tatuagem: cultura de massas e afirmação subjetiva

Transcrição

tatuagem: cultura de massas e afirmação subjetiva
MEU O CORPO É COMO UM OUTDOOR:
PRODUTOS DA CULTURA DE MASSAS IS NA PELE.
Formatado: Centralizado
Profa. Dra. Maria Angela PAVAN1
Profa. Dra. Josimey Costa da SILVA2
Formatado: Sobrescrito
Formatado: Sobrescrito
Formatado: Todas em maiúsculas
Formatado: Sobrescrito
Formatado: Sobrescrito
Resumo
Formatado: Todas em maiúsculas
Neste artigo, investiga-se a história de consumo cultural de consumidoresjovens
urbanos, principalmente sua a partir de sua escolha de por produtos da cultura de
consumosimbólicos veiculados pela mídia da comunicação de massa e tatuados na pele
em forma de ícones para serem vistosexibidos socialmente. Com suporte principal em
Segundo Stuart Hall, Feathestone e Canevacci, parte-se do pressuposto de que não
existe realidade sem representação da linguagem (Hall 2004). ; assim, A a escolha
opção por certos tipos de dos narradores midiáticos da cultura contemporânea como e a
linguagem da pele é o que está em foco neste artigo. Asproduz nos corpos dos jovens
adultos entrevistados imagens icônicas de bandas, filmes e desenhos. Essas imagens
são uma produção da cultura e suas marcas são resíduos que passam a constituir uma
memória individual ao mesmo tempo, relevante socialmente sobre as relações de
consumo dos sujeitos sociais (Trindade e Pavan 2008). Ae as novas sensibilidades
tanto relatadas pelos pesquisadores (Souza 2001, Sodre 2007, Breton 2009) ficam
denotadas na ação de tatuar os produtos culturais na pelsuergidas daí. Para dar subsídios
para esta reflexão utilizamos também os trabalhos de Mike Featherstone (2005) ,
Massimo Canevacci (2005).
Palavras Chaves: história da cultura e do consumo, história do cConsumo, imagem, e
comunicação
Introdução
1
Professora do Departamento de Comunicação Social UFRN com doutoramento pela....
Professora da do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós Graduação do CCHLAem
Estudos de Mídia e do Programa de Pós-Geraduação em Ciências Sociais da UFRN e Superintendente de
Comunicação da UFRN.
2
1
Formatado: À direita: 0,63 cm
Neste trabalho, buscamos através da narrativa de quatro entrevistados uma
perspectiva para compreender as relações deo afeto entre jovens e alguns diante dos
produtos culturais simbólicos da indústria cultural através da narrativa de quatro
entrevistados da cidade de Natal.
Como nos faz refletir Agnes Heller (1985),
necessitamos alinhavar as histórias do presente para compreendermos a dinâmica
cotidiana. Nela, e
Existem nesta dinâmica da escolhas que se originam de heranças da tradição, do
condicionamento social de tempo e lugar, mas há também outras que obedecem a
sutilezas com nascidas deos vínculos afetivos da proporcionados pela vivência na
cultura midiática deo consumo. A moda, tributária dessa cultura, orienta várias escolhas
dessa ordem e a opção por A escolha da tatuagem pode sugerir ao modismo,é uma
delas. No tipo de tatuagem abordado aqui, há a eleição mas o momento de escolha dos
de imagens que estão produtos culturais está permeadaso pela relação de afetividade e
cumplicidade com os produtos culturais massificados pela mídia.3, que vamos tentar
explorar com o aporte teórico de vários outros autores.
Um deles é Stuart Hall (2000) e suas discussões sobre identidades ou
subjetividades contemporâneas. As discussões estão construídas a partir da busca de
identidade nas teorias de Hall (200) sobre identidade. Onde os sujeitos contemporâneos,
como
nossos
entrevistados,
se
encontram
por
identificação,
bem
como
buscamosBuscamos entender se como os motivos das tatuagens dos jovens adultos
entrevistadosm ajudam ou não aem sua diferenciação á-los e em sua a identificaçãoálos com os demais grupos existentes na teia social em que tais sujeitos se inserem.
