Viagem das coisas e das ideias - PPHIST

Transcrição

Viagem das coisas e das ideias - PPHIST
Universidade Federal do Pará
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia
Mábia Aline Freitas Sales
Viagem das coisas e das ideias:
O movimento das embarcações e produtos estrangeiros nos meados da Belém
oitocentista.
Belém
2012
Mábia Aline Freitas Sales
Viagem das coisas e das ideias:
O movimento das embarcações e produtos estrangeiros nos meados da Belém
Oitocentista.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em História Social da
Amazônia, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade
Federal do Pará para obtenção do grau de
mestre em História Social da Amazônia.
Linha de Pesquisa: Trabalho, Cultura e
Etnicidade.
Orientador: Prof. Dr. William Gaia Farias
Co-orientadora: Prof. Dra. Leila Mourão
Banca Examinadora
_______________________________
William Gaia Farias - Orientador
Universidade Federal do Pará (UFPA)
_______________________________
Leila Mourão - Co-orientadora
Universidade Federal do Pará (UFPA)
_______________________________
Cristina Donza Cancela - Membro
Universidade Federal do Pará (UFPA)
_______________________________
Carlos Gabriel Guimarães - Membro
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Belém
2012
2
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
Sales, Mábia Aline Freitas
Viagem das coisas e das ideias: o movimento das embarcações e produtos
estrangeiros nos meados da Belém Oitocentista / Mábia Aline Freitas Sales - 2012.
Orientador: William Gaia Farias / Co-orientadora: Leila Mourão
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia,
Belém, 2012.
1. Pará - História, 1840-1870. 2. Importação. 3. Bens de consumo. 4. Pará Comércio - Europa. 5. Pará - Comércio - Estados Unidos. I. Título.
CDD - 22. ed. 981.15
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Antonio e
Fátima Freitas e ao Reginaldo Sales, meu
marido.
4
AGRADECIMETOS
A pesquisa acadêmica exige esforço, determinação, mas também depende de
subsídios fundamentais, apoio técnico, financeiro e, sobretudo emocional. Para a realização
desta pesquisa e elaboração da dissertação tive a minha disposição sujeitos que passaram a
compor a minha história. Alguns mais, outros menos, mas todos essenciais. Na trajetória de
construção deste trabalho conheci pessoas que marcaram minha trajetória estudantil e
profissional e outras que entraram para o rol de amigos achegados.
Em todos os arquivos que visitei, contei com a disponibilidade de vários servidores.
No Grêmio Literário Português contei com o incansável auxílio da Dona Nazaré, funcionária
incansável na contribuição com esta pesquisa, na busca de localização de documentos novos
aos meus olhos ansiosos por novos horizontes. No Arquivo Público do Estado do Pará sou
grata a todos os funcionários que auxiliam na procura dos documentos dos quais precisei
cotidianamente. Também gostaria de enfatizar a ajuda de Leonardo Torii, historiador do
arquivo, que algumas vezes deixou suas funções nos bastidores da instituição para me orientar
sobre alguns detalhes importantes acerca de fontes necessárias.
Aos bolsistas do Centro de Memória da Amazônia, que não tenho nem palavras para
descrever o tamanho da boa vontade de cada um deles. Em todas as manhãs e tardes em que
estive lá, fui muito bem auxiliada por todos que tem como maior característica o
profissionalismo que já os perseguem desde a graduação. Como geralmente as boas
qualidades decorrem da influência de um grande mestre, agradeço ainda que indiretamente ao
professor do Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia e diretor do Centro
de Memória, Antonio Otaviano Vieira Junior que ao que parece orienta devidamente os
bolsistas daquele centro de pesquisa.
A Lílian Lopes, secretária do Programa de Pós graduação que sempre me recebeu
atenciosamente, apta a resolver questões referentes ao curso, sempre com uma educação
apreciável.
Ao professor Maurício Costa que em sua disciplina me fez perceber que o caminho
da pesquisa que eu estava percorrendo poderia ser interessante. As professoras Mágda Ricci e
Nazaré Sarges que me fizeram pensar em questões importantes tanto teóricas, quanto práticas
para o desenvolvimento da pesquisa. Ao professor Didier Lahon pelas indagações constantes
e pertinentes.
A professora Cristina Donza Cancela pelas indicações bibliográficas, contribuições e
sugestões durante o exame de qualificação, sobretudo para a construção do terceiro capítulo
5
que ainda estava por ser construído, o que me fez transformar uma ideia em algo mais
concreto.
A professora Leila Mourão, que me orientou em meu trabalho de conclusão durante a
graduação, com quem tenho mais do que uma relação entre professor e aluna, por quem tenho
verdadeira afeição, por seu profissionalismo e sua dedicação durante a construção dessa
pesquisa. Se pudesse devolveria toda atenção realizando suas maiores aspirações. Como
penso que um de seus maiores desejos é ver emergir novas pesquisas sobre história da
Amazônia, pretendi dar minha acanhada coparticipação.
Ao professor William Gaia Farias, com quem tive meus primeiros contatos também
durante a graduação. Tivemos uma experiência compartilhada desde o início da pesquisa e foi
dos melhores incentivadores, embora soubesse que estava desafiando campos novos de
investigação. Diria que é um bom parceiro de trabalho, de quem recebi constantes incentivos
e contribuições fundamentais e com quem pude afunilar relações de trabalho e de aprendizado
constantes.
A Wânia Alexandrino Viana, minha amiga de graduação, a quem tive o prazer de
recebê-la em casa para almoços embalados por um bom açaí e o que mais tivesse, enquanto
conversávamos sobre velhos e novos tempos de nossa vida acadêmica. Minha gratidão não se
deve apenas a excelente companhia, mas também ao fato de ter me ensinado a usar Microsoft
Access, o que muito me ajudou na construção de bancos de dados e na organização das
informações da pesquisa.
Ao Walter Pinto, amigo que fiz durante o mestrado, que com sua experiência me fez
boas indicações de leitura para a minha pesquisa. Além disso, a sua enorme gentileza de me
emprestar seus livros, entre eles muito clássicos que não era tão fácil adquiri-los, me motivou
a continuar este trabalho.
Ao meu colega de mestrado Helder Bruno, com quem tive boa proximidade e
frutíferas conversas sobre o trabalho com inventários. Nunca vou esquecer sua
disponibilidade em me acompanhar ao arquivo a fim de me dá boas dicas de pesquisa. O
minicurso que ministramos juntos também me fez pensar em questões proeminentes para a
construção de ideias.
Ao Daniel Barroso pelas muitos toques que se originaram da sua experiência com a
demografia histórica, e que me auxiliaram na construção dos elementos estatísticos da
pesquisa. Nossa conversas nos intervalos das disciplinas, na fila da xerox no bloco A, no
encontro em eventos me ajudaram a organizar dados e perceber a importância das tabelas para
6
a apresentação dos dados e melhoria para o entendimento do texto. Nunca lhe falei isso, mas
quero que saiba que aprendi algumas coisas em nossos diálogos.
A Helaine Martins, outra amiga de graduação, que mesmo tendo optado por lecionar
e fazer uma boa poupança, a fazer o mestrado, sempre me incentivou a continuar estudando,
processo de incentivo este que começou desde a inscrição na seleção do mestrado até a
conclusão deste trabalho. Amiga, nunca vou esquecer-me de seu auxílio técnico quando me
encontrava em situação difícil.
Por último, mas não menos importante, agradeço profundamente a minha família,
que sempre confiaram em meus talentos estudantis e sonharam que eu poderia ir além. Espero
agora está completando mais uma fase desse desejo coletivo. Em especial a meus pais
Antonio e Fátima, que desde a minha meninice desejaram que eu pudesse realizar sonhos que
suas parcas condições materiais não lhes permitiram realizar. Foi esse sonho, que os fizeram
suportar ficarem longe de mim desde os nove anos de idade para que eu pudesse ter acesso a
uma escola de ensino fundamental maior. Optei por honrar e continuar sempre nessas veredas
da boa vontade e de grandes esforços. Hoje, decidi ir mais longe do que presumiram, já não
moro mais em minha terra natal por causa desse sonho. Caso seja necessário posso ir mais
longe ainda, pois aprendi com meus pais que os nossos limites podem ser perfeitamente
transponíveis quando a vontade é maior que os obstáculos.
A minha irmã Marcia Alessandra, meu cunhado Alain John e minha única e amada
sobrinha Alessa Julie, que são inspirações de vida, de amor e símbolo do amor em família.
Obrigada pela admiração, pelo carinho, por tudo.
Ao meu primo Dirley que me proporcionou uma boa morada enquanto eu me
adaptava em Belém. As mudanças nas nossas vidas nos deixam frágeis e você me ajudou a
superar os meus medos. Sempre vou lembrar-me das nossas conversas noturnas e de que tens
um dos maiores corações que conheço, capaz de somar para a realização dos sonhos dos
outros.
A minha quase filha, Iany Freitas pelo apoio perseverante durante essa jornada de
anseios, duvidas e tensão. Por ter me ouvido em assuntos que não são de sua alçada
acadêmica ligada ao estudo da medicina, uma vez que prefere cuidar dos vivos e não dos
mortos, por isso o século XIX não o interessaria. Ainda assim, me ouviu várias vezes com um
amor que espero receber um igual de meu filho ou filha, daqui há algum tempo.
Ao meu esposo Reginaldo Sales, químico de formação, e historiador por excelência
por todo o apoio emocional, financeiro e companhia de todas as horas, inclusive nas
madrugadas. Agradeço sua contribuição na feitura das tabelas, gráficos e, principalmente, por
7
ter ouvido tantas vezes as minhas dúvidas, minhas consternações. Meu agradecimento a você
será eterno, assim como o nosso amor.
8
EPÍGRAFE
"Desde a abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, em
1808, que os portugueses passaram a sofrer séria concorrência dos
produtos estrangeiros. É evidente que a liberalização do comércio foi
fundamental para que um volume nunca antes visto de mercadorias
importadas entrasse no Brasil (...) A importação de mercadorias pelo
Brasil oitocentista não foi pois, somente material, mas sobretudo
cultural." (Ronaldo Vainfas)
9
SUMÁRIO
Lista de Quadros ........................................................................................................
10
Lista de Tabelas .......................................................................................................... 11
Lista de Gráficos ........................................................................................................
12
Lista de Figuras ..........................................................................................................
13
Resumo/Abstract ........................................................................................................
14
Introdução ................................................................................................................... 15
Capítulo I: Porto: Ancoradouro de ideias e produtos.............................................
30
I. I. A civilização entrou pelo Porto .............................................................................
30
I. II. O Porto de Belém e os produtos ........................................................................
38
I. III. Movimento das embarcações estrangeiras .......................................................... 44
Capítulo II: Entre mares, coisas e significados .......................................................
61
II. I. Do mundo da Civilização ao da Representação ..................................................
61
II. II. Atlântico: diálogos e intercâmbios .....................................................................
72
Capítulo III: Ideias e produtos no cotidiano da cidade ..........................................
104
III. I. Dos muitos usos dos produtos importados ........................................................
104
III. II. O consumo na elite belenense......... ..................................................................
122
III. III. Os não abastados também consumiam...... ......................................................
151
Considerações Finais .................................................................................................. 167
Fontes ..........................................................................................................................
172
Referências .................................................................................................................. 177
Apêndices ....................................................................................................................
186
Anexo ........................................................................................................................... 198
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Gêneros entrados no Porto de Belém-Pará, 1789-1827 .............................. 39
Quadro 2 - Agrupamento dos produtos em categorias e subcategorias ........................
75
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Embarcações e tonelagens dos produtos entrados no Porto de Belém,
1836-1840 ..................................................................................................................... 33
Tabela 2 - Importação e exportação entre Pará e Portugal, 1800-1818 ........................
40
Tabela 3 - Importação Estrangeira total, para os seis maiores portos do Brasil
Imperial durante a década de 1841-1850 (valores em réis) .......................................... 46
Tabela 4 - Importações de Portos Estrangeiros e Nacionais para o Pará, 1836-1870 ..
49
Tabela 5 - Procedência das Embarcações entradas no Porto de Belém, 1840-1867
(em números absolutos) ................................................................................................ 53
Tabela 6 - Procedência das embarcações entradas no porto de Belém, 1840-1857 .....
57
Tabela 7 - Importados de maior frequência oriundos de Portugal ................................ 77
Tabela 8 - Importações portuguesas para o Porto de Belém, durante a década de
1841-50 ......................................................................................................................... 80
Tabela 9 - Importados de maior frequência oriundos dos Estados Unidos ................... 84
Tabela 10 - Importações norte americanas para o Porto de Belém, durante a década
de 1841-50 .................................................................................................................... 86
Tabela 11 - Importados de maior frequência oriundos da Inglaterra ............................ 92
Tabela 12 - Importações inglesas para o Porto de Belém, durante a década de 184150 ................................................................................................................................... 94
Tabela 13 - Importados de maior frequência oriundos da França ................................
96
Tabela 14 - Importações francesas para o Porto de Belém, durante a década de 184150 ................................................................................................................................... 98
Tabela 15 - Autos de Inventário/Arrolamento ..............................................................
106
Tabela 16 - Classificação da riqueza Inventariada por Faixas de Fortunas, em réis e
libras esterlinas .............................................................................................................. 107
Tabela 17 - Diversidade média por inventário dos bens importados entre as faixas de
fortuna ......................................................................................................................
152
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Embarcações Nacionais e Estrangeiras entradas na Província do Pará,
1836-1869 ..................................................................................................................... 47
Gráfico 2 - Renda Interna da Província do Pará, 1800-1872 ........................................
51
Gráfico 3 - Participação na importação da Província do Pará, 1840-1850 ...................
55
Gráfico 4 - Variedade dos Produtos Importados, 1840-1850 .......................................
76
Gráfico 5 - Importados de maior relevância para cada país .......................................... 102
Gráfico 6 - Faixas de fortuna com base em inventários post mortem 1840-1870 em
libras .............................................................................................................................. 111
Gráfico 7 - Categorias socioeconômicas, 1840-70 (% da categoria na faixa de
fortuna) .......................................................................................................................... 117
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Portos de exportação de produtos para Belém ...........................................
58
Figura 2 - Anúncio de uma padaria equipada com máquina a vapor ............................ 90
Figura 3 - Carruagens no Centro de Belém, cerca de 1870 ..........................................
91
Figura 4 - Anúncio de leilões no Jornal Gazeta Official ..............................................
115
Figura 5 - Anúncio de venda de acessório para piano ..................................................
131
Figura 6 - Estabelecimento de um sapateiro em Belém, 1862 ...................................... 136
Figura 7 - Anúncio de vendas de tecidos ......................................................................
141
Figura 8 - Anúncio do Bazar Paraense .........................................................................
144
Figura 9 - Vestuário Masculino no ano de 1850 ........................................................... 145
Figura 10 - Vestuário Feminino no ano de 1850 ..........................................................
146
Figura 11 - Anúncio de venda de calçados ...................................................................
147
Figura 12 - Divulgação de venda de joias ..................................................................... 149
Figura 13 - Anúncio de venda de relógio de parede .....................................................
156
14
RESUMO
Este trabalho propõe uma análise dos produtos importados da Europa (Portugal, Inglaterra e
França) e Estados Unidos para a Província do Pará entre o período de 1840 a 1870. Toma-se
como referência que neste período tanto a importação de produtos de primeira necessidade –
alimentos, utensílios de trabalho – quanto de bens considerados supérfluos – vestimentas e
outros usos – já estavam em alta. O objetivo é discutir o aumento da entrada dos produtos
importados através da intensificação das navegações estrangeiras para a Província do Pará a
partir de 1840. Partindo desse pressuposto, é possível relacionar o incremento do comércio em
âmbito local aos interesses e processos históricos dos países em questão, a fim de em seguida
localizar os possíveis consumidores das mercadorias importadas nessa Província do Norte. O
enfoque que se pretende atribuir é cultural, reconhecendo os aspectos figurados que
permearam a divulgação desses novos bens culturais que adentraram a Província. As noções
relacionadas as ideias de civilização e modernidade são inerentes a discussão proposta, sendo
esta última um discurso do próprio império brasileiro e que no Pará só encontrou maior
recepção no período posterior a 1840, isto é, no pós-cabanagem, quanto mais se deu a
ampliação paulatina das navegações de longo curso.
Palavras chave: Importação, Pará, navegações, consumo.
ABSTRACT
This paper poses an analysis of imported products from Europe (Portugal, England and
France) and United States to the Province of Pará (Amazon region) between 1840 and 1870.
Two types of products were analyzed: day-living necessity – foods, working tools – and
goods considered superfluous – clothes and fabrics – were already on the spot. The aim is
discuss the raising of imported products, which took place in 1840, established due to the
intensive flux of foreign navigations to the Province of Pará. Thus, it is possible associate the
regional economic development with the historic interests and processes which came up from
these countries, in order to, in a post time, find the potential consumers in this Northern
Province. The focus proposed here is cultural, recognizing the figured aspects permeated in
the propagation of these new cultural goods in the Province. The notions related to the ideas
of civilization and modernity are inherent to the discussion proposed, being this last one, a
Brazilian Emperor’s discourse itself, which was in Pará better received after 1840, say, in the
post-Cabanagem Revolution period, when the progressive effort on the navigation for long
trips became more intense.
Key-words: Importation, Pará, navigation, consumption.
15
INTRODUÇÃO
Esta dissertação surgiu a partir de uma insatisfação por uma ideia recorrente na
historiografia de que a entrada e o consumo de importados estrangeiros teriam ocorrido de
forma notável apenas depois de 1870 com a dinamização da exploração econômica do látex.
Diante desse pressuposto, esta pesquisa tem como foco analisar os produtos importados da
Inglaterra, França, Portugal e Estados Unidos para a capital paraense, entre os anos de 1840 e
1870, tendo em vista que desses quatro países provinham o maior número de embarcações
entradas no porto da capital no período abordado pela pesquisa. O objetivo é identificar a
intensidade desse fluxo antes de 1870, paralelamente ao aumento do fluxo das navegações a
partir de 1840.
Toma-se como ponto de referência os momentos históricos vividos pelos países em
foco e pela Província para compreender o movimento das coisas e das ideias1 que interligou o
Pará aos grandes centros exportadores via comércio transatlântico. Nesse sentido, a pesquisa
se justifica a partir da necessidade de entender a intensificação da importação em várias partes
do Brasil, que expressam um cenário de modernidade ascendente. As especificidades desses
processos podem ser entendidas com base na dinâmica local das sociedades.
O interesse pelo tema importação não surgiu por uma proposta de análise meramente
econômica ou comercial, mas muito mais por seus significados simbólicos em meio a uma
relação internacional que já se desenvolvia intensamente antes do boom da borracha. Em um
cenário de crescimento e transformação da cidade nos meados do oitocentos, as coisas e as
ideias encontram lugar propício para disseminação frente a uma sociedade que se pretende ser
moderna ou civilizada.
No cenário dinâmico da capital da Província, destaca-se a busca de superação dos
resultados calamitosos da Cabanagem, o progressivo aumento da exportação da goma elástica,
o processo emigratório estrangeiro para a Província, e o desenvolvimento nas técnicas dos
meios de transporte com destaque para os navios a vapor. Do outro lado do Atlântico, a
Revolução Industrial na Inglaterra, o desenvolvimento do conceito de civilização na França, e
o anseio de Portugal em continuar mantendo relações com a antiga colônia dão o tom da
relação estabelecida entre Belém e grandes centros econômicos e culturais. Já uma economia
com um perfil eminentemente agrário no sul e o domínio de algumas técnicas voltadas para a
indústria têxtil no norte dos Estados Unidos explicitam os tipos de produtos vindos daquele
1
Esta pesquisa considera que as coisas e as ideias são indissociáveis. Logo ao se importar os produtos também
se estão importando valores e ideias, sobretudo as relacionadas à civilização.
16
país, que algumas vezes diferenciam a importação dessa rota comercial específica, mas que
por outras os equipara a dos países europeus.
Com base nesses processos diversos e na dinâmica das transformações ocorridas na
capital depois de 1840, podemos compreender o destaque das exportações desses países para
Belém como um aspecto fundamental das alterações na vida social, política, econômica e
cultural a partir da intensificação do comércio Atlântico. A partir dessa questão, outras
perguntas foram formuladas no sentido de entender em que medida as mudanças ocorridas
entre 1840 e 1870 dialogam com o desenvolvimento da prática comercial internacional e com
a recepção de produtos importados.
Percebemos ao longo da pesquisa que uma história das importações não poderia estar
desvinculada de uma análise do incremento das navegações para a capital e muito menos de
uma compreensão da importância do porto local. Se no século XIX, o porto é imprescindível
em outras partes do Brasil,2 no Pará as águas foram a via que proporcionou um
relacionamento contínuo entre a capital e os países analisados. Por isso, entendemos que
Belém é um lócus privilegiado para a análise desses processos, pois embora as narrativas de
viajantes, literatos, deem conta de que os produtos se espraiavam para o interior com certa
celeridade, a capital é a primeira a recebê-las para poder disseminá-los, portanto o fluxo de
entrada é muito maior.
O estudo dos importados também possibilita a análise dos produtos enquanto
disseminadores de padrões sociais muito relacionados a conceitos civilizacionais. Estes
conceitos estavam embutidos nas mercadorias como um todo, independente de umas serem
mais e outras menos refinadas. No entanto, elas eram destinadas a públicos diferenciados e
por isso os níveis civilizacionais3 também poderiam ser distintos.
Por outro lado, o consumo dos importados estrangeiros não estava relacionado
unicamente à civilização, pois a maioria dos consumidores não tinha acesso a determinados
produtos que eram destinados a alguns grupos específicos da elite paraense. Mas, os não
abastados tinham acesso a outros que eram de considerável necessidade como, por exemplo, o
sal. Daí o desafio de classificar os produtos segundo os seus fins ou suas possibilidades de
uso, visando identificar os produtos específicos de cada país emissor e localizar quem
possivelmente poderia consumi-los.
2
O Porto do Pará nos meados do oitocentos estava entre os seis portos mais movimentados do Império.
Entende-se que as mercadorias que tinham um maior nível civilizacional eram as que estavam relacionadas ao
requinte e ao luxo, o que, geralmente, demandava para sua aquisição um elevado poder econômico por parte do
consumidor.
3
17
Dessa forma, esta pesquisa também busca identificar os padrões regulares de
consumo referentes a vários segmentos sociais, considerando a necessidade de relacionar os
produtos importados a realidade social tanto da elite local quanto dos segmentos populares.
Ao mesmo tempo, esses padrões regulares nem sempre são rígidos, uma vez que muitos
produtos eram consumidos pela população em geral. Logo, o consumo está permeado pela
ideia de circularidade cultural.4 Por outro lado, também os padrões não são maleáveis, pois
dependendo do nível civilizacional do produto, apenas segmentos restritos poderiam ter
acesso a eles. De maneira geral, mesmo reconhecendo esses desníveis sociais, o consumo será
entendido não apenas enquanto um resultado do sistema capitalista, mas como fomentador de
relações sociais e sistemas simbólicos5 e, portanto, há um interesse pelas dimensões culturais
e simbólicas do ato de consumir os artigos importados.
Considerando o aumento do número de navios envolvidos com as navegações de
longo curso, a distribuição e o consumo dos produtos importados nesse contexto dinâmico
pelo qual passou a Província, alguns apontamentos já foram feitos. Uma parte da
historiografia regional já apontou a década de 1850 como o período do início das mudanças
ocorridas na cidade como decorrente de uma maior interligação com centros comerciais no
circuito da mundialização da cultura.
Penso que é necessário retroceder pelo menos uma década para entender mais essas
relações, pois anos já posteriores a Cabanagem apontam para um crescimento contínuo e
ininterrupto do comércio na Província. Tal comércio significa para esta pesquisa a introdução
de novos produtos que também estavam se expandindo em outras partes do Brasil, com ênfase
na capital do Império, e faziam parte de uma série de inserções das quais o recém país
independente passa a experimentar, pelo menos com mais frequência. Essas mudanças
acontecem com as indumentárias, com os bens da casa, entre outras. Parte-se do pressuposto
de que esses elementos modernos além de se estabelecerem materialmente, passam a ser uma
categoria mental, da qual muitos se apropriam cotidianamente, enquanto um elemento de
distinção social.
O desafio maior dessa pesquisa é mapear a imensa variedade de produtos importados
com os mais distintos usos e para as mais diferentes pessoas. Porém, acredita-se que os
importados, em sua vastidão de acepções, podem ser unificados pelos seus valores
4
Para saber mais sobre o conceito de circularidade cultural ver BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na
idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2008; GINZBURG,
Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo:
Companhia das letras, 1987.
5
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: Para uma antropologia do consumo. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2004.
18
civilizacionais que dão a eles um sentido simbólico construído desse lado do Atlântico. Além
dessa classificação geral, optou-se por organizar os produtos em sete categorias e quarenta e
sete subcategorias. As categorias foram elaboradas com o objetivo de sintetizar a
multiplicidade dos produtos importados e foram divididas em alimentos e bebidas, coisas de
uso privado e/ou público, equipamentos, indumentárias, trabalho e negócios, tratamentos
medicinais e outros usos e diversos. Já as subcategorias foram decompostas a fim de, na
medida do possível, detalhar os produtos de acordo com a sua as suas finalidades.
Independente da categoria enquadrada, aos importados poderia ser atribuída a
classificação de "mais ou menos civilizados". Para efeito de exemplificação, utilizando as
categorias alimentos e indumentárias, podemos afirmar que de um lado está alguns alimentos
mais comuns como o sal, a farinha de trigo, de outro o azeite doce e os queijos. Todos são
alimentos, mas possivelmente destinados a consumidores diferenciados. Muitos usavam
chapéus, mas uns usavam chapéu de palha, outros de seda. São esses dois extremos para
exemplificar tantos outros, que distinguem os produtos, embora ambos fossem importados e
parecessem ser civilizados. Civilizados no sentido de terem sido exportados de países que se
julgavam em um nível de desenvolvimento mais elevado que o do mercado importador.
Destarte, não se importava apenas coisas ou mercadorias, mas bens dotados de um valor
simbólico.6
Nesse sentido, essa pesquisa dá ênfase a elementos comuns defendidos pela história
cultural. A história cultural vem se afirmando desde a década de 1970 reunindo historiadores
como Emmanuel Le Roy Ladurie, Daniel Roche na França, Natalie Davis e Lynn Hunt nos
Estados Unidos e Carlo Ginzburg na Itália. Em que pese às diferenciações nas correntes e
abordagens, um terreno comum entre esses historiadores e outros dessa vertente da História é
“a preocupação com o simbólico e suas interpretações”.7 Dentro das muitas abordagens
possíveis, a partir das mudanças epistemológicas dentro da história cultural, destaca-se o
conceito de representação, que tem como principal divulgador o francês Roger Chartier.
A proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio
das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas,
pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo.8
6
O conceito de civilização permeia o cenário de modernidade ao qual a Província busca conhecer e usufruir. O
conceito de civilização está bastante desenvolvido em várias partes das Europa, sobretudo na França. Cf. ELIAS,
Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorje Zahar, 1994. A civilização estava seria propulsora de
distinção social. Cf. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difusão Editorial LTDA, 1989.
7
BURKE, Peter. O que é história cultural? 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
19
Ainda dentro das propostas da História Cultural, tem grande importância o conceito
de cultura material compreendida como um conjunto de objetos, adornos, tecidos,
ferramentas, armas, utensílios, meios de transporte, etc., que formam o espaço palpável da
sociedade. Consideremos, então, um preceito básico enfatizado por Marcelo Rede de que "a
questão da cultura não pode ser dissociada daquela da materialidade". Portanto, esse espaço
palpável que é a matéria possui uma matriz cultural e a cultura, por sua vez, possui uma
dimensão material.9
Esta dimensão material já havia sido percebida por Braudel em Civilização Material,
Economia e capitalismo publicado em 1979, onde ele apresenta aspectos da vida cotidiana
envolvendo de 80% a 90% de toda a população do globo.10 São destacadas questões da vida
material como habitação, alimentação, vestuário, moda, moeda, técnicas, que seriam
marcados por uma zona de opacidade, espessa, rente ao chão, arrastados pela força da inércia,
marcadas pelas mudanças em um tempo de longa duração,11 diferentemente da economia de
mercado que se efetuava em um tempo de lenta duração e dos modos de ação do capitalismo
que promovem mudanças de curta duração.12
Braudel mesmo teorizando que o tempo da vida material era mais lento, não se
preocupou em apenas descrever as estruturas do cotidiano, mas se preocupou em destacar que
essas estruturas mudam, reconhecendo que no século XIX houve ruptura, inovação na linha
que separava o possível do impossível. Portanto, "tanto a vida material pode afetar o
capitalismo, como a expansão do capitalismo pode agir sobre a vida material.13 Para esse
autor, o capitalismo não é um modo de produção, ele se baseia na circulação por excelência.
Com uma análise de cunho econômico, Braudel foi um dos pioneiros no campo da
História a dá atenção a vida material. Depois dele surgiram outros trabalhos que agregam
valores simbólicos a esses aspectos econômicos da vida material. Sob essa perspectiva,
podemos destacar o livro História das coisas banais de Daniel Roche que trata das formas
modernas de consumo a partir do século XVII. Ao mobilizar o universo da cultura material,
Roche adita uma enorme contribuição a história econômica e social de Braudel, acrescentando
9
REDE, Marcelo. História a partir das Coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material. In: Anais do
Museu Paulista. Nova série, v. 4, jan./dez., 1996, p. 274. O mesmo autor em outro texto faz uma abordagem
acerca de diferentes trajetórias no estudo da cultura material, envolvendo diferentes disciplinas. Cf. REDE,
Marcelo. Estudos de cultura material: uma vertente francesa. In. Anais do Museu Paulista. São Paulo: Nova
Série. v. 8/9. (2001-2002), p. 281-291.
10
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV- XVIII. vol 1. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
11
Idem. Volume 2 da obra acima.
12
Idem. Volume 3 da mesma obra.
13
ROCHA, Antonio Penalves. F. Braudel: Tempo histórico e civilização material: Um ensaio Biográgico. In:
Anais do Museu Paulista. São Paulo: Nova Série, v. 3, jan./dez., 1995, p. 239-249, p. 246.
20
elementos da história cultural. Mas ao estudar a relação entre a produção e o consumo dos
objetos, afirma ser necessário "questionar a clássica oposição entre as infra-estruturas e as
superestruturas.” Segundo ele,
Os objetos, as relações físicas ou humanas que eles criam não podem se reduzir a
uma simples materialidade, nem a simples instrumentos de comunicação ou de
distinção social. Eles não pertencem apenas ao porão e ao sótão, ou então
simultaneamente os dois, e devemos colocá-los em redes de abstração e
sensibilidade essenciais à compreensão dos fatos sociais. Sem dúvida, na história a
vida material estabelece 'os limites do possível e do impossível' como desejava
Braudel, mas ela o faz na imbricação de contextos sociais de informações e de
comunicações que organizam a significação das coisas e dos bens, e não na sucessão
e na separação nítida de temporalidades propícias a comportamentos típicos.14
Considerando a inserção de elementos culturais para análise dos objetos, o intuito é
analisar a relação entre o objeto e o seu sentido para a Província, pois as coisas em si mesmo
não possuem sentido algum, e não têm valor histórico. Assim, “os objetos são historicamente
selecionados e mobilizados pelas sociedades e grupos nas operações de produção, circulação e
consumo de sentido.”15 Por outro lado, é necessário destacar que nem todos os produtos
abrangidos pela pesquisa se enquadram na discussão de cultura material, mas passam por um
esforço de serem compreendidos enquanto mediadores de relações culturais, sociais e
econômicas.
É fundamental aliar o estudo dos objetos materiais ao desenvolvimento do consumo
consolidado no século XIX. O consumo é um problema crucial para a história social, por isso
mesmo, há uma preocupação em identificar quem consumia os produtos importados e o que
isso simbolizava na sociedade estudada. Nesse sentido, três referenciais facilitadores para
entender o consumo serão observados:
A relação entre a produção, distribuição e consumo, a afirmação de que o consumo
só se torna realidade econômica dinâmica com o início da Revolução industrial, o
fato de que ao falar de uma “revolução” do consumo (ou de consumismo, ou de
materialismo moderno) aceitamos implicitamente a visão de uma sociedade
integrada.16
14
ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao
XIX. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 13.
15
MENESES. Ulpiano T. Bezerra. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público apud
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. As casas & as coisas: Um estudo sobre a Vida Material e
Domesticidade nas moradias de Belém – 1800-1850. 2006. 195 p. Dissertação (Mestrado em História Social
da Amazônia). Belém: Universidade Federal do Pará, 2006, p. 23.
16
LEVI, Giovanni. Comportamentos, recursos, processos: antes da “revolução” do consumo. In: REVEL,
Jacques (org.). Jogos de escalas. A experiência da microanalise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio
Vargas, 1998, p. 206.
21
Mesmo considerando que a Revolução Industrial foi um marco importante para uma
“revolução do consumo”, é necessário estudá-lo em uma perspectiva de longa duração. Caso
contrário, atribuir-se-á o consumo apenas ao progresso econômico e tecnológico e as forças
produtivas não foram as únicas que evoluíram, as formas culturais17 também se
desenvolveram concomitantemente ao consumo e às representações dos recursos.18 Essas
formas culturais se sobrepõem a imagem da estratificação social. Com isso, não estamos
dizendo que a estratificação social não seja importante para entender a questão do consumo,
pois é preciso entendê-la em sua pluralidade complexa respeitando, de certa forma, a distância
entre os grupos sociais.
A expansão do consumo na Província do Pará não pode estar desassociada das
navegações, por isso o porto é imprescindível. A partir de uma análise da importância do
porto para as cidades durante boa parte do século XIX, é possível visualizar a dimensão das
relações internacionais, e os impactos sobre grupos sociais diferenciados, levando em
consideração o processo de “transição, globalização, intimidade”19, em seus sentidos
civilizadores.
Colocadas essas questões, podemos afirmar que a questão norteadora consiste em
entender: Qual a intensidade do fluxo de embarcações e produtos antes de 1870? Partindo
dessa movimentação no porto da capital paraense, busca-se analisar o impacto desse processo
na alimentação, na indumentária, nos objetos de trabalho20, nos medicamentos, no interior das
casas e nos ambientes públicos. Acredita-se que analisar os importados e as relações que a
partir deles emanavam é fundamental para entender as nuances da modernidade nesta parte do
Brasil.
O porto do Pará não era apenas o ancoradouro de produtos no sentido estrito do
termo, mas de ideias, de símbolos, de valores. Por isso mesmo não se pode dizer que se
estabeleceu entre o Pará e os grandes centros econômicos uma relação passiva, mais proativa
bem antes da década de 1870. O que houve depois desse período foi uma culminância
exacerbada possibilitada, em grande medida, pelo expansionismo da exportação da goma
elástica. Por isso, uma abordagem de cunho unicamente econômico não é eficaz para a
17
As formas culturais construídas, obviamente não eram as mesmas para todas as pessoas, principalmente
porque quando falamos nos meados do oitocentos na Província do Pará, a sociedade era extremamente eclética e
dinâmica, se considerarmos o constante processo de migração para a região, sobretudo em função da economia
da borracha.
18
LEVI, Giovanni. Op. Cit., p. 210.
19
COSTA, Suely Gomes. Transição, globalização e intimidade. Rio de Janeiro, século XIX. Revista Historia y
espacio. n. 29, jun/dez, 2007, p. 59-82.
20
Os objetos de trabalho eram muito variados devido às diversas profissões que se desenvolviam na região, entre
elas a de ferreiro, ourives, marceneiro, tanoeiro, etc.
22
visualização das profundas transformações no seio da sociedade, pois estas não passam
somente pelo aumento da concentração de renda em alguns setores, mas por uma ampla
inserção no que se entendia à época por modernidade.
Em suma, a pesquisa analisará as relações do Pará com portos estrangeiros e os
reflexos desse processo para a construção de um cenário de novos gostos, consumos, visões, e
intercâmbios na Província ou simplesmente para a provisão de necessidades básicas. Visando
compreender alguns desses meandros, a dissertação estará estruturada em três capítulos.
No primeiro, a discussão perpassa por várias noções básicas que permearão o
trabalho, tais como civilização, porto, navegação. O objetivo é analisar o porto de Belém
enquanto um importante receptor de embarcações, produtos e ideias de civilização a partir de
1840, compreendendo as razões desse movimento no quadro do cenário imperial. No tópico A
civilização entrou pelo Porto traça-se o movimento das navegações desde o século XVIII no
Estado do Grão-Pará até a década de 1840.21 A finalidade é observar o significativo aumento
das navegações, demarcando momentos decisivos como a abertura dos portos em 1808 e o
fim do movimento cabano em 1836. Procura-se também desassociar o aumento da entrada de
embarcações e produtos estrangeiros unicamente aos problemas de abastecimento, ao
aumento da exportação da borracha ou a um francesismo exacerbado.22 Para além de
considerar estes parâmetros fundamentais, busca-se apontar para os significados simbólicos e
civilizacionais, segundo a mentalidade da época, da navegação internacional, a partir de um
diversificado comércio de longo curso.
No segundo tópico, O porto de Belém e os produtos, busca-se identificar na
historiografia apontamentos sobre as importações na Província em diferentes momentos
históricos.23 Fez-se isso desde o início do século demonstrando, dados, valores, comparações
21
Para entender esse cenário de mudanças na capital do império a partir do afluxo de importados, ver:
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Vida privada e ordem privada no Império”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe
de. (org). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
22
Neste primeiro tópico foram apontados alguns caminhos para outras leituras da realidade que se distanciem
um pouco desses padrões de análise já consagrados.
23
Sobre o tema importação tratado em diferentes obras. Cf. BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio
das eras da província do Pará. 2ª ed. Belém: UFPA, 1969, p. 166-168; BARATA, Manoel. Formação
histórica do Pará. Belém: Editora Universitária: UFPA, 1973, p. 323; BATISTA, Luciana Marinho. Muito
Além dos Seringais: Elites, Fortunas e Hierarquias no Grão-Pará, c. 1850-1870. 2004. 283 p. Dissertação
(Mestrado em História Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004, p. 116-117;
COELHO, Geraldo Mártires. Anteato da Belle Époque: Imagens e Imaginação de Paris na Amazônia de 1850.
Revista Cultura do Pará. v. 16, n. 2, jul/dez, 2005, p. 199-215; CORDEIRO, Luiz. O Estado do Pará, seu
comércio e indústrias de 1717 a 1920. Belém: Tavares Cardoso & Cia.,1920; CRUZ, Ernesto. História da
Associação Comercial do Pará. 2ª Ed. Belém: Editora Universitária. UFPA, 1996; GUIMARÃES, Luiz
Antonio Valente. As casas & as coisas: Um estudo sobre a vida material e domesticidade nas moradias de
Belém – 1800-1850. Belém, 2006. 195 p. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) Universidade
Federal do Pará, p. 103; MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira. Daquilo que se come: Uma história do
23
entre importação e exportação, no sentido de entender como autores em diferentes períodos
históricos interpretaram o tema importação, seja do ponto de vista da balança comercial, dos
usos e dos costumes, da alimentação ou da visualização das coisas da casa. Essas e outras
interpretações foram buscadas na historiografia desde o século XIX para se captar os diversos
olhares sobre o tema, mostrando assim a sua relevância.
No terceiro tópico, Movimento das embarcações estrangeiras, o objetivo é mostrar o
aumento da movimentação no porto. Traçou-se uma comparação desde 1808, abrangendo
todo o período joanino,24 pois ainda que este período não seja o da pesquisa é importante para
verificar se as mudanças ocorridas depois de 1840 foram significativas. Para os anos
posteriores a 1840, confrontou-se o número de embarcações estrangeiras com as nacionais e a
partir daí, levantou-se o número de embarcações entradas de cada país estudado e seus
respectivos portos, de onde saíam as mercadorias com destino ao Pará.
No segundo capítulo, o grande mote é a relação entre as coisas e os processos que
estavam se desenvolvendo na Inglaterra, França, Portugal e Estados Unidos. O objetivo é
reconhecer o país através dos produtos importados, pois ainda que muitos produtos fossem
comuns a todos os países, alguns eram muito específicos na medida em que demarcavam e
eram a própria representação material da sua origem e do seu processo histórico. Através da
análise da variedade e da frequência com que essas mercadorias eram importadas é possível
verificar quais produtos se destacavam para cada centro exportador.
Não é por acaso que estes são os países que mais exportam seus produtos para a
Província, a partir de contextos específicos de mudanças em suas conjunturas. É possível
visualizá-las quando se analisa os produtos procedentes de cada um desses centros ou de
vários lugares desses centros, haja vista que cada um deles possuía vários portos de
distribuição de mercadorias, que aqui eram recebidas, consumidas e observadas sob o olhar
atento dos viajantes.
Este capítulo, então, tende a relacionar as coisas aos países de origem identificados.
A ideia é identificar o país pelo importado e pela frequência de determinados produtos ou tipo
de produtos de acordo com processos históricos gerais, tais como a Revolução Industrial. Farse-á uma discussão das coisas com o país que ela representa a partir de contextos históricos
abastecimento e da alimentação em Belém (1500-1900). Belém, 2009. 227 p. Dissertação (Mestrado em
História Social da Amazônia) Universidade Federal do Pará, 2009; SALLES, Vicente. A Música e o tempo no
Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980; WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia:
Expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Edusp, 1993.
24
O período joanino compreende o intervalo entre 1808 a 1821. Cf. VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano;
BARROSO, Daniel Souza. História de “movimentos”: embarcações e população portuguesas na Amazônia
Joanina. R. Bras. Est. Pop. v. 27, n. 1, jan./jun., 2010, p. 193-210.
24
particulares. No primeiro tópico, Do mundo da Civilização ao da Representação, se fará uma
discussão da História Cultural a partir do conceito de representação de Chartier, associando-o
a divulgação dos produtos importados nos periódicos que circulavam na cidade. Nestes, faziase sempre referência a cidade de onde o produto teria vindo como um símbolo que
representava a legitimidade da mercadoria. A representação seria um conceito chave para
compreender a divulgação de variados produtos importados, fossem de primeira necessidade
ou de luxo, a partir da qual os produtos seriam apreendidos enquanto bens culturais.25
No segundo tópico, Atlântico: Diálogos e intercâmbios, classificar-se-á os produtos
oriundos de cada país em categorias e subcategorias, de modo a permitir a identificação, a
qualificação dos mesmos e os seus significados para a população da Província. As categorias
alimentos e bebidas, coisas de uso público e/ou privado, equipamentos, indumentárias,
trabalho e negócios, tratamentos medicinais e outros usos e diversos servem para identificar
os tipos de produtos mais comuns para cada centro exportador analisado. Relacionou-se neste
item o processo histórico vivido pelos Estados Unidos, Portugal, França e Inglaterra26 que
tiveram reflexos na Província do Pará a partir do incremento das conexões mercantis e da
difusão de objetos materiais, cujo sentido e significado explicam muitas mudanças ocorridas
na capital belenense.
25
A discussão do conceito de representação dos bens culturais relacionado à História Cultural foi feita com base
nos seguintes textos. CHARTIER, Roger. A história Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel,
1990; CHARTIER, Roger. “O mundo econômico ao contrário”. In: Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro.
Bertrand do Brasil, 2005, p. 253-260. Para entender mais sobre história cultural Cf. BURKE, Peter. O que é
história cultural? 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008; PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História
Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. RIOUX, Jean Pierre; SIRINELLE, Jean-François (orgs). Para
uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
26
Foram vários os processos que ajudam entender o contexto no qual estavam imersos os países com quem o
Pará comerciava. Cf. ALVES, Jorge Fernandes. Os Brasileiros, Emigração e Retorno no Porto Oitocentista.
