De novo, a Guerra no Médio Oriente?

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De novo, a Guerra no Médio Oriente?
2012/11/19
De novo, a Guerra no Médio Oriente?
Alexandre Reis Rodrigues
Esta pergunta parece pertinente à
luz do agravamento da situação na
Faixa de Gaza mas, na verdade, só
pode fazer sentido a quem não
acompanha regularmente o Médio
Oriente e agora surpreende-se com
os últimos desenvolvimentos do
conflito entre o Hamas e Israel. Não
tem em conta que depois da última
intervenção militar israelita em 1998/99 (Operation Cast Lead1) nunca
houve algo que se possa designar como um clima de paz. Nos dois anos
seguintes, 2010 e 2011, o Hamas alvejou Israel com cerca de 200 rockets
em cada ano, depois 600 em 2011 e 700 neste ano, até meados de
novembro, antes da atual agudização do conflito.
As perguntas que mais interessaria fazer seriam as seguintes:
O que terá levado o Hamas a criar uma situação a que Israel dificilmente
poderá deixar de responder por intervenção armada, uma vez que, ao
contrário do que acontecia no passado, agora é o próprio “coração” de
Israel, nomeadamente Jerusalém e Telavive, que passaram a estar sob a
ameaça dos rockets do Hamas?
Irá Israel repetir o padrão da Operation Cast Lead, invadindo de novo a
Faixa de Gaza, depois da fase de campanha aérea em curso desde14 de
novembro? Até que ponto poderá a decisão de Israel estar dependente do
resultado da tentativa de realização de conversações de paz?
Há várias teorias que tentam explicar a decisão do Hamas em agravar o
conflito mas nenhuma parece ter um objetivo à altura do sacrifício a que
ficarão sujeitos os palestinianos da Faixa de Gaza, se Israel voltar a invadir
o território. Deveria haver um motivo muito forte mas nenhum dos que são
referidos parece enquadrar-se nesse âmbito. Fala-se na pretensão do
Hamas em reocupar o papel central na luta palestiniana que poderia sentir
estar a fugir-lhe em favor da Autoridade Palestiniana, particularmente agora
1
A Operação “Cast Lead” durou três semanas e meia, entre 27 de dezembro de 2008 e 21 de janeiro de
2009. A fase inicial de campanha aérea demorou uma semana, após a qual, a três de janeiro, se iniciou
a invasão terrestre. Terão sido mortos 1300 palestinianos, feridos cerca de 7000 e destruídas mais de
4000 casas e diversos edifícios.
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que esta volta a insistir em obter das Nações Unidas o estatuto de “nonmember state”.
Fala-se também em querer aproveitar a aproximação ideológica com o
Egipto, como líder do mundo árabe e muçulmano, agora sob uma liderança
que emana da Irmandade Muçulmana e que é sensível aos “apelos da rua”
para que o Governo de inspiração islamita reveja as relações com Israel.
Não é de esperar que Morsi se possa “dar ao luxo” de ignorar a pressão da
rua e se mostre pronto a dar espaço para acomodar as pretensões dos EUA
e Israel. Um apoio claro do Egipto, impossível durante o regime de
Mubarak, ajudaria o Hamas a sair do isolamento internacional em que se
encontra. Por outro lado, se Israel invadir a faixa de Gaza, então o
relacionamento Israel/Egipto dificilmente escapará a uma agudização, com
o eventual comprometimento do acordo de paz, desfecho que serviria os
propósitos do Hamas.
Referem-se também as dificuldades por que está a passar o Hamas para ter
algum controlo efetivo sobre os grupos islamitas mais radicais,
nomeadamente a Palestinian Islamic Jihad, os Palestian Resistance
Committees e o Mujahideen Shura Council of Jerusalem que operam na
faixa de Gaza. Estes grupos são responsáveis, sem luz verde do Hamas, por
parte dos ataques a Israel e visam um projeto político próximo do
pretendido pela al Qaeda. O Hamas tem tolerado as diferenças religiosas
sob condição de a sua liderança não ser posta em causa mas não tem
conseguido controlar esses grupos, que pretendem uma agenda mais
agressiva. Receando perder a sua lealdade, o Hamas poderá ter decidido
arriscar mais e confrontar Israel com todos os meios ao seu dispor, isto é,
com armamento de longo alcance, capaz de atingir o centro de Israel (os
mísseis Fajr-5).
