A mulher sou eu mesmo

Transcrição

A mulher sou eu mesmo
'A mulher sou eu mesmo
Música
'A mulher sou eu mesmo'
O novo trabalho de Tom Zé, Estudando o pagode, começou a ser preparado há quatro anos e
ainda não tem data prevista para ser apresentado nos palcos do Rio. Em 2003, ele chegou a
lançar o CD Imprensa cantada, mas não se tratava de um disco de carreira, pois reunia
canções lançadas separadamente. Por sugestão de João Marcello Bôscoli, presidente da
gravadora Trama, o músico trocou idéias com o cantor Jair Oliveira - que acabou produzindo o
disco - e a química entre os dois deu liga. Juntos criaram os variados matizes musicais do CD,
enquanto Tom Zé ia imaginando as idéias conceituais:
- Já em 2001 se decidiu que o disco seria sobre o problema da mulher, então Neusa começou
de imediato a procurar leituras e textos, só para embasar um pouco a coisa - diz Tom Zé, cujo
CD traz citações de livros de Maria Rita Kehl, Riane Eisler, Mary Wollstonecraft e Mírian
Goldenberg.
Como de costume, Tom Zé tenta conciliar o gosto por uma música elaborada com o ideal de
que ela possa ser consumida em grande escala. Para realizar a tarefa, ele convocou os jovens
de 16 anos Fernanda Dellomo e Pedro Luiz, encarregados de julgar se as composições
estavam confusas:
- Fiz em volta de mim uma cerca de arame farpado para não me permitir elucubrações.
Quando a música era feita, eu mostrava pra Neusa e, se ela aprovava, eu chamava Pedro e
Fernanda. Às vezes os meninos se queixavam do ritmo ou da melodia e eu jogava tudo fora.
Teve música que refiz cinco vezes.
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Por trás da musicalidade supostamente simples, Tom Zé explica ter criado múltiplas
possibilidades sonoras. A maior parte das faixas tem duas vozes, com duas melodias
diferentes sendo cantadas ao mesmo tempo. Além disso, o músico utilizou como instrumento
folhas de fícus que não obedecem à escala musical ocidental e por isso soam estranhas. Para
completar, Tom Zé criou o que chama de harmonia induzida.
- Os músicos do estúdio quando foram gravar disseram que estava muito complicado, mas
depois se acostumaram - conta.
Sua nada modesta intenção é sofisticar a música dos pagodeiros e dos jovens do país, explica
ele:
- Quero jogar esse anzol tanto nas águas mais baixas dos praticantes do pagode como nas
águas mais rasas da juventude. Meu sonho é que os jovens possam cantar juntos e comecem
a compor dessa maneira. E não seria surpresa que isso acontecesse no Brasil, que tem o
gosto pela invenção, o país da bossa nova, do tropicalismo e do mangue bit, onde toda hora
um mulato aparece no noticiário da Globo descobrindo alguma coisa sobre engenharia
genética.
Na faixa Pagode-enredo dos tempos do medo, ao se perfilar do lado do pagode, Tom Zé
aponta o dedo para a bossa nova dizendo: ''A gente, além de não ter escola/ essa cultura de
massa é um saco-de-gato''. Ao explicar a intenção da letra, Tom Zé faz dura crítica à realidade
social brasileira:
- Quero dizer que todo mundo anda falando mal de nós, pagodeiros, mas vocês, quando
criaram o momento mais brilhante de todos os tempos da música popular brasileira, a bossa
nova, tiveram direito a escola. Hoje, a classe média começa a odiar os pobres. Isso é um braço
dos nazistas implantado em nossa sociedade, cada vez mais reacionária.
Assim como os pagodeiros, a mulher é defendida por meio de uma história contada ao longo
das músicas (daí a palavra ''opereta'' como subtítulo do CD). Tom Zé acredita que a relação
entre os sexos opostos hoje é de inimizade e rivalidade. Apesar do avanço na área dos direitos
da mulher, o homem continua um machista convicto.
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- Legal não era só quando a moça tirava a roupa na sua frente, mas quando ela tirava a roupa
e entregava a alma. Hoje, a moça não entrega mais isso, ela vende pelo casamento, pelo
encanto, para revista. Outra grande bobagem do século 20 é dar grande valor à beleza. Muitas
vezes a mulher feia, por ter menos preconceito, está mais habilitada para conduzir o homem
pelo caminho do divino - ensina.
O músico revela que, por trás da defesa da condição feminina, Tom Zé defende ele mesmo:
- Na verdade, a mulher sou eu mesmo. Porque sou o que menos tenho força de opinião dentro
de casa. No meu primeiro dia de escola voltei com um menino me dando cascudo, foi duro o
convívio social. Quando garoto, tinha outros filhos homens e até as moças eram mais
opinativas e assertivas do que eu. Eu sempre fui mulher e isso criou uma solidariedade com a
espécie feminina.
Já no terceiro e último ato da opereta, a faixa Teatro (Dom Quixote) traça, em linhas gerais, os
desejos e anseios de Tom Zé. Otimista inveterado, o músico analisa cruamente a dura
realidade, sem jamais abandonar o tom de esperança:
- Dom Quixote é um pouco a mulher da sociedade, um pouco eu mesmo e essa gravidez
cósmica e sonhadora de um mundo globalizado pela intuição feminina. Algumas críticas a
Quixote falam de uma utopia destinada ao fracasso. De qualquer forma, é um esforço de
fortalecer o respeito, a bondade e o lado sonhador do espírito humano.
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