de Rubén Vela

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de Rubén Vela
I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e
X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória
21 a 23 de Setembro de 2011
UNIOESTE – Cascavel/PR
Expressão Estética, Emoção e Reflexão Filosófica em
Poemas Australes (1966) de Rubén Vela
VIEIRA, Denise Scolari1
RESUMO: No corpus da literatura hispano-americana há estruturas privilegiadas pela pluralidade
cultural que trazem a necessidade do estudo comparatista entre arte, história, política, etnografia e
filosofia, a fim de esboçar uma resposta a perguntas sempre abertas sobre a identidade cultural. Rubén
Vela nasceu na cidade de Santa Fe, Argentina, em 1928 e participou do prestigioso movimento
literário representado pela revista Poesía Buenos Aires dirigido por Raúl Gustavo Aguirre (1927-1983)
Rubén Vela elabora versos sobrepondo fantasia e inteligência, porque conhece e repete as avaliações
de sua geração ao realizar esboços de insólita técnica expressiva entrelaçada à reflexão sobre a arte
poética. Deliberadamente escuta a música ressonante dos ecos do passado, impulso subterrâneo e
argumento pelos quais o poeta associa mitos desagregados à mentalidade contemporânea, ao deslocarse entre a obscuridade e a claridade, o conteúdo artístico de sua poesia surge constituído através de
uma expressividade sustentada pela reconciliação entre as forças cerebrais e imaginativas. Estudá-lo
significa conhecer microuniversos imaginários com princípios próprios de intervenção, uma espécie de
relato que mescla recordações frutos da experiência cotidiana, mas também, o alimento da
expressividade imaginativa, como resultado de relações extremamente complexas entre o ser humano
e o seu entorno cultural.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Argentina; Rubén Vela; Memória; Historia Cultural; Mito.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As proposições estéticas do escritor argentino Rubén Vela evidenciam o vocabulário, a
musicalidade e as fontes capazes de expor frente a frente a modernidade e o mundo antigo,
nessa insurgência criativa que funde finito/infinito, visível/invisível pelo desejo de
sublimação diante da múltipla complexidade da experiência humana.
Sua poesia dirige-se a uma conjunção do ser no conhecimento sensorial do mundo, há
um ímpeto amoroso pelo qual homem e poeta apresentam-se frente à materialidade imediata
das coisas marcados por uma entrega alegre, regida pela glorificação da vida, pelo lúdico
movimento das imagens e pelo domínio da linguagem em sua força expressiva ao mesmo
tempo dramática e contundente, mas acima de tudo preocupada pelo cultivo da perfeição
formal, característica central dos poetas da chamada “geração de 50”. Nota-se uma sofisticada
estratégia acumuladora de simultaneidades ordenadas pela elevada emoção e pela reflexão
filosófica, coincidentes com uma expressão poética sintética e precisa.
O MOVIMENTO “POESIA BUENOS AIRES”
1
Professora do Colegiado de Letras Campus de Marechal Cândido Rondon. Doutoranda do Programa de PósGraduação em Letras e Linguística da UFBA-UNIOESTE, sob orientação do Prof. Dr. Décio Torres Cruz.
ISSN 2175-943X
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Rubén Vela nasceu na cidade de Santa Fe, Argentina, em 1928 e participou do
prestigioso movimento literário representado pela revista Poesía Buenos Aires dirigido por
Raúl Gustavo Aguirre (1927-1983) “que tentou superar esse irracionalismo para alcançar
nova revalorização da razão, com uma poesia cerebral, libertando-se da retórica tradicional e
mantendo a importância dos elementos inventivos do poema” (JOZEF, 1990, p.20).
O autor elabora versos sobrepondo fantasia e inteligência porque conhece e repete as
avaliações de sua geração ao realizar esboços de insólita técnica expressiva entrelaçada à
reflexão sobre a arte poética.