1993. 451 p. Tese (Doutoramento em História). Porto: Faculdade de letras da Universidade do Porto, 1993, p.
66; BITTENCOURT, Agnello. Navegação do Amazonas & Portos da Amazônia. Manaus: Typ. Palácio Real,
1925; FRAGOSO. João Luís R. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 99-100; FRAGOSO. João Luís R.; FLORENTINO Manolo. Homens de grossa aventura:
acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1992; GREGÓRIO, Vitor Marcos. Uma face de Jano: A navegação do rio Amazonas e a formação
do Estado brasileiro (1838-1867). 2008. 338 p. Dissertação (Mestrado em História Social). São Paulo: USP,
2008; HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977;
LUZ, Nicia Vilela. A Amazônia para os negros americanos: As origens de uma controvérsia internacional.
Rio de janeiro: Editora Saga, 1968; MEDEIROS, Fernando Sabóia. A liberdade de navegação do Amazonas:
relações entre o Império e os Estados Unidos da América. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938; PALM,
Paulo Roberto. A Abertura do Rio Amazonas à Navegação Internacional e o Parlamento Brasileiro.
Dissertação (Mestrado). 2009. 97 p. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009; REIS, Artur César
Ferreira. A Amazônia e a cobiça internacional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1972;
RICCI, Magda. Entre portos, comércio, e troca culturais: os portugueses e as lutas sociais na Amazônia – 18081835. In: MATOS, Maria Izilda; SOUZA, Fernando de; HECKER, Alexandre. Deslocamentos e Histórias. São
Paulo: Edusc, 2008, p. 191-194.
25
Finalmente, o terceiro capítulo tem como epicentro relacionar os produtos à
sociedade belenense, na medida em que possibilita percorrer os caminhos do consumo dos
importados. A partir de uma maciça divulgação dos produtos oriundos das navegações de
longo curso em periódicos locais, do aumento paulatino das casas de vendas de secos e
molhados e de toda sorte de materiais, quem adquiria esses produtos? Visando responder essa
questão, neste capítulo delineamos uma organização dos inventários post mortem em faixas de
fortuna, a fim de identificar o consumo entre diferentes camadas sociais, apontando possíveis
diferenciações.
Procuraremos relacionar os produtos importados aos diversos usos que se fazia na
Província, seja por indivíduos da elite paraense, instituições e outros setores sociais. No
primeiro tópico Dos muitos usos dos produtos importados, procurou-se mapear os inúmeros
consumidores desses importados, considerando diversos grupos consumidores organizados de
acordo com a sua fortuna, os seus bens móveis e as suas dívidas ativas. Perscrutar os sujeitos
consumidores dos importados e analisar suas possibilidades de uso e apropriação possibilita
concluir uma análise da tríade levantada nessa proposta de pesquisa, isto é, produção,27
circulação e consumo.
No segundo tópico O consumo na elite belenense tem como foco principal analisar o
consumo entre os sujeitos com fortuna igual ou maior a 1.000 libras (10$000), indivíduos
estes que analiticamente foram denominados de os abastados e os mais abastados. Nesses
grupos encontramos comerciante, indivíduos detentores de diversas patentes militares, médico
fazendeiro, pessoas mais ou menos influentes. Será que estes indivíduos detinham tipos de
importados específicos? Em que eles se diferenciavam ou se igualavam às camadas sociais
com menores posses? Apontaremos através da análise dos inventários post mortem alguns
nomes que estavam ligados ao consumo das coisas consideradas de luxo. Alguns deles são de
comerciantes, por se caracterizarem como os principais envolvidos na disseminação dos
produtos, e por serem possíveis consumidores.
Por fim, o último item intitulado Os não abastados também consumiam analisará o
consumo entre indivíduos com menos de 1000 libras (10$000), que foram divididos em os
mais pobres, pobres estabilizados e os remediados. Esse tópico apontará ainda outras
possibilidades de uso dos produtos. Serão observados os usos em instituições e sujeitos como
as meninas do Colégio Nossa Senhora do Amparo, pelos aprendizes do Arsenal de Marinha e
outros. Isso é possível visualizar nos jornais, nos ofícios expedidos por essas instituições para
27
Embora o foco não tenha sido estudar a produção dos inúmeros objetos importados, buscou-se mapear os
locais dessa produção e algumas de suas características históricas.
26
os presidentes de Província, relatórios e prestações de contas enviadas ao Tesouro Público
Provincial. A finalidade é desmistificar a ideia de que os produtos importados eram restritos a
elite paraense. Considera-se o fato de que nem todos os produtos eram considerados de luxo.
Porém, muito deles compunham o cotidiano de pessoas e grupos não beneficiados pelos
progressos econômicos da capital da Província.
Metodologicamente, optamos pelo cruzamento de diversas documentações na busca
de apreender a realidade estudada. São elas, os Periódicos, os Relatórios da Presidência da
Província, Relatos dos viajantes, documentos referentes à Alfândega e mesas de consulado, ao
Arsenal de Marinha, a Capitania dos Portos, ao Ministério do Estrangeiro e Justiça e ao
Tesouro Público Provincial. Utilizamos também Almanaques, Manifestos de Importação e os
Inventários post mortem.
Os periódicos são fundamentais para este trabalho, uma vez que fornecem possíveis
caminhos de pesquisa. Eles indicam os produtos aportados por meio de divulgação de vendas,
leilões de produtos, anúncios das casas comerciais. Alguns deles como é o caso do Treze de
Maio e do Gram-Pará noticiam o movimento do porto, mencionando as embarcações entradas
e as suas respectivas cargas. Esses são elementos chaves para se ter noção da frequência com
que os produtos entravam na Província. Além desses, outros jornais foram importantes para a
composição de um dinâmico cenário comercial, na qual os importados tinham um lugar
reservado.28
Com base nos periódicos foi possível analisar a entrada das embarcações e seus
carregamentos descritos minuciosamente no jornal, dados estes que foram minutados através
do Microsoft Office Access. Dessa maneira, foi elaborado para cada país campos para
registrar os produtos chegados para cada viagem dos Estados Unidos, Portugal, Inglaterra e
França, o que tornou possível constatar os produtos que entravam mais constantemente no
Porto de Belém de cada porto estrangeiro. Através do Access também foi possível comparar
as entradas de embarcações nacionais com as estrangeiras, dando um panorama dos principais
portos com os quais o Pará comerciava.
Os relatórios dos presidentes da Província são importantes para a pesquisa na medida
em que apresentam sempre os resumos das importações concernentes a um conjunto de anos,
embora essas descrições não sejam consecutivas. Ao lado dos dados quantitativos da
importação estão os da exportação, o que permite traçar um quadro comparativo entre ambas
28
Foram utilizadas informações dos periódicos Gazeta Oficial (1858-1860), O Doutrinário (1848), Correio dos
Pobres (1851-1853), O Monarchista Paraense (1852), O Planeta (1849-1850), O Publicador Paraense (18521853), Voz do Guajará (1851-1852).
27
a fim de perceber a situação da importação no período estudado. Dos relatórios serão
utilizados aqueles que, geralmente, têm como título navegação e comércio, tendo em vista que
tão relevante quanto os valores das importações são as informações acerca da navegação que
interligou o Pará aos portos e países abordados.
Os relatos dos viajantes ajudam na compreensão do cenário analisado, pois dão pistas
importantíssimas, sobretudo em se tratando da presença efetiva de determinados produtos e o
uso que se fazia deles. Essas narrativas apontam para o cenário de transformação pela qual
passou a Província, no qual os produtos importados têm lugar específico. É o das ruas que
estão se modernizando, o das louças em que são servidas as comidas ou mesmo a utilização
da manteiga inglesa em residências modestas, por exemplo.
Os relatos dos viajantes analisam a Província e sua capital a partir de parâmetros
europeus de seus países de origem e por isso identificam e fazem comparações civilizacionais,
que apesar de imbuídas de preconceitos diante do novo, descrevem situações pontuais ou
contextuais sobre a sociedade em foco. Não se pode negar o sentido de testemunho presente
na literatura dos viajantes, sendo que "a literatura de viagem, como um todo, raramente
perdeu o seu caráter de testemunho de uma experiência vivida - condição essencial das fontes
primárias."29
No Arquivo Público do Pará foram encontrados documentos de natureza e conteúdos
diversos, que perpassam pela notificação da entrada de embarcações estrangeiras, menções a
casas de comércio e comerciantes, acidentes ocorridos em viagens, despachos de cargas,
despesas e descrição de produtos enviados para o colégio Nossa Senhora do Amparo e outros.
Essas fontes permitem compreender o cenário e a dinâmica tanto das embarcações quanto dos
produtos.
Uma das fontes imprescindíveis foi o Mapa Estatístico do Comércio e Navegação do
Império do Brasil, onde constam dados valiosos da Alfândega do Pará disponíveis na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Infelizmente, somente foi possível ter acesso aos
valores das importações na década de 1840, mas procuramos suprir as lacunas por meio
daqueles dados contidos nos Relatórios já mencionados. Essa fonte traz informações de todos
os produtos que eram importados de acordo com cada país, bem como os valores que eram
investidos nesses produtos.
Os manifestos de importação, que são espécies de mapas em que constam a
nacionalidade, nome e tipo da embarcação, listagem dos produtos por viagem, além do
29
LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX – antologia de textos de
viajantes estrangeiros. São Paulo/Brasília: Hucitec/Instituto Nacional do Livro/Fundação Nacional Pró-Memória,
1984, p. 20.
28
consignado responsável pela carga, infelizmente não estão disponíveis para todos os países. A
documentação de Portugal é a única disponível no Grêmio Literário Português para os anos de
1857 a 1870. Pelo que consta, este tipo de documentação está sob a tutela da Companhia
Docas do Pará e não está aberta para consulta. Diante disso, a solução é utilizar
documentações de tipos diversos e o trato com a documentação existente demonstrou que isso
é possível.
Considerando que os inventários são representativos de várias camadas sociais, essa
pesquisa visa superar os limites das famílias mais endinheiradas, no sentido de pensar os
novos símbolos e produtos culturais como tendo um consumo um tanto alargado. Os menos
abastados também fazem parte do processo de incremento do comércio, de alguma forma
sendo por ele influenciados. Os inventários permitem entrever os objetos de trabalho, as
indumentárias e joias, mas, sobretudo são documentos escritos insubstituíveis para os estudos
relacionados à mobília,30 e aos bens da casa em geral. Essa fonte documental pode indicar os
níveis de riqueza e os padrões de consumo das populações,31sendo crível associar os produtos
arrolados com o nível da riqueza dos inventariados. A partir disso, podem-se associar
produtos considerados de luxo com certos nomes da elite paraense, sobretudo a ligada ao
comércio.
A amostra foi selecionada a partir de um total de 252 inventários pertencentes aos
cartórios Odon e Fabiliano, disponíveis no Centro de Memória da Amazônia, sendo os únicos
que contemplavam a temporalidade orientadora da pesquisa. O levantamento foi amostral,
considerando um número de inventários para as décadas de 1840, 1850 e 1860, que desse
conta de localizar a presença de objetos importados que compunham o rol de bens de
indivíduos com diferentes níveis de riqueza. A análise desses inventários constatou que os
bens importados estavam presentes em menor ou maior grau em todas as faixas de fortuna
levantadas.
A amostra levantada correspondeu a 52 inventários,32 inerentes as três décadas
estudadas. Esse período permitiu-nos analisar os objetos materiais importados no período em
30
PESEZ, Jean-Marie. História da Cultura Material. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo:
Martins Fontes, 1993, p. 198.
31
ABRAHÃO, Eliane Morelli. Morar e viver na cidade: Mobiliários e utensílios domésticos. Campinas
(1850-1900). São Paulo: Alameda, 2010, p. 18.
32
O levantamento foi amostral, considerando um número de inventários para as décadas de 1840, 1850 e 1860,
que desse conta de demonstrar a presença de importados que circulavam na cidade. Esse critério está de acordo
com o número percentual de inventários disponíveis para cada década.
29
que Belém já vivia um processo que iria culminar em uma fase intensamente cosmopolita,
possibilitada pelas riquezas que produziram a Belle Époque.33
Para a seleção dos inventários que visou levantar uma amostra para cada década
houve uma preocupação em selecionar inventários de indivíduos com fortunas diferenciadas
para a verificação dos importados em diferentes estratos sociais. A coleta de dados foi
realizada a partir de uma ficha para cada inventariado, antecipadamente elaborada, em que
procuramos registrar os bens imóveis, as dívidas ativas e passivas e os bens móveis que foram
organizados de acordo com as categorias já citadas criadas para facilitar a análise, haja vista
estarmos tratando de muitos bens importados.
Nos inventários também foram encontrados relações de credores, notas fiscais de
estabelecimentos comerciais, entre os quais os produtos importados eram a pauta principal.
Sempre que possível, buscamos cruzar os nomes dos inventariados com os almanaques
administrativos, mercantil e noticioso de 1868,1869 e 1870. Procuramos também localizar
esses nomes nos jornais a fim de identificar a profissão, relação com o comércio, com
instituições públicas. A partir dessas fontes, esperamos fazer uma discussão acerca do
aumento das navegações e dos produtos importados divulgados e consumidos na Província do
Pará, que definiram um lento, mas definido progresso material,34 nos meados do oitocentos.
33
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). 2ª Ed. Belém: PakaTatu, 2002.
34
FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 4ª ed. São Paulo: Global, 2008, p. 59.
30
CAPÍTULO I: ANCORADOURO DE IDEIAS E PRODUTOS
I. I. A civilização entrou pelo Porto.
Para nós, e os outros povos que na mesma época recebiam, em grandes doses, essas
lições de cultura e civilização, povos ainda voltados para o modelo reitor de sua
formação histórica, nada disso é superficial, fútil ou mundano (...). Recebíamos
evidentemente, já prontos para o consumo os pacotes da cultura europeia.35
Uma leitura menos atenta da história da Amazônia poderia inferir que a descrição
acima se refere ao que se convencionou chamar de Belle Époque, período compreendido entre
o final do século XIX e o início do século XX,36 em que o fausto do apogeu da economia da
borracha se apresentou na sua forma mais ostentatória. No entanto, Vicente Salles se referia
ao ano de 1853, quando nas páginas dos jornais, já naquele ano, eram frequentes os anúncios
retratando aspectos da vida social e cultural da Província do Pará muito atrelados a sua
relação com o exterior.
Os efeitos dessa relação eram sentidos e propalados como essenciais para a
Província, que a partir de 1840, quando do restabelecimento do caos decorrente da
Cabanagem, pode desfrutar de um relativo contexto de “reflorescimento” econômico.37 Para
tanto, um elemento colocou-se como fundamental: o aumento do fluxo das navegações. Estas
ligavam a Província do Pará com a Europa e com a América do Norte. No entanto, destaca-se
pela sua maior frequência Portugal, Inglaterra, França e Estados Unidos, através dos portos de
Lisboa, Porto, Liverpool, Londres, Havre, Nantes, Marselha, Sète, Salem, Boston e New
York.38
Os laços com os portos estrangeiros – costumeiramente restritos ao âmbito
econômico ou colocados apenas como uma solução para o problema do abastecimento, do
qual os presidentes da Província tanto se queixavam – são uma via para pensar as navegações
como propiciadora de trocas não somente comerciais, mas culturais a partir das novas práticas
e releituras da realidade, para qual a Província dava seus primeiros passos.
O transporte marítimo sempre teve crucial importância para o Grão-Pará, tendo
crescido a sua necessidade nos meados do século XVIII. Ainda que a emergência do chamado
35
SALLES, Vicente. A Música e o tempo no Grão-Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980, p. 273.
SARGES, Maria de Nazaré. Op. Cit..
37
LOPES, Siméia de Nazaré. “Casas de Negócios, Tabernas e Quintais: O controle social sobre os agentes do
comércio no pós-Cabanagem”. In: Revista Estudos Amazônicos. v. 1, n. 1, Julho/Dezembro, 2006, p. 39.
38
Esses portos eram os mais frequentes, embora existam outros que ainda serão apresentados.
36
31
“ciclo agrícola” (produção de cacau, café, algodão, cana-de-açúcar, etc.)39 não tenha
conseguido alavancar a presença desse transporte, com o aumento da exportação do cacau a
sua regularidade tornou-se inevitável. Durante o período do “ciclo,” a capitania permaneceu
sem muito contato com o mercado externo e “um ou dois navios por ano tocavam o porto de
Belém no princípio do século XVIII.”40
Antônio Baena, ao comparar as navegações da capitania do Pará com a Bahia em
1695 informa que “desta arte não é de maravilhar que quando dos portos do meio-dia do
Brasil se soltavam as frotas, como a da Bahia em 1695 composta de 40 navios grandes (...),
houvessem apenas três navios ocupados em igual tráfego de Lisboa para o Pará”. Porém,
afirma que é certo que a partir de 1733 havia carga para sete navios e “desse ano em diante o
dito número foi tendo paulatino incremento”.41
No decurso das décadas de 1780-1800, ainda recordava Baena, a quantidade de
navios dedicados a levar os produtos do Pará para o exterior, havia aumentado de 12 ou 13
para 25.42 Com a “separação do Maranhão em 1772 e até pelo menos 1817, a capitania do
Grão-Pará cresceu em número populacional e em comércio”.43 Comércio este que só tenderia
a alargar-se com a Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, que possibilitou aos portugueses
americanos e as outras nações a “comunicação mercantil,” sendo na visão de Baena a “fonte
mais caudal da riqueza e prosperidade, constituindo fácil e pérvio o comércio de seu
riquíssimo torrão a todos os povos civilizados.”44 A abertura dos portos possibilitou a relação
do Pará com outros mercados, agora não mais presos as restrições do exclusivismo e
“começam a vir os ingleses e mercadejar, e a estabelecer-se no Pará.”45
39
A classificação “ciclo agrícola” utilizado por Roberto Santos tem sofrido uma série de críticas na atualidade
por considerar que os processos econômicos são estanques e não dinâmicos. Cf. SANTOS, Roberto. História
econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980, p. 16.
40
ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região da Amazônia no fim do período colonial:
um ensaio da história econômica comparada. Belém: UFPA/NAEA, 1974, p. 28.
41
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio corográfico sobre a província do Pará. Brasília: Senado
Federal, 2004, p. 171.
42
BAENA apud RICCI, Magda. “O Fim do Grão-Pará e o Nascimento do Brasil: Movimentos sociais, Levantes
e Deserções no Alvorecer do Novo Império (1808-1840)”. In: PRIORE, Mary Del; GOMES, Flávio dos Santos
(orgs). Os Senhores dos Rios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 169.
43
Ibidem. Até o final do século XVIII o movimento das embarcações que atravessavam o Atlântico com destino
a capitania do Grão-Pará ainda era incipiente e estava restrito a Portugal, além dos navios ligados ao tráfico de
escravos. A partir de 1755 com a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, destinada a
incrementar o tráfico, houve um considerável aumento na introdução de escravos e consequentemente na entrada
de embarcações. Cf. SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. 3ª Ed. Belém: IAP;
Programa Raízes, 2005, p. 55.
44
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das Eras da Província do Pará. 2ª ed. Belém: UFPA,
1969, p. 273.
45
Ibidem.
32
É possível que a atração de vários comerciantes ingleses que se estabeleceram em
Belém e passaram a operar com a Europa depois de 1810 – tendo sido mais tarde ampliado a
área de comércio para abranger os Estados Unidos e as Antilhas – “tenham comunicado aos
contemporâneos uma impressão de boas perspectivas econômicas”.46 Todavia, tal otimismo
não iria durar muito, pois
De 1806 a 1819 passou o Pará por uma grande crise contínua e ininterrupta; mas, em
1820 sete galeras e 53 embarcações de diversas tonelagens trouxeram a esta
Província mercadorias francesas, inglesas, portuguesas e africanas, que teriam
constituído o início de uma era nova e mais próspera, se as comoções internas e as
agitações políticas não tivessem quase extinguido completamente as relações e o
movimento comercial (...). A navegação de longo curso se mantém estacionária até
1840-41 com 78 a 100 navios.47
Durante o período revolucionário cabano, houve sérios problemas concernentes à
produção e comércio, dificultados ainda mais pelas condições de saúde pública, como um
agravante para o desenvolvimento do comércio na Província. Não foi à toa a preocupação
expressa em 1838 pelo presidente da província Soares de Andréa, o qual traçava “um quadro
sombrio da economia paraense agravado pela destruição dos ativos (...), o desaparecimento de
escravos e, devem-se acrescentar os surtos epidêmicos e a piora das condições sanitárias.”48
O aumento da frequência das navegações deu-se concomitantemente ao
desenvolvimento do comércio ainda no período colonial, proporcionando um avanço
paulatino, embora com algumas interrupções. Há “necessidade de pensar os processos de
civilização ou as transformações sociais, recorrendo aos tempos longos, mesmo que
descontínuos”.49 Passou o Pará por um período de significativa estagnação entre 1821 e 1836,
só tendo voltado a uma relativa normalidade com o fim da Cabanagem.
Desde os tempos coloniais havia um ir e vir de ideias, homens, mercadorias e
tradições que interligavam a Amazônia a Portugal. No entanto, na sequência dos
anos de 1820 os ânimos dos povos exacerbaram-se, acentuando mágoas e rancores
que contrastavam com os antigos laços familiares e de solidariedade. As mudanças
políticas e sociais em curso entre as décadas de 1820 e 1840, em geral buscavam
delimitar os tênues fios de um patriotismo em um Império repleto de
heterogeneidades.50
46
SANTOS, Roberto., Op. Cit., p. 27.
CORDEIRO, Luiz. O Estado do Pará, seu commercio e indústrias (1719-1920). Belém: Tavares Cardoso &
Cia, 1920, p. 19; 20; 24.
48
CRUZ (1963) apud SANTOS, Roberto., Op.Cit., p. 35.
49
CHARTIER, Roger. A história Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 10-11.
50
RICCI, Magda. Op. Cit, p. 166.
47
33
Consoante a Ernesto Cruz, “vem exatamente do ano de 1840 a restauração da paz, do
comércio e da indústria, proporcionando a todos os habitantes da capital e do interior
perspectivas mais acalentadoras”,51 ou nas palavras de Siméia Lopes “após a pacificação da
população abalada pelas agitações políticas” o Grão-Pará experimentava um “reflorescimento
econômico”.52 Ainda em 1835 “o comércio esteve em ponto morto,” e “os navios não se
aventuravam a entrar num porto dominado pelos rebeldes.” Mas, de 1836 a 1837 entraram 66
embarcações de procedência estrangeira ao passo em que no mesmo período entraram apenas
34 de portos nacionais.53
Os navios de origem estrangeira que chegavam ao porto do Pará eram muito
superiores em quantidade em relação ao de origem nacional. Nesse diferencial, o que interessa
aqui são as importações. Os valores em moeda corrente demonstram que de 1838 a 1839
importou-se dos portos estrangeiros 852:657$625 réis e 485:587$044 réis de portos nacionais.
Entre os anos de 1839 e 1840 dos portos nacionais foram importados 659:761$488 réis e dos
portos estrangeiros 899:577$233 réis. Apresentados alguns dados comparativos referentes ao
número das embarcações e alguns valores das importações estrangeiras, observe na tabela 1
uma comparação das importações estrangeiras e de cabotagem considerando o número de
embarcações e o fator tonelagem.
Tabela 1 – Embarcações e tonelagens dos produtos entrados no Porto de Belém, 1836-1840
Período
Portos estrangeiros
Cabotagem
Nº embarcações
Tonelagem
Nº embarcações
Tonelagem
1836-1837
66
9.309
34
4.534
1837-1838
54
9.269
24
4.912
1838-1839
61
9.336
22
2.679
1839-1840
65
9.639
16
1.613
mo
Fonte: PARÁ, Governo da Província do. Discurso recitado pelo Ex Snr. doutor João Antonio de Miranda,
Presidente da Província do Pará na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840.
Pará, Typ. de Santos & menor, 1840, p. 77.
Comparando o número de embarcações entradas no porto da capital e o peso, em
toneladas, de 1836 a 1837 as 66 embarcações estrangeiras trouxeram 9.309 tonelagens e as 34
de cabotagem transportaram menos da metade, apenas 4.534 toneladas. De 1837 a 1838
vieram dos portos estrangeiros 54 embarcações com 9.269 toneladas e de cabotagem 24
51
CRUZ, Ernesto. História da Associação Comercial do Pará. 2ª Ed. Belém: Editora Universitária. UFPA,
1996, p. 115.
52
LOPES, Siméia. Op. Cit., p. 39.
53
CRUZ, Ernesto. Op. Cit., p. 113.
34
embarcações contendo 4.912 toneladas, o número é reduzido a menos da metade. Já entre
1838 e 1839 entram na Província do Pará 61 embarcações trazendo 9.336 toneladas, oriundas
de portos estrangeiros e de cabotagem 22 embarcações com 2.679 toneladas, ou seja, a
diferença é ainda maior. Aprofundando-se consideravelmente nos anos posteriores, pois de
1839 a 1840 a navegação de cabotagem conta com apenas 16 embarcações e 1.613 toneladas,
enquanto que a estrangeira conta com 65 embarcações com 9.639 toneladas.54
O que isso explica? A Província do Pará estabeleceu relações com o exterior, através
das navegações que se intensificou no pós-cabanagem e ainda mais depois de 1840, que vai
além de uma simples permuta de produtos ou uma comum troca comercial. Leituras
recorrentes e já bem consagradas têm tratado as navegações como um aporte necessário para
o incremento das ligações comerciais internacionais. Entretanto, é importante pensá-las
enquanto um elemento fundante, a partir de onde emanam as possibilidades de invenção de
variadas práticas sociais e culturais, quais sejam, as proporcionadas pela distribuição de coisas
materiais, mas também de ideias, notícias e modismos.
As navegações permitem que circulem de um lugar para o outro os modos de sentir,
de vestir, de conhecer, de pensar e até de se alimentar. Ou seja, o que está em questão, então,
não é apenas o que o governo provincial teria que arrecadar ou não com a entrada de
embarcações, mas o que o contato frequente pela diminuição das distâncias, sobretudo a partir
da navegação a vapor, pode significar para uma Província que principia a sentir o gosto da
civilização, no sentido imperial do termo.55 Partindo da delimitação temporal compreendida
entre 1840 e 1870, faz sentido analisar os efeitos das navegações, sob o prisma das
importações estrangeiras a partir de 1840, quando já se pode pensar a Província mais incluída
ao Império, haja vista a sua inserção tardia, unida a todos os problemas da identidade
nacional.
É nos rastros dos produtos materiais e não materiais trazidos do além-mar, que se
pode encontrar um conjunto de práticas imbuídas numa rede de representações que
circundaram o imaginário social dos meados dos oitocentos, o que questiona uma prática
historiográfica de relacionar o consumo dos pacotes da cultura europeia, para lembrar Vicente
Salles, tão somente ao período posterior a 1870. A navegação, principalmente a navegação a
vapor,56 promoveu uma revolução cultural e paulatinamente encaminhou a Província para a
54
Ibidem, p. 114.
Considera-se que o século XIX e o período imperial foi um período de grandes mudanças na ciência, nas
técnicas, nos hábitos que foram entendidas enquanto desenvolvimento de um processo civilizador.
56
A navegação a vapor teve início nos Estados Unidos, que foi o primeiro a usar esse tipo de embarcação em
viagens transatlânticas. A primeira delas ocorreu em 1819 em uma viagem de Nova Iorque a Liverpool num
55
35
superação do provincianismo anteriormente ao boom da borracha. O que diferenciou a belle
époque foi realmente o cosmopolitismo que adentrou a cidade, mas o discurso da
civilizacional é anterior.
Essa abordagem ainda servirá para repensar o lugar do Pará como uma importante
experiência no conjunto da modernidade nacional, que viveu as trocas materiais e simbólicas
propiciadas pelo comércio marítimo de longo curso. No entanto, para fazê-la é preciso
considerar especificidades. A primeira é a viagem que liga os mercados europeus e norte
americanos à Província que, por serem mais acessíveis, pode levá-la a obter vantagens em
relação à capital do império.
Um dos fatores que colaborou fortemente para a circulação intensa de embarcações
entre a Província do Pará e a Europa foram às monções,57 muito mais favoráveis as viagens
transatlânticas que nacionais, particularmente as oriundas do Rio de Janeiro. Os ventos e as
correntes marítimas contribuíram para que o extremo norte estivesse muito mais ligado a
Lisboa que ao Sul do continente americano. A questão geográfica era fundamental porque “o
mar era a via de comunicação (...) da época.”58
Antes dos meados do século XIX, raras embarcações nacionais conseguiam chegar a
Província do Pará. Somente “as sumacas – barcaças pequenas de dois mastros – conseguiam
sair da Bahia, de Pernambuco, ou mais do Sul, e bordejar na torna-viagem do Pará e do
Maranhão”.59 Até 1850, “os ventos e as correntes marítimas tornavam quase impossível a
viagem do Sul para o extremo-norte do Reino do Brasil antes do advento do barco a vapor”.60
Ainda assim, em 1855, momento em que os vapores já eram comuns, o jornal Treze de Maio
registrou apenas uma embarcação vinda do Rio de Janeiro para esta Província, enquanto
barco denominado Savannah. Para saber mais sobre navegação a vapor, ver: SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz.
Uma contribuição à história dos transportes: A Companhia bahiana de navegação a vapor (1839-1894).
Tese (História Econômica). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006. Em nível local a implantação regular
de linhas a vapor ocorreu em 1853, após intensos esforços do governo provincial. Para saber mais sobre a
navegação a vapor no Amazonas ver: GREGÓRIO, Vitor Marcos. Uma face de Jano: A navegação do rio
Amazonas e a formação do Estado brasileiro (1838-1867). Dissertação (Mestrado em História Social). São
Paulo: Universidade de São Paulo, 2008.
57
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. 3ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. Para entender mais sobre o
fenômeno das monções que permitia que o Pará desenvolvesse um intenso comércio ver: ALENCASTRO, Luiz
Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das letras, 2000, p.
59; GADELHA, Maria Regina A. Fonseca. Conquista e Ocupação da Amazônia: A fronteira norte do Brasil.
Estudos Avançados. v. 16, nº 45, mai/ago, 2002, p. 74; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. 3ª Ed. São
Paulo: Brasiliense, 1990; MACHADO, José Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: A
crise política do Antigo Regime Português da Província do Grão Pará (1821-25). Dissertação (Mestrado em
História Social). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 83.
58
MACHADO, José Roberto de Arruda. Op. Cit., p. 84.
59
ALENCASTRO, Luiz Felipe (2000). Op. Cit., 58.
60
MACHADO, José Roberto de Arruda. Op. Cit., p. 83.
36
entraram 50 embarcações vindas da Europa, sem considerar as embarcações italianas, belgas,
holandesas e espanholas que aqui não são objeto em análise.
Quando se pensa capital do Império, nesse mesmo período, há uma sobrepujação da
corte em relação às demais regiões do país. De acordo com Suely Gomes, o Rio de Janeiro era
o principal porto brasileiro de acomodação e distribuição de mercadorias, onde havia circuito
de trocas locais, regionais e internacionais que impactaram práticas costumeiras, alterando
“tradicionais regulações de tempo, direta e indiretamente, nas diferentes regiões do país e
exterior.”61 Nessa perspectiva, o Rio seria um grande centro distribuidor de economias de
tempo, gerando o que Gilberto Freyre chamou de uma alargamento da vida social.62
Segundo Alencastro, “forjou-se no Rio de Janeiro – capital, política, econômica e
cultural do país – um padrão de comportamento que molda o país pelo século XIX e o século
XX adentro.” Para ele, com a influência estrangeira ininterruptamente manifestada depois da
abertura dos portos, o Rio de Janeiro funciona como uma “grande eclusa,” e “o porto
fluminense – numa época em que o comércio internacional fazia-se apenas por via marítima –
apresentava-se como escala quase obrigatória dos navios que singrassem o Atlântico Norte
para os portos americanos do pacífico”.63 Quiçá o “quase” dê margens para perceber o Pará
como um caso diferenciado, uma vez que desde a colonização no extremo Norte, o Estado do
Grão-Pará ficou conhecido muito mais por sua relação direta com a Europa. Essa conexão
geográfica entre os portos do Pará e do Rio de Janeiro praticamente inexistia, não
acontecendo o mesmo entre o Pará e o Maranhão, onde as embarcações com destino a capital
belenense tinham escalas quase que obrigatórias.
A segunda especificidade consiste em uma particularidade para entender o fluxo dos
importados, sua recepção e usos desses novos produtos culturais. Se no Rio de Janeiro,
cessado o tráfico negreiro, o que antes era investido na compra de africanos passou a ser
redimensionado para o consumo de importados – como bens semiduráveis, duráveis,
supérfluos, joias e outros64 –, no Pará o aumento da exportação da borracha, no começo da
década de 1850 “está na raiz da disponibilidade financeira de segmentos elitizados da
sociedade de Belém para o consumo de produtos e de bens culturais franceses.”65
61
COSTA, Suely Gomes. Transição, globalização e intimidade. Rio de Janeiro, século XIX. Revista Historia y
espacio. n. 29, jun/dez, 2007, p. 65-66.
62
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos. 9ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
63
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Vida privada e ordem privada no Império”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe
de. (org.). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 23-24.
64
Ibidem, p. 37.
65
COELHO, Geraldo Mártires. Anteato da Belle Époque: Imagens e Imaginação de Paris na Amazônia de 1850.
In: Revista Cultura do Pará. v. 16, n. 2, julho/dezembro, (2005a), p. 201.
37
Sobre essa última afirmativa devem-se alguns acréscimos para que se avance na
proposta de trilhar outros caminhos. Embora a borracha tenha aferido inigualáveis
possibilidades para o consumo de produtos europeus, começa haver um considerável
crescimento da oferta desses produtos anteriormente a 1850. O movimento do porto já era
bastante intenso a partir de 1840 quando a Província, saindo dos efeitos do movimento
cabano, pode pensar na reestruturação do comércio. Relacionar o aumento das navegações e
consequentemente do comércio somente ao aumento da exportação da borracha é
impossibilitar uma análise mais ampla, como também incorrer no perigo da “sobrecontextualização”.66 A sobre-contextualização acontece “quando um texto está tão imerso no
seu tempo e lugar que impede uma compreensão sensível,” ou seja, a borracha como contexto
é fundamental, mas não pode sobrepujar outras leituras possíveis.
Um acréscimo ainda cabível para uma análise das importações é larguear a leitura
para abranger as outras relações com as quais a Província do Pará estreitava seus laços
comerciais para ir além do francesismo. Por ser a França um ícone da civilização no mundo
ocidental, ela aparece com primazia nas abordagens. Observada a nacionalidade dos navios
empregados na navegação nas décadas de 1840, 1850 e 1860 entre o porto do Pará e os portos
estrangeiros, constata-se que os franceses ocupavam o último lugar em quantidades de
embarcações, produtos importados e valores reais de importação.
No final da década de 1840, segundo dados levantados por Ernesto Cruz a
importação francesa contava com 14 navios e apenas 2.099 toneladas de produtos. Os
americanos ocupavam o primeiro lugar com 27 navios contendo 4.693 toneladas, o segundo
era dos portugueses disponibilizando uma frota de 20 navios e 4.006 toneladas e, em terceiro
lugar, os ingleses com 2.585 toneladas transportadas em 10 navios. Ainda que o número de
embarcações francesas fosse maior que as inglesas, elas transportaram menos toneladas de
mercadorias. Posteriormente, nas décadas de 1850 e 1860, a diferença entre ingleses e
franceses tende a aumentar, deixando as importações francesas cada vez mais em
desvantagem. Além desses, outros comerciavam com o Pará como é o caso Hamburgueses,
Dinamarqueses e Belgas, porém com menor frequência.67
Os Estados Unidos, Portugal, França e Inglaterra eram os países que mais
comerciavam com o Pará. Na década de 1840 a soma das importações vindas desses quatro
países variou entre 91,84%, para o ano de 1842-43 e 99,90% no ano de 1847-48, do total de
66
LACAPRA, Dominick. “História e Romance.” In: Revista de História. Campinas: Unicamp. v. 2, n. 3,
setembro, 1991, p. 122.
67
CRUZ, Ernesto (1996). Op. cit., 118.
38
importações que chegaram ao porto do Pará.68 A média geral para a década foi de 96,37%, ou
seja, apenas 3,63% dos produtos importados vieram de outros portos estrangeiros. Essa
tendência, também se observa nas décadas seguintes.
Desses países, emanavam “os vinhos, o sal, as fazendas e tapeçarias de toda a
espécie, quinquilharias e muitas outras diversas manufaturas e objetos de comodidade ou de
luxo”.69 Contudo, essas não eram as únicas bagagens, as viagens transportavam novas ideias e
fixavam “modernos” tempos sociais, pois se depreende que os objetos somente adquirem
sentido a partir do valor que lhes é dado pelas sociedades em diferentes espaços, situações e
contextos. Nesse sentido, somente as trocas comerciais não expressam esses outros
significados.
Afinal, capital e capital simbólico, tratando-se de relações capitalistas, como as
processadas entre a Europa e o Brasil (...) são como o Deus Jano: duas cabeças e um
só corpo! O capital simbólico circula pelas mesmas vias por onde circula o corpo
físico do capitalismo, ou seja, a mercadoria, sendo que ambos encarnam uma mesma
e complexa realidade, a da ideologia e das visões de mundo dos sujeitos
hegemônicos da burguesia oitocentista.70
Posto nestes termos, é pertinente o significado da navegação internacional para a
assimilação de novas práticas, valores, usos e ideias na Província do Pará, haja vista que ela
tinha uma posição privilegiada para o acesso a essas mudanças, demonstrando-as em um
processo de representação da vida social ou pelo menos daquilo que se almejava vir a ser
como implicação dos efeitos da “mundialização da cultura”,71 manifestada no século XIX e
que na Amazônia não se apresenta tão tardiamente.
I. II. O Porto de Belém e os produtos.
A historiografia já identificou o movimento das coisas e das ideias há bastante
tempo. Alguns perceberam no calor do momento, ainda no século XIX, outros ao longo do
XX e ainda outros no XXI. Antonio Baena, ainda na década de 1830, em um trabalho de
sistematização de informações sobre a Província do Pará mostrava os quadros de importação
entre os anos de 1789 e 1827. Embora não estivesse tratando especificamente de importação
68
Ibidem.
Idem., p. 119.
70
COELHO, Geraldo Mártires (2005a)., Op. cit., p. 200.
71
Ibidem.
69
39
estrangeiras, mas também de importações nacionais, os produtos estrangeiros aparecem com
predomínio.
Em primeira instância, boa parte dessas obras possibilitam apenas uma demonstração
de produtos importados de modo bem geral, algumas cifras correspondentes aos valores de
importação, menções acerca do aumento na entrada de embarcações, descrição de objetos
importados que começaram a ter algum impacto na sociedade e a concorrência entre produtos
importados e gêneros locais. Dentro da historiografia mais atual, as obras já são mais
específicas. Uma dá conta das coisas do lar, outra da alimentação, pesquisas estas que dão
suporte a uma análise da importação estrangeira antes e depois do período estudado. Antonio
Baena fez importantes referências aos importados, veja no quadro abaixo:
Quadro 1 – Gêneros entrados no Porto de Belém-Pará, 1789-1827
Aguardente
Azeite
Alhos
Alcatrão
Aço
Azeitona
Açúcar
Alfazema
Aduelas
Arco de ferro
Água de colônia
Bacalhau
Bolacha
Brochas de pintor
Breu
Bonetes
Bolachinhas
Carnes de porco
ensacadas e presuntos
Chá
Chapéus
Cera em pão
Cera em velas
Cebolas
Condeças
Charutos
Cabos de linho
Chumbo
Calçados
Crivos
Celins e arreios
Ciminhos
Cobre
Chumbo em grão
Cachimbos
Cerveja
Doces
Drogas de botica
Drogas
Espelhos
Espadas
Espermacete
Erva doce
Fazendas de lã, de seda,
de algodão e de linho
Fateixas
Farinha de trigo
Figo
Ferradura
Ferragem de toda a
qualidade
Ferro em barra
Folhas de cobre
Ferro coado em obras
Genebra
Guitarras
Girofe
Graxa
Louça
Legumes
Licores
Lambiques
Massas
Manteiga
Móveis de casa
Molhos de conserva
Marmelada
Óleo de Linhaça
Obras de ouro e prata
Obras de cobre
Pomada
Pedra de amolar
Pimenta
Queijos
Quinquilharias
Relógios
Rapé
Sal
Sementes de flores
Sebo
Sardinhas
Sabão
Tintas
Terebentina
Terçados
Tabaco em pó
Taboado de pinho
Orchata
Toucinho
Oratórios
Pedra de cal
Passas
Papel
Tintas preparadas
Vinho
Vinagre
Viola
Pederneiras
Vidros
Palitos
Pesos de bronze
Vergalhão
-
Fonte: BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Compêndio das eras da província do Pará. 2ª ed. Belém: UFPA,
1969, p. 166-168.
40
Os produtos que aparecem neste quadro são os mesmos que estão com frequência
estampados nas páginas dos jornais a partir de 1840, com destaque para o Treze de Maio,
Diário do Gram-Pará e Gazeta Official. O que não dá para visualizar no quadro de Baena é a
quantidade ou a frequência com que esses produtos entravam. Todavia, certamente houve
acréscimos depois de 1840, principalmente se comparado com a década de 1820, em que aos
conflitos pré e pós independência, que resultaram na Cabanagem, se espraiaram na capital e
no interior e, consequentemente, a entrada de embarcações esteve reduzida.
Em 1915 Manoel Barata, ao escrever sobre a antiga produção e exportação do Pará,
produziu um quadro comparativo entre os anos de 1773 e 1818, demonstrando os principais
produtos exportados e seus valores. Relacionou ainda a exportação e a importação entre a
Província do Pará e Portugal, e constatou que no decurso desse período saiam mais produtos
do que entravam no porto da capital paraense.
Tabela 2 – Importação e exportação entre Pará e Portugal, 1800-1818
Período (Anos)
1800
1801
1805
1810
1811
1812
1813
1814
1815
1816
1817
1818
Exportação
628: 494$650
294: 725$183
646: 907$222
338: 675$791
336: 899$300
360: 305$600
503: 545$593
512: 788$270
234: 378$050
559: 274$285
640: 707$459
615: 272$713
Importação
418: 379$989
194: 394$695
625: 614$527
156: 300$280
153: 724$230
222: 511$ 760
553: 431$450
379: 933$470
146: 554$060
496: 058$365
444: 012$170
615: 114$990
Saldo (Pará)
210: 144$661
100: 330$488
21: 292$695
182: 375$280
183: 175$070
137: 793$840
50: 114$143
132: 854$000
87: 813$390
63: 215$920
196: 583$289
157$723
Fonte: BARATA, Manoel. Formação histórica do Pará. Belém: Editora Universitária: UFPA,
1973, p. 301-307.
A tabela indica que os valores de importação oscilaram entre 1800 e 1818, porém,
não se registra uma tendência constante de crescimento ou decrescimento,72 indicando que a
abertura dos portos não prejudicou drasticamente as importações portuguesas na Província
paraense. Por outro lado, ela permitiu principalmente a partir de 1810, as importações
crescentes de outros países. Apesar dos valores de importação nesses anos exprimirem a
relevância da importação de coisas estrangeiras, já nas duas primeiras décadas do século XIX,
o que Manoel Barata objetivava mostrar, com uma dose de saudosismo, eram as grandes
72
Apenas no ano de 1813, a balança comercial do Pará apresentou déficit.
