Amizade na Universidade.
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Amizade na Universidade.
IV Fórum UNIV Brasil AMIZADE: MODELO DE UMA NOVA CIDADANIA Giulia Pereira Patitucci Mariana Kawaguti Mônica Vilalta Orientadora: Edilene Barbosa Amizade na universidade São Paulo 2014 Resumo Tendo em mente que a amizade é um dos tipos de relação humana mais privilegiada, intensa e transformadora, é justo repensar sua realidade no contexto universitário e considerá-la como um caminho para um novo modelo de cidadania. Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo verificar a visão do tema amizade com universitários, vendo se há consciência e estima pelo valor da amizade, se se reconhece a sua importância, e em que medida a experimentam em suas vidas. Para realização desse trabalho foram aplicados questionários em alunos de diferentes universidades de São Paulo e logo, foi realizado um estudo a partir da análise geral dos dados. Como proposta final, foram levantadas três diretrizes principais: maior interdisciplinaridade, inclusão da disciplina filosofia nas grades curriculares e participação ativa em trabalhos voluntários pelos estudantes. Abstract Friendship is one of the most privileged, intense and transforming kinds of human relations. Bearing this in mind it is just to rethink on the reality of friendship in the university context and to consider it as a path to a new model of citizenship. From this perspective, the present study aims to verify the vision of friendship among university students, observing if there is an awareness and esteem for its value, whether its importance is recognized and to what extent it is experienced in their lives. To this end, questionnaires were given to students from different universities in São Paulo and a general analysis of the data obtained was then used as a basis for the study. As a final proposal, three major guidelines were thought: greater interdisciplinarity, including discipline of philosophy and active participation in volunteer work by students. 1. Introdução O tema proposto para o Fórum UNIV 2015, “Amizade: modelo de uma nova cidadania”, instiga os jovens a pensar em suas próprias vidas e em como se relacionam com as pessoas que os cercam. Certamente, ao se deparar com o tema, a maior parte das pessoas, no contexto cultural e social brasileiro, tenderá a dizer que entende a importância da amizade para sua vida. Porém, até que ponto se compreende a realidade de uma amizade verdadeira e todos os benefícios dela oriundos? Vê-se hoje, que poucos intelectuais debatem sobre o assunto se comparado a outros tipos de relacionamentos como, por exemplo, o amor entre o homem e a mulher. Essa despreocupação coloca a amizade em um plano inferior ou secundário, e a sociedade deixa de valorizá-la como aspecto essencial em sua vida. C. S. Lewis, referindo-se a isso, disse já há algumas décadas: “(...) la amistad hoy es considerada algo bastante marginal, no un plato fuerte en el banquete de la vida... Pocos la valoran, porque pocos la experimentan.”1 Para começar a compreender a verdadeira importância da amizade, deve-se destacar antes de mais nada a figura do homem. Uma vez entendida sua natureza, será mais simples enxergar o papel da amizade em sua vida. Diferentemente dos demais seres vivos, o homem é um ser social, que dialoga, que busca a convivência com outros para compartilhar ideias, para se ajudarem mutuamente e também conhecerem melhor a si mesmos. Não há crescimento real ou realização humana, senão a que proporciona a abertura ao outro, o relacionar-se positivamente com os demais. Se o homem é impossibilitado de “dar” ou fazer alguém feliz, ele se frusta, pois está distanciando-se de sua verdade, mesmo não tendo consciência disso. A sucinta frase “No hay yo sin tu”2 registrada no livro Fundamentos de Antropologia: un ideal de la excelência humana representa de um modo claro que na qualidade das relações que se estabelece com seus semelhantes está a chave da felicidade e da realização mais profunda de cada homem. Dotadas de uma inteligência única e de capacidade para amar de modo benevolente, somente as pessoas podem ser amigas. Apesar de ser no ambiente familiar onde as crianças estabelecem suas primeiras relações sociais, é no espaço escolar, com mais distância dos laços de sangue, onde as pessoas precisam demonstrar autenticidade para conhecer e respeitar umas as outras, a qualidade da sua liberdade ao fazerem suas escolhas, sua capacidade de estabelecer vínculos, assumir compromissos e desenvolver-se através da escuta, do aprendizado e do diálogo. Ainda no início da fase adulta, o espaço universitário é um cenário de destaque no desenrolar desses aspectos. 