Parte 2 - Instituto Homem Pantaneiro
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Parte 2 - Instituto Homem Pantaneiro
foto: Bolivar Porto ARA NHAS 112 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 113 Araneae Introdução (Hymenoptera: Apoidea) e recursos florais na RPPN Engenheiro Eliezer Batista, Pantanal de Mato Grosso do Sul Josué Raizer1, Antonio D. Brescovit2, André Marsola Giroti2 & Breno Leonel3 Universidade Federal da Grande Dourados, Faculdade de Ciências Biológicas e Ambientais, Caixa Postal 322, CEP 79804-970, Dourados, MS. E-mail: [email protected] 1 Instituto Butantan, Laboratório de Artrópodes Peçonhentos, Avenida Vital Brazil, 1500, CEP 05503-000, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]; [email protected] 2 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, CEP 79070-900. Campo Grande, MS. E-mail: [email protected] 3 Resumo Apresentamos as espécies de aranhas coletadas em uma rápida amostragem na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista (RPPN EEB), entre o Rio Paraguai e a Baía Mandioré, no Mato Grosso do Sul, Brasil, na fronteira com a Bolívia. Utilizamos três métodos distintos e complementares para as coletas: guarda-chuva entomológico, armadilha de queda e rede de varredura. Registramos 6088 aranhas, sendo 5242 jovens (> 86%). As aranhas sexualmente maduras (218 fêmeas e 96 machos) compuseram 82 espécies (ou morfoespécies) em 19 famílias na estação seca (julho e agosto de 2010), 77 espécies em 22 famílias na estação chuvosa (março e abril de 2011) e 36 espécies em 14 famílias em ambas as estações. Neste estudo registramos em torno de 10 espécies ainda não descritas para a ciência. Apesar de não termos amostrado todo o conjunto de espécies de aranhas, podemos identificar diferenças na composição de espécies entre os locais de coleta, sendo que a área com maior diversidade fitofisionômica (savana herbáceoarbustiva, cerradão e floresta semidecidual) distingue-se das demais quanto às espécies dominantes. Os resultados do estudo, além de representarem o registro formal da ocorrência de diversas espécies de aranhas na RPPN EEB, contribuem para enriquecer as informações sobre a fauna araneológica do Pantanal. 114 Descobrindo o Paraíso A ordem Araneae compreende 42.473 espécies descritas taxonomicamente, distribuídas em todos os ecossistemas do planeta, com exceção dos polos (Platnick, 2011). Apesar de existirem muitos trabalhos de descrições de espécies, acredita-se que muitas serão descobertas, principalmente na região Neotropical, onde se estima que apenas 50% das espécies sejam conhecidas (Platnick, 1999). Essa carência de informações indica a necessidade tanto de descrições quanto de levantamentos faunísticos. No Brasil, a maioria dos levantamentos se restringe às regiões Norte, Sudeste e Sul, sendo que as regiões Nordeste e Centro-Oeste estão subrepresentadas. Na região Centro-Oeste, destacam-se os levantamentos de Raizer et al. (2005; 2006), na Bacia do Rio Paraguai e no Complexo Aporé-Sucuriú, respectivamente, amostrando regiões com diferentes geomorfologias e fitofisionomias no Mato Grosso do Sul (MS). No Mato Grosso (MT), ao norte do Pantanal, podemos destacar o trabalho de Battirola et al. (2010). Aranhas são predadores amplamente distribuídos e estão entre os grupos mais diversos (Coddington & Levi, 1991; Wise, 1993). Sua distribuição é fortemente influenciada pela estrutura do habitat (Uetz, 1991; Wise, 1993; Buddle et al., 2000). Fatores correlacionados à arquitetura e estrutura das plantas determinam a seleção de habitat pelas aranhas (Greenstone, 1984; Souza & Martins, 2004). Portanto, esperamos variações na composição da comunidade de aranhas associadas às diferenças na heterogeneidade do seu ambiente. As informações apresentadas neste capítulo têm o objetivo de incrementar os dados sobre a araneofauna da região Centro-Oeste, e mais especificamente do Pantanal sul-mato-grossense. A seguir apresentamos a lista das espécies (ou morfoespécies) de aranhas e evidenciamos diferenças na composição da comunidade em um gradiente de diversidade fitofisionômica. Metodologia Área de estudo A Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 115 Batista (RPPN EEB) está localizada no Mato Grosso do Sul, a noroeste do município de Corumbá, entre o Rio Paraguai e a Baía Mandioré. O limite oeste da RPPN faz fronteira com a Bolívia. Realizamos as coletas entre os dias 27 de julho e 02 de agosto de 2010 (estação seca) e entre os dias 27 de março e 05 de abril de 2011 (estação chuvosa), ao longo de três trilhas pré-existentes na área da RPPN: estrada Mandioré (S 18°5’42”, O 57°28’53”) e trilhas Amolar (S 18°5’38”, O 57°28’36”) e Morrinhos (S 18°6’20”, O 57°29’30”). A estrada Mandioré está inserida em cerradão (savana florestada) e floresta estacional semidecidual. A trilha Amolar inclui, além dessas duas fitofisionomias, savana gramíneo-lenhosa. Na trilha Morrinhos encontramos savana gramíneo-lenhosa e cerradão, mas não floresta semidecidual. Métodos de coleta Para a coleta das aranhas, utilizamos as seguintes metodologias, repetindo-as em cada período de amostragem: - Guarda-chuva entomológico: estrutura de madeira em cruz coberta por um pano branco (1 m2) para auxiliar na coleta de aranhas em arbustos e galhos de árvores (a cor do pano visou a facilitar a visualização dos animais). Colocávamos essa armação sob os galhos das árvores ou sob pequenos arbustos, batendo nestes com um pedaço de madeira, a fim de que os animais caíssem sobre o pano. Cada amostra correspondeu a 20 arbustos ou galhos de árvores explorados em uma caminhada na área de coleta. Foram 20 amostras na estrada Mandioré, 20 na trilha Amolar e seis na trilha Morrinhos. - Armadilhas de queda: formadas por recipientes plásticos de 12 cm de diâmetro e 9 cm de altura, com aproximadamente 200 ml de água acrescida de algumas gotas de detergente neutro, enterrados até o nível do solo. Instalamos 90 armadilhas na estrada Mandioré e 90 na trilha Amolar, que permaneceram por 48 horas no campo. - Rede de varredura: rede entomológica (puçá) adaptada, com armação de metal e tecido mais reforçados, para suportar o atrito da rede com a vegetação do solo e arbustiva. O diâmetro da armação de tecido era de 40 cm. Cada 10 arrastos na vegetação gramíneo-arbustiva corresponderam a uma amostra, totalizando 20 amostras em cada local de coleta. 116 Descobrindo o Paraíso Além das aranhas capturadas com auxílio dos métodos descritos, registramos também aquelas aranhas encontradas eventualmente durante o período de coletas. Consideramos somente as aranhas adultas para as análises de diversidade de espécies, pois estas apresentam os órgãos sexuais formados, permitindo sua identificação taxonômica. Quando não conseguimos determinar a espécie, separamos estas aranhas em morfoespécies dentro de seus respectivos gêneros ou famílias. Para determinação do esforço amostral, utilizamos curvas de acumulação de espécies pela aleatorização (com 1000 iterações) de diferentes tamanhos de amostras (número de aranhas) usando o programa EcoSim 7 (Gotelli & Entsminger, 2001). Caracterizamos a comunidade quanto à composição de espécies pela ordenação das amostras por escalonamento multidimensional nãométrico (NMDS). Para fazer a ordenação, consideramos a matriz de distâncias Bray-Curtis entre as amostras, a partir da abundância relativa das espécies de aranhas. Nestas análises sorteamos três amostras de guardachuva entomológico para compor cada uma das unidades amostrais para cada área de coleta. Assim ficamos com seis unidades amostrais na trilha Amolar, seis na estrada Mandioré e duas na trilha Morrinhos, na estação seca, e, respectivamente nestas mesmas trilhas, nove, seis e sete amostras na estação chuvosa. Fizemos estas análises com auxílio do programa de livre acesso R (R Development Core Team, 2011) e seu pacote vegan (Oksanen et al., 2011). Resultados Coletamos 6088 aranhas, sendo 2933 aranhas em 32 famílias (> 89% jovens) na estação seca e 3455 aranhas em 22 famílias (> 84% jovens) na estação chuvosa. Dentre estas, em coletas oportunísticas, ou seja, sem qualquer método direcionado para a captura de aranhas, coletamos 14 exemplares adultos. Na estação seca, registramos uma espécie de cada um dos seguintes gêneros: Eustala, Mangora (Araneidae), Dictyna, Thallumetus (Dictynidae) e Anelosimus (Theridiidae). Na estação chuvosa, registramos Peucetia flava (Oxyopidae), Wagneriana aff. taim (Araneidae), uma espécie de Acanthoscuria e uma de Nhandu (Theraphosidae). Já com os métodos Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 117 direcionados para a captura de aranhas (guarda-chuva entomológico, armadilha de queda e rede de varredura), obtivemos 305 aranhas adultas de 82 espécies na estação seca e 527 adultas de 77 espécies. Tabela 1. Número de aranhas por espécie registrada na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista nas estações seca (S) e chuvosa (C). 118 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 119 A diversidade de habitat e comportamentos das aranhas permite o agrupamento das famílias em guildas (Höfer & Brescovit, 2001). As famílias registradas para a RPPN compuseram 11 dessas guildas: PREDADORES DE ESPREITA DE SOLO As aranhas pertencentes a essa guilda têm por hábito espreitar presas durante a noite. São incluídas aranhas sedentárias que vivem em tocas, como algumas Mygalomorphae fossoriais e semi-fossoriais, ou aranhas que se locomovem com frequência. Neste estudo, Ctenidae, Lycosidae e Theraphosidae representaram a guilda. PREDADORES CURSORIAIS DE SOLO NOTURNOS São aranhas que capturam suas presas procurando-as ativamente, sem auxílio de teias. Os representantes desta guilda na RPPN foram jovens de Gnaphosidae, Prodidomidae e Zodariidae, além de aranhas adultas de uma espécie de Cesonia e outra de Eilica de Gnaphosidae e de uma espécie de Lygromma e de uma espécie nova de um gênero novo de Prodidomidae. Ao contrário da guilda anterior, essas aranhas perseguem ativamente suas presas sobre a vegetação. Nessa guilda encontraram-se as famílias Anyphaenidae (jovens e adultos Jessica erythrostoma e um adulto Wulfilopsis), Corinnidae (jovens e adultos de aproximadamente cinco espécies), Mimetidae (jovens e adultos Ero e Gelanor), Salticidae (jovens e adultos de ~28 espécies, Figura 1-B) e Scytodidae (jovens e adultos Scytodes). TECEDORAS DE SOLO DIURNAS São aranhas que constroem teias orbiculares junto ao solo, aqui representadas apenas por Linyphiidae (jovens e adultos de aproximadamente três espécies) e um jovem de Mysmenidae. TECEDORAS DE SOLO NOTURNAS Também constroem suas teias junto ao solo, mas têm hábitos noturnos. Registramos somente jovens de Deinopidae, Dipluridae e Hahniidae. TECEDORAS ORBICULARES AÉREAS PREDADORES DE LITEIRA Incluem aranhas que perseguem ativamente suas presas na serapilheira do solo de formações florestais. Representadas aqui por adultos Oonopidae (~ 9 espécies), Palpimanidae (um adulto de Otiothops), Caponiidae (um adulto de Nops) e imaturos de Palpimanidae e Oonopidae. As aranhas encontradas nessa guilda constroem teias orbiculares sobre a vegetação. Na RPPN, coletamos aranhas adultas de ~21 espécies de Araneidae (e.g., Alpaida bicornuta, Figura1-D), de cerca de quatro espécies de Tetragnathidae e quatro de Uloboridae, além de vários jovens destas três famílias. ARANHAS SEDENTÁRIAS COM TEIAS EM LENÇOL PREDADORES AÉREOS DIURNOS São aranhas encontradas sobre a vegetação, onde caçam suas presas durante o dia. Registramos aranhas adultas Peucetia flava (Figura 1-C), Schaenicoscelis (Oxyopidae), Gephyrellula (Philodromidae), Epicadus (Figura 1-A),Misumenops, Strophius e Tmarus (Thomisidae), além de jovens dessas famílias na área de estudo. PREDADORES DE ESPREITA AÉREOS NOTURNOS Aranhas que não utilizam teias, mas ficam à espreita no topo da vegetação ou em troncos de árvores. Estão aqui representadas por jovens de Hersiliidae, Senoculidae e Sparassidae. 