41
cifras da exportação ao destacar que a exportação era sempre maior que a importação e que o
Pará nesses anos esteve sempre com um saldo positivo por escoar em grande escala.
Lembrava o autor de “A Antiga produção e exportação do Pará”, usando uma fala do
inspetor da Alfândega do Pará, Ribeiro Behring, que depois de 1850 em função da falta de
braços para a lavoura até o “arroz, o milho e o feijão são-nos importados do estrangeiro”.73
Essa tese de que a produção da borracha levou a derrocada da agricultura já foi refutada por
Luciana Marinho,74 pois embora uma parte dos produtos importados estivesse relacionada ao
suprimento de necessidades básicas, voltadas à alimentação, a maioria deles estava voltada
para uma modernização crescente da cidade e das formas de viver.
Luiz Cordeiro, discorrendo sobre o comércio e a indústria como os dois motes de
desenvolvimento da Província, relata alguns dados do comércio de longo curso e realça que
de 1840-41 entrara de 78 a 100 navios com a carga variando entre 11.252 e 14.181 toneladas.
De 1850-51 o número era de 84 navios com tonelagem de 14.700 e em 1861 fora de 116
embarcações com 72.400 toneladas.75 Portanto, ao fazer referências aos navios e suas
respectivas tonelagens, também faz referência a importação.
Ernesto Cruz, na ocasião do centenário da Associação Comercial do Pará na década
de 1960, também dedicou uma parte de seu livro “História da Associação Comercial do Pará”
à importação de mercadorias estrangeiras traçando um paralelo entre a entrada dessas
embarcações com as nacionais, bem como os valores destinados a cada uma delas. No que diz
respeito as embarcações Ernesto Cruz mostrou que entre 1836-38 no porto de Belém havia
um predomínio de importações nacionais, enquanto que nos dois anos seguintes, a importação
de cabotagem definhou tanto que acabou sendo superada pelo comércio internacional. O
mesmo autor se referiu as nacionalidades dos navios, aos tipos de embarcações, tonelagens e
mercadorias importadas.
Ainda neste traçado dos principais autores que em algum momento histórico
tocaram, mesmo que pontualmente, no tema relacionado à importação de mercadorias, que
atravessavam o Atlântico com destino ao Pará, destaca-se Roberto Santos. Ele acentua em um
estudo publicado em 1980 que a partir de 1820 embarcações de diferentes nacionalidades
trouxeram muitas mercadorias, mas que este processo de importação sofreu um rompimento
em função das agitações pelas quais passara a Província.
73
BARATA, Manoel. Formação histórica do Pará. Belém: Editora Universitária: UFPA, 1973, p. 323.
BATISTA, Luciana Marinho. Muito Além dos Seringais: Elites, Fortunas e Hierarquias no Grão-Pará, c.
1850-1870. 2004. 283 p. Dissertação (Mestrado em História Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2004.
75
CORDEIRO, Luiz. Op. Cit., p. 20.
74
42
Provavelmente, a quantidade de embarcações, apontadas por este autor, que
chegaram ao Pará em 1820 seja condizente com a realidade, pois de acordo com estudos
recentes “somando as naus francesas, inglesas e portuguesas, depois de 1815, tem-se um total
de 252 visitas”.76 Assim, a entrada de 53 embarcações mais 7 galeras no penúltimo ano do
período joanino pode ter demarcado o fim de um período próspero, que veio a ser restaurado
paulatinamente depois de 1840.77
Vicente Salles, entre tantos objetos abordados, não deixou de mencionar as grandes
mudanças pelas quais passou a Província antes do cosmopolitismo que marcou a Belle
Époque. Para ele, operou uma revolução nos usos e costumes dentro da vintena de 1850 e
1870, vinda nos vapores do comércio internacional. Ressaltou que o Pará estava entre os
povos que “na mesma época recebiam, em grandes doses, essas lições de cultura e civilização,
povos ainda voltados para o modelo reitor de sua formação histórica, nada disso é superficial,
fútil ou mundano (...). Recebíamos evidentemente, já prontos para o consumo os pacotes da
cultura europeia”.78
Dentro dos pacotes da cultura europeia estavam porcas, mazurcas, contradanças
próprias para festas particulares, música impressa e instrumentos modernos. “A navegação a
vapor, já estava estabelecida, colocava no mercado consumidor produtos oriundos de Lisboa e
Paris”.79 O alvorecer de novos hábitos, segundo Salles, ocorreu simultaneamente a reativação
do Theatro Providência no final da década de 1840, a mais tradicional casa de espetáculos de
Belém até a inauguração do Theatro da Paz.
O relato de alguns aspectos ocorridos antes da expansão da economia gomífera por
Barbara Weinstein, em uma obra publicada em 1993, ratifica a presença frequente dos
importados antes do boom da borracha. Lembra que “embora os aviadores distribuíssem
alguns produtos locais, o grosso de suas mercadorias vinha de Belém, onde os artigos
paraenses tinham de concorrer com as importações da Europa”.80
Estudos mais recentes da primeira década do século XXI fizeram apontamentos
importantes envolvendo a circulação e o consumo de importados. O “Anteato da Belle
Époque” foi um termo empregado por Geraldo Mártires Coelho para designar o período de
1850 a 1870. Para ele, “avançados os anos de 1850, um sem-número de bens de consumo que
76
VIEIRA JUNIOR, Otaviano; BARROSO, Daniel. Op. Cit., p. 198.
Possivelmente, as embarcações que intercambiavam o comércio de mercadorias, podem ser algumas das que
faziam parte também do tráfico de escravos, ao mesmo tempo em que integravam o comércio clássico de
mercadorias nas décadas de 1830 e 1840.
78
SALLES (1980), Vicente. Op. cit., p. 188.
79
Ibidem, p. 188; 191.
80
WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: Expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Edusp,
1993.
77
43
saíam das fábricas europeias (...) passaram a constar da oferta de lojas estabelecidas em
Belém”.81 Nesse sentido, esse seria o princípio de um processo que seria alavancado com a
abertura do rio Amazonas ao comércio internacional em 1867. De acordo com Coelho, a
década de 1850 pode ser considerada como o “tempo instaurador das relações entre
segmentos elitizados da sociedade de Belém do Pará”. Enfatiza ainda o significados,
representações e linguagens expressas nas “cadeias de uma cultura mundializada,
alimentadoras, por sua vez, de práticas tomadas como ritos civilizacionais”.82
Luciana Marinho analisou as fortunas de Belém e constatou que grande parte da
concentração de riqueza estava relacionada à ampla participação nos negócios mercantis. A
autora associa o crescimento desse tipo de centralização às grandes transformações pelas
quais passou Belém a partir da década de 1850, afirmando que houve um progressivo
aumento da importância comercial desde o início dos negócios da borracha.83
Com um recorte que também inicia na década de 1850, Sidiana Macêdo analisou as
principais fontes de abastecimento alimentício na Belém da segunda metade do século XIX.
Identificou que os alimentos que abasteciam a capital provinham dos sertões, de outras
províncias do Império e do estrangeiro, dando uma importância não secundária a manteiga
inglesa, ao bacalhau português, aos vinhos franceses, ao trigo, ao sal e a banha de porco norte
americanos no consumo da população belenense.84 Classificou alguns alimentos como de
primeira necessidade e outros para atender “os gostos mais apurados, em função dos novos
padrões de consumo que passam a vigorar na capital.”85
Muitos dos objetos das casas como os móveis e os utensílios eram importados.
Antonio Valente percebeu essa presença não apenas nos periódicos da época como também
nos inventários. Uma parte da riqueza dos inventariados constava de produtos importados
duráveis e aplicações em atividade de comércio, ramo este que teve um desenvolvimento
vertiginoso nos meados do século XIX, e era dominado por negociantes notadamente
portugueses, ingleses, franceses e americanos. Nesse estudo, que compreende toda a primeira
metade do oitocentos, fica evidente o cenário de uma cidade que alimenta expectativas em
81
COELHO, Geraldo Mártires (2005a). Op. Cit., p. 203.
Ibidem, p. 204.
83
BATISTA. Luciana Marinho. Op. Cit. p. 116-117.
84
MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira. Daquilo que se come: Uma história do abastecimento e da
alimentação em Belém (1500-1900). Belém, 2009. 227 p. Dissertação (Mestrado em História Social da
Amazônia). Belém: Universidade Federal do Pará, 2009.
85
Ibidem, p. 116.
82
44
relação a novos meios de prosperidade. “O porto de Belém veria crescer o fluxo de navios
vindos de todas as partes do mundo”.86
Essas pesquisas mais recentes tocam em questões pontuais relacionadas a
importação, e mesmo que os objetos de análise não sejam propriamente importação, estas
auxiliam na configuração do cenário estudado. Uma parte dessas pesquisas discute
especificamente os importados, como é o caso da alimentação e das coisas da casa, e ajudam
pensar em algumas das categorias levantadas como foco de análise.
I. III. Movimento das embarcações estrangeiras
As cidades sul-americanas que sentiram a prosperidade e a transformação nos
costumes, na fisionomia física eram capitais que tinham portos. Montevidéu, Buenos Aires,
Panamá, La Havana, San Juan de Porto Rico, Rio de Janeiro, todas tinham portos marítimos
em contato direto com o exterior.87 Assim, as grandes cidades portuárias, devido a sua função
de entrepostos mercantis, tinham nítida vantagem se comparadas com os distantes centros do
interior.88 Entende-se o porto como o principal centro receptor de ideias, valores, modismos
para além das mercadorias, não somente no Pará, mas em várias partes do Brasil. O porto do
Pará era um dos mais importantes no século XIX e Belém era privilegiada por sua posição
geográfica,89 o que favoreceu a recepção de bens materiais e simbólicos.
Essas mudanças mais intensas ocorreram no final da segunda metade do século XIX
e início do século XX. O Rio de Janeiro, por exemplo, começou sua transformação durante o
período imperial e prosseguiu durante a República à medida que crescia sua população.90 A
86
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 103. Outra pesquisa que trabalha sob a perspectiva da vida
material em Belém, abordando aspectos da casa e dos objetos, é a de Elaine Cristina Gomes. Cf. GOMES, Elaine
Cristina Rodrigues. Vida Material: Entre casas e objetos, Belém 1920-1945. 2009. 181 p. Dissertação
(Mestrado em História Social da Amazônia). Belém: Universidade Federal do Pará, 2009.
87
ROMERO, José Luis. Op. Cit., p. 250.
88
COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense,
2010.
89
Para perceber a importância do Porto e relacionar com outros Portos do Império foram buscadas diversas
referências sobre Portos. Cf. BARBOSA, Josué Humberto. Porto, navegação e vida social antiga: Um cronista e
o cotidiano do Recife nos meados do século XIX. Saeculum, jan/dez, 1998-1999, pp. 197-205; CRUZ, Maria
Cecilia Velasco. O porto do Rio de Janeiro no século XIX: Uma realidade de muitas faces. Tempo, n. 8, ago,
1999; ROMERO, José Luis. Latinoamérica: Las ciudades y lãs ideas. 2 ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores,
2004; ROSADO, Rita de Cássia Santana de Carvalho. O Porto de Salvador: Modernização em Projeto –
1854-1891. 1983. 100 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Bahia: Universidade Federal da Bahia,
1983; TORRES, Rodrigo de Oliveira. “...e a modernidade veio a bordo”: Arqueologia histórica do espaço
marítimo oitocentista na cidade do Rio Grande/RS. 2010. 110 p. Dissertação (Mestrado em Memória Social e
Patrimônio Cultural). Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2010.
90
ROMERO, José Luis. Op. Cit., p. 251.
45
capital do Império recebe “um crescente volume de mercadorias, considerando que as
embarcações se avantajavam em tamanho e em capacidade e velocidade de transporte”.91
A capital paraense, por sua vez, experimentou muitas mudanças no sentido de uma
“europeização dos costumes”, algumas delas possibilitadas pela presença de um significativo
porto desde muito cedo, o que demonstra que a Província era privilegiada por sua posição
geográfica e pelas relações diretas que estabeleceu com a metrópole desde a Colônia. A partir
dos meados do século XIX, as grandes cidades litorâneas do País, a começar pelo Rio de
Janeiro, Recife, Salvador, São Luis e Belém experimentaram notáveis avanços em serviços e
melhoria de infraestrutura: linhas de navegação a vapor, calçamento de ruas, iluminação
pública em lampiões a gás92 e outros.
Concomitantemente, acompanhando essa evolução, ocorriam profundas
transformações no campo cultural e ideológico. O incremento do comércio e o maior
contato com o estrangeiro desencadearam um processo de reeuropeização das elites
nacionais de acordo com padrões anglo-franceses, o que provocou mudanças em
seu estilo de vida e um aburguesamento dos costumes, alterando a velha ordem
patriarcal da sociedade agrário-escravista herdada do período colonial e criando
novas condições materiais de existência que transformaram a vida e o hábito dos
citadinos.93
De acordo com os Mapas Estatísticos do Comércio e Navegação do Império do
94
Brasil , durante a década de 1840 vinte portos no Império recebiam embarcações que traziam
produtos importados de diversos países, principalmente da Europa e Estados Unidos. O porto
de Belém aparece com o sexto maior montante de importações estrangeiras, como mostrado
na tabela abaixo, mas na década de 1860, segundo Tavares Bastos, já ocupara o quarto ou
quinto lugar no comércio de importação.95
91
COSTA, Suely Gomes. Op. Cit,. p. 65.
FREYRE, Gilberto (1996). Op. Cit.
93
BARRETO, Mauro V. O Romance da vida Amazônica: uma leitura socioantropológica da obra de Inglês
de Souza. São Paulo: Letras à Margem, 2003, p. 95.
94
Coleção de mapas estatísticos do comércio e navegação do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia
Nacional, 1841-1850.
95
TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido. O valle do Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1937, p. 156.
92
46
Tabela 3 – Importação Estrangeira total, para os seis maiores portos do Brasil
Imperial durante a década de 1841-185096 (valores em réis)
Porto
Valor da importação estrangeira
Rio de Janeiro
177.138: 599$155
Salvador
54.048: 207$426
Recife
49.116: 560$440
São Luís
13.968: 190$395
Porto Alegre
9.730: 173$053
Belém
7.182: 644$193
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mapas Estatísticos do
Comércio e Navegação do Império do Brasil de [1841-1850]
Já na década de 1840, os bens de consumo que constituíram o cenário do conjunto da
modernidade nacional, com ênfase no Rio de Janeiro, começaram entrar de forma mais
regular no cais belenense. E, muitos produtos que na segunda metade do século XIX só
haviam entrado em poucos sobrados do Rio de Janeiro, Recife e Bahia, na década de 1840 já
estavam presentes em anúncios de jornais da Província do Pará. Um exemplo destes é o piano,
“a mercadoria fetiche dessa fase econômica e cultural”.97
Os portos, então, possibilitaram no Rio de Janeiro como no Pará a admissão de um
mercado de hábitos de consumo e de objetos que, além de significar uma aquisição favorecida
pelo comércio de longo curso, propiciou a inserção de elementos simbólicos de uma
modernidade endossada pela expansão da civilização. O “padrão de comportamento,” para
usar o termo de Luiz Felipe de Alencastro, que predominantemente moldou a Província não
adveio da capital do Império, mas diretamente dos centros civilizacionais europeus.
A fim de perceber o patamar dessa expansão observou-se o movimento de entrada no
porto de Belém entre os anos de 1840 a 1870, tanto de embarcações nacionais quanto de
estrangeiras. O objetivo primordial é comparar a frequência da entrada de navios estrangeiros
no porto posterior a 1840 com o período anterior, de modo a verificar se a mudança foi
realmente significante. É também possível analisar se houve um crescimento contínuo na
chegada de embarcações no porto belenense. Do ponto de vista quantitativo o gráfico abaixo
mostra a entrada das embarcações de portos nacionais e estrangeiros.
96
Dados para os anos fiscais de 1841-42, 1842-43, 1846-47, 1847-48, 1848-49 e 1849-50. A quantidade da
importação para o Rio de Janeiro, Salvador, Recife é muito maior do que a importação para São Luiz e Belém
em função de estarmos considerando a importação geral, que inclui a importação de outros países que não
somente Estados Unidos, Inglaterra, Portugal e França. Enquanto o comércio do Pará se fazia basicamente com
esses quatro países, as outras capitais comerciavam também em larga escala com outros países da Europa,
América, África e Ásia. Se considerássemos a importação apenas com esses quatro países específicos,
certamente essa diferença iria diminuir consideravelmente.
97
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (1997). Op. Cit., p. 45-46.
47
Gráfico 1 – Embarcações Nacionais e Estrangeiras entradas na Província do Pará, 1836-1869
Fonte: Dados construídos a partir de informações disponíveis nos Relatórios, Discursos e Fallas dos Presidentes
da Província do Pará para os anos de 1836 a 1871.98
A partir da análise do gráfico acima, nota-se que no período que vai de 1837 a 1840
o número de embarcações que aportaram no cais de Belém vindas de portos estrangeiros
cresceu progressivamente, enquanto que, na razão inversa, o número de navios vindos de
portos do Império decresceu até 1841. Isso, além de esclarecer que a cabanagem não trouxe o
declínio da navegação estrangeira para a região, demonstra uma relação direta com a
conjuntura da década de 1840 no centro Sul do Brasil. Esse possível distanciamento da Corte
Imperial com o Pará, durante esses quatro anos, possibilitou a Província fortalecer laços
comerciais com os países europeus e os Estados Unidos. Durante esses quatro anos, o número
de embarcações estrangeiras que proviam os produtos, que a Província precisava aumentou de
54 para 74, enquanto que as nacionais regrediram de 24 para 13 embarcações.
Santos, referindo-se ao período que vai de 1840 a 1870, período da economia
paraense que ele chama de "fase de expansão", enfatiza "que o movimento de ascensão da
renda já se esboça desde o intervalo histórico de 1840 a 1850, prosseguindo
ininterruptamente."99 Esse mesmo crescimento ininterrupto se observa também na variedade,
quantidade e frequência das embarcações e produtos importados que chegam ao cais
belenense.
Entre 1840 e 1847, nota-se uma fase de estagnação, embora as importações já fossem
significativas. O avultado crescimento do número total de navios entrados no cais de Belém
98
Para todo esse período, apenas os anos de 1844 e 1864 não tiveram dados catalogados. Fonte: Relatórios da
Presidência da Província, 1836-1871. Disponíveis em: http://www.crl.edu/brazil/provincial/ par%C3%A1.
99
SANTOS, Roberto. Op. Cit., p. 11.
48
nos anos de 1847 a 1849, que passou de 87 para 135, marca o início de uma fase de
florescimento econômico que a Província já vinha experimentando, muito embora de forma
modesta, desde o final dos anos 1830 de maneira ascendente.
É certo que, mesmo depois de restabelecida a ordem, e no meio da mais perfeita paz,
a renda ficou por muito tempo estacionaria, e só teve aumento notável nove anos
depois, elevando-se de 1845-1846 a mais de 455 contos o triplo da de 1836-1837.100
Esse crescimento que se inicia no final da década de 1830 e é impulsionado nos
último triênio da década de 1840 continuaria nas décadas de 1850 e 1860, ainda que tenha
sofrido algumas flutuações em 1854-55 e 1860-1861. O fato é que, se em 1849 entrou no
porto do Pará 135 embarcações, em 1869 a Alfândega do Pará registraria a entrada do dobro
das entradas de 1849, somando 270 embarcações, das quais 189 vindas de portos estrangeiros.
Ainda entre 1850-70, nota-se também o aumento da navegação de cabotagem que subiu de 18
para 81 embarcações. Apesar disso, representava menos da metade das viagens internacionais
para a Província do Pará.
Portanto, o número de viagens estrangeiras para o porto do Pará foi em todos os anos
levantados superiores as nacionais. As saídas dos portos do Rio de Janeiro, Ceará,
Pernambuco, Bahia e Maranhão, de onde o Pará mais importava, não superaram em nenhum
ano analisado as embarcações vindas do estrangeiro. Nesse sentido, o contato da Província
com os mercados externos é visível. Se considerarmos que uma parte dos produtos aportados
eram alimentos, a noção comumente ratificada de que era preciso importar em função do
deslocamento da mão de obra que antes era dedicada a produção de alimentos para os
seringais, já pode ser pelo menos parcialmente desmistificada, uma vez que em 1840 – ano
em que não havia exportação de borracha em grande escala – tantos os alimentos, quanto
outras categorias de produtos já chegavam a Província com grande constância.
Ainda tratando da navegação estrangeira e de cabotagem, é possível conferir em
valores reais a participação de cada uma delas nas importações da Província no mesmo
período tratado acima. Dessa maneira, pode-se perceber a influência da navegação sobre o
capital mobilizado no comércio da Província frente ao cenário nacional e internacional das
importações, conforme apresentado na tabela a seguir.
100
Relatorio dos negocios da provincia do Pará. Pará, Typ. de Frederico Rhossard, 1864. At head of title: Dr.
Couto de Magalhães, presidente do Pará, 1864. Cover title: Relatorio dos negocios da provincia do Pará seguido
de uma viagem ao Tocantins até a cachoeira das Guaribas e ás bahias do rio Anapú, pelo secretario da provincia,
Domingo Soares Ferreira Penna, da exploração e exame do mesmo rio até acima das ultimas cachoeiras depois
de sua juncção com o Araguaya, pelo capitão-tenente da armada, Francisco Parahybuna dos Reis. p. 59-60.
49
Tabela 4 – Importações de Portos Estrangeiros e Nacionais para o Pará, 1836-1870
Período
1836-37
1837-38
1838-39
1839-40
1841-42
1842-43
1843-44
1845-46
1846-47
1847-48
1848-49
1849-50
1850-51
1851-52
1852-53
1853-54
1854-55
1855-56
1856-57
1857-58
1858-59
1859-60
1860-61
1861-62
1862-63
1863-64
1864-65
1865-66
1866-67
1867-68
1868-69
1869-70
Portos Estrangeiros
689: 497$400
578: 584$440
852: 657$625
899: 577$233
1.075: 498$893
905: 479$318
1.818: 325$404
1.121: 199$977
1.808: 128$693
1.535: 181$730
1.410: 274$142
1.895: 517$267
2.782: 462$160
2.589: 299$599
3.094: 747$443
4.573: 656$697
3.609: 584$794
2.912: 364$182
3.616: 719$940
3.688: 600$876
3.946: 363$957
4.834: 221$360
5.660: 147$471
3.868: 272$251
4.471: 313$653
5.227: 258$968
4.566: 470$475
4.836: 363$197
6.462: 061$729
6.254: 178$780
6.283: 129$073
6.902: 422$535
Portos Nacionais
1.130: 605$333
709: 006$590
485: 587$044
659: 761$488
117: 789$800
119: 432$835
127: 839$891
164: 966$000
136: 348$302
136: 348$302
126: 389$800
276: 695$724
579: 007$626
518: 235$450
334: 427$467
337: 427$467
737: 598$900
316: 902$939
481: 881$104
776: 815$600
802: 944$600
893: 135$654
1.100: 061$203
1.477: 846$906
2.130: 046$967
2.260: 477$960
1.797: 973$579
1.868: 152$038
1.839: 201$745
4.164: 221$344
Fontes: Relatórios da Presidência da Província do Pará.101
No início da Cabanagem as importações nacionais eram quase o dobro das
estrangeiras. Entretanto, a partir de 1838 a importação estrangeira aumentou em escala
crescente como se observou anteriormente. No entanto, mesmo que os valores investidos em
produtos vindos de portos estrangeiros entre 1838 e 1840 tenham aumentado, o acréscimo não
foi tão grande, o que corrobora em alguma medida a ideia de que o período da Cabanagem
não foi propício a entrada dessas mercadorias, mas que quanto mais se distanciava do fim do
movimento em 1840, mais as embarcações estrangeiras encontravam os portos abertos para
sua ancoragem.
Quando se observa a ampliação da importação de portos estrangeiros no biênio 18431844, constata-se que a Tarifa Alves Branco trouxe um impacto nos valores da exportação
101
Dados construídos a partir de informações disponíveis nos Relatórios, Discursos e Fallas dos Presidentes da
Província do Pará de 1838 a 1870. Disponíveis em: http://www.crl.edu/brazil/provincial/par%C3%A1.
50
estrangeira, uma vez que o crescimento vertiginoso no período da criação da lei pode se dever
ao aumento dos impostos que passaram a ser embutidos no valor dos gêneros importados. Por
outro lado, o acrescentamento em mais 100% nos valores de importação pode também
significar que mais gêneros passaram a entrar em Belém a partir do segundo biênio da década
de 1840. Este cenário de ampliação da importação de mercadorias estrangeiras só mudaria
consubstancialmente a partir da década de 1860, com o crescimento da produção industrial
brasileira, o que casou o aumento da importação de produtos nacionais.
Assim como aumentou progressivamente a entrada das embarcações estrangeiras, o
mesmo aconteceu com os valores das importações, tanto das importações diretas com os
portos internacionais, quanto das importações de mercadorias estrangeiras vindas de portos
nacionais. Observa-se que até 1838 as cifras das importações nacionais superavam as
estrangeiras e, há uma tendência para as décadas seguintes, sendo que cada década possui um
perfil peculiar.
Na década de 1840, enquanto a importação de cabotagem manteve-se estagnada, com
valores
anuais
em
torno
de
120:000$000,
a
importação
internacional
cresceu
significativamente, elevando essas cifras de 900:000$000 do final da década anterior para
1.900:000$000 em 1849. Na década de 1850 enquanto a importação internacional cresce
aceleradamente, alcançando 4.834:000$000, a nacional ensaia sua reação, chegando em
776:000$000 de bens importados para o Pará. Finalmente nos anos de 1860 a importação
nacional cresce em ritmo mais acelerado que a estrangeira, mas ainda assim, com seus
4.164:000$000 está longe de superar os 6.902:000$000 das importações internacionais.
Roberto Santos já havia notado essa tendência quando afirmou que de 1850 a 1865 "houve
uma dependência maior da região, relativamente ao exterior", ao passo que o segundo
quinquênio da década de 1860 já estava caracterizado por uma dependência em relação ao sul
do Império,102 ainda que essa dependência interna não tenha superado a externa.
O comércio da Província do Pará entre 1840 e 1870 é marcado pela forte relação
mercantil que seu porto estabelece com portos estrangeiros, caracterizando uma dependência
desse comércio com os estrangeiros, enquanto o sul do Império mantinha-se relativamente
distante da longínqua Província do Norte. No ano fiscal de 1853-54 a importação estrangeira
foi 1.355% maior que a importação nacional, o que demonstra que o grosso dos produtos
consumidos nas cidades do Pará era estrangeiro, em sua maioria europeus.
102
SANTOS, Roberto. Op. Cit., p. 131.
51
O gráfico abaixo mostra a evolução da renda interna na Província do Pará de 1800 a
1872, sendo que entre 1836 e 1872 a exportação respondeu por valores entre 50% e 60% da
renda total arrecadada. Em 1848, quando o comércio exterior do Pará começa sua forte
ascensão, os seus principais produtos de exportação eram fumo (31,30%), cacau (21,90%),
couros (17,43%), borracha (10,63%) e outros produtos (18,74%). A borracha respondia
apenas por um décimo das exportações, ocupando o modesto quarto lugar nas listas de
exportações.103 Contudo, se a borracha ocupava esse lugar na pauta das exportações, quem
seria o impulsionador do processo de modernização do final da década de 1840, favorecido
pelo aumento da economia interna nesse período?
Gráfico 2 - Renda Interna da Província do Pará, 1800-1872
Fonte: Gráfico construído a partir de dados de Roberto Santos.104
As informações sobre os valores reais de importação estrangeira e nacional para o
porto de Belém (da tabela 4), o registro do número de embarcações que aportaram nesse cais
(gráfico 1), o aumento dos anúncios referentes aos produtos importados em periódicos da
capital da Província, o crescimento da renda interna da Província (mostrada no gráfico acima),
e a estes elementos podemos, ainda acrescentar as tonelagens e quantidades de itens
importados que chegam a Belém nesse período, a chegada da Companhia de Navegação do
Amazonas em 1853, os valores reais de exportação, a entrada de imigrantes europeus,
principalmente portugueses, ingleses e franceses para Belém, permitem-nos afirmar que a
goma elástica não foi o embrião impulsionador desse crescimento, pois no final dos anos 40
quando sua produção ainda era elementar, a Província já experimentava esse desenvolvimento
econômico que veio oportunizar a modernização da cidade de Belém com a chegada dos bens
103
104
Ibidem, p. 53.
Ibidem, p. 336-337.
52
materiais e culturais da "civilizada Europa". Em 1849, antes do advento da navegação interna
a vapor, Bates observou que até no interior da Província as pessoas da classe mais elevada
"vivem, ao contrário dos hábitos brasileiros, à moda europeia."105
O que talvez seria mais correto afirmar é que a borracha acelerou a chegada da
modernidade à Província do Pará nos anos posteriores, pois esta já assistia a europeização dos
seus costumes, com a introdução desses artigos, dos mais básicos aos de maior luxo. Bates
referindo-se a essa mudança de costumes diz que, "os costumes rapidamente mudaram depois
que os navios a vapor começaram a navegar no Amazonas (em 1853), trazendo uma onda de
novas ideias e novos modos à região."106
Na década de 1850 houve um aumento na exportação da borracha, o que alargou o
poder de obtenção dos produtos importados. Nas décadas de 1850 e 1860 aumentou o
consumo desses produtos, porém o que se importava na década de 1840 não era irrisório. As
viagens, então, aumentaram proporcionalmente a expansão dos negócios da borracha, embora
não se possa relacionar o consumo dos produtos importados somente a isto, uma vez que na
década de 1840 já se importava muito, assim como no período joanino.
Ao confrontar as três décadas estudadas com o levantamento do tempo joanino
constata-se que o “trânsito fluvial-marítimo” tornou-se mais intenso.107 Com o fim das
guerras peninsulares em 1815 houve um aumento da entrada de embarcações estrangeiras,
especialmente inglesas, norte americanas e francesas, com uma diminuição das embarcações
lusitanas, sobretudo a partir de 1818.108 De 1808 a 1821 chegou ao Grão-Pará 534
embarcações. De 1840 a 1870 foram registradas a visita de 4.114 embarcações, o que equivale
a uma média de 152 embarcações por ano, enquanto que no período joanino tinha-se uma
média de 38 embarcações anuais.
Se decompormos o período nas três décadas, teremos uma média de 94 embarcações
anuais para a década de 1840, 145 para a década de 1850 e 212 para a década de 1860.
Percebemos, a partir desses dados, um aumento progressivo das entradas das embarcações a
partir da abertura dos portos. Consequentemente, o resultado não é definitivo, e é provável
que as visitas estrangeiras a esta Província tenham sido mais numerosas do que foi possível
contabilizar, pois não obtivemos informações nos anos de 1844, 1845 e 1864.
105
MELLO-LEITÃO, Cândido de. O Brasil visto pelos ingleses. São Paulo: Companhia Editora Nacional:
1937, p. 44.
106
Ibidem, p.41.
107
VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano; BARROSO, Daniel. Op. Cit.
108
Ibidem, p. 196.
53
Quanto aos portos de onde mais provinham as embarcações eram os norte
americanos, portugueses, ingleses e franceses. Além desses, a Província também recebia
embarcações alemães (principalmente hamburguesas), dinamarquesas, belgas e outras em
escala bem menor. É importante ressaltar que as embarcações não transportavam mercadorias
apenas de seus países de origem, pois não estavam impedidas de transportarem pessoas e
mercadorias de outros países. A tabela 5 exibe as procedências das embarcações que se
destinavam a Província do Pará não indicando necessariamente as suas nacionalidades.
De 4.205 embarcações arroladas 1.179 eram nacionais e 3.026 estrangeiras, ou seja,
se o contato da Província com todos os portos nacionais eram menos da metade das entradas
estrangeiras, a relação com a capital do Império não era das mais regulares, sendo que a maior
parte da procedência das embarcações nacionais era do Maranhão. De todas as embarcações
estrangeiras 1.881 tiveram a sua nacionalidade identificada, sendo que as embarcações
americanas eram quase o dobro das francesas e as portuguesas eram pouco menos que as
inglesas.
Tabela 5 – Procedência das Embarcações entradas no Porto de Belém, 1840-1867
(em números absolutos)
ANO
1840
1841
1842
1845
1846
1847
1848
1849
1850
1851
1852
1853
1854
1855
1856
1857
1858
1861
1862
1863
1866
1867
Total
Portos
Brasileiros (846)
20
21
13
20
18
21
15
44
19
18
23
29
49
51
64
59
50
65
65
57
64
61
846
Americanos
14
33
33
31
25
21
28
27
36
25
39
47
36
32
33
30
31
25
23
2
30
29
630
Portos Estrangeiros (3.026)
Portugueses
Ingleses
12
5
21
5
17
7
16
9
15
8
16
9
29
10
20
19
16
14
22
15
21
14
22
19
20
19
19
23
21
14
20
22
18
26
15
18
26
36
26
68
23
63
27
61
442
484
Franceses
3
6
6
6
9
9
14
12
9
13
11
16
16
17
20
22
22
17
23
22
26
26
325
Fonte: Tabela constituída a partir dos Relatórios da Presidência da Província.109
109
O número de embarcações referentes aos anos de 1840 e 1854 não estavam disponíveis nos Relatórios da
Presidência da Província. Completamos esses dois anos com informações do jornal Treze de maio.
54
A tabela mostra o quão importante era a navegação de longo curso para a Província
do Pará. Em escala bem menor, a navegação de cabotagem representa menos da metade da
navegação estrangeira. Se considerássemos a relação do Pará com outras províncias essa
diferença seria ainda mais manifesta. No término da década de 1830 houve um definhamento
da navegação nacional, que até então tinha sido progressiva, ao passo que a navegação de
longo curso que era desanimadora começa a dar os primeiros passos. Em 1840 registrou-se
1.680 viagens para o Brasil e, em 1844 já eram 1.728.110
No que diz respeito ao Pará, os norte americanos somaram o maior número de
viagens para essa Província com 630 viagens. Os ingleses ocuparam o segundo lugar com 484
viagens, pouco antes dos portugueses que fizeram 442 e, por último está a França tendo
realizado 325 viagens. Enquanto no Rio de Janeiro e nas províncias da Bahia e Pernambuco
havia um predomínio de embarcações inglesas, no Pará a dominação era das naus norte
americanas.
Os Estados Unidos em 1840 lideraram com pouco mais de 40% do total de viagens
internacionais, e até 1861 continuam na cabeceira com aproximadamente 38%. É notável que
os produtos americanos destinavam-se principalmente para o uso de primeira necessidade,
como o trigo, as fazendas de algodão e as ferragens. Por outro lado, os franceses que no ano
de 1840 ocupavam o último lugar no total de entradas, com apenas 3 embarcações, isto é,
apenas 9% do total de navios estrangeiros entrados naquele ano, terminam a década de 1860
tendo conseguido um relativo aumento, atingindo 26 navios, mais de 18% das viagens.
No outro extremo, os produtos franceses simbolizam em uma classificação de
valores, a difusão da própria civilização e, embora, eles traduzam esse simbolismo, uma
parcela muito pequena da sociedade podia consumir os chapéus de seda, as sedas, as louças de
porcelana, os cristais, os papeis de parede, os vinhos, que eram as mercadorias mais
comumente oriundas da França.
Os ingleses e portugueses ocupavam um lugar intermediário entre esses dois
extremos. A entrada das naus inglesas cresceu paulatinamente, dos 5 navios entrados em 1840
para mais de 60 embarcações anuais a partir de 1863, quando ocupou a posição dos Estados
Unidos, que desde 1840 lideravam as importações na Província. Entre os principais artigos
ingleses estavam a manteiga, o chá, os metais e ligas, as maquinarias à vapor, as louças de
porcelana e pratarias e as fazendas. Em se tratando de valores da importação, o gráfico abaixo
representa a importação que o porto do Pará recebeu de produtos de cada um desses países.
110
ALBUQUERQUE, Luiz R. Cavalcanti de. A Amazônia em 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894,
p. 54.
55
Gráfico 3 - Participação na importação da Província do Pará, 1840-1850
Gráfico construído com base nos valores de importação da Província do Pará.
Fonte: Coleção de mapas estatísticos do Império do Brasil, 1841-1850
Os dados mostram que na década de 1840 os Estados Unidos preponderavam em
muito quanto a exportação de produtos para o Pará. A importação inglesa que era bem
modesta no início da década, pois representava menos de 10% do valor total importado pelo
Pará, crescera a partir de 1843 com relativo decaimento em 1847. Mas, ainda no final dessa
década voltara a crescer continuamente e, continuaria sua ascensão durante toda a década de
1850 e suplantaria a importação norte americana no início da década de 1860.
No que diz respeito à relação entre Brasil e Inglaterra, há uma tendência na década
de 1860 a grandes investimentos, que dão um novo ímpeto aos interesses comerciais da
Inglaterra, à medida que se dá o arrefecimento da escravidão, um dos principais interesses
ingleses. Os novos interesses estão voltados para os investimentos industriais, estradas de
ferro e serviços urbanos.111 No Pará, foram diversos serviços disponibilizados por meio do
capital inglês, tais como a instalação da Companhia de Gás do Pará, instalada em 1863,112 o
London and Brazilian Bank Ltd, que fora autorizado a funcionar em 1862,113 entre outros.
111
GRAHAM, Richard. Brasil-Inglaterra. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização
Brasileira. Tomo II. v. 6. Declínio e queda do Império. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 168.
112
Relatorio dirigido á Assembléa Legislativa da provincial do Pará na segunda sessão da XII legislatura pelo
Exmo Snr. Dr. Francisco Carlos de Araujo Brusque, presidente da mesma provincia, em 17 de agosto de 1861.
Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, [n.d.], p. 6.
113
SANTOS, Roberto. Op. Cit., p. 134.
56
Esses serviços atraíam os ingleses para a Província do Pará, o que indubitavelmente trouxe
um reflexo no aumento das navegações na década de 1860.
Já a relação comercial entre Portugal e a Província teve uma constância entre os anos
estudados, apresentando na maioria dos anos valores em torno de 20 embarcações. Essa
mesma estabilidade se notou para embarcações norte americanas, onde esse valor médio foi
de 30 navios. Essas duas nacionalidades se contrapuseram aos ingleses e franceses que no
início da década de 1840 registraram números irrisórios, mas cresceram expressivamente com
o passar dos anos, na medida em que introduziram mais embarcações no comércio com a
Província. Parece mesmo que havia uma tendência anglo-francesa operando deste lado do
Atlântico, uma vez que "eram nos ingleses e franceses que principalmente se inspiraram os
brasileiros mais sofisticados da época."114 Contudo, ao contrário dos ingleses, que acabaram
por superar todas os outros países, a França mesmo com toda essa ascensão, a partir dos anos
de 1850 continuou em último lugar, tendo o menor número de entrada de embarcações no
porto de Belém.
No período joanino 55% das visitas eram portuguesas, 34% tinham nacionalidade
inglesa, 17% eram norte americanas e as francesas somavam 6%.115 Não é de espantar a
presença maior de embarcações portuguesas, uma vez que o Brasil ainda era colônia de
Portugal. No entanto, mesmo depois da independência é notável que os laços comerciais
continuaram fortes, perdendo o primeiro lugar para os norte americanos que tinham um
interesse evidente nos negócios da borracha, provocando inclusive sérias discussões, desde a
década de 1820, com o governo imperial em torno da liberação para a navegação interna.116
Após comparar as entradas de embarcações do período de 1840 a 1870 com o
período joanino é possível visualizar a partir dos países que mais comercializavam com
Belém, os portos de onde saíam as embarcações. A tabela 6 apresenta essa distribuição e os
portos mais importantes por marcarem uma regularidade em sua relação com essa parte do
Norte do Brasil.
114
FREYRE, Gilberto. Op. Cit., p. 62.
VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano; BARROSO, Daniel Souza. Op. Cit., p. 196-197.
116
GREGÓRIO, Vitor Marcos. Op. Cit.
115
57
1840
1841
1842
1845
1846
1847
1848
1849
1850
1854
1855
1856
1857
Total
Portuguesas
Lisboa
7
13
12
9
9
10
12
14
11
12
12
12
11
144
Porto
4
7
5
4
4
6
7
6
7
8
9
7
7
81
Outras
1
1
0
3
2
0
1
0
1
0
0
2
2
13
Americanas
Tabela 6 – Procedência das embarcações entradas no porto de Belém, 1840-1857
Boston
1
7
8
1
2
0
0
2
3
3
4
3
0
34
New York
5
10
9
10
8
10
15
11
14
18
19
19
21
169
Salem
6
13
12
12
10
11
13
13
17
9
10
9
6
141
Outras
2
3
2
2
2
0
0
1
2
6
5
2
3
30
Liverpool
3
3
3
2
5
5
7
17
13
15
17
12
16
118
Londres
1
1
2
2
2
1
1
0
0
1
3
0
1
15
Outras
1
1
2
3
1
3
2
4
2
3
3
3
3
31
Sète (Cette)
Le Havre
Marselha
Nantes
Outras
2
1
0
0
0
1
2
1
1
0
1
1
2
1
1
2
1
1
2
0
1
1
3
3
1
1
4
2
2
0
1
5
2
3
0
1
7
1
4
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2
5
1
4
1
1
10
1
4
0
0
9
2
6
0
1
6
1
3
0
0
16
1
5
0
14
68
18
38
5
Francesas
Inglesas
Cidades
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Tabela constituída a partir de dados publicados no jornal Treze de
Maio, 1840-1856;117 Relatórios da Presidência da Província118
Das entradas contabilizadas, o porto que mais teve contato com o Pará foi o de New
York com 169 entradas. Ocupando o segundo lugar estava Lisboa com 144 viagens, o terceiro
Salem somando 141 viagens e a cidade de Liverpool teve 118 embarcações saídas de seu
porto. Os outros portos de onde Belém recebia mercadorias com mais frequência, em ordem
decrescente do número de viagens, eram Porto, Havre, Nantes, Baltimore, Boston, Marselha,
Londres, Sète, New Haven, Cardiff, Glasgow, Bordeaux e Swansea.
De New York chegavam a Belém em média 13 embarcações por ano, de Lisboa e
Salem 11, o que equivaleria a quase uma viagem por mês, lembrando que as viagens nos
vapores duravam em torno de trinta dias, isso mostra uma regularidade dessas viagens. O
mesmo se observa das viagens entre o Pará e Liverpool, com uma média de 9 viagens por ano.
Da cidade do Porto vinham 6 navios por ano, de Le Havre 5, de Nantes 3, de Baltimore 2.
Dos outros portos, as viagens eram menos intensas, de Boston era 1 viagem a cada cinco
meses, de Marselha era 1 a cada nove meses, de Londres, Sète, New Haven e Bordeaux a
média era de apenas 1 viagem ao ano. Assim, podemos dizer que New York, Lisboa, Salem,
Liverpool, Porto e Havre eram as responsáveis pelo abastecimento das necessidades da
117
118
Os dados obtidos do Treze de maio correspondem aos anos de 1840-46 e 1854-56.
No Relatórios identificamos os dados para os anos de 1847-50 e 1857.
58
cotidianidade da Província do Pará. Para cada país havia uma ou mais cidades que se
destacavam. Em Portugal o destaque era Lisboa, na Inglaterra Liverpool, na França Havre e
nos Estados Unidos New York e Salem.