O corpus do estudo são narrativas orais coletadas junto aos quatro participantes4
Formatado: Fonte: Itálico
e depois transcritas. Seguimos o seguinte processo de captura:, num primeiro encontro,
gravamos as narrativas em áudio o primeiro encontro e transcrevemos como sugere o
método da história oral.5; numNo segundo momento, gravamos em vídeo no estúdio,
onde o silêncio do estúdio e a presença de poucas pessoas presentes demonstrou que no
segundo encontro com os participantes hápropiciou o surgimento de informações mais
intimistas para o trabalhoe com mais possibilidade de na análise qualitativa de
3
SODRÉ, Muniz. As Estratégias Sensíveis: Afeto, Mídia e Política. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006 p. 12-15.
As entrevistas são com três homens de 23 a 34 anos e uma mulher de 27 anos. (INFORMAR DATA,
LOCAL E RESPONSÁVEL PELA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS).
5
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravação no registro da informação
viva. SP: T.A. Queiroz. 1991.
4
2
Formatado: À direita: 0,63 cm
conteúdo, como sugere o método da história oral6.. Como a técnica da história oral nos
diz, dois ou mais encontros poderá nos fornecer melhores resultados para o trabalho
com narrativas transcritas.
Pretendemos, assim, com este corpus o resgate das memórias individuais e das
experiências sensíveis no momento em que os sujeitos do nosso mundo do consumo
decidem por realizar tatuar os símbolos da indústria cultural na pele.
No último item Tatuo logo Existo apresentamos as quatro experiências sensíveis
de pessoas que tatuaram os produtos de consumo e culturais em seus corpos. O resgate
dessas memórias é também um esforço no sentido de , como um estudo de recepção, ou
seja, da produção de sentido peldo receptor a partir da pertinência dessas ocorrênciasde
influências midiáticas em seu ao cotidiano das pessoas , (Cf. Souza, 2006) por meio do
levantamento de , busca levantar uma certa tipologia dos vínculos sensíveis que
caracterizam essas manifestações cotidianas desse receptor em relação aos produtos
midiáticos e, para tanto, recorremos , a partir do que Muniz Sodré (2006), Almeida
(2000) e, Canevacci (2005).
Que estas narrativas possam contribuir com a interação que temos deste mundo
do consumo contemporâneo e daremos continuidade como expusemos nesta
apresentação. (INTRODUZIR OS CONCEITOS DE CULTURA, LINGUAGEM,
CORPO, SUBJETIVIDADE, CONSUMO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA ATIVA)
6
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravação no registro da informação
viva. SP: T.A. Queiroz. 1991.
Formatado: À direita: 0,63 cm
3
Tatuar para perpetuar e identificar quem sou
Apenas o céu sabe exatamente quando
o primeiro homem e mulher
adicionaram o primeiro ornamento em
seu corpo. Não muito tempo depois,
estou certo, foi feito pelo primitivo
colocando uma decoração permanente,
ou sinal de magia, sobre a pele.
George Burchet
A maneira de declarar pertenças, se identificar-se ou afirmar subjetividade não é
se dá só pelas escolhas dos grupos sociais ou , escolha atividades profissionais a
serem exercidasl; . Hoje aos processos de subjetivação e identificação passam
também pela visibilidade do corpo, como ressalta Bourdieu (1989); no seu livro O
Poder Simbólico “mostre-me como andas, deixe-me observar seus gestos, postura
corporal que digo quem és”.7 A linguagem dos corpos, que é reforçada por textos da
cultura (roupas, adereços, tatuagens) denota pertenças, mas implica também na
expressão distintiva das relações de poder que passam pelos signos da identificação
e da desidentificação.
