Editorial

Transcrição

Editorial
A palavra escrita
Foto: Arquivo AlfaSol
Editorial
Regina Célia Esteves de
Siqueira é superintendente
executiva da AlfaSol
É um feito e tanto: aos 13 anos de
atuação da AlfaSol, a Escrevendo
Juntos publica seu 40º número. Para
comemorar, a revista, que tem público
e alcance amplos, chega renovada,
com um projeto gráfico que faz jus à
mudança da identidade visual pela qual
passou a própria AlfaSol nos últimos
meses. Priorizamos mais dinamismo
visual e diversificação das seções.
Mas, assim como a Organização, que
se revigora mantendo sua missão,
a EJ permanece no propósito de
divulgar ações e projetos da AlfaSol
de alfabetização inicial e continuada, e
vai além: a revista quer discutir temas
afins, envolver parceiros, informar, trazer
novidades e chegar aos alfabetizadores
como um importante recurso de
aperfeiçoamento e atualização.
Assim, promovemos uma enquete no
site www.alfasol.org.br (que, como
também os sites www.unisol.org.br e
www.cereja.org.br, está com o desenho
renovado) sobre o uso de novas mídias
no contexto de Educação de Jovens
e Adultos (EJA). Além de conferir o
resultado da enquete, o leitor poderá ler
nesta EJ nº 40 uma matéria produzida
sobre o tema. A Redação ouviu vários
especialistas que aprofundaram a análise
acerca do uso de novas tecnologias
em sala de aula, mas são unânimes em
afirmar que toda inovação deve servir
ao trabalho pedagógico e ter como foco
a aprendizagem. O modelo tradicional
de ensino não pode perder (pelo menos
não tanto) para a velocidade com que
chegam ao mundo as novas tecnologias.
Experimentamos isso na prática com um
programa inovador da AlfaSol, o TeleSol.
O Incentivo à Leitura, outro programa da
AlfaSol, é importante ferramenta que
possibilita a ampliação do acesso aos
diferenciados portadores de texto. Um
dos autores selecionados no programa é
Tatiana Belinky, que a EJ teve o prazer de
entrevistar. Do alto de seus 90 anos,
Tatiana dá uma lição de amor à literatura
e ensina como transmiti-lo aos nossos
filhos. Temos mais convidados especiais
neste número: o jurista Ives Gandra
Martins discorre sobre parcerias
público-privadas no Terceiro Setor; o
professor e senador Cristovam Buarque
acerta em cheio quando diz que não
devemos aceitar a mediocridade na
educação – da mesma forma como
não aceitamos perder no futebol;
Marc De Maeyer fala à Redação da EJ
sobre o desafio de educar nas prisões,
tema controverso, mas, infelizmente,
ainda atual; e mais convidados,
parcerias frutíferas e promissoras,
novidades no mundo acadêmico e
editorial, língua portuguesa...
A Escrevendo Juntos não deixaria de
registrar o lançamento do Centro Ruth
Cardoso, em setembro/2008, que surge
com a missão de preservar a memória e
disseminar as ideias de sua titular, além
de reunir as Organizações da RedeSol
criadas por ela.
Desejamos a todos uma boa leitura!
escrevendo juntos
3
correspondência
Vocês poderiam me informar o
fone da representante de Brasília?
Fiquei sabendo de um curso para
alfabetizadores e queria me inscrever.
do Analfabetismo pelos telefones:
(61) 3355 8758 e 3342 1741.
No nosso site: http://www.
alfabetizacao.org.br/aapas_site/
noticias.asp, você também encontra
algumas notícias sobre o projeto.
Equipe do Departamento de
Desenvolvimento Institucional
Gostaria de saber a lista de IES para
me candidatar a alfabetizador.
Rogério Cirino
Agostinho Cezar M. Caldeira
A AlfaSol é parceria do Governo
do Distrito Federal na execução
do Projeto abcDF e realiza cursos
de alfabetização inicial em várias
cidades-satélites.
Para inscrição de alunos, bem como
para se candidatar a alfabetizador e
mais informações, você pode
procurar a Gerência de Erradicação
Em São Paulo, acabamos de finalizar
uma grande mobilização de turmas.
Por isso, no momento, não temos
vagas para novos alfabetizadores.
Anotaremos seu interesse e, assim
que surgir uma nova mobilização na
capital, entraremos em contato.
Equipe do Departamento de Formação
e Acompanhamento Pedagógico
Durante o mês de outubro a AlfaSol manteve ativa
em seu site www.alfasol.org.br uma enquete com a
pergunta: “O educador está preparado para utilizar as
novas mídias no contexto da EJA?” Veja o resultado:
SIM
33%
NÃO
67%
A revista Escrevendo Juntos ouviu diversos especialistas cujas respostas
renderam a reportagem de capa desta edição, “Era digital, escola
analógica”, que pode ser lida nas páginas 14 a 22.
Confira abaixo uma prévia sobre o que pensam alguns professores
ouvidos pela EJ:
Ismar de Oliveira Soares, coordenador
do Núcleo de Comunicação e Educação
da USP (NCE-USP)
Regina Célia Esteves de Siqueira
Superintendente Executiva
Juliana Opípari Paes Barreto
Diretora de Planejamento
Carlos Henrique de Lima
Diretor de Desenvolvimento
Institucional
Maristela Miranda Barbara
Diretora de Formação e
Acompanhamento Pedagógico
Alex Takayama
Diretor Administrativo e de
Tecnologia da Informação
Ednéia Gonçalves
Assessora Técnica
Claudia Cavalcanti
Assessora de Comunicação
Jornalista responsável
Ana Paula Drumond Guerra (Mtb.
MG05574JP)
Redação
Ana Paula Drumond Guerra
Priscila Pires
Regina Scomparin
Projeto gráfico e diagramação
Creatrix Design
Ilustrações e fotos
Stock.Xchng
porta giratória
“Pode-se afirmar que poucos professores
estão habilitados a usar as tecnologias
em suas atividades. Trata-se de uma
situação que tende a permanecer
inalterada, levando em conta que as
faculdades de educação se preocupam
pouco com a formação para o uso
desses novos recursos didáticos.”
expediente
“Como cobrar daquele que ensina
se ele não foi preparado para isso?
Estamos todos reaprendendo como
dar aula e como participar de uma
aula com ajuda de novas mídias.”
Karla Emanuella Veloso Pinto,
professora de geografia do Centro
Educacional NDE da Universidade
Federal de Lavras (MG)
E você, o que pensa sobre esse assunto?
Escreva para [email protected]
e dê sua opinião a respeito.
ISSN
1676.0948
Tiragem desta edição
9.000 exemplares
A revista Escrevendo Juntos é produzida
pela AlfaSol (Alfabetização Solidária),
uma organização da sociedade civil,
sem fins lucrativos, fundada em 1996
com a missão de reduzir os altos
índices de analfabetismo e ampliar a
oferta pública de Educação de Jovens
e Adultos (EJA) no Brasil e no mundo.
Esta publicação é dirigida a empresas
privadas, instituições governamentais
e não-governamentais, instituições de
ensino superior, municípios, bem como
governos estaduais e federal, além de
cidadãos e formadores de opinião.
AlfaSol
Rua Pamplona, 1005 Jd. Paulista
São Paulo (SP) CEP: 01405-001
Tel.: (11) 3372-4300
www.alfasol.org.br
[email protected]
A Escrevendo Juntos nomeou
cada uma de suas seções com
obras de grandes escritores
brasileiros. Veja, a seguir, a
relação de obras, seus autores e
o ano de sua publicação.
sumário
6
Estas estórias
Acontece na educação
8
Caderneta de campo
Acontece na AlfaSol
A palavra escrita: Paulo
Mendes Campos, 1951 |
Correspondência: Machado de
Assis, 1932 | Porta giratória:
Mario Quintana, 1988 | Estas
estórias: Guimarães Rosa, 1969
(obra póstuma)| Caderneta
de campo: Euclides da
Cunha, 1975 (obra póstuma)
| Bagagem: Adélia Prado,
1976 | O caderno H: Mario
Quintana, 1973 | O avesso das
coisas: Carlos Drummond de
Andrade, 1987 | Caminho das
pedras: Rachel de Queiroz,
1937 | Noções de coisas:
Ziraldo e Darcy Ribeiro, 1995 |
Ave, palavra: Guimarães Rosa,
1970 (obra póstuma) | Versos
e versões: Raimundo Correa,
1887 | Alumbramentos: Manuel
Bandeira, 1960 | Linhas tortas:
Graciliano Ramos, 1962 (obra
póstuma) | A descoberta do
mundo: Clarice Lispector, 1984
| É isso ali: José Paulo Paes,
2005 | Lição de coisas: Carlos
Drummond de Andrade, 1964
| Páginas escolhidas: Machado
de Assis, 1921 | Alfarrábios:
José de Alencar, 1873.
12
Bagagem
Juventude(s) negra(s) na EJA | Ana Lúcia Silva Souza
14
O caderno H
Matéria de capa: Era digital, escola analógica
23
O avesso das coisas
O desafio da educação nas prisões | entrevista com Marc De Maeyer
28
Caminho das pedras
Terceiro Setor e parcerias público-privadas | por Ives Gandra
30
Noções de coisas
Projetos País afora
35
Ave, palavra
As muitas falas do Brasil
38
Versos e versões
Notícias sobre o fim do livro | Milton Hatoum
40
Alumbramentos
Reconhecimento do mundo | sobre Tatiana Belinky
44
Linhas tortas
Aceitação da mediocridade | por Cristovam Buarque
46
A descoberta do mundo
UniSol em ação
50
É isso ali
Histórias
52
Lição de coisas
Cereja na prática
54
Páginas escolhidas
Lançamentos do mercado editorial
56
Alfarrábios
O livro que marcou a minha vida
57
Parceiros
escrevendo juntos
5
Estas estórias
Acontece na educação
Livros não didáticos no orçamento familiar
Encomendada por oito entidades ligadas ao mercado editorial, com base
em dados coletados em 50 mil domicílios de áreas urbanas e rurais de todos
os estados do País, a pesquisa “O livro no orçamento familiar” aponta que
apenas 7,47% da população brasileira adquirem livros não didáticos.
Exigência de diploma
O projeto de lei n. 3.971/2008, da deputada Angela Amin
(PP-SC), já aprovado pela Câmara dos Deputados, prevê a
exigência de diploma a todos professores do ensino básico, a
começar pela educação infantil. Para entrar em vigor, o texto
precisa ser aprovado pelo Senado, o que ainda não tem data
prevista para acontecer. Se a lei for aprovada, só será admitida
a contratação de professores sem curso
superior em locais onde
comprovadamente não
houver profissionais
com essa formação.
Redução da pobreza e da desigualdade
Um trabalho do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), baseado em dados colhidos
entre 2006 e 2008, concluiu que as políticas públicas brasileiras de
redução da pobreza e da desigualdade estão na direção correta,
mas a força delas é insuficiente para resgatar as regiões mais pobres,
especialmente nas regiões Nordeste e Norte – grupo de estados
que reúne 28% da população brasileira, com nove estados que
concentram 49% dos pobres do País.
Déficit de bibliotecas zerado
O secretário executivo do Ministério da
Educação (MEC), Alfredo Manevy, durante
um evento realizado em outubro, disse que
o governo pretende, até o fim do ano,
zerar o déficit de bibliotecas no País, o que
significa dizer que em 2010 todos os municípios
brasileiros terão ao menos uma biblioteca.
6
escrevendo juntos
Na lanterna
Relatórios de
indicadores
educacionais da
Organização para
Cooperação e
Desenvolvimento
Econômico (OCDE)
revelam que o Brasil
investe na educação
básica metade do
que investem países
vizinhos como
Argentina, Chile
e México.
Ociosidade
De acordo com o
Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística
(IBGE), mais de 1,2 milhão
de jovens de 18 a 24 anos
(5,37% dos brasileiros
nessa faixa etária) não
exerciam, em 2008, uma
atividade produtiva no
Brasil. De acordo com a
pesquisa, 1,245 milhão de
jovens não estudavam,
não trabalhavam e sequer
ajudavam nos afazeres
domésticos à época em
que foram entrevistados.
Um número de cerca de
943 mil homens para
cerca de 301 mil mulheres
na mesma situação.
Estas estórias
Salas ociosas para
alfabetização
Índice de escolaridade
Outro estudo do IBGE mostra que em 2008 o índice
de brasileiros que não haviam concluído o ensino
fundamental era de 50,2%. Apesar de alto, aponta
decréscimo se comparado a 1998, quando o País registrava
65,3% de pessoas com mais de 25 anos sem o fundamental
completo. A mesma pesquisa mostrou que, ainda em 2008,
a média de escolaridade das mulheres ocupadas,
moradoras em áreas urbanas, foi de 9,2 anos de estudos
contra 8,2 dos homens. Na área rural, a diferença foi de
5,2 contra 4,4, também favorável às mulheres.
Internet versus
leitura
A Universidade de
Hamburgo divulgou uma
pesquisa que mostra não
haver lugar pior do que a
internet para ler. Internautas
que leem textos longos
compreendem apenas 18%
do conteúdo; já em textos
curtos (de até cem palavras),
a compreensão melhora,
mas não passa de 50% do
conteúdo assimilado.
Foto: Helio Romero
Governos dos municípios,
estados e do Distrito Federal, assim
como entidades da sociedade civil,
poderão utilizar salas de aula e
outras instalações de instituições
de ensino federais para a realização
de cursos de alfabetização de
jovens e adultos sem custo algum
para as instituições ou para os
usuários. Isto é o que prevê a
proposta PLS 309/06 aprovada
em setembro pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ), de autoria do senador
Cristovam Buarque (PDT-DF).
A proposta aguarda agora decisão
terminativa da Comissão de
Educação, Cultura e Esporte.
Vinte anos para a erradicação
do analfabetismo
O Brasil pode precisar de, pelo menos, 20 anos para
conseguir erradicar o analfabetismo no País. Isso é o que
mostra um estudo divulgado no mês de outubro pelo
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). A taxa
de analfabetismo da população brasileira no ano de 2008
chegava à casa dos 10%. A região Nordeste apresenta o
maior número de analfabetos, com um índice duas vezes
maior da média brasileira. Populações rurais e negras têm
situação ainda mais desigual, sendo que os negros têm, em
média, 1,8 ano de estudo a menos que a população branca.
escrevendo juntos
7
Caderneta de campo
Centro Ruth Cardoso:
lançamento e programação de eventos
a proposta de disseminar
conhecimento nas áreas ligadas
às políticas sociais e às ciências
humanas, para tornar-se armazém,
produtor e difusor de novas ideias,
além de preservar a memória e
as obras acadêmica e social da
antropóloga. Segundo Regina Célia
Esteves de Siqueira, superintendente
executiva da AlfaSol, o Centro
Ruth Cardoso tem um importante
propósito: catalogar e preservar o
Acervo Ruth Cardoso e disponibilizálo aos interessados e estudiosos.
“Ser solidário não foi uma expressão da moda para
a Dra. Ruth Cardoso. Na USP ela sempre propôs que
trabalhássemos em cooperação, que tivéssemos um
desempenho solidário. Em tudo, não apenas em relação
com a pobreza. E o que eu gostava muito nela é que ela
não fazia essa distinção entre a pobreza e a riqueza.
