ediçom em PDF - Primeira Linha
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Vozeiro de Primeira Linha www.primeiralinha.org Ano IX • Nº 32 • Segunda jeira • Abril, Maio e Junho de 2004 AVANTE GALIZA! mais esquerda, mais independentista Editorial Os dias transcorridos entre 11 e 14 de Março marcárom um ponto de inflexom política no conjunto do Estado espanhol, pondo em evidência de umha parte que as políticas imperialistas e de agressom contra os povos do chamado Terceiro Mundo nom saem grátis. A guerra saiu a cena no coraçom do Estado espanhol, um dos três principais promotores da destruiçom e espólio do Iraque. As perto de 200 vítimas mortais, trabalhadores/as, estudantes e imigrantes, som umha mostra do que está a acontecer quotidianamente nos cenários bélicos activados polo imperialismo ao longo do planeta, tais como o Iraque, o Afeganistám, a Palestina ou a Chechénia, por citar quatro casos gritantes. De outra parte, a mudança do Governo espanhol, caindo o da extrema direita aznarista, representou um alívio e satisfaçom para o conjunto das esquerdas e a maioria social dos povos do Estado. A situaçom de crescente restriçom de direitos e a ofensiva contra os movimentos de libertaçom nacional dos povos submetidos pola Constituiçom espanhola era insustentável. Ao pé desse desabafo colectivo que expulsou o Partido Popular da Moncloa, as Eleiçons de Março mostrárom um certo fortalecimento dos nacionalismos periféricos nas suas versons reformistas e autonomistas, com a eloqüente excepçom do representado polo BNG e os seus sócios burgueses na Catalunha, Convergencia i Unió. Confirmou-se a fraqueza do projecto autonomista e reformista do Bloque, incapaz de manter os seus apoios eleitorais com a fórmula da moderaçom sem fim. Perdendo até um terço dos votos, o BNG confirma dia a dia a degeneraçom do projecto nascido em Riazor, confundindo-se com a social-democracia do PSOE e vendose mesmo ultrapassado nas reivindicaçons nacionais pola delegaçom catalá desse partido. Ante essa concorrência polo centro político e o autonomismo, o PSOE levou a melhor, como era de esperar, acentuando a crise de identidade do BNG. A confluência com as direitas catalá e basca nas Eleiçons europeias só confirmam essa crise. A chegada ao Governo do PSOE abriu também falsas expectativas em sectores da esquerda social e os nacionalismos periféricos, que lhe outorgam qualquer virtualidade para efectivar mudanças de fundo na configuraçom do Estado e na rectificaçom das medidas autoritárias do Governo anterior, nomeadamente as que afectam a direitos fundamentais impunemente atropelados por Aznar e companhia. Alguns gestos para a galeria logo à chegada ao poder ajudárom a visualizar essa miragem reformista. A volta de tropas espanholas do Iraque foi o principal desses gestos, obrigado pola pressom social de tantas mobilizaçons e a certeza de ser esse compromisso um dos principais na mobilizaçom do voto anti-PP. Porém, a outra face da moeda está na manutençom da presença ocupante espanhola no Afeganistám, igualmente ilegítima, ou na própria aposta por umha Consti- Sumário 3 Um cámbio tranquilo e imperceptível Igor Lugris 4 As imprescindíveis adequaçons tácticas do MLNG Perspectivas e orientaçom da nova esquerda independentista Carlos Morais 5-6 A revoluçom de outubro e a questom nacional: Lenine frente a Estaline Michael Löwy 7 Iraque, a ocupaçom fracasssou Carlos Varea 8 13 Junho, Eleiçons ao Parlamento Europeu VOTA NÓS-Unidade Popular Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 EDITORIAL tuiçom europeia como a que se prepara, paradigma antidemocrático e imperialista de umha UE construída de costas viradas aos povos, as classes populares e as mulheres, e sustentada no capitalismo selvagem e o racismo frente à imigraçom. Como exemplo da política gestual, de mera maquilhagem assistencial das políticas neoliberais, há que entender o anúncio de incrementar o Salário Mínimo Interprofissional (SMI) em trinta euros realizado em meados de Maio polo ministro do Trabalho. É um insulto para o conjunto das classes trabalhadoras apresentar o ridículo aumento do SMI, -que passa de 459 a 490 euros a partir do mês de Julho-, como mostra da política social do PSOE. E devém ainda mais ofensivo e obsceno quando o regime investe milionários fundos na organizaçom do casamento do herdeiro da Coroa nomeado por Franco. Enquanto se oferecem as migalhas de mais trinta euros mensais a umha das fracçons mais agredidas do povo trabalhador, a família real espanhola, entre a ostentaçom, o luxo, e o glamour, convida à parasitária realeza de meio mundo, as elites e a oligarquia, a uns fastos em que se dilapidam consideráveis fundos estatais extraídos do suor e o sangue da classe trabalhadora. Nom menos significativa está a ser a manutençom da política relativa ao povo palestiniano. O Estado espanhol tem-se lucrado nos últimos anos com a venda de armamento a Israel no valor de 14 milhons de euros, segundo dados de Amnistia Internacional. O novo Governo presidido por Zapatero nom parece disposto a deixar de vender aos assassinos as armas com que se sabe que irremissivelmente continuarám a massacrar o povo palestiniano. Em lugar disso, durante a ofensiva terrorista do sionismo contra a Faixa de Gaza da segunda quinzena de Maio, o sinistro embaixador israelita no Estado espanhol saía em todas as televisons numha “homenagem” institucional em Madrid aos mortos e mortas do 11-M e armando-se em vítima do dito “terrorismo internacional”, numha evidente operaçom de imagem permitida polo próprio Governo do PSOE. Coincidindo com esse acto mediático, helicópteros israelitas de fabrico ianque disparavam mísseis contra manifestaçons pacíficas em Rafah, fazendo 22 vítimas mortas palestinianas. O Governo espanhol, já com o PSOE à frente, nom mexe um dedo para deter a estratégia genocida de Israel, sucursal do imperialismo ianque no Oriente Médio. Ao contrário, vende armas aos assassinos. Podíamos citar, ainda, a nomeaçom de Pedro Solbes como ministro da Economia, defensor incondicional do neoliberalismo, ou o apoio a Rodrigo Rato como novo presidente do FMI, como exemplos da manutençom dos fundamentos económicos e sociais das políticas anteriores. Porém, é na defesa da “unidade de Espanha” e nas medidas legislativas e executivas de excepçom contra o independentismo (nomeadamente o basco) que o PSOE tem demonstrado já nom passar de representar “o rosto amável de Espanha”. A impugnaçom e ciais. Mais do que ingenuidade ou desconhecimento, semelha tratar-se de coincidência de fundo entre as duas versons da social-democracia actuante na Galiza, a do PSOE e a do BNG, após a chegada ao poder do Estado da primeira delas. A esquerda independentista galega tem já movimento ainda pequeno, a avançar na sua consolidaçom organizativa e social iniciada há três anos com a constituiçom de NÓS-Unidade Popular. A importante capacidade de manobra política demonstrada ante as Eleiçons ao Parlamento europeu, ultrapassando as 15.000 assinaturas exigidas polo Estado espanhol para a concorrência e A militáncia de Primeira Linha, entregada desde o primeiro momento à construçom do novo independentismo, continuará a ocupar a vanguarda no trabalho e o compromisso diá- PP, BNG e PSOE unidos na defesa da Constituiçom e da unidade de Espanha anulaçom da candidatura abertzale às Eleiçons europeias é a melhor mostra. Continua o Apartheid político contra umha percentagem importante da populaçom basca, agora com o PSOE como principal responsável e, como sempre, com a cumplicidade da maior parte do organizaçons políticas institucionais, BNG incluído. Lembremos que esta força deu o seu aval político ao PSOE na sessom de investidura de Zapatero, nom se sabe se por estar à espera de algumha mudança significativa na política de Estado a respeito da nossa naçom. De qualquer maneira, semelhante esperança poderia ser mostra de ingenuidade se nom houvesse já precedentes da atitude do PSOE à frente do Governo espanhol. De resto, o próprio BNG governou e governa coligado com esse partido em diversas instituiçons, como governos municipais ou deputaçons provin- manifestado a sua desconfiança ante o novo Governo do PSOE. É preciso alertar as massas que nos últimos meses se mobilizárom contra o PP para que todos e todas sejamos realistas quanto às perspectivas que abre o Governo de Zapatero. Longe de lhe outorgarmos qualquer aval, devemos continuar a luitar e reclamar os nossos direitos nacionais, de classe e género, evitando umha desmobilizaçom geral ante o desencanto que umha expectativa diferente suporia nesses sectores activamente implicados em luitas de envergadura como a estudantil contra a LOU, a operária contra os recuos nos direitos laborais, a anti-guerra ou a histórica e massiva movimentaçom contra as marés negras. desenvolvendo umha campanha séria dentro das evidentes limitaçons económicas, servirá sem dúvida para a socializaçom do nosso projecto em novos sectores populares. É imprescindível continuarmos nessa linha, ganhando novas incorporaçons que nos permitam atingir novos e ambiciosos O nosso independentismo deve continuar com passo firme, desde a modéstia de um PUBLICIDADE Rua Noreas, 5 LUGO rua jasmins, 13•compostela•galiza•tlfne: 981 577 015 Quiroga Palácios, 42 (rés-do-chao) 15703 Compostela-Galiza • Telefone: 981 563 286 Tel.: 981 566 980 Tel./Fax: 981 571 373 Rúa Nova, 36 • Santiago objectivos como movimento. Nas nossas fileiras nom deve haver lugar para o conformismo. LUGO Santiago - A Coruña ponferrada rio, na defesa da língua, no trabalho nos movimentos sociais e no fortalecimento de um movimento plural e aberto ao Povo Trabalhador Galego, único agente político capaz de liderar a necessária conquista da soberania nacional e todos os direitos sociais para o nosso povo. Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 Igor Lugris 2 ACTUALIDADE 3 Umha mudança tranquila e imperceptível Nas eleiçons ao Parlamento espanhol de 14 de Março passado, o PSOE obtivo melhores resultados do que o PP e, ainda que nom conseguisse maioria absoluta, recuperou o Governo, após oito anos de direita espanholista, contando com o apoio na sessom de investidura de grande parte das “esquerdas” presentes no Parlamento, e mesmo de antigos sócios do PP, caso da Coalición Canaria. Assim, Zapatero, quem por arte da mercadotecnia foi convertido em ZP, conseguiu o apoio nom só do PSOE, mas também de ERC, IU, BNG, Chunta Aragonesista e CC, totalizando 183 votos a favor da sua investidura, 148 contra (os do PP), e as 19 abstençons de CiU, PNB, EA e Nafarroa-Bai. O facto mais destacável dessas eleiçons foi sem dúvida a derrota do PP, que desfrutava até entom dumha muito cómoda maioria absoluta de 183 escanos, e que até quatro dias antes nom pensava em que pudesse realmente perder o controlo do Governo espanhol. A brutal intoxicaçom e manipulaçom informativa que empregou a partir das primeiras horas do dia 11 de Março, após o ataque bombista em diversos comboios em Madrid, tivo o efeito contrário ao desejado, e provocou a imprevista vitória dum PSOE que nem nos seus melhores sonhos pensava poder chegar a colocar a ZP na Moncloa. O PP soubo, foi consciente, desde o primeiro momento, que qualquer relaçom entre o atentado desse dia e a guerra imperialista contra o Iraque teria um efecto negativo para os seus resultados eleitorais, e por isso fijo todo o possível, e mesmo o impossível, utilizando partidistamente a dor, a indignaçom, a comoçom ante a tragédia no seu próprio benefício, querendo capitalizar eleitoralmente os cadáveres e os corpos mutilados. A prática totalidade dos meios de comuniçom seguírom os ditados de Aznar, mantendo a tese única e exclusiva sobre a autoria do atentado que mais convinha ao PP. Mas Aznar e os seus forçárom de mais a maquinaria, em algum momento rangeu muito mais do permissível, e o encerramento de campanha que o PP procurou (um governo arroupado polas massas botadas às ruas contra o terrorismo separatista), converteu-se no seu pesadelo: um governo contra as cordas com as massas nas ruas exigindo explicaçons, responsabilidades e tombando o grande muro da manipulaçom tecido na Moncloa, e com a participaçom de quase toda a classe política e os grandes meios de comunicaçom, públicos e privados. Os actos de adesom ao Regime convocados polo próprio Governo, com a participaçom das mais altas autoridades do Estado espanhol, e secundadas, indiscutivelmente, polas forças políticas do sistema, nom tivérom o efeito desejado. E saltou às ruas aquilo que desde as primeiras horas após o atentado já circulava pola Internet. As dúvidas, as perguntas, as versons dos meios de comunicaçom internacionais, as evidências, as declaraçons de destacados representantes da esquerda abertzale desmentido a autoria da ETA,... O maçador, delirante e obsessivo discurso de defesa da Constituiçom, da unidade espanhola, de medidas excepcionais contra o terrorismo, de recorte das liberdades, de fascistizaçom, em soma, nom só tinha cada vez menos sentido, mas provoca o efeito contrário ao procurado: nom fechava fileiras com o Governo, mas aprofundava a fenda entre este e a rua. A guerra de Iraque foi, finalmente, a questom decisiva nas eleiçons, pois os milhares de pessoas que no dia 13 saírom às ruas à tarde e durante parte da noite, para se manifestarem contra o Governo e em frente às sedes do PP, entendêrom perfeitamente que essa era a causa principal, o motivo, dos acontecimentos do dia 11. E a reacçom desesperada do PP, que nom conseguia entender que fora o que nom funcionara, que fora o que falhara naquele maquiavélico plano, fijo com que muita mais gente, muitos milhares de pessoas, que teriam votado no PP ao dia seguinte, mudassem o seu sentido do voto ou, quem nom tinha acudido a votar, fosse, ou quem teria apostado noutras forças políticas, apoiasse o PSOE como mal menor contra a fracçom mais direitista do espanholismo. No que atinge à Galiza, o BNG, junto ao PP, foi o grande perdedor, um terço dos apoios eleitorais, 100.000 votos, e um deputado menos. A sua orientaçom para a completa e A nova cara do capitalismo espanhol Dous estilos, um mesmo projecto total integraçom no sistema, aparecendo como qualquer outra das opçons possíveis, sem se distanciar mais do devido para poder ser aceite no selecto clube das organizaçons políticas “democráticas”, e mesmo constitucionalistas, provoca que, em situaçons como as que se vivêrom nesses dias, umha parte das pessoas que depositavam nele os seus votos, apostem polo original (quer dizer, o PSOE), e nom pola tentativa de cópia, a cores, e com matizes, que o social-democrata e federalista BNG ensaia com Quintana à cabeça. A esquerda independentista, o conjunto do MLNG, sabe que nom pode ter a mais mínima confiança no governo de Zapatero, o novo rosto da imagem amável e suavizada do espanholismo. A ausência de maioria absoluta, a substituiçom da fracçom fascista da oligarquia pola liberal, a reactivaçom social vivida e que ainda se mantém parcialmente, a confiança nas mobilizaçons populares, devem ser avaliadas positivamente. Mas quem vai governar é o partido da reforma laboral, da reconversom industrial, da entrada na NATO, da criaçom das ETT’s, dos GAL, da corrupçom, do “pelotaço financeiro”, da especulaçom, do desemprego, da negativa a legalizar o aborto, etc. As falsas expectativas criadas com a derrota do PP, junto ao bom resultado eleitoral dumha esquerda “moderna”, amável e tranquila, onde também devemos incluir os resultados de ERC, tenhem provocado um cenário virtual que distorce as análises dumha boa parte dos sectores progressistas e de esquerda. O PSOE, que recupera mesmo nomes dos antigos governos socialistas, nom vai ser muito diferente nem do governo Aznar nem dos governos de Felipe González. Nem pode mas, sobretodo, nem quer. Os anos 82 e posteriores já demonstrárom que a “mudança” era umha fraude, um palavra de ordem, marketing eleitoral vácuo, que levou à desilusom e desmobilizaçom umha grande parte da sociedade. E Zapatero já era deputado e dirigente socialista naquela altura. Certo é que algumhas das primeiras medidas do Governo tenhem alimentado essas expectativas de mudança, esse discurso do novo talante, dos novos ares: a retirada das tropas do Iraque, a conformaçom dum governo paritário, com oito homens e oito mulheres com cargos ministeriais, etc... Mas também é certo que umha das primeiras medidas do Governo é promover a ilegalizaçom da lista abertzale e de esquerdas às eleiçons europeias, Herritarren Zerrenda (HZ). Ou que muitos dos nomes que aparecem no novo governo já fôrom ministros ou altos cargos na anterior etapa socialista: Manuel Marín foi membro da equipa que negociou a entrada do Estado espanhol na Uniom Europeia; María Teresa Fernández de la Vega já figurou nos governos de Felipe González, sendo Secretária de Estado da Justiça; Pedro Solbes foi ministro de Agricultura e depois de Economia; Cristina Narbona foi viceministra do Meio Ambiente; Elena Salgado foi viceministra da Defesa, da Economia e das Telecomunicaçons; etc. E nom devemos esquecer que Bono, actual Ministro da Defesa, apressou para se entrevistar com Donald Rumsfeld, chefe do Pentágono, para dar explicaçons sobre a promessa eleitoral de retirar as tropas do Iraque e assegurar que o Estado espanhol seguirá a ser um aliado fiel, apesar do desacordo sobre a guerra. O PSOE aprendeu que tem de ter determinados gestos, determinadas atitudes, tomar algumhas decisons de coerência se nom quer perder todos os votos prestados conseguidos no 14-M: votos que eram votos contra o PP, votos que eram votos de IU, ou do BNG, votos de jovens, votos contra a manipulaçom. Nom pode perder as eleiçons europeias, ou as autonómicas do próximo ano no Estado espanhol, frente ao PP, e para isso tem que manter como for esses votos prestados, mas sabendo perfeitamente que som votos inseguros e desconfiados. Portanto, fará pequenas reformas e os meios de comunicaçom e organizaçons afins (sindicatos, etc...) magnificarám-nas. Além do mais, pode aproveitar o cansaço e fartura que deixou o PP, e as brutais políticas neoliberais implantadas por este, para que qualquer decisom que tome neste sentido pareça um grande avanço, umha vitória da democracia. Mas, no fundamental, na política económica, na política europeia, no terreno internacional, na política interior, na reforma da constituiçom e dos estatutos, no “problema espanhol”, nom vai haver mudanças significativas. De facto, serám praticamente imperceptíveis. Nom vai enfrentar-se à Patronal, nem aos grandes bancos, nem às multinacionais. Muito menos vai enfrentar-se ao imperialismo ianque e aos desígnios do FMI ou do Banco Mundial. O novo talante será, simplesmente, um novo invólucro para as políticas de sempre. Igor Lugris é membro do Comité Central de Primeira Linha Porque levamos anos analisando e debatendo parte destas questons, porque conhecemos a fundo a maioria das pessoas que emitem posicionamentos e geram opiniom, somos plenamente conscientes e assumimos os riscos que implica tentar indagar, analisar e nom digamos questionar, diversos conceitos e categorias indubitavelmente erróneas parcialmente ou na sua totalidade. Rebater a rígida, mimética e antidialéctica definiçom estaliniana de naçom que Castelao, por meio de Luís Soto, empregou no Sempre em Galiza, e que perdura até a actualidade, ou a caracterizaçom maoista da natureza agro-camponesa da revoluçom galega: nacional-popular, provoca diversas reacçons hostis que oscilam entre a clássica e manida definiçom de heresia espanholista até a também socorrida desqualificaçom de esquerdismo trostquista, sem que em nengum momento se fundamente teoricamente polos agravados Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 As imprescindíveis adequaçons tácticas do MLNG Perspectivas e orientaçom da nova esquerda independentista defensores das “essências do templo” a errónea orientaçom desta apreciaçom. O nacionalismo galego contemporáneo, e a maioria das correntes independentistas que emergírom do seu interior, sempre supeditárom as reivindicaçons de classe às nacionais, desconsiderando a específica opressom e exploraçom das mulheres, sempre negárom até o ridículo a presença de burguesia na Galiza, e questionárom a existência de um nacionalismo espanhol que teimárom e ainda teimam em definir exclusivamente como imperialismo. Embora se reclamassem da tradiçom marxista o seu conhecimento da obra teórico-práctica de Marx e Engels, de Lenine ou do Ché, sempre foi superficial e parcial, nom passando na maioria dos casos de doutrinárias e acríticas leituras dos manuais de Marta Harnecker ou das interpretaçons ecuménicas da moscovita Editorial Progresso. “Sem teoria revolucionária nom pode haver movimento revolucionário” afirma Lenine com claridom e mestria nas primeira páginas do Que fazer?. Problemas candentes do nosso movimento. Para além da formulaçom mil vezes empregada como palavra de ordem ou argumento de peso com o que rebater ou apoiar-se numha discusom, Lenine deixou bem claro que a teoria, o método de análise que permite a correcta interpretaçom da realidade, é fulcral à hora de poder incidir com sucesso. As deficiências teóricas, as erradas caracterizaçons dum processo, dumha luita, dumha estrutura de classes, das reivindicaçons objectivas e/ou subjectivas do mundo do trabalho, provocarám antes ou depois graves poblemas que mesmo serám fundamentais à hora de avaliar as causas das derrotas. Por exemplo, para ilustrar a que nos estamos referindo, seguir aferrando-se a definir Espanha como o território peninsular que resta dos limites geográficos da Galiza, Països Catalans, Euskal Herria e Portugal, ou seja, reproduzir mimeticamente a simplista visom etnicista que desconsidera e nega a interpretaçom de classe do que significa Espanha, -entendida como espaço simbólicomaterial de acumulaçom e expansom de capital da burguesia-, provoca e mesmo impede compreender os actuais fenómenos centrífugos que sacodem a quase totalidade das comunidades autónomas com que a reforma juancarlista estruturou o actual Estado para atrasar o avanço do movimentos independentistas. Se nom, como explicar de umha óptica de classe que em Cantábria, Andaluzia ou mesmo Madrid existam grupos e colectivos de trabalhadoras e trabalhadores que nom se identificam como o projecto nacional espanhol?. Como entender os fenómenos de auto-organizaçom política em forças próprias que experimentam a prática totalidade dos territórios que hoje configuram Espanha? O autonomismo e umha parte do independentismo, -a que até o paroxismo renega de empregar a categoria esquerda na sua acçom teórico-práctica-, continuam encistados em defenderem que o epicentro da luita de libertaçom nacional e social de género é a contradiçom nacionalismo versus espanholismo. De forma superficial, poderia ser válido da óptica marxista revolucionária considerar que o projecto nacional das classes