Villaça e Goes (1998) citam Claude Rommeru para ilustrar que os homens são
divididos em dois esquemas principais, de dimensão horizontal e vertical. A vertical
é que implica a hierarquia dos valores, onde aparece a distinção entre corpo e
espírito (platonismo, cristianismo e o islamismo); j. Já o esquema horizontal ignora
as hierarquias e coloca os seres e as coisas no mesmo plano.8 O uso dos signos
aponta para essas dimensões, pois está imerso num emaranhado de relações culturais
e política, de modo queAs civilizações ainda submersas na natureza selvagem
integrando o homem a natureza.
7
Formatado: Fonte: Itálico
8
Formatado: Fonte: 10 pt
BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. RJ: Difel. 1989 p. 55-57
Sobre a verticalidade e a horizontalidade na cultura, cf. também PROSS, Harry. Estructura simbólica
del poder. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1980.
Formatado: À direita: 0,63 cm
4
Pensar o corpo hoje é pensar suas performances, seus limites, numa
visão que o contemple como um dos elementos constitutivos do amplo
universo semiótico, no qual se produzem as subjetividades.” 9
Derrick de Kerckhove, um canadense que atualiza as idéias de Mc Luhan na
atualidade , em sua obra mais completa A pele da Cultura, afirma “Hoje nós fazemos
o mundo como pensamos; e a forma como pensamos o mundo é que faz toda a
diferença”. Fundamentado no trabalho de McLuhan que define os veículos de
comunicação como extensão do corpo, Kerckhove explica que “cada tecnologia
estende uma de nossas faculdades e transcendem as nossas limitações físicas” 10, o
que faz do progresso tecnológico o resultado de um esforço coletivo de criar melhores
extensões de nosso corpo. Quem poderia ilustrar através da arte performática é o
artista
australiano
Stelarc
(apresenta-se
há
três
décadas
com
suas
performances/instalações) que sempre prolongam a extensão de seu corpo. Stelius
Arcadiou acredita que ao fazer esta mediação entre a máquina e seu corpo coloca em
suas instalações os vários discursos da cultura da teoria social, ciência, e as inúmeras
imagens da ficção cientifica, os modelos da narrativa de “posthuman” (pós homem/
pós morte) dentro dos parâmetros do corpo que tem que estar sempre atualizado. Ele
menciona em suas entrevistas que o corpo precisa da alteridade digital.11
Voltando a Derrick de Kerckhove, assim como McLuhan, diz que Para o autor,
a TV tem uma dimensão não apenas visual e auditiva, mas também tátil: ela “acaricia
e impregna o seu significado por debaixo da nossa pele”12. Stelarc fala deste corpo
que deseja ampliar os sentidos da cultura. Quer sentir a tecnologia, quer experimentar
as sensações da tecnologia. Da mesma esta forma, notamos que as quatroos
entrevistados realizadas parad este trabalho demonstram que desejavam colocar os
símbolos escolhidos dentro da cultura midiática em suas peles, como expressão
incorporada, material, do bem simbólico que . Transpor a dimensão do que vêem e de
que gostam para cima de suas peles. Não Seus corpos não é um corpo que desejam a
alteridade digital, m, ou uma extensão deste corpo como Stelarc. Mas um são corpos
que deseja deixam transparecer em suas superfícies a motivação cultural tanto quanto
9
VILLAÇA, Nizia e GOES, Fred. Em nome do corpo. RJ: Artmidia/Rocco, 1998 p. 28-29.
KHERKOVE, Derrick de. A pele da Cultura, (COMPLETAR)
11
Featherstone, Mike (org) Body Modification. . London: Sage Publication Ltd, 2005. Farnell, Ross. In
Dialogue with ‘Posthuman’ Bodies: Interview with Stelarc. P. 130-147
12
KHERKOVE, Derrick de. A pele da Cultura, (COMPLETAR)
10
Formatado: Inglês (EUA)
Formatado: À direita: 0,63 cm
5
suas mostrar suas escolhas tanto estéticas, quanto as escolhas da cultura. E dDeixam o
seus corpos mostrarem, como num outdoor, as escolhas daquilo que fazem na nas
suas existências.
Nossas entrevistas são três homens de 23 a 34 anos, e uma mulher de 27 anos.
