Nº 3 - 2015

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Nº 3 - 2015
REVISTA
REVISTA COMUNIDADE VET SMARTV
COMUNIDADE
VET SMART
Volume I - Número 3 - 2015 | ISSN 2359-3571
ARTIGO EM DESTAQUE
ASPECTOS GERAIS
DA LEISHMANIOSE
VISCERAL
e mais:
ATRESIA ANAL EM EQUINOS
RETENÇÃO DE PLACENTA EM ÉGUAS
TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
www.vetsmart.com.br
REVISTA COMUNIDADE VET SMART
ÍNDICE
Volume I - Número 3 - 2015 | ISSN 2359-3571
03
SOBRE A COMUNIDADE
04
ARTIGO EM DESTAQUE
ASPECTOS GERAIS
DA LEISHMANIOSE VISCERAL
22
REVISÃO DE LITERATURA
TOXOPLASMOSE
EM GATOS DOMÉSTICOS
31
PROTOCOLO - CONDUTA CLÍNICA
ATRESIA ANAL EM EQUINOS
34
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ISSN 2359-3571
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terceira edição da Revista Comunidade Vet
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leitura gratuita, e abrangendo todos os temas da
Veterinária, Grande abraço e boa leitura!
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ARTIGO EM DESTAQUE - MAIO DE 2015
ASPECTOS GERAIS DA
LEISHMANIOSE VISCERAL
por Thiago Souza Azeredo Bastos
e Darling Melany de Carvalho Madrid
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
Os canídeos são considerados como principais reservatórios
dessa enfermidade, que na forma humana é também
conhecida como Kala-azar (no Velho Mundo) ou
calazar (no Novo Mundo). Kala-azar é uma palavra
de origem Hindi, que significa doença fatal ou
doença negra (Kal significa fatal, Kala significa
negra, e azar significa doença) (ZIJLSTRA & EL-HASSAN, 2001).
A LV é uma enfermidade de grande importância
para saúde pública, pois é responsável anualmente
por 59.000 óbitos no mundo (DA SILVA et al., 2010),
resultante de aproximadamente 500.000 casos da
doença, partindo de um valor estimado de 12
milhões de pessoas infectadas por ano (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, 2012). Dessa
forma, dentre os 42.067 registros de doentes nos
últimos doze anos, no Brasil, ocorreram 2.704 óbitos,
resultando em uma incidência média de 1,92 casos
por 100.000 habitantes durante esse período (BRASIL, 2012a, 2012b, 2012c, 2012d).
SOBRE OS AUTORES
Thiago Souza Azeredo BASTOS¹,
Darling Melany de Carvalho MADRID²
1. MÉDICO VETERINÁRIO, DOUTORANDO EM CIÊNCIA ANIMAL PELA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG). CAMPUS SAMAMBAIA.
GOIÂNIA-GO. E-MAIL: [email protected]
2. MÉDICA VETERINÁRIA, MESTRANDA EM CIÊNCIA ANIMAL PELA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG). CAMPUS SAMAMBAIA.
GOIÂNIA-GO.
Segundo Montalvo et al. (2012), 90% dos casos de LV
ocorrem em países onde existe grande parte da
população em situação de pobreza (Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil). Mas, não só o fator
financeiro é um obstáculo para o controle dessa
doença, mas também as mudanças no comportamento humano, como a expansão urbana e o convívio com áreas de mata, contribuem com o aumento
do número de casos da doença (CALVOPINA et al.,
2004).
Título: ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
Tipo de Conteúdo: Artigo de Revisão de Literatura
Categoria: Parasitologia
Espécies: Caninos
Palavras-Chave: Brasil, Cão, Leishmania, Parasita.
Resumo Leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose
crônica, causada por um protozoário intracelular do
gênero Leishmania, cuja transmissão ocorre pela
picada de um vetor flebotomíneo. Os cães são o principal reservatório desta doença. A LV é responsável
anualmente por 59.000 óbitos, sendo, de acordo com
a Organização Mundial da Saúde, a segunda enfermidade de maior relevância entre as protozooses
tropicais. Portanto, para a melhor compreensão
desta doença, neste trabalho foram reunidas informações relacionando os protozoários, os insetos
vetores e os hospedeiros susceptíveis nas diferentes
regiões onde ocorrem.
Essa elevação global dos casos de leishmaniose
observados nas zonas endêmicas nos últimos anos
é resultado de muitas falhas. Estão relacionadas ao
controle inadequado dos vetores e reservatórios, ao
aumento do número de casos da doença em pacientes imunodeprimidos (ex.: pessoas com AIDS), ao
aumento da resistência do agente ao tratamento e
ao impacto causado pelas alterações climáticas
globais, que refletem positivamente no incremento
da transmissão de diversas outras doenças vetoriais
(MONTALVO et al., 2012).
Introdução Leishmaniose visceral (LV) é uma
zoonose crônica, causada por um protozoário
intracelular do gênero Leishmania, cuja transmissão ocorre pela picada de um vetor flebotomíneo
(CORTES et al., 2012) e na ausência de tratamento,
resulta em casos fatais (DANTAS-TORRES, 2006).
De forma geral, cães também são afetados pela
doença por todo o mundo, com exceção da Oceania.
Entretanto, sua predominância é observada na
América do Sul e no Mediterrâneo, onde a leishmaniose está ampliando a área de ocorrência, atingindo locais onde a desconheciam. Como exemplo
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
desse fato, pode-se citar a confirmação de casos ao
norte da Itália, nas províncias ao sul do Canadá
(DANTAS-TORRES et al., 2012) e no leste dos Estados
Unidos (PETERSEN & BARR, 2009).
Em 1936, Evandro Chagas chefiou uma comissão
para estudos da leishmaniose visceral americana,
organizada pelo Instituto Oswaldo Cruz e acolhida
pelo governo do Estado do Pará. Ainda nesse ano,
conseguiram fundar, em Belém, o “Instituto de Patologia Experimental do Norte”, atual Instituto Evandro Chagas (LAINSON et al., 1986).
Sabe-se que existem pelo menos 2,5 milhões de cães
infectados apenas no sudoeste europeu (CORTES et
al., 2012). Portanto, levando em consideração que a
LV é endêmica em 88 países, e que apenas 32
dispõem de serviços de notificação compulsória da
doença (OMS, 2012) e não apenas cães podem ser
infectados (MOLINA et al., 2012), percebe-se por que
leishmanioses (forma visceral e tegumentar juntas)
são consideradas pela Organização Mundial da
Saúde – OMS, como a segunda enfermidade de
maior relevância entre as protozooses tropicais
(LAINSON, 1985).
Em 1937, Cunha & Chagas falharam na tentativa de
reproduzir a infecção de uma Leishmania viscerotrópica em hospedeiros que conhecidamente se
infectavam. Essa falha os levou a acreditar que se
tratava de uma nova espécie, atribuindo a ela uma
denominação diferente da espécie que ocorria na
Europa. Observações feitas por Chagas e colaboradores, em 1938, possibilitaram considerar o flebotomíneo da espécie Lutzomyia longipalpis como mais
provável vetor. Com a morte de Evandro Chagas, em
1940, reduziram-se a quantidade de pesquisa na
área e, como consequência, só em 1977 foi substanciada a suspeita de L. longipalpis como vetor (LAINSON et al., 1986; LAINSON, 2010).
Neste trabalho foram reunidas informações para a
melhor compreensão dessa doença, que tem uma
relação dinâmica com interações de alta complexidade entre os protozoários, os insetos vetores e os
hospedeiros susceptíveis nas diferentes regiões
onde ocorrem.
O controle da LV no Brasil teve início em 1953 no
estado do Ceará. Inicialmente envolvia o tratamento
das pessoas, uso do DDT e eliminação de cães com
sorologia positiva. O que chama a atenção é que ao
fim do primeiro ano de controle, apenas um cão
tinha sido eutanasiado (COSTA, 2011).
TextoConsidera-se que LV foi descrita pela primeira
vez na Grécia em 1835, mas só recebeu a denominação “Kala-azar” em 1869 na Índia. O parasito foi identificado no início do século XX, quando William
Leishman encontrou o protozoário no baço de um
soldado indiano, e Donovan (em 1903) foi responsável pela primeira publicação sobre o agente. Em
1904, Leonard Rogers conseguiu cultivá-lo e Patton
observou diferentes formas morfológicas em 1907
(CABRERA, 1999).
Dados indicam que a disseminação da LV no Brasil,
antes restrita às áreas rurais e pequenas cidades na
região semiárida do país, ocorreu a partir de uma
epidemia que atingiu Teresina e depois São Luís.
Com isso, o parasito se disseminou por todo o território nacional, atingindo grandes cidades e,
também, a capital da nação (COSTA, 2011).
O primeiro caso de LV autóctone do Brasil foi registrado em 1913 por Migone (COSTA, 2011). Teorias
indicam a possibilidade de o parasito ter desembarcado no Brasil com cães infectados provenientes do
continente europeu, trazidos por colonizadores no
século XVI (MAURICIO et al., 2000). Casos esporádicos continuaram acontecendo, até que em 1934,
Henrique Penna detectou 41 casos em exames de
tecido hepático (viscerotomia) durante pesquisa
epidemiológica sobre febre amarela. Nesse evento,
foram registrados quinze casos no Ceará, nove na
Bahia, cinco no Sergipe, quatro em Alagoas, três no
Pará, três no Piauí, um no Rio Grande do Norte e o
último em Pernambuco (LAINSON et al., 1986).
Buscando exemplificar a situação contemporânea
no continente europeu, pode-se citar o caso espanhol. A Leishmania foi suspeita pela primeira vez
em 1905, na Espanha, onde crianças apresentaram
uma enfermidade apelidada de “anemia esplênica”.
O primeiro caso humano confirmado só ocorreu em
1912, e apenas um ano após esse caso, no mesmo
local da comarca de Tortosa (Tarragona), foi identificado o primeiro caso canino desse país (FREGOLA &
VINYETA, 1997)
No continente africano, a identificação da doença
passou por uma lenta progressão.
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
No Sudão, a doença em humanos era conhecida
desde 1904, quando já era endêmica no estado de
Blue Nile. No Quênia, a LV foi revelada na década de
1940. Em Uganda, há poucos relatos datando da
década de 1950 até 1997. Na Somália e na Etiópia,
onde a doença é endêmica, não existem registros de
quando identificaram os primeiros casos (NGURE et
al., 2009).
Leishmania chagasi (na América do Sul) (DANTAS-TORRES, 2006).
Cada espécie citada acima tem cadeia epidemiológica com características próprias que influenciam a
expressão clínica do calazar em humanos. O calazar
africano, causado por L. donovani, afeta jovens e
adultos na região oriental da África, onde ratos são
reservatórios do parasito. Encontram-se neste local,
países como Quênia, Sudão, Uganda e Etiópia, onde
foram descritos comportamentos antroponóticos,
assim como ocorre no subcontinente indiano. L.
infantum e L. chagasi são causadores, respectivamente, do calazar Infantil (no Mediterrâneo) e da
leishmaniose visceral americana (na América do
Sul e Central). Eles afetam principalmente crianças
com até cinco anos de idade na Europa, ou até dez
anos de idade nas Américas, e estes dois têm o cão
como principal reservatório do parasito (DEREURE
et al., 2000; BRASIL, 2006; DANTAS-TORRES, 2006;
COSTA, 2011).
Fato interessante ocorreu na Palestina em 1946,
quando Adler & Tchernomoretz tentaram tratar cães
com LVC, utilizando antimoniato pentavalente e
diamidina aromática. Por falhar na cura, foi proposta a eliminação de cães como uma das medidas de
controle da enfermidade, sendo adotada pelo
programa chinês de controle da doença na década
de 1950. A China estava sob controle comunista,
quando um intenso programa sanitário foi desenvolvido com o objetivo de eliminar a leishmaniose.
Utilizando grandes quantidades de DDT e o sacrifício de animais, conseguiram em 1958 interromper a
transmissão da doença e em 1970 reduziram a quantidade de flebotomíneos, da espécie Phlebotomus
chinensis, a números próximos da extinção. Contudo, uma ação foi determinante para obter esses
resultados: estava preconizada a eliminação de três
quartos dos cães em uma área, independentemente
de realizar diagnóstico da doença nos animais. Os
resultados desse trabalho chinês foram relevantes
para a saúde local e resistiu até a década de 1980,
quando a revolução cultural desmantelou o sistema
de controle do calazar e, a partir disso, houve uma
nova reemergência nos números de doentes no país
(COSTA, 2011).
No ano de 1999, Maurício et al. relataram ser L.
infantum e L. chagasi filogeneticamente semelhantes, o que levou Fernandez-Cotrina et al. (2012) a
defender que L. chagasi provavelmente chegou à
América durante colonização portuguesa e espanhola. Contudo, desde 2005, Lainson & Rangel
demonstraram a existência de diferenças no kDNA
(DNA do cinetoplasto) desses parasitos, além da
existência de outras diferenças genéticas, que Shaw
(2006) utilizou como argumento para diferenciar os
dois agentes. Dessa forma, sugeriu que o mais correto seria manter a nomenclatura em termos de
subespécie, sendo L. (Leishmania) infantum infantum para o agente que ocorre no Velho Mundo e L.
(Leishmania) infantum chagasi para o agente que
ocorre no Novo Mundo (para melhor compreensão,
estas subespécies serão referidas ao longo do texto
como L. i. infantum e L. i. chagasi) (MAURICIO et al.
1999; LAINSON & RANGEL, 2005).
O último exemplo de controle conhecido ocorreu na
Índia, onde a leishmaniose também foi reduzida a
níveis aceitáveis, quando se conseguiu eliminar o
vetor (Phlebotomus argentipes) das residências.