1 STORK, Ricardo Y. Carta Undécima: Amigos y esperanza. Entender el mundo de hoy; Cartas a un joven estudiante. Ed. 2. Espanha: ed. RIALP, 1993. p. 137 a 155. 2 STORK, Ricardo Y. ECHEVARRÍA, Javier A. Relaciones Interpersonales. Fundamentos de Antropologia: un ideial de la excelência humana. Ed. 5. Espanha: ed. Eunsa, 1996. Cap. 7, p. 137 a 153. Quando estudada a instituição universitária “às vezes pensa-se que a missão (...) seja hoje, exclusivamente, a de formar profissionais competentes e eficientes que satisfaçam as exigências laboriais de cada período concreto. (…) Sem dúvida, prospera na actualidade esta visão utilitarista da educação mesmo universitária (...).”3 A função da universidade está mais além: é o espaço para busca da verdade, onde o homem deve buscar a si mesmo por meio de trocas de ideias e situações que o façam refletir sobre a vida em sociedade. Possibilita-se o desenvolvimento de amizades, cabendo aos jovens a tarefa de construirem relações verdadeiras e sólidas. Esse aspecto social do meio universitário é muito rico, visto que é um ambiente que propicia (ou deveria propiciar) relações entre pessoas de diferentes culturas e crenças, classes sociais, faixas etárias e opiniões. Além desse fator, os estudantes, professores e demais agentes do meio universitário são estimulados a dialogar e a discutir sobre variados temas, levando a união de grupos por afinidade que compartilham os mesmos ideais. Todos esses aspectos tornam o ambiente universitário um espaço que não se limita a transmitir saberes, mas também trata-se de uma fase na qual o ser humano deve formar-se moral e humanamente, tornar-se cidadão responsável, disposto e capaz de construir uma sociedade mais justa, “contribuye así con su labor universal a quitar barreras que dificultan el entendimiento mutuo de los hombres, a ligerar el miedo ante un futuro incierto, a promover – con el amor, a la verdad, a la justicia y a la liberdad – la paz verdadera y la concordia de los espíritus y de las naciones.”4 Ao unir a preparação profissional com a profunda formação do indivíduo, o contexto da universidade agrega o espírito de convivência harmonioso e propicia um lugar de compartilhamentos de ideias, de diálogo de autêntica abertura aos demais. 3 BENEDICTUS XVI. Viagem apostólica a Madri por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude (18-21 agosto de 2011): encontro com jovens professores universitários discurso do Papa Bento XVI na Basílica do Mosteiro de São Lourenço do Escorial Sexta-feira, 19 de Agosto de 2011. 4 Josemaría Escrivá de Balaguer y la universidad, Ed. Eunsa, Plampona 1993 2. Justificativa Tendo em mente que a amizade é um dos tipos de relações humanas mais privilegiadas, intensas e transformadoras, é justo repensar sua realidade no contexto universitário e considerá-la como um caminho para um novo modelo de cidadania. Ambiente universitário e juventude coincidem na grande potência que têm na construção de ideias e ideais, na busca da verdade, na vivência e transmissão de valores. “Como já disse Platão: Busca a verdade enquanto és jovem, porque, se o não fizeres, depois escaparte-á das mãos.”5 3. Objetivos O trabalho tem como objetivo primário, no intento de apresentar uma proposta positiva para o contexto escolhido, identificar elementos que poderiam potencializar ou fazer do ambiente universitário um espaço mais propício para o surgimento de relacionamentos mais verdadeiros. Para isso, viu-se a necessidade de identificar três pontos importantes dentro do tema e que foram chamados de objetivos secundários, que são os seguintes: 1. Identificar o que os estudantes universitários consideram que seja a amizade: quais elementos estão presentes na sua composição, se há consciência e estima pelo seu valor; 2. verificar se vivenciam uma amizade de acordo como a definem os valores clássicos e visão antropológica estudada como fundamento teórico; 3. identificar os fatores que nesse ambiente, na opinião dos estudantes, dificultam que aconteça a amizade. 