Abaixo colocamos parte das quatro entrevistas onde observamos como acontece a
escolha das imagens a serem tatuadas na pele.
Tatuo: logo existo
“Existirmos: a que será que se destina?” A música Cajuína, de Caetano Veloso,
nos convida a pensar. A tatuagem também nos convida a pensar este corpo que se
expande além de quem se tatua. Enquanto a escrita deste artigo caminhava, estava sendo
exibido na televisão um comercial de cerveja e tatuagem. O ator fica em dúvida sobre
do que tatuar. Ouve todas as opiniões e acaba desenhando algo monstruoso na pele.
Outro comercial de automóvel apresentava com várias inserções de jovens se
reinventando com em imagens sobrepondo-se uma a à outra. . Dentro desta lógica
aApareceu um número maior de imagens de jovens tatuados, indicando que t. Tatuar é
sinônimo de reinvenção de identidade. Posso me reinventar a cada nova tatuagem. O
importante é tatuar,P perante o bombardeio de imagens pela mídia, das inúmeras
sociedades possibilidades identitárias, dos presentes sucessivos e da fragmentação das
sociedades contemporâneas, e papeis culturais que desempenhamos o importante é
tatuar. Meu O corpo é o outdoor das e minhas escolhas subjetivas, o meu corpo mostra
Formatado: Fonte: Itálico
também quem sou. Segundo os nossos entrevistados, as tatuagens são a continuidade da
existência e, ela marcacorrespondem a um período determinado que é marcado por e
também um período de escolhas de personalidade (identitárias. dade).
Identidade é entendida aqui conforme a perspectiva de mo Hall (2000)13 ao
discutir o estatuto cultural contemporâneo das identidades. culturais, O autor Stuart
Hall observa que hoje categorias de identidade e processos de identificação se
apresentam pulverizadas e multifacetadas pela diversidade de papéis sociais vividos
pelos indivíduos. Além disso, os fenômenos do descentramento e deslocamento das
identidades, permitem perceber que hoje essas identidades se manifestem de modo
transitório, em contínuas transformações.
13
HALL, Stuart. A identidade na pós modernidade. RJ: DP&A. 2000 p.7 – 46.
Formatado: À direita: 0,63 cm
6
Assim ficou claro oO depoimento de O. T. (publicitário 34 anos) relatado neste
artigo é uma indicação disso. Ele nos confirma quando narra suas escolhas de tatuagem
e sobre sua intenção de se realizar tatoos. Quando O. T. quando muda algo em sua
Formatado: Fonte: Não Negrito
vida, sente que precisa marcar a pele, mudar a sua cor através de uma nova tatuagem. O
verbo transformar está presente em toda a sua fala. Ele sempre precisa mudar a cor da
Formatado: Fonte: Não Negrito
pele através de uma nova tatuagem. Bbuscar uma nova imagem para ser tatuada no
Formatado: Fonte: Não Negrito, Não
Itálico
corpo, e acredita que assim se renova a cada nova imagem, além deisso associarcredita
que os sentimentos estão associados a esta transformação na pele. Se está triste, recorre
as imagens para se renovar. O. T. tem um vinte e sete imagens no corpo de marcas e
produtos simbólicosculturais da nossa sociedade de consumo.
No filme “Senhores do Crime”14, de David Cronenberg, que fala da máfia Russa
(Eastern Promises 2007) as tatuagens são identificação para mafiosos. mostrarem a que
máfia pertencem ou pertenceram. No Através do ritual que envolve todos os membros
da máfia, o personagem Nikolai (Viggo Mortensen) é tatuado. Vários códigos e
símbolos são a identidade do sujeito perante a máfia, neste caso a máfia Russa
sediadaque vive em Londres, a. Assim como é a identidade no corpo as hierarquias que
são tatuados a hierarquia de uma numa tribo indígena são tatuados no corpo (Marcel
Mauss 2003), s. Segundo Mauss, para quem o corpo é necessariamente uma construção
simbólica e cultural;, toda sociedade utiliza de formas e símbolos para marcar os corpos
de seus membros.15
Dentro do universo pesquisado para esta pesquisa vimos o mesmo corpo
propondo a extensão do que se escolhe na cultura. Voltando a O. T. – 34 anos,
publicitário, disse que desde pequeno pensou em se tatuar. Sempre acreditou que a
tatuagem é algo muito expressivo dentro de nossa sociedade e consegue ver o BELO
por trás da tatuagem. Diz que o que chama atenção se uma pessoa tem bom gosto ou
não, é o número de tatuagem que ela possui. Procura em suas escolhas sempre conhecer
garotas tatuadas. Para seu corpo escolheu como primeira tatuagem o símbolo do super
homem na perna. Ele mesmo o desenhou já que trabalha como designer gráfico
também.