Isso ocorreu devido ao estabelecimento do Programa Nacional de Controle da Malária em 1953, em que
o governo utilizou DDT em grande escala. Entretanto, o final do programa em 1971 permitiu novas infecções resurgirem (COSTA, 2011).
Uma particularidade do Novo Mundo ocorre na
América Central e alguns países da América do Sul,
onde espécies causadoras da leishmaniose cutânea
também estão associadas à enfermidade visceral
típica, inclusive em indivíduos não imunocomprometidos, sejam humanos ou animais. Essas espécies são Leishmania mexicana, Leishmania tropica,
Leishmania amazonensis e Leishmania columbensis (DANTAS-TORRES, 2006).
Etiologia
Não existe apenas uma espécie de Leishmania
responsável por causar LV. Os parasitos têm ampla
distribuição e pertencem ao complexo Leishmania
donovani, que inclui as espécies Leishmania donovani (encontrada no subcontinente indiano, Ásia e
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
Outro detalhe relacionado à etiologia da doença que
merece ser citado é a descoberta de híbridos. Já
foram identificados híbridos de L. i. infantum (viscerotrópico) com Leishmania major (dermotrópico)
(VOLF et al., 2007), que possivelmente se formaram
por reprodução sexuada, durante o estágio em que o
parasito encontra-se no inseto (AKOPYANTS et al.,
2009). No entanto, até o momento, esses híbridos
demonstraram sobreviver apenas em um vetor
específico, Phlebotomus papatasi (VOLF et al., 2007).
E ainda, casos caninos de LVC causados por
Leishmania tropica também já foram identificados
(HAJJARAN et al., 2007).
Incidência e distribuição
A distribuição geográfica tem íntima relação com
movimentos populacionais, disponibilidade de
reservatórios, modificações ambientais (ABRANTES
& SILVEIRA, 2009), baixa condição econômica (DANTAS-TORRES, 2006) e distribuição geográfica do
vetor (COSTA, 2011). E com relação à incidência, foi
possível observar o aumento da doença de
0,8/100.000 casos em 1986, para 12,3/100.000 casos
na população humana em 2001. Observaram,
também, uma relação entre esse incremento e o
aparecimento do vírus da imunodeficiência humana
(AIDS) (DANTAS-TORRES, 2006). Anteriormente ao
aparecimento da AIDS no Mediterrâneo, a LV era
uma doença que tradicionalmente afetava crianças.
Entretanto, a doença passou a acometer principalmente adultos entre 31 e 50 anos de idade, ocorrendo
na forma de co-infecção em 70% dos casos (CHICHARRO et al., 2002). Assim, estima-se que ao
menos 59.000 pessoas morram anualmente, estando
a maioria dos casos na Índia e Sudão (COSTA, 2011).
FIGURA 1: Mapa de distribuição mundial da
leishmaniose visceral, mas que relaciona com a
distribuição de leishmaniose visceral canina, por
ser uma zoonose. Fonte: OMS (2012), disponível em:
http://www.who.int/leishmaniasis/leishmaniasis_maps/en/
De forma global, a soroprevalência na região mediterrânea, assim como no Oriente Médio, oscila entre
valores de 10 a 37% (MOHAMMADIHA et al., 2012).
Em Portugal, um país onde a doença se disseminou
principalmente nos últimos 20 anos, atingiu índice
de soroprevalência acima de 20% em alguns locais
(CORTES et al., 2012). Abrantes & Silveira (2009)
observaram que as mudanças climáticas estão
avançando para o norte nos atuais limites de distribuição do vetor na Europa, colaborando com o
aumento de surtos.
Nas Américas, a LV abrange desde o sul da Argentina até o sul do Canadá (SILVA et al., 2008; DANTAS-TORRES, 2012). Na região andina, entre os anos de
1996 e 1998, foram registrados mais de 14 mil casos
de leishmanioses em média, com 6.155 ocorridos na
Colômbia, 2.668 no Peru, 2.240 na Bolívia, 1.936 na
Venezuela e 1.084 no Equador. Como poucos casos
tiveram a identificação da espécie de leishmania,
não existem dados suficientes para discriminar a
quantidade de casos apenas pela forma visceral. A
explicação para isso é que em áreas endêmicas, os
profissionais da saúde baseiam-se praticamente
nos sinais clínicos para o diagnóstico, deixando de
lado os estudos taxonômicos, que são essenciais
para a vigilância epidemiológica (DAVIES et al.,
2000).
A LVC é encontrada principalmente na região mediterrânea e na América do Sul (Figura 1) (HAJJARAN
et al., 2007). Sua detecção nessas regiões ocorre por
meio de estudos de soroprevalência da infecção em
cães. Como exemplo, podemos citar os resultados
obtidos no sudeste da Espanha, com 20,1% de
animais infectados, no sudeste da França, com 14%,
em Portugal, com 5,86% e, no Brasil, há registros que
atingiram até 36% em um foco. No entanto, mesmo
em países que não é comum, ela pode atingir alto
nível de infecção. Exemplos estão no Senegal, onde
um surto resultou em mais de 45% dos cães infectados, no Marrocos que relatou valor aproximado de
20% e na Tunísia com 12% em algumas regiões.
Dentro das Américas, o Brasil é o país com o maior
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índice de ocorrência da enfermidade (DANTAS-TORRES, 2006). Essa enfermidade, anteriormente considerada como doença de zona rural, vem demonstrando que ainda passa por várias alterações na sua
cadeia epidemiológica. A LV está sendo levada para
os grandes centros urbanos por meio da migração
populacional em busca de melhores condições
socioeconômicas (DANTAS-TORRES, 2006), e novos
casos da doença estão sendo gradualmente registrados em regiões onde ela não era encontrada (SILVA
et al., 2008).
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, nos
últimos 20 anos (1992-2011) de notificação de LV em
humanos, somaram-se 65.235 casos de LV, com
67,85% deles ocorridos na região Nordeste (principalmente nos estados de Maranhão, Piauí, Ceará e
Bahia). Os valores anuais médio desses casos foram
de 3.261,75 casos/ano, e a incidência média no
mesmo período foi 1,89 casos/100.000 habitantes
(Figura 2 e 3) (BRASIL, 2012a, 2012b, 2012c, 2012d). Na
Venezuela, os valores de incidência anual de LV
aumentaram de 0,08/100.000 habitantes em 1990,
para 0,22/100.000 habitantes no ano de 2005, ainda
assim com valores muito baixos quando comparados aos valores brasileiros, que foram de 1,3/100.000
habitantes e 2,0/100.000 habitantes, considerando
os mesmos períodos respectivamente (DANTASTORRES, 2006).
FIGURA 2: Mapa de distribuição de leishmaniose visceral em
humanos no Brasil, com dados do período de 1981 a 2011. Fonte:
adaptado de Costa (2011) e Brasil (2012e).
Ao atingirem a circulação sanguínea, as formas
promastigotas de leishmania se utilizam de mecanismos próprios para sobreviver à lise celular, que
será ativada pelo sistema complemento. Devido a
este mecanismo protetor, a leishmania sobrevive ao
ataque do hospedeiro e ainda consegue invadir
macrófagos pela manipulação de receptores celulares (CAMPOS-PONCE et al., 2005).
A invasão de macrófagos é uma estratégia essencial
para a sobrevivência da Leishmania. Dentro deles, o
parasito está protegido contra a resposta imune do
hospedeiro e, ao mesmo tempo, está exposto à ação
do pH ácido e enzimas hidrolíticas dos fagolisossomas, além de outros fatores microbicidas que protegem o agente de um ataque bacteriano e possibilita
sua multiplicação (CAMPOS-PONCE et al., 2005;
MONTALVO et al., 2012).
Ciclo de vida e transmissão
O mecanismo de transmissão da leishmaniose
(Figura 4) envolve complexas interações entre o
parasito, os vetores, os hospedeiros vertebrados e os
diferentes ecótopos (DANTAS-TORRES et al., 2012).
A leishmaniose é uma enfermidade metaxênica, em
que o agente passa por transformações no organismo do vetor, neste caso, o flebotomíneo (DANTAS-TORRES, 2006). O ciclo tem início com a inoculação
de formas infectantes do parasito (promastigota
metacíclico) no hospedeiro durante o repasto
sanguíneo (COUTINHO et al., 2005; MONTALVO et al.,
2012). Existem ainda registros de transmissões
acidentais por transfusões sanguíneas e até mesmo
transmissão congênita, mas faltam esclarecimentos
FIGURA 3: Número de casos confirmados e Coeficiente
de Incidência/100.000 habitantes de leishmaniose Visceral
durante os anos de 1992 a 2011, no Brasil. Fonte: adaptado de
SINAN/SVS/MS (BRASIL, 2012a, 2012b).
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contrair a doença do que animais entre 5 e 8 anos.
Além do mais, em condições adequadas, é possível
observar um comportamento singular, como o
relatado por Costa (2011). O autor exemplifica um
estudo chinês revelando que no país coexistem
casos antroponóticos como os da Índia, causados
por
L. donovani, no mesmo local que
existem casos zoonóticos resultantes da parasitemia por L. i. infantum. Isso revela a capacidade das
duas espécies de Leishmania dividirem um mesmo
ambiente, o que aumenta mais a complexidade para
tentar estabelecer um controle efetivo da LV, uma
vez que cada uma tem um ciclo biológico diferente.
Fraga et al. (2012) observaram que em alguns locais
endêmicos para LV, ocorrem surtos periódicos da
doença. Isso sugere que ocorre a manutenção do
parasito nessas áreas, mesmo durante períodos em
que aparentemente a doença está ausente. Contudo,
no Senegal (oeste da África), ocorreu uma situação
particular. Nesse país, a leishmaniose tegumentar
humana causada pela L. major é endêmica e não
ocorrem casos de LV. No entanto, quando Faye et al.
(2010) conduziram estudo para detecção de LVC, eles
demonstraram um alto índice de cães infectados
com L. i. infantum. Isso indica que a saúde humana
está sob intenso risco, mas não sabe o porquê de a
doença não ocorrer.
FIGURA 4: Ciclo de transmissão da leishmaniose. Fonte: Adaptado de Montalvo et al. (2012).
Essa resistência ao ataque do sistema complemento
e a capacidade de invasão de macrófagos são utilizados para mensurar a virulência. Existem muitos
fatores de virulência que foram descobertos nos
últimos 20 anos, por exemplo: a capacidade de
migração, adesão, ativação de células NK, modulação da resistência à lise celular estimulada pelo
sistema complemento do hospedeiro e invasão de
macrófagos (CAMPOS-PONCE et al., 2005).
Portanto, uma vez infectado, o hospedeiro torna-se
reservatório do agente e o cão é o principal reservatório doméstico (DANTAS-TORRES et al., 2012).
Ainda, segundo CHICHARRO et al. (2002), a ausência
de cura dos cães infectados atribui a esses animais
um importante papel na cadeia epidemiológica da
enfermidade.
E assim como ocorre com os cães domésticos, canídeos silvestres e outros animais são susceptíveis à
infecção por Leishmania e podem vir a morrer pela
LVC. Esse fato motivou a pesquisa por reservatórios
alternativos, resultando na identificação de outros
animais com essa potencialidade na América do Sul
(DANTAS-TORRES et al., 2012). Foi relatado no Brasil
um caso em que o gato doméstico se infectou com L.
i. chagasi, e por meio do xenodiagnóstico foi comprovado seu papel como hospedeiro (DA SILVA et al.,
2010). Além de cães e gatos, outros animais sinantrópicos podem estar envolvidos com a transmissão
da doença (DANTAS-TORRES et al., 2012; DA SILVA et
al., 2010).
Tentando identificar os fatores que interferem na
disseminação do parasito entre as populações caninas, DANTAS-TORRES et al. (2012) observaram que a
existência de uma relação entre a sazonalidade, a
preferência alimentar do vetor, densidade populacional do vetor, a densidade e susceptibilidade da
população canina, a forma como os cães são criados
(dentro ou fora das residências, sendo urbanas ou
rurais), o grau de exposição dos cães aos vetores, a
presença de outros reservatórios e o hábito de
adotar medidas preventivas pelos responsáveis são
fatores críticos. Em busca de outras relações,
CORTES et al. (2012) observaram, em Portugal, que
cães com menos de 2 anos têm menor chance de
Vetores
Os vetores da leishmaniose visceral são insetos,
dípteros, psychodideos, que pertencem ao gênero
Phlebotomus no Velho Mundo e Lutzomyia no Novo
Mundo e são capazes de transmitir o agente infeccioso (THRUSFIELD, 2004; DANTAS-TORRES, 2006).
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naturais, como os terremotos, que modificam a
paisagem e resultam no aparecimento de novos
focos da enfermidade, atingindo consequentemente
algumas áreas em que antes a doença não ocorria
(MONTALVO et al., 2012).
O inseto L. longipalpis foi descrito pela primeira vez
em 1912, após ser encontrado nos estados de São
Paulo e de Minas Gerais (LUTZ & NEIVA, 1912). Mais
tarde, constatou-se que era o vetor da LV e LVC,
podendo ser encontrado desde o México até Argentina (OVALOS, 2011). Contudo, existe outro vetor de
LVC no Brasil, o Lutzomyia cruzi, que tem distribuição mais limitada na região central do país (DANTAS-TORRES, 2006). Em Cuba, ainda não se reconhece o vetor da doença, mas há suspeitas de que seja a
espécie Lutzomyia oroestes (MONTALVO et al., 2012).
No Velho Mundo, Phlebotomus perniciosus e Phlebotomus ariasi são vetores da L. i. infantum no
mediterrâneo (FRAGA et al., 2012), sendo o P. perniciosus reconhecido como principal vetor daquela
região (DANTAS-TORRES, 2007). Por fim, no subcontinente indiano, as espécies Phlebotomus argentipes, Phlebotomus orientalis e Phlebotomus martini
são os vetores reconhecidos de LV (SHARMA &
SINGH, 2008).
