tatuagem: cultura de massas e afirmação subjetiva
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tatuagem: cultura de massas e afirmação subjetiva
MEU O CORPO É COMO UM OUTDOOR: PRODUTOS DA CULTURA DE MASSAS IS NA PELE. Formatado: Centralizado Profa. Dra. Maria Angela PAVAN1 Profa. Dra. Josimey Costa da SILVA2 Formatado: Sobrescrito Formatado: Sobrescrito Formatado: Todas em maiúsculas Formatado: Sobrescrito Formatado: Sobrescrito Resumo Formatado: Todas em maiúsculas Neste artigo, investiga-se a história de consumo cultural de consumidoresjovens urbanos, principalmente sua a partir de sua escolha de por produtos da cultura de consumosimbólicos veiculados pela mídia da comunicação de massa e tatuados na pele em forma de ícones para serem vistosexibidos socialmente. Com suporte principal em Segundo Stuart Hall, Feathestone e Canevacci, parte-se do pressuposto de que não existe realidade sem representação da linguagem (Hall 2004). ; assim, A a escolha opção por certos tipos de dos narradores midiáticos da cultura contemporânea como e a linguagem da pele é o que está em foco neste artigo. Asproduz nos corpos dos jovens adultos entrevistados imagens icônicas de bandas, filmes e desenhos. Essas imagens são uma produção da cultura e suas marcas são resíduos que passam a constituir uma memória individual ao mesmo tempo, relevante socialmente sobre as relações de consumo dos sujeitos sociais (Trindade e Pavan 2008). Ae as novas sensibilidades tanto relatadas pelos pesquisadores (Souza 2001, Sodre 2007, Breton 2009) ficam denotadas na ação de tatuar os produtos culturais na pelsuergidas daí. Para dar subsídios para esta reflexão utilizamos também os trabalhos de Mike Featherstone (2005) , Massimo Canevacci (2005). Palavras Chaves: história da cultura e do consumo, história do cConsumo, imagem, e comunicação Introdução 1 Professora do Departamento de Comunicação Social UFRN com doutoramento pela.... Professora da do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós Graduação do CCHLAem Estudos de Mídia e do Programa de Pós-Geraduação em Ciências Sociais da UFRN e Superintendente de Comunicação da UFRN. 2 1 Formatado: À direita: 0,63 cm Neste trabalho, buscamos através da narrativa de quatro entrevistados uma perspectiva para compreender as relações deo afeto entre jovens e alguns diante dos produtos culturais simbólicos da indústria cultural através da narrativa de quatro entrevistados da cidade de Natal. Como nos faz refletir Agnes Heller (1985), necessitamos alinhavar as histórias do presente para compreendermos a dinâmica cotidiana. Nela, e Existem nesta dinâmica da escolhas que se originam de heranças da tradição, do condicionamento social de tempo e lugar, mas há também outras que obedecem a sutilezas com nascidas deos vínculos afetivos da proporcionados pela vivência na cultura midiática deo consumo. A moda, tributária dessa cultura, orienta várias escolhas dessa ordem e a opção por A escolha da tatuagem pode sugerir ao modismo,é uma delas. No tipo de tatuagem abordado aqui, há a eleição mas o momento de escolha dos de imagens que estão produtos culturais está permeadaso pela relação de afetividade e cumplicidade com os produtos culturais massificados pela mídia.3, que vamos tentar explorar com o aporte teórico de vários outros autores. Um deles é Stuart Hall (2000) e suas discussões sobre identidades ou subjetividades contemporâneas. As discussões estão construídas a partir da busca de identidade nas teorias de Hall (200) sobre identidade. Onde os sujeitos contemporâneos, como nossos entrevistados, se encontram por identificação, bem como buscamosBuscamos entender se como os motivos das tatuagens dos jovens adultos entrevistadosm ajudam ou não aem sua diferenciação á-los e em sua a identificaçãoálos com os demais grupos existentes na teia social em que tais sujeitos se inserem. O corpus do estudo são narrativas orais