Em 1840 as embarcações saídas de Liverpool e Havre para Belém foram 3 e 1,
respectivamente. Dezessete anos depois esse cenário havia mudado, pois em 1857 já se
registrara na Alfândega do Pará a chegada de 16 embarcações de cada um desses portos. Esse
crescimento de embarcações inglesas e francesas se deu ao longo de todo esse período, mais
especificamente a partir de 1848. Foi o incremento na chegada de navios a partir desses portos
que proporcionou a Província do Pará experimentar novos ares de modernidade, com a
chegada das mercadorias, pessoas e costumes refinados à moda anglo-francesa. Conhecer a
procedência das embarcações é importante para se entender o tipo de carga que chegava ao
porto do Pará, de acordo com a cidade de origem.
Figura 1 – Portos de exportação de produtos para Belém
Belém
LEGENDA
França
Portugal
Inglaterra
Estados Unidos
Fonte: Atlas 2002, Adaptado pelo autor.
Na França, por exemplo, os portos de Sète e Marselha ficam no Mediterrâneo, o que
os deu a vantagem de estarem em contato direto com mercadorias do oriente, como as sedas e
59
louças de porcelana. Nantes, Havre e Bordeaux estão situadas no litoral atlântico, sendo que a
região de Bordeaux é grande produtora de vinhos. Havre, mais ao norte, próxima da Inglaterra
era, nos meados do oitocentos, mais industrial que as demais cidades francesas estudadas.
Quanto aos portos americanos de Boston, New York, Salem e Baltimore, todos ficam
na região Norte do País, e eram mais desenvolvidas industrialmente que as cidades do Sul,
mas por lá se escoavam para o Brasil todos os produtos do norte e do sul dos Estados Unidos.
Durante esses dezessete anos as viagens entre New York e Belém representaram 45% das
viagens entre os Estados Unidos e a Província do Pará, sendo que 38% foram provenientes de
Salem. Esses dois portos responderam por 83% de todas as viagens entre a Província e os
Estados Unidos. Os outros 17% foram viagens de Boston, Baltimore e New Haven.
Alguns produtos eram comuns a todos os portos dos Estados Unidos, como os
chapéus de palha, as fazendas de algodão, o tabaco, as tábuas de pinho e as carruagens. No
entanto, farinha de trigo, chá, espermacete, moedas, banha de porco e sacas e caixas vazias
estavam presentes somente nas embarcações saídas de New York e Salem, enquanto que,
bacalhau, sabão, móveis de madeira e pentes vinham para o Pará apenas de Salem e Boston.
Havia ainda, outros artigos que eram específicos por porto, tais como pimenta, breu, piche e
feno, produtos específicos de New York. Calçados, pólvora e relógios vinham somente de
Salem. E, manteiga, queijo, presunto e cerveja eram artigos exclusivos de Boston.
Os portos portugueses de Lisboa e do Porto, totalizam 95% das viagens que aquele
país estabeleceu com o Pará, sendo 60% de Lisboa e 35% do Porto. Desses portos partiam
rumo ao Pará os navios com as mercadorias mais variadas. Eram produtos comuns aos dois
portos como chapéus, frutas secas e sazonadas, verduras, toucinho, presunto, imagens de
santos e outros paramentos religiosos, aguardente, vinho branco e tinto, sal, alho e vinagre,
pequenos objetos de metal, fazendas, ferragens, calçados, bichas (foguetes), louças, bacalhau,
velas e cadeiras. Itens, prioritariamente, do Porto eram os canapés e sofás. Lisboa era a cidade
que enviava ao Pará a maior diversidade de artigos, que além dos já citados acima incluíam,
também, carne, castiçais e candeeiros, rapé, viola, rabeca, livros, jornais, papeis, pedras de
cantaria, facas, facões, vidro, azeite, drogas e alambiques. Como se pode perceber, o
predomínio dos artigos portugueses estava associado a necessidades básicas como
alimentação, religiosidade, vestimenta, construções e serviços gerais.
As cidades britânicas que mais comerciaram com Belém durante as décadas de 1840
e 1850 foram Liverpool e Londres. As viagens de Liverpool para o Pará corresponderam por
72% do total das viagens britânicas para a Província, 9% foram de Londres e, os outros 19%
foram de Cardiff, Glasgow, Swansea e Sunderland. Um fato a ser observado é que os navios
60
saídos de portos britânicos, carregados de mercadorias, rumo ao Pará quase sempre era por
Liverpool. No entanto, esses mesmos navios invariavelmente, ao retornarem à Europa com os
produtos da Amazônia, e passageiros iam para Londres. Outro fator que diferencia as viagens
de Londres, das de Liverpool é que quando os navios saiam de Londres rumo ao Pará eles
traziam poucas mercadorias, porém muitos passageiros. Enquanto que, as viagens de
Liverpool eram mais de mercadorias que de passageiros.
De Londres, as principais mercadorias transportadas à Província do Pará eram
fazendas, manteiga, louças, metais e ligas, tintas, pólvora e chumbo em munição. De
Liverpool além desses artigos vinham, também, queijo, cerveja, sabão, moedas, ferragens e
muito carvão de pedra. Em algumas viagens de Liverpool o carregamento era exclusivamente
de carvão mineral. Percebe-se que, enquanto Liverpool exportava para o Pará, principalmente,
bens materiais a fim de suprir as necessidades da Província, da capital inglesa a exportação
era muito mais de gente. Mas, as mercadorias e as pessoas tinham uma coisa em comum,
traziam da Europa para o Pará novas ideias e costumes.
61
CAPÍTULO II: ENTRE MARES, COISAS E SIGNIFICADOS
II. I. Do mundo da Civilização ao da Representação
A história cultural possa ajudar a esmiuçar os sentidos dos produtos importados. A
história cultural, de acordo com a concepção de Chartier, tem por principal objeto “identificar
o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler”.119
Nesse sentido, o conceito de representação como uma das possibilidades de análise
da história cultural será utilizado na medida em que a realidade pode ser analisada através das
suas representações, que devem ser compreendidas como uma realidade de múltiplos sentidos.
Dessa forma, “pode-se pensar em uma história cultural do social, que tome por objeto a
compreensão das formas e dos motivos,” ou as representações do mundo social que traduzem
as posições dos atores sociais, mesmo que à sua revelia, e descrevem a sociedade tal como
pensam que ela é ou como almejassem que fosse.120 A história cultural deve ser compreendida
como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido, tendo em vista que as
representações podem ser pensadas enquanto “esquemas intelectuais, que criam as figuras
graças às quais o presente pode adquirir um sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço
decifrado.”121
A intenção não é alargar o abismo entre história social e cultural, mas buscar
aproximá-las na medida do possível. Buscar compreender as classificações e as delimitações
que organizam a apreensão do mundo social - como categorias essenciais de percepção e de
apreciação do real - não é de modo algum afastar-se do social, muito pelo contrário, “consiste
em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente
materiais.” E, assim, dirimir o debate que separa “objetividade das estruturas” e a
“subjetividade das representações,” incorporando sob a forma de categorias mentais e de
representações coletivas demarcações da própria organização social”.122
Com base nessas noções, considera-se que a imprensa, enquanto um veículo
disseminador de ideias e produtos a serem consumidos, possa ser um dos instrumentos através
dos quais é possível elaborar sentidos a partir da apropriação de seus textos. Assim, a história
cultural pode dela se utilizar para entender as representações da realidade social, o que põe em
119
CHARTIER, Roger. A história Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 16-17.
Ibidem, p. 19.
121
Ibidem, p. 17.
122
Ibidem, p. 17-18.
120
62
causa a visão da fonte enquanto um testemunho fidedigno da realidade, da qual seria um
instrumento de mediação.
Seja como for, os jornais são uma singular demonstração dos aspectos simbólicos
que permearam a chegada e a disseminação de produtos estrangeiros para os mais variados
fins. Neles são expressos os valores que se pretende imprimir como marca dos produtos
importados a partir de uma representação textual da dimensão dos valores importados
impingidos nas mercadorias. É esse sentido que a história cultural pode ajudar a apreender.
Os periódicos estavam sempre a bordo dos navios informando o que acontecia em
várias partes do mundo. Na medida em que entravam as embarcações as notícias eram
atualizadas, sobretudo os acontecimentos políticos. Os jornais criaram um verdadeiro
intercâmbio entre o mundo da propagada civilização e outro que aspirava ser cosmopolita,
ainda que por vezes fosse provinciano.
Apesar da diversidade da história cultural em suas variadas tradições parece que um
terreno comum dos historiadores culturais pode ser traduzido no interesse pelo simbólico e
suas interpretações.123 Historiadores que estão na linha de frente da história cultural como
Roger Chartier, Robert Darnton e Carlo Ginzburg, embora possuam posturas diferenciadas,
trabalham com a ideia de compreender os sentidos aferidos ao mundo e “que se manifestam
em palavras, discursos, imagens, coisas, práticas.”124 Tentemos visualizá-los.
Era dia 10 de maio de 1840 quando chegou ao porto de Belém o Brigue Americano
Heber, vindo de Salem, em 30 dias de viagem. Trazia em sua bagagem produtos com os quais
o Pará contaria costumeiramente, dado não somente a presença de produtos de primeira
necessidade, como também outros que, pelo menos por um primeiro julgamento, seriam quase
dispensáveis. Mas, será que a importação serviria apenas para atender as penúrias mais
urgentes, como a falta de alimentação? Entre as mercadorias destacavam-se farinha, charutos,
bacalhau, cebolas, velas, sabão, bolacha e fazendas.125
Poucos dias depois aportou o Brigue Francez Zenobia, vindo de Marcelle por
Maranhão. Este trazia vinho tinto, licor, vinagre, azeite, queijos, sal, papel, quinquilharias,
fazendas, chapéus, calçados, fitas e sedas.126 Ainda dia 25 do mesmo mês ancorava o Brigue
Portuguez Carlota & Amelia, vindo de Lisbôa em 33 dias de viagem, trazendo vinagre, vinho
branco, sal, carne, azeite, calçados, impressos, mobília, violas e miçangas, dentre outros.127
123
Ibidem, p. 10.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. Cit., p. 17.
125
Treze de maio, 13 de maio de 1840, n.1. p. 4.
126
Idem.
127
Treze de maio, 27 de maio de 1840, n.5. p. 19-20.
124
63
No dia 10 de junho o jornal registrou a entrada do Brigue Inglês City of Perth que trouxe
queijos, cerveja, batatas, fazendas de algodão, linho, roupas, louças e panelas de ferro.128
Parece que muito do que o Pará usava não vinha do sertão e nem mesmo da capital da corte,
vinha de portos extra-nacionais.
Depois de 1840 a entrada de embarcações estrangeiras teve um crescimento contínuo
do ponto de vista quantitativo e simbólico, pois além do porto ser mais visitado se comparado
com décadas anteriores, os anúncios das mercadorias tornaram-se constantes, permitindo a
construção social de sentidos a partir da apropriação dos textos, sobretudo os divulgados em
periódicos.
Nesses textos publicados, além dos pianos fortes, noticiava-se a chegada de remédios
da América e de Portugal como o elixir contra verminoses,129 geleia de marmelo e outros
doces de calda em latas vindas de Lisboa,130 lenços de seda para mãos e pescoço de senhoras
da última moda oriundos da Inglaterra,131 bonés para meninos e homens e sapatos
franceses,132 além de incontáveis outras mercadorias que eram divulgadas quase que
cotidianamente.
Os jornais demonstram que o movimento de entrada de embarcações seria cada vez
mais intenso e os manifestos de cargas foram paulatinamente alongados. É habitual nesses
impressos a listagem dos produtos que chegavam ao porto. Mas, sobretudo havia um
empenho maciço em valorizar a qualidade dos mesmos, repassando uma imagem de
superioridade em relação a outros artigos. Desse modo, construía-se uma imagem não
somente de um produto sofisticado, mas também útil e necessário, bem como a origem do
produto era sempre um detalhe bem demarcado. O adjetivo “superior” e a demarcação
temporal “ultimamente chegado” compunham o apelo publicitário construído em torno dos
gêneros europeus e americanos.
Na botica de José Accurcio Cavalleiro de Macedo, na rua dos Mercadores número
28 havia para vender remédios chegados ultimamente da América e de Portugal, podendo-se
destacar na nota elixir contra lumbrigas ou vermifugo de Swain, especifico contra picadas, e
mordeduras venenosas como por exemplo de arraia, cobra e lacraia. Também tinham na
mesma botica pomada para aliviar a dor das hemorroidas e os impressos que explicavam os
modos de uso e as doses convenientes para as diferentes idades. Estes eram, segundo o
128
Treze de maio, 10 de junho de 1840, n. 9, p. 43.
Treze de maio, 7 de julho de 1840, n. 117, p. 660.
130
Treze de maio, 22 de junho de 1842, n. 217, p. 978.
131
Treze de maio, 15 de setembro de 1849, n. 21, p. 4.
132
Treze de maio, 21 de setembro de 1842, n. 243, p. 1082.
129
64
anúncio, os preparados químicos em maior uso na medicina.133 Outro dístico falava dos
maravilhosos efeitos do óleo de bacalhau.
As ultimas experiências na Alemanha, França e já em Portugal tem mostrado uma
virtude específica do oleo de bacalháo contra os vicios escrufoloso e rachilico, e
contra os enfartes do fígado, baço e gânglios glandulares do ventre. Os praticos que
tem feito uzo deste oleo (...), animaõ facultativos prudentes a ensaia-lo nas moléstias
indicadas: a doze marcada He uma colherinha de chá pela manhã, outra pela tarde,
por dez a quatorze dias, ficando ao arbitrio do pratico elevar dahi em diante a doze á
aquelle número de colherinhas que quizer. Os vômitos, náuseas, e o quadro
symptomatico de um medicamento [sic], He o que apparece depois das primeiras
dozes, isto não deve atemorizar ao medico; ele verá alguns dias depois tudo
desaparecer, e se alegrará de ver progredir a moléstia para uma cura rápida e
accelerada. 134
A referência de que o remédio já havia sido testado em vários lugares da Europa
devia ser um considerável atrativo para que se adquirisse o referido óleo como um
medicamento que traria os efeitos esperados. Outro dia, o jornal indicava que em casa de
Lourenço da Graça & C.ª tinha para vender “as verdadeiras pílulas da família chegadas
novamente da cidade do Porto.” Elas vinham acompanhadas por certificados, juntamente com
um abaixo assinado de médicos e cirurgiões, atestando que para todos os casos em que podia
ser empregada, julgava-se que se podia usar com toda segurança.135 Não se deve deixar de
associar as representações envolvendo o uso de medicamentos à modernidade científica que
estava em voga na época. O aperfeiçoamento da ciência e das técnicas gerou no campo social
o sentido da higienização dos costumes e novos métodos de tratar as doenças de acordo com
os avanços no campo da medicina.
Leopoldino José da Silveira prometia comerciar em sua loja, por preços módicos
pevides de melancia, geleia de marmelo e outros doces de calda em latas, além de muito boa
marmelada em bocetas, tudo recentemente vindo de Lisboa no Brigue Delfim.136 Outra
comerciante, Marion Daniels, moradora da Rua da Paixão, próximo da saída Largo da
Misericórdia, oferecia, por preços cômodos, suas mercadorias ultimamente chegadas da
Inglaterra – que se destacavam por serem objetos da última moda como lenços de seda para
mãos e pescoço de senhoras e homens, botões, vestidos, rendas de seda, linho, algodão e gaze.
133
Treze de maio, 7 de julho de 1840, n. 117, n. 117, p. 660.
Treze de maio, 11 de novembro de 1840, n. 50, p. 273.
135
Treze de maio, 16 de fevereiro de 1842, n. 182, p. 930.
136
Treze de maio, 22 de junho de 1842, n. 217, p. 978.
134
65
Também tinha chapéus e bobinetes brancos e pretos para senhoras “e muitos outros objectos
tentadores ás algibeiras dos tafues do grande tom.”137
No largo do palácio, continuava-se a vender “cortes de vestidos de lanzinha e meio
côvados,” sapatos franceses, bonés para meninos e homens, volantes amarelo e cor de rosa
para enfeites de capelinha e mais o que se quisesse.138 Já Joaquim se distanciou dos alimentos,
das vestimentas e acessórios para anunciar a possibilidade de variadas leituras. Ele falava de
um leilão de um grande sortimento de livros portugueses, latinos, ingleses e franceses que
seria realizado da rua do Açougue e quem quisesse se antecipar em examinar os ditos livros
poderia fazê-lo a qualquer hora do dia.139 É preciso admitir que “a venda de livros era um
negócio como outro qualquer nos quadros da economia mundializada e da mundialização da
cultura.”140
Por sua vez, Dickenson & Corbett, informavam que na segunda feira próxima seria
vendido no seu armazém arreios e cavalo americano, pertencentes aos bens do falecido
George Handerson.141 O próprio nome dos comerciantes, como é o caso do citado acima
representava o país de origem do produto que estava sendo divulgado e demonstra também
uma aproximação com a cultura a qual o bem pertence. Nesse contexto, as navegações
disponibilizaram artigos de diversas procedências e para muitos fins, numa situação em que
não se produzia na província tudo que era preciso ou almejado, de acordo com os princípios
da modernidade que aflorava.
A historiografia recente vem contribuindo para a superação das explicações
tradicionais acerca do Grão-Pará no século XIX, de que sua economia estava
fundamentalmente assentada em atividades extrativas desde o período colonial, e que o
aumento da exportação da borracha em 1850 teria ocasionado, quase que definitivamente, o
abandono da agricultura. Estudos recentes têm evidenciado que a agricultura nesse período se
desenvolveu de forma bastante significativa, e que ao contrário do discurso dos presidentes da
província, o Pará produzia muito do que se consumia e ainda exportava em número
plausível.142 De fato, em se tratando de alimentos, por exemplo, os produtos do sertão e de
outros recantos do Império tinham importância no abastecimento de Belém.143 Porém, o que
se importava de portos estrangeiros era muito mais amplo do que a província precisava para
137
Treze de maio, 15 de setembro de 1849, n. 21, p. 4.
Treze de maio, 21 de setembro de 1842, n. 243, p. 1082.
139
Treze de maio, 27 de outubro de 1849, n. 26, p. 4.
140
COELHO, Geraldo Mártires (2005b). Op. cit. p. 370.
141
Treze de maio, 3 de abril de 1841, n. 91.
142
BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit.
143
MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira. Op. Cit.
138
66
se alimentar, embora essa também fosse uma dimensão que coadunasse para o aumento da
chegada de produtos importados.
Em função de fatores como o crescimento demográfico, especialmente a partir de
1850, aliado as epidemias que causaram mortes e fome, ao contrabando de gado e as
decorrentes carestias da carne verde, problemas nos transportes, além de fatores climáticos
que destruíam plantações, foi inevitável a falta de alimentos.144 Se na década de 1840, a
importação de alimentos já era muito importante, depois de 1850 torna-se essencial.
Bates ao voltar para Belém em 1859, depois de sua longa jornada no interior,
ressaltava a carestia que tomara conta da cidade. Os artigos importados, não somente os
alimentos como também, roupas e móveis, “eram quase sempre mais baratos do que os
produtos locais, embora taxados com impostos que variavam de 18 a 80 por cento somados
aos altos fretes e aos lucros exagerados.” E ainda exemplificava asseverando que “o bacalhau
salgado era mais barato do que o seu correspondente local, o detestável pirarucu”.145 No
entanto, os alimentos são apenas uma parte da pauta dos produtos importados.
A leitura dos anúncios dos jornais evidencia a variedade das coisas que vinham para
Belém, desde produtos de primeira necessidade - como era o caso do sal que era trazido em
abundância, principalmente dos Estados Unidos, do bacalhau vindo de Portugal – até os
cortes de crepe, lã e seda provenientes da França e Inglaterra. Contudo, essa dicotomia não
parece ser o mais importante, mas as representações construídas em torno sejam dos bens
supérfluos ou dos indispensáveis.
As representações são “matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotada de
uma força integradora e coesiva, bem como explicativa do real”,146 que promovem uma
assimilação a partir da leitura dos códigos de interpretação. Mas não significa que a leitura é a
mesma que foi prescrita, pois será sempre resignificada, amparada no que Chartier chama de
“processo de construção de sentido.” Logo, tem que se considerar que as práticas através das
quais há a apropriação do texto são histórica e socialmente variáveis.147
Ainda que se tente incutir uma imagem de civilidade oriunda de uma cultura
europeia, os elementos culturais serão sempre recompostos por “uma releitura e uma
adaptação locais de um tipo de apetrecho cultural desenraizado e por isso passível de ser
apropriado e redesenhado”.148 Alencastro tratando desse mesmo contexto no Rio de Janeiro
144
Ibidem.
BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 297.
146
PESAVANTO, Sandra Jatahy., Op. cit., p. 39
147
CHARTIER, Roger (1990). Op. cit., p. 25.
148
COELHO, Geraldo Mártires (2005a). Op.cit., p. 213.
145
67
diz que lá se engendrou “um mercado de hábitos de consumo relativamente europeizados num
ultramar ainda pouco ocupado por essas ‘falsas Europas’”,149 utilizando uma expressão de
Braudel.
Por outro lado, a representação não é uma invenção. Embora não seja o real, está
inserida no campo da verossimilhança e da credibilidade pautada nos seus elementos
simbólicos, que dizem mais do que aquilo que enunciam, carregam sentidos. Ela significa
“estar no lugar de, é presentificação de um ausente (...)”, e sua ideia central é a “substituição
que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença”.150 O que promove a sensibilidade
no caso aqui elucidado?
Em 1841 divulga-se a venda de dois pianos fortes, “sendo um muito lindo chegado
ultimamente” e outro usado.151 Pelo teor das palavras não parecia ser o primeiro piano
chegado à Província, parecia já haver alguma proximidade com este objeto, ao contrário de
outros como a rabeca e o violão. Este era um instrumento europeu de pouca circulação e de
grande notabilidade, sendo raras as Províncias que recebiam algum até meados do século
XIX. O piano só adentrara a alguns raros sobrados do Rio de Janeiro, Recife e Bahia, sendo
praticamente desconhecido em outras partes. Não foi o caso do Pará, que não esperou 1850
para se emaranhar a mercadoria-fetiche dessa fase econômica e cultural,152 e nem para
desfrutar de outras miudezas.
João Ribeiro Arede tinha em seu estabelecimento na Travessa Mercês, de frente ao
Tesouro provincial, “relógios americanos, quadrilongos, fabrica de metal, e corda para oito
dias a 16$000 réis.”153 Além dos relógios e outros enfeites, as fazendas tinham um espaço
reservado para divulgação sendo oriundos de vários países. Na casa de Sparhavvk & Pond
havia um bom sortimento de fazendas chegadas no Pataxo Americano Rattler e se prometia
vender por preços razoáveis.154
Na loja de Bentes & Alves Irmão tinha “fazendas francesas e dos últimos gostos
chegadas ultimamente de França, no Brigue Esmeralda.”155 Mas era comum também que elas
viessem da Inglaterra. Antonio José Rodrigues, “fará leilão nos dias 31 do corrente mez (...)
de um bom sortimento de fazendas vindas ultimamente de Liverpool no navio George as
149
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (1997). Op. cit., p. 36.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. Cit., p. 40-41.
151
Treze de maio, 7 de abril de 1841, n. 92, p. 551.
152
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (1997). Op. Cit., p. 45, 46.
153
Treze de maio, 23 de junho de 1849, n. 8, p. 4.
154
Treze de maio, 21 de julho de 1849, n. 12, p. 4.
155
Treze de maio, 17 de agosto de 1850, n. 65, p. 6.
150
68
quaes seraõ vendidas impreterivelmente, e não se retira lote.”156 Outro anúncio destacava:
“Este estabelecimento acaba de receber de França um lindo sortimento de cambraias de cores
a Rainha Estephania, fazenda inteiramente nova neste mercado; ninguém deixará de comprar
á vista do preço e qualidade”.157
Desenhava-se a representação de um modelo de consumo de uma sociedade europeia
que se apresentava como um paradigma de civilidade para uma sociedade tropical, que na
mesma página em que construía a imagem convincente da última moda colocava o anúncio de
venda e compra de escravos e denunciava os que haviam fugido. Dessa maneira, o mesmo
anunciante que vendia um preto crioulo, oferecia muito boa massa para temperos vinda de
Lisboa.158 O mercado de joias também era bastante fértil, de forma que se avisava
constantemente do recebimento de joias de ouro e brilhantes dos gostos mais modernos, bem
como relógios de ouro com patente inglesa, dispondo de bons cronômetros.159
Ao tempo em que eram gestadas modernas sensações pela possibilidade de consumir
produtos contendo o selo do requinte, o império assegurava a ordem privada a partir das
conciliações e do clientelismo entre grupos mais abastados político e economicamente,
gerando no seu seio as próprias contradições entre a modernidade que apregoava e os sistemas
retrógrados da qual a escravidão é um protótipo. O escravismo não era algo que o império
pretendia dissolver, mas reconfigurar, não sendo apresentado como uma herança do passado
colonial, mas como uma convenção que deveria ser levada para o porvir. Nesses moldes, o
Império “retoma e reconstrói a escravidão no quadro do direito moderno, dentro de um país
independente, projetando-a sobre a contemporaneidade”.160
Para Alencastro, o sistema escravista permeava uma comunidade que buscava
alcançar os princípios liberais predominantes na política, na economia e na sociedade da
Europa ocidental.161 No entanto, afirma José Murilo de Carvalho que “as teorias políticas e os
modelos de organização de poder existentes na Europa não se adaptavam ou se adaptavam
parcialmente as circunstâncias em que se achavam os novos países, “como era o caso do
Brasil. Este, um país imerso em inúmeros dilemas como, por exemplo, o centralismo e a
descentralização, o liberalismo e o trabalho escravo.162 A escravidão também era antagônica
em relação ao consumo expressivo de importados (entendidos não como meros construtos
156
Treze de maio, 28 de julho de 1851, n. 117, p. 4.
Gazeta Oficial, 8 de julho de 1858, n. 48, p. 4.
158
Treze de maio, 22 de janeiro de 1842, n. 173, p. 899.
159
Gazeta Oficial, 16 de junho de 1858, n. 31, p. 4.
160
ALENCASTRO Luiz Felipe de (1997). Op. Cit., p. 17.
161
Ibidem, p. 16.
162
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996, p. 34.
157
69
materiais), como sinônimo de progresso porque acentuava as contradições que o império
buscava administrar sem causar prejuízos para as elites. Foi assim no Brasil e mais
especificamente na Província do Pará.
A partir da segunda metade do século XIX, com mais afinco, os padrões das
sociedades ditas civilizadas são incorporados de forma bastante intensificada com a
introdução do navio a vapor, a recepção de produtos importados e a própria ideia do que era
público e privado. Desse modo, se no caso de escravos a posse, mesmo sendo particular,
precisava ter o aval da autoridade pública, no caso dos importados eles estavam diretamente
imbricados com a ordem privada e com a garantia de enquadramento em uma ordem
privilegiada. O consumo desses produtos é um dos elementos constitutivos dessa nova ordem
burguesa, que permitiu que o império aderisse a padrões proclamados civilizados, mas
simultaneamente mantivesse costumes de outrora.
No âmbito das novas identificações com a matriz de identidade burguesa, o mercado
de joias se apresentou como bastante fértil, de forma que se avisava constantemente do
recebimento de joias de ouro e brilhantes dos gostos mais modernos, bem como relógios de
ouro com patente inglesa, dispondo de bons cronômetros.163 Nesse contexto da construção de
novas sensibilidades também estavam os serviços dispensados como é um bom exemplo os
ourives e os relojoeiros. Guilherme Potter fazia conhecidas as suas habilidades de relojoeiro e
retratista de pessoas falecidas e de todos os objetos com toda perfeição. Oferecia ao
respeitável público “seus serviços da grande arte de retrato pela Daguerreotypo,” método mais
moderno da América.164
Um dos estabelecimentos ao mesmo tempo em que dispunha sempre “de um lindo e
variado sortimento de joias de ouro, e obras de prata, e pedras preciosas de gostos os mais
modernos, vindas diretamente da Europa,” prometia trocar obras velhas que não estivessem
mais na moda. E ainda se oferecia a consertar grátis por ser o dono profissional e ter
juntamente uma oficina onde se podia reparar obras nacionais e estrangeiras.165 Nota-se que
esses serviços especializados, inclusive para produtos estrangeiros denotam que havia um
mercado em crescimento e que a província tinha seu tempo já marcado pelos cronômetros
ditos civilizados.
Os princípios próprios de um discurso civilizatório emergente precisavam está bem
definidos. A alusão a origem do produto ou possível relação com a Europa repassava uma
163
Gazeta Oficial, 16 de junho de 1858, n. 31, p. 4.
Treze de maio, 19 de julho de 1851, n. 116, p. 4.
165
Gazeta Oficial, 8 de julho de 1858, n. 48, p. 4.
164
70
ideia de credibilidade e de superioridade. Observe a narração encontrada no jornal Treze de
Maio:
A palavra Rapé é de origem franceza, assim como a qualidade de tabaco que indica.
Desde os primeiros tempos da introducção do tabaco na França se começou alli a
fazer uso delle para cheirar; porém não se vendia já preparado para esse fim. Cada
pessoa fazia a sua provisão de tabaco em rolo, e o raspava ou ralava todas as vezes
que queria cheirar huma pitada. Para este efeito usavaõ-se humas caixas ou estojos, a
que chamavam rapé: o seu feitio ordinariamente era sobre o comprido, e esta a sua
construcção: o interior da caixa tinha dois repartimentos; em hum delles estava o
tabaco em rôlo; e o outro era destinado para receber o rapé. A tampa pela parte
debaixo estava guarnecida de huma folha delgada de aço picada como huma lima ou
groza. Então quando a pessoa queria cheirar, esfregava o rolo de tabaco por quella
espécie de ralador até haver muido a porção sufficiente. Ora esta acção de ralar ou
raspar em francez diz-se raper, e portanto o seu producto chamava-se tabaco rapé.
D’ahi com o uso nos veio o nome desta preparação do tabaco, a qual depois se foi
alterando com a mistura de alguns aromas, e então se começou a vender já
preparado. Ainda no tempo de Luiz 14.º se usavaõ os rapés, de que algumas se
conservaõ de grande luxo e valor.166
O rapé era muito difundido na província. Pelas inúmeras vezes que ele aparece no
jornal dar a entender que tinha grande aceitabilidade, a partir da força do simbólico que
operava. A cultura enquanto produto comercial ensejava de forma profícua nos quadros da
modernidade. O simbólico que aparece interligando o rapé a França e ao tempo de Luiz XIV
não é de forma alguma desproposital, “é uma estratégia de representação cultural, inerente ao
homem como criador da cultura”,167 como também de suas linguagens.
Por essas linhas, pretendeu-se pensar alguns indicativos dos processos civilizatórios
que já era possível de serem visualizados bem antes do cosmopolitismo de 1870, os quais
Geraldo Coelho denominou de o Anfiteato da Belle Époque. Buscou-se exatamente situar
esses processos civilizatórios no contexto da intensificação das navegações pós 1840, que
interligou em um sentido já bastante amplo a província do Pará a centros hegemônicos da
cultura mundial, como os Estados Unidos, Portugal, França e Inglaterra.
Esses países destacaram-se como os mais importantes em relação à entrada de
produtos das mais variadas ordens - como alimentos, utensílios domésticos, vestimentas e
adereços dos mais aprimorados gostos - que aqui foram lidos como bens culturais com seus
valores simbólicos e por isso representativos. Faz parte da representação não somente os
produtos materiais, como também as concepções e as ideias de mundo que lhe são peculiares.
166
167
Treze de maio, 29 de outubro de 1842, n. 254, p. 1125.
COELHO, Geraldo Mártires (2005b). Op. Cit., p. 19.
71
A economia que rege estes bens, embora se relacionem com os interesses
propriamente econômicos, só podem ser compreendidos amplamente por meio das
representações e não apenas através da lógica da economia mercantil.168 Consequentemente,
inserir o estudo desses bens culturais no campo cultural é situá-lo em um “mundo econômico
investido,” embora tenha que se considerar que para este caso o material não deva dissociar-se
do imaterial. Para isso, parte-se da ideia de que o consumo dos bens culturais elucidados
provavelmente era restrito as condições de classe, portanto, as condições materiais de
existência. Mas também não é uma regra geral, é preciso relativizar.
Pode-se elaborar isso questionando as distinções primordiais erudito/popular,
criação/consumo, realidade/ficção. É preciso romper com esses falsos dualismos a partir da
circularidade cultural proposta por Bakhtin.169 A problematização pode romper a linha
vertical que liga o consumo as condições de classe social. Enquanto a proeminência do
adjetivo “superior” indica o acesso imediatamente para as classes mais abastadas, o “barato,”
recorrente nos anúncios pode apontar para outros níveis sociais, quanto mais os produtos eram
entendidos como essenciais, sobretudo os alimentos. Quando Bates afirma que em 1859 o
Bacalhau importado encontrava-se mais barato do que o peixe local, o pirarucu, pode está
indicando que os produtos advindos dos países mencionados não eram tão inacessíveis assim,
pelo menos não todos.
A história cultural, indubitavelmente pode ajudar no encontro de alguns caminhos de
cunho teórico e metodológico, dos quais alguns foram discutidos, mesmo com a consciência
dos seus limites. Mas muito ainda há que trilhar. Não são respostas prontas e muito menos
definitivas, mas possibilidades de captar a cultura como meio de entender a própria sociedade,
como construtora de elementos alegóricos imagináveis construídos a partir da realidade
possível. O fluxo de bens e ideias importados em sua maior parte via transatlântica,
inauguraram novos tempos, novas formas de pensar o mundo e de se relacionar com o
inusitado, para os quais a navegação de longo curso desempenharia um papel fundamental.
As melhorias das embarcações com o desenvolvimento de técnicas a nível
internacional e local significaram nessa conjuntura a diminuição das distâncias, mas também
do intervalo que separava o Pará das nações ditas superiores. Assim como o desenvolvimento
168
CHARTIER, Roger. “O mundo econômico ao contrário”. In: Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro:
Bertrand do Brasil, 2005.
169
Para saber mais sobre o conceito de circularidade cultural ver BAKHTIN, Mikhail. Op. Cit.; GINZBURG,
Carlo. Op. Cit.
72
dos transportes foi um aspecto importante para a indústria do divertimento na França,170 aqui
inaugurou novas sensibilidades. Um nativo da Inglaterra dizia que o Pará estava sendo
permeada por um sentido mais racional, “parecendo que os paraenses procuravam agora
imitar os costumes das nações do norte da Europa, ao invés da mãe-pátria.” Parecia mesmo
que tudo se encaminhava para uma filiação bastarda.
II. II. Atlântico: diálogos e intercâmbios
Desde o final da Idade Média a Europa experimentou mudanças que no século XVIII
viriam a edificar as bases da noção de civilização, entendida a partir de hábitos, posturas e
comportamentos peculiares do homem ocidental. Cortesia, na Idade Média, civilidade, nos
séculos XVI e XVII, e civilização no século XVIII são as três etapas do que Norbert Elias
classificou de processo civilizador,171 caracterizado pela evolução do comportamento dos
povos ocidentais em um período de longa duração. Contudo, tal processo não ocorreu da
mesma forma em todos os lugares, pois enquanto na França o processo civilizador se
constituiu basicamente em torno de elementos como a economia e a política, na Alemanha
relacionava-se civilização a atividades de erudição, religião, arte e filosofia.
Assim, com suas variações e diferentes significados, as noções de civilização se
apresentaram com muita força em várias partes do mundo, seja por meio de produção
intelectual, normas, condutas, valores morais e culturais ou expressas em produtos. Tomando
este viés como opção, é possível abordar a viagem das coisas e das ideias que representam as
noções de civilização que aportaram em Belém nos meados do oitocentos.
No século XIX, o conceito de civilização estava consolidado em países como
Alemanha, Inglaterra e, sobretudo em França de acordo com um conjunto específico de
situações históricas. Franceses e ingleses poderiam dizer aos alemães quais elementos
tornavam o conceito de civilização a representação da “auto-imagem nacional”.172 A partir de
170
CORBIN, Alain. “História dos tempos livres”. In: CORBIN, Alain (org). História dos tempos livres: O
advento do lazer. Lisboa: Teorema, 2001.
171
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorje Zahar, 1994. De acordo com Vainfas "o papel
assumido pela França e pela Inglaterra no período iria tornar esses países referenciais na crença sobre o
ininterrupto, embora gradual, avanço da humanidade para a civilização e o progresso," que iria eliminar tudo que
fosse irracional, inclusive as barreiras do comércio. Cf. VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial
(org.). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. Entretanto, essa crença no progresso foi desconstruída no segundo e no
terceiro decênio do século XX com a Primeira guerra mundial e a crise dos anos 30, tornando a ideia de
progresso um mito oitocentista. Cf. ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador: A idéia de Progresso. São
Paulo: Unesp, 2000.
172
ELIAS, Norbert. Op. Cit., p. 25.
73
então era possível disseminar a civilização para outras nações ou para lugares pouco antes
navegados em que a própria ideia de nação era claudicante, como era o caso do Brasil.173 A
Província do Pará até 1823 cambiava entre fazer parte do Império ou continuar mantendo
relações diretas com Portugal.
Mesmo com a adesão do Pará a independência, os laços com a antiga metrópole
estavam enraizados e não apenas com Portugal. O movimento do porto demonstra que a
relação da Província com Inglaterra, França e Estados Unidos era intensa. Frequentemente,
aportavam no cais belenense embarcações dessas nacionalidades trazendo vestimentas,
medicamentos, alimentos, ferragens e tantas outras mercadorias que compunham o cotidiano
das casas, do trabalho, da diversão de uma parte da população. Entretanto, o que está em
questão não é apenas a disseminação das mercadorias como meros objetos, mas os valores
que a elas estavam agregados como procedentes de nações civilizadas.
Dessa maneira, os produtos importados oriundos das navegações de longo curso têm
um sentido geográfico, econômico, social, e simbólico, que está relacionado de um lado à
necessidade de produtos no cotidiano de pessoas não obrigatoriamente abastadas e de outro a
ostentação, o refinamento e a busca da distinção social174 por alguns grupos da elite local,175
que objetivavam enquadrar-se no conjunto da modernidade nacional brasileira. Portanto,
houve para além da viagem das coisas, a viagem das ideias. Ideias estas que foram construídas
em um tempo longo com o processo civilizador e que aportaram no Pará em escunas, galeras,
iates, brigues, patachos e vapores.
O Atlântico foi o oceano mais importante para o comércio mundial entre os séculos
XVIII e XIX. Se o Atlântico Sul foi a região dinâmica do comércio entre África, Europa e
América desde o século XIV ao início do XIX - atuando como o centro comercial do mundo
173
Há ideias controversas acerca da formação da América Latina de modo geral. De um lado há os que acreditam
que na América Latina a identidade nacional já existia anteriormente ao surgimento dos estados independentes.
Por outro lado, há os que compreendem a criação do estado como o ponto inicial para a criação da nação.
Richard Graham afirma que no Brasil o estado levou a formação de uma nação. Ver: GRAHAM, Richard.
Construindo uma nação no Brasil do século XIX: Visões novas e antigas sobre classe, cultura e estado.
Diálogos. DHI/UEM, v. 5, n. 1, p. 11-47, 2001. Considera-se que após o surgimento do estado, a construção da
nação se deu de forma bastante lenta. Sendo o número de entradas de embarcações estrangeiras muito maior que
as entradas nacionais já pressupõe que o contato com outros países era mais comum do que com o próprio
império brasileiro e que, portanto a ideia de nação como uma identidade comum não estava estabilizada.
174
Bourdieu destaca a não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, afirmando o seu caráter de
legitimação das forças dominantes que são expressas através dos gostos de classe e estilos de vida, criando, dessa
forma, a distinção social e reafirmando o poder simbólico. Para saber mais, ver: BOURDIEU, Pierre. Op. Cit.
175
Entende-se por elite grupos que ao longo do tempo conseguiram acumular, riquezas, bens e prestígio, seja
através de investimentos individuais ou no estabelecimento de relações familiares ou de alianças. Considerando
essa noção, no Pará existiam basicamente três atividades que propiciavam acumulação de riqueza e todas
estavam interligadas: a agricultura, o extrativismo e o comércio, sendo a atividade mercantil o principal ramo da
economia no acúmulo de riqueza. Não coincidentemente é a atividade relacionada ao fluxo de importados. Cf.
BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit.
74
ocidental -, ele teria sido suplantado pelo Atlântico Norte no século XIX a medida que o
tráfico de escravos foi reduzido significativamente. Cresce, então, o comércio entre Europa e
América do Norte, América do Sul e também entre América do Norte e América do Sul. Essa
transformação no comércio em muito se deve a outras mudanças ocorridas no mundo que
possibilitaram que muitos antigos sistemas coloniais passassem a depender intensamente de
alguns mercados estrangeiros.
No entanto, essa dependência não é simplesmente uma necessidade, mas uma
veleidade de se enquadrar no processo de desenvolvimento técnico, científico, civilizatório,
através do que Braudel chamou de “os jogos das trocas”,176 que ligou cidades de antigas
colônias aos grandes centros propulsores da civilização, da industrialização. De acordo com
Levi, as estratégias de consumo são resultados de uma cultura complexa que não pode ser
reduzida a subsistência ou a necessidade sem escolha, pois dessa forma a realidade seria
apreendida de maneira descontextualizada.177
No caso da Província do Pará, antigo Estado do Maranhão e posteriormente GrãoPará, pode-se verificar as conexões mercantis com portos estrangeiros a partir das
especificidades dos produtos importados em se tratando dos países aqui elencados. Devido à
grande abundância de diferentes produtos entrados neste porto,178 os mesmos foram
classificados em quarenta e oito subcategorias e sete categorias.179 Veja no quadro abaixo
como as categorias foram arranjadas.
176
BRAUDEL, Fernand. Op. Cit.
LEVI, Giovanni. Op. Cit.
178
De acordo com o levantamento, verificou-se a entrada de mais de mil produtos. Ver apêndice 1.
179
São elas: Adorno para roupas e pessoas, alimentos de origem animal, alimentos de origem vegetal, alimentos
processados, armamento e munições, artigos funerários, artigos religiosos (litúrgicos), artigos de pesca, bebidas,
condimentos, diversão, ferramentas, Flores, plantas, sementes, produtos e objetos medicinais, fumo, iluminação,
instrumentos musicais e outros, itens fotográficos, joias, leitura: livros bibliotecas e escritório, louças, materiais e
produtos de limpeza, maquinarias diversas, material para imprensa, material para construção de casas e ruas,
metais e ligas metálicas, mobílias do lar, moedas, bens da casa, objetos de vidro e outros, objetos militares, obras
diversas, óleos e azeites, papéis, perfumaria, produtos para botica e medicamentos, produtos químicos, tecidos e
linhas, transportes, utensílios de trabalho (Destilaria e Ourivesaria), Utensílios de trabalho (Costura), utensílios
de trabalho (Marceneiro e Tanoeiro), utensílios de trabalho (Ferreiro) e ferragens, utensílios de trabalho
(Padeiro), utensílios de trabalho (Sapateiro), utensílios e alimentos para animais, utensílios para agricultura,
utensílios para comércios, açougues e mercarias, vasilhames, outros. Para conhecer os produtos específicos de
cada subcategoria, ver apêndice.
177
75
Quadro 2 – Agrupamento dos produtos em categorias e subcategorias
CATEGORIAS
SUBCATEGORIAS
Alimentos e bebidas
Alimentos de origem animal, alimentos de origem vegetal, alimentos
processados, bebidas, condimentos, óleos e azeites.