A baixa taxa de infecção de flebotomíneos com
Leishmania sugere a possibilidade da participação
de outros vetores na transmissão desse agente.
Carrapatos da espécie Rhipicephalus sanguineus
são artrópodes que despertam certo interesse no
ciclo de transmissão da doença, pois já foi demonstrado a capacidade de se infectarem (taxa de infecção de 15,4%), e os macerados destes reproduzirem a
doença em camundongos. No entanto, ainda não foi
comprovado sua participação na transmissão natural da enfermidade (COUTINHO et al., 2005).
Por fim, existem também substâncias importantes
encontradas na saliva de flebotomíneos e acredita-se que podem influenciar na transmissão e infectividade da forma promastigota do parasito. Essa
substância influencia no desenvolvimento do
agente após a inoculação no organismo hospedeiro,
mas, também, serve como antígeno estimulador de
resposta imunológica contra a saliva de flebotomíneo (CAMPOS-PONCE et al., 2005).
Na Espanha, indivíduos de Phlebotomus perniciosus são capazes de obter uma alta taxa de infecção
média (4,7%), quando alimentados com lebres-ibéricas infectadas. Esse valor está muito acima dos
valores encontrados nas Américas (0,28% na Venezuela, 0,29% a 0,9% na Colômbia e 0,2% a 0,5% no
Brasil, exceto um estudo que demonstrou 7,1% em
Santarém, no estado do Pará) (COUTINHO et al.,
2005; MOLINA et al., 2012).
Reservatórios
Como já foi citado, os animais domésticos e silvestres são reservatórios (MOLINA et al., 2012). Segundo
Thrusfield (2004), reservatório é o hospedeiro no
qual o agente infeccioso vive normalmente, se multiplica e, portanto, é uma fonte de infecção para
outros animais. Contudo, buscando melhor definir o
termo reservatório para LV e LVC, Dantas-Torres
(2007) afirmou que para se incriminar um animal
hospedeiro como reservatório de Leishmania, o
parasito isolado do animal deve ser indistinguível
daquele que pode ser encontrado no humano.
Apesar de P. papatasi ser um flebotomíneo com
grande dispersão no Velho Mundo, está relacionado
com a transmissão de flebovírus e da leishmaniose
cutânea causada por L. major. Ele não é reconhecido
como vetor da LV, por ser refratário à infecção por
L. i. infantum e L. donovani. No entanto, novos estudos demonstraram que os híbridos de L. i. infantum/L. major são capazes de infectar essa espécie e,
assim, causar infecção visceral em humanos HIV
positivo (VOLF et al., 2007).
Contudo, a Organização Pan-americana de Saúde OPAS define que os cães são os principais reservatórios da LV para o homem (OPAS, 2012), mesmo que já
tendo sido detectados gatos e aves domésticas
infectados com o parasito (DANTAS-TORRES, 2006).
Além disso, a alta taxa reprodutiva desses animais,
com o crescente abandono e a maior adaptação e
dispersão do vetor no ambiente urbano, proporcionam condições de gerar epidemia da enfermidade
(OPAS, 2012).
As preferências sobre o habitat demonstradas pelos
flebotomíneos influenciam o grau de contato que
eles exercem sobre os humanos (DAVIES et al.,
2000). É muito provável que o aquecimento global
torne possível a expansão da doença para áreas que
ainda não eram atingidas, ou então que esse efeito
climático possibilite uma mudança no período dos
estágios de desenvolvimento do inseto. Um fator
que direciona a essas sugestões são as catástrofes
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o L. longipalpis, que respectivamente são os vetores
no continente Europeu e nas Américas. Contudo, L.
longipalpis demonstrou uma maior suscetibilidade
à cepa viscerotrópica, o que indica ter mais chance
de transmitir LV (DANTAS-TORRES et al., 2012).
Considerando as várias diferenças existentes entre
os cães, França-Silva et al. (2003) relataram que
animais da raça Boxer e German Shepherd foram os
mais acometidos na França. Em Portugal, alta
incidência foi detectada em German Shepherd e
Doberman. Em Athenas (na Grécia), observaram que
a raça Collie era a menos infectada (podendo estar
relacionado com o maior comprimento do pelo), e no
Brasil um estudo conduzido em Montes Claros
(Minas Gerais) observou que as raças mais acometidas foram Boxer e Coker Spaniel. De forma geral, a
doença tem sido detectada apenas em animais
jovens ou adultos, e não encontraram relação da
doença com o sexo na Itália, Portugal, Brasil e na
Grécia, mas na França ela foi associada a animais
machos. Nos Estados Unidos, Petersen & Barr (2009)
conduziram um estudo com cães da raça American
Foxhound e demonstraram que esses cães, cujo
habitat permanece grande parte do tempo em áreas
de florestas, constituem uma população endêmica
para LVC, até então desconhecida nesse país.
Segundo Dantas-Torres (2006), não apenas os cães
domésticos, mas canídeos em geral completam as
exigências para serem considerados eficientes
reservatórios de Leishmania. Mas os cães domésticos por serem animais mais próximos ao homem
recebem maior atenção nas pesquisas. Devido a
esse fato, algumas características foram esclarecidas sobre os cães, como: as raças em geral (com
poucas exceções) são susceptíveis, a prevalência
em cães encontrados nas áreas endêmicas de
leishmaniose atinge valores altos, cães usualmente
vivem próximos às residências humanas e cães
podem permanecer infectados sem expressar sinais
clínicos.
Animais sintomáticos e assintomáticos infectados
por L. i. infantum e L. i. chagasi são importantes
fontes de infecção para os flebotomíneos e reservatório de Leishmania, por isso apresentam importante papel na transmissão da doença a animais
susceptíveis (MOHAMMADIHA et al., 2012). No
entanto, os assintomáticos podem representar 50% a
60% do total de animais infectados (AZEVEDO et al.,
2011), além de permanecer por muito tempo com
altos índices de parasitismo sem, necessariamente,
demonstrarem qualquer sinal clínico. Estudos sugerem que a apresentação de sinais clínicos estão
relacionados com a imunodepressão provocada
após algum tempo de infecção (DANTAS-TORRES et
al., 2012).
Dados retirados do trabalho de Dantas-Torres et al.
(2012) indicam que na Europa, as pesquisas com
soroprevalência revelaram que a doença ocorre com
maior frequência em animais com menos de três
anos, e animais com mais de oito anos. Além disso,
a raça de cães Ibizan Hound foi incriminada como
sendo mais resistente e Boxer como mais susceptível.
Seguindo a mesma linha de pesquisa, Cortes et al.
(2012) publicaram que, em território português, foi
detectada a predominância dos casos em animais
que vivem afastados do litoral (semelhante ao
relatado na França), e com a idade média de 6,02
anos. Não foi possível detectar diferenças quanto ao
sexo, mas observaram que a maioria dos animais
positivos tinha pelo curto ou médio e vivia fora de
casa. Sinais clínicos da doença foram observados
em 10,46% dos animais, e 53,74% dos cães positivos
no teste eram assintomáticos. Apenas 25% dos cães
com sinais compatíveis foram positivos ao teste.
Animais silvestres também são encontrados infectados com L. i. infantum. A alta proporção de carnívoros silvestres infectados com L. i. infantum na
Espanha sugere a existência de um ciclo selvático
de leishmaniose independente de cães domésticos
(MOLINA et al., 2012). Entre os reservatórios silvestres conhecidos no Mediterrâneo, temos: a lebre-andina (Lepus granatensis), o rato-das-hortas (Mus
spretus), o texugo-europeu (Meles meles), rato do
campo (Apodemus sylvaticus), manguço (Herpestes
ichneumon), marta (Martes martes), gineta-europeia (Genete geneta), lince-ibérico (Lynx pardinus),
doninha-anã (Mustela nivalis), lobos (Canis lupus),
raposas vermelhas (Vulpes vulpes), rato de telhado
(Rattus rattus) e ratazana (Rattus norvegicus).
Na América do Sul, pouco ainda se sabe sobre a
relação da doença com raças caninas e outros
fatores como a condição nutricional de cães. O que
já foi observado é uma maior proporção de animais
infectados na Europa em comparação ao Brasil.
Talvez, isso seja consequência de uma maior taxa de
infecção notada em P. perniciosus, quando comparados com
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nal (CALVOPINA et al. 2004; MOHAMMADIHA et al.,
2012). Esta consiste da avaliação de esfregaços
confeccionados com sangue, aspirado de linfonodo
ou fragmentos de pele corados por Giemsa a 10%, e
tem alta especificidade, pois raramente vai se obter
resultados falso positivos. No entanto, sua sensibilidade é baixa, proporcionando muito resultado falso
negativo (DAVIES et al., 2000; AZEVEDO et al., 2011).
Segundo Calvopina et al. (2004), a sensibilidade de
um exame direto de esfregaço sanguíneo é de 45,4%,
já de acordo com Montalvo et al. (2012), os valores da
sensibilidade variam de 50 a 70% no velho mundo e
15 a 30% no novo mundo. Dessa forma, Mohammadiha et al. (2012) revelaram que o teste parasitológico ou resposta ao tratamento não devem ser considerados testes Padrão Ouro para leishmaniose.
Na China, identificaram a lebre-de-Yarkand (Lepus
yarkandensis) (MOLINA et al., 2012).
No nosso país, Brasil (2006), Gomes et al. (2007) e
Azevedo et al. (2011) sugeriram existência de um
ciclo selvático da leishmaniose, envolvendo o
cachorro-do-mato (Cerdoncyon thous), o lobo-guará
(Chrysocyon brachyurus), a raposa do campo (Pseudalopex vetulus) e o gambá (Didelphis albiventris).
Na Colômbia e na Venezuela, já identificaram o
gambá (Didelphis marsupialis) infectado, e na Venezuela foi identificado também o rato de telhado (Rattus rattus) infectado (DANTAS-TORRES, 2006).
Sinais clínicos
A manifestação clínica da leishmaniose é determinada por uma combinação de fatores, que relacionam o hospedeiro ao parasito e ao vetor (CAMPOS-PONCE et al., 2005). A severidade na manifestação
de sinais clínicos tem estreita relação com o grau de
infecção do cão (DANTAS-TORRES et al., 2012). Estudos complementares de Campos-Ponce et al. (2005)
compararam a reprodução de sinais clínicos
avaliando a via de inoculação com a quantidade de
inóculo. A concentração de 107 e 109 parasitas
inoculados via intravenosa resultou na visceralização de L. i. chagasi.
Fernández-Cotrina et al. (2012) descreveram que
após quatro a seis meses de incubação o enfartamento do linfonodo, conjuntivite, dermatites e
hipertermia são os primeiros sinais clínicos observados em cães com leishmaniose. Os outros sinais
mais observados são: febre, perda de peso, anemia,
lesões cutânea (alopecia, eczema furfuráceo, lesões
ulcerativas e hiperqueratose), onicogrifose, adenomegalia, esplenomegalia, hepatomegalia (Figura 5)
(LINHARES et al., 2005) e, ainda, pode estar associada a infecções bacterianas, o que torna o caso mais
grave (COSTA, 2011; CORTES et al. 2012).
FIGURA 5: Sinais clínicos comuns de Leishmaniose visceral
canina. Fonte: Adaptado de Sollano-Galego et al. (2011).
Exames histopatológicos podem ser conduzidos
para buscar formas amastigotas em diferentes
tecidos (MONTALVO et al., 2012). Mas nesse exame
se tem a menor sensibilidade de detecção do agente
(34,7%) (CALVOPINA et al., 2004).
A mesma amostra utilizada para o diagnóstico
parasitológico pode ser aproveitada para a realização do cultivo em meio bifásico NNN (Novy, Mc
Neal, Nicolle). A cultura demanda muito tempo e
instalações apropriadas (MOHAMMADIHA et al.,
2012), além de ter uma baixa sensibilidade (57,2%),
que está sujeita à redução em casos crônicos da
enfermidade ou quando ocorre contaminação
microbiológica do material (CALVOPINA et al.,
2004). Mas essa técnica pode facilitar a identificação e caracterização da espécie futuramente por
meio de estudos isoenzimáticos (MONTALVO et al.,
2012). E diferentemente da Europa, onde a única
espécie de leishmania encontrada nos cães é a L. i.
infantum, na América do Sul, os cães são afetados
por diversas outras espécies de leishmania,
causando não só sinais viscerais, mas também
cutâneos, que epidemiologicamente precisam ser
caracterizadas (DANTAS-TORRES et al., 2012).
Diferenças na virulência do parasito podem explicar
essa diversidade de sinais clínicos (CAMPOS-PONCE et al., 2005). Mas, as intensidades dos sinais não
dependem unicamente de fatores relacionados ao
parasito. Consequentemente, foram relacionados
que a idade, a genética e o estado nutricional são
fatores determinantes na expressão da enfermidade
no organismo animal (DAVIES et al., 2000). Dantas-Torres (2006) enfatizou a importância da desnutrição como outro fator de risco para o desenvolvimento da doença.
Diagnóstico
Estão disponíveis para o diagnóstico testes diretos e
indiretos como: cultura, sorologia, citologia e testes
moleculares. Sobre o exame de esfregaço direto,
pode-se dizer que é uma técnica simples, mas
consome muito tempo e requer experiência do profissio-
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tempo real possibilita análise quantitativa do resultado, o que é útil para distinção da infecção em
animais assintomáticos e sintomáticos.
O uso de sorologia no diagnóstico rotineiro da enfermidade é praticado por sua facilidade de execução e
boa sensibilidade (MOHAMMADIHA et al., 2012).