coletadas junto aos quatro participantes4 Formatado: Fonte: Itálico e depois transcritas. Seguimos o seguinte processo de captura:, num primeiro encontro, gravamos as narrativas em áudio o primeiro encontro e transcrevemos como sugere o método da história oral.5; numNo segundo momento, gravamos em vídeo no estúdio, onde o silêncio do estúdio e a presença de poucas pessoas presentes demonstrou que no segundo encontro com os participantes hápropiciou o surgimento de informações mais intimistas para o trabalhoe com mais possibilidade de na análise qualitativa de 3 SODRÉ, Muniz. As Estratégias Sensíveis: Afeto, Mídia e Política. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006 p. 12-15. As entrevistas são com três homens de 23 a 34 anos e uma mulher de 27 anos. (INFORMAR DATA, LOCAL E RESPONSÁVEL PELA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS). 5 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravação no registro da informação viva. SP: T.A. Queiroz. 1991. 4 2 Formatado: À direita: 0,63 cm conteúdo, como sugere o método da história oral6.. Como a técnica da história oral nos diz, dois ou mais encontros poderá nos fornecer melhores resultados para o trabalho com narrativas transcritas. Pretendemos, assim, com este corpus o resgate das memórias individuais e das experiências sensíveis no momento em que os sujeitos do nosso mundo do consumo decidem por realizar tatuar os símbolos da indústria cultural na pele. No último item Tatuo logo Existo apresentamos as quatro experiências sensíveis de pessoas que tatuaram os produtos de consumo e culturais em seus corpos. O resgate dessas memórias é também um esforço no sentido de , como um estudo de recepção, ou seja, da produção de sentido peldo receptor a partir da pertinência dessas ocorrênciasde influências midiáticas em seu ao cotidiano das pessoas , (Cf. Souza, 2006) por meio do levantamento de , busca levantar uma certa tipologia dos vínculos sensíveis que caracterizam essas manifestações cotidianas desse receptor em relação aos produtos midiáticos e, para tanto, recorremos , a partir do que Muniz Sodré (2006), Almeida (2000) e, Canevacci (2005). Que estas narrativas possam contribuir com a interação que temos deste mundo do consumo contemporâneo e daremos continuidade como expusemos nesta apresentação. (INTRODUZIR OS CONCEITOS DE CULTURA, LINGUAGEM, CORPO, SUBJETIVIDADE, CONSUMO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA ATIVA) 6 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravação no registro da informação viva. SP: T.A. Queiroz. 1991. Formatado: À direita: 0,63 cm 3 Tatuar para perpetuar e identificar quem sou Apenas o céu sabe exatamente quando o primeiro homem e mulher adicionaram o primeiro ornamento em seu corpo. Não muito tempo depois, estou certo, foi feito pelo primitivo colocando uma decoração permanente, ou sinal de magia, sobre a pele. George Burchet A maneira de declarar pertenças, se identificar-se ou afirmar subjetividade não é se dá só pelas escolhas dos grupos sociais ou , escolha atividades profissionais a serem exercidasl; . Hoje aos processos de subjetivação e identificação passam também pela visibilidade do corpo, como ressalta Bourdieu (1989); no seu livro O Poder Simbólico “mostre-me como andas, deixe-me observar seus gestos, postura corporal que digo quem és”.7 A linguagem dos corpos, que é reforçada por textos da cultura (roupas, adereços, tatuagens) denota pertenças, mas implica também na expressão distintiva das relações de poder que passam pelos signos da identificação e da desidentificação. Villaça e Goes (1998) citam Claude Rommeru para ilustrar que os homens são divididos em dois esquemas principais, de dimensão horizontal e vertical. A vertical é que implica a hierarquia dos valores, onde aparece a distinção entre corpo e espírito (platonismo, cristianismo e o islamismo); j. Já o esquema horizontal ignora as hierarquias e coloca os seres e as coisas no mesmo plano.8 O uso dos signos aponta para essas dimensões, pois está imerso num emaranhado de relações culturais e política, de modo queAs civilizações ainda submersas na natureza selvagem integrando o homem a natureza. 