Em tudo ser solidário e em tudo cooperar. [...] A criação
do Centro Ruth Cardoso é de extrema importância para
integrar todos os projetos e programas que Ruth criou
e para assegurar a perenidade dessa forma de fazer
desenvolvimento sustentável no País.”
Rosa Maria Fischer, professora titular da Faculdade de Economia
e Administração da USP
8
escrevendo juntos
Foto: Patrícia Santos / Folha Imagem
Em setembro deste ano a
AlfaSol promoveu o lançamento
do Centro Ruth Cardoso com
Estão previstas também
atividades abertas ao público,
como mesas-redondas e encontros
temáticos, assim como o seminário
“Juventude urbana: inquietações
e perspectivas”, realizado em
novembro e que contou com a
participação de especialistas no
tema, como Helena Abramo e
Wanda Engel, com mediação
de Thereza Lobo, diretora da
Comunitas. Além disso, o Centro irá
editar os Cadernos Ruth Cardoso e
publicações eletrônicas no site
www.centroruthcardoso.org.br,
Caderneta de campo
em breve no ar, que possibilitará
o acesso ao material resultante
das atividades acadêmicas ali
promovidas. A juventude também é
tema da primeira pesquisa realizada
pelo Centro, em parceria com o
Instituto Unibanco/Itaú Social,
comandada pela antropóloga
Simone Coelho e que deverá
ser concluída em oito meses e
apresentada em seminário especial.
Produção científica
O Centro Ruth Cardoso
também estará aberto para
universidades e centros de pesquisa,
disponibilizando informações e
fomentando produção científica.
“A partir desse espaço, propomos
operar um conceito amplo de
diálogo intersetorial e de articulação
entre pesquisa, extensão, produção
científica e mobilização social.
Lançamos o Centro Ruth Cardoso
com parcerias já estabelecidas e
em andamento com importantes
instituições de ensino superior
paulistas, como a Escola Superior
de Propaganda e Marketing (ESPM),
Fundação Escola de Comércio
Álvares Penteado (Fecap),
Fundação Armando Álvares
Penteado (Faap) e Universidade
de São Paulo (Fia-Ceats)”, conta
Regina Esteves. Tais parcerias
baseiam-se no estabelecimento
de amplos compromissos de
estímulo à integração do corpo
docente e discente das instituições,
com programas e projetos
desenvolvidos pelo Centro Ruth
Cardoso, na realização de cursos,
seminários e outros eventos de
interesse mútuo, na promoção de
encontros acadêmicos, no apoio
a publicações, na participação
em pesquisas sociais e visitas a
projetos que contribuam para
a formação dos alunos, dentre
outras ações.
“O trabalho de Ruth
Cardoso é um exemplo
de cidadania, um
exemplo de como nós
podemos transformar
uma sociedade.
A AlfaSol, que
no início era uma
semente, hoje já está
aí, estimulando outras
organizações a irem
na mesma direção.”
Eduardo Eugênio Gouvêa
Vieira, presidente da
Federação das Indústrias do
Rio de Janeiro (Firjan)
Imagens do projeto
de retrofit do Edifício
Ruth Cardoso
escrevendo juntos
9
Caderneta de campo
Nova identidade visual
As novas logomarcas
da AlfaSol, do Cereja
e do UniSol foram
criação do designer
visual Giuliano Cesar.
Já a logo do
Centro Ruth Cardoso
foi criada por
André Poppovic
Mesma missão, nova identidade visual
Mudanças são saudáveis e têm sempre a capacidade de promover
revitalizações. Foi com essa proposta que a AlfaSol, bem como seus programas
UniSol e Cereja, modernizaram suas logomarcas e seus respectivos sites.
Da mesma forma, o Edifício Ruth Cardoso, prédio que abriga a AlfaSol desde
2003 e todas as demais organizações da RedeSol desde o segundo semestre
deste ano, passará por um retrofit para melhor acolher as atividades previstas,
modernizando as instalações e otimizando recursos. O Edifício Ruth Cardoso
contará com um auditório e terminais de consulta para atender o público em
geral e pesquisadores com demandas nos temas caros a Ruth Cardoso:
educação, Terceiro Setor, juventude, questões de gênero, dentre outros.
Novos tempos para a AlfaSol, mas a mesma missão há 13 anos: contribuir
para a redução dos índices de analfabetismo e ampliar a oferta pública de
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil e no mundo.
Visite nossos sites, escreva para [email protected] e diga o que achou
das mudanças: www.alfasol.org.br, www.unisol.org.br e www.cereja.org.br
Livro de Ruth
A vida da antropóloga Ruth Cardoso está nas 256 páginas de Livro de
Ruth, obra que relata a infância e a juventude, a vida acadêmica e o
trabalho social que ultrapassou as fronteiras do Brasil, a partir de dezenas
de depoimentos colhidos de amigos, companheiros de profissão e
personalidades da vida pública que conviveram de perto com ela.
O livro, escrito pela socióloga Margarida Gordinho, foi lançado pela
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e a Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), neste segundo semestre de 2009.
Livro de Ruth está sendo vendido pelo site www.cereja.org.br/livroderuth,
com renda revertida para o fundo de criação do Centro Ruth Cardoso.
Adquira já o seu exemplar!
10
escrevendo juntos
Caderneta de campo
Confintea VI
6a Conferência Internacional de Educação de Adultos
O Brasil sediará, em dezembro de
2009, em Belém (PA), a VI Conferência
Internacional de Educação de
Adultos (Confintea). Este importante
evento organizado pela Unesco é
uma oportunidade indispensável
para a reflexão das reais condições
de acesso dos jovens e adultos
brasileiros ao ensino público de
qualidade. Coordenada pelo Instituto da Unesco
para a Educação ao Longo de Toda a
Vida (Institute for Lifelong Learning,
UIL), trata-se do mais importante
evento no campo da Educação de
Pessoas Jovens e Adultas (EPJA) e
ocorre a cada 12 anos. Realizada entre
os dias 1° e 4 de dezembro, a Confintea
reúne os Estados-membros da Unesco,
especialmente representados por seus
ministérios de educação, e busca tirar
diretrizes internacionais para as políticas
educativas no campo da EPJA. A
sociedade civil organizada busca incidir
nas diferentes etapas desse processo,
com vistas a influir no documento
final e nos compromissos assumidos
pelos governos nesse espaço.
Como parceira formal da Unesco,
a AlfaSol foi convidada a participar
do evento e irá também apoiar a
delegação de São Tomé e Príncipe
por meio do projeto de cooperação
técnica executado naquele país em
parceria com a Agência Brasileira de
Cooperação (ABC/MRE).
Fisc
Realizado de 28 a 30 de
novembro, em Belém (PA), o
Fórum Internacional da Sociedade
Civil (Fisc) prepara membros da
sociedade civil para a Confintea
VI, além de articular os diferentes
movimentos, redes e organizações
da sociedade civil que atuam pelo
direito à Educação de Pessoas
Jovens e Adultas (EPJA). O evento
reúne acadêmicos, entidades e
movimentos da sociedade civil
envolvidos na Educação de Jovens
e Adultos (EJA), com o objetivo de
promover a reflexão e o debate
sobre o tema em um espaço aberto
e plural, visando fomentar a troca de
experiências e organizar o processo
de incidência da sociedade civil na
sexta edição do mais importante
evento na área da Educação de
Jovens e Adultos.
No Fisc, a AlfaSol participou dos
debates e mesas de discussão como
organização da sociedade civil, bem
como integrou mesa debatedora com
o tema “Educação em prisões”.
escrevendo juntos
11
Bagagem
Juventude(s) negra(s) na EJA
Saberes fora e dentro dos muros da escola
12
escrevendo juntos
Agora, de uns tempos para cá, como
aparece em falas de educadoras e
educadores, começamos a ver nas
salas fisionomias mais jovens, e não
sabemos como lidar com essa difícil
realidade. Uma das indagações
tem sido como receber a chamada
“juventude” nas salas, o que faz sentido
diante do quadro relativamente
recente, e não apenas na EJA.
Mas... e a juventude?
As juventudes estão nas escolas,
que normalmente as tratam como
um problema que ganha densidade
quando diz respeito ao jovem
morador nas regiões periféricas e
pertencentes ao segmento negro da
sociedade. Vejamos.
Segundo dados da pesquisa
“Desigualdades raciais, racismo e
políticas públicas: 120 anos após
a abolição” (IPEA), sete dentre dez
pessoas brancas jovens (enquanto
apenas três dentre dez pessoas
retratadas negras) concluíram o
ensino fundamental. A mesma
desproporcionalidade aparece
quando duas vezes mais pessoas
brancas concluem o ensino médio,
em comparação às negras.
Na busca de explicações, e são
muitas, a que mais tem prevalecido
nas análises é que as práticas
escolares não são significativas,
Foto: Regina Scomparim
Cada vez mais complexo, o século
XXI interroga e exige do mundo
novas posturas no que se refere à
sustentação da vida em sociedade.
No Brasil, em meio a tantos contrastes
e desigualdades, a escolarização de
pessoas jovens e adultas continua
a ser uma das grandes questões,
dentre outras a serem enfrentadas.
Há a necessidade de responder e
de atender aos sujeitos que buscam
se inscrever ou se reinscrever nos
espaços educativos.
Este é o cenário que emoldura
a conversa que entabulamos sobre
juventude(s) negra(s) na EJA, com
vistas a fazer coro à reivindicação de
grupos da sociedade civil que vêm
reafirmando, como emergência,
a necessidade de considerar
não apenas a presença jovem,
mas também, e principalmente,
a sua heterogeneidade –
homens, mulheres, pais, mães,
filhos, estudantes, sujeitos de
conhecimentos e de direitos.
Direito à educação. Voltar a
estudar. Concluir os estudos. São
palavras-ação de muitas pessoas que
adentram com suas culturas as salas
de aula geralmente multisseriadas, nas
quais convivem diferentes corpos e
modos de viver. Nelas já se aprendeu
a receber um público “mais velho”
com experiências a serem apreciadas.
Ana Lúcia Silva Souza
é socióloga, formada
pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de
São Paulo (Fesp SP), mestre
em Ciências Sociais pela
PUC-SP e doutora em
Linguística Aplicada
pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp)
Bagagem
desconsideram a história e a cultura
da população negra e deixam de
fazer sentido para boa parte dos que
se matriculam, de forma que a nãopermanência incide com mais força
sobre o segmento negro.
Seguindo outras trilhas, ao nos
aproximarmos dos dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), por exemplo, encontramos
aqueles que indicam que o segmento
negro é o maior grupo em EJA. A
depender da região, quando tratamos
de pessoas com baixa ou nenhuma
escolaridade, a disparidade entre
negros e brancos é duas, três e até
quatro vezes, em todas as faixas
etárias, incluindo a juventude, esta
cada vez mais presente.
Nas salas de EJA, junto a quem
nunca estudou, chega agora
também quem traz memórias de
passado recente – quem ainda
ontem passou pelas estruturas
formais de ensino; trazem trajetórias
singulares de escolarização,
trazem também notícias, gostos,
concepções de mundo – atitudes
meio ou muito estranhas para quem
espera encontrar um perfil mais
comum de estudantes de EJA.
Compromissos com biografias
A aproximação com este universo
– reconhecer e legitimar estratégias
vindas de diferentes universos
culturais ainda pouco conhecidos
– torna-se fundamental e pode nos
ajudar a lançar um novo olhar sobre
a EJA. Se dispor a observar, ouvir,
registrar, questionar (até mesmo
as nossas biografias), ampliar os espaços
de trabalho coletivo, de troca de
ideias, pode ser um caminho para
começar a dar conta de descobrir
uma juventude real.
Aprendi essa lição especialmente
com jovens ativistas do movimento
cultural hip hop, com os quais
convivi durante alguns anos,
quando da elaboração de minha
tese de doutorado Letramentos de
Resistência – culturas e identidades
no hip hop. Vale ressaltar que o
hip hop, cultura movimentada
majoritariamente por jovens
negros e de baixa renda, mostrase um dos fenômenos que mais
conseguem aglutinar jovens ao
seu redor. Em seus cotidianos de
ativistas, ao articular diferentes
linguagens, problematizam visões
naturalizadas e estereotipadas que
insistem em inferiorizá-los e têm
reinventado formas de fazer valer
saberes que não são legitimados
socialmente. Além disso, grande
parte dos ativistas acessam bens
culturais e sociais que ainda
se encontram desigualmente
distribuídos e desafiam relações,
lugares e posições de poder.
Ouvir biografias é lição que
continuo a aprender quando, junto
a diversos projetos e programas de
educação – formal e não formal –,
vejo o trabalho de manos e minas
ampliando o que se tem dito sobre
pedagogia culturalmente sensível. Mais
do que isso, jovens do hip hop têm-se
mostrado educadores e educadoras
atrelados a compromissos.
escrevendo juntos
13
O Caderno H
Era digital,
escola analógica
Mais do que matricular alunos,
a escola de hoje precisa conseguir
mantê-los em sala de aula e, assim,
diminuir o índice de evasão escolar
no País, que, segundo o IBGE (2007),
é de 4,8% no ensino fundamental
(mais de um milhão e meio de
alunos) e de 13,2% do ensino médio
(cerca de um milhão de estudantes).
No caso específico da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), a evasão
chega a 20%, segundo dados da
Secretaria de Educação Continuada,
14
escrevendo juntos
e os motivos são os mais variados;
dentre eles, a falta de interesse em
fazer o curso (15,6% de desistentes)
e dificuldade de acompanhar
o curso (13,6%). Ou seja, quase
30% dos alunos que desistem de
cursar EJA poderiam permanecer
em sala de aula se o processo
educativo atendesse às suas reais
necessidades de aprendizagem,
instigasse o interesse desses alunos
e os integrasse ao processo de
ensino e aprendizagem.
O Caderno H
“Quantos alunos iriam
a nossas aulas se não
fossem obrigados?
Há maior fracasso do
que este? A rotina, a repetição,
a previsibilidade são armas letais
para a aprendizagem e esterilizam a
motivação dos alunos.”
A professora do programa
de pós-graduação em Letras
da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e ex-secretária de
Educação do Estado de São Paulo,
Maria Lúcia Marcondes Carvalho
Vasconcelos, ressalta que “todo
recurso deve estar a serviço do
trabalho pedagógico. O foco é e
será sempre a aprendizagem, e todo
recurso que facilitar que ela venha
a ocorrer deve ser cuidadosamente
considerado pelo professor.
Tornar as aulas mais atraentes e
ativas é o desejo de todos, alunos
e professores”.
Era da informação
Numa época em que tantas e
diferentes informações circulam
simultaneamente por intermédio de
mídias cada vez mais velozes, atraentes
e interativas, fica difícil conquistar
e reter a atenção do aluno e tornar
a aula interessante baseando-se
somente no modelo tradicional
de educação, aquele que tem
como estrutura apenas professor
e quadro negro. “A internet, as
redes, o celular, a multimídia estão
revolucionando nossa vida no
cotidiano. Na educação, porém,
sempre colocamos dificuldades
para a mudança, sempre achamos
justificativas para a inércia ou vamos
mudando mais os equipamentos do
que os procedimentos. A educação
de milhões de pessoas não pode
ser mantida na prisão, na asfixia e
na monotonia em que se encontra.
Está muito engessada, previsível,
cansativa”, alerta Moran.
Foto: Carlos Patrício
Para o professor da Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP)
e especialista em inovações na
educação, José Manuel Moran,
“a escola é uma instituição mais
tradicional do que inovadora.