Entre os métodos sorológicos existentes para se
fazer o diagnóstico da leishmaniose visceral, podemos citar: Ensaio Imunoenzimático (ELISA), Reação
de Imunofluorescência Indireta (RIFI), teste de aglutinação direta (DAT) e Western blot (DA SILVA et al.,
2010; MOHAMMADIHA et al., 2012; MONTALVO et al.,
2012).
Testes moleculares baseados na PCR conhecidamente têm bons índices de sensibilidade (85,4% em
média) e especificidade para o diagnóstico (CALVOPINA et al., 2004; DANTAS-TORRES et al., 2012).
Contudo, a PCR em tempo real proporciona valores
próximos a 98,7% e 83,3%, respectivamente para
sensibilidade e especificidade, sendo capaz de
detectar a enfermidade em 99% dos animais assintomáticos. Além disso, a PCR em tempo real tem a
vantagem de produzir resultados rapidamente,
reduzindo as chances de contaminação laboratorial
e obtenção de resultados falso positivos
(MOHAMMADIHA et al., 2012).
Entre os diferentes métodos sorológicos disponíveis, o DAT tem valores de sensibilidade e especificidade respectivamente de 93% e 100%, quando adotado o ponto de corte em 1:400. Além disso, essa é uma
técnica simples e econômica para estudos sorológico e epidemiológico da leishmaniose visceral
humana e canina (CORTES et al., 2012). Por outro
lado, uma relação entre a alta taxa parasitária e a
intensa resposta imunológica pode ser detectada
pelo ELISA e pelo RIFI (FERNÁNDEZ-COTRINA et al.
2012). Com relação à sensibilidade, a imunofluorescência, apesar de melhor que a cultura, é inferior ao
ELISA (FRAGA et al., 2012).
Estão entre as amostras clínicas utilizadas para
realização da PCR: sangue, soro, fragmentos de pele,
medula óssea, liquor, amostra conjuntival e aspirado
de linfonodo (QUARESMA et al., 2009; SILVEIRA
NETO, 2010; MOHAMMADIHA et al., 2012). Segundo
Quaresma et al. (2009), estes dois últimos proporcionaram melhores resultados, quando comparados ao
sangue periférico. No entanto, para realização de
estudos epidemiológicos de larga escala, a colheita
de material de medula óssea não é uma técnica
simples de executar.
Em geral, apesar da facilidade dos testes sorológicos, cuidados devem ser tomados com a interpretação dos resultados. Reações cruzadas podem ocorrer com Trypanosoma cruzi (MONTALVO et al., 2012)
e diferentes espécies de leishmanias, inclusive
aquelas responsáveis pela leishmaniose tegumentar. Do mesmo modo, amostras de animais imunocomprometidos podem não responder fielmente aos
testes (MOHAMMADIHA et al., 2012), e uma RIFI
realizada com soro de animal assintomático pode
resultar em um dado falso negativo (MOHAMMADIHA et al., 2012).
Outra vantagem dos testes moleculares é que a PCR,
nested-PCR e até mesmo RAPD-PCR podem ser
utilizados para discriminação entre as espécies de
isolados de leishmania (HAJJARAN et al., 2007;
KARAMIAN et al., 2007), e por meio de RFLP-PCR,
com uma pequena quantidade de DNA, se permite a
diferenciação entre L. i. chagasi, Leishmania brasiliensis e Leishamnia amazonensis (QUARESMA et
al., 2009).
Aos animais suspeitos que forem reativos para
leishmaniose nos testes sorológicos, recomenda-se
confirmar parasitologicamente e realizar a caracterização do parasito para fins epidemiológicos (CALVOPINA et al., 2004).
Segundo Fernández-Cotrina et al. (2012), na PCR em
tempo real, foi detectado a possibilidade de ocorrer
resultado falso positivo, quando o Syber Green apresenta fluorescência em casos de ligação entre
primers (MOHAMMADIHA et al., 2012).
O diagnóstico molecular com o uso da técnica de
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) tem
demonstrado bons resultados em estudos com cães,
flebotomíneos e humanos (SILVA et al., 2008).
Mohammadiha et al. (2012) afirma que, no Irã, o DAT
e a PCR em tempo real são dois testes adequados
para o diagnóstico de animais assintomáticos infectados com L. i. infantum. Oportunamente, a PCR em
Outro teste existente para ser utilizado no diagnóstico da infecção em cães é o Leishmania Skin Test
(LST), ou Teste de Montenegro ou DTH. Ele é um
teste cutâneo que avalia, como o próprio nome diz, a
hipersensibilidade tardia (FRAGA et al., 2012),
mas pelo DTH uma intensa infecção pode não
ser detectada (FERNÁNDEZ-COTRINA et al.,
2012).
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de diagnósticos sensíveis como a PCR (DANTAS-TORRES et al., 2012)
No Brasil, as autoridades de saúde pública têm um
Programa de Vigilância e Controle da LVC, que
adotam os métodos diagnósticos sorológicos: ELISA,
como triagem e RIFI (com uma titulação referência
de 1:40), como teste confirmatório independente da
presença de sinais clínicos nos cães. Entretanto, o
programa gradativamente deixará de realizar o
método RIFI, passando a utilizar um teste rápido
imunocromatográfico, como prova de triagem e
ELISA, como teste confirmatório (BRASIL, 2011).
Tratamento
O protocolo de tratamento para LVC, de acordo com
Dantas-Torres et al. (2012), preconiza a utilização de
uma combinação de antimoniato de meglumina
com alopurinol. Outras opções podem ser utilizadas,
como a combinação de miltefosina e alopurinol ou o
uso apenas de alopurinol. O prolongamento do tratamento pode ser necessário e o prognóstico pode
variar de favorável a desfavorável, isso dependerá
do estado clínico do animal e da resposta imunológica dele.
Outros valores de ponto de corte existem e podem
ser utilizados segundo a OIE, por exemplo o CDC em
Atlanta adota o valor de 1:128 como ponto de corte
(DANTAS-TORRES et al., 2012), e no Irã o valor é de
1:320 (HAJJARAN et al., 2007). O que define qual
valor utilizar é o próprio laboratório. Valores de
corte baixos como 1:40, ocasionam em alguns resultados falso positivos, resultante da reação cruzada
com organismos como Trypanosoma cruzi, Trypanosoma caninum e Leishmania dermotrópica (L.
braziliensis por exemplo) (DANTAS-TORRES et al.,
2012).
No entanto, na Europa, apenas duas drogas estão
liberadas: o antimonial pentavalente e a miltefosina. As outras drogas indicadas, como o alopurinol, a
aminosidina e a anfotericina B, não estão liberadas
para uso em cães (AIT-OUDHIA et al., 2012).
Nos Estados Unidos, pela dificuldade de se obter
alguns dos medicamentos, o tratamento quando
recomendado é realizado com uso contínuo de
alopurinol para a remissão dos sinais. Quando o
tratamento é interrompido, comumente se observa
reaparecimento dos sinais clínicos. A cura completa
é rara, mas 80% dos animais sobrevivem por pelo
menos quatro anos quando não têm insuficiência
renal ao início do tratamento. As drogas, de preferência, são os antimoniatos pentavalentes (stibogluconato de sódio e antimoniato de meglumina) e não
são licenciados pelo Centers for Disease Control and
Prevention (CDC) para uso nos Estados Unidos. A
emulsão oleosa de anfotericina B é relativamente
não nefrotóxica e apresenta boa efetividade contra o
parasito, mas não é superior que o alopurinol. O
prognóstico é sempre reservado, e o tratamento não
garante melhor qualidade de vida aos cães (PETERSEN & BARR, 2009).
O modelo europeu de diagnóstico da leishmaniose
preconiza que um animal com sinais clínicos e/ou
anormalidades clínico-patológicas compatíveis
com leishmaniose deve ser testado por técnicas
parasitológicas (citologia, cultura, histologia, imunohistoquímica), sorológica (RIFI, teste de imunocromatografia rápida, ELISA), e/ou métodos moleculares (PCR). Quando se trata de testes sorológicos, a
detecção de altos níveis de anticorpos tem valor
diagnóstico em animais suspeitos ou doentes, e
animais com baixos níveis de anticorpos precisam
passar por outros testes para confirmar, sejam parasitológicos ou molecular (DANTAS-TORRES et al.,
2012).
O que é visível entre as duas rotinas diagnósticas é
que, para um diagnóstico confiável da LVC, não se
deve utilizar apenas uma técnica, e sim a combinação delas. Deve-se procurar o máximo de suporte
laboratorial para obter conclusões precisas. Ainda,
está claro que em qualquer animal que a leishmaniose se enquadre como diagnóstico diferencial,
uma série de exames precisam ser realizados para
concluir o caso. Mas, na América do Sul, existe uma
grande dificuldade de realizar tantos testes, pois
muitos dos animais suspeitos estão em ambiente
rural, e os proprietários não procuram assistência
veterinária ou nem sempre estão disponíveis testes
Dantas-Torres et al. (2012) citaram que a utilização
do antimoniato de meglumina encapsulado em
lipossomas e alopurinol para tratar cães infectados
demonstrou melhoras clínicas e redução significante da carga parasitária na medula óssea e baço, com
uma taxa de cura de 50%, baseada em testes parasitológicos. Além disso, PCR em tempo real e xenodiagnóstico indicaram que essa combinação de
drogas bloqueou a transmissão de parasitos encontrados na pele para os flebotomíneos.
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animais soropositivos, fornecimento de proteção
para os cães contra as picadas dos flebotomíneos
por meio de colares ou repelente de uso tópico e, por
último, a vacinação (que aparentou efetividade após
análise de testes realizados na Europa).
Não importando qual droga seja utilizada, a cura
parasitológica está muito longe de ser obtida. E
mesmo que o tratamento permita redução da transmissão do agente pelos flebotomíneos, isto é por um
curto período. O que vai determinar a eficiência do
tratamento está relacionado com o estado imune do
cão, a farmacocinética e a sensibilidade de cada
isolado de Leishmania ou a resistência destes às
drogas (AIT-OUDHIA et al., 2012)
Dentre as medidas de controle da leishmaniose, a
eutanásia de cães infectados é a medida oficial no
Brasil, conforme Decreto do Senado Federal nº
51.838 de 14 de março de 1963 (BRASIL, 2015b).
Contudo, esta não obteve uma redução significativa
na incidência da doença em humanos e cães e,
também, demonstrou ser insuficiente para prevenir
novas epidemias no Brasil, que ressurgiram a partir
de 1992 (WERNECK et al., 2002).
Na porção ocidental do Mediterrâneo, onde os cães
com Leishmania infantum são tratados utilizando o
antimoniato de meglumine, já se isolaram cepas do
parasito resistentes a essa droga. Com relação à
anfotericina B, ainda não se detectou fenômeno de
resistência a essa droga. Mesmo assim, a OMS não
recomenda o uso de anfotericina B no tratamento de
cães, pois ainda que o tratamento seja mantido com
anfotericina B, a falha após um tratamento com
antimoniato comumente resulta em um cão persistentemente infectado (AIT-OUDHIA et al., 2012).
O fato de a doença ter disseminado da zona rural
para a urbana é um indicativo da dificuldade que os
órgãos de saúde enfrentam para a implementação
de medidas de controle da infecção (DANTAS-TORRES, 2006).
Entretanto, alguns fatores podem ter sido determinantes pela falta de efetividade. A rápida reposição
de animais (introduzindo filhotes susceptíveis), a
limitada sensibilidade e especificidade dos testes
sorológicos de triagem, a falta de apoio dos proprietários para permitir a eutanásia dos cães e a falta de
conhecimento em alguns fatores epidemiológicos
são exemplos (WERNECK et al., 2002; DANTAS-TORRES et al., 2012).
As evidências sobre a ineficácia do tratamento
farmacológico de cães infectados são cumulativas,
elas demonstram que o animal apesar de apresentar
melhoras clínicas não apresenta reversão do estado
infectado, o que mantém o cão como fator de risco
para a população e ainda aumenta a possibilidade
de gerar cepas resistentes aos medicamentos de uso
humano. Por não existir estratégias suficientes para
evitar a transmissão da doença aos homens e
animais, a conduta indicada é o sacrifício dos cães
infectados (OPAS, 2012).
Apesar de tudo, é preciso evitar a expansão geográfica dessa doença (DANTAS-TORRES et al., 2012).
Talvez, estudos sobre a ecologia da transmissão
possam ajudar na obtenção de mais respostas que,
segundo Davies et al. (2000), são necessárias para
estabelecer um programa de controle para a enfermidade em questão.
Por isso, no Brasil, o tratamento é proibido com
drogas de uso humano ou não registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), conforme preconiza a Portaria Interministerial nº 1.426 de 11 de julho de 2008 e a Organização
Pan-americana de Saúde (BRASIL, 2015a; DANTAS-TORRES et al., 2012).
Alguns dos resultados obtidos nesses estudos indicaram que os fatores de riscos determinantes estejam relacionados principalmente com os vetores
flebotomíneos, seguindo dos hospedeiros reservatórios e finalmente com o comportamento humano,
por exemplo: o tipo de moradia adotada (DAVIES et
al., 2000).