7 Formatado: Fonte: Itálico 8 Formatado: Fonte: 10 pt BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. RJ: Difel. 1989 p. 55-57 Sobre a verticalidade e a horizontalidade na cultura, cf. também PROSS, Harry. Estructura simbólica del poder. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1980. Formatado: À direita: 0,63 cm 4 Pensar o corpo hoje é pensar suas performances, seus limites, numa visão que o contemple como um dos elementos constitutivos do amplo universo semiótico, no qual se produzem as subjetividades.” 9 Derrick de Kerckhove, um canadense que atualiza as idéias de Mc Luhan na atualidade , em sua obra mais completa A pele da Cultura, afirma “Hoje nós fazemos o mundo como pensamos; e a forma como pensamos o mundo é que faz toda a diferença”. Fundamentado no trabalho de McLuhan que define os veículos de comunicação como extensão do corpo, Kerckhove explica que “cada tecnologia estende uma de nossas faculdades e transcendem as nossas limitações físicas” 10, o que faz do progresso tecnológico o resultado de um esforço coletivo de criar melhores extensões de nosso corpo. Quem poderia ilustrar através da arte performática é o artista australiano Stelarc (apresenta-se há três décadas com suas performances/instalações) que sempre prolongam a extensão de seu corpo. Stelius Arcadiou acredita que ao fazer esta mediação entre a máquina e seu corpo coloca em suas instalações os vários discursos da cultura da teoria social, ciência, e as inúmeras imagens da ficção cientifica, os modelos da narrativa de “posthuman” (pós homem/ pós morte) dentro dos parâmetros do corpo que tem que estar sempre atualizado. Ele menciona em suas entrevistas que o corpo precisa da alteridade digital.11 Voltando a Derrick de Kerckhove, assim como McLuhan, diz que Para o autor, a TV tem uma dimensão não apenas visual e auditiva, mas também tátil: ela “acaricia e impregna o seu significado por debaixo da nossa pele”12. Stelarc fala deste corpo que deseja ampliar os sentidos da cultura. Quer sentir a tecnologia, quer experimentar as sensações da tecnologia. Da mesma esta forma, notamos que as quatroos entrevistados realizadas parad este trabalho demonstram que desejavam colocar os símbolos escolhidos dentro da cultura midiática em suas peles, como expressão incorporada, material, do bem simbólico que . Transpor a dimensão do que vêem e de que gostam para cima de suas peles. Não Seus corpos não é um corpo que desejam a alteridade digital, m, ou uma extensão deste corpo como Stelarc. Mas um são corpos que deseja deixam transparecer em suas superfícies a motivação cultural tanto quanto 9 VILLAÇA, Nizia e GOES, Fred. Em nome do corpo. RJ: Artmidia/Rocco, 1998 p. 28-29. KHERKOVE, Derrick de. A pele da Cultura, (COMPLETAR) 11 Featherstone, Mike (org) Body Modification. . London: Sage Publication Ltd, 2005. Farnell, Ross. In Dialogue with ‘Posthuman’ Bodies: Interview with Stelarc. P. 130-147 12 KHERKOVE, Derrick de. A pele da Cultura, (COMPLETAR) 10 Formatado: Inglês (EUA) Formatado: À direita: 0,63 cm 5 suas mostrar suas escolhas tanto estéticas, quanto as escolhas da cultura. E dDeixam o seus corpos mostrarem, como num outdoor, as escolhas daquilo que fazem na nas suas existências. Nossas entrevistas são três homens de 23 a 34 anos, e uma mulher de 27 anos. Abaixo colocamos parte das quatro entrevistas onde observamos como acontece a escolha das imagens a serem tatuadas na pele. Tatuo: logo existo “Existirmos: a que será que se destina?” A música Cajuína, de Caetano Veloso, nos convida a pensar. A tatuagem também nos convida a pensar este corpo que se expande além de quem se tatua. Enquanto a escrita