trabalhadoras galegas formuladas no conceito nacionalismo possui umha contradiçom irreconciliável com o projecto nacional da bloco de classes dominante, o espanholismo. Mas esta teorizaçom considera que todo nacionalismo per se é libertador. Defende que as tarefas do independentismo som vertebrar um amplo movimento interclassista articulado num minimalista programa cujo centralidade é dotar a Galiza de um Estado próprio mediante o exercício do direito de autodeterminaçom. A independência nacional seria a finalidade absoluta, globalizadora, de todas as energias e recursos acumulados. Obviamente o discurso e a orientaçom do movimento deveria estar sob a hegemonia da pequena burguesia, que utilizaria a classe operária como nista de quadros, Primeira Linha. Umha organizaçom estudantil, AGIR, e umha organizaçom juvenil, AMI. Também existe um colectivo, CEIVAR, cuja funçom encomendada teoricamente é dar assistência à militáncia represaliada e denunciar a repressom política. A fraqueza do Movimento é umha evidência. A sua pluralidade ideológica umha característica e um valor em si mesmo que cumpre alargar e desenvolver. Nestes anos de trajectória compartilhada entre as diversas correntes que conformamos a nova esquerda independentista ainda nom fomos capaces de construir de forma consensuada umha forte identidade comum por cima das particulares identidades das correntes e sectores que confluímos no mesmo projecto, que coincidimos nos mesmos espaços de intervençom e luita. Até o momento as diversas etapas que precedérom o terceiro aniversário da Unidade Popular, se bem mostrárom a imensa capacidade de superar obstáculos, a responsabilidade e a madurez política da corrente marxista, também exprimírom as contradiçons internas e as naturais dificuldades existentes para manter a coesom e alargar a unidade dum movimento fraco, mas sobre todo com umha impronta ideológico-política tam diversa. Mobilizaçom anticapitalista. Fevereiro de 2002 Manifestaçom na defesa do idioma. Compostela, 16 de Maio de 2004 mera massa de manobra, com as óbvias concessons para assegurar a sua imprescindível permanência e fidelidade. Mas, se no caso do autonomismo esta teorizaçom derivou na sua definitiva integraçom, no caso do independentismo etnicista e essencialista, além do erro teórico em que se sustenta, que evita a carga revolucionária que só pode achegar a sua confluência com os postulados socialistas, hipoteca qualquer possibilidade de fazer do MLNG um projecto referencial para a maioria social galega, as classes trabalhadoras, o que correctamente definimos como Povo Trabalhador Galego (PTG). Mas, por que na Galiza as trabalhadoras e os trabalhadores devemos supeditar a emancipaçom de classe, a nossa libertaçom como mulheres e homens explorados polo capitalismo, a difusos “interesses patrióticos ou nacionais”, que ou bem som abstraçons metafísicas da pequena burguesia, ou bem confundem deliberadamente supostos interesses nacionais com os interesses específicos da burguesia?. A Galiza é umha formaçom social que padece umha opressom nacional. Esta característica provoca que a luita de classes, -o fio condutor da História-, adopte na prática a forma de luita de libertaçom nacional. Ou seja, a Revoluçom Socialista na Galiza nom só tem de estar sob a direcçom do proletariado, tem de integrar de forma dialéctica nas tarefas e objectivos estratégicos derrotar a ditadura da burguesia disfarçada de democracia, quer dizer, acabar com a propriedade privada dos meios de produçom para poder superar a exploraçom do Capital, mas também tem de atingir a libertaçom nacional, como tem de integrar a superaçom do patriarcado para lograr a plena emancipaçom das mulheres. Na Galiza, a opressom de classe e a opressom patriarcal veiculizam-se através da opressom nacional. Esta é sinónimo de exploraçom capitalista e de opressom machista. O Manifesto Comunista, apesar das tergiversaçons realizadas pola pseudo-esquerda chauvinista, esclarece sem lugar a dúvidas que o proletariado tem de se converter em classe nacional. O famoso axioma de “Os operários nom tenhem pátria” que interesseiramente aparece muitas vezes mutilado continua afirmando que “Nom se lhes pode tirar aquilo que nom possuem. Mas, porquanto o proletaridao deve conquistar em primeiro lugar o poder político e erigir-se em classe dirigente da naçom, constituir-se em naçom, ainda é nacional, mas de modo nengum no sentido burguês da palavra”. E vai precedido no primeiro capítulo da magistral obra de Marx e Engels por outro que di “Pola forma, embora nom polo conteúdo, a luita do proletariado contra a burguesia começa por ser umha luita nacional. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de todo, liquidar a sua própria burguesia”. As conclusons de ambas formulaçons teóricas, a que basicamente procura a independência e a que defende umha revoluçom integral e global, som diametralmente diferentes. Na primeira a contradiçom Capital-Trabalho fica diluída ou supeditada ao exclusivismo nacional, e portanto objectivamente só interessa a umha fracçom concreta e minoritária do PTG, as classe intermédias e a pequena burguesia. Na segunda há umha interligaçom dialéctica nos objectivos nacionais, de classe e de género da nossa luita, e o sujeito da mesma é a prática totalidade do PTG, permitindo ao proletariado, -como a fracçom da classe trabalhadora com maior antagonismo com o Capital-, exercer a direcçom política e a hegemonia ideológica no processo revolucionário. Este debate nom é novo, leva décadas e mesmo mais de um século centrando as peocupaçons do movimento operário. Na Galiza, entre o novo independentismo, fijo parte dos debates da II Assembleia Nacional da Unidade Popular de Junho de 2003, e os seus resultados inclinárom-se abertamente porque o independentismo seja um movimento socialista e antipatriarcal. Umha esmagadora maioria optou por ultrapassar a fosilizaçom e erros teóricos da contradiçom principal nacionalismo-espanholismo, e das três opressons autónomas: de género, nacional e de classe. Ao nom existir feito nacional separado dos feitos sociais e de género o novo independentismo incorporou à acçom teórico-práctica a existência de umha única opressom global, definida como opressom nacional e social de género. Algumhas medidas concretas que devem ser adoptadas O MLNG na actualidade está conformado por quatro entidades minimamente consolidadas. Umha organizaçom política, unitária plural e de massas, NÓS-Unidade Popular. Um partido comu- Mas chegados a este ponto da viagem, tanto pola situaçom interna como externa, tanto no ámbito nacional como internacional, o MLNG atingiu o desenvolvimento necessário para saber que chegou a hora de iniciar o debate para realizar as adequaçons tácticas no plano organizativo e político que permitam dar um pequeno salto quantitativo e qualitativo. A continuaçom recolhemos os principais eixos que devem caracterizar a nova fase: 1º- A Unidade Popular nom deve ser umha organizaçom de combate no sentido vanguardista, de “força de choque”. Pola sua natureza, composiçom, modelo organizativo, programa político, deve seguir caminhando a converter-se numha estrutura flexível na que se organicem sectores sociais diversos sob um projecto de mínimos. Desta avaliaçom deriva que NÓS-UP tem que depurar o discurso, pulir as arestas mais afiadas, abandonar estéreis tiques radicalistas, renunciar a caracterizaçons e conceitualizaçons doutrinárias, nom significa direitizaçom, liquidacionismo, reformismo, todo o contrário, é necessário para melhorar e aperfeiçoar a ferramenta de intervençom política de massas da esquerda independentista que permita facilitar a aproximaçom de mais e mais trabalhadoras/es e jovens. Significa nom ter medo a crescer, a aprofundar raízes, para sermos mais eficazes na luita e mais úteis ao povo trabalhador. 2º- NÓS-UP é umha força política legal que actua dentro dos limites que permite a democracia burguesa espanhola. Embora como força antisistémica deva manter um equilíbrio dialéctico teóricoprático, deve fazê-lo limitada à sua natureza de organizaçom de massas. A desobediência civil pública é um método de luita que define a sua inviável identificaçom com as forças burguesas e os partidos do regime. NÓS-UP tem que deixar de lado acçons vanguardistas salvo para questons excepcionais e momentos esporádicos. A participaçom eleitoral abre umha nova via na procura da superaçom e de atingir a referencialidade social. Na Europa ocidental nom é viável construir um movimento revolucionário com projecçom de massas renunciando por princípio a participar na política institucional-eleitoral. Devemos ser capazes de aproveitar o máximo rendimento aos espaços de actividade legal que proporciona a democracia burguesa. 3º- Cumpre depurar as práticas que na maioria dos casos por pura inércia, às vezes por meros e bem intencionados actos reflexos, prejudicam o desenvolvimento do projecto. NÓS-UP tem que transmitir confiança e seriedade entre os sectores mais avançados da classe operária, as mulheres e a mocidade. Mais, para isto, tem de ter um discurso específico e entendível. O resistencialismo, o testemunhalismo, o residualismo, nom podem modular a acçom quotidiana. A constáncia, a persistência, a elaboraçom de propostas e de iniciativas, requer muito esforço, às vezes ingrato, que na maioria dos casos se move na invisibilidade, e nom logram resultados tangíveis no imediato. Nom devemos preocupar-nos pola autosatisfaçom infantilista, polo dinámica de política-espectáculo. Chegou o momento de consolidar o trabalho realizado em três anos de luita. Está na hora de aproximar indecis@s, de transmitir credibilidade e confiança. 4º- Nada permanece igual e inalterável. Todo está em constante movimento e mudança. A Galiza do novo século pouco tem a ver com o país de há duas ou três décadas. Continuar a olhar para um passado idealizado e mitificado, continuar obsessionad@s por reproduzir fórmulas e referentes que a realidade demonstrou errados, fai parte do fetichismo, das superstiçons, da fé, da fascinaçom infantilista, mas nom da análise crítica da realidade, da aplicaçom do método científico e da teoria revolucionária de conhecimento que nos proporciona o materialismo histórico e do materialismo dialéctico. Os reptos do independentismo devem ser basicamente materiais, vinculadas às dificuldades presentes da classe trabalhadora, à ofensiva contra os direitos e as liberdades, e à defesa da identidade nacional. Somos um movimento de esquerda em que a centralidade do antagonismo entre Trabalho e Capital determina o conjunto da nossa luita. A reducionista conceiçom da “Defesa da Terra”, -difusa formulaçom que abrange um imaginário colectivo alicerçado na saudade, na nostalgia de um idealizado passado que já nom existe e que é impossível recuperar-, que obviamente tam só liga com as aspiraçons e preocupaçons da pequena burguesia, unido à tentativa de voltar a reproduzir, desta vez de forma radicalizada, as vias culturalistas ensaiadas polo nacionalismo de forma cíclica, nom podem ser o eixo da acçom teórico-práctica do actual movimento independentista galego. 