Medidas de Controle e Prevenção
Os programas de controle visam interromper o ciclo
de transmissão do agente e reduzir a incidência de
infecção em cães e em humanos (DANTAS-TORRES
et al., 2012). Segundo Ait-Oudhia et al. (2012), quatro
métodos estão disponíveis para prevenir a disseminação da leishmaniose na população canina: o
tratamento (já discutido anteriormente), realização
de vigilância sorológica, seguidos da eliminação dos
Dantas-Torres et al. (2012) reafirma ao citar que a
grande dificuldade de controle da leishmaniose está
associada ao vetor, pois este tem complexa biologia
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
então, essa medida de encoleiramento dos animais
provavelmente não seja efetiva sem que haja um
acompanhamento das autoridades de saúde pública
(ALEXANDER & MAROLI, 2003).
e ecologia. O controle das formas intermediárias dos
flebotomíneos não pode ser aplicado como ocorre
nos mosquitos (que tem fase de desenvolvimento
em água). Tanto os ovos, como as larvas e a pupa
desenvolvem em uma grande diversidade de sítios
reprodutivos no solo. Isto torna impraticável o
controle destes estágios. Deste modo, as medidas de
controle do vetor, que aparenta ser a alternativa
menos onerosa e mais prática, devem ser direcionadas a fase adulta do mesmo (ALEXANDER &
MAROLI, 2003; DANTAS-TORRES et al., 2012).
Ainda existem no Brasil duas vacinas. Uma, cuja
fabricação foi proibida em dezembro de 2014, utiliza
antígeno purificado associado a FML (fucose, mannose ligand), e a outra contém proteína recombinante A2 com a saponina adjuvante. Já, na Europa,
comercializam uma terceira vacina, que é baseada
em um diferente antígeno purificado (SOLLANO-GALENO et al., 2011).
Relacionado aos hospedeiros reservatórios, algumas observações também foram apontadas como
fatores de risco. A principal é a existência de cães
infectados aparentemente saudáveis (CORTES et al.,
2012). Segundo Fraga et al. (2012), mesmo em anos
de baixa incidência em humanos, e épocas desfavoráveis ao desenvolvimento dos flebotomíneos, o
índice de infecção encontrado no baço de cães pode
chegar a 17%.
Dois estudos realizados na região sudeste do Brasil
apontaram que a vacinação em massa de cães pode
corresponder a uma redução dos níveis de soroprevalência em cães e, também, na redução de incidência em humanos (DANTAS-TORRES et al., 2012). Mas,
segundo OPAS (2012), as vacinas disponíveis não
demonstraram eficácia ainda e podem interferir na
discriminação diagnóstica, por isso é desaconselhado sua utilização até que novos estudos sejam feitos
e avaliados por órgãos competentes.
Além do mais, diante da incerteza sobre a possibilidade da existência de outros meios de transmissão,
Fraga et al. (2012) consideram que deve ser mais
bem elucidado a possibilidade da infecção a partir
de um segundo parasito canino (como as pulgas), ou
por mordedura e até mesmo durante o acasalamento de cães.
Portanto, ações que atingem caninos e não abrangem humanos e reservatórios silvestres serão ineficientes para o controle da enfermidade (DANTAS-TORRES et al., 2012).
Conclusão A leishmaniose visceral é uma enfermidade que acomete pessoas e animais em diversas
partes do planeta, incluindo populações que se
encontram em áreas de difícil acesso e em extrema
pobreza.
Por isso, além de estabelecer medidas de controle
para animais originados das áreas de risco, um dos
métodos para prevenir a disseminação da leishmaniose na população canina é o estímulo da proteção
parcial às picadas dos insetos, obtida pelo uso de
repelentes em coleiras ou aplicações tópicas (OPAS,
2012).
Flebotomíneos são insetos vetores dessa doença,
existindo em cada região do globo terrestre algumas
poucas espécies com competência para a transmissão do agente.
Segundo Dantas-Torres et al. (2012), o uso de repelentes e inseticidas com poder residual é a melhor
medida para reduzir a chance de transmissão da L. i.
infantum. As coleiras impregnadas com deltametrina a 4% demonstraram bons resultados quando
aplicados a cães da região Mediterrânea e do Oriente Médio. As taxas de proteção obtida com o uso
dessas coleiras variaram de 52,3% até 98%.
Assim como existe uma diversidade de vetores
adaptados a uma região no planeta, os reservatórios
se comportam de mesma forma. Além do cão
doméstico, consagrado como principal reservatório,
outras espécies (principalmente silvestres) já foram
descritas como reservatórios da leishmania viscerotrópica, resultando em uma distribuição estreitamente relacionada à área de ocorrência de cada
espécie animal.
Contudo, o mesmo não pode ser aplicado diretamente ao Brasil, pois diferentemente do velho mundo,
não ocorre uma sazonalidade delimitada que caracteriza o período de transmissão da enfermidade,
O tratamento permanece sendo motivo de muita
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ASPECTOS GERAIS DA LEISHMANIOSE VISCERAL
polêmica. Entretanto, apesar de parecer possível
obter cura clínica, ainda não há protocolo que garanta uma cura parasitológica do animal. Desse modo, o
animal mesmo depois de tratado permanece como
reservatório da enfermidade, resultado este que é
comprometedor à saúde pública. Por isso, o tratamento de cães infectados ou doentes com leishmaniose visceral, utilizando produtos de uso humano
ou produtos não registrados no MAPA, está proibido
em todo o território brasileiro.
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Existe vacina disponível no mercado, entretanto,
seu uso é desaconselhado até que novos estudos
sejam feitos e avaliados por órgãos competentes.
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Portanto, as medidas de vigilância e controle ainda
são as melhores opções no controle da leishmaniose
visceral. Medidas estas que envolvem a proteção
dos animais contra picada de insetos, remoção de
matéria orgânica que possa servir como criadouro
do vetor, aplicação estratégica de inseticida de
poder residual e remoção de animais infectados, que
constituem os reservatórios da Leishmaniose
Visceral.
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Esse artigo foi publicado na Comunidade Vet Smart
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REVISÃO DE LITERATURA
TOXOPLASMOSE
EM GATOS DOMÉSTICOS
por Aline Soares Barbosa,
Myrian Kátia Iser Teixeira,
Cristiano Rodrigo Nicomedes da Silva
22
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TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
principalpalmente o fígado, o cérebro, os pulmões e
o pâncreas. Os indivíduos imunocompetentes limitam a replicação de taquizoítos, fazendo com que o
protozoário permaneça encistado nos tecidos na
forma de bradizoíto. Os sinais observados na toxoplasmose clínica incluem anorexia, vocalização,
letargia, hipotermia, dispneia e morte súbita; no
entanto, sua ocorrência é pouco comum entre os
gatos adultos. Nos exames laboratoriais, não existem alterações patognomônicas associadas à toxoplasmose. O diagnóstico pode ser feito por centrífugo-flutuação das fezes ou por testes de identificação
de anticorpos anti-Toxoplasma, como o ELISA, a
RIFI e o Western Blot. O tratamento visa reduzir a
carga de oocistos eliminados nas fezes e controlar
os sinais clínicos, porém os gatos acometidos
permanecem infectados por toda a sua vida. A
clindamicina é o fármaco de eleição para a forma
sistêmica da doença e os corticosteroides são utilizados de forma tópica no tratamento da uveíte
causada por T. gondii. Deve-se evitar o oferecimento
de carnes cruas ou mal passadas aos gatos e limitar
os seus hábitos de caça como medidas profiláticas
ao desenvolvimento da toxoplasmose felina. O prognóstico para os gatos acometidos varia de favorável
a mau. A toxoplasmose humana deve ser prevenida
pela instituição de medidas higiênico-sanitárias.
SOBRE OS AUTORES
Aline Soares BARBOSA¹,
Myrian Kátia Iser TEIXEIRA²,
Cristiano Rodrigo Nicomedes da SILVA³
1. MÉDICA VETERINÁRIA PELA FACULDADE DE ZOOTECNIA E
ENGENHARIA DE ALIMENTOS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
(FZEA/USP). PÓS-GRADUANDA EM MEDICINA DE FELINOS PELA
ANCLIVEPA-SP. E-MAIL: [email protected]
2. MESTRANDA EM CIÊNCIAS MÉDICAS PELA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP). PÓS-GRADUADA EM MEDICINA
FELINA.
3. MESTRE EM CIRURGIA ANIMAL PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
MINAS GERAIS (UFMG). PÓS-GRADUADO EM MEDICINA FELINA.
PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA
DA FUNDAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA DE ITAJUBÁ (FEPI/MG).
Introdução A toxoplasmose é uma enfermidade
resultante da infecção pelo protozoário coccídeo
Toxoplasma gondii (BERGMAN, 2006). O gato
doméstico desempenha o papel de hospedeiro
definitivo no ciclo de vida desse parasita (LAPPIN,
2004; BERGMAN, 2006; PLATT, 2006), liberando os
oocistos em suas fezes (LAPPIN, 2004). Os oocistos
tornam-se infecciosos após a esporulação, que
ocorre depois de um a cinco dias no ambiente. As
pessoas infectam-se por meio da ingestão dos
oocistos esporulados ou dos cistos teciduais
(LAPPIN, 2004).
Título: TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
Tipo de Conteúdo: Artigo de Revisão de Literatura
Categoria: Patologia
Espécies: Felinos
Palavras-Chave: Toxoplasma gondii, Zoonose,
Felino.
Resumo A toxoplasmose é uma zoonose causada
pelo coccídeo Toxoplasma gondii. O gato doméstico
participa como hospedeiro definitivo no ciclo de
vida desse parasita, que também é capaz de infectar
seres humanos, seja pela ingestão dos oocistos
eliminados nas fezes do gato primoinfectado ou
pela ingestão dos cistos teciduais presentes em
carne crua ou mal passada. A transmissão transplacentária ou transmamária pode ocorrer tanto nos
felinos como nos humanos. Uma vez no organismo
do gato doméstico, o parasita pode desencadear o
ciclo enteroepitelial, que culmina na liberação de
oocistos nas fezes, ou o ciclo extraintestinal, que
também ocorre nas demais espécies e culmina na
disseminação de taquizoítos para diversos órgãos,
Trata-se de uma infecção bastante comum entre
felinos domésticos e seres humanos de todo o
mundo, com soroprevalência variável em cada
região, mas comumente na faixa de 30 a 40%
(LAPPIN, 2004). Um estudo realizado entre 163
felinos da cidade de Jaguapitã (Paraná, Brasil)
demonstrou prevalência de 73%, pelo método de
imunofluorescência indireta (GARCIA et al., 1999).
Já no estudo realizado pela Faculdade de Medicina
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Veterinária e Zootecnia da Universidade de São
Paulo (FMVZ-USP) com 327 gatos, apenas 0,6%
desses animais apresentaram oocistos de Toxoplasma – Hammondia em suas fezes (FUNADA et al.,
2007).
Se a resposta imune for adequada, a replicação do
parasita é atenuada e são formados cistos teciduais,
contendo os bradizoítos, que são a forma de divisão
lenta do parasita. Esses cistos formam-se principalmente no sistema nervoso central, nos músculos e
órgãos viscerais. Os bradizoítos podem ser reativados em episódios de imunossupressão e se dividirem rapidamente como taquizoítos. Tanto no gato
doméstico como nos seres humanos os bradizoítos
persistem nos tecidos por toda a vida do indivíduo
infectado (LAPPIN, 2004).
Os fatores predisponentes à manifestação da
doença clínica incluem a imunossupressão devido à
infecção pelo vírus da leucemia felina (FeLV) ou pelo
vírus da imunodeficiência felina (FIV), a administração de corticosteroides ou quimioterapia e a diabete
melito (BERGMAN, 2006). Não há predisposição
racial, sexual ou etária para o desenvolvimento da
toxoplasmose entre os gatos domésticos, mas
DUBEY & CARPENTER (1993) obtiveram em seu
estudo uma média de dois anos de idade, entre 100
gatos acometidos pela doença. Já LANGONI et al.
(2001) encontraram em seu estudo uma maior
prevalência (50%) em gatos entre quinze e dezoito
anos de idade. PINTO et al. (2009) apontam o acesso
à rua e a idade superior a um ano como fatores
predisponentes.
Os esporozoítos desenvolvem-se nos oocistos que
são liberados nas fezes dos gatos após a reprodução
sexuada do parasita. Eles se desenvolvem depois de
um a cinco dias de exposição ao oxigênio e em
condições adequadas de temperatura e umidade.
Quando os gatos enterram as fezes, os oocistos
esporulados podem sobreviver por até 18 meses,
mesmo em áreas de temperaturas extremas e baixa
umidade (LAPPIN, 2004).
Transmissão
Toxoplasma gondii pode ser transmitido por meio
da ingestão dos oocistos infectantes presentes nos
alimentos ou na água, contaminados por fezes de
animais infectados, ou pela ingestão de cistos
teciduais por meio de hábitos carnívoros, ou mesmo
por via transplacentária ou transmamária (BERGMAN, 2006; JAVINSKY, 2012).
A maioria dos gatos tem infecção subclínica pelo T.
gondii, mas a doença clínica severa com possibilidade de óbito ocorre em alguns casos. As manifestações clínicas apresentadas pelos felinos acometidos
são diversas, e a maioria dos achados em testes
diagnósticos não são patognomônicos. Quanto à
espécie humana, a doença pode ocasionar manifestações severas em crianças infectadas por via transplacentária e em indivíduos imunossuprimidos
O parasita possui duas possibilidades de ciclo,
dependendo da espécie hospedeira. O ciclo enteroepitelial ocorre apenas no gato doméstico e culmina
na liberação de oocistos nas fezes, após a reprodução sexuada do parasita (JAVINSKY, 2012). Depois
que um gato ingere um oocisto infeccioso ou um
cisto tecidual, o parasita adentra as células da
mucosa do intestino delgado e nesse local pode
desenvolver-se e reproduzir-se sexualmente, culminando na liberação de oocistos não esporulados e
não infecciosos nas fezes (LAPPIN, 2004; JAVINSKY,
2012). O período pré-patente após a ingestão de um
oocisto infeccioso dura de 19 a 48 dias, enquanto a
liberação dos ovos nas fezes após a ingestão de um
cisto tecidual pode iniciar-se dentro de três a dez
dias. A liberação dos oocistos nas fezes ocorre
apenas após a primoinfecção e tem duração de duas
a três semanas, em que o oocisto torna-se infeccioso
dentro de um a cinco dias após a eliminação
Texto
Etiologia
Assim como os demais coccídeos, T. gondii é um
parasita intracelular obrigatório. O gato doméstico e
os demais felídeos são os únicos animais capazes
de eliminar os seus oocistos, mas qualquer espécie
endotérmica pode infectar-se pelo parasita (JAVINSKY, 2012). T. gondii apresenta três estágios primários de vida: taquizoítos, bradizoítos e esporozoítos.
