Vimeiro (Notícia Explicativa)

Transcrição

Vimeiro (Notícia Explicativa)
NOTÍCIA EXPLICATIVA DA FOLHA 30-A (LOURINHÃ)
G. MANUPPELLA; M. T. ANTUNES; J. PAIS; M. M. RAMALHO; J. REY
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
INSTITUTO GEOLÓGICO E MINEIRO
LISBOA 1999
I - INTRODUÇÃO
TRABALHOS ANTERIORES
Os primeiros levantamentos geológicos, executados na região abrangida pela folha 30-A Lourinhã na escala 1:50 000, são da autoria do conservador Romão de Matos, sob a
orientação de P. CHOFFAT e, mais tarde, de C. FREIRE DE ANDRADE. A primeira Carta
Geológica da Lourinhã, publicada em 1960, realizada por G. ZBYSZEWSKI, J. CAMARATE
FRANÇA, O. VEIGA FERREIRA et al., dispôs de elementos de cartografia geológica,
efectuados por G. OERTEL e H. SEIFFERT para a Companhia de Petróleos de Portugal.
Na revisão da cartografia que agora se apresenta, embora os elementos anteriormente
referidos tenham sido de grande utilidade, não se deixou, contudo, de se fazer a sua
revisão completa. Queremos ainda assinalar que os estudos realizados na década de 80
por F. T. FÜRSICH et al., W. WERNER, GRAHAM HILL e M. P. KLlNGEL vieram esclarecer
séries litostratigráficas que, todavia, não tinham encontrado a sua definição.
A região da Lourinhã, compreendida entre o paralelo de Peniche e o de Torres Vedras,
apresenta significativo interesse geológico, devido em particular às frequentes variações de
fácies que afectam especialmente o Jurássico superior.
Sendo parte integrante da Sub-bacia do Bombarral, é limitada a W pela costa atlântica e a
E pela estrutura da falha de Vila Verde dos Francos.
II- ESTRATIGRAFIA
JURÁSSICO INFERIOR - Hetangiano
J1Da - Margas de Dagorda (Complexo pelítico-carbonatado-evaporítico)
A formação mais antiga cartografada na região da Lourinhã corresponde às Margas de Dagorda
(Complexo pelítico-carbonatado-evaporítico), constituída essencialmente por argilas gipsíferas e
salíferas, profundamente brechificadas, que constituem o "cap rock" das extrusões salíferas de
Bolhos, Lourinhã e Santa Cruz. As cores dominantes são a violácea ou "borra de vinho" e a
esverdeada. Dão lugar a depressões provocadas pela erosão e, por vezes, pelo colapso da
estrutura extrusiva (vales tifónicos). Estas depressões são, em certos casos, ocupadas por
sedimentos mais modernos, corno na estrutura de Bolhos.
Limites
Aflorando em estruturas tectónicas, não se conhecem os seus limites. Na sondagem Campelos o
limite inferior não foi atingido. O limite superior é dado pela deposição dos Dolomitos de Coimbra,
que não afloram na área abrangida pela carta da Lourinhã.
Estratigrafia
A maioria dos autores concorda em datar as Margas de Dagorda do Hetangiano.
J1PI - Dolomitos em plaquetas (sensu Choffat)
Esta unidade clássica do Hetangiano das Bacias Sedimentares Lusitânica e Algarvia localmente
aflora no interior dos vales tifónicos. São, essencialmente, níveis dolomicríticos, de espessura
centimétrica a decimétrica, com lamelibrânquios e gasterópodes euri-halinos, fauna que tem sido
atribuída, com reserva, ao Hetangiano ou Hetangiano-Sinemuriano (ZBYSZEWSKI et al., 1965;
MOUTERDE et al., 1979). A sua espessura não ultrapassa os 20-25 m, mas pode estar limitada aos
7-10 m.
Limites
O limite inferior é representado pela Unidade Margas de Dagorda. O limite superior na região é
dado por contacto tectónico.
Estratigrafia
CHOFFAT (1903-4) datou com reserva do Hetangiano esta unidade. ZBYSZEWSKI et al. (1965),
MOUTERDE et al. (1979) dataram a unidade do Hetangiano-Sinemuriano inferior.
Variações de fácies
As duas unidades que acabámos de descrever constituem, grosso modo, equivalentes temporais
para a zona estudada dos termos B2 e C dos "Grés de Silves" a N do Tejo, sensu PALAIN (1976).