Acredita que o herói Super Homem é um símbolo que representa sua
identidade porque sempre se considerou diferente das pessoas: - “As pessoas de um
modo geral acham a vida complicada eu me acho, desde quando escolhi a
14
15
Formatado: Fonte: Itálico
Eastern Promises, Inglaterra – Canadá - EUA/ 2007.
MAUSS, Marcel.Sociologia e Antropologia. SP: Cosac & Nayf. 2003.
Formatado: À direita: 0,63 cm
7
tatuagem, um vencedor como o super homem, então eu precisava, daquela
tatuagem pra me identificar perante as pessoas. Fiz esta Tatoo com 28 anos, foi
bem pensado. Então eu comecei a pesquisar e eu sempre achei legal aquele lance
do super homem, de ele ter uma identidade secreta, de ele fazer as coisas pras
outras pessoas, e é o que eu faço , faço para as pessoas que estão ao meu redor e
nunca faço por mim, como super homem”
O. T. tem outras vinte e seis tatuagens, a grande maioria escolheu pelo gosto
musical pessoal, do que pelo personagem. O soldado híbrido do Linking Park (uma
banda que ele gosta muito) foi a tatoo que mais doeu, ele nunca se esquece, porque ao
fazê-la foi a que mais fluiu sangue. Fez os elefantes que rodeia seus braços em
homenagem ao Michael Peter Balzary (o baixista Flea da banda Red Hot Chili Peppers),
segundo ele o melhor baixista do planeta.
Outra em homenagem a banda é de uma moça tocando um baixo acústico:
- “tenho mais algumas ligadas ao Anthony Kiedis (vocalista da banda Red Hot
Chili Peppers), que são duas que ele tem nos braços, uma representa o amor e
outro representa a paz”.
As tatuagens estão ligadas aos acontecimentos e gostos da vida de O. T. (34
anos). Quando acontece algo bom ou mesmo ruim ele se recicla e quer marcar o corpo,
repete que a vontade de tatuar vem de dentro, e uma vez sentir o prazer de estar tatuado,
sempre buscasse a tatuagem como forma de expressão: - “Eu costumo realizá-las
rapidamente em situações que não consigo manter o controle, então eu achava que
pra eu poder mudar e esquecer aquele pouco que eu deixei pra trás eu precisava
fazer uma tatuagem nova, era como se cada coisa que acontecesse eu precisava
fazer uma tatuagem nova pra deixar aquilo pra trás e então é assim que carrego
todas elas. Todas marcam um momento, duas foram uma homenagem a uma
pessoa que eu gostava, mas nada de colocar nomes, mas as pessoas mudam com o
tempo, não adianta colocar nomes. Sempre são símbolos da indústria cultural. Sou
publicitário e amo as marcas e produtos da indústria. Vou continuar tatuando até
morrer”.
Para O. T. que possui muitas tatuagens, a mais importante delas continua sendo
a primeira do super homem.:- “Eu mudo através da tatuagem, já que não posso
mudar de rosto, quando você fica com determinada pessoa, dá impressão que você
fica usado, pra você renovar você tem que - fazer alguma coisa, algumas pessoas
8
Formatado: À direita: 0,63 cm
mudam o cabelo, outras preferem roupa, outras viajam, e eu faço uma tatuagem
nova, então cada 2 ou 3 meses eu faço alguma nova, daí dá a impressão que eu
estou renovado.”