Coisas de uso público e/ou
privado
Artigos funerários, artigos religiosos (litúrgicos), diversão, fumo,
iluminação, instrumentos musicais, leitura: livros, bibliotecas e
escritórios, louças, materiais e produtos de limpeza, mobílias do lar,
objetos de vidro, bens da casa, obras diversas, transporte, utensílios e
alimentos para animais, vasilhames.
Equipamentos
Ferramentas, maquinarias diversas.
Indumentárias e joias
Adorno para roupas e pessoas, joias, perfumaria, tecidos e linhas,
vestuário.
Trabalho e negócios
Armamentos e munições, artigos de pesca, itens fotográficos, materiais
para construção de casas e ruas, materiais para imprensa, metais e ligas
metálicas, moeda, objetos militares, papéis, produtos químicos,
utensílios de destilaria e ourivesaria, utensílios de costura, utensílios de
marceneiro, carpinteiro e tanoeiro, utensílios de ferreiro e ferragens,
utensílios de padeiro, utensílios de sapateiro, utensílios para
agricultura, utensílios para comércio, açougue e mercearia.
Tratamentos medicinais e
outros usos
Flores, plantas, sementes, produtos e objetos medicinais, produtos para
botica e medicamentos.
Diversos
-
Fonte: Quadro compilado a partir das informações do Jornal Treze de maio, 1840-1856
As categorias foram uma estratégia metodológica para enquadrar todos os produtos
na análise, ainda que algumas subcategorias pareçam não ser apropriadas para a categoria a
qual faz parte. Porém, na medida do possível, levou-se em consideração os usos e fins de cada
importado. A categoria diversos, especialmente, compreende produtos que possuem os usos
mais variados ou que não foi possível identificar o seu uso no período estudado. A maior
parte deles pode ser enquadrada nas outras categorias no decorrer da análise. De modo geral,
as categorias ajudam a entender a partir da variedade dos produtos os processos históricos
experimentados por Portugal, Estados Unidos, Inglaterra e França e que tiveram reflexos na
Província. O gráfico aponta para a variedade de produtos chegados no porto de Belém de
acordo com as categorias provenientes de cada país.
76
Gráfico 4 – Variedade dos Produtos Importados, 1840-1850
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Gráfico constituído a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 18401850.
A antiga metrópole do Brasil trazia a maior variedade de produtos para o consumo
dessa parte da ex-colônia. Note que os Estados Unidos se posicionavam quase sempre em
segundo lugar, exceto quando se trata de artigos da Indumentária em que decai para o último.
A França ocupava na maioria das vezes o terceiro lugar, exceto nos itens equipamentos, e
trabalho e negócios, onde ocupou o último lugar e na categoria Indumentárias em que
superou até mesmo Portugal. Já os navios provenientes da Inglaterra eram os que traziam a
menor variedade de importados com exceção das categorias equipamentos, e trabalho e
negócios em que os itens avultavam.
Uma tendência geral é que Portugal e Estados Unidos formam um grupo destacado
não somente porque ocupam o primeiro e o segundo lugar, mas pelo tamanho da diferença em
relação aos demais. Se confrontarmos a tendência variedade com a quantidade de
embarcações entradas esses países trocam de posição, pois apesar de o maior número de
embarcações vir dos Estados Unidos, a maior variedade de importados vinha de Portugal. A
mesma tendência se repete quando se fala de Inglaterra e França, pois França ocupa a terceira
posição em se tratando de variedades, ainda que tenha o menor número de embarcações
entradas.
77
De acordo com o registro sistemático das entradas das embarcações e seus
respectivos carregamentos pode-se analisar a frequência com que os produtos entravam, bem
como as cidades de onde provinham. Alguns produtos se destacam com intensidade,
considerando a intensificação do comércio Atlântico. A tabela abaixo aponta os principais
produtos vindos de Portugal, destacados por sua constância. A frequência indica em quantas
viagens o produto estava presente, considerando o total das viagens para cada país.180
Tabela 7 – Importados de maior frequência oriundos de Portugal
Categorias
Subcategorias
Frequência
Categorias
Subcategorias
Frequência
Categorias
Subcategorias
Frequência
Alimentos de
origem animal
74%
Alimentos de
origem vegetal
89%
Artigos
religiosos
Diversão
41%
54%
Alimentos e bebidas
Alimentos
Bebidas
processados
93%
93%
Condimentos
96%
Coisas de uso público e/ou privado
Iluminação Instrumentos Leitura: Livros,
biblioteca e
musicais
escritório
41%
48%
39%
Coisas de uso público e/ou
privado
Louças
Mobílias
Bens da
do lar
casa
44,5%
48%
58%
Indumentária
Adornos
59%
Tecidos
e linhas
54%
Vestuário
61%
Óleos e
azeites
50%
Objetos
de vidro
Obras
diversas
35%
44,5%
Tratamentos medicinais
e outros usos
Produtos para botica e
medicamentos
48%
Categorias
Subcategorias
Trabalho e negócios
Diversos
Materiais para
Materiais para construção
Papéis
Utensílios para ferreiro Diversos
imprensa
de casas e ruas
e ferragens
37%
41%
33,5%
50%
87%
Frequência
Fonte: Tabela constituída a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 1840-1850. Biblioteca FranPaxeco. Grêmio Literário Português.
Em todas as categorias, Portugal tem uma presença constante, sendo a categoria
Equipamentos (ferramentas – 11%, maquinarias diversas – 4%) a única que não mantém uma
regularidade expressiva. Portugal conserva um equilíbrio não somente na variedade, mas
também na frequência no envio das mercadorias que em 1840 já faziam parte da vida material
de uma parte dos moradores da Província do Pará, sejam eles nascidos ou imigrantes que por
razões adversas a adotaram como pátria.
Em se tratando dos produtos mais frequentes destacam-se os alimentos que em sua
maioria vinham em mais de 90% das viagens. Entre eles, tem destaque carne, bacalhau,
batata, cebola, castanha, azeitona, manteiga, queijo, presunto, cevadinha, toucinho, alho, sal,
vinagre, azeite, vinho tinto e vinho branco. No caso das coisas de uso público e/ou privado a
180
Estão destacadas nesta tabela apenas as categorias e subcategorias com maior frequência nas viagens.
78
regularidade variava entre 35% a 54% com ênfase na subcategoria Diversão. De modo geral,
eram proeminentes as imagens, santos, sinos, paramentos para missa, oratórios, foguetes,
velas de cera, velas de sebo, candeeiros, castiçais, violas, livros, vidro, obras de prata, obras
de ouro, obras de cobre, obras de latão, louças, chocolateira de cobre, cadeiras, mesas,
canapés, guarda-roupas, toucador, pederneiras, palitos de fósforo, penicos e urinóis.
Já na categoria Indumentária a frequência com que chegava os Adornos, os Tecidos e
os Vestuários oscilavam entre 54% e 61%. Os chapéus, bonetes, miçangas, fazendas de
algodão, pano de linho, fios e linhas, tamancos e outros calçados, eram os produtos que mais
entravam depois dos alimentos. Quase no mesmo grau de entrada estavam os produtos para
botica, muito utilizado nos tratamentos de doenças, inclusive as típicas dos trópicos,
destacando-se as drogas, a erva doce, água férrea e água de caldas.
O item trabalho e negócios ressalta a entrada dos impressos, jornais, rolos de papel,
lages e lages de cantaria, pedras e pedras de cal, tijolos, papel, papelão, ferragens, fechaduras
e foles. E, na categoria Diversos, aparecem comumente cera, massa, tacho de cobre, arame e
archote. Pela diversidade e frequência com que procediam as mercadorias de Portugal,
percebe-se que ela é um dos mais importantes dinamizadoras de bens supérfluos, mas em
grande medida, eram os gêneros essenciais.
Se indagarmos sobre o principal produto importado de Portugal, veremos que é um
alimento que está tanto no cotidiano da elite, quanto da população em geral, isto é, o sal,
sobretudo por ser um condimento indispensável e por ser essencial no processo de
conservação de alimentos. Por superar os outros países, na regularidade da entrada de uma
maior variedade de produtos, essa presença teria uma razão óbvia?
Ao que tudo indica Portugal configurava um papel de constante mantenedora e
provedora de uma parte da antiga colônia, na medida em que atravessava o Atlântico trazendo
artigos relacionados à religiosidade, diversão, vestuário, materiais para a realização de
variados trabalhos e tinha um papel fundamental quando se trata da alimentação. Isso
demonstra que a preocupação da ex-metrópole ia além das necessidades mais elementares
ligadas ao corpo (alimentação, moradia, vestuário), mas passava pela diversão e pelos
cuidados com o espiritual que se mantinha, haja vista que entre os anos de 1840 e 1850 não se
encontrou registro de importações de artigos religiosos que não fosse de Portugal.181 A partir
de uma análise do comércio entre Portugal e o porto do Rio de Janeiro entre 1803 e 1805
realizada por João Fragoso:
181
O único registro encontrado que não é de Portugal consiste em uma opa vinda dos Estados Unidos.
79
Do reino comprava-se principalmente panos: chita, baetões,
fitas de seda e veludo, gangas de algodão e seda, lenços,
musselinas, tecidos de algodão cru, cetim, chapéus, panos de
linho e rendas. Logo vinham os vidros, as bulas, aguardentes,
as drogas e espingardas, os objetos de estanho, os paios, a
pólvora, os presuntos, o vinho, o bacalhau e o vinagre.182
Esse tipo de comércio de longa distância nas palavras de Fragoso era feito por
comerciantes de grosso trato, que compunham a praça mercantil do Rio de Janeiro, ligados
também ao comércio de outras atividades.183 No Grão-Pará, a notícia da vinda de D. João VI e
de que as cidades de Lisboa e Porto teriam caído em mãos inimigas causou diversos prejuízos
comerciais, pois “entre as contas do cacau – enviado do Pará para Maranhão e de lá para
Portugal, e das carnes e sal que chegavam, via Maranhão ao Pará – tornou-se notório que em
Lisboa os embates diplomáticos chegavam a um grande impasse.” Nesse contexto, o comércio
com Portugal arrefeceu e as “novas alianças com os ingleses transformaram os negócios e
amizades no antigo Grão-Pará”,184 o que acabou por desencadear lutas sociais na Amazônia
envolvendo a relação Grão-Pará/Portugal.
Ainda que no Grão-Pará as mudanças de 1808 tenham exasperado os ânimos do
comércio e que a situação tenha se agravado com a declaração de morte aos portugueses em7
de janeiro de 1835 pelos homens cabanos, é notório que Portugal não perdeu o seu domínio.
Assim, o que tem de novo ao se registrar a entrada dos mesmos produtos que já eram
recorrentes no período colonial? A continuidade dos negócios, das trocas, mesmo que não
mais na condição de metrópole é evidente. Por outro lado, essa continuidade não é absoluta,
como não é desde 1808 com a abertura dos portos, tendo causado movimentos no sentido de
reestruturar o mercado que se subtraía de Portugal, como foi o caso da Revolução do Porto em
1820. Mas, em geral, na “fase pós-independência, as trocas comerciais não se interromperam,
ainda que as novas situações (de mercado e política) tenham contribuído para um significativo
abrandamento” das relações comerciais.185 Ainda assim, o comércio entre Portugal e o Pará
182
FRAGOSO. João Luís R. O arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 99-100.
183
Das 15 empresas de longa distância estudadas por Fragoso nos anos de 1812, 1813, 1814, 1816, 1817 e 1822,
os negociantes estavam ligados ao tráfico de africanos, ao comércio do trigo colonial, do charque e eram
importantes consignatários no comércio português. Cf. FRAGOSO. João Luís R.; FLORENTINO Manolo.
Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
184
RICCI, Magda. Entre portos, comércio, e troca culturais: os portugueses e as lutas sociais na Amazônia –
1808-1835. In: MATOS, Maria Izilda; SOUZA, Fernando de; HECKER, Alexandre. Deslocamentos e
Histórias. São Paulo: Edusc, 2008, p. 191-194.
185
ALVES, Jorge Fernandes. Os Brasileiros, Emigração e Retorno no Porto Oitocentista. 1993. 451 p. Tese
(Doutoramento em História). Porto: Faculdade de letras da Universidade do Porto, 1993, p. 66.
80
continuou ativo. A tabela abaixo evidencia os produtos com os quais eram despendidos mais
valores no montante da importação portuguesa.
Tabela 8 - Importações portuguesas para o Porto de Belém, durante a década de 1841-50
MERCADORIA
Vinhos
Sal e vinagre
Ferragens e ferramentas
Calçados e couros preparados
Velas de cera e sebo
Manteiga e queijo
Carnes
Tecidos e manufaturas
Drogas e espécies medicinais
Pedras preciosas, obras de prata e ouro
Azeite de oliva
Objetos de cobre
Especiarias
Moedas de prata e ouro
Livros e papeis
Armas de fogo
Louças
Mobílias e móveis
Chapéus
Quinquilharias
Instrumentos musicais
Frutas secas e sazonadas
Bacalhau e outros peixes
Rapé
Outros produtos
TOTAL DE IMPORTAÇÕES
VALOR ABSOLUTO
(EM RÉIS)
250:539$615
241:529$307
240:477$154
74:513$798
62:441$980
51:349$926
40:241$737
38:335$508
34:314$603
33:813$218
33:561$680
29:001$775
28:173$805
27:471$200
27:247$313
26:183$967
23:679$881
23:509$956
23:378$842
21:022$898
20:531$765
13:636$707
12:867$267
8:402$844
142:862$180
1.529:088$926
VALOR
PERCENTUAL
16,38%
15,79%
15,73%
4,87%
4,08%
3,36%
2,63%
2,51%
2,24%
2,21%
2,19%
1,90%
1,84%
1,80%
1,78%
1,71%
1,55%
1,54%
1,53%
1,37%
1,34%
0,89%
0,84%
0,55%
9,34%
100%
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Collecção de mappas estatisticos do commercio e
navegação do Imperio do Brasil nos annos financeiros de [1841-1850]
Os navios portugueses traziam variadas mercadorias dentre alimentos, ferragens,
cabos, calçados, candeeiros, chapéus de senhora, chumbo, cômodas, cadeiras, drogas,
fazendas, livros, louças, obras de latão, cobre, ouro e prata, vinhos, violas, livros e periódicos,
entre outros produtos que fazem parte das necessidades cotidianas e outros que são
eminentemente símbolos de distinção social.186
O primeiro produto que se sobressai é o vinho, no qual aparece apenas o vinho
branco e o vinho tinto. Isso diferencia, por exemplo, Portugal da França que, como veremos
186
Bourdieu destaca a não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, afirmando o seu caráter de
legitimação das forças dominantes que são expressas através dos gostos de classe e estilos de vida, criando, dessa
forma, a distinção social e reafirmando o poder simbólico. Para saber mais, ver: BOURDIEU, Pierre. O poder
simbólico. Lisboa: Difusão Editorial LTDA, 1989.
81
adiante, importa uma multiplicidade desse produto. Os condimentos são uma marca registrada
entre as importações de Lisboa e Porto, com preponderância do sal do vinagre. O primeiro
devia ser mais e o segundo menos essencial, já que a importação de sal somou 213:000$000,
enquanto o vinagre reuniu apenas 28:000$000, o que indica que possivelmente, a maior parte
dos indivíduos não consumisse vinagre para o preparo dos alimentos.
Analisando alguns dos produtos importados como os alimentos, entre eles a carne, a
farinha e o sal eram considerados produtos indispensáveis, exceto a carne, pois a maioria da
população comia peixe da região. É de se considerar que a Província mesmo produzindo em
quantidade considerável açúcar e farinha precisava importar para atender as suas
necessidades, haja vista que a maioria da população consumia esses produtos. Em
contrapartida, azeite, doce, vinho, bacalhau, castanha, nozes, ameixas eram consumidos por
um grupo seleto,187 uma parte dele composta por portugueses que migraram com grande
intensidade para a Província a partir da década de 1850.
Dos artigos portugueses importados pela Província do Pará, as ferragens e
ferramentas tais como enxadas, foices, machados, machadinhas e terçados merecem destaque
pelas consideráveis cifras investidas e pela importância que representaram para a agricultura e
para outras atividades extrativas, uma vez que só nos anos de 1846 e 1847 chegaram ao Pará
vinte e um mil novecentos e sessenta machados, sete mil e trezentos e doze terçados, duas mil
e novecentos e noventa enxadas, duas mil e setecentos e oitenta e duas foices e um mil e
duzentas e cinquenta machadinhas. O desembarque dessas ferramentas no cais de Belém
trouxe oportunidades para o desenvolvimento de diversas funções com esse tipo de
ferramentas.
Os calçados e couros preparados somaram 74:513$798, o que equivaleu a 4,87% das
importações portuguesas. Sendo que a importação desses produtos decaiu ao longo dos anos
de 1840. Em 1841 as cifras chegaram a 31:000$000. Por outro lado, em 1849 não passou de
900:000$000. No início da década preponderavam os couros usados na confecção dos
calçados, enquanto que no final da década o predomínio era dos calçados prontos,
essencialmente os tamancos. Nos anos de 1848 e 1849 chegaram a Belém, vindos do Porto e
Lisboa, sete mil cento e cinquenta e três tamancos.
Um dado que diferencia Portugal dos outros países concerne aos tecidos. Essa
importação é distinguida basicamente pela importação de linho. No mais se importava lã em
detrimento da seda vinda da França, do algodão americano e inglês. A importação de linho
187
MACÊDO. Sidiana da Consolação Ferreira. Op. Cit.
82
estava em oitava posição no total da importação portuguesa para a Província. Embora, o
vestuário compusesse a diversidade do que se trazia da ex-metropole, esse parece compor o
arranjo dos produtos mais sofisticados.
Até a instalação da iluminação a gás em 1863 na capital da Província, “o azeite e o
sebo eram os únicos combustíveis usados para gerar luz, não existindo regularidade na
iluminação pública.188 Esses produtos que abasteciam os candeeiros vinham de Portugal e de
outros países. Mas, no que toca a iluminação, chegava à Província as velas de sebo e as de
cera. Essa segunda, segundo temos informações, era um objeto que simbolizava zelo. Usar
velas de cera no velório, por exemplo, era sinal de apreço e cuidado, uma vez que "a cera
continuava sendo algo raro."189 Portanto, assim como o linho, as velas de cera não podiam ser
usados pela população em geral.
As louças, por sua vez, objetos extremamente requintados, eram provenientes,
sobretudo da Europa. Eram objetos para os quais o acesso era raro e poucas famílias puderam
adquiri-los antes de 1850.190 Um pouco mais acima estavam os objetos de cobre que incluíam
tachos, alguidares e alambiques. O primeiro pode ser considerado um objeto extremamente
necessário, sobretudo na casa, mas ocupavam o espaço do recôndito, do escondido, não
estando à mostra nas reuniões sociais mais esmeradas.
Os móveis eram basicamente os trastes de madeira. As cadeiras do Porto eram das
mais conhecidas na Província e apareceram com muita frequência nos inventários. Em geral,
os trastes eram objetos sem refinamento, pois embora atendessem algumas necessidades não
davam conta das transformações voltadas para a modernização das residências. Como nem
todos os importados partiam desse pressuposto, é importante frisar, uma vez que também
faziam parte dos produtos importados. Embora estivessem longe da representação de
conforto, as cadeiras quando devidamente alinhadas e arrumadas davam o tom dos cuidados
relacionados a presença feminina dentro dos lares. Observamos, através dos inventários, que
apenas a descrição "cadeira do Porto" agrega valor a estes objetos, ainda que as noções de
conforto, nos meados do XIX não estivessem devidamente difundidas.
As violas estiveram presentes no Grão-Pará desde as primeiras décadas do século
XIX.191 Rabeca, flauta e violão apareciam como os instrumentos europeus mais comuns no
país até os meados do XIX, ao contrário da harpa, cítara, cravo e o piano que circularam
188
CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p. 116.
Maria Luiza Ferreira de. Entre a casa e o armazém: relações sociais e experiência de urbanização. São
Paulo, 1850-1900. São Paulo: Alameda, 2005, p. 40.
190
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit.
191
Ibidem, p. 153.
189
83
pouco, antes deste período.192 Porém, a partir de 1850 “o comércio de música e de
instrumentos musicais já se estabelecera”,193 mas estes eram importados pertencentes a
poucos. Quando falamos da importação de instrumentos oriundos de Portugal, estamos nos
referindo aos instrumentos de corda, tais como os violões, o cavaquinho e a rabeca, enquanto
os pianos e os instrumentos de sopro eram mais ingleses e franceses. No ano de 1846 o Pará
importou de Portugal mil duzentos e sessenta instrumentos de corda, enquanto que da França
vieram apenas cinco desses instrumentos.
Os livros representam, além das mercadorias para suprir as necessidades básicas ou
as mais requintadas, que o conhecimento também atravessou o Atlântico, e estes produtos
eram providos na Província principalmente pelas viagens portuguesas. No período colonial
tinham um uso restrito. Em Portugal a produção e movimentação dos livros foram limitadas
pelas imposições da inquisição.194 Na colônia, os limites eram muito maiores. Foi com a
Revolução Constitucional do Porto em 1820 que foi garantida a criação da imprensa e a
circulação de obras literárias.195 Depois disso, era comum encontrar anúncio de vendas de
livros, tendo eles se tornado “um negócio como outro qualquer nos quadros da economia
mundializada da cultura”.196
Entre os "outros" se destacam as pederneiras, os palitos de fósforo, as pedras de
cantaria e de cal e o macadame português. Esse macadame foi muito usado na estruturação
das ruas de Belém nos meados do oitocentos. O pastor presbiteriano James Fletcher, em 1855,
destaca o aspecto da pavimentação das ruas de Belém, que tinham macadame.
O aspecto geral da cidade do Pará corresponde ao da maioria das cidades do Brasil,
apresentando uma mistura de paredes brancas e telhados vermelhos. O plano em que
foi construída não é falta de gosto e regularidade. Possui numerosas praças públicas
e ruas que, embora não muito largas, são bem pavimentadas, ou antes
macadamizadas.197
Freyre falou que uma das consequências da navegação a vapor foi a importação de
macadame, o que significou uma importante inovação para a época. Segundo ele, essa
novidade é uma das razões do progresso que os observadores franceses observavam nas
192
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (1997). Op. Cit., p. 23-24.
SALLES, Vicente (1980). Op. Cit., p. 267.
194
SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto de Lisboa à
Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
195
COELHO, Geraldo Mártires (1989). Op. Cit.
196
COELHO, Geraldo Mártires. O violino de Ingres: Leituras de história cultural. Belém: Paka-Tatu,
(2005b).
197
KIDDER, Daniel; FLETCHER, James. O Brasil e os Brasileiros: esboço histórico e descritivo. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1941, p. 189.
193
84
cidades marítimas e fluviais.198 A ruas macadamizadas que, no final da década de 1830, não
foram percebidas por Kidder, nos meados de 1850 foram notadas pelos viajantes estrangeiros.
Os Estados Unidos, ao contrário de Portugal, não tinham laços históricos firmados
com a Província. Em 1826 houve a primeira tentativa de navegar o Amazonas por parte dos
Estados Unidos, quando empresários norte americanos formaram a companhia de vapores de
New York, exclusivamente para a realização dessa atividade que enfrentou sérias oposições
do parlamento e do governo brasileiro199 e acabou indo a falência. Diante disso, a navegação
de longo curso foi o caminho encontrado não somente para a colocação dos produtos dos
Estados Unidos, mas para a aproximação dos laços com a Província onde estava concentrada
uma parte da imensa bacia hidrográfica que era de seu interesse. No caso dos Estados Unidos
observe as categorias e subcategorias mais frequentes.
Tabela 9 – Importados de maior frequência oriundos dos Estados Unidos
Categorias
Subcategoria
Frequência
Categorias
Alimentos
Alimentos de
origem animal
44%
Alimentos
Processados
85%
Bebidas
63%
Óleos e
azeites
44%
Indumentárias e
joias
Adornos Tecidos e
linhas
58%
87%
Trabalho e
negócios
Utensílios para
carpinteiro
77,5%
Coisas de uso público e/ou privado
Tratamentos Diversos
medicinais e
outros usos
Materiais
Utensílios e
Bens da
Vasilhames Produtos para Diversos
Subcategorias Fumo
botica e
de limpeza alimentos para
casa
animais
medicamentos
66%
50%
36,5%
44%
45,5%
37,5%
46,5%
Frequência
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Tabela constituída a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 18401850.
Assim como de Portugal, vinham dos Estados Unidos mercadorias de todas as
categorias com muita frequência, menos equipamentos que chegavam em menor escala,
apesar de constarem algumas vezes. Eram constantes bacalhau, carne salgada, carne de porco,
farinha de trigo, manteiga, presunto, bolacha, chá e banha de porco para a alimentação na
Província. Os chapéus de palha e as fazendas preponderavam na categoria Indumentária e
joias, enquanto que tabuado de pinho era o principal produto destinado ao trabalho de
marceneiros e carpinteiros. Tabaco, charuto, sabão, feno, pente, fogão de ferro, espelho e
198
FREYRE, Gilberto (2008). Op. Cit., p. 77.
GREGÓRIO, Vitor Marcos., Op. Cit. p. 20; MEDEIROS, Fernando Sabóia. A liberdade de navegação do
Amazonas: relações entre o Império e os Estados Unidos da América. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1938; PALM, Paulo Roberto. A Abertura do Rio Amazonas à Navegação Internacional e o Parlamento
Brasileiro. Dissertação (Mestrado). 2009. 97 p. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
199
85
caixas abatidas estavam nos ambientes domésticos e públicos. Espermacete, droga, óleo de
linhaça e óleo de mamona eram os principais produtos destinados a botica, que eram em sua
maioria os óleos, enquanto que de Portugal se destacavam as drogas. Na categoria diversos
estavam as bombas, balanças e cascos de tartaruga.
A farinha de trigo e as fazendas que vinham em larga escala dos portos de Salem,
New York e Boston coincidem com o desenvolvimento do sistema de plantation de algodão
no Sul dos Estados Unidos e o cultivo de trigo, bem como o incremento do sistema fabril e a
indústria têxtil no Norte. No Sul, a monocultura algodoeira, produzida pela mão de obra
escrava significava mais de 50% do valor das exportações norte americanas, além de ser a
mais importante fonte de matéria prima para os fabricantes de tecidos do Norte.
Além desses fatores determinantes para entender o que se importava dos Estados
Unidos, existia uma ideia circundante de civilização, que emanava tanto do Norte quanto do
Sul. Para o Norte, isso se refletia na busca de se desenvolver cada vez mais agrícola e
industrialmente e na possibilidade de aumentar o mercado consumidor dos seus produtos,
utilizando-se para isso da mão de obra livre assalariada e o domínio do litoral atlântico.
Já no Sul a ideia de civilização está presente na busca pela expansão para Cuba,
Américas Central e do Sul a partir da decadência da economia escravocrata sulista na década
de 1850. A Amazônia teve um papel importante neste ensejo,200 tendo sido alvo de
incontáveis tentativas de penetração em seus rios. O objetivo era criar uma base territorial
sólida a partir de uma perspectiva de um novo colonialismo visando ocupar a Amazônia com
milhares de negros norte americanos. O discurso civilizatório fez parte do projeto
empreendido pelo tenente da marinha norte americana Matthew Fontaine Maury.
A civilização atingiu agora um desenvolvimento tal que já não
mais requer o abrigo de Montanhas (...). Agora se delicia no
livre intercâmbio entre as nações, e melhor floresce onde o
comércio é mais ativo (...).201
O tenente Maury sentia-se o novo Colombo abrindo o comércio e a civilização para a
Amazônia. Nesse sentido, o discurso da civilização não era unicamente europeu. Os Estados
Unidos, diretamente influenciados pelo comércio Atlântico, também o usava como símbolo
do expansionismo almejado. Vejamos se os produtos mais frequentes demonstrados na tabela
anterior condizem com os maiores valores arremetidos para a importação norte americana,
demonstrados na tabela abaixo.
200
LUZ, Nicia Vilela. A Amazônia para os negros americanos: As origens de uma controvérsia
internacional. Rio de janeiro: Editora Saga, 1968.
201
Donald Marquand Dozer apud LUZ, Nicia Vilela. Op. Cit., p. 57.
86
Tabela 10 - Importações norte americanas para o Porto de Belém, durante a década de 1841-50
MERCADORIA
Tecidos e manufaturas de algodão
Moedas
Farinha de trigo e massas alimentares
Fumo
Sabão
Pólvora
Chapéus de palha
Instrumentos náuticos
Chá
Carnes, banha e toucinho
Madeiras
Velas de espermacete
Ferragens
Máquinas diversas
Manteiga
Bacalhau e outros peixes
Pentes
Vasilhames vazios
Mobília e móveis
Carruagens, seges e seus pertences
Outros produtos
TOTAL DE IMPORTAÇÕES
VALOR ABSOLUTO
(EM RÉIS)
903:219$371
498:738$563
468:798$379
141:193$908
126:374$966
110:808$292
48:360$418
36:877$499
40:357$510
31:227$690
30:565$308
23:871$375
21:821$732
20:304$100
18:160$905
17:939$737
16:739$267
16:160$494
9:957$565
7:946$000
105:956$825
2.695:379$904
VALOR
PERCENTUAL
33,51%
18,50%
17,39%
5,24%
4,69%
4,11%
1,79%
1,37%
1,50%
1,16%
1,13%
0,89%
0,81%
0,75%
0,67%
0,66%
0,62%
0,60%
0,37%
0,29%
3,95%
100%
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do
Imperio do Brasil nos annos financeiros de [1841-1850]
Os principais produtos americanos entrados no porto do Pará durante a década de
1841-50, em valores reais, eram agrícolas, sendo que algodão (33,51%), trigo (17,39%) e
fumo (5,24%) eram responsáveis por 55,59% das importações norte americanas, ou seja, mais
da metade de tudo que chegou daquele país em Belém. Os tecidos de algodão não eram
considerados requintados, pois os mesmos sempre aparecem nos relatos dos viajantes quando
se referem às vestimentas dos segmentos mais populares. Quando falam das classes mais
abastadas, sobressaem as vestes de seda, tafetá, cassa e linho, o que permite pensar que as
importações de algodão norte americanas convinham para atender as necessidades mais
elementares ligadas ao vestuário.
O tabaco em folha ou rama se destacava nas importações norte americanas tanto
quanto o rapé vindo de Portugal. Enquanto vinha dos Estados Unidos um produto in natura,
provavelmente para os mais pobres, os abastados tinha a disposição no comércio local um
artigo processado, símbolo de ostentação, o charuto, que são tratados nos anúncios de jornais
como superiores. A mesma loja que oferecia chá verde e preto oriundo dos Estados Unidos
87
disponibilizava charutos ditos superiores, que faziam concorrência com os famosos charutos
da Bahia e com os charutos produzidos em fábrica local.202
A farinha de trigo era caracteristicamente americana. Por causa dessa importação em
larga escala, foi possível um incremento das padarias, confeitarias, motivadas em grande
medida pelo aumento da imigração portuguesa para a Província. A farinha de mandioca,
segundo Bates, no final da década de 1850 estava tão escassa que as classes mais pobres
estavam passando fome, "os que tinham recursos compravam por um alto preço o pão de
trigo, feito com farinha americana". Logo, "esse produto se tinha tornado um item muito
oneroso para qualquer pessoa que não tivesse uma renda muito elevada."203 A farinha, que na
década de 1840 era um tanto acessível para classes menos endinheiradas , tornou-se um
produto de luxo na década seguinte, devido ao encarecimento possibilitado pelo aumento da
população e pela agitação do comércio local. Apesar disso, o trigo e seus derivados, pães,
bolachas, biscoitos tinham uma ampla recepção na Província, chegando a serem consumidos
mil e duzentos barris mensalmente.
As moedas, quase exclusivamente moedas de prata somaram 498:738$563, o que
correspondeu a 18,50% do total das importações americanas. Além dos Estados Unidos, as
moedas vinham também da França e Inglaterra, mas majoritariamente eram trazidas por
navios americanos. Elas começaram a ser introduzidas em larga escala no comércio do Pará a
partir de 1846. De 1846 a 1850, foram introduzidas na Praça de Belém trezentas e noventa e
oito mil e quatrocentas e vinte e quatro moedas de prata, das quais duzentas e cinquenta mil
chegaram em navios americanos.
Embora as moedas não sejam símbolos de luxo, mas sim de uma necessidade
comercial, elas servem para indicar que a modernidade chegava ao Pará, que nesse período
experimentava um florescente crescimento econômico, iniciado ainda no final da década de
1830 e, intensifica-se a partir da década de 1840. Assim, "nota-se que o movimento de
ascensão da renda interna já se esboça desde o intervalo histórico de 1840 a 1850,
prosseguindo ininterruptamente."204
O sabão tomou o quinto lugar na pauta das importações americanas. Antonio Valente
ao analisar as moradias de Belém, destacou que um dos ofícios realizados nessas moradias era
a produção de sabão.205 No entanto, constantemente chegava de portos americanos sabão já
pronto para o consumo, seja para a lavagem de roupas, de louças, de typos, de vidraças ou
202
Treze de maio, 6 de março de 1861, n.9, p. 6.
BATES, Henry Walter. Op. Cit. p. 297.
204
SANTOS, Roberto. Op. Cit., p. 11.
205
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 158.
203
88
eram usados no banho.206 No início da década de 1840 a Inglaterra também comercializava
sabão com o Pará. Em 1840 o brigue inglês City of Perth, trouxe para o Pará 1.759 caixas
com sabão. Todavia, a partir de 1848 somente os Estados Unidos forneceu sabão ao comércio
do Pará. Mesmo que a partir de 1854 já se encontrasse estabelecida na Rua Longa, uma
fábrica de sabão, de propriedade de José do O' de Almeida,207 o sabão norte americano
continuou sendo muito comercializado ainda no final do século, mesmo depois da
implantação de diversas outras fábricas de sabão em 1895.208
A pólvora era fornecida aos paraenses pelos norte americanos e pelos ingleses. Os
norte americanos eram responsáveis por 80% de toda a pólvora chegada ao Pará, os 20%
restante vinha da Inglaterra. A pólvora norte americana era de melhor qualidade e mais
barata.209 A importação de pólvora americana durante a década de 1840 ultrapassou os
110:000$000. Além de ser usada como munição pelos militares e por outros paraenses, a
pólvora chegada a Belém nos meados do oitocentos, também, foi muito usada na fabricação
de foguetes (fogos de artifício), pois conforme consta no Relatório da Presidência da
Província de 1859, a cidade do Pará contava com a presença de cinco fábricas de foguetes.210
Com o chá foi gasto um valor nada irrisório de mais de 40:000$000. Não é por acaso
que é constante nos inventários, que trataremos no próximo capítulo, os aparelhos para chá.
Tomar chá se tornou comum, sobretudo entre as senhoras, pois a reunião para tomar chá
tornou-se uma prática social recorrente. O chá passou a estar presente nos encontros nas salas
de visitas, em que todo um código de etiqueta e gestualidade se originou dessa prática que
seguia a tradição inglesa.211
Também eram importados madeira, pau campeche, tabuado de pinho, vasilhames,
principalmente de madeira, como barricas, barris e caixas abatidas. Além dos vasilhames de
madeira, destacam-se as sacas de gunes. Esses produtos denotam bem a característica dos
206
ALMEIDA. Conceição Maria Rocha de. As águas e a cidade de Belém do Pará: história, natureza e
cultura material no século XIX. 2010. 340 p. Tese (Doutorado em História). São Paulo: PUC, 2010.
207
Treze de maio, 22 de julho de 1854, n. 360, p. 6.
208
WEINSTEIN, Bárbara. Op. Cit., p. 114.
209
O francês Eleuthère Irénée du Pont de Nemours, que tinha estudado química com Lavoisier, imigrou para os
Estados Unidos em 1800. Lá ele fundou uma fábrica de pólvora negra, a Eleutherian Mills (Fábrica Eleutherian),
no estado de Delaware. Du Pont percebeu que a pólvora americana era de má qualidade, então desenvolveu uma
nova técnica de fabricação desse produto, que a tornou de melhor qualidade e mais barata que a pólvora
britânica. Ver: GOBBI-RICARDO Laurice de Fátima. DUPONT DE NEMOURS: fisiocracia e educação.
2009. 152 p. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Maringá - UEM, 2009.
210
Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia do Pará na segunda sessão da XI legislatura pelo Exmo
Snr. tenente coronel Manoel de Frias e Vasconcellos, presidente da mesma provincia, em 1 de outubro de 1859.
Pará, Typ. Commercial de A.J.R. Guimarães, [n.d.], p. 38.
211
ABRAHÃO, Eliane Morelli. A casa da fazenda Santa Genebra: morar e viver em Campinas (18501900). Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Lisboa 18 a 21 de
Maio de 2011, p. 6.
89
produtos americanos que, em sua maioria, não eram manufaturados industrialmente. Até
mesmo os móveis, que eram basicamente as cadeiras de palinha e de balanço e trastes de
madeiras eram diferenciados dos móveis vindos da Europa, como os toucadores, os
aparadores, os canapés, sofás, cadeiras acolchoadas e poltronas. Porém, é importante lembrar
que dos Estados Unidos vinham tanto os móveis prontos como a matéria prima para
fabricação. Nos inventários aparecem duas nomenclaturas, cadeiras americanas e cadeiras de
madeira americana, o que pressupõe que as últimas eram fabricadas na Província. Mas, além
dessa mobília, vinham também, embora em menor escala, burras de ferro (cofres), fogões de
ferro e espelhos.
As máquinas chegadas a Belém provenientes dos Estados Unidos incluíam,
polyoramas, daguerreotypos, balanças, bombas, máquinas de descaroçar, fiar e tecer algodão,
máquinas a vapor para diversos usos, prelos e typos móveis. A introdução desses
maquinismos simbolizaram notáveis avanços em diversas áreas na Província, que
contribuíram significativamente para a modernização da cidade e do interior. Já em 1839
Kidder, ao visitar uma fazenda nos arredores de Belém, testemunhou a presença de máquinas
norte americanas de beneficiar arroz.212
A importação das máquinas de fiar e tecer algodão foi incentivada pelo governo
provincial pelo decreto n.º 494 de 13 janeiro de 1847, que estabelecia entre outras coisas a
isenção dos direitos de importação sobre essas máquinas e suas peças.213 Incentivando ainda a
implantação de fábricas que produzissem manufaturas de algodão, esse mesmo decreto
estendia o prazo de gozo desses e outros direitos por dez anos. Podemos dizer que as
máquinas, com variadas utilidades, foram aos poucos adentrando a Província com mais
notoriedade.
Outra atividade na cidade que se beneficiou com a importação de máquinas a vapor
foi a panificação. Em 1861, Antonio Henriques Carreira, proprietário da "Nova padaria a
vapor Estrella do Norte", visando alcançar um público maior, prometia vender mais rápido
que outro qualquer por causa da rapidez das suas máquinas a vapor, que estariam aptas a
preparar qualquer encomenda.
212
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil (Rio de Janeiro e
Província de São Paulo) . Belo Horizonte; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 214.
213
Treze de maio, 27 de fevereiro de 1847, n. 680, p. 2.
90
Figura 2 - Anúncio de uma padaria equipada com máquina a vapor
Fonte: Treze de maio, 22 de maio de 1861, n. 3, p. 6.
As máquinas também vieram equipar as casas tipográficas com novos prelos que
começaram a se expandir no final da década de 1830. Até esse período, o Pará era carente de
tipografias e de encadernadores, havendo uma ausência de jornais diários e a primeira
publicação local importante foi o livro intitulado Ensaio Corográfico sobre a Província do
Pará, somente publicado em 1839 pela tipografia de Honório José dos Santos. Ainda assim a
cidade do Pará foi a sétima no Brasil a possuir uma tipografia.214 Já na década de 1840 foram
criadas mais quatro tipografias, o que aumentou em muito o consumo desses produtos norte
americanos. Nas décadas posteriores, esses produtos estão cada vez mais sofisticados. Se
observarmos a própria composição das letras no anúncio da padaria Estrella do Norte,
notaremos que houve um melhoramento na qualidade gráfica dos jornais, por exemplo.
Os pentes, essencialmente de osso, passaram a fazer parte do cotidiano da cidade,
pois somente em 1846 chegaram ao comércio de Belém trinta mil pentes vindos
exclusivamente dos Estados Unidos. Com a chegada desse artigo, as mulheres tinham a
disposição um importante objeto de embelezamento, para apresentarem-se nas festas da
cidade, religiosas ou cívicas, com suas cabeleiras arrumadas.
Os transportes, carruagens, seges e cabriolés, que custavam em média de 800$000 a
1:000$000 cada um eram fornecidos aos paraenses exclusivamente pelos americanos. A
Alfândega do Pará registrou entre 1841-49 a chegada de mais de dez desses transportes. Além
dos carros, os americanos exportavam para o Pará pertences e peças de manutenção desses
veículos, pois se encontrou nas listas de importação rodas, eixos e outras peças para
214
NOBRE, Izenete Garcia. Leitura a vapor: a cultura letrada na Belém oitocentista. Dissertação (Mestrado).
2009. 194 p. Belém: UFPA, 2009, p. 34.
91
carruagens. Em agosto de 1846, referindo-se as carruagens, o vice-presidente da Província
João Maria de Moraes escreveu que "são objeto de luxo para uns, para outros o são de
primeira necessidade,"215 haja vista que alguns usavam as carruagens como profissão, tais
como os cocheiros que viviam dos aluguéis desses veículos. Em fins do século XVIII, pelas
ruas de Belém, rodavam apenas doze seges.216 Kidder, ao observar a festa em honra a Nossa
Senhora de Nazaré, dá conta que
vinha uma banda de música seguida de um piquete de cavalaria [...] Imediatamente
após marchava a guarda composta de civis a cavalo e oito ou dez carruagens que,
provavelmente, eram todas quantas possuía a cidade.217
Em 1848, mesmo que já tivesse chegado mais dez carruagens dos Estados Unidos
elas não chamaram a atenção dos viajantes, mas em 1859 Bates viu "sessenta veículos
públicos, leves cabriolés, aumentando muito a animação das praças, ruas e avenidas".218 Por
volta de 1870 as carruagens já eram tão comuns em Belém, que foi possível em duas esquinas
do centro de Belém serem fotografadas por Felipe Fidanza oito carruagens, sendo quatro em
cada esquina.
Figura 3 - Carruagens no Centro de Belém, cerca de 1870
Fonte: Fotografias de Felipe Augusto Fidanza, cerca de 1870 - Esquina da Igreja das Mercês (Coleção Alphons
Stübel. Acervo Leibniz-Insrirut Für Länderkunde)
Entre os “Outros produtos”, que somaram a monta de mais de 105:000$000,
destacam-se os palitos de fósforo, as pederneiras, os relógios de parede e para cima de mesa,
215
Treze de maio, 12 de agosto de 1846, n. 628, p. 4.
MELLO-LEITÃO, Cândido de. O Brasil visto pelos ingleses. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1937, p. 33.
217
KIDDER, Daniel Parish. Op. Cit., p. 226.
218
MELLO-LEITÃO, Cândido de. Op. Cit., p. 33.
216
92
os papéis para embrulho e papelão, fogos de artifício, vassoura de piaçaba, feno, óleos
medicinais, espermacete em velas e para iluminação, tijolos e cimento. Entre 1846 e 1850
chegaram à Alfândega do Pará duzentos e oitenta e três relógios de parede e de mesa. Desses,
duzentos e quinze ou 76% vieram de portos americanos. Destacam-se como símbolo de
modernidade os palitos, que vem substituir as pederneiras, instrumento utilizado para produzir
fogo.