Os taquizoítos são a forma de divisão rápida do
parasita, a qual se dissemina no sangue ou na linfa
durante a fase ativa da infecção. Os taquizoítos
replicam-se dentro das células do hospedeiro, até
que a célula infectada seja destruída, liberando o
parasita. Se a resposta imune do hospedeiro for
insuficiente, a infecção se agrava, resultando na
morte do paciente (LAPPIN, 2004).
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e rapidamente se replica neste local e também nos
linfonodos próximos, evoluindo para a forma de
taquizoítos (JAVINSKY, 2012). Os taquizoítos disseminam-se por via hematógena e linfática e infectam
as células de todos os tecidos do organismo (PLATT,
2006; JAVINSKY, 2012). Os órgãos mais comumente
acometidos são o cérebro, o fígado, o pâncreas e os
pulmões (JAVINSKY, 2012).
placentária ocorre. O feto humano tem mais possibilidades de infectar-se, se exposto ao patógeno
durante o segundo e terceiro trimestres da gestação,
mas nesses casos a doença resultante é mais
branda em relação à que ocorre quando a infecção
acontece no primeiro trimestre da gestação. É pouco
provável que mulheres infectadas previamente
transmitam T. gondii aos seus fetos, mesmo que
sejam expostas a ele durante a gestação (LAPPIN,
2004).
Se uma fêmea gestante é infectada, os taquizoítos
podem causar placentite, após o que infectam os
fetos. Dentro de três semanas a resposta imune do
hospedeiro reduz a replicação do parasita, e os
bradizoítos resultantes formam cistos teciduais no
cérebro, na musculatura estriada e no fígado, e
assim permanecem viáveis por toda a vida do
animal. O uso de fármacos imunossupressores ou
enfermidades concomitantes podem reduzir a atividade do sistema imune do hospedeiro e dessa forma
os bradizoítos presentes nos cistos teciduais podem
dividir-se rapidamente e reativar a infecção por
taquizoítos (JAVINSKY, 2012).
Sinais Clínicos
A infecção no período perinatal pode gerar natimortos ou filhotes que vêm a óbito pouco tempo após o
nascimento. Eles também podem apresentar hepatomegalia e ascite, sinais de acometimento de sistema nervoso central (resultantes de encefalite),
angústia respiratória ou uveíte (JAVINSKY, 2012). Os
gatos com uveíte podem desenvolver glaucoma e
luxação do cristalino (LAPPIN, 2004; JAVINSKY,
2012). Anorexia, vocalização, sinais de depressão,
letargia, hipotermia, dispneia e morte súbita
também são manifestações possíveis (LAPPIN,
2004).
Patogenia
Nenhuma das formas de T. gondii é produtora de
toxinas. A rápida replicação dos taquizoítos dentro
de uma célula leva à sua ruptura e à necrose do
tecido em que ela se localiza. O cérebro, os pulmões,
o fígado e o pâncreas geralmente são os tecidos
mais acometidos (JAVINSKY, 2012). A ativação dos
bradizoítos acontece durante episódios de imunodeficiência severa, como nos gatos infectados pelos
retrovírus felinos, ou em tratamento com altas doses
de drogas imunossupressoras, como a ciclosporina
(LAPPIN, 2004).
A ocorrência de sinais clínicos decorrentes da
infecção por T. gondii em gatos adultos é pouco
comum. A diarreia devido ao desenvolvimento enteroepitelial do parasita é bastante rara. Os gatos que
apresentam manifestações clínicas normalmente
têm um episódio único de sinais clínicos bastante
vagos, que dependem do sistema afetado
(JAVINSKY, 2012). A febre e hiperestesia relacionada
à inflamação muscular são as manifestações mais
comuns (POWELL & LAPPIN, 2006). A uveíte anterior
ou posterior, uni ou bilateral, a perda de peso, a
anorexia, os episódios convulsivos e ataxia também
podem ocorrer (LAPPIN, 2004). Os sinais resultam
da disseminação dos taquizoítos após a primoinfecção ou a reativação de cistos teciduais (JAVINSKY,
2012). Embora seja pouco comum, também é possível que T. gondii infecte a medula espinhal, causando uma meningoencefalomielite não supurativa
(BERGMAN, 2006).
A patogênese da toxoplasmose pode estar relacionada a reações imunes contra o parasita, em que a
formação de imunocomplexos e sua deposição nos
tecidos, bem como as reações tardias de hipersensibilidade, podem estar envolvidas (LAPPIN, 2004).
A infecção pré-natal leva a desordens mais severas,
pois o sistema imune imaturo dos fetos é incapaz de
reduzir a velocidade de replicação dos taquizoítos,
permitindo, portanto, a ocorrência de dano contínuo
aos tecidos (JAVINSKY, 2012). A infecção nesse período geralmente resulta em injúria ao tecido ocular;
além disso, a morte neonatal pode ocorrer devido à
infecção pulmonar ou hepática (LAPPIN, 2004;
JAVINSKY, 2012).
Alterações Laboratoriais
Não existem alterações laboratoriais patognomônicas associadas à toxoplasmose. No entanto, se o
animal apresentar um histórico condizente com a
doença, algumas alterações podem aumentar a
suspeita clínica, como a leucocitose, linfocitose,
monocitose, neutropenia, eosinofilia, aumento da
creatinina quinase, alanina aminotransferase,
fosfatase alcalina e lipase séricas, hiperbilirrubinemia, proteinúria e bilirrubinúria (LAPPIN, 2004).
Em seres humanos, a ocorrência de natimortos,
abortos e injúria ao sistema nervoso central dos
recém-nascidos são comuns quando a infecção trans-
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TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
Ao exame radiográfico pode ser observado um
padrão intersticial ou alveolar nos campos pulmonares, quando estes órgãos são acometidos pela
toxoplasmose. Os achados de radiografia abdominal
não são específicos, mas incluem aumento homogêneo da densidade devido à efusão peritoneal, hepatomegalia, linfadenopatia, massas intestinais ou
perda de contraste no quadrante cranial direito do
abdômen, devido à pancreatite. Nos gatos com
envolvimento neurológico, a presença de massas
pode ser identificada por mielografia, tomografia
computadorizada ou ressonância magnética
(LAPPIN, 2004).
A produção de IgM ocorre dentro de uma a duas
semanas após a infecção e geralmente decai significativamente dentro de nove semanas, sendo indicativa de uma infecção recente por T. gondii (POWELL
& LAPPIN, 2006), principalmente se os títulos de IgM
forem superiores a 1:256 (BERGMAN, 2006). Porém
seus níveis podem manter-se elevados por meses
ou até mesmo anos em alguns casos. A IgG começa
a elevar-se mais tardiamente e, em alguns gatos,
pode não ser detectável em até quatro a seis semanas após a infecção. No momento em que a IgG é
detectável, a eliminação dos oocistos nas fezes já
cessou (JAVINSKY, 2012). Um título crescente de IgG
associa-se a uma infecção ativa, mas o grau de
aumento não pode ser associado com a severidade
dos sinais clínicos apresentados pelo paciente
(POWELL & LAPPIN, 2006; JAVINSKY, 2012). No caso
de uma infecção crônica reativada, o aumento no
título de IgG não ocorre (LAPPIN, 2004).
Os gatos com suspeita de toxoplasmose com acometimento de sistema nervoso central podem ser
submetidos à análise do líquido cérebro-espinhal. A
toxoplasmose leva ao aumento nos níveis de proteína e na contagem de células nucleadas do líquido
(LAPPIN, 2004). Os taquizoítos podem ser identificados citologicamente no sangue, líquido cérebro-espinhal, lavados traqueais e efusões pleurais e peritoneais nos animais acometidos e manifestando a
doença clínica (LAPPIN, 2004).
Diagnóstico
Os oocistos de T. gondii medem cerca de 10 a 12 μm
e podem ser identificados nas fezes do gato doméstico por meio de centrífugo-flutuação em soluções
de sacarose de densidade média de 1,2g/cm³
(LAPPIN, 2004). Os oocistos de T. gondii têm aproximadamente um quarto do tamanho dos oocistos de
Isospora felis e são morfologicamente indistinguíveis de oocistos de Hammondia hammondi ou
Besnoitia spp. (LAPPIN, 2004; JAVINSKY, 2012).
Porém, o teste de PCR pode ser realizado com amostra de material fecal, com o intuito de diferenciar os
oocistos de T. gondii de outros coccídeos similares
(JAVINSKY, 2012). No entanto, a maioria dos gatos
com toxoplasmose clínica já completaram o período
de liberação de oocistos nas fezes, fazendo com que
a análise desse material não apresente muita utilidade (LAPPIN, 2004).
Como as manifestações clínicas apresentadas são
bastante vagas, muitos gatos são levados ao atendimento veterinário em uma fase mais avançada da
doença, sendo possível que a produção de IgM já
tenha sido substituída pela produção de IgG, ou
mesmo que o ponto de máxima produção de IgG já
tenha sido superado. Assim, um título baixo de IgM
ou a ausência de aumento no título de IgG não
descartam a possibilidade de infecção por T. gondii
(JAVINSKY, 2012).
O diagnóstico de uma infecção sistêmica ativa por T.
gondii requer a demonstração de um título de IgM
superior a 1:64 ou um aumento de quatro vezes no
título de IgG, por um período superior a duas ou três
semanas, associado às manifestações clínicas
condizentes com a doença, à exclusão de outras
possíveis causas para o mesmo quadro e à resposta
positiva ao tratamento (LAPPIN, 2004; POWELL &
LAPPIN, 2006; JAVINSKY, 2012).
Provar que a infecção por T. gondii é a responsável
pelas manifestações sistêmicas de um paciente
também é bastante difícil (JAVINSKY, 2012). O
método mais comumente utilizado para identificar
um gato infectado por T. gondii é a identificação de
anticorpos por meio do teste de ELISA, mas outros
testes também podem ser realizados, como a imunofluorescência indireta e o Western Blot (LAPPIN,
2004; JAVINSKY, 2012). Porém, como a infecção por
este parasita persiste por toda a vida do animal,
resultados positivos indicam apenas que o gato foi
infectado por T. gondii, mas não necessariamente
que o coccídeo seja o responsável pelas manifestações clínicas apresentadas (JAVINSKY, 2012). Os
testes de ELISA e Western Blot identificam IgM, IgG
e IgA (LAPPIN, 2004).
LUCAS et al. (1998) demonstraram em seu estudo
que gatos FIV-positivos apresentam anticorpos
antitoxoplasma com mais frequência em relação
aos soronegativos para este vírus, porém a magnitude dos seus títulos de anticorpos não difere.
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A detecção da produção de anticorpos contra T.
gondii no humor aquoso também é utilizada para
embasar o diagnóstico da toxoplasmose ocular nos
gatos (LAPPIN, 2004; POWELL & LAPPIN, 2006). Utiliza-se, nesses casos, o teste de ELISA para a detecção
de anticorpos tanto no soro quanto no humor
aquoso, e então o coeficiente de Goldman-Witmer
(Valor C) é calculado para fornecer a diferença entre
os dois valores. Um Valor C maior do que 1 indica
que anticorpos específicos contra T. gondii estão
sendo produzidos nos olhos (POWELL & LAPPIN,
2006).
o aumento das células de Paneth também podem
estar presentes (SILVA et al., 2010).
Um estudo realizado por DUBEY & CARPENTER
(1993), avaliando histopatologicamente amostras
teciduais de 100 gatos acometidos por toxoplasmose, mostrou que a maioria dos animais apresentava
lesões generalizadas devido à doença ou lesões
predominantemente pulmonares.
Tratamento
Os objetivos do tratamento contra a infecção por T.
gondii consistem em reduzir a carga de oocistos
eliminada nas fezes e controlar os sinais clínicos,
nos animais que os apresentam. Nenhum fármaco é
capaz de eliminar todos os cistos teciduais, por isso
os gatos acometidos permanecem infectados por
toda a sua vida. A eliminação de oocistos pode ser
controlada com o uso de Ponazuril, Toltrazuril ou
altas doses de Clindamicina (JAVINSKY, 2012).
Em gatos infectados experimentalmente com T.
gondii, a produção transitória de IgM pelos olhos só
foi observada nos gatos apresentando a doença
clínica (LAPPIN, 2004). Embora um diagnóstico
definitivo de toxoplasmose ocular seja difícil de
estabelecer, o tratamento com fármacos anti-Toxoplasma justifica-se quando outras possíveis causas
de uveíte forem descartadas e houver evidência
sorológica de infecção recente ou ativa (LAPPIN,
2004; POWELL & LAPPIN, 2006).
Para os gatos sintomáticos, recomenda-se o uso de
Clindamicina, Trimetoprim com Sulfadiazina ou
Azitromicina, por pelo menos quatro semanas
(JAVINSKY, 2012). LAPPIN (2004), POWELL & LAPPIN
(2006), BERGMAN (2006) e PLATT (2006) recomendam a utilização da Clindamicina na dose de 10 a
12,5mg/kg, por via oral, a cada 12 horas, durante
quatro semanas. A Clindamicina pode desencadear
efeitos adversos, como vômito e diarreia de intestino delgado; nesses casos recomenda-se suspender o
tratamento por um ou dois dias e então reinstituí-lo.