Deliberadamente escuta a música ressonante dos ecos do passado, impulso subterrâneo e
argumento pelos quais associa mitos desagregados à mentalidade contemporânea, ao deslocarse entre a obscuridade e a claridade; o conteúdo artístico de sua poesia surge constituído
através de uma expressividade sustentada pela reconciliação entre as forças cerebrais e
imaginativas.
Constroem-se réplicas poéticas do mundo real pelo desejo de afastamento dos
sentimentos usuais. Leia-se
DEFINICIÓN
América sin el Arco del Triunfo.
América sin el David de Miguel Ángel.
América sin la Venus de Ampurias.
Nueva e intacta América
que ignoraba la locura de Paolo Uccello.
Porque cuando digo América
digo la América que cantó Pablo Neruda,
que cantó el cholo Vallejo,
que cantó Huidobro como un nuevo maldito.
Que cantaron los hombres
del tabaco y de la hechicería.
(VELA, 2005, p.9).
A vontade de transformar a poesia em um quadro autônomo explicitada na obra dos
escritores modernos instaurou uma maior liberdade dos condicionamentos formais e mudou o
compasso do verso, o léxico próprio sancionado pelo fascínio da tentativa de criar ou elucidar
a existência trouxe matizes filosóficas para alimentar a palavra, uma espécie de condição para
sobreviver ao aniquilamento.
Nesse sentido, a poesia aproxima-se do labirinto fantástico da filosofia para retomar a
reflexão sobre a linguagem que se aplica à ordem das coisas.
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Nesse esforço a construção poética funde planos distintos e restitui à imaginação seu
poder criador; Paul Ricouer alude à Bachelard ao mencionar referências à imagem poética:
É o símbolo que exprime nossa experiência fundamental e nossa situação no
ser. È ele que nos reintroduz no estado nascente da linguagem. O ser se dá
ao homem mediante as seqüências simbólicas, de tal forma que toda visão
do ser, toda existência com relação ao ser já é uma hermenêutica
(RICOUER, 1988, p.3).
Portanto, os procedimentos de estranhamento anunciados pelo nível sintático-semântico
aportam o conflito entre a denotação e a conotação, corroem a simetria para indicar a crise de
valores, a angústia existencial e que somente são compreendidos em torno de elementos
subjetivos que são organizados a partir de percepções de tendência objetiva, essa operação
aparentemente indisciplinada com sutis variações necessita ser impulsionada pela imaginação
poética que, segundo Ana Maria Lisboa de Mello, não se basta a si mesma:
Uma imagem é simbólica na medida em que constitui a melhor formulação
possível de uma realidade ausente ou difícil de expressar. Nesse sentido, na
imagem não é relevante o princípio da analogia, como no signo, mas o
princípio de identidade com a realidade ausente (MELLO, 2002, p.96).
Surge uma poética estruturada sobre uma base que busca o sentido da realidade
circundante, que mescla exuberância mística e presença física para falar de questionamentos
críticos sobre o projeto social de um tempo agônico. Leia-se:
AMÉRICA
“Esto es América”, me decían,
mostrándome las altas cordilleras,
el suicidio del sol sobre los trópicos,
los grandes ríos furiosos.
Sólo vi pies descalzos,
criaturas americanas
sobre el hambre y el frío
como frutos desnudos.
“Esto es América”. Sobre las tierras
indias del centro y del sur
vi desolación. Y, al borde,
las grandes ciudades opulentas, sólo
al borde …
(VELA, 2005, p. 10).
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Importante perceber a consistente expressão plástica do espaço americano, do objetocidade, o sujeito lírico ao dramatizar a paisagem, dramatiza a si mesmo, através da indagação
de um jogo de intensa auscultação interior de representação exterior, sente-se a presença de
um olhar atento, solidário que vê a exaustão dos povos explorados e que sedento de paz e
justiça alinha-se a todos os homens subterrâneos; ao tocar o intocável vê o invisível,
decompõe limites, desfaz arbitrariedades e solta a irreverência para transformar o ver, o olhar,
o ouvir e o expressar em outras condições, carregadas que se tornam dessa necessidade de
criar e potencializar estratégias próprias de intervenção.