5 BENEDICTUS XVI. Viagem apostólica a Madri por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude (18-21 agosto de 2011): encontro com jovens professores universitários discurso do Papa Bento XVI na Basílica do Mosteiro de São Lourenço do Escorial Sexta-feira, 19 de Agosto de 2011. 4. Metodologia Elaborou-se um questionário com 30 perguntas (apêndice A), dividido em 4 partes: • a primeira parte com quatro perguntas para minimamente conhecer o público nos seguintes aspectos: o sexo e faixa etária o universidade: a pesquisa foi divulgada principalmente para alunos das universidades e faculdades de São Paulo Capital e Grande São Paulo, pois considerou-se que outros Campus de cidades menores tenham outras circunstâncias de espaço e estilo de vida que interfeririam na análise dos dados o curso que estudam: não foi privilegiada nenhuma área específica • na segunda parte, perguntas seis a vinte, buscou-se avaliar, sem dar nenhum conceito ou definição prévia, a noção de amizade que os universitários têm a partir de suas vicências cotidianas; • a terceira parte do questionário, questões vinte e um a vinte e sete, pretendia obter respostas sobre o tema partindo, então, de uma característica elementar presente na definição da amizade dada por um dos autores que foi estudado, que mesmo não sendo em si, isoladamente, uma definição completa, fizesse possível aos estudantes identificar rapidamente esse elemento como um “divisor de águas” dentro dos diversos níveis e ideias de amizade com que cada um pudesse ter respondido as perguntas anteriores; • na quarta parte, segundo a opinião dos estudantes, procurou-se identificar sobre a amizade: o os elementos que a dificultam o o que sugerem como linhas positivas a seguir o e se consideram que algum aspecto importante foi ignorado pela pesquisa A maior parte das perguntas foram fechadas. Embora em algumas delas as opções dispostas em alternativas pudessem limitar a riqueza das respostas, preferiu-se assim para priorizar a objetividade (por exemplo, as questões 28 e 29); outras, foram abertas porque, ainda sendo de muito interesse, não comprometeriam de modo geral a objetividade do trabalho (por exemplo, as questões 25 e 26), e ajudaria na análise a espontaneidade das respostas. A realização da pesquisa foi feita de três modos: a maior parte das respostas (aproximadamente 175, ou 63%) vieram por internet, através de um • link publicado no Google Drive e divulgado para estudantes conhecidos das pessoas do grupo por e-mail e facebook; alguns questionários (aproximadamente 90, ou 32%) foram distribuídos aleatoriamente nos • corredores e campus de algumas universidades (Mackenzie, USP, Instituto Federal) para que os alunos respondessem; com aproximadamente 15 estudantes (ou 5%) o questionário foi aplicado em forma de entrevista. • Depois, contabilizou-se esses três resultados e um estudo foi feito a partir da análise geral dos dados. Como fundamento bibliográfico para o estudo do tema amizade, foram estudadas algumas publicações do filósofo espanhol Ricardo Yepes Stork, e alguns artigos de autores diversos publicados pela Faculdade de Filosofia da Universidade de Navarra (Espanha), inspirados nos valores clássicos. Para o tema universidade, estudou-se a perspectiva de duas personalidades de destaque no século XX: • Bento XVI, Papa Emérito, teólogo e professor universitário por mais de 30 anos, que tem muitos discursos feitos a reitores, professores e alunos sobre a papel da universidade na busca da verdade e do verdadeiro humanismo; • São Josemaria Escrivá, falecido em 1975 e canonizado em 2002, que defendendo a formação profissional e humana como um serviço à todos os homens, inspirou a fundação de várias universidades em vários países (Espanha, Itália, México, Guatemala, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Filipinas, entre outros). 5. Resultados A pesquisa foi realizada com o total de 280 estudantes universitários, dos quais eram 40% homens e 60% mulheres de diversas universidades da capital paulista e Grande São Paulo, tanto públicas, como a USP (39%), quanto privadas, como o Mackenzie (17%); de cursos diversos das áreas de humanas, exatas e biológicas; e diversos anos letivos (25% do 1º ano, 16% do 2 º, 21% de 3 º e 4 º e 14% do 5 º ano). Das questões seis a vinte, que indagavam sobre a vivência particular dos estudantes a respeito da amizade na universidade: 96% dos discentes responderam que fizeram amigos na universidade, e entre esse número, 46% afirmaram que foram mais de 10 amigos, enquanto 31% declararam que fizeram entre 5 a 10 amigos e 23% disseram que foram até 5 amigos. 