120 PREDADORES CURSORIAIS AÉREOS NOTURNOS Descobrindo o Paraíso Predominantemente diurnas, as aranhas desta guilda constroem suas teias como um fino lençol e aguardam até que uma presa se aproxime e contate os fios das teias. Jovens e adultos de aproximadamente quatro espécies de Pholcidae representaram este grupo de aranhas na RPPN. TECEDORAS DE TEIAS NÃO ORBICULARES Nessa guilda estão representadas aranhas diurnas que fixam teias irregulares sobre a vegetação. Das aranhas identificadas na RPPN, duas espécies de Dictynidae e 25 de Theridiidae compõem esta guilda. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 121 a b 18 c Número Número acumulado acumulado de espécies de espécies 16 18 d 12 14 8 10 6 8 2 4 122 Descobrindo o Paraíso Número Número acumulado acumulado de espécies de espécies 60 Os distintos métodos de coleta retornaram diferentes sucessos de captura de aranhas adultas, sendo que com rede de varredura capturamos somente 13 adultas, das 478 aranhas coletadas com este método (< 3%), com guarda-chuva entomológico 246 das 2459 (10%) e com armadilha de queda 46 adultas das 162 coletadas (> 28%). O esforço amostral representado pelas curvas de acumulação de espécies com guarda-chuva entomológico e armadilhas de queda indicou que a diversidade de aranhas está sub-representada, independentemente do local de coleta (Figura 2). Amolar (7 espécies) Amolar (7 espécies) 4 6 0 Diversidade na estação seca Pitfall (17 espécies) Pitfall (17 espécies) 10 12 0 2 Figura 1. Aranhas de quatro das espécies registradas na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. (a) Epicadus sp. (Thomisidae, macho), (b) Espécie indeterminada de Salticidae (fêmea)(Aphanthochilidae), (c) Peucetia flava (Oxyopidae), (d) Alpaida bicornuta (Araneidae). Fotos: Camila Aoki e Bolivar Porto. Mandioré (14 espécies) Mandioré (14 espécies) 14 16 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 60 50 50 40 40 30 30 20 20 10 10 0 0 0 0 Morrinhos (17 espécies) Morrinhos (17 espécies) 50 50 Mandioré (40 espécies) Amolar Mandioré (35 espécies) (40 espécies) Amolar (35 espécies) 100 150 Número acumulado de aranhas 100 150 Número acumulado de aranhas Guarda-chuva entomológico (62 espécies) Guarda-chuva entomológico (62 espécies) 200 200 Figura 2. Esforço amostral para as espécies de aranhas registradas com auxílio de armadilhas pitfall e guarda-chuva entomológico em cada área de coleta na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. As barras indicam o intervalo de confiança de 95% para a média das estimativas do número de espécies obtido por rarefação (Gotelli & Entsminger, 2001). Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 123 Trilha Morrinhos Trilha Amolar Mandioré Dipoena sp.3 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 2 3 4 5 6 7 8 9 2 10 3 11 4 12 5 6 13 7 Diversidade na estação chuvosa Nesta estação, com todos os métodos de coleta, capturamos mais aranhas adultas do que na estação seca, sendo que com rede de varredura capturamos 77 adultas das 405 aranhas coletadas com este método (19%), com guarda-chuva entomológico 377 das 2880 (13%), e com armadilha de queda 73 adultas das 161 coletadas (45%). O esforço amostral representado pelas curvas de acumulação de espécies, com os diferentes métodos de coleta, indicou que a diversidade de aranhas está mais bem representada em amostras de guarda-chuva entomológico (Figura 4). A riqueza de espécies na trilha Morrinhos e na estrada Mandioré contribuiu mais para o incremento no número de espécies registradas por guarda-chuva entomológico do que a riqueza na trilha Amolar (Figura 4). 70 14 Amostras ordenadas porAmostras NMDS ordenadas por NMDS 1 1 Salticidae sp.6 Thallumetus sp.1 Dipoena sp.3 Thallumetus sp.1 Theridion sp.1 Cylistella sp. Theridion sp.1 Salticidae sp.6 Dipoena sp.1 Dipoena sp.1 Thallumetus sp.1 Achaearanea aff.aff.trapezoidalis Achaearanea trapezoidalis Theridion sp.1 ZozisZozis sp. sp. Dipoena sp.1 Phycosoma altum Phycosoma altum Achaearanea aff. trapezoidalis Episinus Episinus sp. sp. Zozis sp. Salticidae sp.5 Salticidae sp.5 Phycosoma altum Dictyna sp.1 Dictyna sp.1 Episinus sp. Euryopis sp. Euryopis sp. Salticidae sp.5 Thiodina sp. Dictyna sp.1 Thiodina sp. Eustala sp.1 Euryopis sp. Eustala sp.1 sp.2 Salticidae Thiodina sp. Salticidae sp.2 Uloborus sp. Eustala sp.1 Dipoena sp.5 Uloborus sp. Salticidae sp.2 Platnickina Dipoena sp.5 mneon Uloborus sp. Anelosimus sp. Platnickina mneon Dipoena sp.5 Tetragnatha sp. Anelosimus sp. Platnickina mneon Salticidae sp.1 Tetragnatha sp. Anelosimus sp. Salticidae sp.4 Tetragnatha sp. Salticidae sp.1 Jessica erythrostoma Salticidae sp.1 Salticidae sp.4 Salticidae sp.3 Salticidae sp.4 Jessica erythrostoma Misumenops sp. Salticidae sp.3 sp.1 Jessica erythrostoma Sphecozone Salticidae sp.3 Salticidae sp.18 Misumenops sp. Misumenops sp. Thymoitessp.1 sp.1 Sphecozone Sphecozone sp.1 Cyclosasp.18 fililineata Salticidae Salticidae sp.18 Thymoites sp.1 Amostras ordenadas por NMDS Thymoites sp.1 Cyclosa fililineata Cyclosa fililineata Abundância relativa Abundância relativa Abundância relativa Trilha Morrinhos EstradaCylistella Dipoena sp.sp.3 Mandioré Cylistella sp. Salticidae sp.6 de aranhas (Figura 3). Obtivemos somente duas amostras na trilha Morrinhos que possuíam um conjunto de espécies semelhante ao das amostras da estrada Mandioré. Na trilha Amolar, o conjunto de espécies foi distinto dos demais locais, nunca incluindo, por exemplo, Cyclosa fililineata (Araneidae), uma espécie de Misumenops (Thomisidae), e uma de Thymoites (Theridiidae). Nesta área, foram mais frequentes, por exemplo, duas espécies de Theridion, uma de Episinus (Theridiidae) e uma de Cylistella (Salticidae). 8 9 10 11 12 13 14 60 14 Figura 3. Variação na composição de espécies de aranhas, representada pela ordenação das amostras por escalonamento multidimensional não métrico (NMDS), coletadas com guarda-chuva entomológico em três áreas na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. A altura das setas é proporcional ao número de amostras e as cores diferenciam as três áreas. As setas indicam a maior frequência de amostras em cada área. Somente os registros com guarda-chuva entomológico permitiram a análise da composição de espécies entre as áreas de coleta que são representadas por diferentes conjuntos fitofisionômicos. A ordenação das amostras por escalonamento multidimensional não-métrico em uma dimensão (r² = 0,75) resumiu a variação em composição de espécies Número acumulado de espécies Trilha Morrinhos Trilha Amolar Trilha Amolar Estrada Mandioré Estrada Guarda-chuva entomológico (64 espécies) 50 40 30 Rede de varredura (29 espécies) 20 Pitfall (18 espécies) 10 0 0 50 100 150 200 250 300 350 70 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 60 ies 124 125 0 0 50 100 150 200 250 300 350 70 Número acumulado de espécies 60 Discussão Mandioré (42 espécies) 50 Guarda-chuva entomológico (64 espécies) Morrinhos (41 espécies) 40 Amolar (38 espécies) 30 Normalmente, em coletas protocoladas de aranhas em ambientes tropicais, registram-se 2/3 de imaturos. Dependendo das condições climáticas, esta proporção pode ser maior, tal como na estação seca deste estudo. Em muitos inventários de aranhas, assim como neste estudo, não 20 se registraram todas as espécies, e as curvas de acumulação de espécies 10 0 ficaram abaixo da assíntota (e.g., Toti et al., 2000; Sørensen et al., 2002), pois o número de espécies raras geralmente é alto em comunidades de 0 50 100 150 200 250 300 350 Figura 4. Esforço amostral para as espécies de aranhas registradas com auxílio de armadilhas pitfall, redes de varredura e guarda-chuva entomológico na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. As barras indicam o intervalo de confiança de 95% para a média das estimativas do número de espécies obtido por rarefação (Gotelli & Entsminger, 2001). aranhas (New, 1999). Sem dúvida, a impossibilidade de registrar todas as espécies durante uma amostragem é um problema inerente aos estudos de biodiversidade (Gotelli & Colwell, 2001). Este problema acentua-se em grupos megadiversos que são pouco conhecidos, tal como as aranhas em ambientes tropicais. A ordenação das amostras por escalonamento multidimensional não-métrico em duas dimensões (r² = 0,64) resumiu a variação em composição de espécies de aranhas (Figura 5). Na trilha Amolar, o conjunto de espécies, assim como na estação seca, parece distinto dos demais locais. Entretanto, na estação chuvosa esta separação não foi tão forte. Entretanto, a expressão mais rápida e simples da biodiversidade é o número de espécies (Magurran, 1988; Gaston, 1996), um parâmetro comumente usado para comparar localidades diferentes (Gotelli & Colwell, 2001). As curvas de acumulação de espécies são uma ferramenta importante nos estudos de biodiversidade, por sua simplicidade e robustez para comparações entre distintas localidades (Moreno & Halffter, 2001; Figura 5. Variação na composição de espécies de aranhas, representada pela ordenação das amostras por escalonamento multidimensional não métrico (NMDS), coletadas com guarda-chuva entomológico em três áreas na Reserva Particular de Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. Círculos vazios: trilha Amolar; Círculos preenchidos: estrada Mandioré; Cruz: trilha Morrinhos. As setas indicam as correlações (r ≥ 0,5) das espécies com o plano da ordenação. Willott, 2001; Jiménez-Valverde & Hortal, 2003). As diferenças em diversidade fitofisionômicas representam diferenças no conjunto de características estruturais que podem mostrar vários padrões de biodiversidade, porque as espécies provavelmente partilham habitat (MacArthur, 1965; Rosenzweig,1995). A distribuição dos organismos é determinada, entre outras coisas, pela sua capacidade de dispersão e colonização, compondo metacomunidades (Leibold et al., 2004), enquanto a abundância na população é afetada principalmente em escala local (Cornell & Lawton, 1992). Consequentemente, existem influências tanto em escala regional quanto local que determinam a diversidade de aranhas. 