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1 A INTERAÇÃO ENTRE OS PROCESSOS METAFÓRICO E METONÍMICO NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA CHARGE ANIMADA OS LULASTONES. 1 Autora: Natália Elvira Sperandio (IFMG- Campus Muzambinho) Resumo: este trabalho tem a finalidade de discutir a interação dos processos metafórico e metonímico na construção de sentido de um texto multimodal. Nossa proposta não se limita apenas a demonstrar a forma pela qual esses processos articulam-se na construção do sentido desse texto, mas também verificar o papel dos diferentes modos semióticos na construção dessa interação. Para isso, utilizamos como corpus as denominadas charges animadas, nessa pesquisa em específico, a charge intitulada “Os lulastones”. Como resultado, observamos que a interação metafórica e metonímica ocorre de forma simultânea, sendo a metáfora resultante da interação de um conjunto complexo de metonímias. Por outro lado, verificamos que, ao serem produzidas em um texto multimodal, essa interação torna-se mais complexa, pois há a introdução de novos elementos na produção dessas metáforas e metonímias. Palavras-chave: metáfora, metonímia, interação metafórica/metonímica, multimodalidade. Introdução: Estudos em linguística cognitiva já postulam a possibilidade de interação entre os processos metafóricos e metonímicos. Porém, os trabalhos desenvolvidos focalizam apenas expressões codificadas pelo modo verbal, não estendendo suas pesquisas a textos produzidos pelos diferentes modos semióticos. Diante disso, esse trabalho tem a finalidade de demonstrar que a interação metafórica/metonímica ocorre de modo simultânea, já que acreditamos que toda metáfora é motivada por um conjunto de interações metonímicas. Por outro lado, ao ocorrer em um texto multimodal, como uma charge eletrônica, essa interação torna-se mais complexa, pois há um número maior de relações metonímicas atuando na criação dessa metáfora. Para promover nosso estudo, adotamos como corpus as denominadas charges animadas, nesse caso específico as charges produzidas por Maurício Ricardo. A escolha por esse objeto de estudo é justificada pelo fato de tais charges, com o advento das novas tecnologias, terem saído de sua forma estática para ganhar animação, cores e som. Dessa forma, as charges animadas mantêm o mesmo fundamento das impressas, mas renovam os traços tradicionais e apresentam novos elementos em sua composição. Como forma de realizar nosso estudo, temos como arcabouço teórico a Teoria da Metáfora Conceitual (LAKOFF; JOHNSON, 1980), a proposta da Metáfora Multimodal (FORCEVILLE, 2008) as pesquisas de Radden e Kövecses (1999), Goossens(2003), Barcelona (2003), Radden (2003) e Paiva (2010). Nossos resultados demonstraram a importância do processo metonímico na criação do processo metafórico, pois esse é fruto da integração das relações metonímicas presentes em cada um de seus domínios. Além disso, pelo fato de serem produzidas em um texto multimodal, essa interação torna-se mais complexa, com um número maior de relações metonímicas atuando na criação dessas metáforas. Desenvolvimento: Com base na Teoria da Metáfora Conceitual, a metáfora será conceitualizada como uma forma de compreender e experienciar uma coisa em termos de outra. Lakoff e Johnson (1980) propõem um mapeamento sistemático entre dois conceitos: o domínio-fonte, considerado fonte de inferências; e o domínio-alvo, o local em que essas inferências são aplicadas. 