choques e ajustamentos - Faculdade de Economia da Universidade

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choques e ajustamentos - Faculdade de Economia da Universidade
VULNERABILIDADE, CHOQUES E AJUSTAMENTOS
NUMA PEQUENA ECONOMIA ABERTA
Abel M. Mateus
Banco de Portugal
Universidade Nova de Lisboa
Não basta que a economia esteja a crescer a ritmo elevado, pois podem verificar-se
choques sobre essa economia que levam a uma queda súbita do nível de rendimento.
Trabalhos recentes sobre a medição do impacto da incerteza macroeconómica sobre o
bem-estar revelam elevados valores para a aversão às alterações do consumo das
famílias. Daí que seja fundamental na concepção da política macroeconómica e nas
políticas de desenvolvimento reduzir a vulnerabilidade das economias.
Este trabalho pretende reunir um conjunto de reflexões sobre a redução da
vulnerabilidade para uma pequena economia aberta. Primeiramente estuda-se a forma
como reagir aos choques macroeconómicos internos e externos de forma a isolar a
economia dos impactos negativos sobre PIB ou inflação. Seguidamente estuda-se o
desenho da política monetária óptima, em termos de regra monetária, para minimizar o
impacto dos choques sobre as flutuações do PIB. Finalmente, estudam-se alguns
mecanismos parciais da parte monetária e financeira, bem como da economia real, para
tentar mitigar os riscos macroeconómicos.
1. Introdução
Perante a incerteza que nos rodeia, todas as economias estão sujeitas a choques. É
evidente que algumas economias são mais vulneráveis que outras. Teoricamente uma
economia que tem uma estrutura produtiva mais diversificada terá menos vulnerabilidade
a choques sobre os preços relativos internacionais do que uma pequena economia com
elevada especialização.
O objectivo deste trabalho é estudar alguns problemas que os choques sobre a
economia apresentam dum ponto de vista de política económica, dentro da vasta
literatura sobre a matéria. A primeira parte estuda a vulnerabilidade do regime
macroeconómico, a forma de reagir aos diferentes choques sobre a economia, e o
processo de ajustamento automático e discricionário a um choque. Depois na secção 2
estudar a caracterização da vulnerabilidade de uma economia, as secções 3 e 4 estudam a
questão do regime macroeconómico apropriado, a primeira no contexto do modelo de
Mundell-Fleming, e a segunda, dentro dum modelo de uma economia com fundamentos
microeconómicos, em que o objectivo das famílias é a maximização do seu bem-estar, e
em que surgem problemas de credibilidade das políticas. A principal conclusão é que não
existe um regime macroeconómico que isole a economia de todos os tipos de choques,
pelo que é necessário uma actuação discricionária cum regras, solidamente baseada numa
política económica credível. A secção 5 estuda o problema do ajustamento para um caso
concreto que é um choque externo persistente.
A segunda parte estuda alguns mecanismos de mitigação do risco do sector
financeiro e do sector real. Numa economia tipo Arrow-Debreu os mercados permitiriam
que os agentes privados partilhassem o risco de uma forma óptima. Contudo, sabemos
que devido à existência de moral hazard e adverse selection muitos destes mercados não
existem. Outra importante limitação é a incapacidade de executar os contratos. Este
problema é crucial, por exemplo, no endividamento externo, o que levanta o expectro de
cortes súbitos no acesso ao crédito externo e as crises que lhe estão associadas. Vamos,
pois estudar na secção 6 o caso específico dos choques sobre a balança de pagamentos e a
forma de como procurar amortecê-los. Mas não basta pensar no sistema financeiro. É
fundamental a protecção social das populações, e em particular em países
subdesenvolvidos os «safety nets» para as populações mais pobres.
Mas nos países subdesenvolvidos muitos das instituições que permitem aos
agentes dos países desenvolvidos protegerem-se contra os riscos não existem, pelo que ou
se procede à socialização do risco, ou as populações ficam desprotegidas – o que no caso
dos estratos mais vulneráveis coloca um importante desafio aos governos e organizações
internacionais.1 Na secção 7 estudaremos algumas formas institucionais de amortecer
choques sobre o rendimento das populações que podem resultar, por exemplo, de uma
catástrofe natural.
Tomando o caso de um automóvel como um sistema dinâmico, que está seguindo
a sua trajectória previamente programada, um choque representa um impulso causado por
um objecto estranho que provoca um desvio da sua trajectória. Quais as reacções que o
condutor deve ter para manter o automóvel dentro da estrada? Mas à semelhança de um
veículo espacial, ou de um avião, este pode estar a ser comandado pela acção
discricionária de um piloto humano ou pela reacção automática de um engenho de piloto
automático. Esta analogia é interessante porque levanta a questão do servomecanismo
que se deve utilizar como corrector do choque. Caberá ao técnico que está a conceber o
sistema determinar qual o algoritmo de cálculo que o computador de bordo deve utilizar
para uma queda súbita de altitude devido a uma depressão atmosférica.
Contudo, perante seres humanos racionais, não faz sentido implementar
mecanismos ‘cegos’, ou seja, ‘contra a natureza’, pois os agentes económicos tentam
extrair toda a informação disponível e fazer extrapolações para o futuro, para guiarem as
suas decisões. Daí que no contexto das expectativas racionais surjam questões como a
credibilidade e reputação das autoridades da política económica. Uma regra de política
deve ser coerente intertemporalmente, ou seja, deve ser imune a tentações das autoridades
que pode ter incentivos em alterá-la para proveito temporário, mas que põe em causa a
percepção das suas acções no longo prazo.
I. Vulnerabilidade, choques e regimes de política macroeconómica
O que é um choque? É uma alteração significativa numa variável exógena da economia,
que provoca alterações significativas nas variáveis endógenas. Não estamos a considerar
possíveis alterações da própria estrutura do modelo subjacente ou do regime
macroeconómico. Por vezes em terminologia económica utilizam-se também como
termos sinónimos: impulso, inovação, ou impacto. Na teoria das séries cronológicas
1
Veja-se a recente preocupação com as componentes de alívio da pobreza nos programas de ajustamento
estrutural ou de estabilização do Banco Mundial e FMI.
costuma distinguir-se entre impulsos (ou choques), que são alterações das variáveis
exógenas ou de parâmetros, e funções de reacção que dão a propagação desses impulsos
ao sistema económico.