126 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 127 Considerações Finais A variação espacial na composição de espécies de aranhas na área da RPPN EEB aponta para a necessidade da preservação de áreas que abranjam diversas fitofisionomias, representadas no estudo por savana gramíneo-arbustiva, cerradão e floresta estacional semidecidual. Nossos resultados, além de representarem o registro formal da ocorrência de diversas espécies de aranhas na RPPN, contribuem para enriquecer as informações sobre a fauna araneológica do Pantanal, inclusive com cerca de 10 espécies ainda não descritas para a ciência. Das famílias com espécies novas, podemos destacar Oonopidae, de onde foi possível determinar pelo menos cinco destas espécies inéditas. A família apresenta grande diversidade no mundo, mas ainda está mal estudada e vem sendo alvo de um projeto de revisão mundial, coordenado pelo American Museum of Natural History de Nova York (mais informações no site: http://research.amnh.org/oonopidae/). Das demais famílias, podemos destacar Corinnidae, com maior ocorrência no solo e duas espécies novas a serem descritas, e Salticidae, a família mais diversa no mundo. Desta família detectamos pelo menos três espécies entre as amostradas que ainda não estão descritas. A fauna araneológica brasileira ainda está pobremente inventariada, então podemos afirmar que hoje, em quase todos inventários de porte, ocorrem pelo menos 20% de espécies ainda inéditas para a ciência. Associadas à carência de registros de fauna e flora, estas informações evidenciam que inventários detalhados e estudos voltados à variação espacial da distribuição e composição de espécies, em especial de aranhas (sensíveis a variações em complexidade estrutural do habitat), deveriam ser estimulados para melhor direcionar as estratégias de conservação da biodiversidade. 128 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 129 foto: Camila Aoki Phaops albugo 130 BE SOU ROS Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 131 Coleoptera Introdução Besouros (Coleoptera) da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. Ayr de Moura Bello1, Camila Aoki2 & Letícia Vieira3 Laboratório de Biodiversidade Entomológica, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ (Colaborador externo). e-mail: [email protected] 1 Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. e-mail: [email protected] 2 Departamento de Ciências Naturais, Universidade Federal de São João del Rei, Campus Dom Bosco. e-mail: [email protected] 3 Resumo Os besouros compõem a ordem mais rica entre os animais, possuindo grande importância na manutenção da integridade dos ecossistemas e participando de vários processos ecológicos, como polinização, herbivoria, decomposição, dispersão secundária e predação de sementes. Neste trabalho, apresentamos as espécies de Coleoptera registradas em uma amostragem rápida, envolvendo cinco metodologias, na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, situada na Serra do Amolar, sub-região do Paraguai, Pantanal Sul. Foram coletados 5.215 indivíduos, 420 espécies e 45 famílias de Coleoptera. Curculionidae foi a família mais rica (91 spp.), seguida de Chrysomelidae (72 spp.), Staphylinidae (39 spp.) e Tenebrionidae (27 spp.). O número de espécies coletadas em áreas restritas e por apenas uma metodologia foi elevado, o que indica, respectivamente, elevada diversidade beta (e alta especificidade de hábitat) e a necessidade de utilização de métodos conjugados para melhor amostragem da fauna de coleópteros. Foi observada uma clara distinção entre a composição de espécies coletadas na estação seca em comparação com a estação chuvosa, com apenas 3% das espécies observadas em ambas as estações. A listagem apresentada, apesar de incompleta, é a mais extensa já publicada para o Pantanal SulMato-Grossense e a primeira para a sub-região do Paraguai. 132 Descobrindo o Paraíso Os besouros (Coleoptera) compõem uma das nove ordens convencionalmente reconhecidas de insetos holometábolos, com cerca de 350.000 espécies descritas (Grimaldi & Engel, 2005). Aproximadamente 30 mil são registradas para o Brasil, agrupadas em 104 famílias (Costa, 2000). O sucesso do grupo deve-se em parte à presença dos élitros, que os protegem contra dessecação, choques mecânicos e ainda protegem as asas funcionais membranosas (Grimaldi & Engel, 2005). Longo período evolutivo resultou em alterações morfológicas que lhes permitem explorar todos os ambientes naturais e antrópicos, exceto o oceânico, as geleiras permanentes e a quase totalidade do Continente Antártico. Esta versatilidade gera implicações ecológicas e econômicas (Ribeiro-Costa et al., 2010). Sua importância ecológica reflete-se em vários processos ecológicos, tais como polinização (Gottsberger, 1999; Corlett, 2004), dispersão (Estrada & Coates-Estrada, 1991) e predação de sementes (Scherer & Romanowski, 2005; Oliveira & Costa, 2009), herbivoria (Reis et al., 2001; Avila-Nunes et al., 2008), regulação de populações de insetos (Bergstrom et al., 1976) e decomposição da matéria orgânica (Hernández, 2007). A participação dos besouros nessa variedade de processos os faz importantes componentes de um ecossistema, dando suporte a estudos de conservação da biodiversidade, bem como ao planejamento e manejo de reservas florestais (Dritschilo & Wanner, 1980). Apesar da grande relevância ecológica e diversidade do grupo, a fauna de coleópteros da região do Pantanal ainda é pouco conhecida, e as pesquisas realizadas em geral estão restritas ao estudo de poucas famílias, como Scarabaeidae (Aidar et al. 2000, Louzada et al. 2007, Rodrigues et al. 2010) e Carabidae (Vieira et al. 2008). As informações apresentadas neste capítulo têm o objetivo de acrescentar informações sobre a fauna de Coleoptera da região Centro-Oeste, mais especificamente do Pantanal Sul-Mato-Grossense. Metodologia Locais de Coleta A Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 133 Batista (RPPN EEB) está localizada no estado de Mato Grosso do Sul, a noroeste do município de Corumbá, entre o Rio Paraguai e a Baía Mandioré, fazendo fronteira com a Bolívia a oeste. As coletas foram realizadas entre os dias 27 de julho e 02 de agosto de 2010 (estação seca) e entre 27 de março e 05 de abril de 2011 (estação chuvosa), em três vias de acesso pré-existentes na área: estrada Mandioré (S 18°05’42”, O 57°28’53”) e trilhas Amolar (S 18°05’38”, O 57°28’36”) e Morrinhos (S 18°06’20”, O 57°29’30”). Métodos de coleta Para a coleta foram utilizadas as seguintes metodologias: (a) Armadilhas de queda com isca: formadas por recipientes plásticos de 12 cm de diâmetro e 9 cm de altura, com aproximadamente 200 ml de água e detergente, enterrados até o nível do solo e iscados, intercaladamente, com banana e fígado em decomposição. Instalaram-se 30 armadilhas de queda na estrada Mandioré e 30 na trilha Amolar em cada campanha, totalizando assim 120 armadilhas, as quais permaneceram por 48 horas no campo. (b) Armadilhas de queda sem isca (tratadas neste trabalho como pitfall): mesmas características citadas acima, mas não iscadas. Foram instaladas 90 armadilhas na estrada Mandioré e 90 na trilha Amolar por campanha, num total de 360 pitfalls. (c) Guarda-chuva entomológico: utilizou-se uma estrutura de madeira em cruz coberta por um pano branco (1 m2) para auxiliar na coleta em arbustos e galhos de árvores. Essa armação foi colocada sob os galhos das árvores ou sob pequenos arbustos, os quais foram batidos com auxílio de um pedaço de madeira, a fim de que os animais caíssem sobre o pano. Cada amostra correspondeu a 20 arbustos ou galhos de árvores explorados em uma caminhada ao longo das trilhas, perfazendo 40 amostras na estrada Mandioré, 40 na trilha Amolar e 31 na trilha Morrinhos. (d) Rede de varredura: semelhante à rede entomológica, mas a armação de metal é mais reforçada, assim como o tecido, para suportar o atrito da rede com a vegetação. Foram feitas 40 amostras em cada acesso, cada uma constituída de 10 varreduras na vegetação herbáceo-arbustiva. (e) Armadilhas de interceptação de voo: tela de 1 m de altura por 1,5 m de comprimento, com emprego de dois vergalhões para manter a 134 Descobrindo o Paraíso armadilha aberta; recipientes plásticos foram colocados na parte inferior, com água e detergente para contenção dos insetos. Foram usadas três armadilhas de interceptação de voo na estrada Mandioré e três na trilha Amolar, as quais permaneceram 48 horas em campo. Coleópteros coletados por outras metodologias (e.g. iscas para coleta de formigas e Malaise) foram incluídos na listagem, complementando o levantamento. Para determinação do esforço amostral, utilizamos curvas de acumulação de espécies pela aleatorização (com 1000 iterações) de diferentes tamanhos de amostras (número de indivíduos), usando o programa EcoSim 7 (Gotelli & Entsminger, 2001). Resultados Na RPPN EEB foram coletados 5.215 indivíduos, distribuídos em 420 espécies e 45 famílias de Coleoptera (Tabela 1), consistindo assim na listagem mais extensa publicada para este grupo no Pantanal. A riqueza, entretanto, está subamostrada, como demonstrado pela curva do coletor (Figura 1), a qual não atingiu a assíntota. Curculionidae foi a família mais rica (91 spp., 21,7%), seguida de Chrysomelidae (72 spp., 17,1%), Staphylinidae (39 spp., 9,3%) e Tenebrionidae (27 spp., 6,4%) (Figura 2). Treze famílias contribuíram com apenas uma espécie, entre elas: Dryophthoridae, Dryopidae, Dytiscidae, Endomychidae, Melyridae, Mordellidae e Trogidae (Tabela 1). Considerando a abundância, Curculionidae também foi a mais representativa, com 3.634 espécimes coletados (69,7%), dos quais 2.892 pertencem a uma espécie de Xyleborus (Figura 3). Também merecem destaque quanto ao número de indivíduos as famílias Scarabaeidae (398 ind., 7,6%), Tenebrionidae (222 ind., 4,2%, Figura 4), Staphylinidae (196 ind., 3,7%), Chrysomelidae (189 ind., 3,6%, Figura 5) e Nitidulidae (177 ind., 3,4%). As demais famílias totalizam menos de 1% dos indivíduos coletados. Dentre as espécies, além de Xyleborus sp.1, foram abundantes na área de estudo Platypus sp.1 (239 ind.), Pantomorus sp.1 (235 ind.), Lasiodactylus sp.1 (162 ind.) e Uroxys sp.1 (148 sp.). A maioria das espécies (60%) foi representada por um único indivíduo. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 135 Tabela 1. Famílias, subfamílias, tribos e espécies de Coleoptera registrados na RPPN EEB, com sua respectiva abundância (N), locais de ocorrência, metodologia e estação hídrica de coleta. 136 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 137 138 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 139 Legenda: Locais de ocorrência: (Ma) Estrada Mandioré, (Am) Trilha Amolar, (Mo) Trilha Morrinhos e (Sd) Sede da RPPN EEB. Metodologia: (AQ) Armadilha de queda, (GE) Guarda-chuva entomológico, (IF) Isca de formiga, (IV) Armadilha de interceptação de voo, (Mal) Malaise, (Pit) Pitfall, (RV) Rede de varredura. Campanha: (C) Chuvosa, (S) Seca. 140 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 141 Figura 3. Xyleborus sp.1, coleóptero mais abundante na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. 