É o olhar para trás, o olhar da memória, da arte e o olhar crítico sobre si mesmo. Atentese:
AMÉRICA
El viento de la noche, para quien el hombre es un
desconocido; su furiosa soledad sin medidas.
¿Cómo eras, patria de mi patria, antes de llamarte
América?
(VELA, 2005, p. 11).
São versos que absorvem o espírito do jogo imaginativo, ao manipular certas imagens, e,
que do mesmo modo, ordenam-se e injetam mistério a fim de ampliar o texto como espaço de
coexistências, alargando a fronteira da linguagem. Em conformidade com os impulsos
circunstanciais, o plano criativo submete-se a uma nova arquitetura, sente suas linhas de
força, abstrai os limites de sua história e marcha em direção à paisagem conhecida, mas que
agora é mostrada nessa relação enigmática entre passado e presente, incorporando uma
revisitação à memória americana como se pode ver em:
MIENTRAS CANTA EL PÁJARO DE LA NOCHE
I
Ella es América, un mutilado nombre,
un cuerpo llagado y su cansancio.
¿Y qué te creías que era el Nuevo Mundo,
y qué te creías que era esta canción?
Pero nuestra fe es más grande
(VELA, 2006, p.198).
Há uma espécie de configuração analítica que se desdobra pelo olhar plástico marcado
pela densidade do sentimento e da instrução estática, um verdadeiro labirinto, mas que mostra
rapidamente a direção da consonância da sensibilidade múltipla e da medida precisa.
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Rubén Vela ao publicar Mientras canta el pájaro de la noche apresenta a nítida
materialização dos sentimentos captados nas imagens imediatas, pulsa no texto a consciência
viva de romper limites, a palavra pode ser capaz de montar as imagens do mundo; o olhar
transfigura-se poeticamente no Outro.
Sua poesia anuncia um espírito observador dos mistérios da vida e do homem de todos
os tempos e lugares; pode-se dizer que a transmutação de valores engendrada no sentimento
coletivo – fortificado a partir do séc. XIX – mostra uma organicidade para a análise dos
contornos correntemente utilizados pelos escritores; tal perspectiva amplamente disseminada
elabora uma socialidade que é visivelmente, princípio de estilo, isto é, prevalência de
expressão convertida em tipologia, ou seja, a insurreição dos escritores da modernidade em
sua capacidade crítica e autocrítica conseguiu evidenciar um tipo de estética, uma maneira de
sentir e de experimentar em comum.
O espírito de renovação da escritura artística, concebido como possibilidade crítica,
trouxe à poesia uma base sensorial reveladora do mundo das sensibilidades integradas,
permitiu a aceitação do poema como “objeto feito da linguagem, dos ritmos, das crenças e das
obsessões deste ou daquele poeta, desta ou daquela sociedade” (PAZ, 1984, p. 11). E, mesmo
diante do desafio apresentado pelas diferenças entre as línguas e as culturas ocidentais, parece
que a poesia moderna é esboçada em sua tessitura linguística, em seus fundamentos, pulsões
critérios e que são suscetíveis à investigação.
Também Rubén Vela demonstra a assimilação ao Surrealismo, tão presente na criação
literária latino-americana, e acentua uma expressão típica, comenta Julio César Forcat:
En dos de los representantes más conspicuos del movimiento Poesía Buenos
Aires, Vela y Aguirre, se expresa un surrealismo dialéctico en el cual lo real
se halla entrelazado con lo irreal, lo racional con lo irracional, lo terrenal
con lo sobrenatural. La idea de la participación simultánea en dos mundos,
uno sensible, representable de modo naturalista, y otro visionario, al que se
alude con medios sensibles, conduce a la concepción de un arte que es a la
vez realista y suprarrealista, es decir, „surrealista‟ (FORCAT, 1996,p.3).