Este mundo que nos convida a mudar, renovar a cada instante para estar em
evidência é comentado pelo pesquisador Gilles Lipotveski, numa palestra16 ele relata
que vivemos um mundo que intensifica o conceito de modernidade. Principalmente no
que se refere à busca da autonomia, prazer e renovação, consumo e individualização.
Segundo a transcrição de sua fala o presente é fundamental, mas não deixamos o futuro
de fora. Buscamos o presente (tema dominante) com o comportamento hedonista em
relação à informação e comunicação, ressaltamos a importância da rapidez no tempo. O
imediato é necessário e esperar nos deixa irritado. O presente tem que vir com a pitada
da rapidez.
D. S. 27 anos, estudante de história, pensou em se tatuar quando tinha uma
banda de Punk Rock na adolescência quando morava em uma cidade bem pequena do
interior do estado de São Paulo. Ela tatuou o desenho do Kenny do desenho animado
para adultos do South Park colorido e bem grande nas costas e diz ter feito o desenho
pois acha-o esteticamente delicado, na linguagem dela “fofo”: - “Fiz o desenho do
Kenny eu tinha acabado de completar dezoito, escolhi porque eu simpatizo com o
personagem, na serie do desenho ele é um personagem bom e legal em relação aos
seus outros amigos, e ele sempre morre nos fins dos episódios, então para dar uma
alegria ao Kenny decidi colocá-lo em mim assim ele só morreria se eu também
morrer louco não?”.
Ela sentiu muito carinho pelo desenho, hoje menos, mas ainda gosta. Agora tem
outros símbolos que gostaria de desenhar. Diz que não fui motivada por ninguém para
fazer a tatoo, e que gosta da essência tribalistica (epigrafe assinada por George Burchett
no inicio deste artigo) que envolve desenhar o corpo.
D. F. 24 anos cabeleireiro e tatuator, tem desenhado em todo o corpo a banda de
pop britânica de cinco garotas Spice girls. Os desenhos são das cinco garotas da banda;
Emma Bunton, Geriram Haliwell, Melanie B., Melanie C. e Victoria Beckham; estão
desenhadas ao redor de suas pernas. E a letra da música da banda intitulada “spice up
16
Palestra de Gilles Lipovetsky (Um. Grenoble) sobre hipermodernidade e indiviualidade no Café
Filosófico na CPFL em Campinas no dia 24/08/2004 – quinta- feira.
Formatado: À direita: 0,63 cm
9
your life” nas costas. A música faz parte do álbum Spiceworld um compacto simples
(single) promocional e a música foi utilizada como parte da divulgação do desodorante
Impulse Spice e a fragrância vinha escrita na capa do álbum. Talvez D. F. não saiba
deste episódio. Comenta sobre a escolha da banda abaixo: - “ Tatuei a spice girls
porque surgiu a banda, conheci elas através de uma professora de inglês que foi
pra Europa e trouxe um cd pra mim e disse “acho que você vai gostar desse cd”, aí
eu comecei a ouvir as musicas e fui gostando, achei interessante um clipe delas,
todas feitas em animação, eu gostei muito do desenho, aí já que eu gosto da banda
eu vou tatuar porque eu acho legal”.
A letra da musica Spice Up Your Life, segundo a narrativa de D. F. expressa
independência, responsabilidade e relata o não depender de ninguém, conseguir viver
sua vida por você mesmo: -“Sempre gostei de ter vontade de ter a liberdade, ... a
gente sempre vai buscando a liberdade e acho que a tatuagem ajudou eu me
expressar livremente e também correr atrás dessa vontade de ser livre”.
Vivemos numa sociedade que nos impõe as regras de ser. Para mostrar liberdade
meu corpo precisa se expressar através de simbologias.17
Os sinais do rosto e do corpo inserem o indivíduo no mundo, mas tratando-se
invariavelmente do compartilhamento de uma comunidade social, eles o transcendem.