Uma primeira distinção importante é entre choques externos e choques internos. Os
primeiros são impulsos sobre variáveis do Exterior, como a subida acentuada dum preço
internacional de uma commodity, a descida súbita e significativa da taxa de juro
internacional, ou a queda do PIB num país cliente. Choques internos são impulsos sobre
variáveis exógenas nacionais. Estas podem resultar de um choque numa variável de
política como por exemplo um período de elevados défices orçamentais levados a cabo
por um governo populista, ou de uma seca ou catástrofe natural.
Outra distinção importante é entre choques permanentes e choques temporários. Os
primeiros são choques que levam a alterações sustentadas das variáveis endógenas. Os
segundos são choques que levam a alterações passageiras sobre essas variáveis,
provocando geralmente ‘efeitos em corcunda’ (humped shaped), ou seja o efeito de um
choque vai subido de intensidade até um dado desfasamento temporal (por exemplo, lag
de 2 a 4 trimestres na política monetária) e depois vai morrendo gradualmente até
desaparecer por completo passado um certo tempo (por exemplo, em política monetária,
passados 2 a 3 anos). A verificação da hipótese de neutralidade em determinadas teorias
impõe mesmo teoricamente o desaparecimento daquele efeito.
Uma importante lei dos efeitos dos choques sejam temporários ou permanentes sobre
uma economia é a da neutralidade da moeda no longo prazo. Por exemplo, na teoria
monetária é hoje largamente reconhecida a lei da neutralidade da moeda no longo prazo2,
o que significa que qualquer alteração de uma variável de política monetária seja a oferta
de moeda, uma taxa de juro nominal ou a taxa de câmbio nominal, não têm qualquer
efeito nas variáveis reais da economia. Apenas altera os níveis ou taxas de variação
nominais. Por exemplo, uma subida da taxa de crescimento da oferta monetária provoca
um aumento da taxa de inflação no longo prazo, de uma forma permanente. Uma
desvalorização da moeda provoca uma alteração temporária dos preços dos bens
transaccionáveis em relação aos não transaccionáveis mas no longo prazo os preços
relativos retornam ao ponto inicial. Se a oferta de moeda se mantiver constante em
termos nominais a subida do nível de preços pode levar a uma redução permanente da
quantidade real de moeda, o que já teria impacto nas variáveis reais.
Devemos salientar, que no caso de Cabo Verde, sujeito a secas permanentes por causa da
influência do Sahel, não podemos dizer que esteja sujeito a choques nessa variável. O
problema já se tornou estrutural.
Choques nominais e choques reais. Os primeiros correspondem a choques sobre preços,
taxas de juro nominais, agregados monetários. Os segundos são alterações súbitas sobre
razões de troca, taxas de juro reais, níveis de produção.
2
Veja-se, por exemplo, Walsh (1999), pp
Outra distinção importante é entre choques da oferta e choques da procura. Na teoria
macro mais recente tem assumido importância a decomposição dos choques entre oferta e
procura como forma de identificar as principais fontes de perturbação. Assim, a nova
teoria dos ciclos económicos reais atribui uma grande importância aos impulsos
provocados pelas alterações tecnológicas que provocariam efeitos permanentes sobre o
PIB, gerando não só a tendência como o ciclo, seja através da função de produção seja
através da substituição intertemporal dos consumidores. As investigações mais recentes3
utilizando seja modelos simulação seja modelos tipo VAR confluem para uma visão mais
ecléctica em que são importantes ambos s tipos de choques. A instabilidade macro tanto
resulta de alterações tecnológicas como de alterações da política orçamental ou
monetária, ou de alterações nos parâmetros de base dos consumidores ou investidores
(expectativas).
2. Grau de vulnerabilidade de uma economia
A medida do grau de vulnerabilidade de uma economia de Shiller-Campbell (Shiller
(1993), cap. 3 e 4) baseia-se na variabilidade do valor actualizado do rendimento
nacional, que está ligada com o desvio padrão dos rendimentos sobre um título perpétuo
sobre o fluxo de rendimentos. O quadro seguinte reporta algumas medidas dos
rendimentos e valores sobre títulos no PIB per capita:
País
EUA
Alemanha
Japão
Reino Unido
Portugal
Kénia
Nigéria
Marrocos
África do Sul
Desvio
padrão (%)
1,62
4,39
8,38
1,14
7,00
4,40
10,74
3,01
8,68
PIB
esperado
(biliões
USD, 1990)
81.044
15.638
29.934
13.616
1.115
355
1.179
855
2.272
R quadrado
0,49
0,43
0,36
0,05
0,24
0,00
0,08
0,04
0,08
Beta
0,59
1,44
2,67
0,13
1,81
-0,02
1,54
0,30
1,29
Fonte: Shiller (1993), pp. 64-65
A segunda coluna mostra o desvio padrão dos rendimentos no mercados potenciais para
um título sobre o PIB. Entre os países com mais baixa volatilidade encontram-se os EUA
e o Reino Unido. Os países com mais elevada volatilidade são a Nigéria, África do Sul e
Portugal, para além do Japão. A terceira coluna é o PIB real esperado em 1990, em
biliões de USD, obtido dividindo o PIB pelo rácio teórico dividendo/preço para aquele
ano, que é geralmente superior ao PIB real das Contas Nacionais. A quarta coluna mede a
regressão do rendimento do país no rendimento mundial (obtido pela média ponderada
3
Ver Cooley
dos valores nacionais em que os pesos são os rendimentos esperados de cada país).
Notemos que o desvio padrão do rendimento real mundial é apenas de1,9%, o que
permite dizer que uma grande parte do risco de cada país poderia ser diversificado através
de uma carteira internacional. Um valor do R quadrado baixo significa que existeum
elevado risco ideosincrático. Os valores do Beta na última coluna dão o mpacto de cada
país no rendimento mundial.