A cultura escolar tem resistido
bravamente às mudanças. Os cursos
que se limitam à transmissão de
informação e conteúdo, mesmo que
estejam brilhantemente produzidos,
correm o risco da desmotivação
a longo prazo e, principalmente,
de que a aprendizagem seja só
teórica, insuficiente para dar conta
da relação teoria/prática”. Segundo
ele, é preciso oferecer soluções
mais adequadas aos alunos de
hoje, de forma a estabelecer pontes
entre a reflexão e a ação, entre a
experiência e a conceituação, entre
a teoria e a prática; e provoca:
Maria Lúcia Marcondes Carvalho
Vasconcelos, professora do
programa de pós-graduação
em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e
ex-secretária de Educação do
Estado de São Paulo
Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC) no cotidiano
escolar
Assim, é de se esperar que o
aluno, seja de qual faixa etária
ou situação socioeconômica for,
tenha expectativas de que a sala
de aula ofereça ferramentas de
escrevendo juntos
15
Foto: Arquivo pessoal
O Caderno H
Professor Ismar de Oliveira
Soares, coordenador do Núcleo
de Comunicação e Educação
(NCE-USP)
ensino tão atraentes quanto aquelas
experimentadas em seu cotidiano,
desde as mais arrojadas até as mais
prosaicas, como a TV, presente em
94,5% dos domicílios brasileiros. A
utilização da tecnologia em sala de
aula, no entanto, deve articular e
atualizar o conteúdo programático
previsto para que ela não corra o
risco de se tornar um veículo inócuo
de entretenimento ou até mesmo
uma ferramenta perniciosa para
os alunos. “Não podemos fazer
uso funcionalista das tecnologias
de forma a dar a entender que
ela resolveria toda a carência da
educação. As tecnologias devem
possibilitar à comunidade sentir-se
empoderada, fortalecida por contar
com recursos eficazes para produzir
coletivamente suas mensagens
e socializar seus sonhos e suas
utopias”, pondera o coordenador do
Núcleo de Comunicação e Educação
(NCE-USP), professor Ismar de
Oliveira Soares. Para ele, mais do que
discutir a utilização da tecnologia, é
essencial pensar em como inseri-la
na prática social: como um direito e
uma oportunidade. “A questão
passa a ser como as tecnologias são
introduzidas; é preciso que se tome sua
presença no processo educativo como
recursos favorecedores da expressão
comunicativa da comunidade, de
professores e alunos. A mídia não é
considerada simplesmente como
tecnologia educativa, mas como
mediação tecnológica no processo
de produção da cultura”, ressalta.
16
escrevendo juntos
A tecnologia e os diferentes
projetos pedagógicos
De acordo com Ismar, é o
projeto pedagógico que define as
modalidades de uso das tecnologias.
“Se pensamos na pedagogia
tradicional, basta que o docente
melhore a qualidade de suas
explicações, quer buscando a ajuda
da produção midiática (usando
como suporte didático programas
educativos das TVs educativas
e comerciais), ou empregando
as diferentes linguagens para
tratar dos conteúdos de forma
adequada. Se pensarmos numa
proposta construtivista de caráter
cognitivo, o uso das tecnologias
passa a ser definido pelo princípio
da contribuição dos meios para a
produção de conhecimento pelos
próprios alunos; já na perspectiva
da ‘educomunicação’, pensamos na
gestão participativa destes recursos,
como prática de uma comunicação
dialógica, envolvendo, em igualdade
de condições, os gestores, os
professores e os estudantes.”
Contrastes sociais
Mas como falar de tecnologia em
um país com realidades econômicas
e sociais tão contraditórias, como
é o caso do Brasil, sem que isso
represente mais um elemento
de desigualdade social? Muitas
escolas, em especial as públicas,
antes de não conseguirem oferecer
computadores ou equipamentos
multimídia a seus alunos, não
chegam sequer a disponibilizar a
O Caderno H
infraestrutura mínima necessária
para receber e comportar seus
alunos. “Um erro não justifica outro!”,
ressalta Maria Lúcia Vasconcelos.
“Ainda que muitas escolas careçam
de diversos recursos necessários ao
seu bom andamento, as tecnologias
fazem parte do cotidiano de todos
os alunos. Ignorá-las é empobrecer
o processo pedagógico e afastar-se
dos alunos, que tão bem dominam
tais linguagens.”
Já o professor Ismar diz
esperar que as políticas públicas
incluam as tecnologias dentre os
elementos considerados essenciais
a serem oferecidos aos alunos. “O
barateamento dos equipamentos
favorece esta política, constatandose a existência de um movimento
em direção à universalização do
ingresso de algumas tecnologias
nas escolas, mesmo em estados e
cidades considerados como regiões
carentes de recursos econômicos.”
Ainda sobre essa disparidade, a
coordenadora do Instituto para
o Desenvolvimento e a Inovação
Educativas (IDIE), Marcia Padilha,
ressalta que países como o Brasil têm
uma agenda dupla a cumprir: a do
século XX e a do século XXI. “Temos
que sanar problemas fundamentais
como a falta de infraestrutura básica,
além de muitos outros e, ainda,
aprender a praticar a educação
de forma inovadora em função
de um contexto informacional e
comunicacional totalmente alterado
pelas tecnologias informáticas e
internet”, analisa. Para ela, o acesso
ao poder e à cidadania passa hoje
por entender e saber manipular
de forma avançada as tecnologias
e o conhecimento científico. “Se
quisermos um lugar ao sol dentre os
países desenvolvidos, se quisermos
qualidade de vida e justiça social,
temos que avançar nesses aspectos.
Por exemplo, a formação inicial e
continuada docente é algo que
precisa ser revisto profundamente.
E essa revisão passará
necessariamente pela questão do
uso de recursos tecnológicos.”
O Brasil terá
170 milhões
de celulares
habilitados até o
final deste ano,
chegando a 87,3
aparelhos para
cem habitantes.
Fonte: Consultoria Tendências
(2009)
População carente e tecnologia
Seria possível falar de tecnologia
em sala de aula, especialmente para
alunos de EJA, em contextos nos
quais a população que as frequenta é
extremamente carente de recursos?
“Absolutamente, sim!”, exalta o
professor Ismar. “Até mesmo para
que esta população tenha canais
para reclamar de sua situação e lutar
para mudar de vida.” Ele cita como
exemplo um projeto assessorado
pelo NCE-USP, em São José dos
Campos (SP), no qual um grupo
de jovens, em situação de extrema
pobreza, faz uso “educomunicativo”
dos recursos da informação para
ampliar seus conhecimentos e lutar
por seus interesses; da mesma forma
que, também segundo ele, em Nova
Olinda, uma cidade muito pobre
do sul do Ceará, um grupo de 80
jovens faz a gestão de um centro
de cultura implementando ações
“educomunicativas” e mantendo
uma rádio no ar – “a mais ouvida da
escrevendo juntos
17
O Caderno H
cidade!”, comemora ele. Exemplo
semelhante envolvendo rádios
comunitárias é relatado pela doutora
em comunicação e professora do
curso de Pedagogia do Mackenzie,
Maria de Fátima Chassot. “Vivenciei
uma experiência muito interessante
em municípios do agreste brasileiro,
nos quais programas da Rádio-Escola
apoiaram nosso trabalho na Educação
de Jovens e Adultos”, conta. Fátima
aponta como sendo outra experiência
de sucesso os programas do Tecendo
o Saber (ver box à pág. 21): “A partir
de um material cuidadosamente
produzido, no qual estão incluídos
DVDs dirigidos à EJA, o projeto
procura desenvolver conceitos,
habilidades e atitudes.”
Já Maria Lúcia Vasconcelos é
enfática ao afirmar que “se engana
quem pensa que as classes populares
não dominam a tecnologia. Com
mais dificuldade de acesso, elas
buscam sua utilização em seus
locais de trabalho, em lugares com
equipamentos para aluguel e, muitas
vezes, em suas próprias casas. O
celular, por exemplo, cada vez mais
pleno de tecnologia, é quase um
bem universal”.
Marcia Padilha, por sua vez,
pontua que em casos de populações
carentes de recursos é ainda mais
importante a implantação das
tecnologias, uma vez que por meios
próprios essa população teria poucas
chances de desenvolver-se no uso
dessas tecnologias e mesmo de
usufruir de todo o acesso à cultura,
conhecimento e redes sociais
18
escrevendo juntos
que elas proporcionam. “Se há
políticas de inclusão digital, a escola
deve aproveitar a oportunidade
para participar delas no que diz
respeito ao conhecimento e à
cidadania. A escola não precisa
necessariamente virar um
telecentro, mas deve trabalhar de
forma complementar a eles. Não
devemos implementar
bibliotecas onde há
pobreza elevada? Pois
é, o acesso às TIC é de
natureza muito similar.”
EJA
Na perspectiva específica da
EJA, Márcia Padilha afirma que os
recursos tecnológicos poderiam ser
um importante expediente desde
a fase de alfabetização até etapas
mais avançadas do letramento no
ensino fundamental e médio. “O
uso das TIC certamente promoveria
uma educação de mais interesse,
com mais sentido, e seria um
desafio apaixonante para as pessoas
adultas que retomam seus estudos,
assim como para pessoas bastante
jovens (com menos de 24 anos, por
exemplo) e que já cursam a EJA.”
Descompasso
“Em visita a uma sala de
alfabetização lembro ter
visto um aluno, na frente de
um computador,
apertando as teclas
correspondentes às letras
de um modelo. Esta
atividade, mesmo sendo
desenvolvida com o uso do
computador, assemelha-se
à de uma cópia feita a partir
de um modelo escrito na
lousa. A professora
afirmava que utilizava
novas tecnologias. Nesse
sentido, a formação do
professor também é algo
que se deve considerar.
Enfim, não é a tecnologia,
mas a responsabilidade,
o conhecimento e o
compromisso de quem
a utiliza que fazem a
diferença em qualquer
nível, ou modalidade
de ensino.”
Maria de Fátima Chassot,
doutora em comunicação
E os professores, estão prontos?
Para conseguirem se manter
participantes desse novo cenário
tecnológico, ainda assustador e
pouco desbravado, os professores
têm que encontrar meios de
exercer certo domínio das novas
formas de ensinar para que seus
alunos consigam extrair grandes
benefícios a partir dessas novas
formas de aprender. Em se tratando
de tecnologia, ainda que num
contexto inicial, como é o caso da
EJA, é comum a percepção de que
professores, muitas vezes, sabem
menos e estão menos preparados
para lidar com elas do que seus
alunos, especialmente quando esses
alunos são jovens. “Trata-se de uma
Foto: Pedro Mota
Sob a ótica da organização e acesso
à educação, ela diz que é importante
lembrar que uma modalidade
híbrida – presencial e a distância
juntas – traria inúmeros benefícios a
um público que tem que encaixar os
estudos com toda a complexidade
da vida adulta – como contas a
pagar, filhos a criar, lazer, vida social
e familiar etc. “Esse seria um projeto
importante para se fazer em larga
escala – e já há boas experiências
sendo realizadas –, com desafios que
valeriam muito a pena ser superados.
Ainda vale mencionar a importância
de se poder estudar com menos
deslocamento para as pessoas
do campo, mas ainda temos que
melhorar a infraestrutura de acesso à
internet na área rural para podermos
sonhar com isso”, analisa.
situação que tende a permanecer
inalterada, levando em conta que
as faculdades de educação se
preocupam pouco com a formação
para o uso desses novos recursos
didáticos”, pondera Ismar Soares.
“Educar hoje é mais difícil porque
a sociedade é mais complexa, e
também o são as competências
necessárias”, adverte o professor
Moran. Segundo ele, enquanto
os alunos estão prontos para a
multimídia, os docentes, em geral,
não. Os professores sentem cada vez
mais claramente esse descompasso
no domínio das tecnologias.
“Muitos professores
têm medo de revelar
sua dificuldade diante
do aluno”, analisa. Para ele, os
“Trabalho em uma escola
municipal em que a
grande maioria dos
alunos não possui
computador em casa,
mas 95% deles têm Orkut
e ou MSN. Ou seja, eles
não deixam de usar ou de
ter acesso às tecnologias.
Eles vão com grande
frequência a lan-houses
ou cybers. O que eles não
sabem é como usar esse
instrumento no auxílio da
construção do saber.”
Karla Emanuella Veloso Pinto,
professora de geografia
professores percebem que precisam
mudar, mas não sabem bem como
escrevendo juntos
19
O Caderno H
fazê-lo e não estão preparados
para experimentar com segurança.
“Muitas instituições também
exigem mudanças dos professores
sem dar-lhes condições para que
as efetuem. Frequentemente
algumas organizações introduzem
computadores, conectam as escolas
com a internet e esperam que só isso
melhore os problemas do ensino.
Os administradores se frustram ao
ver que tanto esforço e dinheiro
empatados não se traduzem em
mudanças significativas nas aulas e
nas atitudes do corpo docente.”
Apesar dessas adversidades,
Moran lembra que o professor
tem muita contribuição a dar,
Wanda Engel,
superintendente do
Instituto Unibanco
20
escrevendo juntos
Foto: Paulo Leite
“A seriedade e a competência do trabalho de EJA realizado pela
AlfaSol fortalece a crença do Instituto Unibanco em parcerias
que possibilitam o fortalecimento da Educação no país em seus
diferentes âmbitos. A metodologia inovadora do TeleSol e a
qualidade do material que dialoga fortemente com a realidade
do aluno são aspectos que atestam o sucesso do programa.
A utilização dos vídeos como elemento disparador para debater
temáticas atuais e contextualizadas ao cotidiano do aluno
permite que a aprendizagem seja muito mais interessante para
este público específico. O Instituto Unibanco acredita
que a Educação é a via
mais eficiente para a
promoção humana, social
e econômica de jovens e
adultos em situação de
vulnerabilidade social. “
principalmente se conseguir orientar
o trabalho com objetividade.
“Desafios não são novidades para o
professor”, afirma. Já para a professora
de geografia do Centro Educacional
NDE da Universidade Federal de
Lavras (MG) e vencedora do Prêmio
Victor Civita Educador Nota 10
2009, Karla Emanuella Veloso Pinto,
“a utilização de novas mídias é um
desafio para todos! Todos aqueles
que integram o processo ensino
aprendizagem estão passando
por um momento de mudança, de
inovação, de novos paradigmas.
Cabe a cada um, professor ou aluno,
buscar aprender qual a melhor
maneira de fazer com que o excesso
de informações seja diluído em
qualidade de conhecimentos e que
isso seja socializado com os demais”,
explica. Para Karla, os professores
não foram preparados para lidar com
as novas tecnologias que estão no
mercado. “Muitos ainda não sabem
usar o computador para elaboração
de exercícios ou provas, coisas
simples do cotidiano da escola. É um
ponto muito delicado na relação
do saber. Como cobrar
daquele que ensina se
ele não foi preparado
para isso? Estamos
todos reaprendendo
como dar aula e como
participar de uma aula
com ajuda de novas
mídias”, pontua.