Um imenso domínio de expressão está apto a colher uma gama de emoções e a traduzilas aos olhos dos demais, tornando-as compreensíveis e comunicáveis. Os movimentos
do rosto e do corpo formam um terreno de metamorfoses espetaculares e permanentes
que, no entanto, empregam modificações ínfimas de disposição. Eles se tornam
facilmente uma cena na medida em que oferecem à leitura os sinais que revelam a
emoção e o papel desempenhado na interação.”18
Breton (2009) um filósofo e antropólogo das emoções nos fala em seu trabalho
de pesquisa que estamos atuando num momento especial onde as sensações e gestos
corporais transcendem a cada dia que passa.
17
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. RJ: Difel, 1989. p.11
BRETON, David Le. As Paixões Ordinárias: Antropologia das emoções. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009
p. 42.
18
10
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Voltando ao nosso entrevistado D. T. diz que começou a pensar em se tatuar
quando conheceu a tatuagem artística. Fez um curso de tatuador e começou a escolher o
que tatuar. “Acredito que acontecem coisas na vida da gente que a gente quer
marcar. São historias que marcam e você vai desejando não esquecer nunca desses
momentos então você decide gravar no corpo.” D.T tem vários símbolos da indústria
cultural no seu corpo. E disse que vai continuar tatuando os espaços vazios do seu
corpo: - “O snoopy eu fiz ele por que pra mim o snoopy representa liberdade,
porque ele não depende na história ele não depende do dono dele, ele é
independente, e acho que é isso, só que ao mesmo tempo que ele é independente ele
necessita do carinho, do dono, então eu acho que é isso mesmo”.
D. T. se tatua desde os 16 anos e o snoopy foi sua primeira tatuagem. As spice
girls
começou a fazer quando tinha 22 e terminou com 23 anos. Demorou alguns
meses para terminar tudo, das pernas e das costas inteira.
Fez do Michelangelo A criação de Adão (afresco Capela Sistina do Vaticano ) o
encontro dos dedos de Deus e do homem nos braços, para simbolizar no seu corpo o
encontro dos o contato com Deus.
V.T. 23 anos estudante escolheu a banda Strung Out para tatuar em sua perna e
pé. Disse que adorava desde a adolescência ir a bares de rock. Seus modelos eram
sempre os rapazes mais velhos que tinham tatuagem e tocavam em bandas. Gostava de
desenhar e tinha muito interesse em artes. Desejava fazer desde sempre, mas os pais
sempre foram contra e não contribuíam financeiramente para construção da tatuagem:
-“ ... eu pensei bastante antes de fazer porque é uma decisão fixa única e tal,
só pensei na banda Strung Out, sempre gostei muito das letras, das melodias, e
também eu gostava do símbolo dela, daí eu resolvi tatuar o símbolo da Banda.
Tinha o vocal de minha banda que me incentivou, ele era tatuador e me deu um
desconto.”
Tatuou duas bandas Green Day e Strung Out na pele. Uma porque foi o carinho
primeiro com o ritmo, a segunda se identifica mais com as letras e o ritmo hardcore que
trata sempre dos fatos que acontecem atualmente. As letras tratam de sentimentos
pessoais, política e sociedade e são sempre muito reflexivas para V. T.
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11
V. M. estudante de 21 anos tatuou a banda Kiss e se veste como os integrantes
da banda. Não é só a tatuagem que fala de sua identificação mas também as roupas e
postura corporal. Disse que resolveu mudar a forma de se vestir quando a banda veio
para Brasil em 1999 em um show no Interlagos. O irmão de V. T. foi e trouxe um cd e
uma camiseta de presente para ele, neste momento começou a procurar tudo sobre a
banda Kiss. A paixão começou neste instante e perdura até sua maneira de se colocar
perante a câmera e entrevista utiliza os gestos da banda Kiss, veja baixo o depoimento
transcrito: -“é uma coisa que vai continuar comigo pelo resto da vida. O ano de
1999 foi um marco para mim. Escolhi de maneira tranqüila o símbolo da banda
para ttauar na minha pele e o no ano que vem vou fechar minhas costas com o
símbolo do Kiss. Esta primeira tatuagem foi um desenho que eu achei bonito, que
representa a banda inicial, que é a formação original deles, queria ter primeiro
essa tatuagem para depois fazer as outras deles. Minha paixão é difícil explicar
quase ninguém entende, só quem gosta realmente de uma coisa, sabe o que eu to
falando. Não é uma coisa que dá pra eu sair explicando pra todo mundo.”