A operação levada a cabo, no passado dia 22 de outubro, pelos israelitas no
Sudão para destruição de uma remessa de mísseis Fajr-5 destinados a Gaza
poderá ter também pesado na decisão do Hamas. A operação veio mostrar
a inutilidade de o Hamas continuar a tentar ocultar a posse de mísseis de
longo alcance, com que quereria surpreender Israel. Acabado o segredo não
restou ao Hamas senão acordar uma trégua com Israel que foi assinada três
dias depois. Só que os grupos radicais acima referidos decidiram agir por
sua conta retomando os ataques a 10 de novembro. Com Israel, a partir
daí, a ficar com todos os argumentos para reagir em força, ao Hamas não
restou senão começar a usar os Fajr-5 e tentar demonstrar a Israel que não
lhe restará senão negociar um entendimento que reconheça a sua
autoridade política na Faixa de Gaza. O Hamas conta com o pragmatismo
de Israel; Telavive sabe que a Faixa de Gaza entrará em caos completo se o
Hamas perder autoridade local. Avigdor Lieberman, ministro dos Negócios
Estrangeiros, já deu mostras de o Governo israelita estar sensível a esse
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risco ao vir afiançar que a operação em curso (Operation Pillar of Defence)
não visa eliminar o Hamas.
Que objetivo tem então Israel? Certamente, o principal será eliminar toda a
capacidade palestiniana em mísseis de longo alcance, se possível apenas
através de raides aéreos. Neste momento, Telavive, diz que já destruiu
90% desta capacidade mas já tinha dito anteriormente o mesmo. Afinal, os
ataques com rockets continuaram (foram lançados 640 desde 14
novembro), demonstrando que o Hamas tem tido sucesso em camuflar os
seus locais de armazenamento e em evitar que as equipas de lançamento
sejam atingidas pela retaliação israelita (usando métodos de controlo
remoto que lhes permitem manter essas equipas em áreas urbanas, no
meio do povo).
Não obstante as relativamente já grandes dimensões dos Fajr-5 (6 metros
de comprimento e 900 quilos de peso), o que torna muito difícil a sua
camuflagem, é pouco provável que Israel possa garantidamente concluir
que eliminou essa ameaça sem uma intervenção terrestre. Aliás, até há
pouco dava-se por certo que o Hamas só conseguia produzir localmente
mísseis de curto alcance (Qassams); para mísseis de longo alcance, como
os Fajr-5 que atingem 75 quilómetros, não haveria mais do que a
capacidade de os montar a partir de partes recebidos separadamente do
exterior. A declaração que o Hamas fez ontem afiançando que os mísseis de
longo alcance estariam a ser produzidos localmente, a ser verdade, alteraria
completamente a situação, como se compreende. É improvável, no entanto,
que isso seja verídico, dadas as dificuldades técnicas e exigências em
infraestruturas para tal empreendimento. Em qualquer caso, a dúvida ficou
no ar, o que constitui mais um incentivo para Telavive avançar com as
operações terrestres. Porque quererá então o Hamas levar Israel por este
caminho? Como poderá evitar mais sacrifícios à população de Gaza e que
meios terá em mão para estar confiante de que criará sérias dificuldades a
Israel?
Os EUA, pela voz do presidente Obama, já vieram declarar que Israel tem
todo o direito de se defender dos ataques de que tem sido alvo. O Reino
Unido embora nada dizendo em contrário, não deixa, no entanto, de fazer
notar que Israel perderá a simpatia e apoio internacional se decidir-se por
invadir de novo a Faixa de Gaza; lembra o risco de prolongamento do
conflito e a enorme dificuldade em evitar pesadas baixas civis. Não é
arriscado prever que a União Europeia adotará uma posição semelhante. As
relações de Israel com o Egipto passarão por dificuldades sérias e com a
Turquia irão agravar-se.
Telavive procura lidar com estas perspetivas repetindo que não tem em
vista eliminar o Hamas e garantindo que a intervenção militar tem por
objetivo exclusivo trazer segurança de volta ao sul de Israel. No entanto,
este objetivo não será considerado atingido enquanto o Hamas continuar a
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demonstrar que a aviação israelita não conseguiu destruir a sua capacidade
de alvejar Israel com os rockets Fajr-5. Se esta situação se mantiver, então
haverá certamente uma intervenção israelita por terra e a situação no
Médio Oriente agravar-se-á ainda mais.
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