400 450 350 Número acumulado de espécies 400 300 350 250 300 200 250 150 200 100 150 50 100 0 50 3 1 0 1 3 13 31 3 6 25 62 5 9 37 93 7 12 12 49 49 15 15 61 61 1 8 18 73 73 2 21 1 85 85 24 24 97 97 28 28 09 09 31 31 21 21 34 3 33 43 3 37 3 45 74 5 40 4 57 05 43 4 7 69 3 69 46 81 46 81 49 93 49 9 Número acumulado de espécies 450 Número acumulado de indivíduos 100 90100 80 90 70 80 60 70 50 60 40 50 30 40 30 20 20 10 10 0 Figura 4. Tenebrionidae (Prostenus sp.1) registrado na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Número de espécies Número de espécies Número acumulado de indivíduos Figura 1. Curva de acúmulo de espécies de besouros registrados na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS (as barras indicam o intervalo de confiança de 95%). C Churcu Cury li Ch Srcsuo on t m i TSreysaoplhionel dae tanemylidiada Te phb elin e e ne yrlioidaida Sc bCriarinnidide e Sc Caararobnaibdiaeae arH aba adea ab ie e H isat diad CNoNisititedeeidriadeae Co icticd ruidl eae cc inuel iadea Binre ildli e Sc BrAe lnlitidadeae Sc ydA ndtie adea yd mde dria e m aeri dea B Ea d Br raEclalaetniniade e ac hte edr a ae y BBuhuypcecreidriadeae pr reridide SSiel stistiaeae ZoZoilvpavnandadeae p h i id CCeeAAnnhtereidriaeae thh d da raram DDeembbiciicdiade e r r HHyy mmycyiciaeae ddr r esesdadea LaLaoophptihdtiadae LaLammpypiliidliade e t y a P htrh ridri e e CCo Phhalaidriididi adeae oryr alcarc iadea lyolpo idri e hp ad CCr B PiPt ihdiadeae yryp Bip nitin ea Dr pto ihpy dia e Dyro top hlyli dea yoph phah ldliad e pt gai ea Pti MMyhhtohr gdiade e Ptilo cyte oidr a ae lodacctreididea Ou dSatcyliriade e Outra cSirtitydliaeae trsa(Ncirdtiadae s (=1dea N=3) e 13 ) 0 Famílias Famílias Figura 2. Contribuição de cada família com a riqueza de Coleoptera da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. 142 Descobrindo o Paraíso Figura 5. Chrysomelidae (Coraliomera aeneoplagiata) coletado na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 143 Na estrada Mandioré foi registrada a maior riqueza, com 259 espécies (61,2%, Tabela 1), das quais 163 foram registradas apenas nesta área, inserida em cerradão (savana florestada) e floresta estacional semidecidual. Na trilha Amolar, onde ocorrem as fitofisionomias cerradão (savana florestada), floresta estacional semidecidual e savana gramíneolenhosa, foram registradas 199 espécies, sendo 106 exclusivas (Tabelas 1 e 2). Na trilha Morrinhos, foi registrada a menor riqueza (70 spp., 33 exclusivas). Esta área é caracterizada como savana gramíneo-lenhosa e cerradão. Dezesseis espécies foram comuns a todas as áreas, entre elas: Acanthinus sp.1, Anthonomus sp.4, Pantomorus sp.1, Scymnus sp.1, Tachygonus sp.1, Taphrocerus sp.1 (Tabela 1). O elevado número de espécies registradas exclusivamente em um ponto (Tabela 2) reflete em baixa similaridade entre os pontos e indica alta diversidade beta. O mesmo ocorreu com as metodologias não utilizadas especificamente para a coleta de Coleoptera, como Malaise e iscas para coleta de formigas, que contribuíram com seis espécies registradas apenas por estas metodologias (Tabelas 1 e 3). Área N. de espécies N. espécies (%) Exclusivas Estrada Mandioré 259 (61,7%) 163 Trilha Amolar 199 (47,4%) 106 Trilha Morrinhos 70 (16,7%) 33 Tabela 2. Número de espécies de Coleoptera registradas em cada área de amostragem na RPPN EEB. Os distintos métodos de coleta resultaram em diferentes sucessos de captura. As coletas com guarda-chuva entomológico foram as que obtiveram maior número de registros (196 spp., 46,6%). Algumas famílias representativas da fauna de Coleoptera da RPPN EEB foram registradas principalmente por este método, como é o caso de Aderidae (71% das espécies registradas por este método), Chrysomelidae (66%, Figura 6) e Coccinellidae (89%). Outras metodologias importantes para a amostragem da fauna de coleópteros na área de estudo foram os pitfalls, as armadilhas de queda (117 spp. cada, 27,8%) e redes de varredura (73 spp., 17,4%). Embora as armadilhas de interceptação de voo tenham capturado poucas espécies (9 spp.), quatro foram amostradas exclusivamente por esta técnica de coleta. 144 Descobrindo o Paraíso Figura 6. Chrysomelidae (Zygogramma sp.) coletado em guarda-chuva entomológico na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura. Metodologia N. de espécies N. espécies (%) exclusivas Guarda chuva entomológico 196 (46,6%) 147 Pitfall 117 (27,8%) 69 Armadilha de queda 117 (27,8%) 70 Rede de Varredura 73 (17,4%) 39 Armadilha de Interceptação de voo 9 (2,1%) 4 Outras 8 (1,9%) 6 Tabela 3. Nº de espécies de Coleoptera registradas com diferentes metodologias na RPPN EEB. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 145 Houve marcada sazonalidade na ocorrência das espécies de Coleoptera da RPPN EEB. Mais de 60% das espécies foram registradas apenas na estação chuvosa (261 spp.) e 36% (153 spp.) apenas na estação seca (Figura 7). Doze espécies foram registradas em ambas as campanhas: Canthon (Canthon) chalybaeus, Canthon quinquemaculatus, Chalcodermus sp.1, Dirocephalus myrmecophilus, Hypothenemus sp.1, Lasiodactylus sp.1, Pantomorus sp.1, Petalium sp.1, Phalacridae sp.1, Sibinia sp.1, Spermologus sp.1 e Xyleborus sp.1. No Pantanal Sul-Mato-Grossense, assim como em todo o estado do Mato Grosso do Sul, a fauna de coleópteros ainda é pouco conhecida e os estudos estão restritos às famílias Carabidae (Vieira et al., 2008) e Scarabaeidae (Aidar et al., 2000; Louzada et al., 2007; Rodrigues et al., 2010). Desta forma, o presente estudo apresenta a listagem mais extensa de Coleoptera para o Pantanal Sul-Mato-Grossense e a primeira para a sub-região do Paraguai (Silva & Abdon, 1998). A riqueza de Scarabaeidae (23 spp.) registrada na RPPN EEB em apenas duas campanhas de campo foi similar à registrada por Aidar et al. (2000) e Rodrigues et al. (2010) em aproximadamente um ano de coleta (utilizando apenas uma metodologia, armadilhas de queda e armadilhas de interceptação de voo, respectivamente). Entretanto, a riqueza de Carabidae (26 spp.), quando comparada ao estudo de Vieira et al. (2008) utilizando apenas armadilhas de queda ao longo de um ano de coletas no Pantanal da região do Miranda, foi bem menor (64 spp.). Conforme demonstrado pela curva de acúmulo de espécies, a riqueza da área não foi completamente amostrada, o que, sem dúvida, seria impossível em curto período de tempo e considerando a marcada sazonalidade apresentada pelo grupo. Além disso, amostrar toda a riqueza em grupos megadiversos, como os coleópteros, é um desafio ainda a ser superado. Curculionidae, família que figurou como a mais rica e abundante neste levantamento, é a mais numerosa do Reino Animal, com aproximadamente 41.000 espécies descritas em 3.600 gêneros (Booth, 1990). As subfamílias mais amostradas foram Curculioninae (19 spp.) e Molytinae (23 spp.). Os Curculioninae são de hábito herbívoro, espermatófagos ou filófagos. Já os Molytinae são de hábito exclusivamente herbívoro (Marinoni et al., 2001). Chrysomelidae (segunda família mais numerosa) é a terceira mais rica, compreendendo mais de 40.000 espécies descritas (Jolivet et al., 2004). Poucas famílias de besouros têm sido estudadas tão detalhadamente quanto os crisomelídeos. Isso se deve não somente à sua importância econômica, mas também por sua variedade de formas e comportamentos. Das 72 espécies de Chrysomelidae coletadas, 26 pertencem à subfamília Galerucinae, cujos adultos e larvas se alimentam principalmente de folhas, flores e frutos (Marinoni et al., 2001), 16 são espécies de Elmopinae, uma grande e bem distribuída subfamília de crisomelídeos (Jolivet & Verma, 2008) e 11 Bruchinae, com adultos de hábito herbívoro ou espermatófago e as larvas da maioria das espécies se alimentando de sementes de leguminosas ou palmáceas (Marinoni et al., 2001). A ocorrência de muitas espécies com poucos indivíduos parece 146 Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista Figura 7. Percentual de espécies registradas em cada estação na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. As famílias Brachyceridae, Corylophidae, Erotylidae, Laemophloeidae, Melyridae, Mycetophagidae, Mycteridae, Scraptiidae e Trogidae foram registradas exclusivamente em campanha seca. Ao passo que Cryptophagidae, Dryopidae, Dytiscidae, Endomychidae, Hybosoridae, Hydrophilidae, Lampyridae, Limnichidae, Mordellidae, Ptilodactylidae, Scirtidae e Throscidae foram registradas apenas na estação chuvosa. Discussão Descobrindo o Paraíso 147 ser um padrão para a fauna de besouros da região do Pantanal (Aidar et al., 2000; Santos et al., 2003; Louzada et al., 2007; Vieira et al. 2008; Rodrigues et al., 2010). Espécies representadas por apenas um indivíduo nas amostras são denominadas singletons e são definidas como raras, mas, em termos de riqueza dentro de amostragens de comunidades de insetos em florestas tropicais úmidas, representam mais da metade do total de espécies (Allison et al., 1997; Novotny & Basset, 2000). Chrysomelidae e Staphylinidae, como famílias ricas em singletons, também foram registradas por Santos et al. (2003) em copas de Attalea phalerata Mart. (Arecaceae) no Pantanal (Mato Grosso); no presente trabalho, entretanto, houve destaque para Curculionidae. A presença de várias espécies ocorrendo em locais restritos dentro da Reserva pode significar alta especificidade de habitat. Isto indica que, para a conservação dessas espécies, é necessário preservar o máximo possível sua integridade. O presente estudo evidenciou que as metodologias utilizadas atuam de forma complementar, uma vez que 80% das espécies foram registradas apenas por uma metodologia. Entre estas, destacou-se o guarda-chuva entomológico, que amostrou quase metade das espécies coletadas, dentre elas todas as espécies das famílias Lampyridae, Limnichidae, Mycteridae, Ptilodactylidae, Pitnidae, Scraptiidae e Throscidae e das tribos Baridini, Cassidini, Entimini, Eustylini, Hylobiini, Lamprosomatini, Lechriopini, Naupactini, Scymnini, Tanymecini e Tychiini. Agradecimentos Agradecemos ao Instituto Homem Pantaneiro pela iniciativa e logística; a Viviane F. Moreira, Alessandra Bertassoni, Stephanie Leal, Mara C. Teixeira-Gamarra, Nilson L. Xavier Filho, Fernanda Rabelo, Valdilene Garcia, Antônio R. da Silva, Ramão Feitosa, Sebastião Rolon, Sabrina Clink, Rodney Ribeiro Junior, Breno F. Leonel e Daiene L. H. Souza pelo auxílio em campo e na triagem do material. Referências O presente estudo apresenta a listagem mais extensa de besouros para o Pantanal Sul-Mato-Grossense, sendo a primeira para a sub-região do Paraguai, embora a fauna não tenha sido completamente amostrada. A carência de levantamentos da fauna e flora do Pantanal tem sido apontada por vários pesquisadores. Entretanto, pouca atenção tem sido dada a este bioma. Inventários, como os realizados na RPPN EEB, são importantes ferramentas no planejamento do manejo e na administração de reservas naturais, permitindo melhor conhecimento sobre a distribuição espacial e temporal das espécies, fornecendo subsídios à determinação das áreas que devem ter prioridade em sua conservação. Aidar, T., Koller, W.W., Rodrigues, S.R., Correa, A.M., Silva, J.C.C., Balta, O.S., Oliveira, J.M. & Oliveira, V.L. 2000. Besouros Coprófagos (Coleoptera: Scarabaeidae) Coletados em Aquidauana, MS, Brasil. Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, 29(4):817-820. Allison, A., Samuelson, A. & Miller, S.E. 1997. Patterns of beetle species diversity in Castanopsis acuminatissima (Fagaceae) trees studied with canopy fogging in mid-montane New Guinea rainforest. In: Stork, N.E., Adis, J. & Didham, R.K. (eds). 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Iheringia, 98(3): 317-324. 