deste artigo caminhava, estava sendo exibido na televisão um comercial de cerveja e tatuagem. O ator fica em dúvida sobre do que tatuar. Ouve todas as opiniões e acaba desenhando algo monstruoso na pele. Outro comercial de automóvel apresentava com várias inserções de jovens se reinventando com em imagens sobrepondo-se uma a à outra. . Dentro desta lógica aApareceu um número maior de imagens de jovens tatuados, indicando que t. Tatuar é sinônimo de reinvenção de identidade. Posso me reinventar a cada nova tatuagem. O importante é tatuar,P perante o bombardeio de imagens pela mídia, das inúmeras sociedades possibilidades identitárias, dos presentes sucessivos e da fragmentação das sociedades contemporâneas, e papeis culturais que desempenhamos o importante é tatuar. Meu O corpo é o outdoor das e minhas escolhas subjetivas, o meu corpo mostra Formatado: Fonte: Itálico também quem sou. Segundo os nossos entrevistados, as tatuagens são a continuidade da existência e, ela marcacorrespondem a um período determinado que é marcado por e também um período de escolhas de personalidade (identitárias. dade). Identidade é entendida aqui conforme a perspectiva de mo Hall (2000)13 ao discutir o estatuto cultural contemporâneo das identidades. culturais, O autor Stuart Hall observa que hoje categorias de identidade e processos de identificação se apresentam pulverizadas e multifacetadas pela diversidade de papéis sociais vividos pelos indivíduos. Além disso, os fenômenos do descentramento e deslocamento das identidades, permitem perceber que hoje essas identidades se manifestem de modo transitório, em contínuas transformações. 13 HALL, Stuart. A identidade na pós modernidade. RJ: DP&A. 2000 p.7 – 46. Formatado: À direita: 0,63 cm 6 Assim ficou claro oO depoimento de O. T. (publicitário 34 anos) relatado neste artigo é uma indicação disso. Ele nos confirma quando narra suas escolhas de tatuagem e sobre sua intenção de se realizar tatoos. Quando O. T. quando muda algo em sua Formatado: Fonte: Não Negrito vida, sente que precisa marcar a pele, mudar a sua cor através de uma nova tatuagem. O verbo transformar está presente em toda a sua fala. Ele sempre precisa mudar a cor da Formatado: Fonte: Não Negrito pele através de uma nova tatuagem. Bbuscar uma nova imagem para ser tatuada no Formatado: Fonte: Não Negrito, Não Itálico corpo, e acredita que assim se renova a cada nova imagem, além deisso associarcredita que os sentimentos estão associados a esta transformação na pele. Se está triste, recorre as imagens para se renovar. O. T. tem um vinte e sete imagens no corpo de marcas e produtos simbólicosculturais da nossa sociedade de consumo. No filme “Senhores do Crime”14, de David Cronenberg, que fala da máfia Russa (Eastern Promises 2007) as tatuagens são identificação para mafiosos. mostrarem a que máfia pertencem ou pertenceram. No Através do ritual que envolve todos os membros da máfia, o personagem Nikolai (Viggo Mortensen) é tatuado. Vários códigos e símbolos são a identidade do sujeito perante a máfia, neste caso a máfia Russa sediadaque vive em Londres, a. Assim como é a identidade no corpo as hierarquias que são tatuados a hierarquia de uma numa tribo indígena são tatuados no corpo (Marcel Mauss 2003), s. Segundo Mauss, para quem o corpo é necessariamente uma construção simbólica e cultural;, toda sociedade utiliza de formas e símbolos para marcar os corpos de seus membros.15 Dentro do universo pesquisado para esta pesquisa vimos o mesmo corpo propondo a extensão do que se escolhe na cultura. Voltando a O. T. – 34 anos, publicitário, disse que desde pequeno pensou em se tatuar. Sempre acreditou que a tatuagem é algo muito expressivo dentro de nossa sociedade e consegue ver o BELO por trás da tatuagem. Diz que o que chama atenção se uma pessoa tem bom gosto ou não, é o número de tatuagem que ela possui. Procura em suas escolhas sempre conhecer