Opinião semelhante tem a
professora Maria Lúcia Vasconcelos:
“Não há como generalizar; no
O Caderno H
entanto, os cursos de formação de
professores pouco têm investido
no domínio de novas tecnologias,
de novas linguagens. Há uma
defasagem entre o conhecimento
– e domínio – dos alunos e o dos
professores, e esse descompasso
torna a escola desmotivadora.” Ela
ressalta ainda que cada vez mais os
professores apresentam déficit de
formação profissional: “Aqui está o
cerne da questão. É preciso preparar
melhor os professores para que
tenhamos uma educação de bom
nível. E não é só da formação inicial
que devemos cuidar, mas também
da continuada. E da carreira docente
também, tornando-a mais atraente e
positivamente reconhecida”, analisa.
O que fazer, como fazer?
Karla Emanuella aponta duas
soluções para minimizar esse
abismo entre a formação do
professor e as novas exigências
para o docente: “Uma delas está
na necessidade de governos e
escolas investirem na capacitação
e profissionalização do corpo
Projeto TeleSol
Lançado no âmbito do Programa Fortalecendo a EJA, o TeleSol
conta com a parceria da Fundação Roberto Marinho (FRM) e
usa a metodologia Tecendo o Saber para retratar, por meio
da teledramaturgia, os conteúdos de 1ª a 4ª séries do ensino
fundamental. O Projeto incorpora aos conteúdos curriculares da
EJA elementos da tecnologia audiovisual, sem, contudo, abrir mão
da mediação do professor em sala de aula, de forma a continuar
promovendo a sustentabilidade educacional das localidades em
que atuamos. O material adotado pelo TeleSol foi criado pela
Fundação Roberto Marinho e conta com uma coletânea de 75
vídeos para apresentação das teleaulas e 12 livros, sendo oito
para o aluno (com textos e atividades) e quatro para orientação
do trabalho dos professores. Os vídeos são multidisciplinares,
voltados para o público jovem e adulto e abordam assuntos da
atualidade, sempre a partir da realidade do aluno, com exemplos
retirados de suas experiências no dia a dia. O TeleSol tem duração
mínima de 12 meses e máxima de 24, sempre divididos em
quatro módulos envolvendo diversas ações, como mobilização de
alunos, formação de educadores, implantação nas salas de aulas,
acompanhamento e a avaliação.
docente. Como sabemos que essa
teoria muitas vezes é distante da
realidade, vamos a segunda opção:
o professor, por conta própria,
deve buscar se aprimorar e ampliar
seus conhecimentos. Aquele que
investir em si mesmo vai sair na
frente e vai se destacar na qualidade
dos serviços prestados.” Para ela, é
preciso deixar de apenas criticar o
governo e correr, o próprio docente,
atrás da sua qualificação. Além disso,
ela ressalta que o uso da tecnologia
acaba sendo sinônimo de muita
informação e pouco conhecimento,
falta de preparação para saber
trabalhar com as tecnologias,
saber distinguir dentro de tantas
escrevendo juntos
21
O Caderno H
informações quais são coerentes e
verdadeiras e quais não são. “Mas
esses são desafios que fazem parte
da nossa realidade. A tecnologia não
vai retroceder, ao contrário, ela vai
se impor cada dia mais. Devemos
perceber as dificuldades e buscar
caminhos para que as instituições
de ensino se tornem preparadas
e qualificadas na busca de uma
educação real, que formem cidadãos
ligados ao virtual e ao mundo real.”
A professora de geografia conta
ainda que, rotineiramente, depara
com alunos que portam aparelhos
cada vez mais modernos e com
funcionalidades cada vez mais
Nivelamento por baixo
Carlos Alberto Martins
da Silva, aluno do 4º
semestre de Letras
22
escrevendo juntos
Foto: Carlos Patrício
“Na faculdade em que eu cursava Letras não nos era
ensinada nenhuma prática de tecnologia em sala de aula.
Os professores nos diziam: ‘A grande maioria de vocês vai
trabalhar em escolas públicas, e é preciso que se adaptem
desde já à realidade que vão encontrar pela frente’. Ou seja,
eles nivelam por baixo e deixam o aluno completamente
despreparado. Depois
de ouvir isso, decidi ir
para uma universidade
de ponta, onde estudo
como bolsista. Não
posso correr o risco de
me formar um professor
medíocre. O Brasil
precisa de profissionais
mais bem preparados.”
complexas. “Surge aí mais uma
importante questão: ensiná-los
a usar correta e adequadamente
todos os benefícios que a tecnologia
disponibiliza e mostrar que a internet,
por exemplo, não serve apenas para
sites de bate-papo, como MSN e
Orkut. Sempre acreditei que o aluno
muitas vezes mostra o instrumento
pelo qual ele consegue fazer que o
aprendizado se torne significativo e
que compete ao professor viabilizar o
uso desses instrumentos e torná-los
acessíveis aos alunos.”
Texto: Ana Paula Drumond Guerra
Colaboração: Priscila Pires
“O uso da televisão pode ser valioso
para a educação, a partir do momento
em que for vista como um
instrumento e não como um
substituto do professor. Os programas
existentes na TV, em vez de evitados,
devem ser vistos e analisados para
que os alunos comecem a refletir
sobre aquilo que cerca a vida deles.
O papel dos educadores é trabalhar
para que o aluno saiba o que é
superficial e o que é válido dentro
das informações trazidas pela mídia.”
José Manuel Moran, especialista em
inovações na educação
Fotos: Christian Montagna
O avesso das coisas
O desafio da educação
nas prisões
A educação prisional, mais do que
um instrumento de reintegração
social, é um direito conferido aos presos
pela igualdade sacramentada na
Declaração Universal dos Direitos
do Homem. Assim, cabe ao Estado
assumir a questão e fornecer a
base necessária para que o preso,
devidamente motivado, possa definir
sua própria demanda por educação.
Esta lição vem de Marc De Maeyer,
um dos maiores especialistas em
educação em sistema prisional
de todo o mundo. Em entrevista
exclusiva à jornalista Regina
Scomparin, da AlfaSol, De Maeyer
destacou as principais questões que
envolvem o delicado – e complexo
– sistema prisional, compreendidas
por ele a partir de visitas a 100
presídios de 80 países.
escrevendo juntos
23
Foto: Regina Scomparim
O avesso das coisas
Marc De Maeyer
é especialista em
educação prisional
24
escrevendo juntos
Escrevendo Juntos - Em linhas gerais,
como tem sido tratada a questão
da educação prisional no mundo?
Marc De Maeyer - O direito à
educação é para todos e uma
responsabilidade do Estado. A
educação dos prisioneiros também é
responsabilidade do Estado, mas são
as organizações não-governamentais
que tomam a decisão de
implementá-la na prisão. São
projetos interessantes, mas
geralmente frágeis. Já as políticas
públicas são direcionadas pela
opinião pública e, na opinião de
todos, a prisão é um fracasso. Não
um fracasso unicamente para os
indivíduos, mas também para a
sociedade, que não imagina outra
coisa, a não ser o encarceramento,
para punir uma pessoa delinquente.
Isso acontece porque a sociedade se
sente segura com a prisão dos
indivíduos considerados perigosos.
Ao mesmo tempo, são somente os
pobres que estão presos, não pelo
fato de serem mais perigosos, mas
porque a prisão é uma consequência
da pobreza, da ausência de recursos
e de educação. E cabe ao Estado
combinar os anseios da opinião
pública com o fato de a educação
ser, em nome da democracia, um
direito de todas as pessoas.
espelho da sociedade, com todas as
contradições, delinquência e pobreza.
Há, porém, uma característica comum:
em todos os países do mundo são os
pobres que vão para a cadeia,
principalmente as mulheres pobres,
que atuam como “mulas” no tráfico de
drogas. Outro triste exemplo vem do
México. Antes de terem seus filhos, as
mulheres vão a um shopping center
roubar alguma coisa para serem presas.
Roubam à vista de todos e vão para a
prisão muito contentes, porque seus
filhos receberão muito mais atenção na
cadeia do que fora dela. São exemplos
da relação da prisão com a pobreza.
A cadeia revela uma realidade muito
terrível. Nela, há, naturalmente, pessoas
muito perigosas, mas sua existência
demonstra também que falta educação
na escola e na família, sem que a pessoa
receba pontos de referência. Educar é
fornecer pontos de referência.
EJ - Quais são as características
comuns que observamos nas
prisões ao redor do mundo?
De Maeyer - A situação nas prisões
no mundo é muito diferente da
brasileira, já que a prisão é um
EJ - Quais são as razões que
motivam o investimento em
educação prisional?
De Maeyer - Os motivos que levam as
pessoas a organizar a educação na
prisão são muito diferentes. Para uns,
EJ - Quais são os principais avanços
ocorridos nos últimos anos?
De Maeyer - O principal avanço está
na consciência de que, em qualquer
lugar do mundo, a prisão é um
fracasso. É uma realidade do Brasil, da
África ou da Europa, de que a prisão
não pode resolver os problemas; ao
contrário, tende a aumentá-lo.
Estamos em uma estrada sem saída.
O avesso das coisas
residem no fato de que precisamos
da educação para reeducar os
presos, para construir uma nova
personalidade. Para outros, educar é
bom, pois ocupa o tempo livre – a
única coisa livre que os presos têm.
Outros creem que a educação deve
ser estritamente profissional, para
levar automaticamente à integração
social. Para outros, a educação é
apenas um direito. Naturalmente,
não é vista como um direito em
todos os lugares do mundo.
EJ - Por que as prisões não
conseguem recuperar as pessoas
que cometeram crimes?
De Maeyer - A prisão é um lugar
onde a pessoa vai desaprender
noções de espaço e de divisão de
tempo, conceitos muito diferentes
para quem está preso, já que o
indivíduo não desenvolve quaisquer
atividades. O preso desaprende a se
ocupar de coisas cotidianas, como
preparar a comida, que já vem
pronta; recebe roupas limpas; não
tem que pagar pela casa onde mora;
desaprende a intimidade, a vida
normal com os dois sexos...
Paradoxalmente, quando sai, a
sociedade espera que o ex-preso vá
tomar todas as decisões – e boas
decisões: procurar trabalho e casa,
manter relações com as pessoas
sem violência, aprender a escutar...
Além disso, na cadeia, logicamente,
pode-se aprender muitas coisas – e
muitas coisas más. Traficantes de
drogas, depois de anos presos,
podem sair piores do que entraram.
Há também uma circulação de
informações na prisão de diferentes
redes (como as gangues), que
acontecem pelo problema do uso do
celular nos presídios. E, para
sobreviver na penitenciária, o
indivíduo deve conhecer essa rede e
se situar dentro das respectivas áreas
de influências. Essa é a contradição:
um lugar que deveria recuperar, mas
onde a pessoa vai desaprender a
vida em sociedade e aprender coisas
más. Depois, quando o preso é
libertado, após anos de detenção,
não tem possibilidade alguma de
levar uma vida normal. E é claro que
existem pessoas más na prisão.
Visitei prisões de 80 países e essas
são características naturais da prisão.
Não são boas pessoas, inocentes e
amigos, seguramente não.
EJ - E como deve ser ministrada a
educação nesse contexto?
De Maeyer - Não é necessário educar
apenas os presos, mas também os
agentes penitenciários e as famílias
escrevendo juntos
25
O avesso das coisas
do preso. É preciso formar biblioteca,
trocar os acervos. Em algumas
prisões, há somente cinco classes
para mil presos. É muito pouco. Por
conta disso, a educação na cadeia é
apenas para uma elite ou para os que
têm grande motivação. É preciso
ainda motivar aquele que teve uma
história negativa de escolarização.
Creio que todo trabalho consiste em
definir um processo que motive os
presos a se educarem, para que
possam definir sua própria demanda
por educação. É um processo difícil
para quem está fora da cadeia e
ainda mais difícil na prisão.
EJ - Como a educação pode trabalhar
com a reinserção do indivíduo
preso e evitar a reincidência?
De Maeyer - Essa é uma boa pergunta.
Por que reinserção? Alguma vez o
preso já foi inserido? Além disso, se nós
desenvolvemos uma visão de que a
educação acontece em qualquer
momento da vida da pessoa,
acreditamos que sempre se pode
aprender, em qualquer parte da
existência. A educação no cárcere é
apenas uma etapa, um momento
particular. Do primeiro ao último dia
da vida nós podemos aprender, seja
olhando os outros, ou pelos livros, ou
com a religião.
EJ - Quais são os tipos de projetos
que oferecem melhor resultado no
sistema prisional?
De Maeyer - Os principais projetos
implementados referem-se a
atividades de educação não formal,
como o teatro – no Brasil, existe o
Teatro do Oprimido. É um teatro de
criação, no qual os atores vão
trabalhar com as emoções de outra
pessoa, tocando o corpo do outro,
provocando reações. É um local de
interação entre os presos. As
participações em cinema, teatro ou
pintura são também atos de
educação. O processo de dedicação
ao projeto é mais importante do
que o resultado final, assim como a
consciência do que está sendo
realizado é mais importante que a
avaliação de um educador.
EJ - Quais as principais
dificuldades que impedem o
sucesso dos cursos de educação de
jovens e adultos nas prisões?
De Maeyer - Os principais problemas
são a falta de continuidade de
26
escrevendo juntos
O avesso das coisas
CEREJA discute
estudo, ausência de lugares e falta
de recursos, bem como as constantes
transferências dos presos que
interferem tanto na continuidade
como na perda da motivação para
estudar. Além disso, a proibição
imposta ao preso de que sua mulher
possa visitá-lo interfere na motivação
de praticamente todos os eventos
dentro da prisão. E já que falamos de
educação na prisão, devemos falar
também da educação de todos
aqueles que possuem relação com a
prisão, como os agentes
penitenciários ou famílias dos presos.
EJ - Qual o impacto que a prisão
gera na família do preso e como
ele pode ser minimizado?
De Maeyer – A família deve ser
educada juntamente com o preso,
porque sabemos que uma grande
parcela dos filhos oriundos dessas
famílias instáveis acaba encarcerada,
pois há um maior risco de termos um
preso de segunda geração, ou seja,
aquela que teve o pai preso. Isto
porque a prisão do pai vai provocar o
fracasso dessa família, bem como o
fracasso escolar de seus filhos. É
preciso desenvolver projetos que
permitam aos pais presos conservar
sua função educativa que deve
acontecer nas visitas familiares. Essa
função pode ser exercida nas
bibliotecas existentes nos presídios,
um espaço que é igual em qualquer
lugar do mundo. Todos os outros
espaços dentro da prisão são
diferentes dos encontrados no
exterior. Além disso, o ambiente
pode ajudar, por causa dos livros.
Com isso, os pais na prisão podem
conservar seu papel de educador.
No início de 2010 a
AlfaSol lançará o
primeiro volume da série
CEREJA discute, uma
ação direcionada à
ampliação da reflexão
em torno dos desafios
impostos ao exercício
pleno da cidadania das
pessoas analfabetas ou
pouco escolarizadas,
no Brasil e no mundo.
CEREJA discute
aposta na pesquisa,
na construção
compartilhada de
saberes e na diversidade
de estratégias de
defesa da democracia
como alicerce do
desenvolvimento
humano e social.
Para inaugurar esta
proposta, a AlfaSol se
uniu a três Organizações:
Ação Educativa, Instituto
Paulo Freire e Ilanud, e
trouxe para o centro da
discussão a educação
em prisões, tema
diretamente ligado ao
amadurecimento da
visão da educação
como direito humano.