A vulnerabilidade externa de uma economia depende necessariamente da
estabilidade dos fluxos de exportações e de serviços, bem como dos fluxos financeiros e
de capitais de um país. Quanto maior for o déficit da balança corrente mais o país está
vulnerável a choques externos. Um país que esteja muito dependente da ajuda externa e
das remessas de emigrantes, como é o caso de Cabo Verde, tem um grau de
vulnerabilidade elevado. A diversificação do risco dos seus fluxos de rendimento exige o
desenvolvimento de actividades produtivas domésticas, como por exemplo o turismo e
alguma indústria.
Se estes são factores de vulnerabilidade de longo prazo, os indicadores de
vulnerabilidade no curto prazo também são fundamentais. Por exemplo, uma estrutura de
elevado endividamento líquido externo de curto prazo está sujeita às «mudanças de
sentimento de confiança» dos credores externos que pode ser fatal numa crise financeira,
como os recentes casos da crrise da Tequilla e asiáticas demonstraram.
É, pois fundamental que a política macroeconómica tome em consideração estes
aspectos para desenhar uma estratégia de estabilidade e desenvolvimento do país.
É percepção corrente numa economia como a de Cabo Verde que existe um
elevado grau de vulnerabilidade. O que é que significa este conceito? É evidente que
deve estar ligado à incerteza quanto às flutuações do nível de bem-estar (consumo) de
uma economia.
Por grau de vulnerabilidade entendemos, pois, o desvio padrão ou qualquer grau de
variância do consumo de uma dada economia. Segundo a teoria tradicional de aversão ao
risco também é de supor que uma economia com menor nível de rendimento per capita
terá necessariamente uma maior aversão às flutuações económicas. Tem simplesmente
menos capacidade de suportar as flutuações económicas.
A vulnerabilidade pode resultar de choques sobre a oferta, procura e pode resultar de
choques externos e internos.
Uma pequena economia aberta, com elevado grau de abertura, geralmente tem também
um grau elevado de especialização sectorial na sua estrutura produtiva.
A solução não é diversificar, pois isso acarretaria uma perda do nível de produtividade
Mas sim manter um elevado grau de integração com o Exterior. Como é que o Exterior
pode reduzir as flutuações? Fluxos de crédito oficial ou privado, transferências unilaterais
oficiais, transferências familiares, esquemas de alisamento da dívida.
Tomemos o caso de Cabo Verde. Diz-se que é uma economia vulnerável porque: (i) o
peso do comércio externo – variável com elevado desvio padrão - sobre o PIB é elevado,
(ii) as principais fontes de receitas de divisas do país são variáveis também sujeitas a
choques externos – remessas de emigrantes, ajuda externa e receitas de turismo, (iii) a
actividade agrícola está muito dependente das chuvas que têm um elevado grau de
incerteza associado.
3. Regimes de política macroeconómica no modelo Mundell-Fleming
Poderá uma economia isolar-se de um choque através do regime macroeconómico? Esta é
uma questão de grande relevância empírica.
A literatura tradicional estudou esta questão no contexto da escolha do regime cambial:
regime de câmbios fixos e flexíveis dentro do modelo de Mundell-Fleming. Vamos
primeiro estudar o caso de uma baixa mobilidade de capital, hipótese que ainda é
relevante para muitas economias subdesenvolvidas com controle da balança capitais.
Neste caso, um choque da despesa interna (como o de um choque fiscal ou orçamental)
seria totalmente amortecido no caso de um regime de taxas de câmbio fixas sem
esterilização. A explicação é simples. Por exemplo, uma expansão da despesa pública
desloca a curva IS para a direita, o que eleva a taxa de juro de equilíbrio doméstica e o
nível de rendimento. O déficit da balança corrente sobe, e caso as autoridades monetárias
não esterilizem o impacto sobre o stock de moeda a redução da oferta de moeda leva a
curva LM a deslocar-se para a esquerda. Este processo mantém-se enquanto o déficit da
balança persistir e até que o nível de rendimento regressa ao seu ponto original. Os
efeitos expansionários do aumento da despesa pública seriam cancelados através do
crowding-out com a despesa privada, que é reduzida pelo aumento da taxa de juro
doméstica. O que é que acontece quando aumenta o grau de mobilidade do capital? Em
resposta ao aumento da taxa de juro doméstica dá-se um influxo de capitais, pelo que o
excedente desta balança pode compensar parte do déficit da balança corrente.
Suponhamos agora um choque positivo na procura de moeda, que desloque a
curva LM para a esquerda, faz subir a taxa de juro e reduzir a produção. Estes
movimentos levam a uma melhoria na balança de pagamentos. Com o regime de câmbios
fixos a redução no déficit externo corrente ou o eventual excedente aumenta a oferta de
moeda, pelo que se as autoridades monetárias não esterilizarem, teremos uma atenuação
da redução do PIB. Em ambos os casos, um sistema de câmbios flexíveis levaria a um
movimento na taxa de câmbio (depreciação no primeiro e apreciação no segundo) que
agravariam os efeitos sobre o PIB. Em ambos os casos, o regime de câmbios fixos sem
esterilização é o melhor estabilizador, e quanto maior for o grau de mobilidade do capital
mais potente é a estabilização se não houver esterilização.
Contudo, no caso de um choque provocado por um preço interno (ou salário) já o
regime de câmbios fixos não leva a uma estabilização automática. A IS desloca-se para a
esquerda deprimindo o nível do PIB. A LM também se desloca para a esquerda devido ao
impacto da subida de preços nos activos monetários reais. A perda de competitividade da
economia leva ao déficit da balança corrente. Com taxas de câmbio fixas e sem
esterilização o stock de moeda reduz-se levando a mais uma quebra do nível do PIB por
efeito da LM se deslocar novamente para a esquerda. Neste caso seria preferível a
esterilização por parte das autoridades monetárias. Contudo, o regime mais estabilizador
seria o de câmbios flexíveis.
No caso de um choque provocado por um aumento dos preços externos (de bens
substituíveis com a produção interna) dá-se um aumento da procura doméstica e a
balança corrente gera um excedente. Com o regime de câmbios flexíveis este efeito seria
estabilizado através de uma apreciação da moeda, o que não acontece com os câmbios
fixos. No caso de estarmos num regime de câmbios fixos é melhor esterilizar o impacto
sobre o PIB.