Caso a intolerância persista, o tratamento deve ser
substituído por Trimetoprim associado à Sulfonamida. Essa combinação tem boa penetração no sistema nervoso central, sendo indicada também para o
tratamento da toxoplasmose com acometimento
desse sistema (LAPPIN, 2004).
Na ocorrência de sinais neurológicos em que outras
causas já tenham sido descartadas, a análise do
líquido cérebro-espinhal pode ser realizada para
investigação da possibilidade de infecção por T.
gondii. A análise do líquido revelará elevados níveis
de proteína e pleocitose mista. A comparação entre
os níveis de anticorpos séricos e de anticorpos
presentes no líquido também pode auxiliar. O teste
de PCR do líquido cérebro-espinhal pode ser feito,
no entanto, não apresenta alta sensibilidade.
Exames apurados de imagem podem demonstrar
áreas multifocais de lesões contrastadas no parênquima cerebral (PLATT, 2006).
Ainda, biópsia de fragmentos de tecido nervoso
pode ser realizada para investigar a presença de T.
gondii, por meio de coloração de hematoxilina e
eosina, imunohistoquímica, PCR ou cultura celular
(LAPPIN, 2004). Algumas alterações podem ser
observadas na análise histopatológica de fragmentos intestinais de gatos cronicamente infectados
por T. gondii, como a atrofia das túnicas mucosa e
muscular e da parede intestinal do duodeno. O
aumento dos enterócitos, a maior distribuição de
fibras colágenas, a redução da secreção de sulfomucinas e
A suplementação com ácido fólico na dose de 5 mg/gato, uma vez ao dia por via oral ou com levedura de
cerveja na dose de 100 mg/kg, uma vez ao dia por via
oral auxilia na prevenção ou reversão de quadros
anêmicos (JAVINSKY, 2012).
Caso ocorra uveíte, o uso oral, parenteral ou tópico
de corticosteroides é recomendado. Nos casos em
que se prova a ocorrência de uveíte por T. gondii e
esta é a única manifestação clínica apresentada
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TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
pelo paciente, o uso de corticosteroides tópicos é o
único tratamento necessário (JAVINSKY, 2012).
Recomenda-se nesses casos o uso tópico de Atropina a 1% e Acetato de Prednisolona a 1% ou Dexametasona a 1% (POWELL & LAPPIN, 2006). A frequência de
uso dos corticosteroides tópicos é variável, dependendo da severidade do quadro, mas normalmente o
uso a cada 6 horas é o mínimo necessário para se
observar alguma resposta (LAPPIN, 2004; POWELL &
LAPPIN, 2006). Se não houver melhora do quadro em
até sete dias, recomenda-se adicionar ao protocolo a
Prednisolona por via oral, na dose de 1,1 mg/kg a
cada 12 horas (LAPPIN, 2004).
mau para os gatos com acometimento hepático ou
pulmonar, principalmente se forem imunocomprometidos (LAPPIN, 2004).
Os sinais como indisposição, febre e dores musculares devem iniciar sua resolução dentro de dois a três
dias de tratamento (LAPPIN, 2004; JAVINSKY, 2012).
Caso não seja observada resposta dentro de sete
dias, recomenda-se substituir o fármaco utilizado
ou adicionar outro fármaco ao protocolo. Se ainda
assim não houver resposta satisfatória, deve-se
buscar outras causas para o quadro clínico apresentado (JAVINSKY, 2012). No entanto, as manifestações
oculares e de sistema nervoso central demoram
mais tempo para responder ao tratamento e, em
alguns casos, as manifestações de origem nervosa
podem nunca resolver-se completamente (LAPPIN,
2004; JAVINSKY, 2012).
A infecção humana normalmente ocorre após a
ingestão de carne crua ou mal passada, infectada
por cistos teciduais, ou por via transplacentária
(LAPPIN, 2004; JAVINSKY, 2012). Os gatos que são
soropositivos para T. gondii já cessaram a eliminação de oocistos nas fezes e é pouco provável que
voltem a eliminá-los, mesmo que a infecção seja
reativada. Quando da identificação de um gato em
fase de eliminação de oocistos, o mesmo deve
permanecer em quarentena em um hospital veterinário até que a eliminação termine (JAVINSKY,
2012).
Potencial Zoonótico
A toxoplasmose humana é bastante comum, principalmente em regiões de clima quente e úmido, onde
a prevalência de pessoas soropositivas para T.
gondii é alta. Estima-se que existam cerca de 500
milhões de pessoas portadoras de T. gondii ao redor
do mundo. Os oocistos infectantes são resistentes,
podendo permanecer viáveis no ambiente por mais
de 18 meses (JAVINSKY, 2012).
Os oocistos de T. gondii nunca foram identificados
nos pelos dos gatos, portanto a toxoplasmose não
pode ser transmitida de um gato a um ser humano
pelo simples toque (JAVINSKY, 2012), mas apenas
pela ingestão de alimentos contaminados com fezes
de gatos que estejam em fase de eliminação de
oocistos, o que só ocorre em sua primoinfecção, ou
por maus hábitos de higiene (LAPPIN, 2004). Observou-se, por exemplo, um surto de toxoplasmose
entre crianças com histórico de ingestão de terra, a
qual provavelmente estava contaminada por fezes
de gatos contendo oocistos do parasita (STAGNO et
al., 1980).
A resposta ao tratamento também pode ser insatisfatória em animais positivos para o vírus da imunodeficiência felina (JAVINSKY, 2012).
Considerações Finais
Profilaxia
Alimentar os gatos com alimentos comerciais e
evitar o oferecimento de carnes cruas ou mal passadas reduzem as chances de exposição a T. gondii.
Controlar os hábitos de caça do animal previne o
acesso aos hospedeiros paratênicos, que possuem
cistos teciduais infectantes (FRENKEL & DUBEY,
1972; JAVINSKY, 2012). O acesso a minhocas, baratas
e outros carreadores mecânicos de T. gondii
também deve ser limitado (JAVINSKY, 2012).
Um estudo realizado por WALLACE et al. (1993) entre
723 indivíduos HIV-positivos, abordando a identificação de anticorpos séricos anti-Toxoplasma, mostrou que a ocorrência da infecção não teve relação
com a exposição a gatos domésticos.
Prognóstico
Os gatos que apresentam febre e hiperestesia muscular normalmente têm um prognóstico favorável.
Já os pacientes com toxoplasmose ocular ou neurológica têm prognóstico reservado. O prognóstico é
Felizmente, as manifestações clínicas da toxoplasmose humana normalmente são brandas e na maioria dos casos são associadas à primoinfecção
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TOXOPLASMOSE EM GATOS DOMÉSTICOS
de indivíduos imunossuprimidos (LAPPIN, 2004).
Febre autolimitante, indisposição e linfadenopatia
são as alterações mais comumente observadas
(LAPPIN, 2004; JAVINSKY, 2012). Quadros mais
graves podem ser observados em pessoas HIV-positivas, pessoas em tratamento com quimioterápicos
e drogas imunossupressoras e neonatos (LAPPIN,
2004).
Tratamento em Medicina Humana
Na Medicina Humana, a toxoplasmose congênita é
tratada em todos os recém-nascidos e também nas
gestantes, seja na forma sintomática ou assintomática. Os fármacos utilizados são eficazes contra a
forma de taquizoíto; nenhuma medicação tem mostrado efeito contra a forma encistada de T. gondii. As
drogas mais comumente utilizadas são a Pirimetamina, a Sulfadiazina e o Ácido Folínico. Outras
opções são a Espiramicina e o Sulfametoxazol associado ao Trimetoprim (DINIZ & VAZ, 2003; SPALDING
et al., 2003).
Mulheres grávidas que se infectam com T. gondii
pela primeira vez ou mulheres cronicamente infectadas que sejam HIV positivas podem transmitir o
parasita aos seus fetos (JAVINSKY, 2012). A infecção
transplacentária pode resultar em natimortos, em
alterações de sistema nervoso central ou danos
oculares (LAPPIN, 2004; JAVINSKY, 2012). Os danos
mais graves ocorrem quando a infecção acontece na
primeira metade da gestação (JAVINSKY, 2012).
Referências
BERGMAN, R.L. Miscellaneous spinal cord diseases.
In: AUGUST, J.R. Consultations in Feline Internal
Medicine. St. Louis: Elsevier, 5ª ed., 2006, p. 771.
DINIZ, E.M.A.; VAZ, F.A.C. Qual é a recomendação
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abril 2015.
Algumas medidas podem ser tomadas por proprietários de gatos e profissionais que lidam com essa
espécie para evitar a toxoplasmose: as mãos devem
ser lavadas sempre após o manuseio dos gatos, principalmente no caso de mulheres grávidas e indivíduos imunossuprimidos. Remover as fezes dos
animais diariamente (pois os oocistos necessitam
de pelo menos 24 horas no ambiente para tornarem-se infectantes), não permitir que pessoas imunocomprometidas limpem as liteiras (e quando isso
for extremamente necessário, as mesmas devem
utilizar luvas para realizar essa tarefa e lavar as
mãos imediatamente após), utilizar forros nas liteiras e lavá-las periodicamente com água fervente e
detergente (FRENKEL & DUBEY, 1972; LAPPIN, 2004;
JAVINSKY, 2012).
DUBEY, J.P.; CARPENTER, J.L. Histologically confirmed clinical toxoplasmosis in cats: 100 cases
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Acesso em: 30 jun. 2014.
Utilizar luvas para o manejo de jardins e lavar as
mãos imediatamente após a atividade; cobrir as
caixas de areia das crianças quando não estiverem
em uso, para evitar a contaminação por fezes de
gatos errantes; alimentar os gatos apenas com
alimentos comerciais ou bem cozidos; controlar
possíveis carreadores, como moscas e baratas;
filtrar ou ferver a água de origem desconhecida
antes do consumo; cozinhar a carne de consumo
humano a 80 ºC por pelo menos 15 minutos antes de
ingerir; congelar a carne a -12 ºC por 24 horas antes
do preparo; utilizar luvas para manusear a carne e
lavar as mãos com sabão e água corrente quando
terminar (FRENKEL & DUBEY, 1972; LAPPIN, 2004;
JAVINSKY, 2012).
FUNADA, M.R.; PENA, H.F.J.; SOARES, R.M.; AMAKU,
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http://www.scielo.br/pdf/cr/v39n8/a313cr1636.pdf>.
Acesso em: 26 jun. 2014.
Esse artigo foi cedido pela nossa parceira Revista
Veterinary&Science. Para conhecer a revista acesse
http://www.revistavetscience.com.br/.
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PLATT, S.R. Vestibular disorders. In: AUGUST, J.R.
Consultations in Feline Internal Medicine. St. Louis:
Elsevier, 5ª ed., 2006, p. 771.
POWELL, C.C.; LAPPIN, M.R. Infectious uveitis. In:
AUGUST, J.R. Consultations in Feline Internal Medicine. St. Louis: Elsevier, 5ª ed., 2006, p. 771.
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PROTOCOLO - CONDUTA CLÍNICA
ATRESIA ANAL EM EQUINOS
por Fernanda Carlini Cunha dos Santos
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ATRESIA ANAL EM EQUINOS
distensão e dor abdominal em neonatos durante as
primeiras horas de vida (ARONSON, 2002).
A atresia anal é classificada em 4 tipos, conforme o
grau de disgenesia ou agenesia do reto e do ânus. O
tipo I é caracterizado pela presença do reto e ausência de orifício anal, devido à persistência da membrana anal, denominado ânus imperfurado. No tipo
II, o reto termina em um local imediatamente cranial
ao ânus imperfurado, semelhante a um fundo de
saco cego. O tipo III é caracterizado pela formação
de um fundo de saco cego no reto proximal, dentro
do canal pélvico, e ausência de ânus desenvolvido.
No tipo IV, o reto proximal termina como bolsa cega
no interior do canal pélvico e há uma comunicação
persistente entre o reto e a vagina (fístula retovaginal) no caso de fêmeas ou entre o reto e a uretra
(fístula retouretral) no caso de machos (ARONSON,
2002; VIANNA & TOBIAS, 2005).
SOBRE A AUTORA
Fernanda Carlini Cunha
dos SANTOS 1
Mais comum em quais raças/sexo/idade A atresia
anal é descrita em diversas espécies de mamíferos,
incluindo bovinos, suínos, caninos, ovinos e em
equinos, sendo de rara ocorrência (CHO & TAYLOR,
1986; SANTOS et al., 2013).
1. PROFESSORA SUBSTITUTA DE FISIOPATOLOGIA DA REPRODUÇÃO,
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL), PELOTAS, RIO
GRANDE DO SUL, BRASIL. EMAIL: [email protected]
Título: ATRESIA ANAL EM EQUINOS
Tipo de Conteúdo: Protocolo - Conduta Clínica
Categoria: Neonatologia
Espécies: Equinos
Palavras-Chave: Cólica, Congênito, Neonatologia,
Sistema Gastrintestinal.
A atresia anal pode ser diagnosticada em potros de
ambos os sexos, logo após o nascimento (WESSE,
2008).
Diagnóstico Clínico A ausência do orifício anal pode
ser constatada pela inspeção da região (Figura 1),
além da ausência de eliminação de mecônio durante as primeiras horas após o nascimento.
Resumo A atresia anal é uma má formação congênita do sistema gastrintestinal, resultado de alterações durante o período de vida embrionário. Neonatos com atresia anal apresentam sinais compatíveis
com síndrome cólica, distensão abdominal por gás e
ausência de eliminação de fezes, evoluindo para
quadros dolorosos não responsivos ao tratamento
medicamentoso. O diagnóstico é formulado por
exame clínico, com ausência da patência do orifício
anal, e complementado com avaliação por imagem
radiográfica. Esta é uma condição fatal, sendo corrigida por tratamento cirúrgico. O prognóstico está
relacionado à extensão da má formação e período
transcorrido até formulação de diagnóstico e instituição de correção cirúrgica.