As características litológicas das mesmas, bem como a fauna de meio confinado, indicam
deposição margino"litoral, tal como é há muito conhecida (MOUTERDE et al., 1979, por exemplo),
durante a qual se gera frequentemente dolomite primária, quer por acção microbiana quer por
evaporação.
Jurássico Superior - Kimeridgiano
Camadas de Alcobaça
Durante o Kimeridgiano, assiste-se a marcadas variações de fácies de E para W. Assim, na Serra
de Cesareda as Camadas de Alcobaça são constituídas por duas unidades que, de baixo para
cima, são os Calcários de Moledo e os Calcários, Margas e Grés do Reguengo Pequeno, cujo
ambiente de sedimentação evolui de um ambiente marinho para um ambiente marinho confinado.
Para W da Falha da Lourinhã, as mesmas camadas são também constituídas por duas unidades,
respectivamente, "Grés, Margas, Calcários oolíticos, etc. da Consolação" e pelos "Arenitos e
Margas da Praia da Amoreira-Porto Novo". A sedimentação da Unidade Consolação processa-se
em ambiente marinho (FÜRSICH et al., 1986), com características regressivas, enquanto a Unidade
Praia da Amoreira-Porto Novo sedimenta num contexto continental, de tipo fluvial (G. HILL, 1989).
Os dois sectores serão descritos separadamente.
J3AP - Grés, margas e arenitos da Praia da Amoreira-Porto Novo
Esta unidade, com 140 m de espessura, cartografada pela primeira vez, é constituída por dois
termos, respectivamente e de baixo para cima: Praia da Amoreira e Porto Novo, não cartografáveis
separadamente.
O termo Praia da Amoreira, de acordo com G. HILL (1989), é composto essencialmente por
sedimentos continentais constituídos por arenitos grosseiros cauliníticos e por argilitos com solos
calcários intercalados, formando por vezes apertada alternância em que dominam os argilitos. A
sedimentação do termo Praia da Amoreira ter-se-ia processado em cones aluvionares, nos quais a
riqueza em argilitos (60 %) sugere que a sedimentação se tenha dado em zonas distais.
Sobre o termo Praia da Amoreira, através de uma superfície erosiva, sucede o termo Porto Novo,
constituído por depósitos fluviais sedimentados numa faixa de meandros fluviais. Estes depósitos
são formados essencialmente por conglomerados de nódulos argilosos e carbonatos
pedogenéticos, com espessas intercalações de depósitos areníticos.
Na Unidade Praia da Amoreira-Porto Novo, que sucintamente acabámos de descrever, G. HILL (ap.
cit.) define seis zonas ao longo de toda a série, com base na dominância das diferentes fácies
litológicas. A consulta da publicação acima citada permitirá um melhor conhecimento das
características faciológicas que conduziram à definição daquela unidade.
Limites
O limite inferior, muitas vezes interpretado devido à omnipresente agricultura, é constituído pelas
últimas camadas com fauna salobra, pertencentes ainda à Unidade Consolação, e pelo
aparecimento de sedimentos arenosos de fácies continental.
O contacto entre a Unidade Consolação e a Unidade Porto Novo-Amoreira, onde se vê, é de tipo
erosivo. O limite superior é dado pelo aparecimento da primeira camada com fósseis pertencente à
Unidade Sobral.
Estratigrafia
A Unidade Praia da Amoreira-Porto Novo, que sucintamente descrevemos e definimos, é rica em
vestígios de dinossauros, tendo sido encontrados também ninhos dos seus ovos (I. MATEUS et al.,
1997). Contudo, a abundante fauna de dinossauros não é susceptível de datar a unidade. De
acordo com W. WERNER (1986), foram encontradas formas na parte média da Unidade Praia da
Amoreira-Porto Novo de Cetacella armata Martin. A este ostracodo é atribuído valor estratigráfico
para o Kimeridgiano superior-Titoniano inferior. Salientamos ainda que a Unidade Sobral,
suprajacente à Unidade Praia da Amoreira-Porto Novo, foi datada do Titoniano basal por
LEINFELDER (1986). Admitimos, mesmo que com reserva, uma idade do Kimeridgiano superiorTitoniano para a unidade em causa.
Variações de fácies
Como já dissemos, no interior revela-se muito difícil o estudo da unidade por falta de afloramentos,
portanto aqui falar-se-á exclusivamente de variações de fácies verticais.