150 Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista Descobrindo o Paraíso 151 foto: Daniel Granville / Photo in Natura 152 Descobrindo o Paraíso BOR BO LE TAS Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 153 Borboleta Introdução As borboletas compreendem duas superfamílias, Papilionoidea e Hesperioidea, e pertencem a uma das principais ordens de insetos, Lepidoptera. São insetos diurnos, que mantêm estreita relação com as plantas nas diferentes fases de vida (larvas e adultos). Apesar de estarem envolvidas em inúmeras interações e serem excelentes bioindicadores, estudos com este grupo no Pantanal são escassos. O presente estudo foi desenvolvido na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, em julho de 2010 e abril de 2011. Por meio do uso de armadilhas e busca ativa com redes entomológicas, registramos 62 espécies de borboletas. A maioria delas já havia sido registrada para o Pantanal, entretanto onze constam como novo registro para a região. Nymphalidae (31 spp.), Pieridae (11 spp.) e Hesperiidae (10 spp.) foram as famílias mais ricas neste levantamento. Com relação às subfamílias, Satyrinae apresentou o maior número de espécies (9 spp.), seguida de Coliadinae (7 spp.) e Pyrginae (6 spp.). A composição de espécies variou bastante entre as estações seca e chuvosa, reflexo da forte sazonalidade do Pantanal e, consequentemente, da sazonalidade de recursos. Os dados indicam subamostragem de espécies de borboletas na área, sendo necessária a continuidade do estudo, incluindo diversas épocas do ano e um longo período de amostragem. Entretanto, esta é uma tentativa de acessar parte dos componentes da diversidade de borboletas deste bioma/região, até então pouco conhecido. As borboletas constituem cerca de 13% da ordem Lepidoptera e compreendem duas superfamílias, Papilionoidea e Hesperioidea, com representantes em seis famílias: Papilionidae, Pieridae, Riodinidae, Nymphalidae, Lycaenidae e Hesperiidae. Distinguem-se das mariposas, sobretudo por apresentar antenas claviformes e hábitos predominantemente diurnos (Heppner, 1991). Algumas espécies são crepusculares, voando nas primeiras horas da manhã ou ao final da tarde, mas a maioria é ativa no meio do dia (Freitas et al., 2004). As borboletas estão envolvidas em muitas interações ecológicas dentro das comunidades a que pertencem e geralmente mantêm estreita relação com as plantas: as larvas são herbívoras mastigadoras e a maioria dos adultos possui probóscide longa e fina, alimentando-se exclusivamente de líquidos, principalmente néctar (podendo atuar como polinizadores), mas também de suco de frutas, fungos, suor, fezes e urina; algumas, como Heliconius spp., consomem pólen (Krenn, 2008). Por ser um grupo fácil de encontrar e reconhecer, além de possuir ciclo de vida rápido, respondendo a processos e alterações ambientais em curto prazo, estes insetos são citados como potenciais espécies-bandeira, espécies guarda-chuva e indicadores ambientais (New, 1997; Brown Jr. & Freitas, 1999; DeVries & Walla, 2001). No entanto, o primeiro passo para a utilização desses organismos como indicadores é a obtenção de listas locais e regionais de espécies (Francini et al., 2011). Apesar de serem organismos bem estudados, o conhecimento da fauna de lepidópteros neotropicais ainda é incompleto e esparso, havendo grandes lacunas de conhecimento. Este problema é acentuado no Pantanal, que, juntamente com a Caatinga, é o bioma brasileiro com o menor número de inventários de invertebrados (Lewinsohn et al., 2005). Os inventários são importantes, pois dão suporte para o planejamento e administração de reservas naturais (Brown Jr., 1992; Brown Jr. & Freitas, 1999), subsidiam avaliações e monitoramentos ambientais, aumentam o conhecimento sobre a biodiversidade e auxiliam a identificação das espécies por profissionais e amadores, pois limitam a faixa de espécies que podem ocorrer em determinada região (Mielke et 154 Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista Borboletas da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista Camila Aoki1, Ana Carolina Vieira Pires2, Daiene Louveira Hokama1& Mara Cristina Teixeira-Gamarra2 Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e-mail: [email protected], [email protected] 2 Graduação em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e-mail: [email protected], [email protected] 1 Resumo Descobrindo o Paraíso 155 Resultados Na RPPN EBB, foram registradas 62 espécies de borboletas (Tabela 1). Nymphalidae (31 spp., 52%) foi a família mais rica, seguida por Pieridae (11 spp., 18%) e Hesperiidae (10 spp., 17%). Papilionoidae, Riodinidae e Lycaenidae foram pouco representadas na área (com 4, 4, e 2 espécies, respectivamente) (Figura 2). 60 50 Figura 2. Percentual de riqueza das famílias de borboletas (Papilionoidea e Hesperioidea) da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. 40 30 20 10 e da ni Ly ca e Ri od in id a e e no ilio Pa p He sp e rii da id a e ae er id Pi id a e 0 al Além do uso de armadilhas, foi realizada busca ativa em flores e áreas úmidas na estrada Mandioré, nas trilhas Amolar e Morrinhos (S 18°06’20”, O 57°29’30”), na sede (S 18°05’25”, O 57°28’27”) e na margem do Rio Paraguai, no entorno da RPPN EEB (S 18°05’06” , O 57°28’38”). As coletas foram realizadas em período diurno, entre as 7h e 17h, com auxílio de rede entomológica (puçá). As borboletas coletadas foram acondicionadas individualmente em envelopes de papel, identificadas por especialistas (ver agradecimentos), e os exemplares montados foram depositados na Coleção Biológica Didática da RPPN EEB. ph As amostragens foram realizadas entre os dias 27 de julho e 02 de agosto de 2010 (estação seca) e entre 28 de março a 04 de abril de 2011 (estação chuvosa), na RPPN EEB, inserida na região denominada Serra do Amolar, localizada no Pantanal Sul-Mato-Grossense, no município de Corumbá, Estado de Mato Grosso do Sul (MS). Dados da 2ª Expedição para o Plano de Manejo da RPPN EEB, realizada entre 19 e 24 de maio de 2007, foram incluídos à listagem e aparecem destacados na tabela 1. As coletas foram realizadas utilizando armadilhas que consistiram em cilindros de tela fina, fechadas na parte superior e com pequenos pratos plásticos na parte inferior, os quais eram iscados com banana fermentada e caldo de cana (DeVries, 1987, Figura 1a). As borboletas entram pela parte inferior para se alimentar e, no momento de sair, voam para cima, ficando presas no cilindro (Figura 1b). As amostragens foram realizadas em trilhas pré-existentes na área da RPPN EEB, sendo elas, estrada Mandioré (S 18°05’42”, O 57°28’53”) e trilha Amolar (S 18°05’38”, O 57°28’36”). Em cada campanha de coleta, foram distribuídas 15 armadilhas ao longo de cada trilha, dispostas em locais iluminados da mata, permanecendo em campo por 48 horas, sendo vistoriadas duas vezes ao dia. b Figura 1. Armadilhas de borboletas montadas na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS (a) e borboletas capturadas na armadilha (b). Fotos: Alessandra Bertassoni e Camila Aoki. % de espécies Metodologia a Ny m al., 2008). Além disso, os levantamentos permitem melhor conhecimento sobre a distribuição espacial, a diversidade de espécies (Lewinsohn et al., 2005) e a ocorrência de endemismos, permitindo, desta forma, a determinação de áreas prioritárias para conservação. Para a região do Pantanal, estudos com borboletas são escassos, destacando-se o de Brown Jr. (1984), que registrou mais de 1.100 espécies. Frente à necessidade de inventários nessa região, realizamos este estudo na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista (RPPN EEB), como uma tentativa, mesmo que em breve intervalo de tempo, de acessar a diversidade de borboletas da área. Família 156 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 157 Espécie Campanha Área de Metodologia Registro Cymaenes sp. HESPERIIDAE (10) Hesperiinae (3) S Am BA Aides duma duma Evans, 1955 C BR BA Panoquina sp. * C Ma BA Antigonus sp. Pyrginae (6) S Sd, Am BA, AR Chioides catillus (Cramer, 1779) S Sd BA Mylon sp. S BR BA Pyrgus orcus (Stoll, 1780)* C Ma BA Urbanus simplicius (Stoll, 1790)* C Ma BA Urbanus sp. S BR BA Pyrrhopyginae (1) Mysoria barcastus barta Evans, 1951 C BR BA LYCAENIDAE (2) Polyommatinae (1) Hemiargus hanno (Stoll, 1790) S BR, Sd, Ma, BA Mo Theclinae (1) Theclinae sp. * C Ma BA Catonephele sabrina (Hewitson, 1852) NYMPHALIDAE (31) Biblidinae (6) C Ma BA, AR Eunica bechina (Hewitson, 1852) S Ma BA, AR Eunica tatila (Herrich-Schäffer, 1855) S Am, Ma AR Hamadryas amphinome (Linnaeus, 1767) C Ma BA Hamadryas februa (Hübner, 1823) S, C Am, Ma BA, AR Temenis laothoe Fruhstorfer, 1907 C Ma BA Fountainea glycerium cratias (Hewitson, 1874) Charaxinae (2) S, C Am, Ma AR Zaretis itys (Cramer, 1777) C Am, Ma, Mo BA, AR Agraulis vanillae (Linnaeus, 1758) Heliconiinae (5) S, C Am, Ma, Sd BA, AR Dryadula phaetusa (Linne, 1758) C BR, Am, Ma BA, AR Dryas iulia (Fabricius, 1775) S, C Sd, Am, Ma BA, AR Euptoieta hegesia (Cramer, 1779) C Ma BA Heliconius erato phyllis (Fabricius, 1775) C Ma BA Ithomiinae (2) Ithomiinae sp.1 S Am BA Ithomiinae sp.2 S Am BA Adelpha iphiclus (Linnaeus, 1758) Limenitidinae (2) S BR BA Adelpha iphicleola (Bates, 1864) C Am, Ma, Mo BA, AR Morpho helenor (Cramer, 1776) Morphinae (1) C Ma [P] Anartia jatrophae (Linnaeus, 1763) Nymphalinae (4) S, C BR, Sd, Ma BA Historis odius (Fabricius, 1775) C Sd BA Junonia evarete (Cramer, 1779) S Am, Ma BA Tegosa claudina (Eschscholtz, 1821) S BR BA Hermeuptychia gisella (Hayward, 1957) Satyrinae (9) C Ma AR Magneuptychia cf. pallema (Schaus, 1902) S Am AR Paryphthimoides phronius (Godart, 1824) S Am AR Paryphthimoides poltys (Prittwitz, 1865) C Am, Ma AR Paryphthimoides sp. S Am AR Taygetis kerea Butler, 1869 S Am AR Taygetis laches (Fabricius, 1793) S, C Am, Ma AR Yphthimoides affinis (Butler, 1867) C Ma BA, AR Yphthimoides sp. S, C Mo, Ma BA, AR Battus polydamas (Linnaeus, 1758) PAPILIONIDAE (4) Papilioninae (4) S, C Ma BA Heraclides astyalus (Godart, 1819) C BR BA Heraclides thoas brasiliensis (Rothschild & Jordan, 1906) C BR BA Parides sp. * C BR BA Anteos clorinde (Godart, 1824) PIERIDAE (11) Coliadinae (7) C BR, Ma BA Anteos menippe (Hübner, 1818) C Ma BA Eurema elathea (Cramer, 1777) C Ma, Mo BA Eurema nise (Cramer, 1775) S BR BA Phoebis argante (Fabricius, 1775) C BR, Ma BA Legenda: (S) Seca, (C) Chuvosa, (Am) Trilha Amolar, (Ma) Estrada Mandioré, (Mo) Trilha Morrinhos, Phoebis sennae (Linne, 1758) C BR, Ma BA (Sd) Sede da RPPN EEB, (BR) Margem do Rio Paraguai, (BA) Busca Ativa, (AR) Armadilhas de Pyrisitia nise tenella (Boisduval, 1836) C Ma BA Borboletas, [P] coletadas em pitfall trap (armadilhas de queda para coleta invertebrados epigéicos). * Ascia monuste (Linnaeus, 1764) Pierinae (4) C Am, Ma BA Espécies registradas em maio de 2007 na 2ª Expedição para o Plano de Manejo da RPPN EEB. Itaballia sp. C Mo BA Glutophrissa drusilla (Cramer, 1777) C Ma BA Melete lycimnia (Cramer, 1777)* C Ma BA Aricoris sp. RIODINIDAE (4) Riodininae (4) C Mo BA Lasaia agesilas (Latreille, 1809) * C Ma BA Descobrindo o Paraíso 158 Riodina lysippoides Berg, 1882 S BR BA Stalachtis phlegia (Cramer, 1765) C Am BA Com relação às subfamílias, Satyrinae (9 spp.) foi a mais rica, seguida de Coliadinae (7 spp.), Pyrginae (6 spp. cada), Biblidinae e Pierinae (5 spp. cada) (Figura 3). Quatro subfamílias foram representadas por uma única espécie: Pyrrhopyginae (Mysoria barcastus barta, Figura 4), Polyommatinae (Hemiargus hanno, Figura 5), Theclinae (Theclinae sp.) e Morphinae (Morpho helenor). % de espécies Subfamília 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Sa ty r Co inae lia din Py ae rg i Bi nae bli He din lic ae on iin a Pie e Ny rin m ph ae Pa alin pil ae ion Ri inae od i He nina sp e Lim erii n en ae iti d Ch ina ar e ax Ith inae Py om rrh iin a Po opy e lyo gi m nae m ati Th nae ec M lina or e ph ina e Família Subfamília Figura 3. Percentual da riqueza entre as subfamílias de borboletas (Papilionoidea e Hesperioidea) da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Figura 4. Mysoria barcastus barta fotografada às margens do Rio Paraguai, na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 159 Vinte e sete espécies foram registradas na estação seca, 43 na chuvosa e apenas oito espécies foram observadas em ambas as estações: Agraulis vanilla, Anartia jatrophae (Figura 6), Battus polydamas, Dryas iulia (Figura 7), Fountainea glycerium cratais, Hamadryas februa, Taygetis laches e Yphthimoides sp. (Tabela 1). A família Pieridae teve a maior parte de suas espécies (81%) registrada na estação chuvosa. O inverso ocorreu com Hesperiidae, com 80% das espécies registradas na seca. Dentre as espécies registradas, Hamadryas februa, Taygetis laches e Dryas iulia (Figura 7) foram, de modo geral, muito comuns na área. Eunica tatila, Hemiargus hanno (Figura 5) e Taygetis kerea foram abundantes durante a estação seca, enquanto Dryadula phaetusa e Zaretis itys foram numerosas na estação chuvosa. Figura 5. Hemiargus hanno registrada na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Figura 6. Anartia jatrophae registrada Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. 