Agradecimento especial a
Christian Montagna pelas fotos
gentilmente cedidas.
escrevendo juntos
27
Caminho das pedras
Terceiro Setor e
parcerias público-privadas
O tema das parcerias públicoprivadas tem merecido inúmeras
reflexões de variada gama
de especialistas em diversas
ciências sociais, sempre com a
preocupação de valorizar a
legislação elaborada e de encontrar
meios efetivos para sua concreção.
Não tem sido, todavia, comum
essa análise, à luz das entidades
do Terceiro Setor, mormente
levando-se em consideração que
tendo por escopo trazer recursos
28
escrevendo juntos
privados para a prestação de
serviços públicos com densidade
econômica, o interesse precípuo
é mostrar que o investimento
vale a pena com repercussões no
desenvolvimento nacional, nas três
esferas do poder.
Não vejo, entretanto, por que
não incluir a participação do
Terceiro Setor, seja na condição de
partícipe, seja de beneficiário da
parceria entre entidades privadas
e o setor público.
E conforme o objeto da parceria,
à evidência, a própria imunidade
decorreria do destino das obras
a serem realizadas, como escolas,
hospitais ou qualquer outra atuação
na área social.
Na hipótese de o Terceiro Setor
não ser o aliado do setor público
para a realização da obra, mas
simples beneficiário de parte
dos resultados da parceria entre
empresários e setor público,
ou a imunidade decorreria da
caracterização da entidade como
sem fins lucrativos com atuação na
área, ou a desoneração poderia ser
concedida como isenção, visto que
a primeira é uma vedação absoluta
ao poder de tributar e a segunda
constitui uma renúncia fiscal.
De uma forma ou de outra,
parece-me louvável que as
parcerias públicas e privadas,
tornando o Terceiro Setor
participante, beneficiário, ou,
ainda, participante/beneficiário,
sejam uma das formas de fortalecer
a união de Estado e sociedade,
principalmente na área social,
em que se incluem educação e
assistência social.
Foto: Arquivo pessoal
Na primeira hipótese, o próprio
Terceiro Setor – que abrange
instituições sem fins lucrativos,
mas nem por isto proibidas de
atuar na economia – pode aliarse aos governos, principalmente
estaduais e municipais, com o
nítido propósito de preencher
vácuos, sobretudo no campo da
assistência social. À evidência,
nestas hipóteses, é de se lembrar
que o § 4º do artigo 150 da
Constituição Federal permite a
segmentação entre atividades
imunes e econômicas, tributando
estas quando, para além de não
pertinirem à atividade institucional
(apesar de gerarem renda
direcionada aos objetivos sociais da
instituição), sua desoneração possa
causar distúrbios de concorrência.
Está assim redigido: “§ 4º - As
vedações expressas no inciso VI,
alíneas b e c, compreendem
somente o patrimônio, a renda e
os serviços, relacionados com as
finalidades essenciais das entidades
nelas mencionadas.”
No caso, todavia, parece-me
que a solução ideal seria, nas
parcerias público-privadas em que
o Terceiro Setor participasse, a sua
conformação fosse acompanhada
de leis de isenção dos tributos
de competência da entidade
federativa que será parceira, visto
que a destinação das receitas
voltar-se-á aos objetivos sociais.
Ives Gandra Martins
é professor emérito da
Universidade Mackenzie,
em São Paulo, em
cuja Faculdade de
Direito foi titular de Direito
Constitucional
escrevendo juntos
29
Fotos: Ana Paula Drumond Guerra
Noções de coisas
A professora Tereza Machado parte
de situações cotidianas vividas
pelos alunos para desenvolver o
conteúdo usado em sala de aula
“O que ela quer
da gente é coragem”
Numa noite em que a temperatura
em São Paulo beirava os 30°, as duas
salas de alfabetização do Fumcad
(ver box à p. 33), na Escola Estadual
Santa Rosa de Lima, na região do
Campo Limpo, estavam cheias. Em
cada uma delas, mais de 20 alunos
permaneciam sentados diante das
educadoras, numa atenção
respeitosa, cientes do compromisso
que tomaram para si. Cada qual com
30
escrevendo juntos
sua didática, ambas, Tereza de Jesus
Andrade Machado e Olga Maria das
Neves, sabiamente desenvolveram
métodos capazes de atrair a atenção
dos alunos duas horas por dia e
fazê-los voltar à escola, aula após aula.
Antes de iniciar os trabalhos, por
volta das sete e meia da noite, a
professora Tereza conversa com seus
alunos e extrai dali o contexto para a
discussão da noite. O aluno Welton
Noções de coisas
Francisco Santos conta que, pouco
tempo antes de sair de casa, ouviu
na TV a história de uma mãe que
precisou acorrentar o filho no
botijão de gás para que ele não
fugisse e corresse o risco de ser
morto por traficantes de drogas.
O tema marcou a aula e atraiu a
atenção de todos os alunos que
sempre tinham algo a acrescentar,
seja porque viram algo parecido na
TV ou porque vivenciaram, eles
mesmos, situações semelhantes.
Sobre esse caso, o próprio Welton
lançou uma metáfora que foi
vastamente trabalhada pela
educadora Tereza: “Macaco não
vende banana”, numa alusão que
traficantes não consomem a droga
que vendem, pois sabem o quão
perigosa e letal ela é. Assim, a
professora parte de algo extraído do
cotidiano dos alunos para despertar
neles o interesse pelo conteúdo
pedagógico a ser trabalhado em
sala de aula.
Já na classe da professora Olga,
alfabetizadora há seis anos, os
alunos, unânimes, contam
orgulhosos sobre os avanços
conquistados em sala de aula. “Eu
entrei aqui sem saber nadinha. Hoje,
dê uma olhadinha aqui”, diz Betânia
Gomes da Silva, de 29 anos, exibindo
Acima, Welton Francisco Santos
Abaixo, Liliane e a professora Olga
escrevendo juntos
31
Noções de coisas
em seu caderno uma caligrafia
impecável. “Veja também as contas
que já aprendi a fazer”, orgulha-se. Já
a sorridente Liliane Ferreira da Silva,
de 23 anos, conta que não há
desânimo que a faça perder uma
aula. No caderno, linhas e traços
desenhados com lápis de cor e
adesivos alegres colados nos cantos
das páginas que reforçam o
empenho com que trata o curso.
Olga conta que em sua
turma há pessoas de várias idades,
vindas de diferentes realidades,
mas que chegaram até ali por
motivos muito parecidos e todas
com uma surpreendente disposição
para aprender. Para Paulo Gregório Francisco,
por exemplo, o recomeço não foi
fácil. Depois de sofrer um derrame,
afirma ter-se esquecido de muita
coisa, inclusive ler e escrever. “Depois
de quatro meses internado no Incor,
graças a Deus sem sequelas graves, o
médico disse que eu precisava
exercitar a memória”, explica. Com um
imenso e simpático sorriso no rosto,
Classes cheias mostram o compromisso dos alunos e o empenho das professoras
Tereza e Olga nas turmas de EJA da Escola Estadual Santa Rosa de Lima, em São Paulo
32
escrevendo juntos
Betânia Gomes da Silva
ele ressalta: “Não está sendo fácil. Mas
venho feliz para a aula, pois estou
aprendendo de novo tudo o que
havia esquecido.” Lenilda Maria dos
Santos, que nos 53 anos de vida
jamais havia pisado numa sala de
aula, relata que só decidiu estudar
porque o filho, já formado em
Computação, ficou insistindo. “Entrei
este ano e gostei tanto que não
quero parar nunca mais!”
Noções de coisas
Paulo Gregório Francisco
Lenilda Maria dos Santos
Ao final, às nove e meia da noite,
como fazem ao término de todas as
aulas, alunos e professoras das duas
salas se reuniram para agradecer por
mais um dia de aprendizagem. Ali
ficou claro que todos eles, que
trabalharam duro o dia todo,
andaram em ônibus sempre muito
cheio, cuidaram da casa, dos esposos,
dos filhos e muitos até dos netos,
ainda assim encontram disposição
para ampliar seus conhecimentos
e entusiasmo para enfrentar novos
desafios. É como dizia Riobaldo,
personagem de Guimarães Rosa
em Grande Sertão: Veredas:
“O correr da vida embrulha
tudo, a vida é assim:
esquenta e esfria, aperta e
daí afrouxa, sossega e depois
desinquieta. O que ela quer
da gente é coragem.”
Texto: Ana Paula Drumond Guerra
Sobre o projeto
As aulas na Escola Estadual Santa
Rosa de Lima fazem parte do projeto
“Prevenção à Violência Sexual e
Doméstica, Combate ao Abuso e
Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes e do Trabalho Infantil
por meio da inserção ao processo
educacional contextualizado de jovens
e adultos no município de São Paulo”.
Realizado pela AlfaSol, em parceria com
a Prefeitura de São Paulo por intermédio
da Secretaria Municipal de Participação e
Parceria (SMPP), o convênio foi aprovado
pelo Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CMDCA)
de São Paulo e financiado pelo Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Fumcad).
A partir da realização de curso de
alfabetização de jovens e adultos, o
projeto pretende fomentar uma ação
política para aprimorar e fortalecer os
mecanismos de prevenção, proteção e
assistência a crianças e jovens vítimas de
violência sexual e doméstica.
escrevendo juntos
33
Noções de coisas
AlfaSol e Carrefour visitam
Jaboatão dos Guararapes
Uma aula, na qual foram trabalhadas as dimensões do folclore,
marcou a visita da AlfaSol e do Carrefour a Jaboatão dos Guararapes,
município pernambucano localizado a 18 km da capital, Recife.
Além da equipe de acompanhamento da AlfaSol, representada pela
diretora de Formação e Acompanhamento Pedagógico (DFAP),
Maristela Miranda Barbara, a visita contou com a presença da
superintendente da Fundação Carrefour França, Sophie FourchySpiesser, e da interlocutora do Carrefour Brasil, Floriane Rieu.
Todos os alunos participaram da aula que contemplou música,
artesanato, literatura, comida, dança e religião. Aqueles que já estavam em
processo adiantado de apropriação da escrita e leitura puderam demonstrar
sua aprendizagem pela leitura de poemas e repentes. Os demais, que
estavam em fase inicial de alfabetização, participaram por meio de
outras atividades, como o canto ou a elaboração de um prato típico.
“A alfabetizadora demonstrou que é possível desenvolver uma prática
que tenha sentido para todos os participantes, independentemente do
estágio de aprendizagem em que cada um se encontra”, destaca Maristela.
Concessionária Palazzo é a nova integrante
da Rede Chevrolet de Educação Solidária
A Concessionária Palazzo acaba de unir-se a outras 15
Concessionárias Chevrolet e passa a integrar, ao lado da AlfaSol
e do Instituto General Motors, o Programa Rede Chevrolet de
Educação Solidária. O programa objetiva atender jovens e adultos
analfabetos ou com pouca escolarização de municípios com
os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e
detentores das piores taxas de analfabetismo de Sergipe e Piauí.
A Palazzo escolheu o município piauiense de Nossa Senhora dos
Remédios para apoiar a realização do curso de alfabetização.
O modelo da parceria tem grande potencial multiplicador, uma
vez que prevê a inclusão de novos concessionários Chevrolet na
rede e, com isso, possibilita a ampliação das ações desenvolvidas e
de novos alunos atendidos. Trata-se de uma proposta inédita para
a área de investimento social privado.
Pela parceria, a General Motors se compromete a investir
R$ 1,00 no programa para cada R$ 1,00 investido pelas
concessionárias. Cada concessionária participante recebe um
certificado de reconhecimento, concedido pela própria General
Motors e pela AlfaSol.
34
escrevendo juntos
Mato Grosso é
parceiro da AlfaSol
A AlfaSol, a partir de sua
missão em reduzir os índices de
analfabetismo e ampliar a oferta
de Educação de Jovens e Adultos no
País, acaba de firmar um convênio
com a Secretaria de Estado de
Educação do Mato Grosso (SEDUC/
MT) para o atendimento a 11.200
alunos em cursos de alfabetização
inicial do Programa Brasil Alfabetizado
2009 em todo o Estado, que
abrange 141 municípios. Os cursos
contarão também com as ações
de monitoramento, supervisão,
acompanhamento e avaliação,
corroborando o entendimento
de que esse conjunto integrado
é capaz de fortalecer as políticas
públicas de alfabetização locais.
A SEDUC/MT, em uma ação de
valorização do programa estadual
de alfabetização inicial de jovens
e adultos, selecionou a AlfaSol
por esses diferenciais, bem como
a experiência na área adquirida ao
longo de mais de 13 anos de atuação.
De acordo com dados do
IBGE (Pnad, 2007), a taxa de
analfabetismo entre a população
com 15 anos ou mais de idade,
em Mato Grosso, é de 10,1%,
permanecendo dentro da média da
média brasileira, que é de 10%.
Ave, Palavra
As muitas falas do Brasil
Originária do latim falado por
povos da Península Ibérica (latim
vulgar) há cerca de 2.000 anos,
a Língua Portuguesa é hoje o
quinto idioma mais falado em todo
o mundo por mais de 260 milhões
de lusófonos (falantes do português),
em países como Portugal, Brasil,
Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe e
Timor Leste, além de Macau (na China)
e em algumas localidades da Índia.
Além de originar 20 línguas crioulas
(nascidas do contato de um idioma
Charqueada/RS
No Sul:
Lomba é ladeira
Patente é vaso sanitário
Cacetinho é pão francês
Negrinho é doce brigadeiro
Chapeação é lanternagem, funilaria
Prender fogo é acender o fogo
Abobado da enchente é pessoa tola
Goleira é trave do gol no futebol
Abrigo é agasalho de ginástica
Boi corneta é pessoa do contra
europeu com línguas nativas), o
português é o segundo idioma em
diversos outros países, além de estar
espalhado em pequenas, médias e
grandes comunidades emigrantes
em praticamente todo o mundo.
Uma trajetória como essa fez
do português uma língua com
riquíssimo conteúdo léxico, não só
entre terras distantes: com quase
190 milhões de falantes, a língua
portuguesa apresenta no Brasil tantas
peculiaridades quantos são os mais de
5.500 municípios existentes no País.
Já no Nordeste:
Mangar é zombar de alguém
Aperreado é angustiado, estressado
Ó xente é interjeição que demonstra
espanto, descontentamento,
curiosidade
Pitoco é botão
Bigu é carona
Vôte é vou te esconjurar, vou te
Brotas de Macaúbas/BA
amaldiçoar
Ixi Maria é interjeição de espanto, Macaxeira é mandioca, aipim
contração de Virgem Maria
Canjica é cural de milho
Jerimum é abóbora
Laranja-cravo é mexerica
No Norte,
papudinho é alcoólatra
mão-de-mucura-assada é sovina
pai d´égua é interjeição que significa legal, bacana
xibé é prato feito de farinha de mandioca e água
Rio Amazonas/AM
escrevendo juntos
35
Ave, Palavra
Pirenópolis / GO
E no Centro-Oeste:
Arruinou = piorou (o estado
de saúde)
Tá boa? = “Tudo bem?” usado
para mulheres
Madurar = amadurecer
Demais de grande = “esta casa é
demais de grande”
No Goiás = em Goiás
Corgo = córrego
Na Goiânia = em Goiânia
Priscar = ficar agitada, se debater:
“A galinha está priscando”
Queijim = rotatória
Quando é fé = “De repente” ou
“até que”: “Estava no consultório
do dentista e quando é fé sai um
menininho chorando de lá”
Encabulado = impressionado:
“Estou encabulado que você
nunca tenha vindo aqui antes”
Bão? Bão mesmo?? = goianês
para “Tudo bem?” e “Mas tá tudo
bem mesmo, de verdade?”