Suponhamos agora uma subida da taxa de juro internacional. Com taxas de
câmbio fixas é preferível realinhar as taxas de juro domésticas com as externas para
evitar a saída de capitais. Tal efeito consegue-se através de uma redução da oferta
monetária, o que provoca uma quebra do nível de procura. Caso a balança corrente entre
em excedente, ou o déficit se reduza substancialmente, haverá que esterilizar este efeito.
Vejamos agora o caso de um choque provocado por uma subida nas remessas de
emigrantes, IDE ou na ajuda externa. O maior influxo de capitais traduz-se num aumento
da oferta de moeda, pelo que num regime de câmbios fixos é essencial a esterilização.
Caso contrário dar-se-ia um aumento do nível de actividade interna e uma queda da taxa
de juro doméstica, o que originaria um aumento do déficit da balança corrente e saída de
capitais. Quanto maior for a mobilidade de capitais mais o efeito esterelizador da saída de
capitais se faria sentir. Com um regime de câmbios flexíveis qualquer daqueles choques
provocaria uma apreciação da moeda e consequente redução do nível de actividade.
Finalmente, um choque sob a forma de uma redução na procura externa levaria a
uma redução da produção e um déficit na balança corrente. Neste caso, se o país segue
um regime de câmbios fixos deve proceder a uma esterilização para não agravar o
impacto sobre o nível de actividade. Contudo, o efeito mais estabilizador proveria de uma
desvalorização num regime de câmbios flexíveis.
Em resumo, uma conclusão geral da teoria económica, que parece ser uma
verdadeira lei é a seguinte: Não é possível desenhar esquemas gerais de reacção aos
diferentes choques.
Até agora considerámos apenas modelos com preços flexíveis. Contudo, os
modelos mais relevantes do ponto de vista prático, para o estudo do curto prazo, são os
modelos com rigidez de preços e salários. Ora um resultado fundamental do modelo de
Mundell-Fleming com taxas de câmbio flexíveis, neste caso, é que os choques puramente
monetários podem ter efeitos reais com processos de ajustamento demorados e gravosos
para as economias. Desta forma, o sistema de câmbios fixos é preferível quando os
choques dominantes são sobre a procura de moeda. No fundo, os choques sobre a procura
têm efeitos simétricos dos choques sobre a oferta de moeda. E o regime de taxas de
câmbio fixas torna a oferta de moeda endógena, pelo que passa a acomodar os choques
sobre a procura.
Contudo, quando os choques são da economia real, uma política que mantenha a
oferta de moeda constante domina uma política de taxa de câmbio fixa. De facto, uma
quebra na taxa de câmbio real de equilíbrio de longo prazo pode ser conseguida por um
ajustamento da taxa de câmbio nominal, evitando um ajustamento prolongado e penoso
do nível interno de preços. Em termos gerais, a política óptima consiste em variar a oferta
de moeda em relação ao nível de oferta de equilíbrio de longo prazo em função do desvio
da taxa de câmbio em relação à taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo. Só quando o
rácio da variância dos choques reais em relação aos choques monetários tende para zero é
que o regime óptimo é o da taxa de câmbio fixa. No caso inverso a taxa de câmbio deve
ser ajustada (Marston (1985) e Branson e Henderson (1985)).
É pois válida, a seguinte regra: o regime de taxas de câmbio fixas é o mais apropriado
no caso da economia estar sujeita predominantemente a choques monetários. No
caso de choques reais persistentes a economia deve ajustar-se através de alterações
da taxa de câmbio.4
Notemos ainda que as políticas de não esterilização são semelhantes à existência de
um currency board.
Poderíamos formular uma conjectura que reflecte a teoria geral da dualidade na teoria
económica: Quando um regime macroeconómico é o mais apropriado para um
choque nominal geralmente é o menos apropriado para um choque real, e viceversa. Ou seja, quando um regime macroeconómico maximiza o bem-estar
intertemporal quando a economia está sujeita a choques exógenos do tipo nominal, é
geralmente o regime dual que maximiza o bem-estar no caso de choques exógenos
do tipo real.
4. A Nova Teoria da Macoeconomia Aberta
Um dos problemas básicos com estes modelos é que não se baseia em
fundamentos micro e não tem subjacente um mecanismo de optimização intertemporal
em que se possa medir a utilidade dos consumidores5. Para o resolver, Obstfeld e Rogoff
(1996) lançaram o repto da chamada nova macroeconomia aberta intertemporal. De entre
as já várias dezenas de estudos nesta área vamos escolher alguns que nos parecem mais
relevantes.
Um dos primeiros modelos desta geração (Obstfelf e Rogoff(1996)) estuda o
impacto dos choques sobre um modelo com base microeconómica.
No caso de um choque positivo permanente e não antecipado --- recordemo-nos
da importância da teoria das expectativas racionais --- da oferta de moeda, num modelo
com rigidez de preços, e que tem todos estes aspectos em consideração, haveria um
aumento do nível de bem-estar, por causa de um aumento coordenado da produção de
todos os agentes no sector de bens não transaccionáveis que tem concorrência
monopolística. Isto acontece no curto prazo, enquanto que no longo prazo a neutralidade
da moeda voltaria a prevalecer, levando a uma desvalorização e subida dos preços
internos equiproporcionalmente.
No caso de um choque permanente positivo sobre a produtividade a moeda tem
que se apreciar, a produção do país sobe e as taxas de juro reais de curto prazo sobem.
4
Se não souber qual o nível da nova taxa deve deixar esta flutuar.
A experiência recente da Argentina mostra a superioridade da teoria intertemporal em relação à teoria
estática tipo clássico-keynesiano. Como consequência da recente desvalorização do real brasileiro seria de
esperar que a balança corrente da Argentina, para o qual o Brasil é o principal cliente, entrasse em défice
por perda de competitividade. Mas o contrário aconteceu, o excedente alargou-se por causa da subida da
taxa de poupança, subida dos spreads das taxas de juro, e uma séria recessão.