5º- O novo independentismo tem de alargar o projecto, abrir as suas portas a novos sectores sociais. A pluralidade ideológica, pedra angular do MLNG, tem de ver plasmada a sua expressom no plano político. Mas a pluralidade está directamente ligada à democracia interna, ao respeito polas decisons maioritárias, à corresponsabilidade e implicaçom nas tarefas colectivas. As entidades do MLNG tenhem de respeitar a pluralidade ideológica, mas também tenhem de caminhar de forma sincronizada numha mesma direcçom, embora com ritmos e estilos diversos. O Movimento nom pode estar submetido às iniciativas de grupos que nom contam com o aval maioritário, e que actuam intencionadamente sem respeitar o tempo político, à margem das necessidades e dos interesses comuns. NÓS-UP tem de ter a coragem política de superar erros do passado, tem de ser capaz de conhecer a fundo o pulso da sociedade e ligar com aqueles sectores sociais dispostos a nom ceder e fazer frente às contínuas agressons. Os últimos meses fôrom importantes para afastar alguns dos complexos que arrastamos. Fomos capazes de abrir novas vias de trabalho e colaboraçom com novos sectores por meio das Bases Democráticas Galegas. Colaboramos na posta em andamento de novas associaçons culturais regeneradoras do reintegracionismo. Abrimos locais sociais. Começamos a ter voz própria entre a classe obreira. Demonstramos como com decisom, audácia, disciplina e capacidade de trabalho se podem superar obstáculos que pareciam insalváveis. NÓSUP logrou recolher em dez dias quase 21 mil assinaturas para poder apresentar umha candidtura às eleiçons. Abrir pontes, mas evitando sermos apêndice de ninguém. Somos um movimento autónomo, diferenciado do resto. Nom somos nem queremos ser a versom radicalizada do autonomismo. Eis o caminho que devemos consolidar e aprofundar. 6º- O novo independentismo nom é um movimento juvenil. A sua componente jovem nom pode limitar a aspiraçom de sermos um movimento representativo da maioria social galega, com apoios entre geraçons diversas. Nom é, nem quer ser um movimento isolado do resto do planeta, somos um movimento internacionalista. Como parte dese amplo movimento internacional que luita por transformar o mundo, devemos participar em todas aquelas iniciativas que nos permitam conhecer outras luitas, outras realidades, que nos permitam dar a conhecer a nossa, temos que participar na imprescindível coordenaçom internacional com forças revolucionárias e progressistas de toda a Europa e do resto do mundo para fazer frente ao capitalismo. Carlos Morais é Secretário Geral de Primeira Linha e membro da Permanente Nacional de NÓS-UP ANÁLISE Michael Löwy A unidade dos sectores da esquerda independentista receptivos com a iniciativa promovida polo Processo Espiral que, entre Dezembro de 2000 e Junho de 2001, cristalizárom na constituiçom de NÓS-Unidade Popular, apesar da curta perspectiva destes três anos de andaina colectiva, tem sido no seu conjunto, com as consubstanciais luzes e sombras deste tipo de processos, claramente satisfactória. O novo independentismo, -carimbo com o que desde o início se pretendia transmitir que a reorganizaçom do movimento de libertaçom nacional e social de género era e é algo novo, nom umha soma inconexa de peças velhas, senom um inovador projecto colectivo alicerçado sobre experiências anteriores, e fruto da síntese criativa da pluralidade ideológica que convive no seu interior-, acha-se na actual conjuntura perante umha encruzilhada em que tem de escolher entre optar por introduzir as necessárias mudanças organizativas e políticas que contribuam para aperfeiçoar e alargar o projecto, ou bem adiar os ajustamentos que a realidade demanda em aras dum inconfesso conformismo, carência de vontade de superaçom e/ou irresponsabilidade residualista. O novo MLNG nom pode seguir evitando ou retrasando abordar, de forma rigorosa e realista, as imprescindíveis revisons e adequaçons teóricas de parte dos paradigmas e ideias forças sobre as que o nacionalismo galego se veu construindo nos últimas quatro décadas, basicamente emanadas da unidireccional interpretaçom dos Dez pontos fundacionais da UPG, das heranças do galeguismo, e na caracterizaçom da Galiza como umha formaçom social concreta que padece umha dependência colonial. Parte das teses originárias som claramente erradas para o presente, outras fôrom ultrapassadas pola evoluçom da sociedade galega, algumhas cumpre serem actualizadas ou polo menos necessitam constatar o seu grau de validez, mas o mais preocupante é que no seu conjunto som parcialmente responsáveis pola actual deriva reformista e derrota estratégica em que está instalado o autonomismo. A Galiza de 2004 pouco tem a ver com a Galiza de 1964. Hoje o nosso país tem umha estrutura de classes muito mais semelhante a das formaçons sociais do capitalismo avançado, com umha maioria social conformada por assalariad@s (o proletariado industrial em 2003 representava o 20%), com um sector primário em constante retrocesso que caminha a situar-se nos índices da Europa dos quinze (a populaçom ocupada no sector agrário passou dos 72% de 1950 aos 12% de 2003), em que a proletarizaçom em curso da força de trabalho determina a evoluçom da morfologia socioeconómica da última década, com um sector serviços mastodôntico, em pleno processo urbanizador, -embora todos estes parámetros estejam enquadrados na periferia da Europa rica e opulenta-, que o país camponês e marinheiro, isolado, carente das mais elementares expoentes da modernizaçom capitalista, com umha abafante economia pré-capitalista, dominado por omnipresentes reminiscências do feudalismo e do Antigo Regime, que sem lugar a dúvidas caracterizava a Galiza que assistia à clandestina reorganizaçom da esquerda nacionalista após a Guerra Civil. O conjunto do nacionalismo e também, em maior ou menor medida, do independentismo, herdou de maneira acrítica e seguidista a panóplia teórico-práctica desse núcleo fundacional. Houvo que aguardar até nom há muitos anos, concretamente ao período 1995-1996 em que se gesta e aparece Primeira Linha, -como projecto comunista de práctica independentista que nom é fruto de nengumha cisom do tronco comum, senom umha alternativa nova para umha nova situaçom-, para assentar as bases de superaçom da limitaçom genético-estrutural do conjunto do movimento que a traços grossos podemos definir como soberanista de matriz de esquerdas, que estava na sua totalidade, sem excepçons colectivas, cativo da inércia e da comodidade intelectual que caracteriza o reformismo. OPINIOM Carlos Morais 4 5 A revoluçom de outubro e a questom nacional: Lenine frente a Estaline Panorámica das VIII Jornadas Independentistas Galegas Neste estranho início de século, neste mundo livre das “limpezas étnicas”, das guerras tribais, e da rivalidade feroz dos tubarons financeiros para o controlo do mercado mundial, nom deixa de ter interesse aproveitar o aniversário da morte de Lenine para revisar o sonho dos revolucionários de Outubro: umha livre federaçom socialista de repúblicas autónomas. Como se elaborou a reflexom de Lenine e dos bolcheviques sobre a questom nacional e sobre que medida a praticárom? Estivo à altura dos princípios exprimidos desde os primeiros anos da Uniom Soviética? A primeira grande obra marxista sobre a questom nacional é sem dúvida A questom das nacionalidades e a social-democracia (1907) de Otto Bauer. Define a naçom como o produto nunca consumado de um processo histórico constantemente em curso, o pensador austro-marxista achega umha contribuiçom importante para o combate da fetichizaçom do facto nacional, e dos mitos reaccionários da naçom eterna, pretendidamente enraizados sobre “o sangue e o sol”. O seu programa de autonomia nacional cultural era umha proposiçom rica e construtiva, mas levava a um beco sem saída sobre umha questom política capital: o direito democrático de cada naçom à separaçom e à constituiçom de um Estado independente. Excepto os militantes judeus do Bund (e certos movimentos socialistas caucasianos), os marxistas russos nom manifestárom muita simpatia polas teses de Otto Bauer e dos seus amigos austro-marxistas. A sua posiçom comum, adoptada depois do congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo de 1903 - antes da cisom- afirma, no seu ponto 9, o direito à autodeterminaçom das naçons do Império russo. Rosa Luxemburg tinha bastantes reservas a respeito desta concepçom: hostil ao separatismo nacional - e concretamente à palavra de ordem de independência da Polónia, por razons económicas, como “utópica” - ela propom como programa da revoluçom contra o Império tsarista, a autonomia regional, concedida como autoadministraçom de cada província, regiom ou municipalidade sobre o quadro de um Estado democrático multinacional. Diferencia a sua proposta de autonomia nacional da dos austro-marxistas que nom faria, aos seus olhos, que se erigissem umhas barreiras entre as nacionalidades. Quanto a Leon Trotsky -na sua brochura A Guerra e a Internacional de 1914- parece hesitar entre umha postura de tipo economicista, que deduz da internacionalizaçom da economia a iminente desapariçom dos Estados nacionais, e umha outra postura mais política que reconhece o direito de autodeterminaçom das naçons a condiçom da paz entre os povos. Sobre a mesma época, num artigo de “Naçom e Economia” (1915) reconhece explicitamente a importáncia histórica do factor nacional: “A naçom constitui um factor activo e permanente da cultura humana. E no regime socialista a naçom, libertada da cadeia da dependência política e económica, será apelada a jogar um papel fundamental no desenvolvimento histórico...”1 Antes de entrar ele próprio no debate, Lenine envia, em 1913, um jovem bolchevique georgiano, Joseph Vissarionovitch Djugashvili, a Viena, para elaborar um texto que exporá, de jeito sistemático, a posiçom do seu partido, fiel à resoluçom de 1903 do POSDR. Contrariamente a umha lenda tenaz -a que o próprio Trotsky contribui na sua biografia de Estaline-, a brochura do georgiano em questom, nom foi escrita sob a inspiraçom directa de Lenine. Este, parece que estava um pouco decepcionado do resultado, já que nom cita este escrito nos seus nomeados textos sobre a questom nacional mais que umha vez, de passagem, e entre parênteses, num artigo do 28 de Dezembro de 1913. Sem dúvida a brochura de Estaline defende a tese central dos bolcheviques - quer dizer, o direito à separaçom das naçons do Império russo -mas num certo número de questons importantes estava em contradiçom directa com as ideias de Lenine, questons que serám desenvolvidas nos anos que se seguem2. Citando apenas dous exemplos: 1) Estaline nom reconhecia como naçons os povos que nom fossem umha comunidade de língua, território, de vida económica e de “formaçom psíquica”. Procurará-se em vao tal visom a-histórica, dogmática, rigida e coagulada da naçom na obra de Lenine -que por outra parte rejeitava explicitamente o conceito de “carácter nacional” ou “particularidade psicológica” das naçons, o qual Estaline tomara emprestado de Otto Bauer. 