23% 46% até 5 amigos de 5 a 10 amigos 31% acima de 10 amigos Figura 1: Quantidade de amigos feitos na universidade Dos que fizeram amigos na universidade, 8% respondeu que uma semana foi suficiente para considerarem-se realmente amigos, 31% que um mês foi suficiente, 41% que foi necessário um semestre, e 20% afirmou que um ano inteiro foi preciso para se reconhecerem como amigos. Além disso, 50% afirmou que fizeram amizade só com pessoas do seu mesmo curso, enquanto que 45% relatou que fizeram amigos tanto com pessoas do seu curso, como com de outros. 20% 8% 1 semana 31% 1 mês 1 semestre 41% 1 ano Figura 2: tempo que demorou para reconhecer como amigo Com relação ao espaço dentro da universidade onde os entrevistados conheceram a maior parte de seus amigos, a sala de aula foi considerada o lugar com maior percentual afirmativo, com 61% das respostas; 11 % respondeu o “pátio” - lugar aberto. Entre os entrevistados que fizeram amigos no próprio curso, 87% relatou que têm o hábito que fazerem trabalhos juntos; ademais, 64% também afirmou que fazem outras atividades (além das escolares) juntos: como esportes (20%), aulas de idiomas (4%), atividades artísticas (10%) e outras ocupações (34%). 88% dos discentes consideram que o fato de fazerem outras atividades juntos contribuiu para o crescimento e amadurecimento das amizades no âmbito universitário, 7% disse que contribuiu pouco e 5% que não contribuiu em nada. Quanto à frequência com que costumam encontrar e/ou sair com esses amigos no período de férias escolares, 61% declarou que “às vezes” conversam ou saem com seus amigos da universidade fora do período de aulas, 28% afirmou encontrá-los “frequentemente”, seguidos de 11% que não saem nem conversam com esses amigos durante as férias. Sessenta por cento dos entrevistados disseram que frequentam as casas dos seus amigos e estes as deles; 40% não frequenta/conhece a casa de seus amigos. No entanto, 70% deles afirmaram que chamariam seus amigos para uma reunião familiar em sua casa, enquanto 30% não os convidaria. 30% sim 70% não Figura 3: amigos poderiam ser convidados para uma reunião familiar na casa 40% sim 60% não Figura 4: frequentam a casa um do outro Em relação à quantidade de amigos com que os estudantes entrevistados acham que manterão a amizade no futuro após o término da graduação, 34% afirmaram que continuarão a amizade com mais de cinco desses amigos, 41% apontaram que manterão a amizade com três a cinco amigos, 18% com até 2 amigos, 4% com apenas um amigo,e 3% acham que não levarão nenhum amigo da universidade após o período de graduação. Respondendo sobre os cinco ambientes – dentro ou próximos da universidade – que os discentes consideravam mais fácil conhecer pessoas, a sala de aula ficou em primeiro lugar, com 78%, seguido de “festas e bares”, com 66%, o centro acadêmico da universidade, com 53%, corredores (42%) e “pátio” com 41%. Em relação ao que há no ambiente, em termos materiais, que eles consideram elementos facilitadores para desenvolver amizades: as áreas com bancos e cadeiras foram consideradas pelos entrevistados como as mais adequadas e facilitadoras para desenvolver as amizades, com 44% das respostas, seguidas pelo espaço aberto que teve 25% das escolhas, seguidas das opções área com mesa grande (15%), e áreas de alimentação (10%). 3% 4% 34% 18% nenhum 1 amigo 2 amigos 41% 3 a 5 amigos Figura 5: amigos que consideram que continuarão a amizade após a universidade Chegando à terceira parte do questionário, a proposta foi que em suas respostas, os entrevistados tivessem em conta um elemento que, sem definir por si mesmo a verdadeira amizade, estivesse presente nela e fosse facilmente reconhecido como tal: “amigo é aquele com quem você conversa como se estivesse falando a sós com a sua consciência” (Ricardo Yepes). 