5
Para alizar o consumo no tempo, a conta corrente entra em déficit --- se não houver
restrições de liquidez externa e com perfeita mobilidade de capitais ---.
Um choque positivo e persistente dos gastos do Governo provocariam neste
modelo uma subida da produção doméstica e uma deterioração permanente da taxa de
câmbio real (ou razões de troca). Os efeitos são diferentes se for gasto em investimento
produtivo --- por exemplo, em capital humano ou infraestruturas que façam subir a
produtividade do capital privado --- e gasto em bens públicos de consumo que são
complementares dos bens privados. No caso do investimento produtivo o efeito de
procura seria complementado por um efeito de oferta que cancelaria parte ou a totalidade
do impacto sobre a taxa de câmbio real. No caso de os bens públicos serem substituíveis
dos bens de consumo privados haveria um impacto negativo sobre o nível de bem-estar
devido à pressão sobre os recursos.
De qualquer forma, no curto prazo, haveria pressão para uma depreciação da
moeda nacional, queda do consumo privado doméstico e para uma queda da taxa de juro
real de curto prazo.
Obstfeld e Rogoff (2000) estudam a optimalidade de diferentes regimes
monetários dentro de um modelo estocástico com salários nominais rígidos. Trata-se de
um modelo de 2 países, com bens comercializáveis e não comercializáveis, e com moeda
na função utilidade. Os trabalhadores fixam os salários nominais do período seguinte (na
sua moeda nacional) antecipadamente à produção e ao consumo. A seguir fornecem todo
o trabalho que as empresas procuram à luz dos choques realizados. Os preços de todos os
bens são completamente flexíveis. A proposição fundamental que os autores demonstram
é que a política monetária óptima é aquela que corresponde a uma afectação de recursos
com salários flexíveis.
Neste caso a política monetária global óptima seria pró-cíclica em relação a
choques de produtividade. No caso de uma política de taxas de câmbio fixas óptima a
política monetária global é usada para amortecer os choques globais, mas a oferta
monetária de cada país assegura que as taxas de câmbio se mantém fixas. Embora esta
política seja superior a um regime de monetarismo global, à la McKinnon, em que a taxa
de câmbio média ponderada das duas moedas se mantém constante, como nos modelos
anteriores, é inferior a um regime de câmbios óptimos flutuantes.
Na teoria das zonas monetárias óptimas defende-se que dois países que não
constituem uma zona óptima devem manter um regime de taxas de câmbios flexíveis. De
facto, havendo uma perturbação macroeconómica, o ajustamento pode ser feito seja
através dos preços internos ou através de movimentos da taxa de câmbio nominal. Ora,
perante a rigidez dos preços, aquele ajustamento pode requerer um penoso ajustamento
do PIB e do emprego, pelo que é desejável manter a flexibilidade da taxa de câmbio
nominal. É ainda este um dos principais argumentos utilizados por muitos economistas
americanos contra a União Monetária da Europa. Existiria assim um conflito entre a
flexibilidade da taxa de câmbio e a volatilidade do PIB real. Mas a possibilidade de
«desalinhamentos» graves nas taxas de câmbio reais devido a bolhas especulativas e
outros factores, podem provocar desvios persistentes da taxa de câmbio em relação à taxa
de equilíbrio. Estes desvios levam a sérios problemas na afectação de recursos e a perdas
de bem-estar. Aliás é o próprio Mundell (1961) que reconhece que os pequenos países
podem não retirar benefícios de uma taxa de câmbio flexível. De facto, evidência
carreada por Engel (1999) mostra que no curto prazo os preços dos bens comercializáveis
não respodem a movimentos da taxa de câmbio, pelo que o efeito «expenditure
switching» de uma depreciação da taxa de câmbio e que favorece a produção nacional,
pode não se dar. Assim, este efeito importante que contribui para a estabilização do
produto perante um choque negativo, pode afinal não estar presente.
Devereux (1999) constroi um modelo calibrado da nova macroeconomia, próximo
do de Obstefeld e Rogoff (1995), em que se verifica a hipótese de segmentação de
mercados, isto é, em que as empresas fixam os preços na moeda do mercado do
consumidor, e os desvios persistem devido a incertezas sobre a taxa de câmbio. Perante
choques monetários externos, um regime de câmbios fixos isola melhor o impacto sobre
o PIB e consumo do que um regime de câmbios flexíveis. Assim, a política monetária
interna tem pouca capacidade de influenciar o PIB nacional em câmbios flexíveis. Da
mesma forma, o autor demonstra que a volatilidade do PIB perante choques externos
provocados por variações na política orçamental é independente do regime cambial.
Gali e Monacelli (2000) também constroem um modelo da nova macroeconomia
com preços rígidos à la Calvo, em que se especifica um mercado de capitais internacional
com paridade de taxas de juro não coberta. Neste modelo, o nível de produção da
pequena economia é função das taxas de juro e inflação correntes e antecipadas, tanto no
país como no exterior. A taxa de inflação é determinada pela Nova Curva de Philips em
que esta é função das taxas de inflação esperadas e dos custos marginais. Finalmente, este
é crescente com o consumo doméstico e externo, razões de troca e tecnologia. Como a
presença da rigidez nominal é a única origem de suboptimalidade, a política monetária
óptima deve neutralizar aquele efeito para reproduzir uma afectação com preços flexíveis,
o que implica a estabilidade de preços.
Neste modelo, a política monetária óptima de uma pequena economia é escolher a
taxa de juro em função da taxa de juro internacional e da evolução da produtividade
doméstica. Com um modelo calibrado, os autores estudam a política óptima em resposta
a choques tecnológicos. O resultado interessante é que a política óptima é a de manter um
regime de taxa de câmbio fixas, que mantém os preços estáveis. A regra de Taylor, hoje
bastante popular, e em que a taxa de juro deve reagir não só à inflação como à variação
da produção, gera uma volatilidade excessiva das variáveis nominais e demasiado restrita
das variáveis reais. E quanto mais aberta for a pequena economia maior é a desajibilidade
da fixidez da taxa de câmbio.