Figura 1. Potro,
sem raça definida, 24h de vida,
apresentando
ausência de orifício anal (seta).
Fonte:
arquivo
pessoal.
Introdução à doença/Importância A atresia anal é
uma má formação congênita que acomete o reto e o
ânus, resultado de anormalidades durante o desenvolvimento no período de vida embrionário. A
etiologia da enfermidade é atribuída a anormalidadesgenéticas, tendo, portanto, um caráter de
hereditariedade (YOUNG et al., 1992).
A falta do orifício anal é incompatível com a vida,
uma vez que o alimento ingerido acumula-se no
trato gastrintestinal e não há eliminação de fezes,
resultando em produção de gases por fermentação,
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ATRESIA ANAL EM EQUINOS
Durante as primeiras horas de vida, o potro pode
parecer saudável e alimentar-se com colostro e leite
da égua, no entanto, conforme progride o quadro
doloroso, ocorre anorexia (WESSE, 2008).
Complicações O prognóstico é considerado reservado a desfavorável. A intervenção cirúrgica é imprescindível, no entanto, os riscos da anestesia são altos,
devido à idade, os pacientes (neonatos) e ao estado
clínico geral (ARONSON, 2002).
Potros podem apresentar inicialmente sinais moderados de síndrome cólica, progredindo para quadros
dolorosos, não responsivos a tratamento medicamentoso, com gradual aumento da distensão abdominal, tenesmo, intumescimento do períneo e
ausência do orifício anal (SANTOS et al., 2013) ou
eliminação de fezes e urina por vagina ou uretra.
A estenose anal pós-operatória é uma complicação
comum após correção cirúrgica da atresia, podendo
resultar em obstrução local (VIANNA & TOBIAS,
2005).
Outras Informações / Conclusão A atresia anal em
neonatos equinos é considerada uma emergência,
sendo imprescindível o diagnóstico e instituição de
tratamento durante as primeiras horas de vida.
Potros com atresia anal podem apresentar má
formação congênita em outros órgãos, incluindo
principalmente membros, sistema reprodutivo e
outras regiões do sistema gastrintestinal (WESSE,
2008). Distensão abdominal e ausência de fezes na
palpação retal sugerem a ocorrência de atresia coli,
em que o orifício anal pode estar presente, no entanto o trato gastrintestinal apresenta-se incompleto,
com ausência de segmentos do cólon ou reto
(WESSE, 2008).
Referências
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Textbook of Small Animal Surgery. Philadelphia:
Saunders, 2002. ed. 3, cap. 43, p. 682-707.
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BROWN, C.C.; BAKER, D.C.; BARKER, I.K. Alimentary
system. In: JUBB, K.V.F.; KENNEDY, P.C.; PALMER, N.
(ed). Pathology of Domestic Animals. San Diego:
Academic, 2007. ed. 2, cap. 1, p. 1-196.
Diagnóstico por Exames A imagem radiográfica da
região abdominal auxilia no diagnóstico do tipo de
atresia (HEDLUND, 2005). Na radiografia contrastada
pode ser identificada uma obstrução abrupta ou
término da alça intestinal (BARTON, 2009).
CHO, D.Y.; TAYLOR, H.W. Blind-end atresia coli in two
foals. Cornell Veterinary, v. 76, n. 1, p. 11-15, 1986.
HEDLUND, C.S. Cirurgia do sistema digestório. In:
FOSSUM TW. Cirurgia de pequenos animais. São
Paulo: Roca, 2005. ed. 2, cap. 21, p. 240-245.
Diagnóstico Diferencial Em neonatos, a distensão
abdominal progressiva sem eliminação de fezes
deve ser diferenciada de impactação por mecônio e
síndrome letal do potro branco (WESSE, 2008), sendo
a primeira tratada com uso de enema e a segunda
uma condição fatal.
SANTOS, F.C.C.; FEIJÓ, L.S.; PAZINATO, F.M.;
AMARAL, L.A.; CURCIO, B.R.; NOGUEIRA, C.E.W. Atresia anal em pônei – Relato de caso. Revista Brasileira de Medicina Equina, v. 49, n. 49, p. 22-25, 2013.
Tratamento Cirúrgico O tratamento é baseado na
correção cirúrgica e estabelecimento de patência do
orifício anal (WESSE, 2008).
VIANNA, M.L.; TOBIAS, K.M. Atresia ani. Journal of
the American Animal Hospital Association, v. 41, n
.5, p. 317-322, 2005.
Na atresia do tipo I, somente o tecido cutâneo e
subcutâneo estão imperfurados, sendo possível uma
reconstrução cirúrgica satisfatória, preservando o
esfíncter muscular e o reto. Nos tipos II e III, há
necessidade de divulsão da região anal para tração
do reto e estabelecimento de patência deste órgão. O
tipo IV necessita correção das alterações retais,
vaginais e uretrais, sendo recomendada uma abordagem abdominal para melhor manipulação de
cólon distal e reto (ARONSON, 2002).
WESSE, J.S. The gastrointestinal system. In: MCAULIFFE, S.; SLOVIS, N. Color Atlas of Diseases and
Disorders of the Foal. Philadelphia: Saunders, 2008.
ed. 1, cap. 4, p. 79-131.
YOUNG, R.L.; LINFORD, R.L.; OLANDER, H.J. Atresia
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PROTOCOLO - CONDUTA CLÍNICA
RETENÇÃO DE PLACENTA
EM ÉGUAS
por Fernanda Carlini Cunha dos Santos
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RETENÇÃO DE PLACENTA EM ÉGUAS
responde à expulsão das membranas fetais (CHRISTENSEN, 2011).
A placenta equina é classificada como epiteliocorial,
difusa e adecídua, em que a troca de nutrientes,
resíduos e gases entre o feto e a égua ocorre por
meio dos microcotilédones, interdigitações entre as
vilosidades formadas pelo alantocórion e o epitélio
endometrial (SAMUEL et al., 1974). A retenção
placentária é definida como a falha na expulsão de
parte ou da totalidade da membrana alantocoriônica, com ou sem a membrana amniótica, em um
intervalo de até 3 horas após o parto (BLANCHARD &
MACPHERSON, 2010). A etiopatogenia da retenção
placentária está relacionada principalmente a
quadros de inércia uterina, distocia e alteração no
perfil hormonal (BLANCHARD & MACPHERSON,
2007; BLANCHARD & MACPHERSON, 2010), podendo
resultar em alterações sistêmicas, representando
risco de morte.
SOBRE A AUTORA
Fernanda Carlini Cunha
dos SANTOS 1
1. PROFESSORA SUBSTITUTA DE FISIOPATOLOGIA DA REPRODUÇÃO,
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL), PELOTAS, RIO
GRANDE DO SUL, BRASIL. EMAIL: [email protected]
Mais comum em quais raças/sexo/idade O parto
distócico está associado a uma maior incidência de
retenção placentária que o eutócico (PROVENCHER,
1988).
Título: RETENÇÃO DE PLACENTA EM ÉGUAS
Tipo de Conteúdo: Protocolo - Conduta Clínica
Categoria: Obstretícia
Espécies: Equinos
Palavras-Chave: Anexos Fetais, Obstetrícia, Parto,
Placentária
Equinos de tração apresentam mais incidência de
partos distócicos, devido à musculatura bastante
desenvolvida, resultando em estreitamento físico do
canal do parto (TIBARY, 2012), o mesmo ocorre em
fêmeas com sobrepeso ou muito jovens. Equinos de
raças miniaturas são mais predispostas à má formação fetal com consequente distocia (TIBARY, 2012).
Resumo A principal complicação que ocorre no
puerpério de fêmeas equinas é a retenção placentária, sendo caracterizada pela falha na expulsão das
membranas fetais em período superior a 3 horas
após o parto. A presença da placenta no lúmen uterino causa reações inflamatórias, atrasando a involução do órgão, podendo evoluir para alterações sistêmicas com risco à vida. O diagnóstico é baseado no
exame clínico e ultrassonográfico, em que o hemograma auxilia na monitoração da evolução do
quadro e a histopatologia da placenta auxilia na
detecção de patologias gestacionais. O tratamento
inclui administração parenteral de ocitocina, prostaglandina, anti-inflamatórios, antibióticos, fluidoterapia e lavagem uterina. As principais complicações incluem lesões uterinas, metrite, laminite,
peritonite e endotoxemia. A retenção placentária
em égua pode evoluir para alterações sistêmicas,
representando risco de morte, sendo necessária a
instituição de terapia adequada e monitoração da
evolução do caso.
Éguas que já tiveram um episódio de retenção são
mais susceptíveis à reincidência (PROVENCHER,
1988), necessitando monitoração no período
pós-parto.
Diagnóstico Clínico Durante as primeiras horas
após o parto, as membranas fetais são observadas
pendentes na vulva da égua, por um período acima
de 3 horas. Embora de forma infrequente, estas
membranas podem estar localizadas somente na
vagina (PRESTES & ALVARENGA, 2006), sendo recomendada a palpação e inspeção com auxílio de
espéculo nas fêmeas com suspeita clínica.
Após 12h, podem ser observados sinais de desidratação, apatia, inapetência, febre, decréscimo na
produção de leite, metrite, síndrome cólica e endotoxemia (CARD, 2003).
Diagnóstico por Exames A palpação seguida de
ultrassonografia via retal permite a avaliação do
lúmen uterino e segmentos placentários, no entanto, o tamanho do útero no pós-parto dificulta a visualização do órgão na íntegra (CARD, 2003). Áreas
hiperecoicas indicam presença de gás, debris celulares ou segmentos placentários (CARD, 2003).
Introdução à doença/Importância A gestação é o
período compreendido entre a data da ovulação e o
parto. Na espécie equina, o parto ocorre geralmente
no período noturno e pode ser dividido em três
fases: a primeira denominada prodrômica; a segunda caracterizada pela expulsão fetal e a terceira
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RETENÇÃO DE PLACENTA EM ÉGUAS
A histologia da placenta fornece subsídio para identificação de fatores predisponentes, sendo principalmente relacionados a patologias do período
gestacional, incluindo ,na maioria das vezes, a
placentite (BLANCHARD et al., 1990).
Outras Informações / Conclusão A retenção placentária apresenta risco à vida da égua, sendo necessário atendimento veterinário precoce, instituição de
terapia adequada e monitoração da evolução do
caso.
Tratamento Terapêutico A administração de ocitocina estimula a eliminação da placenta por contrações uterinas. Os principais protocolos são: administração de 10-20 UI a cada 15 minutos; IM ou IV
durante 2 horas de manhã e 2 horas à tarde; 10-20 UI
a cada hora; IM ou IV durante 24 horas ou infusão IV
contínua de 1 UI por minuto dissolvida em ringer
com lactato (TURNER, 2007).
Referências
Nos casos refratários à ocitocina, a administração
de prostaglandina é uma opção, uma vez que este
hormônio tem efeito uterotônico mais prolongado
(LE BLANC, 1994). No entanto, durante um processo
inflamatório, há aumento na produção de prostaglandinas, e a administração exógena apresenta
potencial risco de exacerbação do quadro em
pacientes com sinais de resposta inflamatória sistêmica.
BLANCHARD, T.L.; SCRUTCHFIELD, W.L.; TAYLOR, T.S.;
ELMORE, R.G.; VARNER, D.D.; BREZTLAFF, K.N.; MARTIN, M.T.
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Wiley-Blackwell, 2011. ed. 2, cap.2 33, p. 2.268-2.276.
A carbetocina também atua como estimulante de
tonicidade uterina, com ação prolongada, no entanto, ainda há escassos trabalhos científicos comprovando sua ação na retenção de placenta em éguas
(TURNER, 2007), apesar de sua frequente utilização
empírica.
LE BLANC, M.M.; NEUWIRTH, L.; ASBURY, A.C. Scintigraphic
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PRESTES, N.C.; ALVARENGA, F.C.L. Obstetrícia Veterinária.
Rio de Janeiro: Guanabara. 2006. ed. 4, 241 p.
A lavagem do útero tem como intuito a remoção de
bactérias e resíduos do lúmen uterino, favorecendo
a regeneração e involução do órgão (CARD, 2003),
não recomendada nos casos de suspeita de
lesões/lacerações/rupturas na parede uterina.
PROVENCHER, R.; THRELFALL, W.R.; MURDICK, P.W.; WEARLY,
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1974. Journal of Reproduction and Fertility, v. 41, n. 2, p. 441445.
Em relação à remoção manual da placenta, este
procedimento é recomendado em casos específicos,
tendo em vista as principais complicações, como
hemorragia, retardo na involução uterina, endometrite, cérvix, permanecendo aberta por longo período
e dano permanente ao endométrio devido à excessiva manipulação, resultando em redução na fertilidade (THRELFALL, 2007).
SANTOS, F.C.C.; FEIJÓ, L.S.; PAZINATO, F.M.; MARTINS, C.F.;
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Além disso, a administração de fluidoterapia, inflamatórios e antibióticos auxilia nos casos com
alterações sistêmicas.
Complicações Éguas com retenção placentária apresentam atraso na involução uterina, além de outras
complicações, como lesões uterinas, metrite, laminite, peritonite, endotoxemia e septicemia (CARD,
2003; BLANCHARD et al., 1990). As lacerações e
rupturas de útero são infrequentes, porém acarretam sérias complicações secundárias na égua e
apresentam risco potencial de morte (SANTOS et al.,
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THRELFALL, W.R. Retained fetal membranes. In: YOUNGQUIST, R.S.; THRELFALL, W.R. Current Therapy in Large
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