Tem base? = “pode uma coisa
dessas?”
Dar rata = algo como cometer
uma gafe
Anêim = “Ah, não!”
Arvrinha = árvore pequena
Arvrona = árvore grande
Corguim = diminutivo de corgo
Num dô conta = “Não consigo”,
“não sei”: “Num dô conta de
falar inglês”
De doce = em Goiás, as coisas
não são doces, elas são “de doce”
No Sudeste, o “modifalá minero”
Ouro Preto / MG
36
escrevendo juntos
Badacama = debaixo da cama
Onquié = onde que é?
Dendapia = dentro da pia
Pincumel = pinga com mel
Denduforno = dentro do forno
Pondiôns = ponto de ônibus
Iscodidente = escova de dente
Pópôpó = pode pôr o pó?
Kidicarne = quilo de carne
Sapassado = sábado passado
Lidileite = litro de leite
Tirisdaí = tira isso daí
Mastumate = massa de tomate
Tradaporta = atrás da porta
Nossinhora = nossa senhora
Videperfum = vidro de perfume
Op’ssevê = olha pra você ver!
Proncêvai? = pra onde você vai?
Oncotô = onde que eu estou?
Meidiimei = meio-dia e meia
Ave, Palavra
A miscelânea “baolista” de Juó Bananére
Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933)
nasceu na paulista Pindamonhangaba. Apesar de ter
se formado engenheiro pela Escola Politécnica da
USP, levou a vida como escritor, publicando artigos
para vários jornais e também para a revista O Pirralho,
de Oswald de Andrade. Juó Bananére, como passou a
ser conhecido, começou a escrever crônicas imitando
o sotaque dos imigrantes italianos e conquistou,
assim, a simpatia de todos pelo seu texto alegre,
inteligente e “macarrônico”,
como diziam. Com
um jeitão irreverente,
Bananére, considerado
por muitos como um dos
nomes mais importantes
do pré-modernismo
brasileiro, dizia que um
dia haveria de entrar
na “Gademia Baolista
de Letras”.
SONETTO FUTURISTE
Pra Marietta
TEGNO una brutta paxó,
Prus suos gabello gôr di banana,
I pros suos zoglios uguali dos lampió
La da igregia di Santanna.
Ê mesimo una perdiçó,
Ista bunita intaliana,
Che faiz alembrá os gagnó
Da guerre tripolitana.
Tê uns lindo pesigno
Uguali cos passarigno,
Chi stó avuáno nu matto;
I inzima da gara della
Té una pinta amarella,
Uguali dun carrapatto.
Beradurri = beira do rio
Credeuspai = meu Deus!
Alííí pertim = depois de 2
ladeiras, 7 esquinas, 20 curvas,
5 ônibus, 6 quarteirões e mais
100 passos, você chega
Óssócêvê = olhe só para você ver
Nó! = “Nossa Senhora, Mãe do
Céu, Ave Maria!”
Golim = pequena porção de
líquido - toma um golim!
Friage = frio intenso
Baratim = quase de graça
Nu! = “Nossa Senhora Aparecida
do Perpétuo Socorro, Jesus toma
conta!”
Pegando o boi (“Ce tá
peganuboi comigo”) = “Eu já
estou fazendo muito por você e
você ainda quer mais???”
Bôdi’míi = bolo de milho
Né = não é mesmo?
Tiquimdinada = poquim
Trudia = outro dia
Bora? = vamos embora?
Poquim = pouquinho
Onsdionti = antes de ontem
Vamu picá mula? = “vamos
embora que isso está ficando
muito chato”
Reda pra lá = chega pra lá
Quanquié? = quanto custa?
Rapidim = vai demorar algumas
horas ainda
Xepracá = vem pra perto de mim
Zói = olhos
escrevendo juntos
37
Versos e versões
Notícias sobre
o fim do livro
Parece que a grande novidade
da última Feira do Livro de Frankfurt
não foi a literatura chinesa nem outra
literatura do Oriente ou Ocidente,
e sim o rumor sobre o fim do livro.
Dizem que esse objeto de papel vive
o seu lento crepúsculo. Ou será um
crepúsculo brusco, como a claridade
ou a escuridão no equador?
Milton Hatoum nasceu
em Manaus (AM) em 1952.
É autor dos premiados
romances Relato de um
certo Oriente (1990),
Dois irmãos (2001) e
Cinzas do Norte (2005).
Suas mais recentes
publicações são Órfãos do
Eldorado (2008) e A cidade
ilhada (2009), todos pela
Companhia das Letras
38
escrevendo juntos
- mas todo futuro é impreciso – o
livro impresso tenha um destino
semelhante ao das salas de cinema.
A venda do livro eletrônico está
sendo disputada por três ou quatro
empresas. É uma briga de cachorros
grandes, que ladram no Japão, nos
Estados Unidos e em algum país
da Europa. Enquanto disputam o
mercado, dezenas de milhões de
crianças africanas, latino-americanas
e asiáticas nunca leram, nem mesmo
folhearam um livro infantil. É como
se da noite para o dia milhares
de plaquetas eletrônicas fossem
aterrissar nos povoados, cidades e
aldeias pobres e miseráveis deste
planeta. A tecnologia antes da
Foto: Fernanda Preto
Ninguém sabe se o livro eletrônico
vai sepultar a era Gutemberg.
Minha intuição é que a biblioteca de
papel e a eletrônica vão conviver
por muito tempo. É provável que no futuro
caligrafia, antes mesmo do desenho,
dos rabiscos, dos jogos infantis.
Em todo caso, as vozes do
apocalipse são cíclicas: aparecem
e somem com seus pesadelos
espaçados, como se a humanidade
necessitasse de notícias catastróficas
para decretar o seu próprio fim ou
extermínio. As guerras, sim, podem
decretar o extermínio de boa parte
da humanidade, e o século passado,
Versos e versões
ou todos os séculos do vasto
passado são provas cabais dessa
ânsia exterminadora.
Sobre o fim do livro, tenho
duas breves histórias para contar.
A primeira é um sonho, ou um
pesadelo mais radical e futurista que
a plaqueta eletrônica: um chip que
armazenasse a biblioteca do universo,
uma biblioteca cujo acervo seria
renovado por um único comando
externo. O chip seria implantado no
ombro, na perna ou numa artéria do
coração do leitor. Um chip com
bilhões de palavras no coração. Há
algo mais poético? Mais sublime?
Um chip implantado no cérebro
seria robótico demais, além de
ser uma cena comum de ficção
científica, algo bem menos estranho
do que uma serpente de fogo numa
montanha de gelo. Com esse chip
cravado no corpo, o leitor não teria
necessidade de olhar para uma
tela: a página escrita apareceria no
ar, como se fosse uma holografia.
Textos soltos no espaço, sem
qualquer suporte. A mais fina e
diminuta tela será anacrônica.
A outra história é coisa do passado.
Ao amanhecer de um dia de
1979, conheci um piauiense que
migrara para São Paulo na década
de 1960. Ele era dono de uma
pequena pastelaria na antiga
rodoviária, onde eu comia pastel
às cinco da manhã,
antes de pegar o
ônibus para Taubaté.
Donato me contou passagens
de sua vida em um povoado
miserável, próximo a Santo Antônio
dos Milagres. Aprendeu a ler com
uma velha, que era uma vizinha
da tapera onde ele morava. Lia
bula de medicamentos, lia jornais
velhíssimos que embrulhavam latas
de leite enviadas pelo governo, lia
as palavras impressas nessas latas.
E um dia eu li um livro, disse
Donato, emocionado. Um livro
que um vendedor de bugigangas
deixou para mim. Lia devagar,
duas, três vezes cada frase, cada
parágrafo. De vez em quando,
parava de ler para pensar. Li tantas
vezes meu único livro que decorei
os trechos mais bonitos. Minha
vida não valia nada, nem uma casca
de cebola. Eu era um jovem que
não tinha onde cair morto, como
se diz. Aí consegui um emprego
em Santo Antônio. Trabalhei
quatro anos no balcão de uma
mercearia, economizei uns tostões
e vim para São Paulo. Quando
ganhei um dinheirinho, abri essa
pastelaria. E um dia viajei para o
Rio. Queria conhecer quem tinha
publicado aquele livro, queria ver o
edifício da editora, as pessoas que
trabalhavam com livros. Não tive
coragem de entrar, fiquei espiando
na calçada, olhando a placa com
o nome da editora. Aí me deu
vontade de fazer uma coisa, e fiz
mesmo. Abracei as paredes, beijei
as paredes da editora e beijei o
livro que mudou minha vida.
escrevendo juntos
39
Alumbramentos
Reconhecimento
do mundo
Em comemoração ao 90º aniversário da escritora
Tatiana Belinky, a Revista Escrevendo Juntos dedicou estas
páginas à autora de mais de 120 títulos de livros infantojuvenis. Um deles, Sete contos russos (Cia. das Letrinhas),
faz parte do programa Incentivo à Leitura da AlfaSol, que
desenvolve nas comunidades atendidas a capacidade
de representação e comunicação de histórias pessoais e
coletivas por meio da cultura da leitura.
E ninguém melhor do que Tatiana Belinky para versar sobre
formas eficazes de conseguir tudo isso. Numa tarde
de outubro, Tatiana recebeu em sua casa
a jornalista Ana Paula Drumond Guerra,
da AlfaSol, e, com muito bom humor
e um senso crítico aguçadíssimo,
concedeu esta entrevista. Confira!
40
escrevendo juntos
Alumbramentos
naquela tarde de outubro, num
vestido preto de flores bordadas; um
colorido que a deixava parecida com
matryoshkas, aquelas bonecas russas
de madeira que guardam em si cerca
de dez outras bonequinhas ainda
menores. Ao lado, a foto com o pai
decorava a estante cheia de livros.
Quieta, Tatiana dava a impressão
que muitos têm de uma senhora
de 90 anos: meiga, afável, pura
quietude. Mas basta iniciar a
conversa para entender por que essa
autora premiada, de mais de 120
livros infantis, se comunica tão bem
com as crianças: ela traz consigo um
elemento inquieto, vivo e atrevido,
típico de criança que, curiosa,
quer devorar o mundo e todo o
conhecimento que transborda
dele. Tatiana é desajuizada, pois
não julga nem prediz nada: ela
simplesmente experimenta.
E a história de experimentação
dessa mulher impetuosa teve
início em 1919, na cidade russa
de São Petersburgo. No ano
seguinte a família Belinky se
mudou para Riga, na Letônia, onde
ficou por nove anos, até que a
perseguição aos judeus na Rússia
soviética fizesse com que seus pais
decidissem se mudar para o Brasil
com os três filhos.
Fotos: Ana Paula Drumond Guerra
Instalada confortavelmente na
poltrona verde musgo, lá estava
Tatiana Belinky em sua casa
escrevendo juntos
41
Alumbramentos
Já em São Paulo, Tatiana, que
falava fluentemente o russo,
o alemão e o letão, aprendeu
facilmente o português. Na nova
terra a leitura continuou a exercer
a grande importância de sempre.
“Aprendi o português não só pela
literatura brasileira de Castro Alves
e José de Alencar, como também
pela literatura portuguesa.” Grande
incentivador de suas leituras, o pai,
Aron, era “performático” quando
lia histórias para os filhos: “Ele
interpretava tudo o que lia para mim
e dizia sempre: ‘leia, mas leia com
expressão’”, conta. O pai de Tatiana
não impedia que ela lesse o que
bem entendesse; aliás, sempre que
possível, ele estimulava ainda mais a
curiosidade da filha.
O verbo ler não comporta
imperativos
“O verbo ler não comporta
imperativos, assim como outros
dois verbos, o verbo amar e o verbo
sonhar.” É assim, citando o escritor
francês Daniel Pennac, que Tatiana
Belinky ensina como os pais devem
fazer para despertar o gosto pela
leitura em seus filhos. “Leve a criança
a livrarias, bibliotecas, deixe que ela
tenha contato com livros. Espalhe
livros pela casa, em cima da mesa,
debaixo da cama, na estante, no
banheiro. Livro tem que estar ao
alcance da mão da criança. Se deixar
um livro em cima da mesa ela vai
abrir como abriria qualquer caixinha.
Leia para a criança, deixe a criança
ver você ler. Se ela vê o pai, a mãe,
42
escrevendo juntos
Tatiana e a literatura
O primeiro contato de Tatiana com Monteiro Lobato
aconteceu quando, na rua, deparou com um panfleto de
propaganda do Biotônico Fontoura: “O folheto trazia a
história do Jeca Tatuzinho, personagem de Lobato que
sofria de amarelão. Mal sabia eu o quanto esse autor
faria parte da minha vida”, relembra. Em 1940 Tatiana se
casou com o médico psiquiatra Júlio de Gouveia e, juntos,
começaram a adaptar várias histórias infantis para o teatro.
Por mais de 13 anos o casal encenou narrativas para a TV
Tupi, dentre elas a primeira adaptação televisiva de O Sítio
do Pica-Pau Amarelo. Tatiana foi também tradutora e crítica
literária, até que em 1987 publicou o primeiro de uma lista
de mais de cem títulos de livros infantis: Limeriques.
a avó lendo ela vai pensar que é
interessante e vai querer também. Aí
não para mais”. Mas faz uma ressalva:
“Pelo amor de Deus, não manda a
criança ler. Tudo o que é mandado
vira do contra. Ler é prêmio, não é
castigo ou obrigação.”
Subversiva
Desde criança Tatiana descobriu
formas de subverter a ordem; negou
a passividade diante do mundo e
assumiu que queria aprender e ler a
vida, a ler a história, a absorver tudo
em volta. “Quando era pequena
gostava de fábulas. Mas não gostava
da moral da história. Eu achava um
Alumbramentos
desaforo. O que o autor pensava
que eu tinha entre duas orelhas,
titica? Você me conta uma história
e diz ‘você tem que entender isso.’
Não quero que me ensinem o que
entender. Eu quero entender por
mim!” Ao longo da vida aprendeu que
o “tente” é muito mais importante e
meritório que o “tem que”. Ela conta
que o pai sempre a deixou descobrir
as coisas por si, mostrava que não
havia limites para as descobertas,
mas que se fazia sempre presente
para amparar quando necessário:
“Quando eu caía, meu pai dizia ‘vem
aqui que eu te levanto’ e eu então me
levantava e corria para os braços dele.”
Lógica esmagadora
Às vezes acontece de um adulto
criticá-la, dizendo: “Você escreve
essas bobagens para crianças.”
Mas Tatiana não se dobra:
“As crianças são
espertas, alguns pais
é que não entendem
o humor. As crianças
sabem o que eu digo,
sabem muito bem que
eu estou brincando.
O importante é ampliar
a caixa mágica que é
a cabeça.”
Tatiana Belinky desafia seus
pequenos leitores a fazer o
reconhecimento do mundo e,
segundo ela, todas as crianças são
inteligentes e fazem perguntas boas.
Para ela, a criança não é tratada como
merece: “Tratam como boboca, e
boboca ela não é. Elas ouvem tudo
e registram tudo; criança pequena
tem uma lógica esmagadora.”