1 XII EVIDOSOL e IX CILTEC-Online - junho/2015 - http://evidosol.textolivre.org 2 Porém, mesmo com a ressalva de que que as metáforas são primariamente matéria do pensamento e da ação, e derivadamente matéria da linguagem, os autores focam exclusivamente nas metáforas produzidas pelo modo verbal. Diante disso, Forceville (2008) desenvolve a proposta da metáfora multimodal. Para Forceville (2008), houve falha na Teoria da Metáfora Conceitual ao ignorar as metáforas não-verbais, pois seu estudo torna-se importante para o refinamento e o teste dessa teoria. Para o autor, as metáforas multimodais são consideradas como aquelas que possuem fonte e alvo representados exclusivamente ou predominantemente por diferentes modos. No entanto, o autor foca exclusivamente nas metáforas multimodais do tipo verbo-visual, sendo cada domínio construído por um desses modos. Em sua pesquisa, Sperandio (2014) demonstra a possibilidade de outros modos, além do verbo-visual, atuarem na construção desses domínios. Por outro lado, a pesquisadora evidencia a articulação desses diferentes modos na construção das metáforas multimodais. Diferente da metáfora, os estudos do processo metonímico não tiveram destaque. No entanto, um número significativo de pesquisas, no contexto da linguística cognitiva, está sendo desenvolvido. Nesse trabalho, teremos como base a definição de Radden e Kövecses (1999), sendo esse processo definido como fenômeno cognitivo no qual a entidade conceitual, o veículo, promove acesso mental a outra entidade conceitual, o alvo, em um mesmo modelo cognitivo idealizado (MCI). Em relação a interação desses processos, podemos observar um número razoável de trabalhos que se dedicam a abordá-la. Citamos como exemplos as pesquisas de Goossens (2003) e seu conceito de metafonímia, Barcelona (2003), a proposta do continnum de Radden (2003) e as pesquisas de Paiva (2010). No entanto, esse trabalho terá como base os estudos de Sperandio (2014), pois essa postula o fato de toda metáfora ser fruto de um grupo complexo de metonímias, sendo a ocorrência dessa interação simultânea. Abaixo apresentamos a charge eletrônica utilizada como corpus para a nossa pesquisa: 3 charge Os Lulastones (Fonte: http://charges.uol.com.br/2005/06/29/desenhos-os-lulastones/. Acesso em: 10 fev. 2014). 4 Durante a leitura da charge animada acima, podemos observar a presença de três metáforas: LULA É FRED, GENUÍNO É BARNEY e DILMA É WILMA, sendo essas metáforas frutos da compactação de um grupo de metonímias produzidas através das relações dos elementos constituintes de seus espaços de input fonte e alvo. Ou seja, na metáfora LULA É FRED há no domínio-alvo Lula as relações metonímicas PARTE pelo TODO (voz rouca por Lula, por exemplo), PARTIDO por CANDIDATO (PT por Lula), CARGO por PESSOA (expresidente por Lula) e SIMBOLO por PARTIDO (estrela vermelha por PT); e no domínio-fonte Fred, as relações PARTE pelo TODO (melhor amigo de Barney por Fred, por exemplo) e VESTUÁRIO por PERSONAGEM (gravata azul por FRED, por exemplo). Na metáfora GENUÍNO É BARNEY temos as relações PARTE pelo TODO (anda descalço por Barney, por exemplo) e VESTUÁRIO por PERSONAGEM (vestido marrom por Barney), e no espaço Genuíno a relação PARTE pelo TODO (ex-presidente do PT por Genuíno, por exemplo). Por outro lado, na metáfora DILMA É WILMA no espaço Wilma há as relações PARTE pelo TODO (idade da pedra por Wilma, por exemplo), VESTUÁRIO por PERSONAGEM (vestido branco por Wilma) e OBJETO por PERSONAGEM (colar e brincos de pérolas por Wilma); e no espaço Dilma a relação PARTE pelo TODO (membro do PT por Dilma, por exemplo). Posto isso, acreditamos que cada uma dessas metáforas foi produzida a partir das relações metonímicas presentes em cada um de seus domínios, evidenciando a importância do processo metonímico na criação do processo metafórico. Além disso, é possível afirmar que essa interação ocorreu de forma simultânea, já que esses processos metonímicos foram responsáveis pela criação dessas metáforas. Com relação aos diferentes modos semióticos presentes na construção dessa charge, acreditamos que aos serem introduzidos os modos pictórico, o escrito, o sonoro e a imagem em movimento; a interação metonímica