Nesse sentido, confirma-se o pressuposto básico dessa geração – a liberdade de criar
contra toda submissão a padrões – forma literária que designa um mundo em transformação e,
no contexto cultural em que os surrealistas atuavam, a estratégia mais efetiva disponível era
falar a partir do ponto do irracional, tentar falar da loucura a partir do lugar da própria
loucura, não da razão (FER, 1998, p.176).
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Reivindica-se o direito à surpresa, a rejeição de certezas, a impossibilidade de síntese
definitiva, curiosa dialética que no plano da obra engendra as perspectivas mais vivas do
processo histórico habitual para o autor, portanto, se estabelece “la inseparabilidad de
experiencia y visión, de conocimiento e intuición, de contenidos psicológicos racionales e
irracionales” (FORCAT, 1996, p.3). Leia-se:
MIENTRAS CANTA EL PÁJARO DE LA NOCHE
IX
Seré una piedra.
Seré el rostro de esa piedra.
Seré la memoria de esa piedra.
Seré la esperanza de esa piedra.
Seré la inicial de un dios.
Seré el relámpago de un dios.
Seré la sonrisa de una pampa abierta.
Seré la hoja de un maíz, seré su flor y su fruto.
Seré el cansancio de un hombre americano.
Seré su sed y su alegría.
Seré un día eterno y memorable.
Seré también América.
(VELA, 2006, p.206).
Nesse fragmento, a organicidade das imagens do sistema simbólico prolifera, mas no
plano sintático-semântico há uma maneira de compor que parece responder a esse paralelismo
expresso pelo verbo Seré, conectado com dois planos temporais, produz-se um instante
complexo,
marcado
pela
relação
paradoxal
entre
os
elementos:
piedra/rostro/memoria/esperanza;/hombre/ dios/esperanza; sonrisa/pampa; día eterno.
Aqui a descrição das coisas é pictórica, há um refinamento na apresentação das
sensações cultivam-se sutilezas, conecta-se a uma lógica mítica que “segundo Mielietinski,
vale-se de oposições binárias de natureza sensória, que revelam a distinção de discretos sinais
opostos no ambiente e a superação da idéia de „continuidade‟ na percepção” (MELLO, 2002,
p.34).
O sujeito lírico sacraliza as funções vitais, a morada humana é construída
ritualisticamente, há uma relação religiosa com a Natureza, com os utensílios, consagra-se a
vida humana (ELIADE, 1992, p.17). A viabilidade dessa perspectiva surge a partir da
aceitação dos esquemas teóricos de autores como Jung, Bachelard e Durand, entre outros,
porque deslocam a imaginação simbólica para o fundamento da arte e suas formas históricas.
Pode-se ler outro fragmento de Canta el Pájaro de la Noche:
VIII
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Canta, pájaro de la noche, que
soy inmortal.
Que tengo una sola muerte y luego
no moriré jamás.
Viviré en la eternidad de América.
(VELA, 2006, p.205).
No movimento semântico das imagens há uma motivação compensatória que e o desejo
de vitória sobre o destino e a queda, o pássaro parece ter o sentido da mensagem vinda do
alto, indicativo da energia primordial, elemento aéreo, sopro, palavra, trazendo a
correspondência do Regime Diurno das Estruturas do Imaginário (DURAND, 2001),
anunciador de um raciocínio filosófico espiritualista; é o pensamento „contra‟ as trevas, a
animalidade, o desaparecimento, ou seja, contra Cronos, o tempo mortal (DURAND, 2001,
p.181). Observe-se que “o culto da Grande Mãe e a sua referência filosófica oscila entre um
simbolismo aquático e um simbolismo telúrico, atente-se:
AMÉRICA
Con la piedra fijé el nombre de mi raza.
Lo salvé de la segunda muerte, del olvido.
Con la piedra hice el falo funerario, su arrogancia y su orgullo.
Esta es la piedra viva que fecunda los campos y las mujeres.