A explicação
Não é fácil explicar, mas quem
passa algum tempo com Tatiana
entende perfeitamente como e por
que ela se comunica tão bem com
seu público. É que Tatiana Belinky
foi tratada pelos pais com o respeito
que toda criança merece: ela foi
tão instigada, tão incentivada, tão
despertada, e por isso mesmo foi tão
amada, que achou um jeito de usar
todo o conhecimento de mundo
adquirido com sua sagaz curiosidade
para, adulta, conseguir como poucos
continuar a ser criança.
Mistério esclarecido, fim da
entrevista, Tatiana permanece
sentada em sua poltrona. Fica ali
aquela verdadeiramente menina
que, matryoshka que é, se desdobra
em muitas, todas indispensáveis,
todas complementares, todas
fecundas de si mesmas. O corpo
frágil aparente carrega com ele a
vividez típica de quem não se deixou
levar pela brusquidão com que a
vida costuma nos roubar a infância.
Ao lado, a estante cheia de livros
decora a foto com o pai.
“Leia para a
criança, deixe
a criança ver
você ler. Se ela
vê o pai, a mãe,
a avó lendo, ela
vai pensar que
é interessante
e vai querer
também. Aí não
para mais.”
escrevendo juntos
43
Linhas tortas
Aceitação da
mediocridade
44
escrevendo juntos
bons em futebol e péssimos em
outras práticas: porque aceitamos
a mediocridade em tudo, mas
exigimos excelência no futebol.
No ano que vem, na África do
Sul, poderemos novamente ser
campeões mundiais. Até lá, as
regras serão as mesmas, a bola
continuará redonda. Se perdermos,
tentaremos novamente quatro
anos depois, na esperada Copa do
Cristovam Buarque
Brasil. Mas a perda educacional não
é professor da Universidade
permite recuperação tão fácil. Daqui
de Brasília (UnB) e senador
a quatro anos, o mundo inteiro
pelo PDT/DF
terá evoluído no conhecimento,
em equipamentos, na formação
de professores. No futebol, teremos
Foto: Roberto Fleury
Uma das consequências do Brasil
ser uma das potências mundiais do
futebol é não nos contentarmos
em ser vice-campeões. O Brasil
classificou-se antecipadamente para
a Copa do Mundo do ano que vem,
na África do Sul. Mas bastaram duas
partidas ruins depois disso para o
time e o técnico Dunga voltarem
a ser criticados. No futebol, não
aceitamos a mediocridade. Exigimos
sempre o primeiro lugar.
O mesmo comportamento e
sentimento não são vistos em outros
setores da vida nacional. Ano após
ano, estamos dentre os últimos
colocados em outros setores, mas o
assunto não desperta indignação,
passa despercebido. Por décadas,
fomos os últimos em inflação. Somos
os piores em destruição de florestas
e em concentração de renda. Em
incidência de malária e dengue. E
em número de analfabetos adultos.
Todas as avaliações internacionais
colocam o Brasil dentre os piores na
capacidade de ler e nas habilidades
matemáticas. Somos também os
piores do mundo em criminalidade
juvenil. Mas essas classificações
vergonhosas não nos fazem sofrer
tanto quanto sermos segundos
em futebol. É por isto que somos
perdido ou ganhado; mas na
educação, se tivermos perdido,
ficaremos para trás.
Perder uma Copa do Mundo de
futebol nos deixa mais tristes. Mas
perder a Copa da Educação nos
deixa mais pobres, mais desiguais,
mais atrasados, mais deseducados.
Porque a deseducação gera um
círculo vicioso: quanto pior, pior fica.
Por que, então, choramos com
a derrota no futebol e ignoramos
o fracasso na educação? Primeiro,
porque nossa cultura está mais
para o consumo, para o futebol,
para o imediato, para a alegria, do
Linhas tortas
que para o esforço, para o futuro
e para o sacrifício que implica a
educação. Mas nossa população
pobre tem de sobreviver, dia após
dia. Não pode esperar a educação
do filho (a grande criatividade da
Bolsa-Escola foi unir a necessidade
de sobrevivência imediata com
a educação para o futuro). E não
acha que seja vital, fundamental, a
recuperação da educação do adulto.
É triste reconhecer, mas a elite
brasileira passou a ideia – aceita
pelo povo – de que educação de
qualidade é uma coisa reservada aos
ricos, como se fosse natural que os
pobres não tivessem direito a escola
igual a dos ricos. A prova disso está
na pesquisa apresentada pela revista
Veja, mostrando que quase todos
os pais acham muito boa a escola
pública de seus filhos, embora os
filhos não estejam de fato em escola
adequada. Noventa por cento dos
professores se consideram bem
preparados para a tarefa de ensinar,
mesmo que seus alunos sejam os
últimos no campeonato mundial da
educação. E os adultos conformamse com a educação – ou a falta de
educação – que têm.
Sindicatos fazem greve por
salário, moradores de ruas invadem
prédios e terrenos, camponeses
invadem terras. Mas não vemos
invasão das boas escolas, para
nelas serem colocados os filhos
dos pobres. Não vemos invasão de
escolas para os adultos recuperarem
o déficit educacional que têm.
Professores universitários fazem
greve por seus salários, alunos
universitários protestam pela saída
de um reitor, mas não dizem uma
única palavra de protesto quando
perdemos o campeonato da
educação de base. Não se mobilizam
da mesma forma para emprestar
seus conhecimentos no esforço de
alfabetizar e educar outros jovens e
adultos como eles. Tenho um projeto
que determina que os estudantes
das universidades públicas tenham
que reservar uma parte de seu
tempo em projetos de alfabetização
de adultos. Nunca vi uma entidade
representativa dos estudantes
manifestar-se sobre isso.
O Brasil dispõe dos recursos e
craques para vencer novamente
a Copa do Mundo na África do
Sul no ano que vem. Mas se fizermos a
revolução na educação, faremos
também o berço de nossos atletas.
Temos os recursos, mas a aceitação
da mediocridade na educação
nos condena a aceitar sermos os
perdedores de sua Olimpíada.
escrevendo juntos
45
A descoberta do mundo
Um lago e muitas
possibilidades
comunidade ribeirinha de São
João do Tupé, em Manaus (AM),
indicou o cultivo de peixes no
Lago Tupé como uma alternativa
para geração de renda na região.
“Os moradores só viam no lago
um recurso que lhes possibilitava
o acesso a água e como via de
deslocamento na reserva. Ele não
era visto como de importância
vital para a comunidade”, ressalta
a professora do departamento
de ciências pesqueiras da
Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Ana Cristina
Belarmino de Oliveira.
As diversas tentativas para
viabilizar a ideia foram ao encontro
dos objetivos do 11º Concurso
Banco Real – Grupo Santander
Brasil e UniSol e, a partir daí,
nasceu o projeto “Uso dos Recursos
Naturais para Geração de Renda
na RDS Tupé – AM: Cultivo de
Peixes em tanques-rede ecológica
e economicamente sustentável”,
implementado para apoiar a
ampliação e continuidade de uma
Unidade Familiar de Produção
(UFP) de tambaqui (Colossoma
macropomum) em tanques-rede na
comunidade de São João do Tupé.
46
escrevendo juntos
Foto: Karla Almeida
Foi este o diagnóstico
de um projeto no qual a
Desde o início no projeto, o
estudante de mestrado em ciências
pesqueiras Ronãn Freitas recebeu
um convite da professora Ana
Cristina para participar da criação
de peixes em tanques-rede na
comunidade ribeirinha do rio Negro.
Ele conta que 90% dos moradores
do local mostraram interesse, e
que muitos foram os avanços até
hoje. “A continuação do projeto
com a aprovação no 12º Concurso
vai fortalecer o cultivo de peixes
no lago Tupé como alternativa
para a geração de renda, trabalho
e defesa do meio ambiente,
incentivando o turismo ecológico
apoiado na educação ambiental
e na organização comunitária.”
Lago Tupé: cultivo de peixe
em tanques ecológicos e
economicamente sustentáveis
A descoberta do mundo
Foto: Alline Serdeira
E Ronãn já contabiliza os avanços
pessoais e profissionais obtidos: “Um
fator extremamente importante para
o meu desenvolvimento no projeto
é o fato de conhecer a realidade de
uma comunidade ribeirinha, tendo
em vista que sou oriundo de uma
delas. Por meio da participação
em projetos de extensão e do
conhecimento adquirido com
a minha formação, pude levar a
Ronãn Freitas: participação ativa e
melhoria na alimentação, renda e
envolvimento com o projeto
preservação da comunidade, e isso
está sendo de grande importância
para mim.”
Até agora, quatro ciclos
de produção de tambaqui já
foram fechados; houve um real
empoderamento da comunidade
ativamente participantes do
grupo de produção. “Conseguimos
um estreitamento significativo
na relação entre universidade
e comunidade, na qual os alunos se
inserem como cidadãos solidários
e participam do projeto porque
acreditam na sua importância
para a melhoria na qualidade de vida
dos moradores e na preservação da
RDS-Tupé”, avalia Ana Cristina.
Foto: Karla Almeida
Ronãn ressalta ainda que as oficinas
realizadas com a participação da
comunidade contribuíram para
que os moradores se organizassem,
visando o cultivo ecológico para
geração de alimento e renda.
De acordo com Ana Cristina,
a execução do projeto é feita de
maneira totalmente compartilhada
dentre os diversos atores,
pesquisadores-professores,
comunidade e estudantes
universitários. “À medida que eles
acreditam que o lago tem valor
monetário real a curto e médio
prazos com a produção de peixes, a
sua necessidade de preservação foi
compreendida, e assim os moradores
são motivados a promoverem a
defesa do seu meio ambiente não
pelo simples fato da consciência
ecológica – difícil de ser alcançada
quando se falta comida no dia a
dia –, mas como meio de sobrevivência
da geração presente e das futuras.”
Envolvido desde a parte
burocrática até a compra de materiais
para a realização de atividades em
campo, Ronãn conta que ainda
existem muitas questões a serem
respondidas para otimizar o cultivo de
peixes em tanques-rede. Foi pensando
nisso que ele decidiu mudar-se
para a comunidade e aprofundar
seus estudos. “Por meio da minha
dissertação de mestrado, pretendo
responder tais perguntas fazendo com
que haja uma otimização no cultivo
trazendo renda e melhoria de vida da
comunidade em questão de maneira
sustentável e ecológica”, revela.
Vista da praia
que dá acesso
à comunidade
do Tupé
escrevendo juntos
47
A descoberta do mundo
Acima: Exposição Eismurf,
realizada em 2008 no Sesc
Tijuca. À direita: Exposição
de skates do Xepa do Briza
realizada em 2008 no
Expo Multi Grab, RJ
48
escrevendo juntos
Foto: Charles Silva
Aproximar academia e
comunidade, bem como ampliar
as oportunidades para jovens por
meio do esporte são objetivos do
“Prêmio Nike Esporte pela Mudança
Social”, uma parceria da Nike com o
UniSol, cuja 1ª edição, realizada em
2009, contemplou cinco projetos
de extensão universitária. Somado
à variedade das modalidades
esportivas apresentadas, que
comprovam que as ações de
inserção social podem ser adaptadas
para qualquer segmento, os
projetos premiados têm o mérito
de permitirem a inserção social de
públicos distintos (veja quadro).
Para a gerente de Negócios
Sustentáveis e Inovação da Nike do
Foto: Alex Suliano
Parceria entre UniSol e Nike destaca
projetos esportivos de inserção social
Brasil, Alice Gismonti, o prêmio às
universidades é de extrema relevância.
“Nesta primeira edição, já apontou
projetos com metodologia sólida de
esporte educacional, além de modelos
bastante inovadores de parceria entre
universidade e grupos comunitários”,
destaca ela, chamando a atenção
para a excelência dos demais projetos
que concorreram à premiação.
“Infelizmente, é impossível contemplar
todos os projetos apresentados.”
Segundo Alice, a Nike
entende como fundamental o
desenvolvimento de parcerias que
promovam uma interação entre
vários setores sociais – empresa,
universidade e comunidade. “É uma
forma de levar o conhecimento
acadêmico para as ruas e também
trazer o conhecimento das ruas para
a universidade”, acredita. E, para ela,
o UniSol é um excelente parceiro,
A descoberta do mundo
já que sua credibilidade e experiência
favorecem o estabelecimento de um
canal entre os diversos setores sociais
que a premiação pretende atingir.
Foto: Cris Geral Delli
Poder transformador do esporte
A Nike foi uma das organizadoras
da Semana Internacional do Esporte
pela Mudança Social, realizada em
novembro, em São Paulo. O evento
mundial, uma iniciativa da Rede
Esporte Pela Mudança Social (REMS),
da Unilever, do Sesc, da J. Leiva, e que
contou com o apoio do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud) no Brasil e da International Sport
and Culture Association (Isca), reuniu
atletas e personalidades que mostraram
o poder transformador do esporte
nas causas sociais. “Em quatro dias de
painéis, foram apresentados casos de
sucesso no Brasil e no mundo sobre
o uso do esporte para promover
mudanças sociais. Destaco a presença
da diretora da REMS na África, Auma
Obama, que também é coordenadora
dos principais projetos de esporte
pela mudança social no Quênia”, conta
Alice Gismonti.
Durante o evento, foi assinado um
manifesto com uma proposta de agenda
comum pelo esporte no Brasil.
Projetos de extensão selecionados
pela 1ª edição do Prêmio Nike
Esporte pela Mudança Social
Futsal Social
IES: Centro Universitário Feevale (RS)
Área esportiva: futebol - Futsal Local de atuação: Novo Hamburgo (RS)
Público-alvo: crianças e adolescentes
Vivências em atividades diversificadas de lazer
IES: Universidade Federal de São Carlos
Área esportiva: jogos em geral (grafite, xadrez, pipa, karatê)
Local de atuação: São Carlos (SP)
Público-alvo: crianças e adolescentes de 3 a 17 anos
Futebolando
IES: Centro Universitário Unimódulo (SP)
Área esportiva: futebol
Local de atuação: Caraguatatuba (SP)
Público-alvo: crianças de 7 a 12 anos
Xepa do Briza
IES: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ)
Área esportiva: esporte de ação – skate
Local de atuação: Irajá (RJ)
Público-alvo: jovens de 18 a 24 anos
Educação pelo esporte
IES: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS)
Área esportiva: várias modalidades (vôlei, basquete, futebol,
ginástica olímpica, lutas)
Local de atuação: São Leopoldo (RS)
Público-alvo: crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos
Charles Silva, do Xepa do
Briza, ao lado de skates
da série Eco Ilustrado
escrevendo juntos
49
É isso ali
O TeleSol unido ao braile
Um constante trabalho de transcrição
é feito para que Luzia acompanhe as
aulas de alfabetização
50
escrevendo juntos
aprendizagem de Luzia. Por isso,
a iniciativa ganhou o apoio do
diretor da Ascepi, Aluízio Gonzaga,
e os módulos do Programa TeleSol
passaram a ser traduzidos para o
braile. Além de frequentar as aulas
noturnas no centro educacional, a
aluna estuda durante o período da
manhã na associação e otimiza o
tempo dedicado à sua escolarização.
“Nunca havia recebido uma atenção
Luzia Sá Barbosa é
aluna da 4ª série de EJA
tão especial como a que tenho
do Centro de Educação
recebido agora das pessoas que
Comunitára Parque
colaboram para meus estudos”,
Itararé, em Teresina (PI)
destaca Luzia.