garotas tatuadas. Para seu corpo escolheu como primeira tatuagem o símbolo do super homem na perna. Ele mesmo o desenhou já que trabalha como designer gráfico também. Acredita que o herói Super Homem é um símbolo que representa sua identidade porque sempre se considerou diferente das pessoas: - “As pessoas de um modo geral acham a vida complicada eu me acho, desde quando escolhi a 14 15 Formatado: Fonte: Itálico Eastern Promises, Inglaterra – Canadá - EUA/ 2007. MAUSS, Marcel.Sociologia e Antropologia. SP: Cosac & Nayf. 2003. Formatado: À direita: 0,63 cm 7 tatuagem, um vencedor como o super homem, então eu precisava, daquela tatuagem pra me identificar perante as pessoas. Fiz esta Tatoo com 28 anos, foi bem pensado. Então eu comecei a pesquisar e eu sempre achei legal aquele lance do super homem, de ele ter uma identidade secreta, de ele fazer as coisas pras outras pessoas, e é o que eu faço , faço para as pessoas que estão ao meu redor e nunca faço por mim, como super homem” O. T. tem outras vinte e seis tatuagens, a grande maioria escolheu pelo gosto musical pessoal, do que pelo personagem. O soldado híbrido do Linking Park (uma banda que ele gosta muito) foi a tatoo que mais doeu, ele nunca se esquece, porque ao fazê-la foi a que mais fluiu sangue. Fez os elefantes que rodeia seus braços em homenagem ao Michael Peter Balzary (o baixista Flea da banda Red Hot Chili Peppers), segundo ele o melhor baixista do planeta. Outra em homenagem a banda é de uma moça tocando um baixo acústico: - “tenho mais algumas ligadas ao Anthony Kiedis (vocalista da banda Red Hot Chili Peppers), que são duas que ele tem nos braços, uma representa o amor e outro representa a paz”. As tatuagens estão ligadas aos acontecimentos e gostos da vida de O. T. (34 anos). Quando acontece algo bom ou mesmo ruim ele se recicla e quer marcar o corpo, repete que a vontade de tatuar vem de dentro, e uma vez sentir o prazer de estar tatuado, sempre buscasse a tatuagem como forma de expressão: - “Eu costumo realizá-las rapidamente em situações que não consigo manter o controle, então eu achava que pra eu poder mudar e esquecer aquele pouco que eu deixei pra trás eu precisava fazer uma tatuagem nova, era como se cada coisa que acontecesse eu precisava fazer uma tatuagem nova pra deixar aquilo pra trás e então é assim que carrego todas elas. Todas marcam um momento, duas foram uma homenagem a uma pessoa que eu gostava, mas nada de colocar nomes, mas as pessoas mudam com o tempo, não adianta colocar nomes. Sempre são símbolos da indústria cultural. Sou publicitário e amo as marcas e produtos da indústria. Vou continuar tatuando até morrer”. Para O. T. que possui muitas tatuagens, a mais importante delas continua sendo a primeira do super homem.:- “Eu mudo através da tatuagem, já que não posso mudar de rosto, quando você fica com determinada pessoa, dá impressão que você fica usado, pra você renovar você tem que - fazer alguma coisa, algumas pessoas 8 Formatado: À direita: 0,63 cm mudam o cabelo, outras preferem roupa, outras viajam, e eu faço uma tatuagem nova, então cada 2 ou 3 meses eu faço alguma nova, daí dá a impressão que eu estou renovado.” Este mundo que nos convida a mudar, renovar a cada instante para estar em evidência é comentado pelo pesquisador Gilles Lipotveski, numa palestra16 ele relata que vivemos um mundo que intensifica o conceito de modernidade. Principalmente no que se refere à busca da autonomia, prazer e renovação, consumo e individualização. Segundo a transcrição de sua fala o presente é fundamental, mas não deixamos o futuro de fora. Buscamos o presente (tema dominante) com o comportamento hedonista em relação à informação e comunicação, ressaltamos a importância da rapidez no tempo. O imediato é necessário e esperar nos deixa irritado. O presente tem que vir com a pitada da rapidez. D. S. 27 anos, estudante de história, pensou em se tatuar