Durante o Kimeridgiano superior (G. HILL, 1989), um sistema de cones aluvionares de baixo-relevo
distribuía sedimentos elásticos grosseiros provenientes de blocos de soco basculados da margem
W da Bacia Lusitânica. Depositam-se, assim, em leques distais, sedimentos areníticos e argilitos em
séries positivas cíclicas de 1 a 15 m. Esta sedimentação alternante indica correntes de cheia,
transportando grandes volumes de sedimentos. A sedimentação era rápida e as estruturas
sedimentares são indicadoras que o transporte de tipo turbulento era dominante.
O sistema de leques aluvionares distais passa lateralmente a um sistema de meandros que se
sobrepõe ao primeiro em estrutura "onlap".
Jazidas de vertebrados da Unidade Amoreira-Porto Novo
Devido ao facto de a Unidade Amoreira-Porto Novo ser rica em restos de vertebrados, insere-se a
seguir uma descrição mesmo que sumária das principais ocorrências.
A região da Lourinhã é rica (porventura a mais rica em Portugal, e das mais ricas a nível europeu)
de restos de dinossauros do Jurássico superior, onde ocorrem associados a numerosos restos de
outros vertebrados - peixes, tartarugas, crocodilos e mamíferos. Os dinossauros alcançaram notável
notoriedade. São numerosas as jazidas situadas essencialmente na faixa costeira, desde S.
Bernardino (a norte) a Cambelas, adquirindo os dinossauros apreciável notoriedade, em parte, além
do concelho da Lourinhã, mas sobretudo neste. Por tais razões (não esquecendo o interesse
internacional e o valor patrimonial, sobretudo para a região, que felizmente o tem compreendido),
justifica-se o capítulo aqui inserido, mais pormenorizado do que é habitual em Notícias Explicativas.
Desconhecemos referências significativas por parte de Carlos Ribeiro, Joaquim Filipe Nery Delgado
e Paul Choffat, apesar de haverem apontado "ossadas de sáurios". Há descrições de peças
isoladas na primeira memória acerca de vertebrados mesozóicos de Portugal (SAUVAGE, 18971898, pp. 28-33, publ. em Janeiro de 1898).
Numa primeira etapa, podemos notar que o desenvolvimento do tema foi despoletado, para a região
costeira em causa, por um amador interessado, Hipólito da Costa Cabaço. Este preveniu os
Serviços Geológicos de Portugal (SGP), onde trabalhava Georges Zbyszewski, de achados que
vinha a fazer desde 1942. Em consequência, esta instituição procedeu a pesquisas metódicas em
que participaram diversos elementos dos SGP; cumpre realçar a excelente colaboração de Octávio
da Veiga Ferreira, desde o seu ingresso nos SGP, em 1950.
Os resultados foram altamente positivos, como patenteia a colecção do Museu do Instituto
Geológico e Mineiro (IGM, onde foram integrados os SGP) e o estudo respectivo por Albert Frêre de
Lapparent e G. Zbyszewski. Merece destaque a memória de que são autores, na qual descrevem
espécies do Jurássico superior que consideram novas (LAPPARENT & ZBYSZEWSKI, 1957).
No que concerne à folha 30-A Lourinhã, da Carta Geológica de Portugal, 1: 50 000, na Notícia
Explicativa (FRANÇA, ZBYSZEWSKI & ALMEIDA, 1961, pp. 9-12) são indicadas as seguintes
espécies:
Dinossauros representados no Kimeridgiano-Titoniano inferior (WERNER, 1986) na Unidade Praia
da Amoreira-Porto Novo na área da folha da Lourinhã (loc. cit.)
TAXA
* - espécies descritas por Lapparent & Zbyszewski em 1957
Megalosaurus insignis Deslongchamps & Lennier
* Megalosaurus pombali Lapparent & Zbyszewski
* Apatosaurus alenquerensis Lapparent & Zbyszewski
* Brachiosaurus atalaiensis Lapparent & Zbyszewski
* Astrodon pusillus Lapparent & Zbyszewski
Omosaurus lennieri Nopcsa
Aparentemente, as faunas descritas neste quadro seriam idênticas, o que pode ser passível de
alterações com a revisão da estratigrafia e do material paleontológico, muito enriquecido
ulteriormente.
