limites - Roberto Amaral
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limites - Roberto Amaral
NO PESO E NA MEDIDA solidão de uma vida vencida; acompanha o reacen- A definição definitiva do que seja conto ainda não foi encont~ada - e parece-me que jamais ser~·. Mas terá importância essa falta de uma definição abrangente? Acho que não tem nenhuma - porque o conto é uma criação de mil faces e mais algumâs: portanto, é mesmo indefin{vel, e assim deve continuar. Essa diversidade incapturável é justamente o que faz do conto um desafio quem· escreve ficção. Por isso é que o conto, quero dizer, o bom cpnto, está sempre sendo .reinVentado e constantemente exasperando a quem tenta ·definilo. Na bibliografia de um livro dedicado a teorias sobre o conto, publicado em 1976, contei 132 livros e artigos (Short Stories Theories, de Cha.rles E. May - ed. Ohio University Press}. Da{ para cá, muitos outros devem ter aparecido. Estes contos de Roberto Amara!, autor também do romance N~o há noite tão. longa, brilhantemente não fogem à regra, porque a única definição que aceitam é de serem bons. São trezes histórias, passadas umas no Nordeste, uma entre Rio e São Paulo, todas armadas de modo a prender a atenção do leitor desd~ o in{cio, quando não mesmo desde a primeira frase. Então o leitor •assiste" a uma tragédia grega encenada no Nordeste: arrepia-se com os perigos do sexo ocasional; tem uma visão incómoda da mente e da alma de um juiz; sofre com os sustos de um contestador durante a ditadura militar; partilha a a ENCONTRO MARCADO Depois do romançe Nilo h6 noile 14o longa, elogiado pela critica e finalista do Premio Nestl6 de Literatura, em 1997, Roberto Amaral lança Umiles. Em 13 histórias ambien1adas no Nordeste, em Paris e nos Estados Unidos, todos os personagens t6n um ponto em oomum: estio prestes a viver o momento decisivo de suas vidas. der do sexo numa mulher que já havia esquecido o que era; bisbilhota um caso de infidelidade conjugal, contado de maneira ao iresmo tempo ardilosa e delicada; aprende com empatia que as alegrias do Natal também têm os sues exdufdos; ambula, chocado, pelos meandros da Justiça; participa sem querer de um velório anteópado; vive as dores de Lm suicídio inconsolável; caminha sem eira nem beira na companhia de um pobre humilhado e ofet ldido e finalmente se assusta com um adeus inesperado. Uma qualidade admirável da escritl de Pdlerto Amaral é a despreocupaçao com que ele finge roodar de ~IJnto dentro de cada narrativa, como quem faz de conta que se desinteressou de uma cena que estava vendo e desviou o olhar para outra direção; mas na verdade ele está apenas fazendo uma digressao para ati<;ar o interesse do leitor. É um truque esperto e que funciona muito bem. Outra quafJdade a destacar nestes contos de Pcberto Amaral é a dimensionalidade que ele dá aos personagens; ele não põe em cena bonecos planos, que executem gestos e falas designados pelo autôr; são pessoas transplantadas para as histórias, têm volume, feiçõeS, presença e voz. Essas duas qualidades revelam a chegada de um escritoíi')(M) em nossa literatura de ficção, e um escritor que tem o que dizer e sabe como dizer e sabe como fazê-lo de maneira cativante. JOSÉJ. VEIGA "Um escritor de qvalidade incomum. • Wiboa Martins "Os personagens de Umiles n6o siJo bonecos planos, que e:ucutam gestos e falas desi~nados pelo tllllor; s4o pessoas transplaniodas para as historim, têm volume, felç&s, pt't#nça e\10%.• JoséJ. Velp LIMITES Roberto Amaral 224 páginas Preço: R$ 22,00 Avenda nas melhores livrarias (021) 585 2002 ll -=- htfp:llwww.r&cord.eom.br/record Não haverá bom romance politico onde não hoÚver bom romance - porque, no caso, não se trata de política, mas de literatura. É noção elementar que não compreendem, em particular, os numerosos sobreviventes das revoluções malogradas, prOC\JI"al'ldo compensar pelo testemunho mal ficciorializado a luta que perderam na ação, e que, por isso mesmo, perdem mais uma vez enquanto romancistas. Roberto Amaral, ao cÔntrário, soube criar o grande romance politico da sua geração por ser, antes de mais nada, um escritor de éjualidade incomum ("Não há noite tão longa". Rio: Record, 1996). A narrativa articula-se por meio de uma técnica original, na qual os comentários intercalados pertencem à "vot' impessoal do Tempo, marcando os momentos dos numerosos destinos que se cruzam e entrecuzam, desde a filosofia de vida sertaneja no interior do Ceará, apresentada em quadros magnffiCos de vigoroso realismo, passando pela pequena política paroquial (ela mesma funclada nas crenças foldóricas da população), para culminar no milenarismo ideológico, que é o pano de fundo de toda a história. Claro, trata-se do milenarismo "de esquerda" ou das utopias socialistas, universo mental de que o próprio autor parece haver regressado com a sabedoria- das desilusões e a obstinada persistência das ilusões. "Heráclio não quer a terra para ser um novo Satumino pois no seu mundo, que anela nas jmagens de sua cabeça, os coronéis são excedentes, a vida lhe ensinou, sem precisar dos livros de Isaías, que atrás de toda aquela