160 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 161 Figura 7. Dryas iulia, espécie abundante na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Figura 8. Aides duma duma em f lor de Bidens gardneri, na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Foto: Camila Aoki. Das áreas amostradas, a estrada Mandioré foi a que obteve maior número de registros (38 spp.), seguida da trilha Amolar (21 spp.), margem do rio Paraguai (17 spp.), entorno da sede e trilha Morrinhos (7 spp. cada). Nenhuma espécie foi registrada em todas as áreas, contudo, se o estudo for continuado, é provável que várias espécies ampliem sua área de registro dentro da RPPN EEB. Hemiargus hanno esteve presente em quatro dos pontos de coleta (exceção da trilha Amolar). Outras espécies amplamente distribuídas foram Adelpha iphicleola, Agraulis vanillae, Anartia jatrophae, Dryadula phaetusa, Dryas iulia e Zaretis itys, com três locais de registro. A busca ativa foi a metodologia que contribuiu com maior número de registros, 52 espécies. As armadilhas com isca foram responsáveis pela 162 Descobrindo o Paraíso captura de 20 espécies. A espécie Morpho helenor foi coletada apenas em armadilhas do tipo pitfall, utilizadas para captura de insetos de solo. Somente seis espécies foram registradas em flores: Dryas iulia, Yphthimoides affinis e Aides duma duma (Figura 8) em Bidens gardneri (Asteraceae); Aricoris sp. em Staëlia virgata (Rubiaceae); Anartia jatrophae em flores de Piriqueta australis (Turneraceae) e Aspilia latissima (Asteraceae); e Driadula phaetusa em flores de A. latissima. Grandes bandos de Phoebis argante, P. sennae, Anteos menippe (Figura 9a) e Dryas iulia (Figura 9b) se formaram na margem do rio Paraguai para se alimentar de sais. Além destas espécies, também foram registrados indivíduos de Mysoria barcastus barta (Figura 4), Lasaia agesilas (Figura 10a), Heraclides astyalus (capa), H. thoas brasiliensis (Figura 10b), Dryadula phaetusa e Zaretis itys, embora em número reduzido. a b Figura 9. Phoebis argante, P. sennae e Anteos menippe (a) e Dryasiulia (b) às margens do Rio Paraguai, na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/ MS. Fotos: Daniel De Granville | Photo in Natura. a b Figura 10. Lasaia agesilas e Heraclides thoas brasiliensis registradas na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá/MS. Fotos: Camila Aoki e Alessandra Bertassoni. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 163 Discussão O número de espécies de Papilionoidea e Hesperioidea registrado na RPPN EEB (62 spp.) é muito baixo se comparado a outros levantamentos realizados no Brasil, embora seja difícil fazer comparações, devido a diferenças na metodologia, área amostrada e tipo de habitat. Para áreas de Cerrado, os inventários facilmente ultrapassam 200 espécies (e.g. Motta, 2002 – 251 spp.; Pinheiro & Emery, 2006 – 507 spp.; Francini et al., 2011 – 538 spp.). Para o Pantanal, Brown Jr. (1984) registrou 745 espécies de Papilonoidea e 387 de Hesperioidea, listando 75,5% das espécies catalogadas para a RPPN EEB (considerando apenas as identificadas até o nível específico). Este autor não havia registrado para a região as seguintes espécies registradas neste levantamento: Adelpha iphicleola, Aides duma duma, Ascia monuste, Catonephele sabrina, Fountainea glycerium cratias, Glutophrissa drusilla, Morpho helenor, Pyrisitia nise tenella, Stalachtis phlegia, Euptoieta hegesia e Yphthimoides affinis. As duas últimas, entretanto, já possuíam registro para o Mato Grosso do Sul (Aoki & Sigrist, 2006). A maioria das demais espécies possui ocorrência em áreas de Cerrado (Motta, 2002; Emery et al., 2006; Mielke et al., 2008) e/ou Mata Atlântica (Mielke & Casagrande, 1997; Iserhard & Romanowski, 2004; Giovenardi et al., 2008; Francini et al., 2011). Para a região Neotropical, há um padrão de maior riqueza de Hesperiidae e Nymphalidae, seguido por Lycaenidae, Riodinidae, Pieridae e Papilionidae, as duas últimas com riqueza geralmente muito baixas (Brown Jr., 2005). No presente trabalho, além do baixo número de espécies, a maior representatividade de Nymphalidae indica que muitas outras espécies devem ser adicionadas à listagem com a continuidade do estudo, uma vez que, em inventários relativamente completos, Hesperiidae aparece como o grupo de borboletas mais representativo (Brown Jr. & Freitas, 2000; Mielke et al., 2010; Francini et al., 2011). Nymphalidae aparece como mais rica em estudos de curto prazo e com baixo esforço amostral, uma vez que é mais facilmente capturada e identificada (Mielke et al., 2010; Francini et al., 2011). Famílias como Hesperiidae, Lycaenidae e Riodinidae, as quais oferecem maiores dificuldades de amostragem, são normalmente subestimadas em estudos com duração inferior a um ou 164 Descobrindo o Paraíso dois anos (Mielke et al., 2010). Com relação às subfamílias, a predominância de Satyrinae foi um fato inesperado, pois Pyrginae é comumente a subfamília mais rica em levantamentos realizados em Cerrado (Motta, 2002; Pinheiro & Emery, 2006) e Floresta Amazônica (Mielke et al., 2010) e está entre as mais ricas no bioma Mata Atlântica (Francini et al., 2011). Juntamente com Hesperiinae, Theclinae, Riodininae e Biblidinae, esta família totaliza mais de 56% do total de espécies registradas nestas localidades. Nestes mesmos estudos, Satyrinae figurou como a quinta (Motta, 2002; Pinheiro & Emery, 2006; Mielke et al., 2010) ou nona (Francini et al., 2011) subfamília mais rica. No trabalho de Brown Jr. (1984), no Pantanal, Satyrinae contribuiu com 88 espécies (7,8% do total de espécies). As diferenças registradas entre as campanhas seca e chuvosa certamente necessitam de estudos mais aprofundados. Esta instabilidade da comunidade (com substituição de espécies ao longo do tempo) é típica de regiões com grandes perturbações naturais ou antrópicas, com acentuadas flutuações climáticas e na disponibilidade de recursos, como é o caso do Pantanal. Este ecossistema é fortemente sazonal, chegando à média de cinco meses de estação seca por ano e amplitude térmica anual de até 40°C (Brown Jr., 1984). Os períodos frios, bem como a duração da estiagem, são diferentes e imprevisíveis de ano em ano, resultando em fortes pressões sobre populações de plantas e animais (Brown Jr., 1984). Maior riqueza de espécies era esperada na estrada Mandioré e na trilha Amolar, uma vez que nestas áreas foram utilizadas, além da metodologia de busca ativa, armadilhas com iscas que permitem a captura de borboletas frugívoras. Na margem do rio Paraguai, a elevada riqueza registrada está certamente relacionada à disponibilidade de sais, uma fonte de recursos para as borboletas. Apesar de terem sido registradas poucas espécies em visitas às flores, as borboletas podem atuar como polinizadores de diversas espécies de plantas. Algumas espécies apresentam certa constância e fidelidade a determinadas plantas (Goulson & Cory, 1993; Goulson et al., 1997). Desta forma, atuam como potenciais polinizadores, promovendo e facilitando o fluxo gênico, processo essencial para o sucesso reprodutivo de algumas plantas, principalmente aquelas que só se reproduzem por fecundação cruzada (Fonseca et al., 2006). A investigação da importância deste grupo Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 165 na polinização de espécies nativas no Brasil tem sido negligenciada, estando restrita a estudos com uma ou poucas espécies de plantas (e.g. Vassarin & Sazima, 2000; Pansarin, 2003; Fonseca et al., 2006). Considerações Finais Ainda que incompleta, esta é uma tentativa de acessar parte dos componentes da diversidade de borboletas deste bioma/região, até então praticamente desconhecidos. Segundo Mares & Schmidly (1991), um dos fatores que dificultam a tomada de decisões para a conservação das regiões tropicais da América Latina é a falta de dados sobre a diversidade biológica. Baseado no número de inventários e levantamentos publicados, o Pantanal, juntamente com a Caatinga, é considerado o bioma brasileiro menos conhecido (Lewinsohn & Prado, 2002). Para manter a diversidade de borboletas, bem como de outros animais, plantas e suas interações, é essencial que a diversidade de ambientes seja preservada. Neste sentido, iniciativas como a do grupo EBX, de criação de áreas de preservação ambiental, são de extrema importância, tendo em vista que, devido aos inúmeros impactos que o Pantanal vem sofrendo, várias espécies podem chegar a ser extintas localmente sem nem mesmo terem sido catalogadas. Agradecimentos A Alessandra Bertassoni, Breno Franco Leonel, Valdilene Garcia, Viviane F. Moreira e Sebastião Rolon, pelo auxílio nas coletas; a Artur N. Furegatti, responsável pelo recebimento do material no Museu de Zoologia “Prof. Dr. Adão José Cardoso” e verificação das espécies; aos drs. André V. L. Freitas, Cristiano A. Iserhard, Lucas Kaminski e Olaf H. H. Mielke; e a Poliana Felix Araujo nossos agradecimentos especiais pela identificação das borboletas. Referências Aoki, C. & Sigrist, M.R. 2006. 