A segunda etapa corresponde às prospecções promovidas por Walter Kühne. Tiveram êxito
espectacular, sobretudo quanto aos pouco conhecidos mamíferos jurássicos, mas, também, a
dinossauros e outros (KÜHNE, 1961). Em parte, os trabalhos foram efectuados na região da
Lourinhã entre 1961 e 1968, donde (em Porto das Barcas e Porto Dinheiro) provêm restos de:
répteis Squamata (cf. SEIFFERT, 1973); dinossauros ornitisquianos, de que se conhece material
dentário - Trimucrodon cuneatus (gen. e sp. novos, descritos por THULBORN em 1973), e
Hypsilophodon sp. (THULBORN, 1973); pterossauros (KÜHNE, 1961, p. 221); além de mamíferos
(KÜHNE, ibid.).
A terceira etapa está relacionada com prospecções e colheitas essencialmente relacionadas com o
Grupo de Espeleologia e Arqueologia da Lourinhã (GEAL), que congregou importante espólio no
museu daquela localidade. A primeira colheita de vulto foi a de parte importante da coluna de um
grande saurópode, descoberto em 1983 e escavado entre 1987 e 1992; foi efectuada por Horácio
Mateus e outros do GEAL, com colaborações diversas, integralmente com financiamento de
entidades da Lourinhã, incluindo a Câmara Municipal. Este exemplar, muito publicitado, tem sido
tema de algumas notas de numerosos autores (relacionados com as universidades de Lisboa e
respectivo Museu de História Natural, Madrid, Salamanca e Buenos Aires), e ainda sobre gastrólitos
(DANTAS, FREITAS, AZEVEDO, CARVALHO, SANTOS, D., ORTEGA, SANTOS, V., SANZ, SILVA
& CACHÃO, 1998), e finalmente acerca da atribuição a Apatosaurus alenquerensis, espécie que
consideram pertencer a um género supostamente novo, Lourinhasaurus (DANTAS, SANZ, SILVA,
ORTEGA, SANTOS & CACHÃO, 1998).
Colheitas do GEAL abrangem importante conjunto de espécimes de dinossauros de diversos
grupos. Inclui representantes de Saurischia (Sauropodomorpha e Theropoda) e de Ornithischia, cujo
estudo está realizado apenas em parte.
Correspondendo a solicitação de Horácio e Isabel Mateus e à participação de P. Dantas, M. Telles
Antunes passou a acompanhar os trabalhos paleontológicos do GEAL. Ulteriormente, na sequência
de intervenção, nesse sentido, de M. Telles Antunes, tem-se verificado a melhor colaboração de
Philippe Taquet (Muséum national d'Histoire naturelle e Académie des Sciences, Paris; Academia
das Ciências de Lisboa). Prosseguiu, também, a colaboração com José Bonaparte (Buenos Aires).
O resultado mais notório de prospecções efectuadas por Horácio e Isabel Mateus consistiu na
descoberta, em 1993, de espectacular ninho(s) de ovos em Pai Mogo (Lourinhã). No gênero, é a
mais rica ocorrência europeia do Jurássico superior. Após escavações (1993 a 1996), foram
exumados blocos com mais de uma centena de ovos. Uns, raros, em posição diferente nos
sedimentos, vieram a ser reconhecidos como de crocodilianos. A grande maioria, em nítida
associação, é de dinossauros terópodes, o que, em si, é novidade. A atribuição foi facilitada por
alguns ovos conterem restos de esqueleto embrionário. O achado foi tema relevante do Colóquio
Paleoambientes do Jurássico superior em Portugal/ Geologia, Vegetação, Dinossauros, Mamíferos,
patrocinado pela Academia das Ciências de Lisboa e coordenado por M. Telles Antunes, que
decorreu, em 23 de Abril de 1998. As comunicações apresentadas traduzem, também, a
participação do Centro de Estudos Geológicos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e do
Instituto Geológico e Mineiro. Abrangem dinossauros, incluindo o terópode Lourinhanosaurus
antunesi, n. gen. n. p., posturas e ovos, cuja morfologia e estrutura são descritas; o mamífero
multituberculado, Paulchoffatiídeo, Kuehneodon hahni novo sp.; e elementos acerca do
enquadramento geológico e paleoambiental, com realce para dados de paleobotânica e palinologia.
Foram recolhidas num volume (tomo XXXVII) das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa,
publicado em Dezembro de 1998.