2) Estaline nom diferenciava entre o nacionalismo dos opressores e o dos oprimidos, quer dizer, entre o nacionalismo gram-russo do Estado tsarista e o dos povos oprimidos -polacos, judeus, tártaros, georgianos, etc: os dous som rechaçados, como manifestaçons de um “chauvinismo grosseiro”. No entanto, esta diferenciaçom, como veremos, ocupa um lugar central na reflexom de Lenine. O ponto de partida de Lenine, como o de Marx, Rosa Luxemburg ou Trotsky, era o internacionalismo proletario. É em relaçom a esta premissa política fundamental que ele aborda a questom nacional. Mas contrariamente a alguns dos seus camaradas, ele percebeu o vínculo dialéctico entre o objectivo internacionalista e os direitos nacionais. Todo isto porque -utilizando umha metáfora da qual o fundador do partido bolchevique gostava muito- “só o direito ao divórcio garante o livre casamento”: só a liberdade de separaçom fai possível umha livre e voluntária uniom, associaçom ou fusom entre as naçons. Doutro modo, porque -como o compreenderam Marx e Engels com o caso da Irlanda- só o reconhecimento, por parte do movimento operário da naçom dominante, do direito à autodeterminaçom da naçom dominada, permite eliminar o ódio e a desconfiança dos oprimidos, e unir os proletários das duas naçons no combate comum contra a burguesia. A insistência de Lenine sobre o direito à separaçom nom tem nada a ver com que ele fosse favorável ao separatismo e a divisom até ao infinito dos Estados, conforme a linhas de fractura nacionais. Ao contrário, ele esperava, graças à livre disposiçom dos povos sobre o seu próprio destino facilitar a manutençom dos Estados multinacionais: “Quanto mais perto estiver o regime democrático de um Estado da inteira liberdade à separaçom, mais raras e débeis serám, na prática, as tendências à separaçom, pois as vantagens dos grandes Estados, do ponto de vista tanto do progresso económico quanto dos interesses das massas, som indubitáveis...”3 A supremacia de Lenine sobre a maior parte dos seus contemporáneos é o que coloca os parámetros -a respeito da questom nacional como em outros temas- sobre o aspecto propriamente político da contradiçom: enquanto os outros marxistas viam sobretodo a dimensom económica, cultural ou “psíquica” do problema, Lenine sublinha, nos seus artigos dos anos 1913 a 1916, que a questom do direito das naçons a disporem de elas próprias “se relaciona inteira e exclusivamente ao domínio da democracia política”, quer dizer, ao domínio do direito à separaçom política, à constituiçom de um Estado nacional independente4. Sobra acrescentar que o aspecto político da questom nacional para Lenine nom tem a ver com de quê se ocupam os chanceleres, os diplomatas, e, depois de 1914, os exércitos na guerra. Ele fica indiferente a saber se umha ou outra naçom terá ou nom um Estado independente, ou quais serám as fronteiras entre dous Estados. O seu objectivo é a democracia e a unidade internacionalista do proletariado, que exigem ambos os dous o reconhecimento do direito à autodeterminaçom das naçons. Em vista de este objectivo, ele pronuncia-se com insistência pola unificaçom, num mesmo partido, dos trabalhadores e dos marxistas de todas as naçons que vivam no quadro do mesmo Estado, o Império tsarista -russos, ucranianos, polacos, judeus, georgianos- para poderem luitar contra o seu inimigo comum: a autocracia, as classes dominantes. A principal reserva que podemos formular à posiçom de Lenine face à questom nacional é a desconsideraçom total da problemática austro-marxista da autonomia nacional cultural -defendida na Rússia sobretodo polo Bund. A proposta leninista de autonomia administrativa local para as naçons nom responde aos problemas das nacionalidades extraterritoriais como os Judeus5. A política hesitante perseguida polos diferentes governos “burgueses” que sucederam após a Revoluçom de Fevereiro de 1917, incapazes de rompassa à página 6 Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 ANÁLISE vem da página 5 per com a herança do tsarismo, favoreceu a captaçom dos sentimentos nacionais polos bolcheviques: como escreveria Trotsky na História da Revoluçom Russa, “a torrente nacional, do mesmo jeito que o torrente agrário, tem os seus alicerces na Revoluçom de Outubro”6. Nesta medida, vai vir a prática de Lenine e os seus camaradas no poder conformada em torno dos princípios enunciados nos textos teóricos e as resoluçons partidárias? Esta pergunta é difícil de responder, já que a política nacional do Estado soviético por volta dos anos de formaçom da URSS é complexa, confusa e contraditória. Predomina, inevitavelmente, umha grande dose de pragmatismo, de empirismo e de adaptaçom às circunstáncias, com múltiplas distensons para falarmos de doutrinas bolcheviques sobre a questom nacional. Algumhas das suas “adaptaçons” fôrom positivas, no senso de umha maior democracia pluralista; outras, ao contrário, consituírom umhas violaçons brutais do direito dos povos a disporem deles próprios: entre estes dous extremos, umha vasta “zona cinzenta”... Apenas umha semana depois da tomada do poder, os revolucionários de Outubro publicam umha declaraçom que afirma solenemente a igualdade de todos os povos da Rússia e o seu direito à autodeterminaçom até à separaçom. O poder soviético vai reconhecer rapidamente -em parte, como umha situaçom de facto, mas também por um autêntico desejo de romper com as práticas imperiais e de reconhecer os direitos nacionais- a independência da Finlándia, da Polónia e dos países bálticos (Lituánia, Letónia, Estónia). O destino da Ucránia, das naçons do Cáucaso e de outras regions “periféricas” vai-se jogar no curso da guerra civil, com, na maioria dos casos, umha vitória dos bolcheviques “locais”, mais ou menos segundo os casos- ajudados polo Exército Vermelho em formaçom7. A primeira “distensom positiva” é a “Declaraçom dos direitos do povo trabalhador e explorado” (1918), redigida por Lenine, um chamamento à formaçom de umha federaçom de repúblicas soviéticas, fundada sobre a aliança livre e voluntária dos povos. Esta afirmaçom explícita do princípio federativo é umha verdadeira viragem que nos leva às posiçons anteriores de Lenine e os seus camaradas, que -como dignos herdeiros da tradiçom jacobina- eram hostis ao federalismo e favoráveis a um Estado unitário e centralizado. Esta viragem nom é explicitamnte assumida como tal ou justificada teoricamente, mas nem por isso era umha mudança menos positiva8. A outra “adaptaçom democrática” foi a prática do poder soviético a respeito da minoria judia: apesar dos ataques persistentes de Lenine e dos bolcheviques contre as teses austro-marxistas e os seus partidários judeus na Russia -o Bund- antes de 1917, adoptarám, ao curso dos primeiros anos da revoluçom, umha política inspirada em grande medida pola autonomia nacional cultural. O jiddish obtivo o estatuto de língua oficial na Ucránia e na Bielorússia, desenvolvendo-se revistas, bibliotecas, jornais, editoriais, teatros, e mesmo uns centos de escolas em jiddish. Em Quieve foi criado um Instituto Universitário Judeu que rivalizou com o celebre YIVO de Vilna. Brevemente, sob a égide dos sovietes, e no quadro de umha política de autonomia cultural, assiste-se a um verdadeiro florescimento cultural jiddish - enquadrado, isto é certo, polo “despotismo instruido” da Yevsekzia, a secçom judia do partido bolchevique, composto em grande parte de velhos bundistas e sionistas de esquerda ganhos para o comunismo pola Revoluçom de Outubro9. Quanto às violaçons dos direitos democráticos dos povos, se figermos umha abstracçom das condiçons mais ou menos discutíveis da “sovietizaçom” da Ucránia e das naçons caucasianas, haverá dous casos que se apresentem como particularmente significativos: a invasom da Polónia em 1920 e a da Geórgia em 1921. Violentamente hostil aos Sovietes, o regime polaco do Marechal Pilsudski, manipulado e sustentado polo imperialismo francês, invade a Ucránia soviética em Abril de 1920 chegando até Quieve. A contra-ofensiva do Exército Vermelho obriga-o logo a retroceder, mas as forças soviéticas perseguem o invasor e violam a fronteira polaca, chegando em Agosto às portas de Varsóvia- antes de serem obrigados à sua volta, recuando até o ponto de partida. A decisom de invadir a Polónia foi tomada pola direcçom soviética, sob o mando de Lenine, ele próprio frente ao parecer de Trotsky, Radek e Estaline, por umha vez de acordo. Nom pretendia, porém, activar um projecto de invasom da Polónia mas ajudar os comunistas polacos a tomar o poder, estabelecendo umha republica soviética polaca. Nom impediu que se agisse violando claramente o princípio de autodeterminaçom dos povos: como repetira multidom de vezes Lenine, nom era funçom do Exército Vermelho impor o comunismo a outros povos. Esta iniciativa levada a cabo ao limite, de carácter efémero e precário deixou mesmo assim marcas na memória colectiva polaca. Mais grave foi o caso georgiano. República independente, reconhecida como tal polo poder soviético -acordos de paz de 1920- dirigida por um governo menchevique sustentado pola grande maioria da populaçom (o campesinato), a Geórgia foi no entanto invadida em Fevereiro de 1921 polo Exército Vermelho e “sovietizada” à força. O acontecido ali foi sem dúvida dos casos mais flagrantes e a mais brutal contribuiçom negativa, para o jovem Estado soviético, do direito democrático dos povos a disporem de si próprios. A iniciativa foi tomada por uns dirigentes bolcheviques de origem georgiana, Estaline e Ordjonikizé, justificando-a com o nome de umha pretendida insurreiçom geral dos operários e camponeses georgianos, sob direcçom comunista -em realidade era umha iniciativa muito minoritária de um grupo bolchevique, cercano à fronteira soviética -contra o governo menchevique. Avaliada por Lenine, Trotsky e a direcçom soviética, a invasom instala, depois de um mês de combate, um governo bolchevique em Tíflis, assegurando assim a associaçom da Geórgia à Federaçom soviética. A hostilidade da maioria da populaçom a esta imposiçom “do exterior” manifesta-se de forma clamorosa em 1924 com a insurreiçom popular maciça dirigida polos mencheviques. É a respeito da Geórgia que terá lugar o enfrentamento entre Lenine, já gravemente doente, e Estaline, em 1922-23: o “derradeiro combate de Lenine”, segundo o título do celebre livro de Moshé Lewine. As divergências entre os dous dirigentes bolcheviques nom fam mais do que acentuar-se no decorrer dos anos, mas desde 1920 pode-se perceber umha lógica radicalmente diversa no obrar, nos seus escritos e propostas. Tanto é assim que Lenine insiste na necessidade de umha atitude tolerante com os nacionalismos periféricos, e denuncia o chauvinismo gram-russo, Estaline vê nos movimentos nacionais centrífugos o principal adversário, e esforçará-se em construir um aparelho estático unificado e centralizado. Após a invasom da Geórgia em 1921, Lenine propom que se trate de chegar a um acordo com Jordana, o líder dos mencheviques georgianos; Estaline, ao contrário, num discurso em Tíflis em Julho insiste na necessidade de «esmagar a hidra do nacionalismo” e de “destruir a ferro queimado” os sobreviventes desta ideologia10. O conflito aparece por causa das divergências entre Estaline e Ordjonikidze de umha parte, e os comunistas georgianos, Mdviani e os seus amigos sustentados por Lenine - da outra, a respeito do grau de autonomia da República soviética de Geórgia na Uniom Soviética em formaçom. À margem de questons locais, a postura era simplesmente o porvir da URSS. Numha luita tardia e desesperada contra o chauvinismo gram-russo do aparelho burocrático, Lenine consagrou os seus últimos momentos de lucidez a enfrentar-se ao seu principal chefe e representante: Joseph Estaline. Nom cessa de denunciar, nas notas ditadas à sua secretária em Dezembro de 1922, o espírito gram-russo e chauvinista “deste miserável e deste opressor que é no fundo o típico burocrata russo”, e a atitude de um certo georgiano “que lança desdenhadamente acusaçons de ‘social-nacionalismo’ (quando ele é nom só um verdadeiro, um autêntico ‘socialnacional’, mas também um brutal guardiám