Esta es la piedra hembra, esta es la piedra macho,
donde frotan su vientre los recién casados.
Es la piedra de lluvias.
El alma de mis muertos.
(VELA, 2006, p. 167).
Segundo Gilbert Durand (2001) “as águas encontrar-se-iam no princípio e no fim dos
acontecimentos cósmicos; a terra estaria na origem e no fim de qualquer vida‟; então as águas
seriam as mães do mundo e a terra seria a mãe dos seres vivos e do homem”. O sujeito lírico
apresenta o continente americano comparado a uma mulher com quem se engendram os filhos
para o futuro; “o eterno feminino e o sentimento da Natureza caminham lado a lado em
literatura (DURAND, 2001); opera-se a prevalência do imagismo, anula-se o tempo objetivo,
institui-se uma nova simultaneidade.
Imagens evanescentes, mas que permitem a recomposição do sentido da Alteridade,
porque o Outro se torna indispensável para a consciência do Eu; a confrontação advinda desse
contato revela contradições em disputa, imagens da experiência de estar no mundo. A
linguagem simbólica oferecerá um possível ponto de partida para que a significação esteja
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presente e possa concretizar a sintonia entre corpo, linguagem e poesia. Rumo possível
somente a partir do fim do séc. XIX quando a obra além de objeto de contemplação passa a
formular-se como experiência estética, como visão e sentimento da realidade: “o artista busca
transformar o mundo e as condições de existência do homem. É o começo da arte moderna”
(GONZÁLEZ, 1990, p.128, tradução nossa).
Percepções e imagens trazem ao instante único a fusão entre o inconsciente histórico,
coletivo e a interioridade do eu lírico através da linguagem; a palavra em seu impulso criador
lhes dá voz e propõe uma referencialidade material, quando terrestre descobre uma
substancialidade, um espaço, uma demarcação e “validar a posse do território equivale a uma
cosmogonia”, porque tudo o que não é o “nosso mundo não é um mundo ainda” (ELIADE,
1992, p.29).
Ao consagrar-se um lugar, reitera-se a obra exemplar dos deuses. Leia-se:
AMOR AMERICANO
Si por acaso
algún día olvido la palabra,
Si por acaso
-digola palabra me olvida
me volcaré a la tierra,
me llenaré las manos
con barro nutritivo,
con profundas memorias vegetales,
con raíces de pan.
Ya casi arcilla,
ya casi material para alfarero,
ya casi sangre nueva,
savia
que llega del centro de la tierra,
de la desnuda roca del origen.
Un hombre elemental
en agua, tierra y fuego convertido.
Y en el aire, el poema.
(VELA, 2005, p.30).
Como se pode depreender, as palavras no poema apresentam uma força emotiva, os
quatro elementos surgem enquanto projeção, plenitude, fusão e inspiram o estudo das imagens
poéticas, análise esta que deve “ajudar a passar da psicologia do devaneio literário, estranho
devaneio que se escreve que se coordena ao ser escrito, que ultrapassa sistematicamente seu
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sonho inicial, mas que ainda assim permanece fiel a realidades oníricas elementares”
(BACHELARD, 1997, p.20).
Trata-se de uma espécie de relato que mescla recordações frutos da experiência
cotidiana, mas também se observa nos poemas o alimento da expressividade imaginativa,
como resultado de relações extremamente complexas entre o ser humano e o seu entorno
cultural; surge uma aliança que renasce a cada momento de leitura, com força, com
valorização das imagens, suprimindo temporalidades, subvertendo o real ao mesmo tempo em
que se vale dele; explicita-se a defesa da arte como forma de transcendência, ressalta-se a
tensão, no verso, entre o cotidiano e a ampliação da consciência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Revelar a disposição da forma intelectual com a liberdade da percepção pessoal traz
uma topologia do sentido, valor de orientação e de organização assentado na arquitetura do
poema, ou seja, os sentimentos são transladados para a materialidade do verso, anunciando a
representação da profundidade; destacam-se nesse jogo subjetivo as apreensões do
desconhecido manifestas sub-repticiamente no espetáculo exibido pelas formas imagéticas
que cada poema oferece.
