns as cores sempre vivas, denotando as mudanças políticas que
estavam acontecendo no Brasil, uma “suposta” liberdade,com a queda
da ditadura militar.
Dentre muitos artistas, citamos Leda Catunda pelo caráter
experimental em customização de tecidos, muitas vezes sobreposições
de babados(fig 2).
Leda Catunda
Grande Mórula, 2003, colagem
“Existem muitas maneiras pelas quais poderia me
referir aos trabalhos com palavras, mas é certo
que os mesmos possuem significados e leituras
que inclusive fogem ao meu controle, que estão na
cabeça do meu observador, sobre os quais não
tenho nenhum domínio, assim posso descrevê-los
mas nunca conseguiria esgotá-los.
É da seguinte maneira que descrevo essas obras:
São trabalhos que oscilam em definição entre o
que se poderia chamar de pinturas ou de objetos
moles, utilizando vários tipos de tecidos e
materiais para dar textura e volume. Com
procedimentos próximos aos da colagem, através
da soma de materiais, recortes, sobreposições e
entrelaçamentos, reestruturo a superfície das
pinturas em busca de uma poética da maciez. O
amolecimento de formas em meus trabalhos
decorre da soma de imagens não agressivas
orgânicas com o uso da característica mole dos
materiais empregados.”
LEDA CATUNDA
Onça Pintada no 1, 1984 - Acrílica s/ cobertor,
192,5 x 157,5 cm
O outro artista que citamos, da geração 80, Leonilson, não
apresenta o experimentalismo da matéria, mas faz uma autobiografia
em cada obra. Cada uma delas é única. Apesar de ter vivido apenas 31
anos, tem em seu repertório aproximadamente 1000 obras, que
representam cada momento de sua vida, como uma “caixinha de
memórias”. A origem nordestina está presente nos bordados, nas
gravuras, pintura e instalações. No final da vida, representa a “doença”
em todos os estágios, até chegar o final, numa instalação solitária, com
cadeiras vazias e roupas penduras num cabide, sem a figura humana
presente.
A palavra e o texto na obra de Leonilson estiveram presentes desde os trabalhos
iniciais e integra-se às imagens, transformando-se nos próprios desenhos ou
pinturas. São palavras e textos ora bordados sobre tecidos ora apenas riscados
sobre o papel.
A escrita entra livre em sua obra ao fazer uso indiferenciado e livre de regras
gramaticais em vários idiomas, escolhidas simplesmente pela musicalidade dos
versos ou palavras. Leonilson comete erros ortográficos propositais para atender
ao capricho de uma sonoridade poética ou dar uma conotação autobiográfica a
palavra.
Mas é "nos desenhos de 1989", como o próprio artista diz em entrevista à crítica
de arte Lisette Lagnado, que "a palavra entrou realmente nos trabalhos. Eu
estava muito apaixonado. Ficava sozinho, sem saber direito o que fazer. Então
pensei em escrever nos desenhos em vez de ficar escrevendo em cadernos."
O templo – 1990 bordado sobre feltro
58,0 x 38,0 cm
José - 1991
bordado sobre voile
60,0 x 40,0 cm
Adriano Pedrosa
“O pequeno Voilà mon coeur mede 22 x
30cm e consiste num pedaço de lona
pintada de tinta acrílica dourada, com
uma fina tira horizontal de feltro
acinzentado em sua borda superior.
Bordados na lona com linha azul clara,
há vinte e seis pingentes de cristal
lapidado, sobras de um candelabro
quebrado. Sem chassis, o trabalho tem
três furos na borda de feltro - um no
canto esquerdo, outro no canto direito e
um terceiro ao centro - que permitem
seu proprietário pendurá-lo por pregos
numa parede.
"Voilà mon coeur" (Here is my heart), c. 1989 Bordado
e cristais sobre feltro, 22 x 30 cm
Col. Adriano Pedrosa
Foto Rômulo Fialdini
O expor o coração remete a Klee, que
"você olha, é uma aquarelinha, mas ele
tirou do coração e pôs na parede," ou
ainda a Jesus Cristo, que "tirou o
coração, deu para São João Batista e
falou: 'Aqui está meu coração, faça dele
o que você quiser.'" Entretanto, expor o
coração é ato doloroso, sobretudo em
tempos de cinismo e ceticismo,
trazendo consigo e com freqüência
ambigüidade e contradição.
Por fim, o coração, como todas as
outras coisas no mundo, aponta para a
morte. Esse pode ser o leitmotiv da
obra, mas na cadeia infinita de
metáforas, a morte é sempre o
significante último.”
Metodologia:
Os alunos haviam estudado formas geométricas e sobreposição de
formas, e nesse contexto, procuramos apresentar algumas obras do
cubismo sintético, fazendo referência ao trabalho “extra-classe”, no
intuito de trabalhar a customização, contextualizando o realismo
brasileiro e a geração 80, fazendo leitura de imagens e “leitura de nós
mesmos”, partindo para a prática, fundamentados.
Avaliação:
Os alunos foram avaliados em vários quesitos.
A primeira: Participação
questionamentos e interesse.
em
sala
de
aula,
com
A segunda: Os trabalhos práticos, construção e feitura
levando em conta o envolvimento e resultado final,
respeitando os limites do aluno.
A terceira: Texto descritivo com o objetivo da construção do
trabalho, questionando o cubismo e artistas que retrataram a
realidade brasileira.
Bibliografia:
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Arte/Educação
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Consonâncias
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CATÁLOGO: Onde está você Geração 80?.Rio de Janeiro:Centro Cultural Banco do Brasil, 12 de jul a 26
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CHATEAUBRIAND, Gilberto (Col). Anos 80: o palco da diversidade. Rio de Janeiro:MAM, 1995.
COLEÇÃO PINACOTECA DE SÃO PAULO. 100 anos da Pinacoteca. A formação de um acervo.
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Sítios Pesquisados:
Disponível em: http://www.obraprima.net/<acessado em 07 nov 2007>
Disponível em: www.bb.com.br/cultura/ <acessado em 07 nov 2007>
Disponível em: www.itaucultural.org.br <acessado em 07 nov 2007>
Disponível em:http//:www.projetoleonilson.com.br <acessado em 27 nov 2006>
Práticas Escolares
Exercícios Extra-Classe
Customização/Caixinhas de memórias
Caixinha de memória (a aluna registrou o melhor momento de sua
vida: a maternidade), colou em caixinha de papelão fotos de seu
filho.
Nesta imagem, a aluna cria uma caixinha de memórias,
onde representa a mulher de várias formas, a partir de
recortes e colagem de materiais diversos.
Elizabeth cria formas geométricas numa bolsa customizada, onde
pretende guardar suas recordações.
Caixinha - papietagem
Oreni, na imagem acima, cria uma tela, a partir de colagens e contornos
geométricos com tinta dimensional, onde representa as várias “caras”
brasileiras. Negros, brancos, índios, misturas entre si, como é o povo
brasileiro. Assim representa a sua caixinha de memórias, resgatando não
só as lembranças pessoais de sua miscigenação, mas de toda a história
brasileira.

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