11% negaram ter amizades com essa intimidade, enquanto que 89% dos entrevistados afirmaram ter amizades assim, sendo que destes, 10% afirmaram ter acima de cinco amigos nesse nível de intimidade, 48% indicaram ter de 3 a 5 amigos assim, 30% dois amigos nessa condição, 12% apontam terem 1 amigo assim. Dos entrevistados que afirmaram ter amizades como disse Yepes, 48,5% dos entrevistados afirmaram terem feitos esses amigos dentro da universidade, enquanto o restante, 51,5%, disseram ter relacionamentos assim com amigos feitos fora do âmbito universitário. Ainda dentro do mesmo grupo, 59% reconheceram ter ocorrido algum acontecimento específico para considerarem essas pessoas como amigas verdadeiras. Quanto aos “acontecimentos específicos”, 58% afirmaram ter tido ajuda em momento de dificuldades e problemas pessoais, 18% indicaram que demonstraram ser confiáveis, 14% consideraram o tempo de convívio como prova suficiente da amizade, e 10% concluíram que a identificação de afinidades pessoais foi o que definiu a relação. Ajuda em di?iculdades pessoais 10% 18% 14% Convívio 58% Co?iança Figura 6: como se reconheceu alguém como amigo verdadeiro Em relação às pessoas que responderam negativamente à pergunta se tinham amigos como sugeria Yepes, lhes foi perguntado o que teria faltado nesses relacionamentos para pudessem acontecer: 63% afirmaram ter faltado confiança na pessoa, 15% declararam não ter tido tempo ou oportunidade para aprofundar em suas amizades, 11% dos entrevistados não souberam responder o que teria faltado, e outros 11% deram respostas pouco claras (pela brevidade). Na quarta e última parte do questionário, os entrevistados selecionaram (cada um) cinco aspectos que em sua opinião dificultam o desenvolvimento de amizades no ambiente universitário: em primeiro lugar a falta de tempo, citada por 69%, em segundo, o ter uma rotina acadêmica muito exigente, com 64%; seguidas de falta de confiança nas pessoas, com 47%, o difícil acesso à universidade por morar muito longe e precariedade do transporte público, citados por 44%, e em 5º lugar, empatados, a falta de interesse em conhecer pessoas novas e a divisão das turmas por conta da possibilidade de escolha livre da grade curricular. Os estudantes também selecionaram cinco aspectos que acreditam que faria do ambiente universitário um espaço mais propício para o surgimento de relacionamentos mais verdadeiros, e entre as respostas mais escolhidas está em primeiro lugar a promoção fazer mais eventos culturais pelas universidades, citada por 63%, a possibilidade de ter mais matérias interdisciplinares, com 59%, seguidas de uma maior solidariedade dos alunos (58%), mudanças do espaço físico (melhorias nos espaços de convivência, 50%), e mais estímulo a encontros e reuniões em detrimento da comunicação virtual, com 46%. estímulo a encontros e reuniões atravéz ds meios inclusão da disciplina de ?iloso?ia em todos os cursos colocar em prática o aprendizado acadêmico estímulo da universidade para trabalhos voluntários mudança no espaço ?ísica mais solidariedade entre os alunos mais trabalhos em grupo mais eventos culturais matérias interdisciplinares menor carga horária dentro da sala de aula 0 20 40 60 80 Figura 7: aspectos que poderiam fazer da universidade um espaço mais propício para amizades veradeiras Somente 10% do total dos entrevistados responderam à última questão, dos quais 50% disseram o questionário estava completo – abarcava os aspectos mais importantes sobre o tema. 6. Análise dos resultados 6.1 A amizade segundo os estudantes Conforme os resultados dos questionários pode-se fazer uma síntese identificando o que os estudantes consideram que seja a amizade e quais elementos estão presentes na sua composição. Contatou-se que existe uma abertura por parte dos estudantes a conhecer pessoas e criar laços de amizade, visto que 98% respondeu que fizeram amigos. Esse dado também indica o quão natural é no homem essa abertura aos outros. Quando praticamente metade das pessoas responde que têm mais de dez amigos, infere-se que, além de estarem disponíveis para conhecer pessoas, acreditam que é possível ter vários amigos. A partir de outras respostas, percebe-se que os estudantes procuram fazer trabalhos acadêmicos e outras atividades extra-curriculares com seus amigos; isso pode ser entendido tanto como um elemento que alimenta o desenvolvimento da relação ou também como uma consequência, ou seja, fazem essas atividades juntos pois compartilham um mesmo interesse e têm afinidades. Quando questionados se encontram ou falam com os amigos nas férias, praticamente 85% respodeu que sim, demonstrando que, mesmo fora da rotina imposta pela universidade, o amigo em si faz parte da sua vida. Agora, quando interrogados quanto à possibilidade de frequentarem a casa um do