Confirma-se a instância da arte do jogo habilmente demonstrada pelo poeta, a criação
regrada da linguagem não se perde na alogicidade da forma livre, ao contrário, “o vôo
criativo” ganha nova condição a cada “lance de dados” e nas mãos do leitor desvendam-se
mistérios, rememorados a cada momento de aproximação.
Percepções e imagens num instante único realizam a fusão entre o inconsciente
histórico, coletivo e a interioridade do poeta através da linguagem. O acesso a essa
transfiguração será possível ao leitor pela subjetividade poética que a paisagem oferecerá,
uma vez que as imagens têm uma significação.
Rubén Vela reabilita o momento cultural de um grupo razoável de autores e
pesquisadores, evoca possibilidades de percurso seguindo itinerários que fundem a visão
objetiva com o mundo subjetivo, em busca de outra dimensão da realidade; focaliza entre
outras coisas, a inquietação criadora e sua conexão com a época literária em que vive.
Ao reconhecer uma orientação estilística afastada da escritura puramente descritiva,
passa a voltar-se às temáticas universais numa nova arquitetura do verso capaz de intensificar
a força onírica transformadora do cotidiano; assim supera a tendência tradicional e mergulha
no mundo em processo, isto é, modela sua poesia com as composições alegóricas de uma
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época angustiada, fala dos conflitos individuais em torno de conceitos e interpretações
artísticas anunciadores da condição humana e sua circunstância.
Desta forma, registra e apresenta um espírito crítico e interpretativo do mundo, e
também atua no campo de debates sobre a arte contemporânea, formalizada em distintos
grupos da nova geração de intelectuais latino-americanos em seu desejo de propagar novas
práticas artísticas. Maria Lúcia Bastos Kern explicita que:
A discussão dos intelectuais e artistas a respeito do nacionalismo,
cosmopolitismo, arte pura e de arte com fins sociais norteou a modernidade
argentina até a metade do séc. XX, sendo assim recorrente revestida de
intenções ideológicas, utopias e interferindo no campo de arte. A
pluralidade de projetos estéticos, de artistas e críticos de arte, presentes na
década de 30, demonstra o conflito simbólico no interior do campo de arte e
as dificuldades enfrentadas pelos artistas mais independentes para serem
aceitos pelas Instâncias oficiais, pelo público e pela crítica de arte (KERN,
2006, p.146).
Assim, a caracterização das novas tendências constitui um fenômeno complexo,
contudo, nessa amplitude das novas definições, ocorre a expansão de uma vertente da lírica
como defesa contra a vida habitual. Seus investimentos incidem na afirmação do poeta como
homem divinatório, como mago das palavras, aquele que submete a linguagem à formação de
uma aliança entre obscuridade e incoerência; responde, induz , estimula a voz da diferença e
da rebeldia, opções que levarão o artista da sociedade moderna ao exílio voluntário e à
solidão; de um lado “o poema funda a sociedade e lhe dá um rosto e uma transcendência, de
outro, revela a tensão e o antagonismo com a sociedade” (GONZÁLEZ, 1990, p.199, tradução
nossa).
Nessa confluência de dois pólos pelos quais se move a poesia moderna, a afirmação de
valores mágicos e sua vocação revolucionária é que o poeta assumirá uma nova perspectiva,
continuará falando no sentido do sagrado, entretanto, se dirigirá não à sociedade, mas ao
coração do homem (1990, p.204).
Rubén Vela ocupa esse lugar privilegiado na geografia literária latino-americana,
peregrino do mundo, materializou em verso e prosa a América em sua pré-história e em seu
destino; fala de contornos, introspecções e belezas do Antigo Mundo e convida
obstinadamente o leitor a segui-lo em busca do jogo ontológico de decifrar o Outro e a Si
mesmo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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