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Este grupo apresenta um importante papel funcional dentro dos ecossistemas terrestres e é frequentemente escolhido para estudos de biodiversidade pelas inúmeras interações diretas ou indiretas com os outros organismos na comunidade. Apresenta uma alta diversidade alfa e beta e muitos táxons especializados; sua diversidade tem sido especialmente usada com o objetivo de entendermos o grau de perturbação ocasionado pelas constantes simplificações dos ecossistemas naturais. Neste inventário rápido da diversidade de formigas da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, realizado com técnicas específicas para se amostrar formigas, e com técnicas empregadas também para amostragem de insetos diversos, foram coletadas 120 espécies, distribuídas em 43 gêneros, inseridas em nove subfamílias, das 15 reconhecidas para a região Neotropical. Os gêneros mais ricos em espécies foram Pheidole (15 espécies), Camponotus (11) e Solenopsis (6), que são amplamente disseminados no Neotrópico. Gêneros pouco frequentes, como Amblyopone, Blepharidatta, Mycetosoritis e Myrmicocrypta, também foram amostrados. Na abordagem funcional da comunidade identificamos oito grupos funcionais: Cultivadoras de 172 Descobrindo o Paraíso fungos, Generalistas, Patrulheiras, Oportunistas, Predadoras, Crípticas, Coletoras de exudatos e Nômades. Introdução Todas as formigas compreendem uma única família, Formicidae, inserida na superfamília Vespoidea, pertencente à ordem Hymenoptera, com mais de 14.700 nomes de espécies válidos mundialmente (Bolton et al., 2011), com estimativas que ultrapassem 20.000 espécies. Atualmente são reconhecidas 26 subfamílias de Formicidae, diagnosticadas a partir de sinapomorfias potenciais. A região Neotropical abriga 15 destas, representadas por mais de 3.016 espécies válidas (Fernández & Sendoya, 2004; Agosti, 2005; Wilson & Hölldobler, 2005). A necessidade de conhecimento real da taxonomia para descrever e analisar a biodiversidade do grupo de estudo se faz necessária, pois a identificação correta possibilita estimativas confiáveis da riqueza e diversidade de espécies e a similaridade das áreas em questão pode ser avaliada (Demétrio, 2008). Pesquisas sobre biodiversidade de formigas em ecossistemas preservados têm recebido atenção especial dos pesquisadores devido ao grande número de processos ecológicos e comportamentais associados à dinâmica de suas populações na comunidade e seu papel efetivo no fluxo energético em ecossistemas terrestres, o que subsidia programas de conservação e avaliação de ecossistemas e estimativas confiáveis de riqueza de espécies dos grupos chamados “hiperdiversos” (Wilson, 2000; Delabie et al., 2000; Brandão et al., 2005; Silva et al., 2007). As formigas constituem um dos grupos de insetos mais importantes em florestas tropicais, por serem extremamente abundantes. Elas influenciam fortemente os ecossistemas, uma vez que são importantes na incorporação de nutrientes ao solo e na sua aeração, além de serem predadoras de outros organismos, regulando sua diversidade no ambiente (Hölldobler & Wilson, 1990). Apesar de ocuparem todos os extratos de um ambiente, muitos grupos mantêm relações estreitas com plantas, obtendo recursos como pólen e néctar floral e extrafloral e, na maioria das vezes, protegendo a planta hospedeira de outros herbívoros (Oliveira et al., 1987). A composição das espécies de formigas dentro das assembleias Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 173 é influenciada pela distribuição dos recursos a serem explorados e pelas estratégias utilizadas para a sua obtenção, desta forma compartilham o nicho ecológico com outros organismos (Silvestre, 2000). A mirmecofauna, em termos comparativos, é especialmente apropriada para ser usada como uma ferramenta bioindicadora (ecológica, ambiental, evolutiva e de diversidade), por apresentar abundância local relativamente alta, riqueza de espécies local (alfa diversidade) e regional (beta diversidade) altas, possuir muitos taxa especializados e apresentar sensibilidade às alterações do ambiente e à cobertura vegetal. Com frequência as formigas são escolhidas para estudos de biodiversidade com o objetivo de se compreender as perturbações ambientais ocasionadas pelas constantes simplificações dos ecossistemas naturais resultantes das ações humanas. Além disso, o táxon é amostrado a um custo relativamente baixo, com um protocolo previamente definido e, em geral, facilmente separado em morfo-espécies, o que torna eficientes os processos de realização de inventários rápidos de biodiversidade (Hölldobler & Wilson, 1990; Alonso, 2000). A elaboração de listas de espécies coletadas em áreas de tamanho conhecido deve ser construída baseada em um protocolo de amostragem que possa ser, em termos comparativos, aplicado em diversos tipos de ambiente onde o táxon ocorre. A acuidade e compleição dos inventários faunísticos colaboram para uma estimativa, ainda que imperfeita, do número de espécies presentes, desde que sejam seguidos critérios metodológicos claros e replicáveis (Bestelmeyer et al., 2000; Brandão et al., 2005). Para o Pantanal sul-mato-grossense há poucos estudos envolvendo a fauna de formigas, destacando-se os trabalhos de Corrêa et al. (2006), na região do Pantanal de Miranda, e o de Sant’Ana et al. (2008), na região do Miranda-Abobral. Baseado no número de inventários e levantamentos publicados, o Pantanal é considerado, juntamente com a Caatinga, o bioma brasileiro menos conhecido quanto à composição de espécies animais (Lewinsohn & Prado, 2002), e, segundo Ribas & Schoereder (2007), estudos sobre os processos determinantes da biodiversidade no Pantanal são urgentemente necessários. 174 Descobrindo o Paraíso Metodologia As coletas foram realizadas entre os dias 27 de julho e 02 de agosto de 2010 (período de seca) e entre os dias 25 de março e 04 de abril de 2011 (período de cheia), em três trilhas preexistentes na área da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista (RPPN EEB, S 18°05’25”, O 57°28’27”): estrada Mandioré, trilha Amolar e trilha Morrinhos. Foram utilizadas as seguintes técnicas de coleta: - Armadilhas do tipo pitfall: confeccionadas com recipientes plásticos de 12 cm de diâmetro e 9 cm de altura, com aproximadamente 200 ml de água e detergente, enterrados até o nível do solo. Foram instaladas 240 armadilhas na estrada Mandioré e 240 na trilha Amolar; estas permaneceram por 48 horas no campo. - Guarda-chuva entomológico: Uma estrutura de madeira em cruz coberta por um pano branco (1 m2) foi utilizada para auxiliar na coleta em arbustos e galhos de árvores. Essa armação foi colocada sob os galhos das árvores ou sob pequenos arbustos. Estes foram batidos com auxílio de um pedaço de madeira, a fim de que os animais caíssem sobre o pano. Cada amostra correspondeu a 20 arbustos ou galhos de árvores explorados em uma caminhada no interior da trilha. Foram realizadas 40 amostras na estrada Mandioré, 40 na trilha Amolar e 31 na trilha Morrinhos. - Rede de varredura: A coleta dos insetos foi realizada por meio de rede de varredura com diâmetro de 40 cm. O conjunto de 10 batidas na vegetação herbáceo-arbustiva correspondeu a uma amostra. Foram realizadas 40 amostras em cada trilha. - Iscas: Foram distribuídas no solo e na vegetação, ao longo de cada trilha, 50 iscas de mel ou sardinha por campanha (totalizando 300 iscas), as quais permaneceram no local por 40 minutos. - Extratores de mini-Winkler: As amostragens de serapilheira foram realizadas na estação chuvosa com a utilização do aparelho de Winkler, seguindo o protocolo A.L.L. (Ants of the Leaf Litter) descrito em Agosti & Alonso (2000). Foram extraídas 25 amostras de 1m2 de serapilheira em cada trilha. Para cada amostragem de 1m2, a serapilheira Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 175 foi recolhida, até a camada superficial do solo, e peneirada com peneira de malha grande do tipo para abanar café. O volume recolhido com cerca de 2 kg foi transferido para saquinhos de malha e dependurados dentro dos extratores. O material foi processado por um período de 24h. Após este período, o conteúdo do copo coletor foi despejado em bandejas brancas e foi feita a triagem. Os espécimes foram capturados com auxílio de lupas e pinças e transferidos para frascos de vidro com tampa dupla, contendo álcool 70% e com respectiva identificação da amostra. O material coletado, contemplando todas as técnicas descritas acima, foi montado em alfinete entomológico no03, utilizando triângulos plásticos transparentes. A identificação dos exemplares foi realizada no Laboratório de Ecologia de Hymenoptera da Universidade Federal da Grande Dourados (HECOLAB-UFGD). Material testemunho foi depositado na Coleção Biológica Didática RPPN EEB, Coleção Zoológica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e no Museu de Biodiversidade da Faculdade de Ciências Biológicas e Ambientais (Mubio/UFGD). A abordagem funcional da fauna foi feita baseando-se na classificação de Silvestre et al. (2003), Brandão et al. (2009) e Silva & Brandão (2010). As análises de diversidade foram realizadas com o software EstimateS, versão 8.2.0 (Colwell, 2006). de diversidade de Shannon-Wiener variou entre 1,79 e 1,87 nats/ind. Há um perfil de homogeneidade para as três localidades amostradas, o que representa alta diversidade alfa (Tabela 2). Tabela 1. Espécies de formigas registradas na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista. Resultados Foram coletadas 120 espécies de formigas (Tabela 1), distribuídas em 43 gêneros, inseridos em nove subfamílias, das 15 reconhecidas para a região Neotropical. Myrmicinae foi a subfamília mais rica (61 espécies), seguida de Dolichoderinae (18) e Formicinae (11). Os gêneros mais ricos foram Pheidole (15), Camponotus (11) e Solenopsis (6). Gêneros pouco frequentes como Amblyopone, Blepharidatta, Mycetosoritis e Myrmicocrypta também foram amostrados, indicando que o esforço amostral foi representativo, uma vez que são gêneros considerados raros. A figura 1 ilustra os tipos de formigas mais comumente observados na RPPN EEB. Os estimadores de riqueza Jackknife 2ª ordem e Chao 2 indicaram riqueza estimada de 145,6 e 140,5, respectivamente (Figura 2). O índice 176 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 177 A 178 Descobrindo o Paraíso B C D E F G H I Figura 1. Espécies de formigas registradas na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá-MS: (a) Solenopsis invicta, (b) Pachycondyla bucki, (c) Pachycondyla verenae, (d) Ectatomma brunneum, (e) Crematogaster curvispinosa, (f ) Camponotus cf. crispulus, (g) Camponotus crassus, (h) Cephalotes atratus, (i) Pseudomyrmex (gr. tenuis). Fotos: Camila Aoki. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 179 145.6 150 Cortadeiras: Enquadram-se nesta guilda espécies que são geralmente desfolhadoras e apresentam colônias grandes, com alto polimorfismo na divisão de castas, representadas pelos gêneros: Atta e Acromyrmex, comumente conhecidas como saúvas. Cultivadoras de fungos a partir de matéria orgânica em decomposição: Enquadram-se nesta guilda espécies que utilizam frutos, carcaças, fezes e material vegetal em decomposição, apresentam colônias pequenas e médias e castas monomórficas pertencentes aos gêneros Apterostigma, Cyphomyrmex, Myrmicocrypta, Mycetosoritis, Mycocepurus e Trachymyrmex (Figura 3). O gênero Blepharidatta pode ser considerado grupo irmão de Attini e seu comportamento de armazenar carcaças de insetos na entrada do ninho pode estar relacionado com a origem do cultivo de fungos por formigas (Diniz et al. 1998). 140.5 120 100 50 0 S(OBS) Jack-Knif e 2 Chao 2 Figura 2. Riqueza observada S(OBS), estimadores de riqueza Chao 2 e Jack-Knife 2 para o inventário realizado na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá-MS. Tabela 2. Métricas da diversidade de espécies para mirmecofauna amostrada na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, durante os períodos seco e chuvoso. Foram identificados oito grupos funcionais de Formicidae na RPPN EEB, baseados na forma de utilização dos recursos e nas características comportamentais mais frequentemente adotadas pelas espécies de formigas. Estas variáveis ecológicas incluem: tamanho do Indivíduo, tamanho da colônia, tipo preferencial de alimento, local de nidificação e estratégias de forrageamento e recrutamento. 