gram-russo)”. Ele nom hesita em outras partes a chamar o Comissário do Povo nas Nacionalidades: “Eu penso que foi um cometido fatal actuar aqui pola pressa de Estaline e o seu gosto pola administraçom, assim como pola sua irritaçom contra o famoso ‘socialnacionalismo”. Voltando sobre o assunto georgiano, insiste: “É claro que som Estaline e Dzejinski quem devem ser os responsáveis políticos por esta campanha obscuramente nacionalista gram-russa”. A conclusom deste “testamento de Lenine” era, como se sabe, a proposta de destituir Estaline à cabeça do secretariado geral do Partido. Infelizmente, era demasiado tarde...11 Entretanto, a gestom de Estaline era obscuramente estatista e burocrática reforçamento do aparelho, centralizaçom do Estado, unificaçom administrativa -Lenine estava ante todo preocupado com o alcance internacional da política soviética: “O prejuízo que pode causar ao nosso Estado a ausência de aparelhos nacionais unificados com o aparelho russo, é infinitamente e incomensuravelmente menor que este que resultará para nós, para toda a Internacional, para os centos de milhons de homens dos povos da Ásia, que aparecerá depois de nós sobre a cena histórica do porvir mais cercano.” Nada será tam perigoso para a revoluçom mundial que “comprometermo-nos nós próprios, por questons de pormenor, numhas relaçons imperialistas na consideraçom das naçons oprimidas, acordaremos assim a suspeita sobre a sinceridade dos nossos princípios, sobre a nossa justificaçom do princípio da luita contra o imperialismo”12. A imobilizaçom de Lenine por um novo ataque cerebral a princípios de 1923 vai afastar o principal obstáculo do mando de Estaline sobre o aparelho do Partido. Quanto a Trotsky, convertido, desde 1923, no principal adversário da burocracia estaliniana, retomara pola sua conta o combate de Lenine contra o chauvinismo burocrático. A plataforma de 1927 da oposiçom de esquerda ocupa-se da defesa dos velhos bolcheviques georgianos “postos em desgraça por Estaline” mas “calorosamente defendidos por Lenine durante o último período da sua vida”. Exige a publicaçom dos derradeiros textos de Lenine sobre a questom nacional -colocados na gaveta por Estaline- e insiste, em conclusom, que o chauvinismo, sobretogdo quando se manifesta por meio do aparelho do Estado, mantém o principal inimigo da reconciliaçom e uniom das massas trabalhadoras de LIVROS Vários autores O Cambedo da raia 1946 Asociación Amigos da República de Ourense, Cambados 2004, 227 páginas Com o subtítulo de Solidariedade galego-portuguesa silenciada vem de sair do prelo umha obra colectiva que de diversos ópticas analisa um dos episódios da guerrilha antifranquista menos estudado, embora dos mais importantes pola sua transcendência política e militar, que ainda permanece na memória popular de amplas zonas da raia seca: a batalha de Cambedo. Com a participaçom de nove pessoas, quatro galegos e cinco portuguesas: Xosé Carlos Caneiro, Luis Martínez-Risco Daviña, Dionísio Pereira, David Cortón, Domingos da Costa Gomes, António Loja Neves, José Alves Pereira, José Dias Baptista e Paula Godinho, os oito ensaios históricos avaliam diversos aspectos da guerra civil e décadas posteriores nos limites geográficos da fronteira lusogalaica. Mas a obra tal como se recolhe no seu título aborda fundamentalmente o bombardeamento e posterior asalto realizado 21 de Dezembro de 1946 por perto de 1.000 homens de um combinado militar formado por unidades do exército português, da PIDE e da Guarda Nacional Republicana (GNR) contra a pequena aldeia de Cambedo, no concelho de Chaves, limítrofe com Oimbra e Verim, na que estavam refugiados um grupo de guerrilheiros antifranquistas. Este livro é um exemplo da imprescindível e urgente necessidade de estudar a escala local e posteriormente a nível nacional um dos períodos mais importantes da história contemporánea da Galiza, que a subsidiada e cobarde historiografia académica, seguindo as directrizes da Transiçom juancarlista, nom investigou, preferindo concentrar-se na inofensiva e aséptica interpretaçom ruralista da história agrária. Além de diversos diagnósticos e visons sobre os sucessos de Cambedo cumpre destacar os testemunhos e as entrevistas realizadas a alguns supervivintes daqueles trágicos dias e da posterior duríssima repressom com que o salazarismo tratou ao conjunto dos habitantes de umha populaçom rural cujo único “delito” tinha sido colaborar solidariamente com os seus vizinhos. O Cambedo da raia resgata do silêncio a luita antifascista transmitindo sem artifícios as melhores expressons da solidariedade, questionando a artificial raia seca que nom foi capaz de desunir a dous povos, o galego e o português, contra as ditaduras de Franco e Salazar. (Carlos Morais) diversas nacionalidades”13 1 L. Trotsky, “Nation et Economie” (publicado por Claudie Weill), em Pluriel-Debat, nº 4, Abril de 1975, página 48. 2 É certo que Lenine nunca criticou a brochura de INTERNACIONAL 7 Iraque, a ocupaçom fracasssou Estaline, provavelmente porque ele a consideraria adequada, no principal, com a doutrina bolchevique. 3 Lenine, “A revoluçom socialista e o direito das naçons a dispor de elas próprias” (Teses, 1916, em “Questons da política nacional e do internacionalismo proletário”, Moscovo, Editorial Progresso, 1968, páginas 160. 4 Lenine, Ibid., página 158. 5 Segundo Lenine “A autonomia nacional cultural (...) é a corrupçom dos operários com a palavra de ordem da cultura nacional e a propaganda da divisom do ensino por nacionalidades, profundamente prejudicial e mesmo antidemocrático”. (“O programa nacional do POSDR”, 1913, em “Questons da política nacional”, página 6. Num outro texto Lenine compara a ideia bundista das escolas judias distintas com as escolas separadas para pretos no Sul dos Estados Unidos... (“Notas críticas sobre a questom nacional”, 1913, Ibid., páginas 38-39). Ver sobre esta problemática a crítica de Enzo Traverso, “Les marxistes et la question juive”, Paris, La Brèche, 1990, página 151. 6 L. Trotsky, “Histoire de la révolution russe”, Paris, Seuil, 1950, página 805. 7 Entre os erros detectados nesta época, podem mencionar-se a integraçom forçosa à República soviética de Azerbaijám da regiom do Alto-Karabakh, povoado maioritariamente de arménios, um conflito que explodirá no fim dos anos 80. 8 Ver sobre este tema a interessante obra de Javier Villanueva “Lenin y las nacciones”, Madrid, Editorial Revolución, 1987, páginas 352-354. 9 Ver a excelente análise desta problemática por Enzo Traverso, em “Les marxistes et la question juive”, Paris, Editions Kimé, 1997, página 171. Como observa Traverso, a principal sombra no quadro foi a interdicçom das publicaçons e o ensino do hebreu, num momento de “modernizaçom” e de combate contra a religiom. Esta foi umha tentativa injustificável de separar a nacçom judia das suas raízes históricas, da sua tradiçom e do seu passado cultural. 10 J. Villanueva, “Lenin y las naciones”, páginas 455-459. 11 Lenine, “La question des nationalités ou de l´autonomie”, “Questions de la politique nationale”, páginas 238-244. Cf Moshé Lewine, “Le dernier combat de Lénine”, Paris, Minuit, 1967. 12 Lenine, Ibid., páginas 244-245. 13 “Les bolchéviks contre Staline 1923-1928”, Paris, Publicaçons de “Quatrième Internationale”, 1957, páginas 116-117. Michael Löwy é especialista na relaçom entre marxismo e questom nacional WEB Ana Barradas As Clandestinas Ela por Ela, Lisboa 2004. 168 páginas A luita clandestina que durante longas décadas o Partido Comunista Português mantivo contra a ditadura salazarista é abordada da óptica do papel que as mulheres militantes desempenhárom nas tarefas organizativas. Com um ritmo cadencial que permanentemente convida a avançar, com o rigor científico que a caracteriza, e um estilo impecável, Ana Barradas, -militante comunista e feminista, e colaboradora do Abrente-, em base a umha sólida e diversificada utilizaçom de fontes documentais e bibliográficas, inicialmente realiza um enquadramento histórico da situaçom concreta da luita de classes em Portugal após o final da “Segunda Guerra Mundial” e a participaçom das mulheres nas luitas e greves operárias, para posteriormente diseccionar as funçons e a “quotidianidade” que as comunistas portuguessas desenvolvérom na dura vida clandestina. Tarefas subsidiárias, de segunda orde, de apoio aos camaradas, na maioria dos casos, reproduzindo, como nom podia ser de outro jeito pola sua natureza, a mentalidade machista socialmente dominante que o PCP nom questionava na sua essência. Especial relevo é o capítulo dedicado a analisar as funçons das militantes conhecidas como “camaradas das casas do partido”, pisos francos nos que viviam em aparente normalidade os funcionários que sostinham a rede clandestina comunista, e que para evitar levantar sospeitas necessitavam aparentar relaçons familiares tradicionais. As mulheres, que nom fossem esposas ou familiares, passariam por tal prestando o apoio e serviços necessários, normalmente eram casa de refúgio ou onde estavam instaladas as tipografias onde se editava a propaganda e os vozeiros. O livro aborda em base a experiêncais reais, a testemunhas de militantes, a vida quotidiana da militáncia clandestina e as diversas situaçons que gera a convivência: embaraços nom desejados, problemas familiares, ruptura de relaçons estáveis, etc. Analisa a rigida moral sexual defendida pola direcçom: “O puritanismo é de regra, a homossexualidade é considerada umha doença, o adultério é condenado, e a separaçom só em último caso será consentida, depois de longas discusons e quando se revelar impossível a vida conjugal”. Denuncia o machismo imperante na esquerda portuguesa: “O PCP, os anarco-sindicalistas e outras organizaçons políticas e sindicais ensinaram desde sempre as suas filiadas e simpatizantes a delegar nos homens a defesa dos seus direitos, com o argumento de que, umha vez instaurada umha ordem social mais justa, estes seriam tomados em consideraçom. Entretanto, elas deveriam servir de suporte e apoio à luita principal contra a exploraçom e nom acirrar as contradiçons secundárias entre sexos”. Mas também reconhece na sua justa medida o sacrifício, o heroico compromiso de milhares de mulheres e homens que durante décadas fôrom vitais para organizar a resistêcia operária contra um regime autoritário apoiado no terrorismo de estado. A específica e diferenciada repressom policial sobre as mulheres, determinada polo tipo de relaçom mantida com os militantes, por parte da PIDE, a polícia política do fascismo, é outro dos capítulos mais interessantes desta obra. Um livro que cumpre ler um par de vezes para podermos compreender parte do passado e do que extraer leiçons para o presente. (Rosa da Límia) Nº 32. Abril, Maio e Junho de 2004 Carlos Varea 6 Guevara Home (revista electrônica alternativa) www.guevarahome.org Guevara Home é umha revista electrónica editada no Brasil, dedicada à difusom de artigos sobre actualidade política brasileira e internacional, de autores e autoras representativas das diversas esquerdas de inspiraçom em maior ou menor medida marxista. A sua periodicidade é semanal, tendo saído o primeiro número em Março deste mesmo ano. Além do número actual, disponibiliza-se um histórico das ediçons anteriores, o que nos permite ler artigos escritos por membros da própria equipa editora e de autores e autoras como Carla Lisboa, James Petras, Heinz Dieterich, Leonardo Boff, etc. A crítica