Nessa maratona escolar, Luzia
conta com o apoio da mãe, Antonia
Sá Barbosa, de 60 anos, que até o
ano passado não era alfabetizada.
Depois de ser atendida pelo curso de
alfabetização da AlfaSol, realizado
em parceria com a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura
(Semec), Antonia matriculou-se no
Programa TeleSol e hoje participa
do 1° segmento de EJA. Mãe e filha
frequentam com assiduidade as aulas.
Para Luzia, não existem
pessoas deficientes, mas eficientes. “A cada dia
Fotos: Vera Lucia Rocha Sousa
Tudo começa com um texto
escrito pela professora Maria
Medianeira e enviado para a
Associação dos Cegos do Piauí
(Ascepi), em Teresina. Lá, as
informações são transcritas para
o braile e retornam ao Centro de
Educação Comunitária Parque
Itararé, onde estuda a aluna Luzia
Sá Barbosa, de 41 anos, portadora
de deficiência visual. É devido a
esse fluxo, resultado de um esforço
envolvendo a escola, a AlfaSol e
a Ascepi, que ela tem conseguido
facilitar sua aprendizagem, e hoje,
apenas três anos após ter iniciado
seus estudos, frequenta a 4ª série da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Esse processo de transcrição
para o braile foi intermediado pela
coordenadora de polo da AlfaSol,
Vera Lucia Rocha Sousa, com o
objetivo de facilitar o processo de
galgamos o nosso espaço e as nossas
conquistas. O programa TeleSol só
veio contribuir para enriquecer
meus conhecimentos e para me
sentir mais importante diante da
sociedade em que vivo.”
É isso ali
Um aluno centenário
atrapalhou até mesmo a conseguir
se aposentar como veterano de
guerra e, por conta disso, hoje
recebe apenas um salário mínimo
como aposentado.
Aos 102 anos um objetivo de vida
A decisão de frequentar a escola
tem um objetivo claro: seu José
almeja voltar para o quartel e tornarse coronel. Agora, com as aulas de
alfabetização, ele conta que está se
familiarizando aos poucos com o
mundo das letras: “Com fé em Deus,
vou caminhar mais.” Seu José não se
casou formalmente, mas conta que
teve três filhos, com os quais perdeu
contato. Hoje, tem uma
companheira. Politizado, seu José diz
Foto: Bruno Santa Clara Novelli
Seu José Ferreira dos Santos (ou
seu Baiano, como é mais conhecido)
é natural do município de Mata
Grande, na Grande Salvador, mas
mora em Maceió há 30 anos. Nascido
em 1907, e muito lúcido aos 102
anos de vida, chegou para a conversa
andando sozinho e sem bengala,
vestindo com apuro um terno verdemilitar, camisa e gravata. Seu José
entrou para o exército brasileiro aos
18 anos e lutou na 2ª Guerra Mundial
em países como Itália e Japão. Como
ex-combatente e veterano de guerra,
desfila todos os anos na parada de
7 de Setembro com mais cinco
ex-combatentes (e se emociona ao
falar sobre aqueles que já se foram).
Seu José nunca frequentou a
escola, assim como muitas pessoas
de sua época. Há alguns anos decidiu
aprender a escrever o próprio nome:
“Queria, ao menos, saber assinar”.
Ele lembra que para isso teve de
pedir ajuda a alguns estudantes que
passavam sempre em frente à sua
casa na volta da escola. “Mas eles não
me davam muita atenção. Até que
um dia prometi uma boa surra caso
eles não me ensinassem!”, diverte-se.
A falta de estudos atrapalhou
bastante sua vida: “Tive problemas
para me relacionar com o mundo,
a perguntar e a explicar – era um
analfabeto completo”, diz. Seu
José conta que a falta de estudos o
que quer saber o que os próximos
candidatos irão fazer pelos pobres
e que quer muito conhecer
pessoalmente o ministro da
Educação e o presidente da
República. “Você não poderia me
ajudar nisso?”, pergunta.
Ao final da conversa, antes de
posar para as fotos, ele saca um
aparelho de telefone celular e diz
saber utilizá-lo muito bem. Quando
perguntado se sabia o número de
cor, seu José não titubeia e tira do
bolso um papelzinho com o número
anotado: “É este aqui”, sorri.
escrevendo juntos
51
Lição de coisas
Dissertações
O Centro de Referência em
Educação de Jovens e
Adultos (Cereja) publica em
seu portal trabalhos
acadêmicos com temática
voltada à educação. Confira
ao lado as mais recentes
dissertações que discutem
o tema Educação de Jovens
e Adultos (EJA).
Uma nova sigla surge na educação de jovens e
adultos: ensino de jovens, adultos e adolescentes,
EJAA: fenômeno migratório de adolescentes
oriundos do diurno
Jorge Tomaz da Conceição
Escola Superior de Teologia - São Leopoldo/RS
Orientador: Laude Erandi Brandenburg; co-orientador Remí Klein
O trabalho analisa o tema ”Novo paradigma na Educação de
Jovens e Adultos: a migração de adolescentes oriundos do
diurno”, provocando mudanças substanciais na EJA,
transformando-a e fazendo surgir uma nova sigla: Ensino de
Jovens, Adultos e Adolescentes EJAA.
O idoso na sala de aula: um novo ator
Eliana Maria Sarreta Alves
Universidade Católica de Brasília - Brasília/DF
Orientadora: Jacira da Silva Câmara
Este estudo investigou, na concepção da população idosa, o
significado da aprendizagem e sua contribuição para a
construção de um novo projeto de vida. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa de cunho exploratório interpretativo, realizada em
escola pública do Distrito Federal que atende a alunos da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Relatos significativos de professores e alunos na
educação de jovens e adultos e sua auto-imagem
e auto-estima
Denise Dalpiaz Antunes
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto
Alegre/RS
Orientador: Juan José Mouriño Mosquera
A pesquisa se propôs verificar, através dos relatos de professores e
alunos, práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação de
Jovens e Adultos e sua autoimagem e autoestima.
52
escrevendo juntos
Aspectos psico-sócio-culturais envolvidos
na alfabetização de jovens e adultos
deficientes mentais
Katiuscha Lara Genro Bins
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS
Orientador: Claus Dieter Stobäus
A pesquisa investigou a alfabetização de jovens e
adultos deficientes mentais, estabelecida através das
suas relações com a escola, a família e a sociedade, por
meio de vários aspectos, como, por exemplo, de que
forma os alunos aprendem e que importância têm a
leitura e a escrita na vida desses sujeitos.
Educação de jovens e adultos: palavras de
mulheres a respeito
do processo de escolarização
Carolina Rodrigues Manzato
Universidade Federal de São Carlos São Carlos/SP
Orientadora: Cláudia Raimundo Reyes
O trabalho de pesquisa analisou a reintegração de
algumas mulheres ao meio escolar, procurando
compreender suas razões e seus objetivos da
volta à escola.
A Educação de Jovens e Adultos e a
formação para a cidadania: a experiência do
programa Alfabetização Solidária
Elivânia Reis de Andrade Melo
Universidade do Estado da Bahia - Salvador/BA
Orientadora: Ronalda Barreto Silva
O estudo apresenta uma reflexão sobre a
AlfaSol e sua contribuição para a formação da cidadania
quanto à construção do senso crítico e à participação
sociopolítica no processo formativo dos alfabetizandos,
uma vez que as transformações no mundo do trabalho
têm alterado o significado do conceito de alfabetização.
A atualidade do pensamento de Paulo Freire
na alfabetização de jovens e adultos
Mônica Borges Monteiro
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
UNIRIO – Rio de Janeiro/RJ
Esse estudo abrange a atualidade da herança intelectual
de Paulo Freire no âmbito de um programa de
alfabetização para jovens e adultos que residem em
espaços populares, considerando a dimensão cultural
nas práticas cotidianas, como tentativa de buscar novas
possibilidades metodológicas para a Educação de Jovens
e Adultos (EJA).
A Etnomatemática em uma sala da EJA:
a experiência do pedreiro
Maria Aparecida Delfino da Silva
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo/SP
Orientador: Ubiratan D Ambrosio
O tema do estudo é a relação entre o mundo cultural
dos conceitos, ideias e experiências das comunidades
populares e o mundo do saber sistematizado desenvolvido
no espaço escolar a partir da ideia de que é possível
integrar o conhecimento popular e o conhecimento
sistematizado para possibilitar a construção do saber
significativo na perspectiva etnomatemática.
Abordagem filosófica da educação de jovens
e adultos (EJA)
Jany Dilourdes do Nascimento
Faculdade de Educação da USP - São Paulo/SP
Orientadora: Maria de Fatima Simões Francisco
O trabalho discute a educação como prática da liberdade
frente a uma sociedade capitalista, problematizando esta
questão por meio da educação de pessoas jovens e
adultas. Discute ideias como a materialização das
consciências, a conformação das estruturas sociais e
propõe a desmistificação do Estado.
Confira a íntegra dos textos no site do
Cereja: www.cereja.org.br
escrevendo juntos
53
Páginas escolhidas
Lançamentos do mercado editorial
Educação e aprendizagem para todos: olhares dos cinco continentes
Coordenação de Timothy Ireland
Brasília: Unesco, Ministério da Educação, 2009. 111 páginas.
Em preparação para a Confintea VI (Conferência Internacional de Educação de Adultos),
foram realizadas conferências regionais nos cinco continentes. Cada conferência
regional elaborou e validou os seus respectivos documentos finais em que se tentou
sintetizar dados básicos sobre sua região, avanços, desafios, assim como estratégias e
recomendações para o futuro próximo em educação ao longo da vida. A publicação
reúne esses cincos documentos e agrega o relatório regional completo da América
Latina e do Caribe.
Faça o download da publicação gratuitamente pelo site do Cereja.
Tornar a educação inclusiva
Organização de Osmar Fávero, Windyz Ferreira, Timothy Ireland, Débora Barreiro
Brasília: Unesco, 2009. 220 páginas. ISBN 978-85-7652-090-0
A coletânea “Tornar a educação inclusiva”, resultado da parceria entre a Unesco e a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), procura
aprofundar a discussão sobre o conceito e as práticas de educação inclusiva,
agregando contribuições de pesquisadores brasileiros às reflexões de especialistas
internacionais nesse campo.
Faça o download da publicação gratuitamente pelo site do Cereja.
Professores do Brasil: impasses e desafios
Coordenação de Bernadete Angelina Gatti, Elba Siqueira de Sá Barretto
Brasília: Unesco, 2009. 293 páginas. ISBN 978-85-7652-108-2
A Unesco concebeu um projeto para o desenvolvimento de amplo estudo sobre a
formação inicial e continuada e a carreira dos professores no Brasil. O intuito deste
estudo foi oferecer às diversas instâncias da administração educacional do país um
exame crítico do quadro vigente, seguido de orientações e recomendações, para servir
de subsídio para uma efetiva valorização dos professores.
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escrevendo juntos
Páginas escolhidas
O desafio da alfabetização global
Um perfil da alfabetização de jovens e adultos na metade da década das Nações
Unidas para a alfabetização 2003-2012
Preparação e edição Mark Richmond, Clinton Robinson e Margarete Sachs-Israel
Brasília - DF: Unesco, 2009. 79 páginas
A publicação destaca que a alfabetização faz parte do pleno potencial individual, do
aprendizado para o crescimento e a mudança, da comunicação entre e dentro das culturas,
e da participação em oportunidades sociais e econômicas. Os autores consideram a
alfabetização como um meio essencial para o aprendizado inicial e ao longo da vida;
parâmetro-chave para o desenvolvimento e um indicador crucial do bem-estar humano.
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Preconceito contra o analfabeto
Ana Maria de Oliveira Galvão, Maria Clara Di Pierro
Editora Cortez, 2007. Coleção Preconceitos – Volume 2
As autoras Maria Clara Di Pierro (USP) e Ana Maria Galvão (UFMG) iniciam o livro
Preconceito contra o analfabeto narrando um episódio: em um momento de formação
de alfabetizadores de jovens e adultos, foi solicitado que as pessoas explicitassem
a primeira ideia que vem à mente quando ouvem a palavra analfabeto. Esse rápido
exercício permite constatar que a palavra ‘analfabeto’ é carregada de significados
negativos, pré-julgamentos e estigmas que permeiam as relações das pessoas com os
que se encontram nessa condição.
Texto, discurso e ensino
Elisa Guimarães
Editora Contexto, 2009. 192 páginas . ISBN 978-85-7244-441-5
São raros os estudos voltados para a análise do funcionamento do texto ligado às linhas
do discurso. Este livro faz o entroncamento entre as propostas da Linguística Textual
e as da Análise do Discurso, de modo a inspirar o professor na tarefa de familiarizar o
aluno com as codificações textuais mais frequentes nas diferentes práticas discursivas.
De maneira clara e didática, a autora analisa textos de jornal, textos literários e tiras de
quadrinhos, de modo a permitir a compreensão do processo organizacional (organização
de pensamento) e do processo internacional (produção de sentido).
Pé de alguma coisa pede outra
A Coleção “Literatura para todos”, criada pelo MEC para preencher uma lacuna na produção de obras
literária para jovens, adultos e idosos recém-alfabetizados, lança em janeiro de 2010, em sua 3ª edição, o
livro Pé de alguma coisa pede outra, da pedagoga e escritora Viviane Veiga Távora. A obra será distribuída
para todas as escolas de Ensino Fundamental das redes públicas de Estados e municípios que oferecem
educação de jovens e adultos, bem como nas turmas do Programa Brasil Alfabetizado.
escrevendo juntos
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Alfarrábios
O livro que marcou
a minha vida
João José da Silva Maroja, desembargador do TRE-Pará
A Cidade do Sol, de Khaled Hosseini
Minha Vida - Charles Chaplin
“O livro mostra os costumes de outros povos, o
tratamento que a mulher recebe em outras partes
do mundo. O cenário
de horror faz com que a
gente pense mais sobre a
importância do papel delas
na nossa vida.”
“Foi a primeira grande empreitada da minha
vida. Tinha 15 anos e demorei cerca de três
meses para ler aquelas
1200 páginas que
marcaram para sempre
a minha história.”
Literatura estrangeira
Editora Nova Fronteira
Autobiografia
José Olympio Editora
Paulo Renato Souza, secretário da Educação do
Estado de São Paulo e ex-ministro da Educação
Sonia Draibe, doutora em Ciências Políticas
Pós-Guerra – História da Europa desde
1945, de Tony Judt
“É um livro que foi importante na minha formação
sobre Brasil, principalmente. Me fez entender um
pedaço do país que eu não entendia pelos livros
acadêmicos normais, porque quem entrava na
casa, entrava na senzala, ele entrou nos hábitos,
ele entrou na ação das pessoas, nas crianças e em
como elas viviam na casa do Senhor, como elas
brincavam com as crianças da senzala. Isso tudo é
uma abordagem antropológica,
que foi muito criticada por ser
racista; aquilo era uma visão
do Brasil vista por dentro. Foi
um livro marcante.”
“O livro conta a
história da Europa no
pós-Segunda Guerra
Mundial e nos faz
entender o mundo em
que vivemos hoje.”
História Geral
Editora Edições 70
Que livro marcou a sua vida?
Escreva para:
[email protected]
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Marcos Frota, ator e artista solidário da AlfaSol
escrevendo juntos
Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre
Ciências Humanas e Sociais
Editora Global
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