Finalmente, utilizando teoria dos jogos, Atkenson e Kehoe (2000) provam que um
regime macroeconómico baseado em taxas de câmbio fixas é mais fácil de monitorar que
um regime baseado em agregados monetários.
Embora a literatura aqui citada aponte em alguma superioridade para um pequeno
país do regime de câmbios fixos, devemos abonar em nome da veracidade teórica que
ainda estamos longe de atingir o consenso sobre qual o modelo e a calibragem a utilizar,
quando trabalhamos com modelos de concorrência imperfeita, com rigidez de preços e-ou
salários, num contexto de incerteza.
II Alguns mecanismos de redução do risco: mercados e contratos
6. Mitigação do risco no sector monetário e financeiro
Dois problemas fundamentais na manutenção de um regime de câmbios fixos, que no
limite será um ‘currency board’, são a cobertura da liquidez interna com divisas e a
manutenção de um nível adequado de liquidez sistémica no sistema bancário.
O problema da cobertura tem a ver com o nível de reservas de divisas que a
economia deve ter em relação ao total da base monetária, e em especial qual o montante
de divisas de que a Autoridade cambial e monetária dispõe para manter a estabilidade
cambial, ou seja para fazer face às intervenções no mercado cambial. Num regime de
‘currency board’ este montante está fixo em relação à base monetária ou qualquer outro
agregado monetário, como o M2, pelo que os défices ou excedentes da balança se
repercutem 1 por 1 nas flutuações dos agregados de liquidez nacionais.6
No caso de o Banco Central não dispor de reservas que permitam cobrir toda a
base monetária é conveniente negociar com bancos internacionais empréstimos
contingentes (stand-by loans) que permitam àquele fazer face a uma crise temporária de
divisas. Contudo, existem enormes dificuldades para um país subdesenvolvido, com
baixa capacidade creditícea, fazer uso deste instrumento. Neste respeito, o ‘trust fund’ de
Cabo Verde é um instrumento inovador, que poderá ser utilizado em circunstâncias
excepcionais, bem definidas, como colateral para este efeito. Um instrumento que serve
também não só este propósito como o de manutenção de liquidez no sistema bancário foi
um programa de contingência de liquidez negociado pela Argentina e que veremos de
seguida.
As experiências da América Latina dos últimos 40 anos e da Crise Asiática
demonstram que a estabilidade macroeconómica tem que ser complementada pela
estabilidade e eficiência do sistema financeiro. De facto, a vunerabilidade do sistema
bancário é elevada em regime de câmbios fixos. O problema, é que os bancos podem ser
levados a não cobrir as suas posições em moeda estrangeiro, entrando na arbitragem de
baixa taxas de juro para as suas posições passivas em moeda estrangeira e elevadas taxas
para as suas posições activas em moeda nacional. Desta forma, acreditando na
durabilidade do regime cambial e-ou num bail-out pelo Estado, vão ganhando elevados
lucros no curto prazo, mas comprometendo a sua solvabilidade futura.
Por todas estas razões é fundamental assegurar uma supervisão adequada e
eficiente do sistema bancário. Segundo as normas prudenciais emitidas pelo Comité de
6
Tem-se discutido muito nas Américas a dollarização. De facto, o que as autoridades monetárias dos países
da América Latina afirmam (caso de Pedro Pau da Argentina – veja-se a página da internet deste banco
central) é que o currency board não permite fazer política contra-cíclica, enquanto que o receio do seu
abandono ocasiona largos spreads das taxas de juro em relação ao exterior. A dollarização permitiria
resolver este último problema. A questão é que os EUA não querem ver a sua moeda largamente utilizada
para este efeito por receio de pressões futuras sobre o FED quanto a alterações de taxas de juro. A questão
das receitas de seignorage são menores em relação aos ganhos sobre a redução das taxas dejuro dos países
subdesenvolvidos. Mas ainda permanece uma questão de fundo: não há ponto de retorno na dollarização? É
perfeitamente possível, emboraos custos sejam elevados, como o caso da Eslováquia e da República Checa
o demonstraram recentemente, especialmente para esta última. Assim, é possível que se mantenha um
spread maior do que o simples risco de crédito, reflectindo a possibilidade de des-dollarizar, no caso da
dívida pública argentina já no regime de dollarização.
Supervisão de Basileia (Core principles of supervision), e seguidos por uma série de
bancos centrais, estas regras devem incidir sobre normas prudenciais sobre liquidez,
solvabilidade e requisitos mínimos de capitais, cobertura de riscos de crédito, taxas de
juro e de taxas de câmbio.
O caso da Argentina é um dos mais interessantes, não só porque foi um dos países
mais afectados pelas crises financeiras da última metade de século, como tem seguido na
última década um regime de taxas de câmbio fixas que é próximo de um «currency
board».
A maioria dos bancos argentinos são desde o processo de privatização do início
dos anos 1990 propriedade de grandes bancos internacionais, sobretudo americanos.
Assim, perante a crise de liquidez de um banco põe-se sempre o dilema se deve intervir o
banco central injectando liquidez, o que pode por em causa o currency board, ou deve ser
a casa-mãe a fazer essa injecção. No fundo, está aqui em causa da questão de quem é o
‘lender of last resort’. A Argentina procurou resolver o problema celebrando contratos
com os bancos estrangeiros-casa mãe (actualmente com 13 bancos), a que deu o nome de
‘facilidade contingente de repos’.
Esta facilidade destina-se a assegurar a liquidez sistémica, minimizando o custo
do crédito7. Neste programa o Banco Central tem a opção de executar repos, utilizando
obrigações do Tesouro e títulos hipotecários denominados em dólares, recebendo fundos
em dólares. À data do vencimento o Banco Central recompra os títulos a um preço igual
ao preço de colacação mais um prémio. Estes contratos têm a duração mínima de 2 anos e
máxima de 5 anos – actualmente a sua duração média é de 3 anos -, e todos os 3 meses o
vencimento do programa pode ser renovado por mútuo consentimento para os próximos
três meses nos mesmos termos e condições. Este esquema implica que se o programa
fosse cancelado hoje, a Argentina teria cobertura para um mínimo de dois anos. A opção
de fazer uso da facilidade está em vigor a todo tempo, a menos que a Argentina entre em
‘default’ nas suas obrigações internacionais. O custo médio do programa é uma taxa de
compromisso anual de 32 pontos base o custo implícito no repo é a LIBOR mais 200
pontos base. O ‘haircut’ utilizado nas obrigações é de 25%, e o valor do colateral deve ser
reposto sempre que as cotações baixem mais de 5%.