Entre outras, têm vindo a ser feitas novas descobertas de dinossauros de vários grupos. O
património do GEAL I Museu da Lourinhã tem enriquecido de modo espectacular.
Há muito que esperar de estudos em curso, tanto de Paleontologia como acerca dos conhecimentos
estratigráfico e paleoambiental, pelo que não parece possível, no estado actual, apresentar aqui
mais do que uma compilação preliminar de dados, não uma verdadeira síntese.
Por último, há outro aspecto fundamental que convém sublinhar: a protecção da área em causa e
do seu património paleontológico, que tanto interessam à autarquia como aos habitantes, e cuja
importância transcende as fronteiras. Esperemos que seja adequadamente garantida.
J3V - Calcários do Vimeiro
Os Calcários do Vimeiro constituem extenso afloramento entre Casais do Amaro, a S, e Casais dos
Matos, a N. Sedimentado sobre um alto fundo (provável anticlinal salífero), é constituído por
calcários, por vezes fortemente bioclásticos (algas calcárias), em geral com oncólitos e com grande
abundância de macrorrestos.
Este tipo de sedimentação é observável na parte média-baixa do corte (F. P. TEIXEIRA SILVA,
1989), enquanto para o topo, este conjunto evolui para calcários mais compactos e mais pobres em
fauna. Sempre de acordo com F. P. T. SILVA (1989), podemos dizer que a sedimentação desta
unidade, com uma espessura da ordem dos 160 m, sedimenta num ambiente francamente marinho,
de pouca profundidade e de fraca energia, mesmo que bem iluminado e oxigenado. Salienta-se
ainda que, da base para o topo, foram notadas oscilações nas características do ambiente marinho
(mais marinho - menos marinho).
Limites
Os limites visíveis no terreno são somente os superiores.
A E da Falha da Lourinhã, o limite superior é dado pela sobreposição de membros da Unidade
Sobral por contacto tectónico entre o Vimeiro e Casais do Amaro.
Para W da Falha da Lourinhã, o limite é dado pela sobreposição da Unidade Amoreira-Porto Novo,
que neste caso deve estar interdigitada com a Unidade Vimeiro.
O interior do afloramento é ocupado pela extrusão das Margas de Dagorda (argilocinese) e,
portanto, com contactos tectónicos.
Estratigrafia
O estudo micrográfico do corte realizado sob orientação de M. M.Ramalho permite concluir que,
com base na presença de Alveosepta jaccardi Schrodt, Campbelliella striata (Carozzi),
Everticyclammina virguliana Koechlin, os Calcários do Vimeiro podem ser datados do Kimeridgiano
superior.
Variações de fácies
Pela tipologia litológica e pelo seu conteúdo microfaunístico, a série descrita deve ser considerada
uma variação de fácies das Camadas de Abadia, onde a Unidade Vimeiro está interdigitada, como
mostra o perfil sismoestratigráfico.
J3BO - Grés, margas, argilas e conglomerados de Bombarral
(Grés Superiores)
Aflora a NW da Falha da Lourinhã, a S do Forte do Pai Mogo até Atalaia de Baixo,
constituindo um afloramento com pequena espessura.
Adquire maior espessura a SE da Lourinhã, onde forma importante afloramento a S da linha
Miragaia, Vimeiro-Santa Cruz.
É constituída por sequências siliclásticas continentais siltosas, areníticas e conglomeráticas,
com arenitos argilosos e argilas com composição ilítico-montmorilonítica, por vezes com
concreções calcárias.
A cor é dominantemente vermelha, mas os tons verdes, cinzentos e amarelos são
frequentes. Na base, apresenta na região de Santa Cruz uma intercalação marinho-salobra,
como foi assinalado por FÜRSICH (1981).
A espessura da unidade oscila entre as dezenas de metros, na Cabeça Gorda, e as
centenas de metros, na região de A dos Cunhados. Sendo uma unidade sedimentada em
meio fluviolacustre, contém abundantes restos de plantas incarbonizadas e restos de
dinossauros (LAPPARENT & ZSYSZEWSKI, 1957).
Limites
O limite inferior é dado pela sobreposição à Unidade Sobral e as suas variações de fácies
de camadas conglomerático-arenítico-argilosas de fácies continental e pertencente à
Unidade Bombarral.
O limite superior é constituído por conglomerados e arenitos argilosos já datados do
Cretácico.
