A garantia da razoável duração do processo no direito internacional

Transcrição

A garantia da razoável duração do processo no direito internacional
A garantia da razoável duração do processo no âmbito internacional
Por Fábio Martins de Andrade
Introdução
Em 8 de dezembro de 2004, foi promulgada parte da nova Reforma do Poder
Judiciário, por meio da Emenda Constitucional nº. 45, publicada no Diário Oficial da União
em 31 de dezembro de 2004. A sua tramitação no Congresso Nacional demorou treze anos
e ainda não está concluída.
Esta emenda constitucional trouxe profundas modificações no texto da Constituição
de 1988. O presente estudo se dirige especialmente à inclusão do inciso LXXVIII1 ao artigo
5º da Constituição, que cuida ‘Dos Direitos e Garantias Individuais’, explicitando a garantia
da razoável duração do processo, que já tinha previsão implícita no direito constitucional
brasileiro anterior, tanto por decorrência lógica de outras garantias já asseguradas em
diversas normas constitucionais, como também por conseqüência de tratado internacional
em vigor no país.
À luz do § 1º do art. 5º da Constituição da República,2 a regra introduzida por meio
do inciso LXXVIII tem aplicação imediata no ordenamento jurídico nacional.
Previsão implícita anterior à EC nº. 45/2004
Antes mesmo do advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004, esta garantia já
estava contemplada implicitamente em outros direitos e garantias assegurados
constitucionalmente, como por exemplo: o direito de petição previsto no art. 5º, inciso
XXXIV, alínea a, a garantia de inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, inciso
1
Que estabelece o seguinte: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
2
O qual dispõe que: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
XXXV),3 o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV)4 e os princípios da legalidade e
eficiência os quais devem ser observados pelo Poder Público (art. 37, caput).5 6
A garantia da razoável duração do processo no direito internacional
No âmbito internacional, esta previsão já consta nas Constituições de diversos
países, como da Itália,7 da Espanha,8 de Portugal,9 dos Estados Unidos da América do
Norte,10 do México,11 da Colômbia,12 da Venezuela,13 da Argentina14 etc.
3
No mesmo sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues [et.al.]. Breves comentários à nova sistemática processual
civil: emenda constitucional n. 45/2004 (reforma do judiciário); Lei 10.444/2002; Lei 10.358/2001 e lei
10.352/2001. 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 26; SPALDING, Alessandra Mendes. Direito
fundamental à tutela jurisdicional tempestiva à luz do inciso LXXVIII do art. 5º da CF inserido pela EC n.
45/2004. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim ...[et al] (Coord.). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios
críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 31.
4
No mesmo sentido: TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a
Justiça. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 31.
5
Com a redação dada pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº. 19, de 05.05.1998.
6
No mesmo sentido: DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário: Art. 5º, LXXVIII, da CF. In:
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim ...[et al] (Coord.). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre
a EC n. 45/2004. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 355-356.
7
A Constituição da República Italiana, de 27.12.1947, prevê no art. 111, entre outras normas, que: “La legge
ne assicura la ragionevole durata”. Esta norma foi introduzida pela Lei Constitucional de 23.11.1999.
8
O item 2 do art. 24 da Constituição da Espanha dispõe que: “Asimismo, todos tienen derecho al juez
ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación
formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los
medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra si mismos, a no confesarse culpables y a la
presunción de inocencia”.
9
A Constituição de Portugal trata do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva no art. 20º. Nos itens 4 e 5
dispõe que: “4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo
razoável e mediante processo eqüitativo; 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter
tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
10
A 6ª Emenda à Constituição norteamericana estabelece que: “In all criminal prosecutions, the accused shall
enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial jury of the state (…)”.
11
A Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, de 05.02.1917, estabelece no art. 17 que: “Toda
persona tiene derecho a que se lé administre justicia por tribunales que estarán expeditos para impartirla en los
plazos y términos que fijen las leyes, emitiendo sus resoluciones de manera pronta, completa e imparcial”.
12
O art. 86 prevê que: “Toda persona tendrá acción de tutela para reclamar ante los jueces, en todo momento
y lugar, mediante un procedimiento preferente y sumario, por sí misma o por quien actúe a su nombre, la
protección inmediata de sus derechos constitucionales fundamentales, cuando quiera que éstos resulten
vulnerados o amenazados por la acción o la omisión de cualquier autoridad pública (…)”.
13
O art. 26 da Constituição dispõe que: “Toda persona tiene derecho de acceso a los órganos de
administración de justicia para hacer valer sus derechos e intereses, incluso los colectivos o difusos, a la tutela
efectiva de los mismos y a obtener con prontitud la decisión correspondiente”.
14
O art. 43 da Constitución de la Nación Argentina prescreve que: “Toda persona puede interponer acción
expedita y rápida de amparo, siempre que no exista otro medio judicial más idóneo, contra todo acto u
omisión de autoridades públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o
amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos y garantías reconocidos por esta Constitución, un
tratado o una ley”.