outro, a porcentagem que respondeu positivamente diminuiu; o que não deixa de ser um fato interessante, pois o grupo entende que conhecer a casa - onde a pessoa é mais ela mesma - é fazer parte de sua intimidade. Em um primeiro momento, para esses estudantes, o tempo do processo de construção da amizade não aparenta ser determinante, uma vez que 80% dos entrevistados consideraram até um semestre o suficiente para consolidar essa relação. No entanto, quando perguntados sobre com quantos desses amigos continuarão a relacionar-se após o período universitário, vê-se que há uma restrição em sua quantidade - o que indica uma noção de profundidade da relação - quando se trata de pensar com perspectiva de futuro. 6.2 Amizade entre os estudantes e os valores clássicos Aristóteles classifica a amizade segundo o tipo de bem que se ama no amigo, os dois primeiros não têm mais que a aparência de amizade: são os que se gostam por interesse, porque obtêm algum bem um do outro, e os que se gostam por prazer, não por seu caráter, mas por serem agradáveis, ou seja, não gostam do que o amigo é em si mesmo, mas da “utilidade” ou do prazer que proporcionam. São amizades fáceis de se dissolver na medida em que já não são úteis ou prazerosas. A amizade perfeita seria, portanto, aquela na qual o amigo é um fim em si mesmo, e não um meio, é querido pelo que é (Aristóteles). Essa amizade perfeita é um dos modos de realização do amor na vida, que traz consigo algumas características: é amor de benevolência6 recíproco; requer um diálogo habitual, é desinteressada; não é inata, deve ser conquistada, precisa de tempo, demora a crescer; implica semelhança, e ao mesmo tempo dialoga e integra as diferenças; se baseia na confiança, no conhecimento íntimo e pessoal do outro; se apoia na justiça: na preocupação de dar ao outro o que lhe é devido por ser amigo, tudo. A pesquisa mostrou que ao apresentar aos estudantes um dos elementos da composição clássica da amizade – o conhecimento íntimo e pessoal do outro -, 89% dos estudantes afirmaram possuir amigos assim (comparando com a pergunta seis, que deixava a resposta a mercê de sua concepção primária, quase 10% menos); desse universo, 47% afirmam ter de 3 a 5 pessoas das quais são muito íntimas, embora apenas 48% conheceram esses amigos no ambiente universitário. Quando questionados sobre como reconheceram uma pessoa como amiga, nas respostas abertas os estudantes se referiram a quatro situações agrupadas assim: 58% o ter sido acompanhado em dificuldades pessoais, 18% à confiança que demonstraram, 14% ao convívio habitual e 10% às afinidades pessoais. Ao expressar estas razões de modo muito pessoal, chamou a atenção o fato de que muitas delas se referiam ao amor de benevolência, porém nunca na sua forma de “correção”, o ter sido corrigidos por esse amigo; também são escassas as referências diretas às qualidades dos amigos em si mesmos, enquanto prevalecem as respostas, de algum modo, auto-referenciais. 6.3 Elementos e situações que dificultam a amizade segundo os estudantes Os estudantes citaram em primeiro lugar a falta de tempo, e em seguida outros dois elementos que também se relacionam com isso: a rotina acadêmica exigente e as consequências práticas do difícil acesso à universidade. Entende-se que a escolha por esses elementos se explica pelo contexto comum e típico da Grande São Paulo - congestionamentos, longas distâncias, precariedade do transporte público etc. Embora seja compreensível essa situação, o grupo considera que citar a falta de tempo como limitante para a amizade seria um entendimento superficial acerca do assunto; os elementos que compõe a amizade 6 Yepes relaciona por sua vez alguns atos próprios do amor de benevolência: afirmar o outro, dialogar, conhecer, acompanhar, acolher, atender, compreender, cuidar, corrigir, perdoar, consolar, sofrer e compartilhar sofrimento, ser leal, esperar, honrar, confiar, agradecer, corresponder, dar e dar-se. fazem parte, em sua maioria, das disposições interiores da vontade e, muito menos, de circunstâncias externas, como a falta tempo. Outro fator citado foi a falta de interesse em conhecer novas pessoas, entretanto, vê-se que há uma incoerência quando comparado esse dado à quase totalidade das pessoas que afirmaram ter feito amigos na universidade. Uma possível explicação para isso seria que na realidade existe um desinteresse em conhecer o outro com mais profundidade, fato que pode ser ilustrado nos comentários auto-referênciais, já citados, e também na questão de que muitos não conhecem a casa de seu amigo. Ademais, a falta de confiança também destacou-se entre as alternativas podendo demonstrar que há uma mentalidade generalizada que parte da negação, ou seja, à priori não se confia no outro (até que se prove o contrário). 