Estratigrafia
Os autores LEINFELDER (1986), WILSON (1979-1988) e PENA DOS REIS et al. (1996)
concordam em datar do Titoniano esta formação, mesmo admitindo alguma diacronicidade
na base.
Variações de fácies
Um reconhecimento efectuado por sondagens no sinclinal de A dos Francos, para
avaliação de eventuais depósitos argilosos na Unidade Bombarral, constatou variações
laterais de fácies bastante acentuadas, ao ponto de inviabilizar correlações entre as mais
de 80 sondagens realizadas. É lógico que, num ambiente com deposição, erosão e
redeposição, dependente exclusivamente de fenómenos meteóricos, seria extremamente
difícil adiantar qualquer hipótese sem estudos biostratigráficos, até agora nunca realizados,
que forneçam uma base segura de trabalho.
Plistocénico
Q - Terraços e cascalheiras
Ao longo da Ribeira de Alcabrichel e de alguns dos seus afluentes existem depósitos de terraços
representados por areias e cascalheiras. Estão particularmente desenvolvidos às cotas de 20 e de
30 m. Sobretudo ao longo da Ribeira do Casal da Lage ocorrem pequenos retalhos a cotas de 50 m.
Próximo do litoral, imediatamente a sul da Praia de Santa Rita, existem depósitos de praias
quaternárias. São constituídos, essencialmente, por areias com seixos rolados.
Nas arribas litorais, entre Ponta da Vigia e Ponta da Guincheira, BREUIL & ZBYSZEWSKI (1945)
descreveram a seguinte sucessão:
4 - Areias de dunas;
3 - Areias cinzento-escuras com indústrias do Paleolítico superior;
2 - Areia castanha com indústrias mustierenses;
1 - Areias e seixos da praia tirreniana, com indústrias do Abbevilense e do Acheulense.
Holocénico
a, ad, A - Aluviões (a), areias de dunas (ad) e areias de praia (A)
A - Areias de praia
As areias de praia estão presentes em quase todo o litoral abrangido pela carta. São aprisionadas
pelos pequenos promontórios rochosos, formados por rochas do Jurássico e Cretácico. Estes,
funcionando como esporões naturais, levam à acumulação das areias transportadas pela deriva
litoral e à formação de praias.
As praias são em geral estreitas, desenvolvendo-se na base das falésias. As excepções são as
praias da Areia Branca, Santa Rita e Santa Cruz, que, devido à morfologia da costa, apresentam
maior largura.
As oscilações entre os principais regimes de ondulação que afectam a nossa costa, com
orientações de NW é SW, e a consequente alteração na deriva litoral de sedimento levam a grandes
variações na morfologia, dimensão e distribuição das praias.
ad, d - Areia de dunas (ad) e dunas (d)
A morfologia e distribuição das dunas existentes na carta mostram que a componente de transporte
eólico de NW é a mais importante na evolução dos sistemas dunares. Os sistemas tendem a ser
transgressivos, verificando-se que a areia penetra para o interior, chegando a atingir cotas próximas
dos 70 m, na zona de Santa Cruz.
As dunas são mais comuns a sul de Porto Dinheiro, sendo que, a norte desta localidade, apenas se
encontram na Areia Branca.
Distinguem-se dois tipos de sistemas dunares no litoral abrangido pela presente carta:
- Rampas eólicas
- Dunas de cobertura
Rampas eólicas
Nesta classe, inserem-se as Dunas da Areia Branca e de Santa Rita. Ambos os sistemas dunares
estão instalados em vales largos, que formam reentrâncias na linha de costa, proporcionando a
formação de praias largas. A conjugação de ventos fortes, praias largas e uma topografia em forma
de rampa, originada pelo entalhe fluvial, levam a que as areias, impulsionadas pelo vento, migrem
para o interior (Fig. 2).
Em Santa Rita, as areias penetram mais para o interior que na Areia Branca, devido ao declive mais
suave da rampa, dando origem a um campo dunar extenso. Em oposição, na Areia Branca, as
areias não penetram muito para o interior, devido ao declive acentuado da margem do vale, mas
formam dunas espessas, sendo mesmo possível distinguir a sobreposição de três pulsações
dunares distintas. Nestes casos existe continuidade entre a praia, a duna frontal e as dunas
transgressivas, verificando-se que continua a ocorrer alimentação ao sistema dunar.