Os fósforos, chegados ao Rio em meados do século, criam formidáveis economias
de tempo, quando substituem essas e outras formas tradicionais de acender lenha,
seja nas rústicas trempes de três pedras das mulheres pobres, seja nos sofisticados
fogões de ferro das pessoas de renda média e alta. Fósforos de atrito, uma invenção
européia da década de 30, só estão disponíveis no Rio nos anos 60 do século XIX,
mas nem sempre disponíveis no resto do país (Marx, 1975, p. 279). Até então, usase a pederneira, sílex que produz centelhas quando percutido ou atritado por peças
de metal, em especial, de ferro. Mas a obtenção da chama depende de lenha nem
sempre disponível, de gravetos sem umidade ou da manutenção de brasa acesa no
fogo morto.219
Os fósforos significaram um melhoramento, sobretudo para as atividades domésticas.
É curioso que no Rio de Janeiro este produto só tivesse disponível em 1860, uma vez que nos
idos de 1846 esses produtos já estavam disponíveis na Província do Pará, vindos dos Estados
Unidos e da Inglaterra, mas a maior parte dessa importação era americana.
Como marca registrada dos produtos americanos entrados no porto do Pará no
meados do oitocentos, tem-se os artigos provenientes do sistema econômico agrário que
aquele país experimentava, com a introdução de algumas manufaturas industrializadas, mas
limitadas às indústrias de base, como é o caso do sabão, pólvora, chapéus de palha, pentes de
osso, mobílias e móveis de madeira. Mas em se tratando da importação inglesa, quais os
produtos que tornaram-se símbolos daquele país. A tabela abaixo mostra a frequencia com
que as importações inglesas chegavam ao cais belenense?
Tabela 11 – Importados de maior frequência oriundos da Inglaterra
Categorias
Subcategoria
Frequência
Alimentos
Alimentos
processados
86%
Bebidas
59%
Coisas de uso
público e/ou privado
Louças Transportes
72,5%
Categorias
Subcategoria
35%
Indumentári
as e joias
Tecidos e
linhas
93%
Tratamentos Medicinais
e outros usos
Produtos para botica e
medicamentos
31%
Trabalho e negócios
Diversos
Armamento e
Metais e ligas
Produtos
Utensílios para ferreiro
Diversos
munições
metálicas
químicos
e ferragens
48%
69%
31%
69%
79,5%
Frequência
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Tabela constituída a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 18401850.
219
COSTA, Suely Gomes. Op. Cit., p. 59-82.
93
Da Inglaterra, sobressaíam as fazendas entre todos os produtos importados. Em
segundo lugar estavam os alimentos processados com destaque para a manteiga e o queijo.
Em seguida situavam-se as louças (de metal), que quase sempre não eram especificadas e, em
quarto lugar, predominavam o estanho, chumbo, cobre, ferro, aço, zinco, flandres, latão,
pólvora, chumbo para munição, eixo de ferro para carro, roda de ferro, âncora, ancorete, barra
de ferro, ferragem e outros objetos de ferro como bigorna, fole e torno. Todos esses materiais
necessitam de matéria prima proveniente da metalurgia, o que já vinha se desenvolvendo
desde o século XVIII, tendo os ingleses como pioneiros nesse processo.
Outros produtos que se destacavam nas categorias Bebidas, Produtos para botica e
medicamentos e Produtos químicos eram a cerveja, óleo de linhaça, salitre, barrilha, alcatrão e
cal, e eram resultados do aprimoramento da indústria química que a partir do final do século
XVIII começou a sistematizar seus processos de fabricação, através do uso de balanças,
termômetros, recipientes com controle de volume, além do aumento das matérias primas
disponíveis para o fabrico de novos materiais até então desconhecidos do homem ou de difícil
produção. E, a partir do século XIX, passou a compreender o processo de fermentação
alcoólica para a produção de bebidas.
As palavras “indústria”, “fábrica”, “cientista”, “ciência moderna,”220 de acordo com
Hobsbawm, eram cunhagens adequadas para o contexto inglês ao qual estamos tratando e que
possibilitou os avanços da conhecida “era das revoluções.” A Província do Pará sentira os
reflexos desses avanços e dessa mudanças, pois não é de estranhar que a maioria das
mercadorias inglesas que aqui aportavam faziam parte desse processo geral. O arrefecimento
do comércio entre o Porto e o Brasil após a independência, além dos fatores políticos tem com
esse quadro uma relação significativa, uma vez que
O senso prático procurava o desenvolvimento das relações econômicas com o Brasil,
agora mais difíceis porque inscritas num quadro concorrencial, dominado pela
Inglaterra, fortemente industrializada e competitiva, promovendo o investimento de
ponta e as transferências de capital para o processo de modernização.221
A reordenação da economia-mundo “incluía o Brasil na órbita central dominada
pelos interesses britânicos.” Há um reclame por parte do Porto em 1844 de que o “consumo
do linho substituído pelo algodão inglês mais barato,” assim como se tem notícias de que
vários outros produtos como as ferragens, as fechaduras, as foices e enxadas estão perdendo o
Brasil como mercado consumidor. Enquanto Portugal perdia um dos seus mais fortes
220
221
HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 15.
ALVES, Jorge Fernandes. Op. Cit., p. 65.
94
mercados consumidores, a Inglaterra estreitava cada vez mais os laços comerciais com o
Brasil.
Para Richard Graham, no período de 1831 a 1889, os interesses britânicos no Brasil
se concentravam em torno de três questões estreitamente relacionadas, quais sejam, a
escravatura, o comércio e os investimentos.222 Tendo em vista o comércio, que já vinha se
disseminando desde a abertura dos portos - embora os produtos ingleses já tivessem um
espaço dentro das importações brasileiras ao menos desde o tratado de Methuen, estabelecido
entre Portugal e Grã- Bretanha em 1702-1703 -, observemos os principais produtos que
passaram a circular com amplitude nos meados do oitocentos. A tabela abaixo faz uma
demonstração dos números da importação de produtos ingleses na Província.
Tabela 12 - Importações inglesas para o Porto de Belém, durante a década de 1841-50
MERCADORIA
Tecidos e outras manufaturas
Manteiga e queijo
Louças de todas as espécies e vidros
Metais e ligas
Carvão de pedra
Ferragens
Moedas de prata
Pólvora
Chapéus de sol
Vinhos diversos
Sal
Cerveja
Sabão
Aguardente, e bebidas espirituosas
Frutas sazonadas e secas
Tintas
Farinha de trigo e seus artefatos
Outros produtos
TOTAL DE IMPORTAÇÕES
VALOR ABSOLUTO
(EM RÉIS)
1.171:453$095
71:808$257
63:525$013
62:510$327
53:142$200
40:730$783
33:920$000
27:417$000
21:150$000
16:353$877
12:649$054
11:132$539
10:479$200
10:249$138
5:123$659
3:556$344
3:507$000
92:401$538
1.711:109$024
VALOR
PERCENTUAL
68,46%
4,19%
3,71%
3,66%
3,11%
2,38%
1,98%
1,60%
1,24%
0,96%
0,74%
0,65%
0,61%
0,60%
0,30%
0,21%
0,20%
5,40%
100%
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do
Imperio do Brasil nos annos financeiros de [1841-1850]
Os dados acima são relevantes porque revelam os valores investidos em cada
produto. De acordo com os dados da Alfândega do Pará, acerca das mercadorias estrangeiras
importadas e despachadas para consumo, os produtos mais importados conferem com o dados
obtidos nos jornais ainda que não fosse uma fonte oficial. Assim, percebemos que o Pará já na
222
GRAHAM, Richard (2004). Op. Cit., p. 168.
95
década de 1840 é eminentemente um consumidor dos tecidos ingleses. Preponderam os
tecidos e outras manufaturas de algodão, lã, linho e seda.
Os tecidos de algodão superam em muito nesse consumo, uma vez que são
responsáveis por 91% do valor total da importação de tecidos. Em seguida está a lã, o linho e
por último a seda, esta representando pouco mais de 1% de todo o importância despendida na
aquisição de tecidos. Mas o fato é que, durante toda a década de 1840, os tecidos
representaram quase 70% de tudo o que veio da Inglaterra para esta Província. Com efeito, o
consumo dos produtos manufaturados britânicos serviria para dar forma às relações anglobrasileiras entre os anos de 1831 a 1889, sendo os têxteis, especialmente os artigos de algodão
os principais artigos importados, representando mais de 65% das importações brasileiras da
Grã-Bretanha até 1870.223 Essa era uma tendência corrente para as importações inglesas em se
tratando de Brasil e não apenas do Pará.
Podemos dizer que os tecidos são a grande representação da importação inglesa,
embora outros produtos também sejam símbolos, tais como a manteiga, os queijos, os metais
e ligas metálicas, as ferragens, as moedas e a pólvora. De resto, as importações inglesas
serviam de aditamento, frente a concorrência dos outros países estudados.
Algumas mercadorias figuraram na pauta de importações inglesas para o porto da
Província do Pará durante toda a década de 1840,224 como é o caso da maioria dos itens
listados na tabela acima. Porém, alguns itens passaram a apresentar valores expressivos
somente a partir de 1846, como as moedas de prata, com valores acima de 6:000$000, os
chapéus de sol, acima dos 6:000$000 e as tintas, com valores acima de 1:000$000. No caso
das tintas, que somente vieram a partir de 1847, essa aquisição pode estar relacionada com o
melhoramento da estrutura urbana que já era notável nesse período. Outras mercadorias, no
entanto, que no início da década representavam valores expressivos, aguardente, licor e outras
bebidas espirituosas, frutas secas e sazonadas, sabão, vinhos e farinha de trigo, ao longo da
década deixaram de ser importadas da Inglaterra, ou tiveram sua importância diminuída no
comércio entre ingleses e paraenses.
De maneira geral, o consumo dos importados ingleses e de outras procedências
chamam para uma reflexão a respeito do que Gilberto Freyre denominou de "europeização"
da população brasileira. Contudo, essa europeização não necessariamente está relacionada ao
luxo, pois pode também está coesa com um conjunto de necessidades mais gerais de variados
223
GRAHAM, Richard (2004). Op. Cit., p. 172.
Dados compilados a partir de seis anos financeiros da década de 1840, 1841-42, 1842-43, 1846-47, 1847-48,
1848-49 e 1849-50. Ver: Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do Imperio do Brasil no
anno financeiro de [1841-1850 ]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848-1855. 6 v.
224
96
sujeitos históricos daquela realidade social. Se utilizarmos o exemplo dos tecidos de algodão,
veremos que era um tecido que vestia as classes menos favorecidas da cidade e do interior da
Província, como aparece repetidamente no relato dos viajantes. Por outro lado, se tomarmos
como exemplo a manteiga inglesa, inúmeras vezes citadas nos anúncios dos jornais, veremos
que não era um produto acessível para a maior parte da população, pelo menos não
cotidianamente.
Segundo Darcy Ribeiro, os artigos manufaturados, os procedimentos técnicos, os
serviços e os hábitos de vida e consumo gerados pela revolução industrial, acarretam
mudanças na sociedade brasileira, iniciando um processo de urbanização em moldes
modernos antes mesmo do advento da industrialização propriamente dita.225 E para um país
que não estava vivendo tão velozmente um processo de industrialização? Quais os produtos
oferecido ao consumo? A tabela abaixo destaca os produtos que mais estavam presentes nas
embarcações chegadas da França.
Tabela 13 – Importados de maior frequência oriundos da França
Categorias
Subcategoria
Frequência
Categorias
Subcategoria
Alimentos
Alimentos
processados
62%
Indumentárias e joias
Bebidas
Adornos
81%
53%
Tecidos e
linhas
72%
Vestuário
Trabalho e
negócios
Papéis
38%
38%
Coisas de uso público e/ou privado
Diversos
Leitura: livros
Louças
Bens da
Objetos de
Diversos
e escritório
casa
vidro
43%
28,5%
38%
38%
33,5%
67%
Frequência
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Tabela constituída a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 18401850.
Iluminação
Dos quatro países analisados era frequente a importação de bebidas. No entanto,
enquanto de Portugal vinham dois tipos de vinhos, dos Estados Unidos, quase que unicamente
chá e da Inglaterra essencialmente cerveja, da França vinham uma diversidade: vinho branco,
vinho tinto, vinho Bordeaux, vinho muscatel, licor, champanhe e genebra. E na categoria
Alimentos, destacavam-se o queijo e a manteiga, apesar desses alimentos serem
predominantemente ingleses.
Quanto as Indumentárias e joias, importavam-se chapéus de seda, fitas, lenços de
seda, leque, miçangas, fazendas e muitos sapatos. Apesar dos adornos virem em apenas 53%
das viagens, se eliminarmos a cidade de Sète, esta porcentagem aumenta para 74%, haja vista
225
RIBEIRO, Darcy. As Américas e a Civilização. Petrópolis: Vozes, 1983.
97
que de lá não se importou adorno uma única vez. Importava-se também velas de sebo, vidro
para candeeiro, livros, louça, porcelana, manta, faca, terçado, espelho e vidros com muita
regularidade.
É notório que da França procede alguns objetos diferenciados que não vem
comumente de outro país, como é o caso de determinados tipos de vinho, leques, lenços,
chapéus de seda e porcelana. Mesmo os Estados Unidos que comercializavam muitos
chapéus, mas nenhum era de seda, mas sim de palha, e de Portugal prevaleciam os chapéus de
lã. Ainda que a Inglaterra tenha mandado tantas louças não se registrou louças de porcelana,
mas em sua maioria de ferro e cobre. Portanto, o conceito de civilização na França encontra
equivalência nos objetos materiais e a Província do Pará, além de importar os produtos,
importa também civilização, pois já tendo na França um processo consolidado teria que ser
difundido.
O conceito de civilização indica com clareza, em seu uso no século XIX, que o
processo de civilização – ou, em termos mais rigorosos, uma fase desse processo –
fora completado e esquecido. As pessoas apenas querem que esse processo se realize
em outras nações, e também durante um período, nas classes mais baixas de sua
própria sociedade. Para as classes alta e média da sociedade, civilização parece
firmemente enraizada. Querem acima de tudo, difundi-la e, no máximo, ampliá-la
dentro do padrão já conhecido.226
Nesse sentido, a civilização deveria ser disseminada e apropriada de acordo com a
aquisição dos objetos a serem usados no cotidiano, em ocasiões esporádicas ou simplesmente
poderiam não ser usados, mas somente apreciados. Seja qual for o fim, as coisas e as ideias
atravessaram o Atlântico com muito mais regularidade nos meados do oitocentos. Ainda que
as coisas vindas da França sejam corriqueiramente interrelacionadas as ideias de civilização,
podemos conferir também que havia produtos que não devemos incluir nesse conceito. A
tabela abaixo mostra em valor absoluto e percentual os principais produtos que
caracterizavam a relação da Província do Pará com portos franceses. Esses dados são
relevantes porque demonstram a importância monetária dos produtos, enquanto que a tabela
anterior mostrou a frequência de chegada dos itens no cais belenense. Observe os valores e os
produtos da importação francesa.
226
ELIAS, Norbert. Op. Cit., p. 113.
98
Tabela 14 - Importações francesas para o Porto de Belém, durante a década de 1841-50
MERCADORIA
Moedas de prata
Tecidos e outras manufaturas
Vinhos e bebidas espirituosas
Armamento e munição
Couros preparados e calçados
Manteiga e queijo
Ferragens
Papeis e livros
Chapéus
Farinha de trigo e seus artefatos
Louças de todas as espécies e vidros
Vidros
Terçados
Quinquilharias e joias
Obras de armador, bordador e sirgueiro
Drogas e espécies medicinais
Azeites e óleos
Perfumes e sabonetes
Outros produtos
TOTAL DE IMPORTAÇÕES
VALOR ABSOLUTO
(EM RÉIS)
205:325$680
157:678$669
126:749$974
88:340$700
60:904$763
53:094$550
48:845$030
38:539$255
26:345$100
25:287$350
20:616$163
18:188$760
15:240$554
10:884$171
10:661$918
8:688$552
8:240$320
6:435$600
56:401$566
986:468$675
VALOR
PERCENTUAL
20,81%
15,98%
12,85%
8,96%
6,17%
5,39%
4,95%
3,91%
2,67%
2,56%
2,09%
1,84%
1,54%
1,10%
1,08%
0,88%
0,84%
0,65%
5,73%
100%
Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do
Imperio do Brasil nos annos financeiros de [1841-1850]
Das mercadorias francesas, entradas no porto de Belém durante essa década, as
moedas de prata representaram a maior monta, com mais de 200:000$000. No entanto, nos
primeiros anos de 1840, esse produto nem figurava na lista de importação. Somente em 1846
entraram quase 102:000$000 em moedas de prata vindas da França, e no mesmo ano chegou
da Inglaterra e Estados Unidos juntos mais de 100:000$000 desse mesmo produto, o que pode
indicar que o comércio interno florescia, e necessitava de moedas para o desenvolvimento de
seus negócios mercantis.
Outro produto que se destacou nas importações francesas foram os tecidos e
manufaturas de algodão, lã, linho e seda. Todavia, havia uma grande diferença entre as
importações francesas e inglesas. No caso da França, a importação de algodão caminhava
paralelamente a da seda, pois os tecidos e manufaturas de algodão somaram 61:576$759 e os
de seda 60:099$991. A lã ocupava o terceiro lugar na pauta de importações de tecidos com
cerca de 32:000$000 e o linho somou menos de 4:000$000, o que significou pouco mais de
2% do total de importações de tecidos. A partir de 1846 começou aparecer na lista de
importação as manufaturas de tecidos, as roupas feitas, que vinham de Portugal e da França,
mas tinham como principal procedência os portos franceses.
99
Quanto às bebidas, além de apresentarem uma regularidade por constarem em 81%
de todos os navios que chegaram da França, os valores gastos com estes produtos, que como
já vimos eram muito variados, eram o terceiro maior, perdendo apenas para as moedas e os
tecidos, representando 12,85% de tudo o que se importava daquele país.
As armas de fogo, o chumbo em munição e as espoletas eram provenientes
prioritariamente dos portos franceses e portugueses, com destaque para as importações
francesas, que somaram ao longo da década estudada mais de 88:000$000. Somente no ano de
1847-48 desembarcaram na Alfândega do Pará duas mil e duzentas e sessenta e cinco armas
de fogo227 vindas da França, entre as quais havia lazarinas, mosquetes, carabinas, bacamartes,
espingardas e fuzis.
Os calçados, sapatos, botas de borracha, tamancos e os materiais usados na
confecção dos mesmos, isto é, os couros preparados e envernizados e o cordovão, ocuparam
lugar de destaque nas importações francesas para a Província do Pará no período de 1841-50,
somando 60:904$763, o que equivaleu a 6,17% do total de importações daquele país. Assim,
como não era comum a importação de roupas feitas no início da década, mas somente as
matérias primas usadas na sua fabricação, o mesmo se observa para os calçados, que se
tornam mais volumosos quanto mais se aproxima o final da década, ao passo em que diminui
a importação dos materiais usados na sua produção.
Os livros em branco e impressos, os papeis para escrever, para imprimir, para forrar
paredes, para música, as balas de papel usadas em tipografias e os papelões que chegavam em
Belém nos navios vindos da França com frequência de 38% para os papeis e 28,5% para os
livros, estiveram nas listas de importações ao longo de toda a década de 1840, com valores
anuais variando entre quatro e 9:000$000, somando em seis anos 38:539$255.
Merecem destaque não pelas cifras, mas pela importância que representaram para a
modernização de Belém, os papeis para música e para forrar paredes, que chegavam a Belém
apenas de Portugal e França. Segundo Eliane Morelli "os papéis de parede e as cortinas de
tecido adamascado davam um toque de requinte às salas de jantar,"228 e expressavam o bom
gosto das senhoras no tocante a decoração de suas casas.
Em 1847-48, foi registrada da França a importação de 234 folhas de papel para
música.229 Dos oitocentos e quarenta e dois livros em branco entrados no porto do Pará em
227
Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do Imperio do Brasil no anno financeiro de
1847-48. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1854. p. 114.
228
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2011). Op. Cit., p. 9.
229
Ibidem, p. 123.
100
1849-50, oitocentos e trinta eram provenientes de portos franceses230 e das quatro mil e
trezentas e oitenta resmas de papel chegadas na Província naquele mesmo ano, quatro mil e
cento e setenta e três resmas, ou seja, 95% vieram da França.231
Ainda outros produtos se tornaram muito característicos da relação que o Pará tinha
com a França. Um desses produtos eram os vidros, tais como, vidros para espelho, garrafões e
vasilhames de vidro, vidro para vidraças e caixilhos. Dentre esses, apenas os vidros para
vidraças e caixilhos eram exclusivos da França. Com isso, o ano de 1847, período em que pela
primeira vez se importou esse material, demarcou uma importante transição na Província,
caracterizada pela mudança na aparência das casas belenenses. Mudança que foi notada por
Bates.
Até 1848 as casas não tinham vidraças, nem mesmo as casas de campo, as rocinhas
de que com tanto agrado escrevem os dois naturalistas ingleses. As janelas eram
gradeadas ou tapadas com gurupemas — "um tecido de palha tão miúdo, que
apenas se distingue o vulto de quem está por detrás delas". Grades e gurupemas
que, como as rótulas em Portugal, tinham por fim impedir que se vissem as
mulheres.232
A mudança das janelas de gurupema para as janelas de vidro significaram um
aprimoramento nas moradias, pois a vidraça das janelas em substituição as janelas de palha e
as rótulas de madeira "promoveu uma alteração nos valores familiares, deixando o espaço
privado da casa exposto aos olhares dos transeuntes, que poderia ser uma medida ostentatória
para os ricos ou expor a pobreza dos mais pobres".233 James Fletcher, em 1855, referindo-se
as moradias de Belém, destaca que havia um misto de janelas com gelosias (rótulas) e
vidraças.
Somente as salas da frente são de teto forrado, a não ser nos edifícios mais
importantes em que todas as salas o são. Janelas com gelosias são mais frequentes
do que com vidraças, porém, algumas casas têm esses dois complementos, dando-se
preferência às gelosias na estação seca.234
As quinquilharias que incluem botões, miçangas, bijuterias, corais, joias, bocetas
para tabaco e charuto e toda espécie de miudezas de diversos usos, eram usadas
principalmente como adornos para pessoas e roupas. Bates, em 1851, referindo-se à classe
superior da população relatou a presença dessas bocetinhas, e enfatizou que eram de muito
230
Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do Imperio do Brasil no anno financeiro de
1849-50. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1855, p. 100.
231
Ibidem. p. 123.
232
MELLO-LEITÃO, Cândido de. Op. Cit., p. 31.
233
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 83.
234
KIDDER, Daniel; FLETCHER, James. Op. Cit., p. 189.
101
luxo. "Essa classe não tem o hábito de fumar, mas todos tomam rapé, que é guardado em
bocetinhas de prata e de ouro, de grande luxo."235
Diferentes artigos devem ser destacados pela importância simbólica são os perfumes,
as alfazemas, as águas de colônia e os sabonetes que eram tipicamente franceses. Entre os
anos de 1841-50 chegaram 6:435$600 desses produtos, que tinham um significado simbólico
na Província, relacionado a novos hábitos de higiene e de cuidar do corpo. Diferentemente do
sabão, provavelmente o apetrecho mais usado para o banho, o sabonete estava ligado a um
luxo que por certo não podia ser usado pela maior parte da população, pelo menos não
cotidianamente. Conceição Rocha, ao tratar do ato de tomar banho, dizia que "o banheiro,
mesmo de dimensões reduzidas, tornava possível a observação do corpo, a aplicação do
sabão/sabonete, a limpeza das partes íntimas." Portanto, para essa prática, que no século de
XIX se tornou de foro cada vez mais íntimo, o sabonete se tornou essencial para agregar
intimidade e refinamento.
Os "Outros produtos" que representaram 5,73% das importações francesas não
tiveram fluxo constante no comércio entre a França e o Pará durante a década de 1840-50,
eles foram expressivos em apenas um período ou ano da década. No geral, cada um desses
produtos não representa nem um décimo de 1% do total das importações francesas. Mas entre
eles destacam-se as velas, o sal, o vinagre, importações predominantemente portuguesas e as
tintas, ferro e aço, que eram primordialmente inglesas.
Diversos outros produtos chegaram ao porto do Pará vindos da França. Alguns
desses itens tipicamente franceses que são símbolos dessa relação comercial entre a Província
e esse país europeu são, os leques para senhoras, instrumentos musicais de sopro, caixas de
música, realejos, penas de metal para escrever, relógios de algibeira, dentre tantos outros.
Somente no ano de 1847-48 a Alfândega do Pará registrou a entrada de dezessete mil e
quinhentos e vinte e quatro penas de metal vindas da França. O francês François Biard ficou
admirado pela quantidade desse artigo que ele encontrou no comércio belenense.
Perdera uma caneta e não havia jeito de achar uma outra; por onde andei a procura
me ofereciam, ao invés de caneta, lancetas para sangrar [penas de metal], objeto esse
que havia por toda parte à venda no comércio do Pará; mas esqueci-me de me
informar a razão dessa abundância tão estranha.236
Os relógios franceses diferenciavam-se dos relógios americanos, pois estes últimos
eram para a casa, eram de parede ou para cima de mesa, enquanto que os relógios franceses
235
BATES, Henry Walter. Op. Cit, p. 140-141.
BIARD, François Auguste. Dois Anos no Brasil (1858-1859). Brasília: Edições do Senado Federal, 2004. p.
132.
236
102
eram para uso pessoal. Mais requintados que os relógios americanos, eram os de algibeira
usados como símbolo de distinção social. Com este produto uma nova noção de tempo foi
estimulada, passando a compor a indumentária dos brasileiros, fazendo com que "o tempo
imperial entrasse em sincronia com o da modernidade européia."237
Nos meados do oitocentos Bates, referindo-se as maneiras e costumes da classe mais
alta, escreve que "todos os cavalheiros, e de fato a maioria das senhoras, usam relógio de ouro
presos a uma corrente."238 A entrada desse artigo na capital da Província do Pará serviu como
elemento complementar na modernização dos costumes à moda inglesa, porque com eles as
senhoras tinham como seguir fielmente os horários dos chás, cafés, jantar, ou outra cerimônia
que se prestassem a oferecer a amigos ou a elite local.
É ainda necessário ressaltar que no mapa das mercadorias estrangeiras entradas na
Alfândega do Pará em 1848-49 há uma categoria denominada objetos de moda, responsável
por 200$000 de importação. Categoria essa que não existe para nenhum outro país estudado.
Isso é elucidativo de que muitos objetos vindos da França estavam agregados de valores
culturais ligados a um processo de refinamento material e simbólico. Entretanto, como já foi
demonstrado, através da descrição dos produtos acima, nem sempre esses produtos estavam
ligados à beleza, à moda e ao luxo. O gráfico abaixo mostra de forma mais detalhada, os
objetos que mais sobressaíam para cada contexto.
Gráfico 5 – Importados de maior relevância para cada país
Fonte: Biblioteca Fran-Paxeco. Gráfico constituído a partir de dados publicados no jornal Treze de Maio, 18401850.
237
238
VAINFAS, Ronaldo. (Org.) Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 538.
BATES, Henry Walter. Op. Cit., 1944. p. 141.
103
Pode-se traçar um quadro comparativo entre a importação dos quatro países
abordados, pois já estão evidentes os produtos que representavam cada um deles. De modo
geral, a capital paraense importa de Portugal em larga escala alimentos, bebidas, itens do lar e
vestuário. Já os Estados Unidos ganha destaque nos produtos provenientes da terra como é o
caso do algodão, das fazendas, das madeiras e da farinha de trigo, enquanto que os produtos
que realçam a Inglaterra são resultados de aprimoramentos técnicos como é o caso das louças,
dos tecidos, dos metais, dos transportes. No caso da França os produtos, em grande parte,
estão eminentemente relacionados ao requinte como, por exemplo, os enfeites, adornos e as
bebidas. Portanto, considerando essas especificidades dos produtos infere-se que o Pará estava
concatenado aos grandes centros econômicos, experimentando processos pelos quais também
passavam o próprio Rio de Janeiro. Observe as semelhanças entre os produtos importados
pela capital do Império e a capital belenense.
Embarcações multiplicam-se, trazendo para o Rio muitos e os mais diferentes
objetos. São, sobretudo, os de metal – ferramentas as mais variadas, sempre
associadas também a usos domésticos. Utensílios de metal substituem os de
madeira, como talheres, em especial facas e vasilhames de cerâmica, fogões de
pedras e barro; multiplicam-se os artigos de fiação, de tecelagem, de costura, como
fusos, agulhas, alfinetes, botões, colchetes, tesouras, fios de linha em novelos,
rendas, tecidos finos - em grande parte produzidos na Inglaterra e na França.239
Os objetos materiais com o seu teor útil ou simbólico aportavam no porto de Belém
vindos de cidades como França e Inglaterra, que ponderavam terem alcançado um alto nível
de civilização e desenvolvimento muito propiciado pelas mudanças que o século XIX
proporcionou. Os Estados Unidos viviam um projeto expansionista para o qual a Amazônia
tinha uma participação obrigatória e a antiga metrópole continuava relacionada por seus laços
de maternidade intermináveis.
Os laços fortes da antiga colônia com Portugal, a agricultura no Sul dos Estados
Unidos, o desenvolvimento do sistema fabril no Norte, a Revolução Industrial, e o
desenvolvimento do conceito de civilização não são fatores únicos, porém são fatores
decisivos para a compreensão das coisas e das ideias que chegaram a partir de 1840 no porto
de Belém. Motivados por interesses múltiplos no conjunto das relações internacionais esses
portos emissores enviaram para o porto de Belém noções de cultura, civilização, que se
disseminaram simultaneamente ao aumento do movimento marítimo, demarcando o início de
um processo de disseminação do afluxo de importados.
239
COSTA, Suely Gomes. Op. Cit., p. 65.
104
CAPÍTULO III: IDEIAS E PRODUTOS NO COTIDIANO DA CIDADE
III. I. Dos muitos usos dos produtos importados
A Belém dos meados do século XIX esteve permeada pela presença dos objetos
importados. As mudanças fulcrais que tem início ainda na primeira metade do século XIX,
como o empoderamento de hábitos burgueses,240 a adoção das fronteiras entre o publico e o
privado,241 o incremento das relações transatlânticas, possibilitaram em âmbito micro
transformações relacionadas ao mundo da casa, do trabalho, da diversão ou mesmo as
maneiras de tratar as doenças, de vestir-se ou alimentar-se. O incremento das navegações de
longo curso, a partir de 1840, propiciou a adoção de hábitos inspirados nos países
“civilizados”, que no Pará foram incorporados por sujeitos de distintos níveis de riqueza.
Nos rastros das navegações de longo curso acompanhamos as viagens de uma
diversidade de produtos rumo a capital da Província do Pará. Eram objetos de muitos tipos,
dimensões e significados. Mas depois que eles chegavam ao porto, quais os seus destinos?
Tais destinos eram muitíssimos variados, podendo ser as lojas de secos e molhados, as lojas
de fazendas, as boticas, as casas dos carpinteiros, ferreiros, costureiras, as bibliotecas
particulares ou o interior das igrejas. No entanto, infere-se que a maior parte deles era
destinada ao comércio da cidade que estava em constante crescimento e, posteriormente, às
residências das famílias belenenses. Eram objetos para uso doméstico, tanto para consumo
coletivo quanto individual.
Para além de entender a chegada dos objetos importados no porto da capital é
necessário conhecer, ainda que de maneira parcial, os consumidores desses produtos.
Portanto, é preciso identificar no meio social a existência desses objetos, assim como suas
possibilidades de uso. “Dos muitos usos dos produtos importados”, buscará demonstrar várias
dessas possibilidades, tomando como base o fato de que os produtos importados eram
consumidos por pessoas com níveis de renda ou de riqueza distintos e que tinham cotidianos
também diferenciados.
Pensemos em um cotidiano que não se confunda com história da vida privada, uma
história da casa ou exclusivamente da domesticidade, mas que abranja outros aspectos da vida
comum, na casa ou na rua, na vida privada ou na pública. Nesse sentido, o sistema de hábitos
240
SENNETT, Richard. O declínio do homem público: As tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
241
Ibidem.
105
e o uso dos objetos, bem como a socialização por eles produzida, sobre a qual se constrói a
cultura humana, formam as estruturas do cotidiano,242 portanto a história.
Pensando nisso, foram analisados 52 inventários de pessoas de diferentes níveis
econômicos e sociais da capital e do interior da Província, sendo que a maior parte dos
inventariados morava na capital. No entanto, 2 não entraram na análise das faixas de fortuna
por não conterem monte-mor243 do inventariado, mas foram considerados por conterem itens
importados. O objetivo é identificar ou não a presença dos objetos descritos nas cargas das
embarcações aportadas na capital. O número de inventários está distribuído nas três décadas
estudadas.
Os inventários são fontes que descrevem os bens de um indivíduo falecido que
devem ser partilhados.244 Entre os tipos de bens que podem ser descritos estão os bens
móveis, os bens de raiz e os semoventes. A partir da análise do inventário é possível
apreender as condições materiais da vida do inventariado, bem como a inserção do sujeito na
sociedade a qual foi partícipe, embora nem sempre esteja tão evidente. O interesse dessa
pesquisa é verificar em meio aos bens móveis os objetos importados, assim como visualizar
um perfil, sobretudo econômico dos seus consumidores em Belém dos meados do século
XIX.
Uma das dificuldades encontradas se deve ao problema de que nem sempre se faz
referência à origem do produto. Apesar disso, em muitos casos é possível identificar um
produto estrangeiro pelo tipo de material que ele é composto ou pela técnica de produção que
não existia no Brasil, tais como os objetos da indústria metalúrgica. Outra questão que
dificulta a análise é a ausência em muitos dos inventários da profissão do inventariado, o que
impede uma análise mais densa a partir de critérios qualitativos como, por exemplo, os
ligados ao trabalho e ao prestígio dentro da hierarquia social.
A análise dos inventários, segundo Zélia Cardoso de Mello, está relacionada a
critérios básicos: “o quantitativo por montante de rendimentos, e o qualitativo, por posição no
trabalho, prestígio”.245 Os inventários analisados nessa pesquisa estarão dispostos a partir de
242
HELLER, A. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ed. 62, 1977 (1970).
O monte-mor consiste no valor bruto de uma herança. Portanto, é a totalidade de bens deixados pelo autor da
herança, antes de deduzidas as despesas e os encargos que devem ser efetuados pelos herdeiros.
244
Para se obter um resumo das etapas principais da realização de um inventário ver: OLIVEIRA, Maria Luiza
Ferreira de. Op. Cit., p. 23-25; COMISSOLI, Adriano. Serão os números a certeza da História? Análise de
fortunas com base em inventários post mortem para oficiais administrativos do Rio Grande de São Pedro. In:
Anais: produzindo história a partir de fontes primárias / VI Mostra de Pesquisa do Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: CORAG, 2008, p. 12-14.
245
MELLO, Zélia Maria Cardoso de. Metamorfoses da riqueza, São Paulo, 1845-1895. São Paulo: Hucitec,
1985, p. 67.
243
106
ambos os critérios. Primeiramente, serão divididos no que João Fragoso chamou de faixa de
fortuna, de acordo com os valores encontrados na pesquisa. Isso se tornou necessário como
uma maneira sistemática para a organização dos inventários selecionados, criando maiores
possibilidades de análise dos objetos estrangeiros com possibilidade de referência não
somente para os indivíduos, como também para o grupo ao qual pertencia.
(...) a elaboração de uma estratificação econômico-social, através de
inventários, pode ter como ponto de partida a confecção de uma
hierarquia econômica por faixas de fortuna.246
Por conseguinte, a análise qualitativa pretende, sempre que possível relacionar os
bens importados com a profissão do indivíduo ou com algum grupo que, porventura, ele esteja
ligado, apesar de as redes de relações sociais não serem o foco deste estudo. É importante
também a relação dos objetos arrolados com os bens de raiz e com outros tipos de bens, a fim
de verificar a importância dos importados frente ao restante da composição da fortuna. Então,
a partir do monte-mor do inventariado, qual o valor do produto importado? Embora isso seja
considerado, não se pode perder de vista que essa importância não era aferida apenas pelo seu
valor monetário, mas pelo valor de uso ou simbólico.
Com o objetivo de ressaltar o valor simbólico dos objetos importados nos
inventários, procuramos organizar os inventários selecionados de acordo com diferentes
níveis de riqueza, a fim de verificar se há um perfil no consumo dos grupos que serão
analisados. Dessa maneira, a seleção dos inventários está relacionada com a necessidade de
uma amostra correspondente as décadas estudadas, sendo que posteriormente ela foi arranjada
em faixas de fortuna.
Tabela 15 – Autos de Inventário/Arrolamento
Fortuna em Libras ( £ )
80 a 200
201 a 600
601 a 1.000
1.001 a 2.500
2.501 a 10.000
Total
Números de Inventários por década
1840-1849
1850-1859
1860-1870
1
2
2
2
2
9
1
4
6
4
3
18
2
3
4
9
5
23
Fonte: CMA, Autos de Inventário dos Cartórios ODON e FABILIANO247
246
FRAGOSO. João Luís R.; FLORENTINO Manolo. Op. Cit.
Kátia Matoso chamou de “divisão de fortuna” Cf. MATTOSO, Kátia de Queiroz. Bahia, século XIX, uma
província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. Já outra autora denomina de “grupo de riqueza”
Cf. OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de. Op. Cit.
247
107
Os inventários foram repartidos em cinco faixas de fortuna considerando o montemor bruto que variou de 80 a 10.000 libras esterlinas.248 Essa divisão visa criar mais
visibilidade a documentação e facilitar a análise dos objetos importados em cada faixa. A
partir dessa distribuição, foram indicadas algumas possibilidades de análise, entre elas a
variação da intensidade de produtos importados de acordo com a faixa de fortuna e o tipo de
importado preponderante, isto é, utensílios domésticos, objetos relacionados ao trabalho e aos
negócios, indumentárias, joias e diversos outros.
Procuramos identificar nos inventários a presença dos importados entre os bens
arrolados no processo. Embora esse tenha sido o principal parâmetro, buscamos relacioná-lo
basicamente às dívidas passivas e ativas e aos bens de raiz na composição das faixas de
fortuna e, quando possível, relacionamos o montante a profissão/função dos inventariados.
Ainda que tenha sido necessária a referência a outros elementos que compõem o monte-mor, a
análise tem como epicentro a notabilidade dos objetos importados nos grupos estudados,
portanto a riqueza material relacionada a posse desses produtos. É inevitável o predomínio
dos bens econômicos a partir dos demarcadores de renda, embora sempre que possível
relacionemos aos demarcadores sociais, que influem diretamente no nível de riqueza ou no
perfil econômico das faixas de fortunas.
Tabela 16 – Classificação da riqueza Inventariada por Faixas de Fortunas, em réis e libras
esterlinas
Inventariados
Fortuna em Réis (Rs $)
Fortuna em Libras ( £ )
A
P
1:000$000 a 2:000$000
80 a 200
4
8%
2:000$000 a 5:000$000
5:000$000 a 10:000$000
201 a 600
9
18%
601 a 1.000
12
24%
10:000$000 a 30:000$000
1.001 a 2.500
15
30%
30:000$000 a 100:000$000
2.501 a 10.000
10
20%
50
100%
Total de Inventários
(A) Números absolutos de inventários por faixa de fortuna.
(P) Percentual de inventários na faixa de fortuna em relação ao total de inventários.
Fonte: CMA, Inventários post mortem dos Cartórios ODON e FABILIANO
As faixas de fortuna não estabelecem limites estanques para o entendimento da
riqueza material de grupos diferentes. Embora reconheçamos os ricos de determinismos, neste
248
A classificação das faixas de fortunas foi feita em libras esterlinas com base na tabela de conversão em anexo.
Essa conversão foi necessária para corrigir as variações da inflação no decorrer dos anos. Apesar disso, os
valores em réis estarão sempre dispostos tais como aparecem na documentação.
108
caso elas servem para a percepção da maneira pela qual os importados circulam entre os
dessemelhantes níveis de riqueza. Assim, é possível inferir de maneira mais precisa a
circulação e a recepção dos objetos na sociedade belenense, como também em outras partes
da Província. Ao considerarmos que os bens vindos do além-mar tinham muitos usos, estamos
afirmando que a sua circulação era intensa, não estando restrita a determinados grupos
econômicos. Por outro lado, é necessário assegurar quais produtos circulavam mais entre os
diferentes grupos e os que estavam mais circunscritos as faixas mais e as menos elevadas.
O primeiro grupo que corresponde ao intervalo entre 80 e 200 libras (1:000$000 a
2:000$000) nós denominamos de os mais pobres, por terem as menores rendas encontradas no
montante de inventários levantados, formando o menor grupo entre as cinco faixas de fortuna.
Esse grupo era constituído por pessoas aparentemente de vida modesta, que não possuíam
dívidas passivas e ativas ou bens de raiz,249 mas tinham algum tipo de bem importado. Na
maioria dos casos esses bens estavam concentrados nos bens da casa e em joias, como é
representativo o caso do Major José Cândido Ferraz, o único nessa faixa em que aparece a
ocupação.250 Ele era casado com D. Anna Sabina Ferraz Teixeira e seus bens somavam o
monte-mor de 169,20 libras (1:340$180). Entre os bens arrolados estavam um canapé251 do
Porto, um oratório pequeno com um crucifixo, uma frasqueirinha de pinho252, um resplendor
de prata e outras peças de cobre e ouro. Como a maior parte dos bens do Major eram dois
quartos de casas térreas que juntas custavam 113 libras (900$000), os bens importados tinham
uma importância significativa no seu inventário.
Fazia parte desse mesmo grupo D. Maria Egnacia Ribeiro.253 Ela possuía 89,80 libras
(1:146$400) em bens juntamente com seu marido Julio Cezar Cordeiro Lima. Não consta em
seu nome bens de raiz e o bem mais precioso do casal era uma escrava já em idade avançada
que valia 78,3 libras (1:000$000). Constava no seu inventário uma dúzia de cadeiras
americanas, um lavatório de ferro, seis colheres de prata para sopa, seis colheres de prata para
chá, um aparelho branco para chá e um par de castiçais de porcelana. Embora o casal não
possuísse bens de raiz, mas os itens importados estavam presentes em seu cotidiano.
O segundo grupo, com 18% do total de inventariados compreende a faixa de 201 a
600 libras (2:000$000 a 5:000$000). Escolhemos denominá-lo de pobres estabilizados por
249
Nessa faixa de fortuna apenas o inventariado José Cândido Ferraz possuía uma pequena dívida ativa dois
quartos de casas térreas na Rua Barroca, números 2 e 3.
250
CMA, Inventário de José Cândido Ferraz, 1941. Caixa: 405.923.972.944-809.
251
Banco com encosto, cujo assento servia de tampa a uma caixa formada pelo mesmo móvel. Cf. BRUNO,
Ernani Silva. Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 2001,
p. 205.
252
Madeira importada dos Estados Unidos.
253
CMA, Inventário de D. Maria Egnacia Ribeiro, 1869. Caixa: 275.117.268.240-697.
109
estarmos nos referindo a indivíduos que em sua maioria possuíam bens de raiz no campo e/ou
na cidade. Esse grupo se difere do anterior em função de uma maior diversidade de seus bens,
pois em geral, no primeiro grupo a maior parte da renda está comprometida apenas com uma
posse, seja de uma casinha, um sítio ou uma escrava.