da metáfora evidenciada torna-se mais complexa, pois com a introdução desses modos novos elementos, novos traços são utilizados na representação da cena política retratada pelo chargista. Como ocorre nas metáforas LULA É GEPETO e GENUÍNO É BARNEY em que ativamos, através do modo pictórico, o elemento “membro do PT” que me permite inserir à compreensão da charge o fato de, na época, Lula não ser um membro qualquer, mas o primeiro membro desse partido a alcançar o cargo de presidente. Por outro lado, Genuíno era um dos membros acusados de participar do esquema do mensalão. Da mesma forma, na metáfora DILMA É WILMA esse modo me conduz à interpretação de que Dilma, como ministra chefe da casa civil, foi escolhida para substituir José Dirceu, expresidente do PT acusado de estar envolvido no escândalo. Logo, com o emprego desses diferentes modos, há um número maior de elementos empregados na construção de cada um dos espaços e com isso um número maior de relações metonímicas em cada domínio. Conclusão Esse trabalho, como parte de uma pesquisa de doutorado, buscou investigar a interação metafórica/metonímica na produção de sentido de um texto multimodal, tendo como corpus uma charge animada. Nossa intenção foi demonstrar que, como o mapeamento metafórico de um domínio ao outro é parcial, com apenas alguns elementos sendo mapeados, o processo metonímico está presente em cada um desses domínios, sendo esse responsável pela criação da metáfora. Retomando a metáfora LULA É FRED, podemos evidenciar essa questão. Tal metáfora resulta das relações metonímicas PARTE pelo TODO e VESTUÁRIO por PESSOA, em seu domínio-fonte que, articulado às relações metonímicas PARTE pelo TODO, PARTIDO por CANDIDATO e CARGO por PESSOA, em seu domínio-alvo, produzem a metáfora LULA É FRED. 5 Por outro lado, observamos que, ao ocorrer em um texto multimodal, essa interação torna-se mais complexa, pois um número maior de elementos atua na construção dessas metáforas e, consequentemente, na interação desse processo. Fato que pode ser verificado na metáfora DILMA É WILMA. Para ativar o espaço Wilma, recorremos aos modos pictórico (a imagem da personagem com seus trajes típicos e acessórios), sonoro, falado, trilha sonora e a imagem em movimento; enquanto que no espaço Dilma ativamos os modos pictórico e falado. Cada um desses modos acrescenta novos elementos a esses espaços e, com isso, há um número maior de associações metonímicas atuantes na construção dessas metáforas. Referências BARCELONA, A. The cognitive theory of metaphor and metonymy. In: BARCELONA, A. (Ed.). Metaphor and metonymy at the crossroads: a cogntive perspective. Berlin: Mouton de Gruyter, 2003. p.1-28. FORCEVILLE, C. Metaphor in Pictures and Multimodal Representations. In: GIBBS, R. (ed). The Cambridge Handbook of Metaphor and thought. Oxford: University Press, 2008, p. 462482. GOOSSENS, L. Metaphtonymy: the interaction of metaphor and metonymy in expressions for linguisitc action. In: DIRVEN, R.; PÖRINGS, R. (Eds). Metaphor and metonymy in comparison and contrast. Berlin, New York: Mouton de Gruyter, 2003. p. 349-377 LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: The University of Chicago Press, 1980. PAIVA, V. L. M. O.; NASCIMENTO, M. Processamento metafórico e metonímico na produção de texto/sentido: um exemplo de compressão fractal. In: SILVEIRA, E. M. (Ed.). As bordas da linguagem. Uberlândia: EDUFU, 2011. p.351-373 RADDEN, G.; KÖVECSES, Z. Towards a theory of metonymy. In: PANTHER, K. U.; RADDEN, G. (Eds). Metonymy in Language and Thought. Amsterdam: Benjamins, 1999. p. 17-59 SPERANDIO, N. E. Entre os domínios da metáfora e da metonímia na produção de charges animadas. Tese de doutorado, programa de estudos linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2014.
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