7. Considerações finais No intento de apresentar uma proposta positiva para o tema "Amizade: modelo de uma nova cidadania" a partir do contexto abordado - universidade e o jovem -, o grupo propõe três diretrizes em vista de estimular o desenvolvimento de amizades verdadeiras: • Maior interdisciplinaridade: possibilidade de realizar disciplinas em diversas áreas dos saberes e também a atitude de professores para estimular e ampliar os horizontes de pesquisa e de diálogo. Como um estímulo à formação integral do estudante em detrimento da fragmentação dos saberes e dos guetos ideológicos, possibilitando a abertura aos outros e a verdadeira tolerância; • Inclusão da disciplina filosofia: retomar a função original da universidade que é a busca da verdade sobre o homem, levantando questões inerentes à essência humana e fundamentais para sua realização como pessoa; • Trabalhos voluntários: como um estímulo à solidariedade, à sensibilidade ao outro e a uma atitude ativa e de serviço dos estudantes frente aos amigos, familiares e à sociedade. Ainda que tais diretrizes pareçam intervenções de cunho externo, visam mover o interior dos estudantes àquelas atitudes próprias da verdadeira amizade e do amor de benevolência. APÊNDICE A – questionário aos estudantes Amizade no Espaço Universitário Informações pessoais 1. H( ) M( ) 2. Idade: 3. Universidade: 4. Curso: 5. Ano: Perguntas específicas 6. Você fez amigos na universidade? ( ) sim ( ) não 7. Se sim, quantos? ( ) até 5 ( ) de 5 a 10 ( ) acima de 10 8. Em relação aos amigos que você fez, escolha uma das alternativas: ( ) são do mesmo curso ( ) são de outros cursos ( ) ambas situações 9. ( ) sim ( ) não Se seus amigos fazem o mesmo curso que você, vocês têm o hábito de fazer trabalhos juntos? 10. Depois de quanto tempo você passou a considerar essa(s) pessoa(s) como amigo(s)? Escolha uma das alternativas. ( ) 1 semana ( ) 1 mês ( ) 1 semestre ( ) 1 ano 11. Em relação a esses amigos, especifique 1 lugar, dentre as alternativas seguintes, onde você conheceu a maior parte deles: ( ) pátio ( ) sala de aula ( ) biblioteca ( ) cantina ( ) corredor ( ) festas ( ) outros 12. São pessoas com quem você faz alguma atividade junto? ( ) sim ( ) não 13. Se sim, qual atividade principalmente? Especifique 1 das alternativas a seguir. ( ) idiomas ( ) esportes ( ) artes ( ) OUTROS____________________________________________ 14. Você considera que fazer essas atividades junto contribuiu para aumentar a amizade? ( ) não ( ) pouco ( ) sim ( ) muito 15. Nas férias escolares, você costuma falar ou sair com seus amigos da universidade? ( ) não ( ) às vezes ( ) frequentemente Em relação a esses amigos: 16. Frequentam a sua casa e/ou você as deles? ( ) sim ( ) não 17. Poderiam ser convidados para uma reunião familiar na sua casa? ( ) sim ( ) não 18. Com quantos desses amigos você acha que vai continuar a amizade depois da universidade? ( ) nenhum ( )1 ( ) 2 ( ) entre 3 e 5 ( ) acima de 5 19. Qual espaço, dentro ou próximo da universidade, você considera mais fácil conhecer pessoas? Selecione 5 alternativas e enumere (sendo 1 a mais importante e 5 a menos importante). ( ) sala de aula ( ) cantina ( ) bandejão ou refeitório ( ) biblioteca ( ) corredores ( ) salas de estudo ( ) ponto de ônibus ( ) festas e bares ( ) centro acadêmico ou vivência dos alunos ( ) pátio 20. Em termos materiais, o que tem no ambiente que facilita fazer e desenvolver amizades? Especifique 1 alternativa. ( ) mesa grande ( ) espaço aberto ( ) lugar reservado ( ) áreas com bancos e cadeiras ( ) área onde se possa comer Para responder às próximas perguntas, leve em conta o entendimento do filósofo grego Cíceron quanto ao amigo: aquele com quem você conversa como se estivesse falando a sós com a sua consciência. 