Apesar desses indivíduos do segundo grupo não terem uma grande fortuna, eles têm
como característica principal a estabilidade, pois dos 9 inventariados deste grupo 6 não
registraram dívidas, e nos 2 casos com dívidas passivas, elas eram inferiores as ativas. Em
apenas 1 inventário a dívida passiva superou a ativa, mas ainda assim não gerou um déficit
significativo no montante do falecido. Nesse grupo apenas Honório José dos Santos tem sua
profissão descrita, a de tipógrafo. Por isso, os bens importados contidos em seu inventário
estavam mais ligados ao seu trabalho de tipografia.
Um exemplo dessa relativa estabilidade, é o de Antonio de Araújo Bastos.254 Pelo
que consta não era casado. Todos os seus bens somavam 512,74 libras (3:870$140), mais 70,8
libras (621$000) em dinheiro, que tudo indica que guardava em casa. Era dono de três casas
térreas perfazendo juntas 2:400$000, além de três chões.255 Apesar da sua profissão não ser
citada, pode-se inferir que ele realizasse algum trabalho manual, pois entre os bens
importados no seu inventário, encontrava-se setenta machadinhos, vinte terçados, seis facões,
um machado, um martelo, quatorze verrumas, oito trinchetes, vinte e quatro libras de ferro,
trezentos e sessenta pregos, uma colher de pedreiro, um martelo, um pincel de pedreiro e um
enxó. A maioria dos instrumentos de trabalho está voltada para o serviço de carpintaria ou
marcenaria, provavelmente ele tivesse envolvido com essa atividade.
Na casa de Antonio Araújo Bastos os objetos importados que prevaleciam, além dos
objetos de trabalho já citados, eram os bens da casa e joias, o que era uma baliza do grupo
como um todo. O inventário continha, três caçarolas de cobre de diferentes tamanhos, três
colheres, três cabos de faca e um garfo, todos com oitavas de prata e alguns poucos objetos
em ouro.
Ao terceiro grupo que abrange o intervalo de 601 a 1.000 libras (5:000$000 a
10:000$000) chamamos de remediados,256 por estarem situados na linha divisória entre uma
254
CMA, Inventário de Antonio de Araújo Bastos, 1852. Caixa: 855.653.834.806-395.
Indicativo de pequena propriedade.
256
O termo remediado é utilizado por vários autores quando analisam o século XIX. Maria Luiza Ferreira de
Oliveira utiliza para designar um grupo de riqueza com poucos bens de raiz, dívidas e grande mobilidade. Ao
que parece era um termo já corrente no oitocentos, já aparecendo com frequência em obras de literatos. Em Lima
Barreto os remediados estão relacionados a uma ideia de ascensão em que ser remediado estaria em uma
condição suspensa, um estado indefinido cujo real significado somente o sujeito seria capaz de atribuir, mas
poderia significar uma camada intermediária da sociedade, caracterizada pelo crescimento econômico por meio
do mérito, das articulações ou do trabalho. Cf. MELO, Rita de Cássia Guimarães. Lima Barreto: a experiência
255
110
tênue estabilização e a solidez da abundância de bens e de fortuna. Isso lhes dava direito de
possuir casas térreas, casas de sobrado, rocinhas e terrenos avulsos, como foi identificado na
maioria dos inventários deste grupo, que é marcado pela presença de funcionários públicos.
Nele, encontramos advogado, tabelião, escrivão, professor e um dos cinco comerciantes que
levantamos em toda a nossa amostra. A maior parte dos indivíduos desse grupo possuía bens
de raiz e não tinha dívidas passivas consideráveis. Em alguns casos as dívidas passivas eram
superadas pelas ativas e apenas um inventariado teve dívida passiva maior que a ativa, o que
denota certo acúmulo de bens e uma situação econômica estável.
Outra característica peculiar que distingue esse grupo dos anteriores é o
aparecimento de uma multiplicidade de produtos. Nele nós localizamos todas as categorias
que propusemos no capítulo antecedente: alimentos e bebidas, coisas de uso público e/ou
privado, equipamentos, indumentárias e joias, trabalho e negócios, tratamentos medicinais e
diversos. Em outras palavras, foram constantes as louças, os artigos religiosos, as roupas, as
joias, as ferramentas, etc.
No inventário do escrivão João José de Amorim Poeira,257 que dedicou muitos anos
da sua vida à atividade de escrivão, encontramos essa variedade. Após sua morte em 22 de
fevereiro de 1869 seus bens foram inventariados. Casou-se duas vezes e no momento da sua
morte a primeira e a segunda esposa já eram falecidas. E, "não tendo Amorim Poeira prole
alguma instituiu em seu testamento como suas únicas e universais herdeiras de todos os seus
bens as afilhadas de baptismo e do Chrisma (...)." Quais bens foram herdadas pelas afilhadas
do escrivão? Os mais valiosos deles era uma morada de casas na Rua Nova de Sant’Ana258,
número 1, um terreno atrás do Quartel d’Artilharia e um sítio denominado Carvalho com casa
coberta de telhas.
Amorim Poeira devia um pouco mais do que tinha para receber, uma vez que sua
dívida ativa era de 95 libras (1:212$770) e a passiva de 155,9 (1: 990$930). Portanto, suas
dívidas não comprometiam a sua renda total. Mais de 90% do seu monte-mor era investido
em bens de raiz, sendo que uma delas foi avaliada pelo curador em 10:000$000,
representando quase todo o seu monte-mor, que era de pouco mais do que esse valor, isto é,
849,72 libras (10:847$435). Percebemos o quanto para este grupo a aquisição de bens de raiz
social e cultural na formação dos remediados. 2008. 2480 p. Tese (Doutorado em História Social). São Paulo:
Universidade Federal de São Paulo, 2008. Apesar dessa relativa indefinição podemos dizer que o remediado não
era pobre, mas também não era da elite, não era o grupo econômico dominante.
257
CMA, Inventário de João José Amorim Poeira, 1869. Caixa: 275.117.268.240-697.
258
Atual Senador Manuel Barata.
111
era frequente. Aqui os imóveis já vão além do necessário que seria a moradia, e possivelmente
passam a servir para gerar lucros.
Entre os bens móveis e importados tinham dezoito cadeiras portuguesas, dois pares
de mangas de vidro, dois pares de castiçais de vidro, uma terrina com asa quebrada, um
aparelho de porcelana para chá incompleto, dezessete cálices de diversas qualidades para
vinho, oito vidros domados para bebidas, sendo quatro grandes e quatro pequenas, várias
imagens de diferentes santos, sendo algumas com detalhes de prata, colheres de prata e um
tacho de cobre. Amorim Poeira deixou peças de ouro distribuídas em anéis, cordões e
pingentes, um forno de cobre, setenta e dois alqueires de cal e um par de dragonas de alferes.
No quarto grupo, incluímos sujeitos em que o próprio valor da renda já pode ser
entendido como sinônimo de riqueza, que varia de 1.001 a 2.500 libras (10:000$000 a
30:000$000). O monte-mor deles os tira de um padrão de instabilidade e os inscreve no que
designamos como abastados. Considerando os parâmetros pré-estabelecidos, 94% dos
remediados possuíam bens de raiz, 55% não apresentaram nenhum tipo de dívidas, 25%
possuíam apenas dívidas ativas e 20% apresentaram dívidas passivas, algumas vezes
comprometendo mais de 50% do monte-mor, o que denota que a estabilidade não era
característica de todos os inventariados. O gráfico abaixo mostra que este era o maior grupo,
representado 30% de toda a amostra.
Gráfico 6 - Faixas de fortuna com base em inventários post mortem 1840-1870 em libras
esterlinas (£)
Fonte: CMA, Inventários post mortem
Mesmo que a estabilidade não abranja todo o grupo, podemos dizer que se dos 15
inventariados, em apenas 3 aparecem dívidas passivas, e nos outros casos somente havia
112
dívidas ativas ou nenhuma dívida. Isso nos leva a entender que existia certa solidez
econômica e, em alguns casos, haviam investimentos ressarcidos no caso dos que possuíam
aquisições de ações bancárias, em companhias de navegação, empréstimos ou algum valor
referente ao pagamento de compras feitas na casa comercial de sua posse. Esses dados
apontam que a solidez era um indicador dessa faixa de fortuna. Estudando as faixas de fortuna
na Província da Bahia Kátia Mattoso pondera que:
As fortunas verdadeiras ultrapassam os 10 mil contos de réis. São aquelas em que se
estabeleceu uma espécie de estratégia de equilíbrio entre os diferentes elementos que
as compõem: bens imobiliários, depósitos bancários, ações, obrigações. Na categoria
dos que possuem esse tipo de fortuna encontram-se muitos comerciantes bem
estabelecidos na praça, funcionários e magistrados, representantes de várias
profissões liberais e alguns membros do alto clero. São em geral, fortunas sólidas.259
Acreditamos que o parâmetro de Kátia Mattoso sirva para entender a nossa realidade
dos meados do século XIX, apesar de estarmos falando de províncias diferentes. No caso das
profissões que conseguimos levantar nessa faixa, a maioria eram funcionários públicos
ligados a justiça, ao serviço militar e ao trabalho de escreventes em instituições públicas.
Outros ainda eram comerciantes e apenas um era clérigo, acredita-se que de alto escalão pelos
bens alistados. Nesse grupo tínhamos comerciantes, capitães e juízes. Embora, estejamos
avaliando a faixa de fortuna a partir das dívidas ativas e passivas e dos bens de raiz, podemos
versar que vários membros com essa fortuna desfrutavam de diversos investimentos.
Antonio José da Silva Neves reuniu no seu inventário o montante de 1044,96 libras
(13:340$000).260 Não tinha dívida passiva e seus investimentos no Banco Mauá, na
Companhia de Navegação do Amazonas e, em letras sob a tutela de vários indivíduos,
portanto tinha alguns dos investimentos citados por Mattoso, que somavam 533,3 libras, ou
seja, mais de 50% de todos os seus bens. Ele possuía um montante em dinheiro, várias letras
na praça, um cheque do Banco Mauá e quatro ações da Companhia do Amazonas. Esses tipos
de aplicações passaram a se tornar cada vez mais comuns na segunda metade do XIX, o que
gerou a "ascensão de novos tipos de investimentos, com a consequente recriação de alguns
signos de valor, prestígio e poder."261 Nesse sentido,
259
MATTOSO, Kátia de Queiroz. A opulência na Província da Bahia. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (org).
História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997, p. 162.
260
CMA, Inventário de Antonio José da Silva Neves, 1869. Caixa: 275.117.268.240.697.
261
CANCELA, Cristina Donza. Casamento e relações familiares na economia da borracha. 2006. 343 p.
Tese (Doutorado em História). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 247.
113
(...) o crescimento do número de firmas comerciais com o fortalecimento de uma
elite de comerciantes, a diversificação dos bens, serviços e oportunidades de
trabalho, o incremento da instituição bancária e das sociedades por ações, refletemse nos bens que agregam riqueza.262
A maneira como se compõe a fortuna está diretamente relacionada as transformações
e os movimentos vividos pela sociedade.263 Mas, então, voltemos para o nosso referencial
inicial: os bens de raiz e as dívidas. Com referência aos bens de raiz pertencentes aos
abastados constatamos que todos eles tinham bem de raiz, sendo que 80% deles tinham a
posse de mais de um imóvel. Quanto aos bens importados, observamos a sua frequencia e em
vários deles observamos que o inventariado possuía todas as categorias de bens móveis por
nós já elencados anteriormente. Vejamos o inventário do juiz de órfãos João Baptista
Passos.264
Dono de uma fortuna de 1857,9 libras (23:718$000), era possuidor de quatro bens de
raiz, o mais valioso uma casa térrea situada na Travessa do Passinho265 número 43 que
custava 12:500$000. O Dr. João Baptista Passos era um daqueles que não tinha dívida
alguma. Foram arrolados em seu inventários muitos objetos relacionados a casa, ao trabalho e
joias. Entre os bens da casa havia salvas de prata, castiçais de prata, colheres para sopa, arroz
e chá de prata, concha de prata, paliteiro de prata, candelabros, espelhos, escarradeiras, canapé
do Porto, cadeiras e cadeiras de balanço americana, cadeiras do Porto, cama americana com
lastro de lona e várias edições de livros como um volume de direito mercantil por Lisboa, dois
volumes de dicionário português e um volume velho de uma gramática inglesa. Entre as joias
tinha um relógio de ouro, um relógio americano usado, um botão de diamante, pulseira,
medalha, trancelim de ouro e adereços de brilhantes.
No caso desse juiz, podemos notar que ele reunia todas as características do que
estamos chamando de os abastados, pois ele não deixou dívidas e deixou para sua herdeira D.
Antonia de Melo Passos e seus filhos vários bens imóveis, entre casas e terrenos na Rua dos
Caripunas, Travessa dos Mundurucus e Estrada São Jerônimo, imóveis estes que reuniam
77% do seu montante, o que significa que era um investimento sólido e que poderia
possibilitar outras rendas para a família além do salário do magistrado.
Por fim, o quinto grupo, que compreende o intervalo de 2.501 a 10.000 libras
(10:000$000 a 30:000$000) intitulamos os mais abastados, sobretudo por estarem
posicionados no maior nível de fortuna que encontramos. Um grande marcador dessa faixa de
262
Ibidem, p. 246.
MELLO, Zélia Maria Cardoso de. Op. Cit., p. 28.
264
CMA, Inventário de João Baptista Passos, 1869. Caixa: 275.117.268.240.697.
265
A Travessa do Passinho é a Travessa Campos Sales.
263
114
fortuna é a quantidade de bens de raiz que cada inventariado possui, pois localizamos até 12
casas pertencentes a um único dono, o que não aconteceu com o quarto grupo em que 6 era o
maior número de casas para um único inventariado.
Por outro lado, no grupo anterior apenas 21% tinha dívida passiva e neste caso estas
mesmas dívidas chegam a comprometer a fortuna de 50% dos inventariados. Se compararmos
também com o terceiro grupo em que também 50% dos inventariados contraíram dívidas, uma
diferença marcante é que naquele caso, em geral, as dívidas passivas eram pequenas ou
inferiores as ativas e neste a maioria das passivas são muito superiores as ativas.
Aprioristicamente, podemos dizer que quanto maior a fortuna e os movimentos dos
investimentos e as possibilidades de negócios, maior também a probabilidade de se contrair
dívidas, o que não significa que em larga medida essas dívidas não pudessem ser quitadas.
Não foi o que aconteceu com o agente de leilão266 de que vamos tratar.
Antonio José de Carvalho267 era casado com Antonia Luiza Valente de Carvalho. Seu
monte-mor correspondia a 2829,96 libras (30$321000). No entanto, seu monte-mor líquido
era de apenas 795,37 libras (8:521$868), indicando que mais de 70% do seu montante estava
comprometido com dívidas. O agente Carvalho aparentava ser um indivíduo muito conhecido
na cidade, pois comumente encontramos seu nome nos anúncios dos jornais, em larga medida
envolvido com a intermediação de vendas dos produtos importados, como se pode ver na
Gazeta Oficial, mostrada abaixo:
266
O agente de leilão, segundo o Código Comercial Brasileiro de 1850 era uma espécie de auxiliar do comércio
que estava sujeito as leis comerciais com relação as operações que efetivavam, assim como os corretores, os
feitores, guarda-livros, caixeiros, trapicheiros, administradores de armazéns e comissários de transportes. Ver:
Brasil. Lei nº 556 - Código Comercial do Império do Brasil, de 25 de junho de 1850. In: BRASIL. Ministério da
Justiça. Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Vianna, 1872. Segundo Bulgarelli,
Os agentes de leilão ou leiloeiros, sendo uma das espécies de auxiliares ou colaboradores independentes do
comércio, são os profissionais mediadores, intermediários e motivadores da venda de determinados bens,
mediante oferta pública, que lhe são confiadas a este fim. Cf. BULGARELLI, Waldirio. Direito Comercial.
11.ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 193.
267
CMA, Inventário de Antonio José de Carvalho, 1867. Caixa: 355.015.046.018.031.
115
Figura 4 - Anúncio de leilões no Jornal Gazeta Official
Fonte: Gazeta Official, 4 de junho de 1858, n. 21, p. 4
Os jornais estão repletos desse tipo de anúncio em que aparece o nome do agente
Carvalho. São anúncios que oferecem muitos tipos de produtos importados, entre os mais
frequentes, manteiga inglesa, bacalhau português e sortimentos de fazendas inglesas e
francesas. Através dos constantes anúncios intuímos que o agente Carvalho prestava serviços
para a administração pública, casas comerciais e outros sujeitos. Não obstante, a profissão
desse inventariado era bastante requerida por comerciantes que necessitavam vender algum
produto ou algum indivíduo que precisasse se desfazer de seus bens. Mas esse trabalho não
lhe rendeu uma fortuna sólida. Fazia parte do inventário de Antonio José de Carvalho uma
série de documentos de credores requerendo suas dívidas à viúva do falecido, como no
exemplo abaixo:
Diz o Dor Trajano de Souza Velho, que tendo confiado ao falecido agente de leilão
AntonioJozé de Carvalho para serem por ele vendidos diversos objetos , cuja renda
produziu a importância de trinta e cinco mil novecentos e setenta reis (35$970)
deduzidas as respectivas comissões, como tendo melhor [ilegível] da conta junta,
não realizar o falecido agente o pagamento da referida importância em sua vida; e
porque a quantia em questão não pertença ao espolio do mesmo falecido, e nem por
consequência vem ser [ilegível] pelos herdeiros do mesmo, por isso digão aos
interessados. (p. 29).
Outro documento dessa mesma natureza remeteu Muller e Cª . Na qualidade de
"depositários da massa falida do falecido José Severino Nunes Branco que tendo (...) sido
116
vendido em leilão mercantil e espolio do dito Nunes Branco pelo agente de Leilões Antonio
Joze de Carvalho," vinham a requerer o valor em dinheiro equivalente a esta venda de
1:225$583. Além disso, constavam dívidas de compras em botica, casas comerciais, dos quais
muitos eram produtos importados, destacando-se uma grande quantidades de garrafas de
cerveja que ficou devendo a Guimarães Antonio e Ca.
Observamos que nem sempre o nível de riqueza dos legados condizia com a real
situação do indivíduo. No caso do agente Carvalho, nem a venda de todos os seus imóveis
daria para que sua esposa e filhos quitassem as suas dívidas com seus credores após sua
morte. Entretanto, se considerarmos todo o seu montante era possível pagar as dívidas e lhes
sobraria um valor que lhe garantiria uma vaga entre os remediados, o que ainda é uma
situação favorável a uma boa posição econômica, longe dos parcos recursos da maioria da
população.
Já José Antonio dos Santos268 era um legítimo representante do nível de riqueza do
grupo ao qual pertence. De nacionalidade portuguesa era casado com D. Emilia da Silva
Castro. Seu monte-mor equivalia a 7442,65 libras (73:811$450) e no momento de sua morte
não deixou nenhuma dívida. Era dono de sete imóveis, todos na cidade, sendo uma morada de
casas de sobrado e duas casas térreas na Travessa da Companhia, uma morada de casas térreas
na Rua Formosa269, duas moradas de casas de sobrado na Rua da Boa Vista270 e outra morada
de casa de sobrado na Rua dos Mercadores.271
José Antonio dos Santos era comerciante, mas os dados indicam que boa parte da sua
renda provinha do aluguel de algumas dessas casas e de aplicações em ações, pois ele detinha
a posse de vários títulos e ações do Banco de Portugal. Apesar dessa significativa riqueza
tinhas poucos objetos importados voltados para a casa, tais como uma salva de prata, três
pares de castiçais de prata, vinte e quatro cadeiras de madeira do Porto, duas cadeiras de
balanço com assento de palhinha de madeira estrangeira e um aparelho de chá de porcelana.
Seu bem importado mais oneroso era um piano avaliado em 30,25 libras (300$000).
268
CMA, Inventário de José Antonio dos Santos, 1866. Caixa: 400.965.140.112.313.
Em 1840 a Rua Formosa passou a ser 13 de Maio. Cf. CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p. 85.
270
No livro Procissão dos séculos: Vultos e episódios da História do Pará, no tópico Ruas da cidade: Confrontos
e Contrastes, Ernesto Cruz faz um pequeno apanhado de algumas trocas dos nomes das ruas de Belém. Segundo
ele, após a limpeza e o aterramento da Rua Boa Vista, Bernardo de Sousa Franco, no dia da sua inauguração
resolveu prestar uma homenagem ao sr. D. Pedro II, dando o nome de Rua Nova do Imperador a rua que no
período colonial se chamava Rua da Praia. Cf. CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p. 84. Atualmente a Rua Nova
do Imperador é a 15 de novembro.
271
A Rua dos Mercadores passou a se chamar Rua Conselheiro João Alfredo. Cf. CRUZ, Ernesto História do
Pará. 2. ed. Belém: Editora Universitária UFPA, 1973, p. 148.
269
117
Uma questão importante, na análise das fortunas, diz respeito às profissões ou
atividades praticadas pelos inventariados, apesar de não ser tão fácil identificar. Isso acontece
porque nem todos os inventários trazem nitidamente esse tipo de informação.272 Para resolver,
pelo menos em parte esse problema, seguimos algumas pistas dadas no decorrer do inventário
que levasse a uma possível atividade do inventariado.273 Cruzamos também os inventários
com os jornais e com os almanaques dos anos 1868, 1869, 1870,274 a fim de obtermos esses
dados, que não somente nos ajudariam a construir um perfil para cada faixa de fortuna como
também dos consumidores dos produtos importados. Dessa maneira conseguiu-se fazer uma
classificação sócio-profissional de 70% dos inventariados. O gráfico 7 demonstra quais
profissões se sobressaíam em cada faixa de fortuna.
Gráfico 7 - Categorias socioeconômicas, 1840-70 (% da categoria na faixa de fortuna)
Fonte: Gráfico elaborado com base nos inventários post mortem, jornais e Almanaques de 1868-71
Notamos a presença latente de algumas profissões/funções no conjunto de
inventários percorridos, entre eles, comerciantes, funcionários públicos, militares, religiosos e
proprietários. Para todas as faixas de fortunas havia 11 funcionários públicos, 8 comerciantes,
272
Maria Luiza Ferreira de Oliveira e Cristina Donza Cancela já falaram dessa dificuldade encontrada nessa
fonte. Seria frequente faltar o lugar de moradia, a naturalidade do morto, a profissão, o que segundo Oliveira
dificulta a classificação dos dados e exige um trabalho diferenciado com a fonte.
273
Quando não foi possível localizar a profissão do inventariado, recorremos a profissão do cônjuge.
274
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1869; Almanach
Administrativo, Mercantil, Industrial e Noticioso da Província do Pará para o ano de 1869. Almanach
administrativo, mercantil e industrial, 1870.
118
6 militares, 4 proprietários, 2 religiosos e 4 inventariados que não tiveram suas profissões
identificadas, mas se sabe que eram membros da Guarda Nacional.275 No interior de cada
faixa de fortuna havia uma ou duas atividades socioeconômicas principais.
Os funcionários públicos eram 55% dos remediados, estavam em sua maioria na
faixa de fortuna média, de acordo com essa classificação, que corresponde ao valor de 601 a
1000 libras. Outra parcela significativa, isto é, 44% estava no grupo de maior monta, com
montante variando entre 1.001 e 10.000 libras. Eram indivíduos que praticavam diversos
ofícios, tais como as funções de professor, juiz, inspetor, tabelião e escrivão. Entre eles havia
funcionários da secretaria do governo provincial e da câmara municipal. Entre os abastados e
os mais abastados se destacaram os funcionários que ocupavam os cargos públicos mais
prestigiosos, relacionados à atuação como juízes de paz e escriturários da recebedoria de
rendas provinciais. Entre os remediados, encontramos tabelião, escrivão, professor, enquanto
que, entre os abastados localizamos juízes de paz e de órfãos e escriturários da Recebedoria
de Rendas Provinciais e da Tesouraria da Fazenda.
Não era infrequente que alguns deles acumulassem mais de uma função dentro do
funcionalismo público como José Pinto de Araújo que era escrivão, mas acumulou por algum
tempo a função de inspetor da Alfândega. Havia também as situações em que o sujeito tinha
um cargo público, mas desempenhava outra atividade ao mesmo tempo, tal como o médico
João Lopes de Freitas, médico do governo provincial. Em 1855 foi integrante da comissão dos
socorros públicos de combate a epidemia da cólera, mas era também farmacêutico e dono de
uma botica na Rua da Cadeia.276 Além do acúmulo de atividades, existia alguma mobilidade
quanto as atividades desenvolvidas ao longo de uma carreira pública. Era o caso de Manoel
João de Lara Cavalero que começou como escrevente (copista) da secretaria da Presidência da
Província, em abril de 1854 foi nomeado colaborador da secretaria de governo277, em
dezembro do mesmo ano ele foi nomeado Segundo Oficial278 e em agosto de 1855 já era
Primeiro Oficial da mesma secretaria.279
275
Para compor a Guarda Nacional a renda mínima de 100 mil réis anuais. O valor exigido para ingresso na
tropa era uma disposição legal que poderia ser atendida por homens de baixa renda, estes não estavam assim,
oficialmente excluídos da Guarda Nacional. Então, pequenos proprietários e comerciantes, além de trabalhadores
poderiam integrá-la. Cf. ALMEIDA, Adilson José de Almeida. Uniformes da Guarda Nacional (1831-1852): a
indumentária na organização e funcionamento de uma associação armada. 1999. 195 p. (Dissertação de
Mestrado). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998. p. 28. Porém, a Guarda Nacional era hierarquizada e,
dentre os consumidores de importados, encontramos indivíduos que encontravam funções diferentes dentro da
instituição.
276
CMA, Inventário de Francisca de Farias Freitas, 1856. Caixa: 895.339.397.369.084.
277
Treze de maio, 25 de abril de 1854, n. 322, p. 3.
278
Treze de maio, 9 de janeiro de 1855, n. 433, p. 2.
279
Treze de maio, 9 de janeiro de 1855, n. 433, p. 2.
119
Além de funcionários públicos que ocupavam cargos elevados, predominaram entre
os mais abastados os que estavam envolvidos com a atividade comercial e em menor escala
estavam os militares como os capitães e coronéis. As profissões que estavam relacionadas ao
exercício militar foram a segunda mais ocorrente entre as atividades dos inventariados, sendo
que variavam de acordo as patentes que iam desde sargento a coronel. Os militares aparecem
em todas as faixas de fortuna, com exceção da segunda que compreende os pobres
estabilizados. Na primeira faixa localizamos o major José Cândido Ferraz, que não se sabe
por qual razão se localiza entre os mais pobres, haja vista que sua patente era a terceira maior
entre os inventariados. O referido Major morreu em 1837, tendo sido inventariado em 1841.
Possivelmente, o definhamento dos seus bens esteja relacionado ao movimento cabano.
De modo geral, os militares tendem a se concentrar entre as faixas com fortunas mais
elevadas. Excluindo o major, a inserção desse grupo nas faixas de fortuna tem a ver com as
patentes por eles alçadas. Dentre os remediados temos o capitão da 4ª Companhia da Guarda
Nacional João Chrizostomo Ferreira da Costa e o tenente Joaquim Francisco de Oliveira
Campos. Entre os abastados Joaquim José de Lima, Manoel da Conceição Pereira de Castro e
Joaquim Gomes de Oliveira Cavalero tinham a patente de capitão.
Nesse grupo apenas José Joaquim Ramos Villar tinha uma patente considerada baixa,
qual seja, a de 2º sargento. O que poderia justificar o tamanho do seu monte-mor?
Possivelmente, a proveniência da sua fortuna estivesse relacionada com a herança que sua
esposa herdou do primeiro casamento, pois a mesma recebia um meio soldo equivalente a
180$000,280 fora o que deve ter acumulado durante o período em que esteve casada com seu
primeiro marido, um militar cuja patente não foi possível identificar. Mas pelo que demonstra
várias notas no jornal Treze de maio, ela havia sido casada com o cadete Antonio Bernal do
Couto. Isso pode pelo menos ser um dos elementos que podem justificar a presença de um
militar de patente não elevada, entres os mais abastados.
Na faixa dos mais abastados estão o tenente-coronel João da Pontes e Souza, o
coronel José Duarte Rodrigues, isto é, os militares inventariados com mais altas patentes
levantadas na pesquisa. Nesse grupo também encontramos D. Maria Pimenta Bueno, casada
com o capitão Manoel Antonio Pimenta Bueno, mas que não tinha como única fonte de renda
o cargo militar, pois também era gerente da Companhia de Navegação e Comércio do
Amazonas, gerente da Sociedade Bancária Mauá e Cª., primeiro presidente da Praça de
280
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1869, p. 111.
120
Comércio, diretor da Companhia d"estrada de Ferro Paraense,281 entre outras funções
acumuladas. Pimenta Bueno era membro de família tradicional e influente, filho do Marquês
de São Vicente,282 portanto, de "uma família de destaque que extrapolava os limites
provinciais, chegando à Corte imperial."283
Após o segmento dos militares, têm-se os comerciantes,284 distribuídos nas três
faixas com as maiores fortunas, tendo maior destaque na faixa que compreende os mais
abastados, representando aproximadamente 43% desse grupo. Cristina Cancela enfatizou esse
perfil dos comerciantes. Segundo ela, a maioria dos inventariados com faixa de renda acima
de 2.000 libras eram os comerciantes.285 Eles são os que mais expressam a relação com os
importados. Através da descrição dos bens dos estabelecimentos comerciais, é possível
evidenciar a variedade de produtos importados disponíveis no comércio do Pará. Isso porque,
embora o comerciante fosse matriculado como negociante de um tipo de produto específico,
acabava por comercializar diversos tipos de mercadorias, o que acabava por vezes a alargar
sua fortuna.
Em quarto lugar aparecem os proprietários. Escolhemos este termo para agrupar
pessoas que tinham propriedade sobre algum negócio que significasse a sua principal fonte de
renda. Nesse grupo está um tipógrafo, dois boticários e um fazendeiro, situados na faixa dos
pobres estabilizados e dos abastados, não existindo um padrão fixo de riqueza, uma vez que
dependia da propriedade em questão, que poderia ser de pequena ou maior monta. Poderíamos
ter classificado os donos de tipografia e de botica como comerciantes. Não fizemos isso em
função de que o desenvolvimento dessas atividades exigia habilidades especializadas, não
consistindo em um simples comércio ou compra e venda de produtos chegados ao porto.
Fiquemos com o caso ilustrativo de Honório José dos Santos. Dono de negócio que
funcionara desde o final da década de 1830, ele começou com a tipografia Santos & menor,
281
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1869; Almanach
Administrativo, Mercantil, Industrial e Noticioso da Província do Pará para o ano de 1869. Almanach
administrativo, mercantil e industrial, 1870.
282
MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo. “Alianças Matrimoniais na Alta Sociedade Paraense no Século XIX”. In:
Estudos Econômicos, nº 15, 1985, pp. 153-167.
283
BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit., p. 218.
284
A função de comerciante era um importante meio de adquirir riquezas e uma rede de relações que colocaria
esses indivíduos nos circuitos econômicos, políticos e sociais da Província. Era perfeitamente possível amealhar
alianças e prestigio como destacou Luciana Marinho. Cf. MARINHO, Luciana Batista. Op. Cit. Foram essas
redes de relações que permitiram, por exemplo, que comerciantes portugueses, mesmo com a vulnerabilidade do
capitalismo mercantil português na transição para o XIX, conseguissem se articular com a sociedade de
"privilégio e o império." Os comerciantes tiveram um papel político na construção do Império. Cf. PEDREIRA,
Jorge M. Negócio e capitalismo, riqueza e acumulação: Os negociantes de Lisboa (1750-1820). Tempo, v. 8, n.
15, p. 37-69, julho, 2003; PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Negociantes, independência e o primeiro banco do Brasil:
uma trajetória de poder e de grandes negócios. Tempo, v. 8, n. 15, julho, 2003, p. 71-91.
285
CANCELA, Cristina Donza. Op. Cit., p. 259.
121
que mudou para Santos & Filhos e depois de sua morte em 1857 passou a se chamar Santos &
Irmãos. Até 1850, a tipografia de Honório tinha preferência na impressão de documentos do
governo, haja vista que antes disso quase não havia concorrência. Ela era responsável pela
impressão dos Relatórios da Presidência da Província e toda sorte de documentos oficiais de
várias repartições públicas.
Após 1853, a tipografia que por muito tempo teve prioridade na impressão dos
documentos oficiais, passou a conviver com a concorrência de outras casas tipográficas e de
encadernação, o que fez com que começasse a imprimir jornais semanalmente e depois
diariamente. A tipografia era responsável pela impressão das folhas Treze de maio (18401862), Revista Mensal do Atheneu Paraense (1860-1861) e Jornal do Pará (1862-1878).
Publicou a partir de 1859 diariamente anúncios oferecendo seus serviços de impressão:
Santos & Irmãos, com loja de encadernação na rua de S. João, casa n. 18 AA, fazem
sciente aos illms senrs. Chefes de repartições públicas, e ao commercio em geral,
que augmentarão este seu estabelecimento com uma bem montada officina
typographica, na qual se imprime qualquer obra com toda a pronptidão possível e
asseio, tendo para esse fim mandado vir dos Estados-Unidos um rico sortimento de
emblemas, enfeites e lettras de titulos de gosto moderno. Os mesmos declarão, que,
além da boa impressão que promettem fazer, assegurão também a commodidade em
preços.286
O anúncio demonstra que a tipografia Santos & Menor precisou efetuar um processo
de constantes melhoramentos para se manter no mercado local de impressões. Para tanto,
falava das suas modernizações, enfatizando os novos produtos utilizados no estabelecimento
vindo dos Estados Unidos. Os serviços estavam disponíveis tanto para as repartições públicas
quanto para o comércio em geral. Nesse sentido, a tipografia não somente utilizava as
mercadorias importadas, como divulgava ideias estrangeiras, o que era corriqueiro nos
jornais. Honório dos Santos perderia muito espaço para Frederic Rhossard, que iniciou como
um modesto impressor no jornal semanal O Observador em 1857, tendo se tornado tipógrafo
e proprietário do Diário do Gram-Pará e, em 1861 ganhou o direito de imprimir as falas e os
documentos do governo.287
Como podemos conferir, a tipografia de Honório José dos Santos oscilou entre
prestar serviços públicos e particulares, o que variou de acordo com a concorrência do
mercado livresco na capital da Província. Honório morreu tendo deixado um dos filhos,
Cipriano José dos Santos, sob a gerência do negócio e tendo que saudar uma dívida de mais
286
287
A Epocha, 4 de maio de 1859, p. 3.
NOBRE, Izenete Garcia. Op. Cit., p. 59.
122
de 1:000$000. De qualquer modo, a posse desse negócio parece ter sido de grande valia para a
família e para o próprio governo provincial que dele se beneficiou quando o mercado da
impressão na Província era deficitário, e continuaria a ser por algum tempo.
Entre os religiosos, destacamos os cônegos Leonardo Pinto Moreira Espindola e
Thomas Nogueira Picanço, o primeiro situado na faixa dos remediados e o segundo no limite
entre os remediados e os abastados. Apesar de serem poucos eles apresentam um bom
número de objetos importados em seus inventários, sobretudo porque fazem parte de um
grupo marcado pela variedade no consumo desses objetos.
Notemos que em todas as faixas de fortunas analisadas, seja em qualquer profissão,
estão presentes bens importados, o que nos permite considerar que, antes de 1870, Belém
estava articulada com países europeus em um processo que criava distinções e supria
necessidades de muitos de seus moradores, seja dos mais pobres ou dos mais abastados,
compondo o quinhão de muitos herdeiros já desde bastante tempo.
III. II. O consumo na elite belenense.
Nesse tópico, trataremos apenas de sujeitos que tinham legados acima de 1.000 libras
(10:000$000), ainda que eles tivessem uma dívida passiva considerável, no momento da
partilha. Isso porque, por mais que o indivíduo tivesse muitas dívidas, no que se refere ao
consumo de importados, o poder de aquisição das mercadorias poderia está relacionado a uma
influência simbólica de um possível capital disponível, ainda que na realidade ele fosse
aparente.
Optamos por considerar, para a análise do consumo do grupo, que estamos
entendendo como elite, apenas os abastados e os mais abastados, por possuírem os médios e
grandes legados,288 ou as fortunas sólidas, segundo a definição de Kátia Mattoso. Mas o
critério econômico não seria o único aceitável para a classificação de um grupo enquanto
elite, mas outros fatores influem diretamente, pois um grupo de elite se define, segundo
Burke, a partir de elementos como status, riqueza e poder.289Além disso, seria mais ponderado
falar em elites e não elite, uma vez que havia diferentes composições de riquezas econômicas
e simbólicas. Luciana Marinho ressalta algumas elites no Grão-Pará no período de 1850 a
1870, destacando que havia uma elite agrária e uma elite mercantil que se articulavam
288
Cristina Donza Cancela, considerou médios e grandes legados as fortunas iguais ou maiores a 2.000 libras,
excluindo as dívidas passivas. Nessa pesquisa, consideramos como médios e grandes e legados o monte-mor
igual ou maior de 1.000 libras, incluindo as dívidas passivas.
289
BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã: Um estudo das elites do século XVII. São: Brasiliense, 1990.
123
constantemente por meio de casamentos e relações de amizade. Segundo ela, essas relações se
davam em uma sociedade com economia do tipo pré-industrial, em que as esferas econômica
e política estavam fortemente intrincadas.
Ao analisar que a manutenção da elite se baseia em estratégias e suas ações eram
motivadas pela busca da sustentação do prestígio social, podemos dizer que o consumo dos
bens importados era também uma forma de demonstrar poder e status, além da riqueza
material. Nesse sentido, o acesso aos importados disponíveis no comércio local, possibilitaria
a alguns grupos da elite a demonstração de sua posição na escala social do Grão Pará.
Pensando neste contexto mais amplo de elite, procuramos no tópico anterior traçar um perfil
dos inventariados.
De acordo com a divisão em faixas de fortunas que realizamos, a elite inclui os
inventariados em que suas rendas variam entre 1.001 a 10.000 libras (10:000$000 a
100:000$000), o que envolve 25% da amostra. O objetivo dessa delimitação é verificar a
presença dos importados na vida material desses indivíduos, o lugar dos objetos no viver
cotidiano. Mas não apenas isso. Será possível entender as diferenças e semelhanças entre o
consumo dos abastados e os mais abastados e, posteriormente, dos outros grupos possuidores
de monte-mor abaixo de 1.000 libras.
Considerando o processo de produção alargado na Europa com a Revolução
Industrial, a circulação possibilitada pelas viagens transatlânticas, busquemos identificar a
apropriação dos objetos no viver cotidiano, considerando que o aumento do consumo no
oitocentos se tornou prática recorrente entre sujeitos com diferentes faixas de fortuna. É fato
que as mais profundas mudanças ocorreram na virada do século XIX para o XX, mas os
meados do XIX já era um prelúdio das mudanças nos hábitos cotidianos, nas ideias e
percepções, na qual um dos pilares básicos foi as transformações ocorridas na Europa e o
crescimento da circulação de um ideal de progresso, que culminaria em um processo
constante de modernização nas sociedades ocidentais. O princípio do progresso, então, foi se
convertendo em uma crença, em que os avanços tecnológicos sancionavam ao criar produtos e
serviços, objetos de desejo e símbolos do progresso.290
No entanto, esses objetos, símbolos de uma modernidade emergente, consumidos
pela elite, nem sempre eram exclusivos símbolos de distinção social, pois muitos deles faziam
parte das condições materiais de sobrevivência diária, sem que estivessem necessariamente
associados ao prestígio.
290
DUPAS, G. O mito do progresso. São Paulo: Editora Unesp, 2006, p.13.
124
Os objetos, as relações físicas ou humanas que eles criam não podem se reduzir a
uma simples materialidade, nem a simples instrumentos de comunicação ou de
distinção social. Eles não pertencem apenas ao porão e ao sótão, ou então
simultaneamente aos dois, devemos colocá-los em rede de abstração e sensibilidade
essenciais a compreensão dos fatos sociais. Sem dúvida, na história a vida material
estabelece 'os limites do possível e do impossível', como desejava Braudel, mas ela o
faz na imbricação de contextos sociais de informações e de comunicações que
organizam a significação das coisas e dos bens (...).291
Durante a análise dos bens importados pertencentes a este grupo, que na verdade são
os dois grupos que anteriormente denominamos de os abastados e os mais abastados, é
possível encontrar desde objetos considerados requintados, como os que eram usados nas
ocasiões especiais, até a panela de cobre ou ferro, um instrumento do cotidiano, presente na
maioria dos inventários, dos que possuíam maior ou menor fortuna. Portanto, essa vida
material, ainda que estejamos tratando de elite, ultrapassa os limites do supérfluo e abrange
uma apropriação de bens a partir de uma multiplicação do consumo e uma vultosa circulação
que é muito diferente dos períodos anteriores, caracterizado pela raridade dos objetos.292 Com
efeito, numa cidade em que o modo de vida burguês antecedeu a implantação da estrutura
produtiva, "o consumo assume o papel disciplinador que as transformações técnicas e
planificação do trabalho nas indústrias preencheram no epicentro do sistema."293
Nesse contexto, as coisas de uso público e/ou privado estavam presentes ainda que
em quantidades diferentes em 96% dos inventários dos grupos com fortuna acima de 1.000
libras (10:000$000), sendo a categoria com presença mais significativa e diversificada. Em
segundo lugar estavam as indumentárias e joias que apareceram em 64% dos inventários. A
categoria diversos está presente em 36% e trabalho e negócios vêm logo em seguida com
32%. As categorias menos visíveis são equipamentos, representando 12% e em último lugar
as categorias alimentos e bebidas e tratamentos medicinais e outros usos,294 que se encontram
cada uma, irrisoriamente, em somente 4% dos autos percorridos. Buscaremos a partir de
agora, traçar um perfil dos produtos que mais compunham o cotidiano das famílias
procurando, na medida do possível, dar um sentido social a eles. Afinal,
(...) os artefatos também nos moldam; não apenas nos expressam, mas, igualmente,
de formas e em graus variados, nos constituem. O artefato, desse modo, é, ao mesmo
291
ROCHE, Daniel. Op. Cit., p. 13.
Ibidem.
293
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e Artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura
material São Paulo 1870-1920. São Paulo: Edusp, 2008, p. 13.
294
As categorias Alimentos e bebidas e Tratamentos medicinais e outros usos não são comuns estarem presente
nos inventários, salvo em raríssimos caso. Em geral isso acontece porque não são produtos duráveis. Cada uma
delas apareceu uma vez nos em apenas um inventário.
292
125
tempo, produto e vetor das relações que seus fabricantes e usuários estabelecem em
sociedade e, ainda, produtor de seres sociais.295
Por isso, acreditamos que o consumo pelas elites dos produtos importados é o
resultado das transformações inerentes ao século XIX, que possibilitaram aos usuários ou
consumidores belenenses a produção de novos sentidos. Os produtos que mais possibilitaram
esses novos sentidos foram os de uso privado, sobretudo as louças, mobília, os artigos de
iluminação. O consumo é fundamental para entendermos a modernidade e para a reflexão
sobre a mesma, levantando questões de necessidades e identidade, escolha e representação,
poder, relação entre o público e o privado, o individual e o coletivo.296
Nesse aspecto, o consumo, além de unir ou dicotomizar grupos de consumidores
diferentes seria, antes de tudo, uma forma de classificação. Se os importados servem para
vestir, comer, abrigar, também possuem um sentido que ultrapassa o valor da utilidade, que
possibilitar pensar, escolher, selecionar e dar sentido ao mundo. Assim sendo, o consumo
pode ter a função de prover, mas também delineia relações entre indivíduos e grupos por meio
de um contexto social e histórico particular.