2
Além disso, foi estabelecida por variados documentos internacionais, tais como:
a) “a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas, especifica, em sua seção 3, art. VIII, que ‘todos homem tem direito a
receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os
direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”;15
b) na Convenção Européia pela Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, de 1950, consta que: “Toda pessoa tem direito a ter sua causa
examinada de modo justo, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal
independente e imparcial estabelecido pela lei, que decidirá com relação a contestações
sobre seus direitos e obrigações de caráter civil ou sobre a legitimidade de qualquer
acusação em matéria penal dirigida contra ela” (art. 6º, inciso I);
c) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica, de 1969 - art. 8º, item 1): “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”;
d) na Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, “Toda a pessoa
tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo
razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei” (art.
47);
e) no próprio projeto da Constituição Européia, reafirmou-se de forma idêntica tal
determinação (art. II-107).16
15
ROCHA, Zélio Maia da. A Reforma do Judiciário: Uma avaliação jurídica e política. São Paulo, Saraiva,
2005, pp. 21-22.
16
Cf. TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. São
Paulo, Saraiva, 2005, p. 32.
3
Prova da efetividade da garantia da razoável duração do processo no âmbito
internacional é demonstrada pelo fato de que o seu descumprimento tem levado a
condenações de Estados Nacionais em julgamentos realizados no âmbito de cortes
internacionais, especialmente no Tribunal Europeu de Direitos Humanos.17
Dentre a enumeração exemplificativa dos documentos internacionais citados,
especial relevo merece a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José
da Costa Rica, de 22.11.1969), pelo fato de que o Brasil o aderiu em 26.05.1992, o ratificou
em 25.09.1992 e o promulgou por intermédio do Decreto nº. 678, de 09.11.1992.
O § 2º do art. 5º da Constituição da República estabelece que: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”.
Em busca de critérios capazes de definir a razoável duração do processo, a
jurisprudência da Corte Européia dos Direitos do Homem vem firmando o seguinte
entendimento: “O posicionamento jurisprudencial da Corte Européia dos Direitos do
Homem fixa três critérios para verificar a razoável duração do processo: (i) complexidade
17
A título exemplificativo, cita-se que: “A celeridade na obtenção das decisões judiciais, aliás, tem sido uma
constante também na Europa. A esse respeito, vale registrar a decisão do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (caso Pammel), em 1997, condenando a Alemanha pela excessiva duração dos processos” (cf.
TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88: (Des)estruturando a Justiça. São Paulo,
Saraiva, 2005, p. 32). No mesmo sentido: “o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por exemplo, já
condenou a Espanha [indenização por danos materiais e/ou morais quando demonstrados] em ação movida
pela empresa espanhola Sanders S.A. em razão de o Judiciário daquele país ter demorado mais de sete anos
para proferir uma sentença final em determinado processo” (ROCHA, Zélio Maia da. A Reforma do
Judiciário: Uma avaliação jurídica e política. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 22; DELGADO, José Augusto.
Reforma do Poder Judiciário: Art. 5º, LXXVIII, da CF. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim ...[et al]
(Coord.). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo : Editora
Revista dos Tribunais, 2005, p. 371). Além destas, confira-se ainda: “Em trabalho sobre o Acesso à Justiça,
exposto pelo Juiz de Direito de Lisboa, João Ramos de Souza, são relatados vários casos apresentados ao
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em que o Estado português foi condenado a pagar indenização pela
demora na prestação jurisdicional” (VARGAS, Jorge de Oliveira. A garantia fundamental contra a demora
no julgamento do processo. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim ...[et al] (Coord.). Reforma do Judiciário:
Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 344).
4
do assunto; (ii) comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da
defesa no processo penal; (iii) da atuação do órgão jurisdicional”.18
Conclusão
Do ponto de vista teórico, a inclusão do inciso LXXVIII ao art. 5º não significou
propriamente uma novidade, vez que a garantia da razoável duração do processo já vinha
sendo entendida pela doutrina nacional como implícita a outros direitos e garantias
assegurados no texto originário e/ou reformado da Constituição da República.
No âmbito internacional, várias Constituições e diversos documentos firmados no
último cinqüentenário já previam explicitamente tal garantia, inclusive o Pacto de San José
da Costa Rica, vigente no ordenamento jurídico nacional.
Do ponto de vista prático, no entanto, esta inclusão no texto constitucional pode
significar uma efetiva intenção de melhorar a qualidade da solução de conflitos
estabelecidos entre diferentes pessoas na lide, seja administrativa, seja judicial.
Para que esta intenção seja concretizada na realidade judiciária nacional, impõe-se a
conscientização dos magistrados de sua elevada função e da necessidade de entregar a
prestação jurisdicional de maneira tempestiva e eficaz, inclusive em obediência ao inciso
LXXVIII do art. 5º da Constituição da República.
18
Cf. NOTARIANO JUNIOR, Antonio de Pádua. Garantia da razoável duração do processo. In:
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim ...[et al] (Coord.). Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre
a EC n. 45/2004. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 60. Apud CRUZ E TUCCI, José
Rogério. Tempo e Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 68.
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