21. Você tem algum amigo assim? ( ) sim ( ) não Se sim: 22. Quantos? ( ) 1 ( ) 2 ( ) entre 3 e 5 ( ) acima de 5 23. Você o(s) conheceu na Universidade? ( ) sim ( ) não 24. Houve algum acontecimento específicio que te ajudou a reconhecer essa pessoa como um amigo verdadeiro? ( ) sim ( ) não 25. Se sim, indique brevemente esse acontecimento: _____________________________________________________________________________________________________________________________ Se não, o que faltou: 26. Na outra pessoa: _____________________________________________________________________________________________________________________________ 27. Em mim mesmo: _____________________________________________________________________________________________________________________________ 28. No ambiente da universidade em geral escolha 5 aspectos que dificultam o surgimento de relacionamentos mais verdadeiros entre as pessoas. Enumere-os de 1 a 5 (sendo 1 o mais importante). ( ) falta de tempo ( ) rotina acadêmica muito exigente ( ) existência de guetos ideológicos ( ) excessiva competitividade estimulada dentro da universidade ( ) difícil acesso a universidade (morar muito longe, precariedade do transporte público) ( ) falta de interesse em conhecer novas pessoas ( ) falta de confiança nas pessoas ( ) divisão da turma por conta da possibilidade de escolha da grade curricular (matérias semestrais etc) ( ) outros motivos _________________________________________________________________________ 29. Quais dos aspectos a seguir você acredita que poderiam fazer do ambiente universitário um espaço mais propício para o surgimento de relacionamentos mais verdadeiros. Enumere de 1 a 5 ( sendo 1 o mais importante). ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) menor carga horária dentro da sala de aula ) matérias interdisciplinares ) mais eventos culturais ) mais trabalhos em grupo ) mais solidariedade entre os estudantes ) mudanças no espaço físico (melhoria nos espaços de convivência, pensar em locais de encontro) ) estímulo da universidade para realizar trabalhos voluntários ) colocar em prática no espaço físico universitário o aprendizado acadêmico ) inclusão da disciplina filosofia em todos os cursos da universidade ) estímulo a encontros e reuniões em detrimentro da comunicação virtual (facebook, email etc) 30. Há alguma coisa que você considera importante sobre a amizade e o questionário não abordou? Referências BENEDICTUS XVI. Discurso do Santo Padre Bento XVI para o encontro na Universidade de Roma "La Sapienza" - O texto que o Papa Bento XVI teria lido durante a visita à Universidade de Roma "La Sapienza", prevista para o dia 17 de Janeiro, depois anulada em 15 de Janeiro de 2008. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 17 jan. 2008. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/january/documents/hf_benxvi_spe_20080117_la-sapienza_po.html>. Acesso em: 15 ago. 2014. BENEDICTUS XVI. Viagem apostólica do Papa Bento XVI à República Tcheca (26-28 de setembro de 2009) encontro com o mundo académico: discurso do santo padre Salão de Vladislav do Castelo de Praga Domingo, 27 de Setembro de 2009. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2009. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2009/september/documents/hf_benxvi_spe_20090927_mondo-accademico_po.html>. Acesso em: 15 ago. 2014. BENEDICTUS XVI. Viagem apostólica a Madri por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude (18-21 agosto de 2011): encontro com jovens professores universitários discurso do Papa Bento XVI na Basílica do Mosteiro de São Lourenço do Escorial Sexta-feira, 19 de Agosto de 2011. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2011. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2011/august/documents/hf_benxvi_spe_20110819_docenti-el-escorial_po.html>. Acesso em: 15 ago. 2014 BOTELHO, José F. Discurso do Papa Bento XVI aos participantes no 1º Encontro Europeu de Professores Universitários. Filosofia: Montaigne A amizade. Revista Vida Simples, 23 jun. 2007. STORK, Ricardo Y. Carta Undécima: Amigos y esperanza. Entender el mundo de hoy; Cartas a un joven estudiante. Ed. 2. Espanha: ed. RIALP, 1993. p. 137 a 155. STORK, Ricardo Y. ECHEVARRÍA, Javier A. Relaciones Interpersonales. Fundamentos de Antropologia: un ideial de la excelência humana. Ed. 5. Espanha: ed. Eunsa, 1996. Cap. 7, p. 137 a 153. Josemaría Escrivá de Balaguer y la universidad, Ed. Eunsa, Plampona 1993 El estudio en las enseñanzas de San Josemaría Escrivá, San Josemaría Escrivá, universitario. Ed. 1. Montevideo, Universidad de Montevideo, 2002, p. 65-71