cinematográfica e outros temas culturais e sociais tenhem também o seu lugar neste espaço virtual. Para além da revista propriamente dita, a figura de Ernesto Che Guevara é o principal referente da Guevara Home. De facto, oferece-se-nos um amplo arquivo dedicado ao revolucionário argentino-cubano, incluindo textos, discursos, fotografias, vídeos, hinos e arquivo sonoro, podendo ser descarregados também outros materiais históricos de episódios revolucionários na América Latina. O galego-português, em versom brasileira, é o idioma principal do sítio, embora o objectivo de chegar a um público latinoamericano dê também ao espanhol um certo peso nos textos publicados. Este texto está escrito ao fazer um ano da proclamaçom por parte do presidente Bush, sobre o convés do porta-avions Lincoln, do fim da guerra no Iraque, a 1 de Maio. Está escrito também no momento em que as tropas espanholas da brigada multinacional Plus Ultra culminam a sua retirada do Iraque, após o triunfo eleitoral do PSOE e a mudança de governo no Estado espanhol. Ambos os sucessos marcam o antes e o depois da ocupaçom do Iraque: o primeiro, o triunfalismo imperialista de umha Administraçom Bush que -auxiliada polo Reino Unido- se dispunha a gerir unilateralmente e de maneira hegemónica, após um acto de agressom militar sem sançom algumha da denominada “comunidade internacional”, o Iraque como um país novamente colonizado; o segundo, pom de manifiesto um facto inquestionável, a quebra deste projecto de apropriaçom militar do Iraque, o fracasso, em soma, da ocupaçom: ao retirar o contingente de ocupaçom espanhol desdobrado em Diwaniya e Nayaf, o novo governo de Rodríguez Zapatero nom somente cumpre a promessa eleitoral que em boa medida elevou ao poder o PSOE mas, simplesmente está a tomar umha medida razoável. E isto é assim porque a ocupaçom do Iraque fracassou, ao menos, como antes dizia, como projecto imperialista de apropriaçom hegemónica por parte dos EUA das riquezas e do futuro do Iraque. E isto deve-se, inquestionavelmente, à apariçom do fenómeno insurgente a partir do verao do ano passado, poucas semanas depois de proclamado o fim da guerra. A resistência iraquiana, um fenómeno genuinamente nacional, que, se bem pode carecer polo momento de um mando unificado, foi capaz de desbaratar o projecto da ocupaçom, mostrando de dia em dia -como admite o próprio Pentágono- cada vez maior audácia, agressividade e coordenaçom. A resistência golpeou e segue a fazê-lo (com 126 baixas em estado-unidenses mortos em combate, Abril foi o mês mais sangrento para as forças de ocupaçom desde o início da invasom) os alicerces do projecto de controlo do Iraque por parte dos EUA: em primeiro lugar, os contingentes militares estrangeiros, na sua primeira ou sucessivas vagas, invasores ou humanitários; em segundo lugar, as instituiçons internacionais que pretendêrom dotar a ocupaçom de um verniz legal ou assistencial, como as próprias Naçons Unidas; em terceiro lugar, os elementos colaboracionistas iraquianos vindos com os invasores, as suas instáncias submetidas e os seus novos corpos de segurança; em quarto lugar, contra os recursos financeiros dos ocupantes -em particular, a exportaçom de petróleo-; e, finalmente, contra essa trama opaca de homens de negócios, mercenários (os chamados contratistas), agentes e espias, missionarios de seitas protestantes e pessoal humanitário que, indiferenciável para o iraquiano de a pé, acudírom a lucrar-se com a desgraça alheia. A aceitaçom internacional: a resoluçom 1483 As negociaçons levadas a cabo entre os EUA e o Reino Unido, por umha parte, e a Alemanha, Rússia e França, por outra, antes inclusive de culminada a ocupaçom do país, sobre o pagamento da dívida externa iraquiana aos países opostos à invasom, facilitaria em Maio de 2003 a aprovaçom da resoluçom 1483 por parte do Conselho de Segurança (CS) de Naçons Unidas (UN). Esta resoluçom reconhece os ocupantes como a “Autoridade”, ao tempo que cancela o programa “Petróleo por alimentos” e, com isto, todo o papel da comunidade internacional no Iraque da posguerra. A resoluçom inclui também a criaçom do denominado Fundo de Desenvolvimento para o Iraque, ao que se transferem os fundos do mencionado programa de UN e que deveria permitir aos EUA e ao Reino Unido gerir sem supervisom real exterior algumha a renda petrolífera iraquiana. Em Junho passado, o administrador civil da ocupaçom Paul Bremer designou a dedo o denominado Conselho Governativo Iraquiano, umha instáncia de 25 membros seleccionados polo seu submetimento a Washington e segundo quotas confissionais e sectárias, oleoduto do país, o do norte (Kirkuk-Ceyhan), e as mais recentes contra a rede do Sul (Bassorá) e inclusive no Golfo, determinou que hoje o Iraque exporte menos crude do que antes da invasom (por cima de 2 milhons de barris ao dia) e isto apesar do regime de sançons. O fiasco económico da ocupaçom está a ser, certamente, notável, e a Administraçom Bush pretendeu que, além de tropas, a comunidade internacional achegue dinheiro para estabilizar a situaçom interna, deteriorada até extremos inimagináveis. No entanto, sem negócio imediato imaginável em tais circunstáncias (The Economist considera o Iraque o país mais inseguro para investir), nem empresas nem governos intervenhem economicamente no Iraque, e isto apesar de que o país foi posto literalmente em venda, após o anúncio dos ocupantes de 192 empresas estatais poderem ser adquiridas a 100% por investidores estrangeiros. Da assunçom de que os EUA nom estariam dispostos a repartir o bolo iraquiano -apenas com os seus aliados mais próximos- passou-se à constataçom de que nom há bolo para repartir. A resistência converteu novamente a Conferência de Dadores de Madrid de finais de Outubro em outro fracasso: a quantidade comprometida foi muito menor do esperado e quatro meses depois, numha segunda cita de dadores, desta vez em Abu Dabi, a Autoridade de ocupaçom protestou porque do dinheiro cobrado (mais como empréstimos que como doaçons) em Madrid apenas chegara ao Iraque a décima parte. Os exércitos imperialistas torturam e assassinam aos/às combatentes umha instáncia sem legitimidade nem poder efectivo algum, e -o que será um desastre para os ocupantes- incapaz de dar umha imagem interna e externa de autoridade solvente, com um projecto nacional integrador e democrático. Entom, os desígnios imediatos dos ocupantes som claros: da a volta à economia iraquiana como se de umha luva se tratasse, inserindo o Iraque na economia capitalista através de um processo rápido de privatizaçons e desmantelamento do Estado, o qual, polo mais, vulnera a legalidade internacional, que proibe modificar o status económico, jurídico, político ou populacional dos territórios sob ocupaçom. O projecto de desmantelar o Estado iraquiano será apresentado polo procônsul Bremer durante a reuniom do Fórum Económico Mundial (Fórum de Davos) da Jordánia, do 21 e 22 de Junho, projecto associado ao de criaçom de umha Área de Livre Comércio EUA-Oriente Médio (re-baptizado agora como “Projecto para um Grande Oriente Médio”) que, em soma, prevê inserir as populaçons e recursos árabes na economia capitalista globalizada, com Israel como eixo regional do projecto. A apariçom da resistência Este cenário de gestom hegemónica do Iraque verá-se, no entanto, muito rapidamente perturbado pola apariçom da resistência armada, que os ocupantes procurarám explicar como resíduos do deposto regime de Sadam Husein ou como grupos estrangeiros infiltrados no país, concretamente da rede AlQaeda, caracterizaçons propagandísticas que a realidade dos facos irá desmentindo sobre o terreno. Os milhares de detidos iraquianos desde entom mostram um apoio social inquestionável, ao tempo que a amplitude territorial das suas acçons ridiculariza a pretendida caracterizaçom de sunita que da resistência figérom os ocupantes. A resistência iraquiana, ainda quando nom esteja estritamente articulada numha frente unificada, é um fenómeno genuinamente interno, que se nutre das diferentes correntes nacionalistas, patrióticas e islamistas, quer do interior do país -sem dúvida, maioritariamente baasistas- quer da oposiçom exterior ao deposto regime (baasistas dissidentes, naseristas e comunistas opostos à direcçom do PCI, aglutinados na Aliança Patriótica Iraquiana) que se opujo às sançons e à invasom, e que está retornando ao país -às vezes clandestinamente- para nutrir a resistência. Estes componentes da resistência -os principaisestám procurando estabelecer nestes meses um frente unificado que, polos primeiros documentos difundidos1, encarnam um projecto de libertaçom nacional com dous eixos: a defesa do Estado social iraquiano, quer dizer, um modelo de gestom pública e nacional dos recursos e capacidades do país e da sua socie- dade; e, em segundo lugar, de carácter democrático e que inclua a resoluçom negociada das reivindicaçons curdas. Frente a eles, sectores confissionais xiitas estám a protagonizar umha radicalizaçom recente que questiona as contingências de um clero que, muito dependente do Irám, leva um ano na procura de se acomodar aos ocupantes, primeiro com a figura de alHakim (morto em Agosto em atentado) e agora de as-Sistani. Ao longo deste ano, a resistência armada forçou os EUA a manterem no Iraque um contingente de 130.000 efectivos, que nom pudo ser reduzido, como estava previsto, com motivo da substituiçom que, após um ano de permanência na zona, se levou a cabo nestes primeiros meses de 2004, algo que nom ocorria desde a Guerra do Vietname. Aos poucos meses do anúncio formal por Bush do fim da guerra, o número de soldados estado-unidenses mortos no Iraque superará a cifra das quedas em combate nos primeiros quatro anos de implicaçom dos EUA naquele país; hoje a cifra reconhecida de mortos em combate ultrapassa os 440 militares desde esse 1 de Maio; a de feridos é incomensurável2. Num primeiro intento de internacionalizaçom da ocupaçom, a Administraçom Bush deverá recorrer a solicitar a terceiros países o envío de contingentes que, mais que de ocupaçom, procurarám apresentar-se como humanitários. Os ataques contra estas forças erosionarám contodo o ánimo de países aliados dos EUA à hora de contribuir com os seus soldados para a ocupaçom do Iraque, apesar da forçada aprovaçom da resoluçom 1511 do CS de 16 de Outubro, que outorgava já entom um certo verniz de legitimaçom internacional ao envio destas tropas. Na actualidade, mais de vinte países (a maioria da NATO) apenas contribuem com pouco mais de 20.000 efectivos. O Reino Unido mantém só 7.500, mas a previsom é que tenha que aumentá-los em mais 4.000, que cobrirám o lugar deixado polos espanhóis, hondurenhos e dominicanos, e a previsível de polacos e búlgaros. O fiasco económico da ocupaçom À par, o fracasso dos novos corpos de segurança iraquianos -mais do que evidente na tentativa de os implicar no assalto a Faluja- está determinando um vertiginoso processo de privatizaçom da ocupaçom, de tal maneira que o segundo contingente internacional mais numeroso no Iraque é o dos mercenários, que podem chegar a superar os 20.000 indivíduos, um por cada 10 militares. As acçons guerrilheiras contra empresas envolvidas na denominada imoralmente reconstruçom determinan aliás que os contratos civis se encareçam até em 25% polos custos de segurança. Ao menos umha quarta parte das empresas estrangeiras já abandonárom Iraque, e os restantes 75% estám quartelados. Os rendimentos