ordem natural das coisas que separava os homens entre os Coronéis e os Severinos, entre os possuidores e os despossufdos, havia um esbulho quê só teria fim quando fosse posslvel ele mesmo desenhar a paisagem de sua vida, essa foi finalmente a descoberta tardia de Isaías, que voltaria a se enganar pensando que a revolução que se mexe no ventre da_ classe-média moádicaria o milenar mundo da propriedade" Segundo o insuspeito Antônio Callado, os ardorosos revolucionários latino-americanos sofrem de ejaculação precoce, arruinando pela precipitação o que poderia ter sido a bela noite de núpcias com a ~ Duldnéia continental. Combatente do ativismo ingénuo e retórico, Henrique recebe do velho dirigente veteranõ um lição de realismo: "Pontes está de pé, segurando a porta entreaberta. Gesticula muito, nervosamente, derrotado no seu esforço por esconder urna irritação morta: - Nós bem que avisamos... Quantas vezes denunciamos esse espontaneísmo! E agora é tarde, tudo agoi'a é tarde. Vocês deram o pretexto que a linha-dura precisava para nos esmagar. Estamos todos fodidos e o processo democrático atrasado 50 anos. (...). Henrique sabia que a grande luta havia sido substituída pela grande hibernação. Conversando com os seus botões ele escrevia a seu modo um "Adeus às ilusões", que o leitor pode traduzir como um adeus à utopia. Um adeus provisório, sabemos, mas sempre urna despedída~. ENCONTRO MARCADO Depois do rom..-occ Ndo lt6 -~ uJo ltmgtl. elojpaodo pda oriuc. e fiDIIisla do Prâmo N05tlé de Lrr.:..rura, em 1997, Roberto Amaral 1ai1ÇO l.lllrltes. Em I3 histórias anrbienlodas no Nordeste, em l'llrls e nos Escados Urudo$. IOdos 05 pc....,...,.lbn um pon10 cm comum es11o prr:siO$ a vtvu o """""""' dccúr•o de ...,. vícios. . , , . t>Cnlor dt quoolttlatk ...__ • WIIIoa Mar1Bo "'s ~/'$t>f1UI:<'" li< l'mites 11/JQ silo bofteco., planM, q11e tR<'IIID., gala> t fo/os derlgiiU(!,., ptlo Ulllor; Mio pt»tla$li'UnSplll/fkJIJa< pura cu Jtull;nu.~ t~ w.lwrw. f.•flt''io. f1"CNpfO r WT.;. • Ju>i J . Veõco k páginas sobre a fuga de Henrique estão entre as mais belas e vigorosas do romance universal, para nada dizer da· prisão e dos interrogatórios, conduzidos pelos_ militares com impecável esp(rito profissional. Mas a surpresa maior foi erKontrar entre eles aquele Marcelinho, companheiro de suspeitas bri~eiras infantis, •gordinho, imberbe, roliço, moreninho, meigo, filho caçula do saudoso Tenente (...). Todos gostavam dele na escola. Marcelinho era urna graça e o encanto dos meninos, sala.com todos sem fazer exigências a não ser o segredo coi-num ( ...). Pois . este eomplacente Marcelinho estava entre os int~ores de plantão, •o Marcelinho da Marechal Deodoro, agora identificado como Capitão Nogueíra, todo cercado de respeito e autoridade. A sua entrada os policiais civis se levantavam. É ele quem fala para um guerrilheiro mudo, pálido. sem voz, com a alma apertada por urna rnanopía: •ó bicho, a vida é isso, estamos em margens diferentes mas o rio é o mesmo, no me~ lugar você faria o mesmo, esse é o meu negócio cómo o teu é o teu• _ A luta armada e conseqüente reprensão sendo apenas um dos painéis do amplo quadro histórico levantado por Roberto Amaral, será um erro de leitura colocá-lo no centro da-intriga ou atribuirlhe qualquer primazia sobre os demais. Henrique, adverte o autor, nem mesmo é o herói da novela, trama de extraordinária complexidade: "Fatos, pessoas, sentimentos, paisagens, lembranças - perdidos que estavam na memória de viventes e ex-viventes, cada um com sua história Sensibilidade e autenticidade IlMITES Aobni- A-- :~oo - ~ 5a5 2002 ---- particWr- e a particular leitura dessa história, cheio de meandros. curvas e túneis, espaços abertos e horizontes azuis, como toda história que se preza, e assim ela é contada. e só por isso (...) peço ao leitor que apenas nos leia, sem cuidar da saga ou da novela,. refazendo a seu modo, isto é, livremente, as paisagens de naturezas e homens, pois não há outra rr~aneira de contar a história senão escrevendo as imagens da história que cada um conta do que ouviu, viu, fez;· assim, a história que se segue é o canto de um tempo, de vários tempos, de várias pessoas vivendo um tempo comum, de existência vária, em paisagens distintas que são urna só e única paisagem, o pobre homem comum perdido na multidão · humana, desconsoladamente só: era uma vez...•. Não é romar~ee para ler, mas para reler; não é um texto fixo e imóvel, mas "ondulante e diverso", como diria Montaigne. Por inesperado, o herói é o <:trsprezível Ananias, pai de Henrique, figura ao mesmo tempo central e secundária (num romance em que as mulheres, de resto, estão sempre em primeiro plano), protótipos e vftimas, todos eles, de um sistema econômico e social que se desfazia, e cujo esplendor pode ter na história de Moacir e dos Diontsios o episódio emblemático. Mas, que dizer de Santinha e Luciano? Vtvem urna tragédia sertaneja exemplar de fulgurações shakespearianas,·catástrofe de amor furioso numa terra em que "Deus e o diabo disputam as mesmas almas". O GLOBO- 2110611997 -- IIAO 114 liCitE TloDI.OIG\ ~t.oo ~-=~ ~~~2002 .._.___