01. Cultivadoras de fungos: Neste grupo estão as formigas da tribo Attini, que cultivam fungos, sendo possível sua separação em duas guildas: Figura 3. Entrada do ninho de Attini na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá-MS. Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura. 180 Descobrindo o Paraíso Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 181 02. Generalistas: Enquadram-se neste grupo espécies de tamanho pequeno que possuem colônias grandes e constroem ninhos em locais diversificados, patrulham o solo e a vegetação, são onívoras, agressivas e dominantes, apresentando recrutamento massivo. Inclui espécies dos gêneros Azteca, Crematogaster, Pheidole, Rogeria, Solenopsis e Wasmannia. 03. Oportunistas: Espécies que tem grande plasticidade comportamento, com hábitos generalistas e uma alta agilidade na exploração espacial, dos gêneros: Camponotus, Dorymyrmex, Linepithema, Nylanderia, Paratrechina 04. Predadoras: Este grupo funcional é muito diverso e geralmente inclui as formigas grandes com comportamento de forrageamento solitário e que apresentam recrutamento do tipo tandem running, ou seja, um recrutamento onde uma operária segue a outra tateando com as antenas, ocorre entre dois ou três indivíduos apenas, é diferente da marcação de trilha com feromônios. Também pode ser subdividido em guildas: Predadoras epigéicas grandes: Formigas grandes que caçam sobre o substrato, incluindo os gêneros Ectatomma, Odontomachus e Pachycondyla. Predadoras epigéicas médias: Formigas médias que caçam sobre o substrato, como Gnamptogenys e Pachycondyla buckii. Predadoras hipogéicas pequenas: Formigas pequenas que caçam sob a serapilheira, como Hypoponera. Predadoras com mandíbulas especializadas: Como Amblyopone e Anochetus. 05. Espécies crípticas: Nidificam na serapilheira, geralmente predam ovos de Collembola e larvas de pequenos insetos. Os gêneros característicos são Strumigenys e Octostruma. 06. Patrulheiras: Patrulham grandes áreas ao redor do ninho, coletando qualquer material que possa ser utilizado como alimento. Incluem espécies de Pseudomyrmex e Camponotus. 07. Coletoras de exudatos de tamanho grande: Formigas deste grupo funcional coletam líquidos açucarados; são capazes de “atender” (pastorear) pulgões e cochonilhas, coletando honey dew (secreções açucaradas); ou capazes de utilizar nectários de plantas. Inclui espécies de Dolichoderus e Camponotus, e Ectatomma tuberculatum, Pachycondyla verenae e Paraponera clavata. 08. Epigéicas nômades: Espécies da tribo Ecitonini (formigas de correição), que apresentam comportamento legionário, com colônias grandes, capazes de predar qualquer tipo de invertebrado, inclusive de invadir ninhos de cupins, abelhas e marimbondos. As espécies nômades podem ser dividas em guildas em relação à forma de forrageamento; hipogéica, como Neivamyrmex, e epigéica, como Eciton, Labidus e Nomamyrmex (Figura 4). 182 Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista Descobrindo o Paraíso Figura 4. Formigas de correição (Ecitonini) na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá-MS. Foto: Daniel De Granville | Photo in Natura. Breve caracterização das espécies mais frequentes registradas neste inventário Espécies do gênero Cephalotes, conhecidas como polinívoras, também alimenta-se de exudatos. Na foto da capa, observamos um comportamento incomum de Cephalotes atratus transportando um bicho-pau (Orthoptera: Proscopidae) em grupo. Esta espécie é dominante na RPPN EEB e nidifica na vegetação. A maioria das iscas de sardinha e 183 mel distribuídas na vegetação foi dominada por esta espécie. Espécies dominantes onívoras de solo, como Pheidole oxyops e Solenopsis invicta, possuem colônias grandes, com recrutamento massivo, são generalistas na dieta e competem agressivamente pelo recurso, afastando outras espécies da fonte de alimento. Formigas do gênero Camponotus (11 espécies encontradas na RPPN EEB) são dominantes em solo e vegetação, compondo um grupo diverso na região neotropical. Possuem hábitos diversificados e podem estar presentes em guildas distintas. Alimentam-se de líquidos adocicados, que são excretados por certos insetos sugadores de seiva (ex. pulgões) ou por nectários extraflorais, além de apresentarem hábitos necrófagos. Também verificamos a ocorrência de inúmeras colônias da tocandira Paraponera clavata (Figura 5), espécie sensível à perda de cobertura vegetal e integridade física do habitat, que frequentemente é observada na vegetação explorando nectários. Por ser grande e agressiva, pode ainda atuar como predadora, sendo amostrada também em iscas de sardinha. Seu ninho geralmente está no solo, na base de troncos grandes. Espécies dos gêneros Paratrechina, Nyrlanderia e Linepithema possuem hábitos de nidificação diversificados, explorando grandes áreas tanto em solo quanto na vegetação. Compreendem colônias grandes e recrutamento massivo. São favorecidas em situações ambientais estressantes, por apresentarem grande plasticidade comportamental. Espécies arbóreas, como Azteca alfari, Wasmannia auropunctata e Crematogaster curvispinosa, nidificam na vegetação, com atividade focal e recrutamento massivo; utilizam químicos repelentes nas interações interespecíficas e dominam a fonte alimentar, excluindo outras espécies; são onívoras e facilmente amostradas com iscas. Demonstram grande territorialidade na dominação do recurso alimentar, sendo ágeis e descendo ao solo quando detectam uma fonte de alimento. As espécies de Pseudomyrmex são predadoras e visitantes de nectários extraflorais e patrulham solitariamente grandes áreas ao redor do ninho. A maioria das espécies é diurna e se orienta pela visão. Evitam interações agressivas com outras espécies, mas são eficientes na obtenção do recurso antes da chegada das concorrentes. Algumas espécies são inquilinas obrigatórias de acácias (Acacia spp.) e outras leguminosas, o que confere alta especificidade de nicho e as torna suscetíveis a alterações no ambiente físico. A maioria das espécies amostradas é capaz de predar cupins e outros pequenos artrópodos de solo, vivos ou mortos. Ectatomma é um gênero de espécies predadoras, forrageadoras de solo e vegetação, podendo visitar nectários extraflorais, como observado em Ectatomma tuberculatum. São abundantes em áreas de vegetação aberta e algumas espécies apresentam turnos de atividade crepusculares. Ectatomma brunneum é amplamente distribuída na América do Sul e forrageia sempre no solo. Discussão Figura 5. Paraponera clavata se alimentando em nectários florais na Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista, Corumbá-MS. Foto: Camila Aoki. 184 Descobrindo o Paraíso A alta diversidade alfa e homogeneidade na frequência de ocorrência das espécies para as três localidades amostradas (trilha Amolar: 0,8741; trilha Morrinhos: 0,9061 e estrada Mandioré: 0,8642) indicam uma comunidade fechada, caracterizada pela particularidade insular da Serra do Amolar, onde as espécies da fauna de formigas são fortemente associadas. Aspectos Biológicos da Reserva Particular do Patrimônio Natural Engenheiro Eliezer Batista 185 Figuram como primeiro registro para o Pantanal as espécies Eciton hamatum (Ecitonini) – registrada do México ao Brasil Central e Bolívia – e Blepharidatta conops (Blepharidattini) – com registro para São Paulo e Goiás –, ambas com o status de relevante raridade e notória importância em estudos evolutivos e biogeográficos neotropicais. O fato de a subfamília Myrmicinae ter sido a mais rica neste levantamento reflete a diversidade geral deste grupo, sendo esta a subfamília mais rica em espécies no mundo (Lopes & Santos, 1996). Segundo Fowler et al. (1991), a predominância desta subfamília pode ser explicada por ser um grupo de formigas extremamente abundante e adaptável aos mais diversos nichos ecológicos na região Neotropical, sendo encontrados resultados semelhantes para Myrmecinae nos trabalhos de Corrêa et al. (2006) e Sant’Ana et al. (2008) para a região do Pantanal Sul, no estudo de Battirola et al. (2005) para a comunidade Considerações Finais Apesar de não termos amostrado toda a riqueza de formigas da Serra do Amolar, esta amostragem na RPPN EEB figura como a listagem mais extensa de formigas já apresentada para o Pantanal Sul, sendo a primeira para a sub-região do Paraguai, enriquecendo assim as informações disponíveis sobre a mirmecofauna do Pantanal. O refinamento na descrição das guildas de formigas pode ser uma ferramenta importante na identificação de padrões estruturais e funcionais da comunidade em ecossistemas terrestres. As guildas baseadas não apenas em uma espécie ou na fauna inteira, mas em agrupamentos de espécies com valências ecológicas similares, podem ser bons indicadores de condições adversas e do estado de recuperação do habitat após as queimadas, que são frequentes na região. de formigas nas copas de Attalea phalerata no Pantanal de Poconé e no Agradecimentos estudo de Marinho et al. (2002) para a área de Cerrado. Agradecemos ao Instituto Homem Pantaneiro pela iniciativa e logística; a Viviane F. Moreira, Alessandra Bertassoni, Stephanie Leal, Mara C. Teixeira, Nilson L. Xavier Filho, Fernanda Rabelo, Valdilene Garcia, Antônio R. da Silva, Ramão Feitosa, Sebastião Rolon, Sabrina Clink,Rodney Ribeiro Junior, Daiene H. L. Sousa e Breno F. Leonel pelo auxílio em campo e na triagem do material; a Gudryan J. Barônio e Ana Carolina V. Pires pelo auxílio na montagem dos exemplares. Pheidole como gênero mais rico também foi registrado por Corrêa et al. (2006) em capões no Pantanal. Segundo Wilson (1976), Camponotus, Pheidole e Crematogaster são predominantes em escala global, com elevada diversidade de espécies, adaptações e distribuição geográfica. A maioria das espécies de formigas neotropicais que forrageia em solo e vegetação possui síndromes generalistas (Silvestre & Brandão, 2000), no entanto existem grupos mais especializados que vivem em associação com plantas, como, por exemplo, alguns Dolichoderinae e Pseudomyrmecinae, que atuam na defesa contra herbívoros. É interessante notar que o conjunto ecológico-evolutivo para a maioria dos grupos funcionais de formigas que identificamos no presente estudo é composto por espécies de diferentes subfamílias ou gêneros, implicando que táxons diferentes, com histórias evolutivas diferentes, exploram recursos comuns por convergência. Para a Serra do Amolar, a estrutura funcional da comunidade de formigas é distribuída de forma não aleatória no espaço funcional de interesse (trófico e nichos temporais e espaciais). 186 Descobrindo o Paraíso Referências Bibliográficas Agosti, D. & Alonso, L.E. 2000. The ALL Protocol: a standard protocol for the collection of ground-dwelling ants. In: Agosti, D., Majer, J. D., Alonso, L. E., Schultz, T. R. (Eds.). Ants: Standard Methods for Measuring and Monitoring Biodiversity. Smithsonian Institution Press, Washington, DC, p. 204–206. Agosti, D. 2005. The last of its kinds? Nature 424: 727. Alonso, L.E. 2000. Ants as indicators of diversity. In: Agosti, D., Majer, J. D., Alonso, L. E. & Schultz, T.R. (Eds.). Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity. Smithsonian Institution Press, Washington, DC, p. 80-88. 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