esperados pola imediata recuperaçom das exportaçons de crude umha vez afiançada a ocupaçom nom se materializárom, e a factura da ocupaçom é ingente. Se a invasom pudo custar a EUA -segundo a investigadora estado-unidense Phylhis Bennis- mais de 162.000 milhons de dólares, a manutençom da ocupaçom custa-lhe ao mês 4.000 milhons. Bem conhecida é a quantidade solicitada por Bush ao Congresso em Outono de 87.500 milhons de dólares, dos quais mais de metade (51.000 milhons) tenhem por destino a campanha contrainsurgente do Pentágono no Iraque, mais do duplo da quantidade destinada à reconstruçom, 18.400 milhons de dólares. As reiteradas sabotagens contra o principal A ‘iraquizaçom’ da crise A Administraçom Bush está a mover-se nestas semanas prévias ao 30 de Junho na direcçom de obter do CS a aprovaçom de umha nova resoluçom que permita aumentar a presença internacional no Iraque ou, ao menos, legitimar e manter a actual, ao tempo que inclua o reconhecimento de umha nova instáncia iraquiana a que, nessa data, há de ceder formalmente a soberania do país. A lógica pretendida é pasar de ser potências invasoras a tutelar discretamente, por meio de instáncias iraquianas submetidas -como já fijo o Reino Unido ao começo do passado século- o destino do Iraque. É a chamada Iraquizaçom da ocupaçom, formalizada no novo calendário imposto por Bremer ao Conselho Governativo o passado 14 de Novembro Nom se sabe ainda como haverá de constituir-se essa nova instáncia temporal, mais ampla que o Conselho Governativo; mas ficou já meridianamente claro, por meio das declaraçons recentes de Powell, Rumsfeld e Rice destes últimos dias, que ficará submetida à tutela dos ocupantes que, se explica, devido à situaçom interna de guerra aberta, seguirám controlando a segurança militar no país. A partir de 1 de Julho, as tropas e corpos de segurança iraquianos estarám submetidos às ordens do general Sánchez, máxima autoridade militar no Iraque dos EUA, e a actual Administraçom de ocupaçom será substituida por umha embaixada estado-unidense que, com mais de 5.000 funcionarios, será a maior do mundo e ficará sob o mando do sinistro John Negroponte. As previsons da Junta de Chefes de Estado Maior dos EUA é que a presença das suas tropas no Iraque se prolongará ao menos durante dous anos mais. A questom nom é já que os EUA queiram manter a sua presença militar no Iraque; a questom é que nom pode nem tam sequer imaginar reduzi-la. O fracasso do assalto contra Faluya é já o símbolo do atoleiro em que se encontram os ocupantes. 1 Pode ler-se em CSCAweb (12 de Abril de 2004) a declaraçom programática do Conselho Nacional Unificado da Resistência Iraquiana de começos de Abril em http://www.nodo50.org/csca/agenda2004/resistência/co municado_12-04-04_res.html. 2 A finais de Março, o Pentágono informou ao Congresso que 18.004 soldados foram evacuados no transcurso do primeiro ano de guerra já até a data do 13 desse mês. O significativo é que a cifra achegada numha anterior comparecência do subsecretário da Defesa para Assuntos Sanitários, William Winkenwerder, era de 11.200 evacuados até o 5 de Fevereiro de 2004. (UPI, 31 de Março de 2004.) Carlos Varea é o director da revista Nación Árabe e membro do Comité de Solidariedade com a Causa Árabe Edita: Primeira Linha. Redacçom: Rua do Home Santo 29, 4º A. 15703 Compostela. Galiza. Telefone: 616 868 589. www.primeiralinha.org Conselho de Redacçom: Comité Central de Primeira Linha Fotografia: Antom Garcia, Andrés Panaro. Correcçom lingüística: Galizaemgalego. Maqueta: Carmen Aurora Seijas. Imprime: Litonor S.A.L. Encerramento da ediçom: 28 de Maio de 2004 Correspondência: Apartado dos Correios 760. Compostela. Galiza. Correios electrónicos: [email protected] / [email protected] Tiragem: 3.000 exemplares. Distribuiçom gratuíta. Permite-se a reproduçom total ou parcial dos artigos sempre que se citar a fonte. Abrente nom partilha necessariamente a opiniom dos artigos assinados. Impresso em papel reciclado. Depósito Legal: C-901-1997 13 Junho Eleiçons ao Parlamento Europeu VOTA NÓS-Unidade Popular Umha candidatura operária, juvenil e de mulheres @s 54 mulheres e homens que compomos a candidatura de NÓS-Unidade Popular representamos a Galiza que nom choromiqueia, nem se resigna. A Galiza que nom cala e luita. A Galiza inconformista, rebelde, luitadora, insubmissa, corajosa. A Galiza do Trabalho, a Galiza da mocidade combativa, das mulheres que nom baixam a cabeça. A Galiza sem complexos, a Galiza que, quando cai, volta a levantar-se. 1.23456789101112131415161718192021222324252627282930313233343536373839404142434445464748495051525354- Maurício Castro Lopes 34 anos. Professor de EOI. Emigraçom Marinha Vasques Agra. 54 anos. Trabalhadora dos Correios. Vigo Miguel Ángelo Gonçalves Garcia 37 anos. Professor da USC. Lugo Íria Medranho Gonçalves. 25 anos. Desempregada. Ponte Areas Igor Lugris Álvares 35 anos. Operário fabril. Berzo Maria Helena Talho Arribas. Trabalhadora da Sanidade. 51 anos. Lugo Ernesto Lopes Dias. 33 anos. Carpinteiro. Ferrol. Rebeca Oliveira Vilela. 30 anos. Cozinheira. Corunha. Manuel Jesus Outeiro Rodrigues. 20 anos. Trabalhador-Estudante. Burela Eva Rei Outeiro. 24 anos. Trabalhadora dos Correios. Compostela Henrique do Bosque Zapata. 45 anos. Professor/Sindicalista. Vigo Berta Lopes Permui. 25 anos. Trabalhora-Estudante. Compostela Paulo Rico Painceiras. 25 anos. Trabalhador de Artes Gráficas. Compostela Beatriz Peres Bieites. 23 anos. Estudante. Compostela Manuel Caamanho Anhom. 54 anos. Alfareiro. Ames. Noélia Fernandes Marquês. 32 anos. Trabalhadora da Hotelaria. Berzo Breixo Formoso Lopes. 22 anos. Estudante. Louro Patrícia Soares Saiáns. 23 anos. Trabalhadora da Hotelaria. Compostela Eduardo Jesus Sanches Maragoto. 27 anos. Professor de EOI. Emigraçom. Sálvia Lois Lugilde. 18 anos. Estudante. Lugo Afonso Mendes Souto. 23 anos. Estudante. Corunha. Sheila Fernandes Miguez. 18 anos. Estudante. Salvaterra do Minho. Alberte Valinho Martins. 23 anos. Administrativo. Vilar Maior. Íria Maria Leis Figueiroa. 21 anos. Estudante. Louro. Inhigo Ansotegui Soares. 22 anos. Estudante. Compostela Maria Sanches Garcia. 22 anos. Estudante. Compostela Ángelo Rodrigues Meraio. 22 anos. Estudante. Compostela Pilar Veiga Rodrigues. 36 anos. Trabalhadora. Estrada Rodolfo Fernandes Vasques. 26 anos. Operário do Metal. Narom. Gemma Maria Branco Martins. 27 anos. Bolseira da UdC. Corunha. Ramiro Vidal Alvarinho. 31 anos. Empregado do Comércio. Oleiros. Carme Campo Martins. 22 anos. Estudante. Porrinho Abraám Alonso Pinheiro. 24 anos. Operário Industrial. Ponte Areas. Fiodora Lopes Patinho. 21 anos. Estudante. Narom Pedro Vila Táboas. 32 anos. Trabalhador de Artes Gráficas. Emigraçom Marta Carrilho Gregório. 19 anos. Estudante. Vigo Joám Francisco Paz Lopes. 36 anos. Funcionário. Narom Maria Álvares Rei. 23 anos. Estudante. Compostela. Eduardo Vigo Domingues. 18 anos. Canalizador. Compostela. Rebeca Bravo Domingo. 23 anos. Estudante. Compostela Joám Carlos Rei Pinheiro. 29 anos. Trabalhador. Vigo. Sarai Fernandes Marquês. 24 anos. Trabalhadora-Estudante. Ponte Vedra. Manuel Ponce Rodrigues. 25 anos. Operário do Metal. Narom Antia Marinho Ribadulha. 21 anos. Estudante. Ponte Vedra. Diego Bernal Rico. 21 anos. Estudante. Corunha. Minerva Oliveira Vilela. 22 anos. Trabalhadora da Hotelaria. Corunha. Joám Carlos Lopes Dias. 35 anos. Operário do Metal. Ferrol. Margarida Blasco Fernandes. 23 anos. Trabalhadora da Hotelaria. Vigo Jesus Garcia Fernandes. 26 anos. Trabalhador do Audiovisual. Pontedeume Henar Cavero Alonso. 24 anos. Estudante. Compostela. António Pino Rocha. 26 anos. Operário Fabril. Ponte Areas. Maria Silva Barcala. 34 anos. Trabalhadora. Compostela. José Luís Barreira Rodrigues. 27 anos. Trabalhador-Estudante. Verim Bruno Lopes Teixeiro. 25 anos. Desempregado. Ferrol. A Galiza intransigente com toda a forma de injustiça e desigualdade. A Galiza que acredita no seu povo e na nossa naçom. A Galiza orgulhosa de pertencer ao mundo do trabalho. A Galiza dos movimentos sociais, do sindicalismo nacional e de classe, do associacionismo cultural. A Galiza que se mobilizou contra a LOU, que participou activamente nas greves gerais, contra desfeita do Prestige, contra a guerra do Afeganistám e do Iraque, contra o PP, em apoio da Pola primeira vez na história dos diversos processos eleitorais europeus a esquerda independentista galega apresenta candidatura. Nunca antes nengumha força independentista apresentara lista própria. NÓS-UP afronta as Eleiçons europeias do 13 de Junho como a única candidatura genuinamente galega. Somos a única força de esquerda, nacionalista e antipatriarcal galega que concorre com voz própria neste processo eleitoral. Nesta ocasiom, nom há nengumha razom para optar polo erroneamente denominado “voto útil”. A classe trabalhadora, @s que vivemos do nosso salário, do suor de cada dia, @s que padecemos as desigualdades deste sistema, as dificuldades por chegar a final de mês; a juventude a quem se nos nega um futuro digno, que padecemos o trabalho temporário, os salários de miséria, a falta de oportunidades, a quem se impede umha educaçom de qualidade e no nosso idioma; as mulheres marginalizadas e sobre-exploradas polo capitalismo e o patriarcado, as que vemos como os nossos direitos de igualdade continuam sendo papel molhado nos empregos, na casa e nas ruas; @s nacionalistas galeg@s que assistimos impotentes à lenta destruiçom da Galiza e desilusionad@s já nom acreditamos na política de concessons e assimilaçom praticada polo BNG; temos pola primeira vez opçom de mostrar o que sentimos, de forma contundente e firme, mediante um voto de protesto e de resistência. Pola primeira vez, temos a oportunidade, Palestina, contra o machismo e o patriarcado. Somos cinqüenta e quatro homens e mulheres de idades diferentes, representativ@s da diversidade laboral: assalariad@s com contrato fixo, desempregad@s, trabalhadoras/es em precário, emigrantes, estudantes, conhecid@s pola nossa trajectória e compromisso com os valores da esquerda, com umha Galiza livre na Europa. mediante um voto galego, de esquerda e comprometido com a emancipaçom das mulheres, de manifestar que isto tem que mudar, que as cousas nom podem continuar assim. É hora de que neste país, na Galiza, exista umha voz que, sem eufemismos, sem ataduras nem dependências dos poderes fácticos, defenda os interesses da Galiza, que nom som outros que os da classe trabalhadora, da mocidade e das mulheres. É necessaria umha esquerda sem corantes nem aditivos. Umha esquerda que nom se deixe domesticar polo Capital. Umha esquerda que sinta, padeça e faga suas as reivindicaçons d@s de abaixo, d@s que nom temos voz e aos/às quais nos querem negar a palavra. Esta esquerda na Galiza é a esquerda independentista representada por NÓS-UP. É o momento de dar umha oportunidade a quem demonstrou ter umha prática conseqüente, participando activamente nas luitas em defesa dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, contra a reforma laboral e o desemprego, contra as mentiras do Prestige, do Iraque e dos atentatos do 11M, contra a guerra e o imperialismo, na defesa da nossa língua e cultura, reivindicando o direito d@s galeg@s a decidirmos o nosso futuro, exercendo o direito de autodeterminaçom, na denúncia do fascismo, na defesa das liberdades e contra a repressom, na solidariedade internacionalista com as luitas d@s povos e d@s trabalhadoras/es de todo o mundo.