quando tinha uma banda de Punk Rock na adolescência quando morava em uma cidade bem pequena do interior do estado de São Paulo. Ela tatuou o desenho do Kenny do desenho animado para adultos do South Park colorido e bem grande nas costas e diz ter feito o desenho pois acha-o esteticamente delicado, na linguagem dela “fofo”: - “Fiz o desenho do Kenny eu tinha acabado de completar dezoito, escolhi porque eu simpatizo com o personagem, na serie do desenho ele é um personagem bom e legal em relação aos seus outros amigos, e ele sempre morre nos fins dos episódios, então para dar uma alegria ao Kenny decidi colocá-lo em mim assim ele só morreria se eu também morrer louco não?”. Ela sentiu muito carinho pelo desenho, hoje menos, mas ainda gosta. Agora tem outros símbolos que gostaria de desenhar. Diz que não fui motivada por ninguém para fazer a tatoo, e que gosta da essência tribalistica (epigrafe assinada por George Burchett no inicio deste artigo) que envolve desenhar o corpo. D. F. 24 anos cabeleireiro e tatuator, tem desenhado em todo o corpo a banda de pop britânica de cinco garotas Spice girls. Os desenhos são das cinco garotas da banda; Emma Bunton, Geriram Haliwell, Melanie B., Melanie C. e Victoria Beckham; estão desenhadas ao redor de suas pernas. E a letra da música da banda intitulada “spice up 16 Palestra de Gilles Lipovetsky (Um. Grenoble) sobre hipermodernidade e indiviualidade no Café Filosófico na CPFL em Campinas no dia 24/08/2004 – quinta- feira. Formatado: À direita: 0,63 cm 9 your life” nas costas. A música faz parte do álbum Spiceworld um compacto simples (single) promocional e a música foi utilizada como parte da divulgação do desodorante Impulse Spice e a fragrância vinha escrita na capa do álbum. Talvez D. F. não saiba deste episódio. Comenta sobre a escolha da banda abaixo: - “ Tatuei a spice girls porque surgiu a banda, conheci elas através de uma professora de inglês que foi pra Europa e trouxe um cd pra mim e disse “acho que você vai gostar desse cd”, aí eu comecei a ouvir as musicas e fui gostando, achei interessante um clipe delas, todas feitas em animação, eu gostei muito do desenho, aí já que eu gosto da banda eu vou tatuar porque eu acho legal”. A letra da musica Spice Up Your Life, segundo a narrativa de D. F. expressa independência, responsabilidade e relata o não depender de ninguém, conseguir viver sua vida por você mesmo: -“Sempre gostei de ter vontade de ter a liberdade, ... a gente sempre vai buscando a liberdade e acho que a tatuagem ajudou eu me expressar livremente e também correr atrás dessa vontade de ser livre”. Vivemos numa sociedade que nos impõe as regras de ser. Para mostrar liberdade meu corpo precisa se expressar através de simbologias.17 Os sinais do rosto e do corpo inserem o indivíduo no mundo, mas tratando-se invariavelmente do compartilhamento de uma comunidade social, eles o transcendem. Um imenso domínio de expressão está apto a colher uma gama de emoções e a traduzilas aos olhos dos demais, tornando-as compreensíveis e comunicáveis. Os movimentos do rosto e do corpo formam um terreno de metamorfoses espetaculares e permanentes que, no entanto, empregam modificações ínfimas de disposição. Eles se tornam facilmente uma cena na medida em que oferecem à leitura os sinais que revelam a emoção e o papel desempenhado na interação.”18 Breton (2009) um filósofo e antropólogo das emoções nos fala em seu trabalho de pesquisa que estamos atuando num momento especial onde as sensações e gestos corporais transcendem a cada dia que passa. 17 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. RJ: Difel, 1989. p.11 BRETON, David Le. As Paixões Ordinárias: Antropologia das emoções. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009 p. 42. 