Em Dezembro de 1997, o programa de contingência de liquidez era de 6,7 biliões
de USD, equivalente a 9 por cento dos depósitos totais do sistema. O programa leva a que
o indicador sistémico de liquidez do sistema financeiro suba para o equivalente a 30 por
cento dos depósitos.
7
Veja-se o Informe al Congresso del BCRA, 1998, disponível no site da internet do Banco Central de la
Republica Argentina.
O gráfico anterior, retirado do BCRA, mostra a taxa de liquidez sistémica em relação ao
total dos depósitos, e as suas componentes constituídas pelas reservas obrigatórias no
Banco Central, liquidez detida no exterior (para efeitos de cobertura cambial dos
balanços dos bancos) e o programa contingente de repos.
Mas os esquemas de redução da vulnerabilidade das economias podem não se
limitar ao sistema financeiro. Encontramos também alguns outros exemplos de esquemas
que podem reduzir a vulnerabilidade da parte real da economia. Um excelente exemplo
destes esquemas foi o programa de redução da vulnerabilidade aos choques sobre as
razões de troca, introduzido pelo México em finais da década de 1980 por Pedro Aspe, o
Ministro das Finanças mexicano. Neste esquema compraram-se opções no mercado de
futuros do petróleo nas bolsas internacionais, pelos quais caso o preço do petróleo caísse
abaixo dos USD18 o barril, o Tesouro mexicano poderia executar as opções e recuperar
aquele preço. De facto, o preço do barril caiu abaixo daquele valor o que permitiu ao
Governo Mexicano repor cerca de meio bilião de dólares na perda de receitas da sua
balança de pagamentos. Esquemas semelhantes são por vezes utilizados, a nível privado,
por grandes importadores de petróleo, que através de contratos futuros conseguem cobrir
o risco de uma subida do preço do petróleo8.
Estes mecanismos não estão facilmente disponíveis no mercado financeiro
internacional, pois os mercados de futuros apenas existem para algumas ‘commodities’.
Além disso, os mercados não são geralmente muito profundos, pelo que o hedging em
elevados montantes sai a custos ruinosos.
Outra forma de fazer ‘hedging’ consiste em estruturar a carteira pública de activos
do país, ou seja, as reservas de divisas do Banco Central, para fazer face a possíveis
choques adversos. Assim, é possível reduzir o impacto dos choques externos em termos
de razões de troca através de uma gestão adequada de reservas: escolha apropriada das
moedas em que o país detém reservas ou contrai dívida externa (veja-se Mateus e
Wijnbergen (1995) para um exercício aplicado à economia portuguesa).
7. Redução do risco real social
As sociedades modernas, e sobretudo depois das contribuições de «inventores
sociais» como Bismarck e Beveridge têm mecanismos de protecção social tais como a
segurança social, que abrange a protecção contra a quebra de rendimento na velhice, na
doença, e no desemprego. Os mercados de seguros privados permitem a protecção contra
fenómenos contingentes, independentes das acções do indivíduo e perfeitamente
observáveis, como os seguros de vida, contra incêndios, terramotos ou catástrofes
naturais, acidentes de automóvel, e outros semelhantes.
Como todos sabemos, um problema básico destes mecanismos, e de qualquer
programa de seguro privado ou social, é o «moral hazard» e a «selecção adversa» que
muitas vezes leva à ruina financeira de certos esquemas – como o seguro das colheitas
8
Evidentemente que este ‘hedging’ pode funcionar para ambos os sentidos. Previsões erradas ou uma
estruturação de contratos mal feita pode ocasionar importantes perdas para a empresa importadora ou
exportadora.
em muitos países da américa Latina – ou a custos orçamentais insuportáveis – como a
falência dos sistema de segurança social nos países desenvolvidos.
Mas apesar da rápida inovação financeira das últimas décadas e do aparecimento
de mercados dos futuros e derivados, a própria sociedade e instituições financeiras ou
sociais se podem organizar para reduzir a vulnerabilidade da economia. R. Shiller (1993)
propõe vários esquemas neste sentido. Um dos esquemas propostos proporcionaria um
seguro contra as flutuações dos preços das casas de habitação, problema que afecta
actualmente muitos dos países europeus e foi causa de crises bancárias que levaram a
várias falências de bancos na New England, Texas e California em finais dos anos 1980.
Nos países subdesenvolvidos, onde os mercados de seguros ainda são reduzidos,
uma grande parte da partilha de risco faz-se através da família, no conceito extensivo, ou
da comunidade local. Porém, existem choques que podem reduzir substancialmente o
rendimento duma comunidade, região, ou mesmo de um país. Daí que seja necessário
estabelecer mecanismos de seguro social a nível nacional.
Devido à limitada capacidade de captação de receitas pelo Estado em países
subdesenvolvidos, limitados pelo próprio nível de subsistência das populações, os
esquemas de segurança social limitam-se em geral ao sector estatal e formal.
Os esquemas mais importantes de protecção social em países subdesenvolvidos
são os «safety nets» contra a pobreza, e em particular, contra a pobreza extrema. As
Instituições Internacionais, e em particular o Banco Mundial, têm desempenhado um
importante papel no desenho destes sistemas.9
Sem entrarmos em grande detalhe sobre estes importantes sistemas de protecção
devemos referir alguns aspectos que resultam da nossa experiência com o desenho de um
programa para o México em finais dos anos 1980, conhecido como PIDER ou Programa
de Solideriedade. Primeiro, é importante estabelecer o mapa dos principais segmentos
populacionais e bolsas de pobreza, dum ponto de vista regional e socio-económico.