Dunas de cobertura
Nesta classe, inserem-se as dunas que se encontram no topo das falésias e os sistemas dunares
que se desenvolvem para o interior, mas que actualmente não têm alimentação sedimentar. O limite
norte da representação das dunas de cobertura situa-se a cerca de 1 km a sul de Porto Dinheiro.
Estes sistemas, que se localizam com maior expressão desde a Areia Branca até Santa Rita,
correspondem a antigos sistemas eólicos do tipo rampa. Alterações no balanço sedimentar de areia
no litoral terão levado a uma diminuição de sedimento e ao desaparecimento das rampas, estando
hoje estes sistemas isolados da sua fonte de alimentação por falésias activas. A morfologia dunar
nas zonas mais interiores nem sempre é bem visível, devido à utilização dos campos arenosos para
cultivo.
A erosão costeira, responsável pelo recuo das falésias, e as acções antrópicas são os principais
factores destabilizadores destes sistemas dunares que se encontravam fossilizados por vegetação.
A utilização de veículos todo-o-terreno nas dunas situadas no topo da falésia, a zona mais exposta
aos ventos, e o abandono do cultivo dos terrenos arenosos levaram à formação de blowouts, por
vezes de grandes dimensões (Fig. 3). Esta é a origem das actuais dunas activas que se
desenvolvem entre Vagem do Porto e o aeródromo da Areia Branca.
Fig. 2 - Praia de Santa Rita: Visão global do sistema, notando-se a continuidade entre a duna
frontal e as dunas transgressivas.
Fig. 3 - Dunas de cobertura a sul de Santa Rita. Estas dunas encontram-se activas como resultado
da destabilização recente de dunas mais antigas, fossilizadas pela vegetação.
a - Aluviões
Ao longo das principais linhas de água existem aluviões. Estão particularmente desenvolvidas nas
Ribeiras de Alcabrichel e de Lourinhã onde podem atingir cerca de 21 m de espessura. São
constituídas por Iodos siltosos, às vezes com conchas de moluscos. Na base, existem cascalheiras.
Areias de dunas distribuem-se, sobretudo, desde a região de Santa Cruz até a sul da Praia de
Santa Rita. Nalguns locais, estas areias misturam-se com depósitos de praias quaternárias.
As areias de praias actuais existem ao longo do litoral. Estão bem desenvolvidas nas Praias de
Santa Cruz, Santa Rita, a norte de Porto Novo e Lage Fria.
IV - TECTÓNICA
Do ponto de vista tectónico, distinguem-se nesta folha as seguintes estruturas:
- um conjunto de falhas com direcção NNE-SSW, em que a Falha da Lourinhã é a mais
representativa;
- um alinhamento diapírico constituído pelas extrusões salíferas de Bolhos, Vimeiro e de
Santa Cruz, injectadas na Falha da Lourinhã e os anticlinais a elas associados;
- um conjunto de falhas transversais àquelas direcções, aparentemente posteriores.
O primeiro episódio de rifting, associado à abertura do Atlântico, no Triássico superior-Lias
inferior (R. C. L. WilSON, 1987), foi responsável pelas falhas de direcção NNE-SSW que,
nesta altura, seriam falhas normais de crescimento (RIBEIRO et al., 1990), criando uma
estrutura de blocos basculados para W. O sal, acumulado na base destes blocos, é extruído
pelo menos parcialmente nos finais do Dogger ao longo daquelas falhas (CANÉROT et al.,
1995).
No Oxfordiano-Kimeridgiano processa-se o segundo episódio de rifting que dá origem a um
fosso limitado pelas falhas da Lourinhã, a W, e de Candeeiros a E, fortemente subsidente
(R. C. L. WilSON, 1988), tendo, estas falhas, igualmente uma movimentação normal e
sinsedimentar e dando-se a oceanização da bacia.
Como se pode ver pelo perfil sismostratigráfico, a Falha da Lourinhã enraiza no soco e tem,
provavelmente, uma geometria lístrica, sendo uma estrutura que condiciona fortemente a
sedimentação durante todo o Malm nesta região. Ela delimita duas zonas
paleogeograficamente bem distintas: a W daquela falha as fácies marinhas dominam inicialmente, passando a série a apresentar fácies nitidamente regressivas e, posteriormente,
totalmente continentais; a E daquela falha dominam as fácies marinhas profundas, pelo
menos durante o Oxfordiano-Kimeridgiano.