18 10 Formatado: À direita: 0,63 cm Voltando ao nosso entrevistado D. T. diz que começou a pensar em se tatuar quando conheceu a tatuagem artística. Fez um curso de tatuador e começou a escolher o que tatuar. “Acredito que acontecem coisas na vida da gente que a gente quer marcar. São historias que marcam e você vai desejando não esquecer nunca desses momentos então você decide gravar no corpo.” D.T tem vários símbolos da indústria cultural no seu corpo. E disse que vai continuar tatuando os espaços vazios do seu corpo: - “O snoopy eu fiz ele por que pra mim o snoopy representa liberdade, porque ele não depende na história ele não depende do dono dele, ele é independente, e acho que é isso, só que ao mesmo tempo que ele é independente ele necessita do carinho, do dono, então eu acho que é isso mesmo”. D. T. se tatua desde os 16 anos e o snoopy foi sua primeira tatuagem. As spice girls começou a fazer quando tinha 22 e terminou com 23 anos. Demorou alguns meses para terminar tudo, das pernas e das costas inteira. Fez do Michelangelo A criação de Adão (afresco Capela Sistina do Vaticano ) o encontro dos dedos de Deus e do homem nos braços, para simbolizar no seu corpo o encontro dos o contato com Deus. V.T. 23 anos estudante escolheu a banda Strung Out para tatuar em sua perna e pé. Disse que adorava desde a adolescência ir a bares de rock. Seus modelos eram sempre os rapazes mais velhos que tinham tatuagem e tocavam em bandas. Gostava de desenhar e tinha muito interesse em artes. Desejava fazer desde sempre, mas os pais sempre foram contra e não contribuíam financeiramente para construção da tatuagem: -“ ... eu pensei bastante antes de fazer porque é uma decisão fixa única e tal, só pensei na banda Strung Out, sempre gostei muito das letras, das melodias, e também eu gostava do símbolo dela, daí eu resolvi tatuar o símbolo da Banda. Tinha o vocal de minha banda que me incentivou, ele era tatuador e me deu um desconto.” Tatuou duas bandas Green Day e Strung Out na pele. Uma porque foi o carinho primeiro com o ritmo, a segunda se identifica mais com as letras e o ritmo hardcore que trata sempre dos fatos que acontecem atualmente. As letras tratam de sentimentos pessoais, política e sociedade e são sempre muito reflexivas para V. T. Formatado: À direita: 0,63 cm 11 V. M. estudante de 21 anos tatuou a banda Kiss e se veste como os integrantes da banda. Não é só a tatuagem que fala de sua identificação mas também as roupas e postura corporal. Disse que resolveu mudar a forma de se vestir quando a banda veio para Brasil em 1999 em um show no Interlagos. O irmão de V. T. foi e trouxe um cd e uma camiseta de presente para ele, neste momento começou a procurar tudo sobre a banda Kiss. A paixão começou neste instante e perdura até sua maneira de se colocar perante a câmera e entrevista utiliza os gestos da banda Kiss, veja baixo o depoimento transcrito: -“é uma coisa que vai continuar comigo pelo resto da vida. O ano de 1999 foi um marco para mim. Escolhi de maneira tranqüila o símbolo da banda para ttauar na minha pele e o no ano que vem vou fechar minhas costas com o símbolo do Kiss. Esta primeira tatuagem foi um desenho que eu achei bonito, que representa a banda inicial, que é a formação original deles, queria ter primeiro essa tatuagem para depois fazer as outras deles. Minha paixão é difícil explicar quase ninguém entende, só quem gosta realmente de uma coisa, sabe o que eu to falando. Não é uma coisa que dá pra eu sair explicando pra todo mundo.” Não dá para explicar para todo mundo que minhas escolhas são diferentes, para que eu me sinta pertencente a um mundo que está dentro dos meus gostos preciso tatuar para ser aceito. Estamos em plena construção de novos mecanismos de identidade que muitos pesquisadores nos convidam a refletir sobre as novas identidades e maneiras de ser e estar. Canclini (1999) previu e discutiu sobre a identidade dos consumidores. Junto com a degradação da política e a descrença em suas instituições, outros modos de participação se fortalecem. Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem sua resposta mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que nas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos.19 19 CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. RJ: UFRJ, 1999 p. 37 Formatado: À direita: 0,63 cm 12 Considerações finais Walter Benjamin dizia no seu texto O narrador20 que havia uma crise da recepção produtiva. Ele comentava que havíamos deixado de lado a forma de narrar as experiências, aquela que faz o ouvinte se tornar um novo relator (O Falador de Vargas Llosa). Pensando sobre esta forma de não conseguirmos narrar o que vivenciamos a perda da nossa capacidade de verbalizar nossas escolhas, nossos anseios, nossas experiências – deixamos de lado a fala e traduzimos esta fala através das escolhas de imagens do corpo. A fora de volume de informações nos permite calar. E neste silêncio procuro uma síntese daquilo que me faz representar nas escolhas de imagens que perpetuo no meu corpo. O. T. (34 anos) disse que coloca suas mudanças na pele, se renova a cada nova tatuagem e que isso vem primeiro de dentro. Ouço este relato como algo que foge a fala, um argumento que vem dos sentimentos, ele deixa aflorar na pele – na flor da pele – suas escolhas. D. S. (27 anos) tatuou o Kenny para dar mais tempo de vida a ele já que ela o considera o personagem de maior valor dentro do desenho South Park. E tem um carinho especial pelo caráter tribal da tatuagem. Quer se tatuar mais com outros símbolos que representam seus anseios. D. F (24 anos) a tatuagem fornece um argumento para sua liberdade que tanto sonhava. E tatua o corpo todo, buscou a formação de tatuador para melhorar os traços que são tatuados em sua pele. V. T. (23 anos) decidiu tatuar o que o identifica, escolheu a banca Strung Out pois ritmo e letras falam muito de seu olhar para o mundo que o rodeia. V. M (21 anos, escolheu sua paixão – a banda Kiss, ainda cedo com 16 anos. Agora se veste como os integrantes, tem a postura e o olhar da banda e disse que vai 20 BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e Técnica, arte e política, ensaios sobre literatura e história da cultura. SP: Brasiliense, 1994 p. 197-221 13 Formatado: À direita: 0,63 cm tatuar a banda nas costas por inteiro e que sua identidade e paixão estão misturadas com a banca. São muitas narrativas sobre tatuagem de símbolos da indústria cultural na pele. Cada um escolhe a palavra que os motiva. Todos estão buscando uma maneira de deixar sua história de vida entre o significado que permeiam estes símbolos. Todos eles são sutis, precisamos estar próximos para que eles nos contem e nos façam pensar sobre o momento exato da decisão em tatuar o símbolo. Nós precisamos abrir mais espaços para que estas falas nos façam compreender as mudanças que ocorrem no nosso cotidiano e das novas sensibilidades. Bibliografia BOURDIEU, Pierre. O poder Simbólico. Lisboa: RJ: Difel; 1989. FEATHERSTONE, Mike (org). Body Modification. London: Sage Publication Ltd, 2005 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A. 2000. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra.1985. KERCKHOVE, Derrick de. A Pele da Cultura. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1997. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. SP:Cosac & Naif. 2003. SODRÉ, Muniz. As estratégias Sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis:RJ, Vozes, 2006. SOUZA, Mauro Wilton. Recepção midiática: linguagem de pertencimento. Revista Latinoamericana de Ciencias de la comunicación. São Pualo: ALAIC. jan-jun.ao 2. no, 2. 2005.p10-21. TRINDADE, Eneus e PAVAN, Maria Angela. Memória da pele e histórias do consumo: marcas e produtos tatuados no corpo. Texto apresentado no GT História da Publicidade e Propaganda do VI Congresso Nacional de História da Mídia da Rede Alcar na UFF/Rio de Janeiro maio de 2008. Formatado: À direita: 0,63 cm 14