Sgundo, deve ser estabelecido um sistema de monitoragem da situação económica, e em
particular alimentar destas populações «early warning system». Terceiro, o sistema é
tanto mais eficaz em termos de benefício-custo quanto for limitado e orientado para as
populações mais carecidas (target system). Quarto, o desenho dos diferentes programas
deve ser adaptado às circunstânias específicas das populações – por exemplo, um
programa de «alimentos para trabalhos públicos» no caso de uma seca só beneficia as
pessoas na idade activa e em condições de trabalhar deixando de for a camadas
importantes da população, como velhos e crianças que podem ser seriamente afectados.
Quinto, normalmente os grupos mais vulneráveis da população a quebras de nutrição são
as crianças até aos 5 anos e as mulheres grávidas. Sexto, os esquemas de ajuda devem ser
associados tanto quanto possível a outros incentivos sociais, como por exemplo,
promover a ida à escola distribuindo alimentos in loco para as crianças. Um outro factor
importante é a descentralização das acções e a participação das populações. Como
finalmente as Instituições Internacionais o compreenderam, estes programas têm que ser
sentidos «como próprios» pelas autoridades nacionais e locais em coordenação com a
sociedade civil e organismos de ajuda externa.
Muitos governos se têm esquivado à implementação destes programas
argumentando que são demasiado caros. A maioria dos estudos que temos feito é que no
caso de os programas serem suficientemente restringidos às populações mais pobres e
9
Veja-se, em particular, o Handbook on Poverty Alleviation, World Bank, 1993.
vulneráveis, os custos são não só suportáveis, como normalmente atraem com facilidade
a ajuda internacional.
A comunidade internacional tem respondido, embora muitas vezes tardia e
ineficientemente, à ajuda a países e populações que estão sujeitas a catátrofes naturais.
Não existe outra forma de mitigar os riscos destes fenómenos, dentro do contexto da falta
de infraestruturas, embora nalguns casos as suas consequências sejam agravadas pela
falta de consciência pelo factor ambiental. O caso recente de Moçambique é um exemplo
importante. Contudo, é necessário reforçar os mecanismos de identificação de situações
de emergência, bem assim como os mecanismos logísticos para que a ajuda chegue
quando é mais precisa e no lugar em que é mais necessária. Também esta ajuda pode ser
utilizada como um incentivo à paz e combate à corrupção no caso em que estes são os
obstáculos fundamentais, como a resposta da comunidade internacional ao conflito na
Guiné-Bissau o demonstrou.
Finalmente, não podemos deixar de fazer referência à inicitaiva HIPIC e à sua
associação a programas de protecção social e alívio de pobreza que deverá ser utilizada
eficientemente para reduzir a vulnerabilidade dos países subdesenvolvidos.
III. Conclusões
Na maioria dos países subdesenvolvidos a principal fonte de choques é interna, ou seja,
deriva da instabilidade social e política, ou de erros de política orçamental ou monetária.
A tentação do Estado gastar o que tem e o que não tem para satisfazer as suas clientelas é
por demais conhecida como fonte de expansão monetária e choques sobre a balança de
pagamentos. A única protecção contra estas vulnerabilidades é o reforço das leis
constitucionais para prevenir o rompimento dos equilíbrios macroeconómicos. Os outros
requisitos são a boa governação e o combate à corrupção pública e privada nestas
sociedades. Finalmente, o respeito pela equidade e o prosseguimento de um espírito
desenvolvimentista pelos governos e elites do país. Nunca é demais acentuar a
necessidade de respeitar o equilíbrio macroeconómico.
Existem muitas vantagens no estabelecimento de um regime de câmbios fixos ou
mesmo de um «currency borad» no caso de uma pequena economia aberta. As vantagens
resultam não só, como acentuámos, da transparência na regra monetária, mas também da
automaticidade que esta regra permite no combate aos choques sobre a economia. Como
vimos, é o regime que melhor permite reduzir a volatilidade do bem-estar dos
consumidores quando a economia está sujeit a choques monetários, e mesmo uma
grandes parte dos choques reais.
Porém, os resultados dos modelos teóricos não são totalmente robustos, pelo que é
necessário utilizar todos restantes instrumentos da política monetária, e inclusivamente
proceder a realinhamentos, quando os choques reais são permanentes e de elevado
impacto sobre a capacidade competitiva da economia. Vimos também que a política
macroeconómica exige um manejo inteligente e prudente dos diferentes instrumentos,
nomeadamente em termos da taxa de juro e da esterilização ou não esterilização dos
efeitos sobre a liquidez.
Mas não basta prosseguir uma política monetária eficiente, que coadjuve uma
política de equilíbrio orçamental. É também essencial assegurar a estabilidade do sistema
financeiro através de uma supervisão apropriada. Esta deve respeitar os Core Principles
de Basileia, não apenas em espírito mas também em termos de implementação. É
necessário fazer respeitar os requisitos prudenciais de liquidez, cobertura de risco
cambial, risco de crédito (não ultrapassar os limites de exposição a um único grupo
económico), e risco de taxa de juro. Esta é uma parte essencial da protecção da economia
aos choques, como a crise da Tequilla ou asiática demonstraram.
Finalmente, sabemos que as soluções de mercado podem não conduzir a uma
situação de equidade justa entre as populações. Daí que seja neessário complementar a
protecção da política macro e do sistema financeiro com a protecção social, porque senão
teríamos «bancos fortes e estabilidade monetária» com «instabilidade social», o que é
uma contradição, pois a instabilidade social acaba por destruir a estabilidade
macroeconómica e fazer subir o risco soberano do país, como o recente caso da Indonésia
o demonstra. Os países subdesenvolvidos não têm capacidade financeira para suportar os
custos de uma protecção social extensiva. Daí que seja necessário sobretudo priorizar a
protecção social aos mais pobres e às camadas mais vulneráveis da população. O
redireccionamento da atenção das Instituições Internacionais de ajuda neste sentido é um
bom começo, mas é necessário que os governos tomem a peito estes programas tornandoos eficazes e amplamente participados.
Banco de Cabo Verde
Encontro de Economistas Nacionais
Cidade da Praia, em Cabo Verde, a 22 de Junho, 2000.
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