Não dá para explicar para todo mundo que minhas escolhas são diferentes, para
que eu me sinta pertencente a um mundo que está dentro dos meus gostos preciso tatuar
para ser aceito. Estamos em plena construção de novos mecanismos de identidade que
muitos pesquisadores nos convidam a refletir sobre as novas identidades e maneiras de
ser e estar. Canclini (1999) previu e discutiu sobre a identidade dos consumidores.
Junto com a degradação da política e a descrença em suas instituições,
outros modos de participação se fortalecem. Homens e mulheres
percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que
lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar,
quem representa meus interesses – recebem sua resposta mais através
do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do
que nas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva
em espaços públicos.19
19
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. RJ: UFRJ, 1999 p. 37
Formatado: À direita: 0,63 cm
12
Considerações finais
Walter Benjamin dizia no seu texto O narrador20 que havia uma crise da
recepção produtiva. Ele comentava que havíamos deixado de lado a forma de narrar as
experiências, aquela que faz o ouvinte se tornar um novo relator (O Falador de Vargas
Llosa).
Pensando sobre esta forma de não conseguirmos narrar o que vivenciamos a
perda da nossa capacidade de verbalizar nossas escolhas, nossos anseios, nossas
experiências – deixamos de lado a fala e traduzimos esta fala através das escolhas de
imagens do corpo. A fora de volume de informações nos permite calar. E neste silêncio
procuro uma síntese daquilo que me faz representar nas escolhas de imagens que
perpetuo no meu corpo.
O. T. (34 anos) disse que coloca suas mudanças na pele, se renova a cada
nova tatuagem e que isso vem primeiro de dentro. Ouço este relato como algo que foge
a fala, um argumento que vem dos sentimentos, ele deixa aflorar na pele – na flor da
pele – suas escolhas.
D. S. (27 anos) tatuou o Kenny para dar mais tempo de vida a ele já que ela o
considera o personagem de maior valor dentro do desenho South Park. E tem um
carinho especial pelo caráter tribal da tatuagem. Quer se tatuar mais com outros
símbolos que representam seus anseios.
D. F (24 anos) a tatuagem fornece um argumento para sua liberdade que
tanto sonhava. E tatua o corpo todo, buscou a formação de tatuador para melhorar os
traços que são tatuados em sua pele.
V. T. (23 anos) decidiu tatuar o que o identifica, escolheu a banca Strung Out
pois ritmo e letras falam muito de seu olhar para o mundo que o rodeia.
V. M (21 anos, escolheu sua paixão – a banda Kiss, ainda cedo com 16 anos.
Agora se veste como os integrantes, tem a postura e o olhar da banda e disse que vai
20
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e Técnica, arte
e política, ensaios sobre literatura e história da cultura. SP: Brasiliense, 1994 p. 197-221
13
Formatado: À direita: 0,63 cm
tatuar a banda nas costas por inteiro e que sua identidade e paixão estão misturadas
com a banca.
São muitas narrativas sobre tatuagem de símbolos da indústria cultural na pele.
Cada um escolhe a palavra que os motiva. Todos estão buscando uma maneira de deixar
sua história de vida entre o significado que permeiam estes símbolos. Todos eles são
sutis, precisamos estar próximos para que eles nos contem e nos façam pensar sobre o
momento exato da decisão em tatuar o símbolo. Nós precisamos abrir mais espaços para
que estas falas nos façam compreender as mudanças que ocorrem no nosso cotidiano e
das novas sensibilidades.
Bibliografia
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Formatado: À direita: 0,63 cm
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