Os movimentos halocinéticos nesta região, activos até ao final do Dogger, foram os
responsáveis pela formação dos três anticlinais salíferos, injectados ao longo da Falha da
Lourinhã, abortando a extrusão por falta de sal.
Os acidentes transversais à direcção média das falhas geradas nas fases de rifting do
Atlântico (NNE-SSW) terão sido gerados pela tectónica salífera e, no caso das falhas de
direcção N 120, pelo fenómeno de inversão tectónica que se verifica na orogénese Alpina.
A compressão Alpina, de direcção NNW-SSE, sendo oblíqua à direcção média das falhas
(NNE-SSW), provocou um rejogo nestas falhas, imprimindo-lhes um movimento desligante
esquerdo (RIBEIRO et al., 1990). Aquela obliquidade terá contribuído também para a
génese dos vários acidentes transversais, associados às falhas principais.
V - RECURSOS GEOLÓGICOS
Os recursos geológicos, na região abrangida pela Carta Geológica da Lourinhã, encontram-se
limitados a rochas industriais carbonatadas, argilosas e evaporíticas, estando os carbonatos
utilizáveis cantonados à Serra de Cesareda, as argilas do Jurássico superior e Cretácico e os
evaporitos às estruturas parcialmente extrusas de Bolhos e Vimeiro, onde aflora a unidade com
evaporitos das "Margas de Dagorda". Para além das rochas industriais há que mencionar os
recursos em águas minero-medicinais do Vimeiro.
CALCÁRIOS
São extraídos a S da Pena Seca numa única pedreira instalada nos Calcários de Montejunto, onde
são produzidas britas de diversos calibres. A matéria-prima utilizada é formada por calcários em
camadas espessas (2-3 m), perirrecifais (calcário oolítico, pelóidico, intraclástico e bioclástico com
oncólitos), utilizados na construção civil e rodoviária.
ARGILAS
As argilas são exploradas a N da Serra de EI-Rei para construção pesada. Situam-se na parte
terminal da Unidade Consolação que, de acordo com WERNER (1986), apresenta tendência
marcadamente regressiva, carregando-se de argilas e arenitos intercalados.
Outra área susceptível de fornecer matéria-prima do tipo em epígrafe em grande quantidade é
representada pelo canto SE da carta (Região A dos Cunhados), onde são explorados recursos
argilosos de óptima qualidade para construção pesada, pertencentes à Unidade Bombarral. Tratase de argilas caulino-montmoriloníticas de fácies continental (fluviolacustres).
Considerações especiais merecem os depósitos cretácicos, situados a SE de A dos Cunhados,
formados essencialmente por unidades continentais ricas em arenitos e conglomerados caulinosos,
susceptíveis de fornecerem caulinos lavados e areias calibradas. Até hoje, não existem estudos que
forneçam as características reológicas daquelas argilas e sua rendibilidade comercial, tendo sido
consumidas pelas fábricas de construção pesada para melhorar as suas pastas cerâmicas.
GESSO E SAL-GEMA
É bastante provável a existência de gesso e sal-gema nas "Margas de Dagorda" parcialmente
extrusas nas estruturas de Vimeiro, Bolhos e Santa Cruz.
Até hoje nunca foram objecto de exploração, mesmo que na estrutura do Vimeiro o gesso aflore.
ÁGUAS MINERAIS
De acordo com J. CAMARATE FRANÇA et al. (1961), no Vale da Ribeira de Alcabrichel, junto do
bordo SE do Vale Tifónico do Vimeiro, são exploradas duas nascentes de águas minerais: Rainha
Santa Isabel e Fonte dos Frades. A sua captação foi realizada em 1955, fornecendo caudais de 150
000 I/h na Fonte da Rainha Santa Isabel, com uma ternperatura à saída de 25,4°, pH de 6,96, e
resíduo seco de 864 mg/I. A Fonte dos Frades, após captação, forneceu um caudal de 10 000 I/h
com uma ternperatura à saída de 25,8°, pH de 6,84, e resíduo seco de 3307 mg/I. De acordo com L.
ACCIAIUOLl (1952-53), as águas do Vimeiro incluem-se no grupo das cloretado-bicarbonatadas.
O seu valor medicinal reside na microcomposição em que aparecem componentes vestigiais de
Bromo, Iodo, Zinco, Cobre e Arsénio.

Documentos relacionados