Os objetos que se enquadram em as coisas de uso privado e/ou público se referem a
objetos que poderiam tanto ser usado no espaço da casa quanto no espaço público ou em
apenas um desses espaços, embora as fronteiras desses usos ainda estivessem imbricadas. Nos
inventários levantados, de modo geral, foram mais comuns os bens da casa, os artigos
religiosos, os objetos voltados para a iluminação e para a leitura, os instrumentos musicais e
os vasilhames,297 e outros aparecem com menos intensidade.
Dona Olimpia Ângela Paes de Carvalho morreu em 1855, deixou um quarto de casas
térreas298 cita na Rua da Pedreira sem número (...) "de um lado com as casas dos herdeiros do
tenente coronel João da Gama Lobo e de outro lado com as cazas do Falecido Vicente
Antonio de Miranda”, sendo muito provavelmente esta a sua casa de morada, haja vista ser o
único imóvel em seu nome. Os bens imóveis não eram sua principal fonte de renda, contudo
reuniu uma herança material de 31:936$180, o que era um valor nada irrisório. Foi o
295
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Op. Cit., p.12.
SLATER, Don. Cultura do Consumo e modernidade. São Paulo: Nobel, 2002, p. 5.
297
São inúmeros os objetos que compõem os que estamos chamando bens da casa, inclusive os artigos
religiosos, os de iluminação, os relacionados à leitura e à música podem ser considerados bens da casa. No
entanto estão destacados de forma separada porque também podem ser utilizados em âmbito público, não se
constituindo exclusivamente como bens da casa.
298
As casas térreas, além das construções religiosas, era o elemento mais característico nas vilas e cidades
brasileiras do período colonial. Cf. SAIA, Luís. Notas sobre a arquitetura rural paulista do Segundo Século.
Rio de Janeiro: Revista do SPHAN, n. 8, 1944, p. 211-275. A expressão "um quarto de casas térreas", bastante
constante nos inventários se refere a uma casa com vários cômodos. É uma casa geminada, ou seja, casa de
paredes-meias, construída duas a duas, geralmente com as mesmas divisões, mas investidas.
296
126
suficiente para que a mesma acumulasse uma boa quantidade de bens importados, entre os
mais valiosos estão os artefatos voltados para o uso doméstico. Encontramos móveis, louças,
objetos de iluminação e um instrumento musical, que por sinal era o mais requintado da
época. São eles:
Dezoito cadeiras com assento de palhinha, 72$000; doze cadeiras americanas com
assento de palhinha, 72$000; seis cadeiras americanas mais inferiores, 3$000; uma
cadeira de balanço de madeira americana, 6$000; um sofá, 40$000; uma salva com o
peso de cento e quarenta e uma oitavas de prata, 33$840; uma salva com o peso de
cento e cinquenta e duas oitavas de prata, 36$480; seis colheres para sopa com o
peso de cento e trinta oitavas de prata, 26$000; seis colheres menores com o peso de
oitenta e seis oitavas de prata, 17$200; doze colheres pequenas para chá com o peso
de setenta e nove oitavas de prata, 15$800; uma colher para tirar sopa com o peso de
cinqüenta e uma oitavas de prata, 10$200; um paliteiro com noventa e uma oitavas
de prata, 27$120; um aparelho de porcelana dourado para chá, 25$000; um
galheteiro com cinco vidros, 25$000; um par de castiçais com o peso de duzentas e
cinqüenta oitavas de prata, 70$000; um par de castiçais com o peso de duzentas e
oito oitavas de prata [valor não descrito]; um par de mangas de vidro bordado,
4$000; uma manga, 2$000; um par de castiçais de casquinha com manga de vidro,
6$000; um candeeiro de globo para sala, 10$000; um candeeiro de latão sem vidro,
1$000; uma lamparina de porcelana, $320, um lampião de vidro para corredor,
3$000; um piano, 200$000.299
Com respeito aos móveis, existiam também outros que poderiam ser importados
como também havia a possibilidade de terem sido fabricados com madeira da região. Na
década de 1850 já havia uma forte tendência a importação dos móveis que passaram a
conviver com a mobília de macacaúba, acapú, cedro e pau amarelo, os mais descritos nas
avaliações. Por isso, quando não identificamos a madeira com a qual se produziu o móvel,
seja um guarda louças, uma mesa de jantar, um toucador, uma marqueza, não podemos
afirmar consubstancialmente que se tratava de um objeto importado. No entanto, podemos
fazer inferências, a partir das listas desses mesmos objetos, nos manifestos de importações ou
nos jornais consultados.
Podemos afirmar que houve um importante aumento na entrada de móveis
importados, em sua grande maioria advindos dos Estados Unidos e de Portugal. Uma grande
tendência foi a recepção das cadeiras com assento de palhinha que transmitiam um tom de
sofisticação e bom gosto. O uso da palhinha se relacionava a outros fatores que não somente o
bom gosto, mas também mostrava concepções de higiene, ventilação e modernidade, isso por
ser um elemento vazado que atua como radiador de luz. Se nos reportarmos ao histórico desse
material, constataremos que a palhinha está relacionada a tradição de móveis da Índia, tendo
sido introduzida em Portugal entre os séculos XVII e XVIII e, posteriormente, chegaria a
influenciar o mobiliário brasileiro. Esse material se tornou largamente utilizado por duas
299
CMA, Inventário de Olimpia Angela Paes de Carvalho, 1856. Caixa: 355.156.181.153.436.
127
razões básicas. Primeiro pela qualidade sensorial e higiênica por proporcionar arejamento em
função das frestas, sendo favoráveis ao clima tropical. A segunda vantagem se refere ao
material de fácil aquisição e manuseio.300
Nos inventários, as cadeiras de palhinha estavam presentes repetidamente, algumas
vezes com referência explícita da sua origem portuguesa ou norte americana, outras vezes
sem fazer menção a qualquer país exportador. Mesmo sabendo que boa parte das cadeiras de
palhinha podem ter sido produzidas na Província, uma vez que o próprio processo de
produção se assemelhava a técnicas comuns nessas terras desde longo tempo, grande parte
dessa mobília vinha de portos estrangeiros.
No século XIX, a palhinha dissipa a ideia de móveis pesados e contrabalança a
textura escura das espécies de madeira local,301 se adaptando perfeitamente a paisagem
tropical. Eliane Morelli notou esta mesma inclinação no gosto das famílias campineiras mais
abastadas, em que "os móveis de sala confeccionados com assentos e encostos de palhinha
começavam a aparecer", nesse caso "destronando os luso-brasileiros de jacarandá forrados de
sola (couro), da segunda metade do século XVIII."302
No século XIX, a preocupação com a mobília das casas era uma constante. Não
bastava que os móveis atendessem apenas as necessidades, mas deveriam estampar o nível,
social, econômico e cultural de quem pertenciam. O uso de uma grande quantidade de
cadeiras por D. Olimpia Paes de Carvalho, indica que ela era adepta de gostos renovados e de
novas práticas relacionadas aos bens materiais, considerando que "da classificação do
mobiliário, da sua escolha, depende a compreensão das práticas, pois não existe móvel inútil."
Para Roche, no contexto francês do século XVIII "a multiplicação das cadeiras mostrava a
riqueza, liberava o espaço polivalente e constituía um mobiliário normal da segunda peça," a
partir do qual se construía as 'comodidades da conversação'.303
Nesse sentido, as cadeiras eram um mobiliário de distinção que nasceu, sobretudo de
uma noção de conforto e de liberdade do corpo. No caso da Província do Pará, para a maior
parte da população, os objetos que permitiam sentar-se, deitar-se, acomodar-se eram
traduzidos em um item do cotidiano fundamental: a rede.
Onde quer que se vá, para onde quer que se olhe, vê-se, logo uma rede baloiçando,
na qual alguém, descansando de nada fazer, dá um ligeiro impulso. Esse regime da
300
MELO, Alexandre Penedo Barbosa de. Mobiliário moderno brasileiro: aspectos da forma e sua relação
com a paisagem. 2008. 339 p. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo: Universidade Federal
de São Paulo, 2008, p. 294.
301
Ibidem, p. 295.
302
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 101.
303
ROCHE, Daniel. Op. Cit., p. 231.
128
rede é comum em geral. A rede é cama, cadeira sofá, e em muitos quartos, caso se
possa falar nisso, a única mobília, sempre usada e sempre em movimento. Nela não
se descansa do trabalho, e sim do banho.304
A rede sempre foi um objeto muito utilizado no Pará e não deixaria de ser, mesmo
com a importação de outros objetos com funções similares. Antonio Valente já destacara a
rede como "um importante objeto na mobília da casa do belemenses" e um "objeto muito
utilizado nas moradias de família dos mais diversos estratos da sociedade".305 Por outro lado,
o caso da inventariada de quem estamos falando não era um caso isolado, pois a grande
utilização de redes não excluía a posse dos objetos mais requintados. Bates relata que "as
classes mais elevadas, que vêm gozar da alegria geral, estão sentadas em cadeiras, à porta
deporta de casas amigas."306
Houve um tempo em que o mobiliário estava relacionado as necessidades
primordiais ou mais necessárias a vida familiar, mas "os móveis iriam revelar um estado de
sociedade em relação com suas significações (...), direcionando para a linguagem silenciosa
dos símbolos."307 Portanto, há uma produção de sentido que ultrapassa a sua materialidade,
uma vez que a necessidade deixa de ser um elemento maior que justifique a posse.
Além dos móveis, D. Olimpia possuía uma boa quantidade de louças, isto é, as salvas
de prata, as colheres para sopa e chá, colher grande para tirar comida, galheteiro, paliteiro,
aparelhos de louça para jantar e para chá, o que indica que o uso dos objetos materiais
relacionados a novos hábitos já haviam adentrado à Província. Na primeira metade do século
XIX, sobretudo nas primeiras décadas, os casos de indivíduos que possuíam esse tipo de bem
eram mais raros.308 Isso não implica em dizer que, antes do oitocentos, muitos sujeitos não
pudessem adquirir esse tipo de produto, pois várias famílias possuíram desde a colônia, mas
foi no século XIX que se elaborou novos sentidos, a partir de valores sociais ligados a novas
práticas do consumo e maneiras sociais de viver. Nesse sentido, "as louças devem ser
compreendidas não apenas em seu papel funcional, mas também simbólico."309
A lista de louças dessa inventariada, apesar de não poder ser considerada extensa,
pode sugerir para o que Tânia Andrade chamou de emergência de um modo de vida burguês,
304
AVÉ- LALLEMANT, Robert. Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do livro, 1961, p. 43.
305
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 116; 170.
306
BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 125.
307
ROCHE, Daniel. Op. Cit, p. 233.
308
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit.
309
DEETZ (1977) apud LIMA. Tânia Andrade. Prato e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e
limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX. In: Anais do Museu Paulista: São Paulo, v. 3, jan./dez., 1995, p.
129.
129
quando se referiu ao Rio de Janeiro. Podemos inferir que D. Olímpia estava apta a receber
pessoas para pequenas ocasiões em família, dispondo já de apetrechos requintados, símbolos
da cultura mais elitizada, sobretudo europeia. Embora não possuísse garfos, já havia um bom
número de colheres de funções variadas e o aparelho de jantar indica que já havia uma boa
organização no ritual do jantar.310 Os aparelhos de jantar completo, contendo travessas rasas e
fundas, sopeiras, molheiras, jarras, fruteiras, cremeiras, tornaram-se "uma exigência no novo
estilo de servir",311 e o galheteiro com cinco vidros, por exemplo, era um objeto elegante
sugerido por vários manuais.
O livro O cozinheiro nacional, o segundo livro de culinária e gastronomia editado no
Brasil, na segunda metade do século XIX, por volta da década de 1870, trata a respeito dos
utensílios de cozinha indispensáveis para o preparo de alimentos. No que se refere ao serviço
da mesa, além das referências as travessas, aos copos e aos talheres, destacou que quem
tivesse servindo deveria dispor de um galheteiro com cinco vidros para servir azeite, vinagre,
mostarda, pimenta e sal. O aparelho de chá, que mesmo não tendo sido descrito de maneira
pormenorizada, incluía basicamente bule, leiteira, açucareiro, xícaras e pires, sendo um bom
exemplo de que novos hábitos haviam sido introduzidos.
O movimento geral no sentido de uma maior individualização e especialização,
ocorrido ao longo do século XIX, atingiu também o domínio da alimentação, em
todas as suas expressões como já foi visto. Entre elas, o equipamento da mesa, que
se diversificou consideravelmente: novas formas foram inventadas e adaptadas a
funções antes preenchidas por implementos multifuncionais, sofisticando
sobremaneira o aparato destinado ao consumo dos alimentos.312
A porcelana, material que compunha o aparelho de chá de D. Olímpia foi eleito pela
aristocracia no século XVIII "como um poderoso elemento de distinção social." A posse
desses utensílios significava a incorporação dos modos de viver trazidos do outro lado do
Atlântico. Posteriormente, este material que era bastante caro foi substituído por um material
bem mais barato e tivemos a explosão do consumo das faianças disseminadas por várias
partes do globo e por muitas mesas.313 Possivelmente, o aparelho de chá tratado fosse uma
faiança, mas tinha um valor simbólico e econômico, pois foi avaliado em 25$000. Ainda
assim, poderia ser considerado um elemento de sofisticação e distinção social, e seu uso
310
VISSER. Margaret. O Ritual do Jantar: as origens, evolução, excentricidades e significados das boas
maneiras à mesa. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
311
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Op. Cit., p. 172.
312
Ibidem, p. 171-172.
313
Ibidem.
130
deveria estar associado a momentos de sociabilidade, juntamente com as salvas de prata,
indicados para servir bolachas, biscoitos e bolos.
Outros bens importados pertencentes a D. Olímpia eram os objetos de iluminação.
Aqui podemos destacar um objeto em especial: o castiçal de prata. O valor do castiçal de prata
de 70$000 em muito se difere dos outros objetos de iluminação dessa casa localizada na Rua
da Pedreira. Isto porque a lamparina, o lampião de vidro para o corredor, o candeeiro de latão,
estavam presente na maior parte dos inventários em que foram identificados objetos de
iluminação e seus valores oscilavam entre $600 e 12$000 de acordo com os avaliadores.
Todavia, os castiçais de prata estavam presentes nas casas mais abastadas.
Nos jantares ou banquetes, o cuidado com a belíssima apresentação dos pratos era
ainda maior. Os castiçais de prata, colocados nas extremidades da mesa, as fruteiras
e floreiras no centro, davam um charme ao conjunto com os pratos, talheres de prata
e cálices de cristal.314
Em uma realidade marcada pela "tirania das horas escuras"315 em que se desfrutava
exclusivamente de formas engenhosas de iluminação como os candeeiros e os lampiões, os
castiçais serviam para dar um tom de refinamento à parca iluminação. Eles eram um
importante componente da mesa de jantar, dando uma impressão de requinte e bom gosto. Por
se colocarem nas pontas da mesa, eram necessários dois castiçais de prata que era exatamente
o que encontramos neste inventário. Outros inventariados tinham mais de dois castiçais de
prata, o que sugere que poderia haver um revezamento entre eles entre um jantar e outro, ou
que poderiam ser colocados em outras posições na casa. O fato de D. Olimpia ter deixado dois
castiçais significa que ela desfrutava de itens básicos requintados para o ritual do jantar, o que
caracteriza um modo de vida privado em acordo com as transformações culturais e
econômicas.
O bem mais caro era um piano em bom uso avaliado em 200$000. Esse era um bem
importado de poucos lares, enquanto que as flautas, a rabeca e o violão eram instrumentos
europeus mais comuns, como foram disponibilizadas em larga escala no inventário de um dos
comerciantes, o qual trataremos depois. De modo geral, como também é o caso do Rio de
Janeiro, a partir de 1850 houve um aumento na importação de pianos,316 sendo um objeto de
desejo dos lares patriarcais.
314
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 159.
ROCHE, Daniel. Op. Cit, p. 155.
316
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Op. Cit., p. 45.
315
131
Comprando um piano, as famílias introduziram um móvel aristocrático no meio de
um sobrado urbano ou nas sedes das fazendas - o salão: um espaço privado de
sociabilidade que tornará visível, para observadores selecionados, a representação da
vida familiar (...). Vendendo um piano, os importadores comercializavam - pela
primeira vez desde 1808 - um produto caro, prestigioso, de larga demanda, capaz de
drenar para a Europa e os Estados Unidos uma parte da renda local antes reservada
ao comércio com a África, ao trato negreiro.317
Freyre se referindo as mudanças na vida social no Brasil no século XIX, afirma que
nas casas aristocráticas "raramente faltava um piano". Empregando uma frase de Francis de
Castelnau, naturalista inglês que esteve no Brasil na década de 1840, Freyre destacou que "no
Brasil 'em quase todas as casas vê-se ou ouve-se um piano, muitas vezes nas mais pobres.318'"
O piano é um importante produto dentre os importados para a Província do Pará, senão em
quantidade, mas como representação de novos valores culturais incorporados em algumas
casas, que não necessariamente sobrados ou casas de fazendas.
No caso de D. Olimpia, era uma casa térrea que não valia dez por cento do seu
espólio. Bates observou que os principais instrumentos eram a flauta, o violino, o violão e o
cavaquinho, sendo que "o violão era o instrumento favorito tanto dos rapazes como das
moças, no Pará; mas o piano estava rapidamente tomando o seu lugar."319 Observe a figura
abaixo.
Figura 5 - Anúncio de venda de acessório para piano
Fonte: Gazeta Official, 10 de agosto de 1858, n. 76, p. 660.
A figura acima expõe o anúncio de "polka" para piano em 1858, o que evidencia que
não apenas o piano, mas outros aparatos que lhe garantiria o funcionamento estavam
317
Ibidem, p. 47.
FREYRE, Gilberto (2008). Op. Cit., p. 91.
319
BATES, Henry Walter, Op. Cit. p. 141
318
132
disponíveis no comércio de Belém. A tendência notada por Gilberto Freyre em outras
províncias encontrou correspondência no Pará.
Um caso expressivo, quanto ao uso dos produtos importados, é o do Reverendo
Thomas Nogueira Picanço. Seu monte-mor era de 1087,46 libras (8:124$620), porém sua
dívida ativa comprometia 63% da sua renda. A despeito da enorme dívida que deveria ser
quitada pelo seu sobrinho, pois foi quem inventariou os seus bens, o reverendo José Joaquim
Alves Picanço pode desfrutar de uma multiplicidade dos objetos importados. Aqui trataremos,
ainda, dos relacionados às coisas de uso público e/ou privado.
A maior parte do seu espólio estava investida em uma casa de sobrado, na Rua das
Escadinhas número 1, no valor de 568,12 libras (4:500$000) e em um chãos "fazendo frente
para a Rua do Açougue"320 avaliado em 63,12 libras (500$000). Entre os bens arrolados, no
ano de 1841, observamos objetos relacionados a casa, a iluminação, a leitura, a música e a
religiosidade.
Oito cadeiras com assento de palhinha, 16$000; uma cadeira com assento de
palhinha [valor não descrito]; seis cadeiras de pau pintadas americanas, 6$000; um
canapé com assento de palhinha , 8$000, [valor não descrito] uma salva de prata
com o peso de duzentas e dezenove oitavas, 26$280; uma outra salva de prata com
peso de duzentas e treze oitavas, 25$560; um cabo de faca com o peso de dezoito
oitavas, $960, seis cabos de faca com o peso de setenta e oito oitavas de prata,
9$360; seis cabos de garfos com o peso de setenta e duas oitavas de prata, 8$640;
3$120; um garfo todo de prata, 2$160; uma colher grande de tirar sopa de prata,
3$780; sete colheres pequenas de prata para sopa com o peso de noventa e três
oitavas, 11$160; seis colheres pequenas de prata para chá e uma colher de prata para
tirar açúcar, 4$320; uma terrina, $240; dezesseis pratos redondos, $640; quatro
pratos travessas de diferentes tamanhos, $640; um prato redondo grande, $240; onze
xícaras e doze pires, 1$000; um manteigueira, $160; um açucareiro, 160; três pratos
para fatear, $180; uma tigela de lavar $100; um estojo de navalhas de barba com
gaveta, $600; uma condessa muito velha, [valor não descrito]; cinco mangas de
vidro, 10$000; Seis castiçais de prata, 67$080; um lampião, 1$000; uma estante
com sessenta e três livros velhos [valor não descrito]; sessenta e três livros velhos,
6$300; um violão, 4$000; um realejo de música com relógio estampado, 40$000; um
tinteiro de estanho, $080; um Cristo [valor não descrito]; um oratório de madeira
pintada com seis imagens, 3$000.321
O Reverendo Picanço tinha muitos dos bens semelhantes ao de D. Olimpia Paes de
Carvalho, principalmente em se tratando das louças e dos móveis. Fazia parte do seu espólio
as famosas cadeiras de palhinha, um canapé do mesmo material e cadeiras de pau pintadas
americanas. Realmente, os móveis que tinham encosto começavam a se tornar comuns, mas
não tão comuns como os simples banquinhos que eram muito usados nas casas dessa
Província, pois praticamente em todos os inventários vários desses banquinhos foram
320
Rua que ia do canto das Mercês a Travessa dos Mirandas. Cf. CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p. 84. A Rua
do Açougue é a atual Gaspar Viana.
321
CMA, Inventário de Thomas Nogueira Picanço, 1868. Caixa: 055.579.610.582.723.
133
avaliados, geralmente por um baixo valor. Para o serviço das refeições, além dos mesmos que
já havia no inventário do qual falamos anteriormente, podemos destacar os cabos para faca e
garfo com pesos em prata, as travessas de diversos tamanhos e uma tigela de lavar.
Através desses objetos, presumimos que o jantar tivesse um lugar especial na vida do
inventariado. Nos meados do XIX, "a mesa de comer ganhou um ambiente próprio, que lhe
foi exclusivamente destinado - a sala de jantar - transformada em ambiente imprescindível na
casa burguesa."322 Os talheres, por sua vez, "foram se fortalecendo como mediadores entre o
estado de natureza e o estado da cultura."323 O uso das travessas que desde o século XVIII até
a primeira metade do século XIX traduzia fartura, na medida em que nelas eram colocadas
uma grande profusão de alimentos, na segunda metade do XIX, "as travessas de alimentos
foram retiradas da mesa e depositada em aparadores ou em apoios laterais."324 Isso ocorreu
em função da mudança do jantar à la française para o serviço à la russe,325 que trouxe uma
revolução para o comportamento à mesa e todo o ritual do jantar.
A utilização da tigela com água para lavar as mãos também passou por
transformações. Até as primeiras décadas do oitocentos, mantinha-se um antigo costume de
enxaguar a boca após a refeição, que depois foi considerada uma prática desagradável. De
acordo com essa prática, no final do último prato servido traziam-se tigelas com água fria e
um copo de água quente no meio. Então, molhavam-se os dedos na água fria fazia-se um
gargarejo com a água quente e em seguida jogava-se a água do gargarejo na tigela novamente.
Com a introdução do novo serviço a la russe, as tigelas passaram a conter lavandas em que
deveriam ser mergulhadas rapidamente a ponta dos dedos, passando a ter esse ato "um caráter
mais ornamental e simbólico que propriamente utilitário."326
Não estamos querendo dizer com isso que o serviço de jantar da casa do revendo
obedecia cabalmente a essas regras. No entanto, considerando que o uso dos objetos
pressupõe práticas, a partir de uma relação entre o material e o sensível, podemos dizer que
havia um processo de assimilação em curso que poderia ser caricato, mas representava as
mudanças com a introdução de novos objetos na Província, e significava também a escolha do
322
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Op. Cit., p. 136.
Ibidem, p. 140.
324
Idem, p. 144.
325
O jantar à la française se consolidou na França no século XVIII e era marcado pela transmissão da impressão
de opulência e abundância. Para isso, a mesa precisava está carregada de alimentos e objetos decorativos
dispostos de maneira simétrica. Todos os aparatos do jantar eram colocados sobre a mesa. Esse modelo perdurou
até a primeira metade do século XIX, quando foi substituído pela jantar à la russe, que teve como principal
novidade o serviço de pratos em sucessão e não mais simultaneamente como antes. Cf. LIMA. Tânia Andrade.
Op. Cit., p. 141-144.
326
Ibidem, p. 148.
323
134
indivíduo por ter esses objetos e não tantos outros que poderiam ser adquiridos. Encontramos
também em meio aos objetos de uso comum, um objeto de uso pessoal, um estojo de navalha
de barba, o que aprofunda cada vez mais as noções de intimidade e individualidade da
sociedade, que aqui teve fortes reflexos.
Quanto aos objetos de iluminação, localizamos novamente os castiçais de prata que
estamos entendendo enquanto um objeto requintado. Há também uma variedade de mangas de
vidro e um lampião, o que pressupõe um bom investimento de 11$000 réis nesses objetos de
usos mais comuns. As mangas de vidro serviam para proteger as chamas das velas nos
castiçais, resguardando-as dos ventos e dos insetos. No caso do lampião, ele funcionava a
base de outros produtos importados, como por exemplo, os azeites de baleia, facilmente
encontrados na descrição das cargas dos navios.
O inventariado era dono de uma boa quantidade de livros, somando sessenta e três no
total. Na década de 1840 já se pode falar em leitura com um pouco mais de liberdade,
sobretudo a partir da criação da imprensa no Pará em 1822 com o jornal O Paraense.327 Em
1840 houve a criação da Biblioteca Pública de Belém, "que funcionava em uma das salas do
Colégio Paraense,"328 em 1857 fundou-se um Gabinete Português de Leitura e em 1867 foi
criado o Grêmio Literário Português, onde “os sócios ali encontrarão uma magnífica
bibliotheca de obras de instrucção e recreio, e os jornaes mais modernos da América e
Europa."329 Segundo Geraldo Mártires Coelho, os "jornais de Lisboa e do Porto, chegados em
regime de assinatura, conferiam um sentido cosmopolita as leituras."330 Para além desses
lugares de sociabilidade,
(...) a partir de 1850, no Brasil, 'sentia-se a prosperidade no ar, a cultura se
aprimorava (...) em um ritmo superior ao da década anterior', o que corroborou para
a expansão do mercado livreiro. Observou-se a expansão do livro por todo o
território nacional. No Rio de Janeiro, livreiros como Laemmert e Garnier se
definiam como grandes editores. Em outras províncias como a do Pará, percebeu-se,
nesse mesmo período, a veiculação de jornais diários pela primeira vez em sua
história. Livreiros portugueses e brasileiros se estabeleceram, fazendo concorrência
às livrarias religiosas que existiam até então – uma de religiosos do Convento de
Santo Antonio e a outra de religiosos Carmelitas.331
Não são descritos nos inventários de Thomas Nogueira Picanço os títulos das obras
de sua propriedade. No entanto, pela sua formação religiosa supomos que boa parte desses
327
COELHO, Geraldo Mártires (1989). Op. Cit.
NOBRE, Izenete Garcia. Op. Cit., p. 90.
329
Diário do Gram-Pará, 22 de setembro de 1858, n. 215, p. 3.
330
COELHO, Geraldo Mártires, (2005b). Op. Cit., p. 360.
331
NOBRE, Izenete Garcia. Op. Cit., p. 22.
328
135
livros, se não todos, poderiam ter um caráter menos laico, ainda mais considerando a
existência de duas livrarias religiosas na capital. Por outro lado, poderia também ter
desfrutado de outras leituras ainda que não fossem tão difundidas antes de 1850. De qualquer
modo, ter uma pequena biblioteca particular em casa não era prática muito corriqueira na
primeira metade do XIX.
Se analisarmos o caso do juiz João Batista Passos, sendo o seu inventário já de 1869,
percebemos a variedade de obras que ele possuía, a maior parte delas voltada para o
conhecimento do Direito. Por ser a formação em Direto recente no Brasil, possivelmente a
maior parte desses livros era importada, importação esta possibilitada pelos novos meios de
divulgação amplamente incrementados na Província. Mas do que analisar o conteúdo do livro,
o que mais importa é entender o significado da prática da leitura naquele momento para
aquela sociedade, assim como "o livro como um objeto cultural repleto de usos e significados
construídos historicamente."332 Dessa maneira, "a leitura é sempre uma prática encarnada em
gestos, em espaços, em hábitos,"333 e naquele contexto foi apropriada por uma pequena
camada letrada.
Podemos também destacar o realejo musical com relógio estampado e o violão
presentes na casa do inventariado. O primeiro, produto da indústria portuguesa, não era um
produto considerado trivial, encontrado em somente dois dos inventários levantados. O
segundo considerado mais comum e amplamente difundido no comércio da capital. No
inventário de D. Angela Penna da Rocha,334 esposa de um importante comerciante da capital,
constava inúmeros instrumentos musicais, bem como seus acessórios.
Ela tinha vários contos de réis investidos nesses objetos que pertenciam à loja como,
por exemplo, quatro violões franceses de jacarandá, três violões franceses amarelos, trezentas
e onze dúzias de cordas de ré para violão, trezentas dúzias de cordas de lá para violão, cento e
vinte e três dúzias de cordas de mi para violão e dezesseis métodos de violão, dez dúzias de
cordas para violoncelo, cento e cinquenta e nove cavalhetes para violão e rabeca, quatrocentos
e cinquenta cravos para violão e cento e dez dúzias de bordões sortidos para violão. Nessa loja
havia uma infinidade de produtos voltados para a música. Eram flautins, flautas, cavaquinhos,
clarinetes, rabeca, saxofone, bem como toda sorte de adicionais que para eles fossem
necessários. Mesmo com o aumento na aquisição de pianos, o uso de outros instrumentos,
332
Ibidem, p. 19.
CHARTIER, Roger. Comunidade de Leitores. In: CHARTIER, Roger. A ordem dos Livros: leitores, autores
e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 13.
334
CMA, Inventário de Angela Penna da Rocha, 1865. Caixa: 400.965.140.112.313.
333
136
entre eles os violões continuaram fortemente arraigados na Província, como já havia
destacado Bates. Abaixo um estabelecimento que contém artigos variados.
Figura 6 - Estabelecimento de um sapateiro em Belém, 1862
Fonte: Biard. Une boutique au Pará, 1862.335
Acima, vemos um indivíduo desenvolvendo a atividade de sapateiro. É uma
fotografia que data do ano de 1862. A imagem mostra vários objetos pendurados e dispostos
nas paredes da loja como se fossem objetos de ornamento ou decoração, entre eles um violão
e um saxofone, o que demonstra a presença marcante desses objetos na capital da Província.
Além de ter registrado através de imagem, o viajante Francês François Biard em uma das suas
narrativas disse se referindo a Belém: "encontram-se aqui objetos os mais disparatados numa
mesma loja, eram "sapatos ou guarda-chuvas onde se vende tabaco" e "um sapateiro expõe a
venda também licor Chartreuse, violão e papagaios.336 Corroborando esta tendência Alfred
Wallace falava que os negócios eram "providos de uma miscelânea de artigos."337
335
Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/002856-076.
BIARD, François Auguste. Op. Cit., p. 132.
337
MELLO-LEITÃO, Cândido de. Op. Cit., p. 28.
336
137
Por último, ressaltamos no inventário do reverendo Picanço os objetos religiosos
como imagens e oratórios, e nem poderiam faltar por causa da sua função religiosa. Por outro
lado, o uso dos objetos sagrados no período em que estamos analisando, eram muito comuns
por pessoas de camadas sociais diferenciadas, o que muda geralmente é o material com que
eram fabricados, que poderia ser de barro, de madeira, ou até de prata e ouro.
São vários os emblemas religiosos que se mostravam presentes nas casas das
famílias belemenses, porém nenhum deles era tão marcante quanto a presença dos
oratórios particulares. Este móvel sacro ocupava um espaço de destaque na casa,
geralmente a sala era um campo destinado para a instalação dos oratórios, porém o
quarto ou cômodos específicos também foram destinados em moradias para estes
móveis.338
Nos inventários analisados dos grupos os abastados e os mais abastados existiam
seis oratórios. No entanto, muitos que não dispunham de um oratório em casa tinham outros
objetos sacros relacionados aos muitos santos de devoção. Eram comuns imagens de Santo
Antonio, São João, Santa Luzia, Nossa senhora da Conceição, muitas delas com resplendor ou
coroa de prata ou de ouro. Essas imagens importadas eram constantes na descrição das cargas
das embarcações e nos inventários, sendo de grande importância na vida da Província, que
ainda se mantinha interrelacionada com a antiga Metrópole, tanto que Portugal era de onde
mais se importava os oratórios e os artigos religiosos em geral. Luiz Mott, se referindo ao
oratório, afirma que ele era uma "espécie de relicário".339 Portanto, de menor ou maior valor,
os objetos religiosos tinham uma importância para a maior parte da população que se
mantinha fiel aos preceitos da fé cristã difundida na colônia.
D. Maria Pimenta Boeno, foi casada com Manoel Antonio Pimenta Boeno, capitão
da Guarda Nacional, era "Moço Fidalgo da Casa Real de S. M. F., Official da Imperial Ordem
da Rosa, Cavalheiro da Ordem de Christo e Coordenador da Real Ordem da Conceição de
Villa-Viçosa de Portugal."340 Ele também foi o fundador da praça do comércio do Pará em
1864, e seu primeiro presidente, eleito em 1867 e reeleito em 1868.341 Dono de uma fortuna
de 9868,76 libras (97:872$000) e sem nenhuma dívida a pagar, como cabeça de casal, após a
morte da sua esposa, ele inventariou muitos bens de uso privado e/ou público.
338
GUIMARÃES, Luiz Antonio Valente. Op. Cit., p. 168.
MOTT, Luiz. Cotidiano e vivencia religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Melo. História
da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 164.
340
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1869.
341
CRUZ, Ernesto (1996). Op. Cit.
339
138
uma salva grande com quarenta e seis oitavas de prata, 90$400; uma salva pequena
com o peso de sessenta e seis oitavas de prata, 30$400; duas salvas de casquinha,
20$000; um paliteiro com o peso de setenta e quatro oitavas de prata, 29$600; um
paliteiro com o peso de cinqüenta oitavas de prata, 20$000; dois pares de castiçais
altos de metal branco, 40$000; um faqueiro com doze colheres para sopa, doze
garfos, uma concha, uma colher para tirar arroz, tudo de latão galvaniado a prata,
50$000; seis colheres pequenas para chá, 10$500; um bule de prata com noventa e
duas oitavas, 30$000; uma cafeteira com o peso de oitenta e quatro oitavas de prata,
25$000; três lamparinas, 20$000; um relógio para cima da mesa, 12$000; uma
mobília para sala de jantar com todos os seus pertences em bom estado, 800$000;
uma mobília completa de sala, 800$000; uma mobília mais inferior de sala de
espera, 400$000; um piano em bom estado, 900$000.
Uma parte considerável da fortuna de D. Maria Pimenta Bueno estava investida nos
bens da sua casa na Rua Nazareth nº 12. Pelos objetos, percebemos que os cômodos da casa
eram bem divididos, pois havia sala de jantar, uma outra sala e, ainda, a sala de espera. Essa
estrutura da casa pressupõe o uso de objetos específicos para cada espaço, o que é uma
característica própria das casas mais abastadas da segunda metade do século XIX e, reverbera
o poder econômico e social daqueles que podem possuir esse tipo de moradia, o que também
está relacionado com o processo contínuo de higienização dos costumes.342 É possível compor
um cenário por meio da reflexão a partir de fragmentos da cultura material.
A diferenciação entre os cômodos da sala, pressupõe o uso de objetos adequados
para cada espaço. Os valores despendidos com mobília evidenciam que para cada divisão da
casa contavam seus objetos específicos. Essa é uma concepção própria do oitocentos, em que
os cômodos da casa, bem como suas decorações, sobretudo os de uso não privativo, como é o
caso das salas, demonstram o lugar social da família na sociedade, por ser um lugar observado
pelas visitas.
Trataremos agora da segunda categoria mais constante nos inventários, isto é, as
indumentárias e as joias. Essa categoria compreende toda espécie de adorno para roupas e
pessoas, tecidos, linhas, enfim, tudo que pode está relacionado ao vestuário e a qualquer tipo
de acessório de uso individual. Essa reflexão tem a ver com os modismos difundidos a partir
de 1840 e, portanto, com o que poderia ser considerado de luxo, mas também com o que
passou a ser usual partindo de necessidades básicas, como vestir, por exemplo.
Abordaremos, principalmente, o vestuário considerando não somente as roupas
prontas, mas os materiais importados para fabricação, tais como os tecidos e as linhas. A
indumentária seria, neste caso, não somente os objetos que servem para vestir o corpo, mas
todos os elementos que compõem o todo apresentável socialmente, isso inclui os chapéus e os
lenços. No que diz respeito as joias, discutiremos os objetos de ouro e prata que serviam para
342
ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. A higienização dos costumes. São Paulo: Fapesp, 2003.
139
adornar tanto as pessoas quanto as roupas. O sentido da discussão perpassa pela compreensão
dos objetos, enquanto uma expressão da moda, como um símbolo de modernidade, embora
seja necessário reiterar que nem todo objeto importado é um símbolo de distinção social.343
(...) a moda a partir do século XIX tornou-se uma extensão do ethos social na
moderna urbe. Através da sucessão de estilos de roupa gerados ao longo do século,
podemos “ler” a realidade social e o universo cultural das gerações que se seguiram
no decurso do mesmo. Isso é possível porque a roupa, na categoria de composição
indumentária, é composta em sua forma e significado por símbolos que representam
a evolução das sociedades. Por ela podemos observar as mudanças ocorridas nos
papéis sociais, na vida pública e privada dos indivíduos, assim como perceber a
importância adquirida pelo corpo e sua ornamentação nas sociedades complexas,
sobretudo a partir do contexto social do século XIX".344
É nesse contexto social, de mudanças dos meados do XIX, que o Pará adquire novos
hábitos de consumo, a partir das importações internacionais. O inventário de Francisco de
Paula Coelho, comerciante local, é elucidativo desse novo cenário cultural, experimentado
antes mesmo de a borracha tomar o primeiro lugar na pauta das exportações. Na loja dele,
tinham muitos objetos de uso público e/ou privado, mas o que queremos destacar são os
objetos ligados ao vestuário, sendo que a maior parte das mercadorias eram os tecidos.
Os têxteis, especialmente os artigos de algodão eram os principais artigos importados
sendo que, em meados do século XIX, eles representavam três quartos de suas exportações
para o Brasil, e foram responsáveis por mais de 65% das importações brasileiras da GrãBretanha até 1870.345 Os dados da Alfândega do Pará apontam na década de 1840 que a
importação de tecidos e outras manufaturas de algodão, lã, linho e seda tiveram um
incremento importante, pois eles no ano de 1841 representavam mais de 54% de tudo o que
era importado da Inglaterra.346
Os tecidos eram sarjão, cassa, bretanha, riscados, brim branco, brim de cor, dril
branco, chita, zuarte e cambraia. Na loja da já citada D. Angela Penna da Rocha não
encontramos somente aqueles objetos ligados a música como também seiscentas e vinte e
343
Reduzir a história da moda a apenas a apenas um símbolo de distinção social teria conduzido a temática a um
enfoque empobrecedor, quando na verdade ela teria surgido relacionada a dois valores fundamentais da
modernidade: a importância do novo e a expressão da individualidade. Nesse caso, "a moda não é mais um efeito
estético, um acessório da sua vida coletiva; é sua pedra angular. Ver LIPOVETSKY (1989), apud ALMEIDA,
Adilson José de. Indumentária e moda: seleção bibliográfica em português. In: Anais do Museu Paulista: São
Paulo, v. 1, 1995, p. 251-297.
344
BRANDINI, Valéria. Moda, Comunicação e Modernidade no século XIX. A fabricação sociocultural da
imagem pública pela moda na era da industrialização. Revista Interin. Paraná, n. 6, 2008, p. 14.
345
GRAHAM, Richard (2004). Op. Cit.
346
Collecção de mappas estatisticos do commercio e navegação do Imperio do Brasil no anno financeiro de
[1841-1842]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848.
140
quatro gardas de chita em retalhos, sete peças de riscado azul e branco, duas peças de dril
azul, doze peças de pano americano, dez peças de riscado forte, uma peça de riscado xadrez,
quatrocentos e vinte côvados de seda branca, trinta e oito côvados de seda preta lavrada, três
cortes de lãzinha, sete peças de merinó setim, cinquenta e nove côvados de dril branco, vinte e
três varas de chita preta, nove côvados de casemira, treze varas de bobinete, duzentas e
noventa varas de cambraia de linha de cor, duzentas e quarenta varas de renda, cento e onze
côvados de chaly, sete peças de ganga adamascada, bem como toda sorte de linhas e materiais
para o fabrico das roupas.347 A lista de tecidos na loja dessa inventariada era vastíssima, como
também houve o arrolamento de algumas roupas prontas como camisas, calças e sobrepeles.
De acordo com a descrição dos tecidos neste estabelecimento comercial, achamos
aproximadamente duzentas referências a tecidos com suas respectivas medidas, vários deles
com a expressa menção a origem, tais como: três peças de morim francês, quatro peças de
morim inglês, quarenta e oito gardas de pano americano enfestado, sessenta e duas gardas e
meia de pano americano grosso, trinta e cinco côvados de linho francês, duas dúzias de
riscadinho francês, entre outros. Pela quantidade e variedade dos tecidos encontrados nos
inventários, afirmamos que a Província era um mercado consumidor em expansão assíduo das
mercadorias produzidas no contexto internacional, sobretudo em Inglaterra, Portugal, França e
Estados Unidos. Essas informações reiteram a proeminência da indústria têxtil no mercado de
luxo anglo-americano.
Fáceis de transportar e confeccionados com matérias-primas raras e preciosas como
fios de metal e seda, os tecidos eram os símbolos de riqueza e poder dos príncipes
do medievo europeu, período marcado pela forte mobilidade espacial das cortes. A
partir do final do século XVIII, os tecidos estiveram no centro das transformações na
estrutura da produção, foram alvo de investimentos tecnológicos e objetivo da
criatividade artística. Durante o século XIX, a fascinação que os tecidos
adamascados produziam explicava-se justamente pela sua inserção ambivalente no
mercado, ou seja, a industrialização baixara custos e tornara acessível uma
mercadoria que lograra manter a força aurática do objeto luxuoso.348
A maior parte desses tecidos citados estão ligados a esse mercado têxtil de luxo e a
moda, ambos interligados a elementos fundamentais para o vestuário como são os tecidos.
Segundo Roche, utilizando as palavras de um estudioso da evolução das vestimentas, "o
vestuário é submetido à lei do progresso e as modas se sucedem com uma continuidade quase
perfeita."349 Assim, como os outros produtos que a Província do Pará importava, os tecidos
347
Na loja do comerciante Francisco Antonio de Almeida Braga, encontramos muitos desses mesmo objetos.
CMA, Inventário de Francisco Antonio de Almeida Braga, 1866. Caixa: 400. 965. 140. 112. 313.
348
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Op. Cit. p. 26.
349
ROCHE, Daniel. Op. Cit, p. 256.
141
também passaram por uma construção de sentido social e simbólico, que em Belém foi muito
propiciado pela difusão da imprensa e seus modos de divulgação de ideias. Imagens como
estas passaram a ser correntes nos periódicos pós década de 1840, acentuando-se a partir de
1850, sendo as fazendas um dos fortes produtos concorrentes de venda no comércio local.
Figura 7 - Anúncio de vendas de tecidos
Fonte: Treze de maio, 6 de janeiro de 1855, n. 432, p. 4.
Nesse contexto, a moda passa a se orientar pela busca de novas demandas
consumidoras. Para isso, se reportam a boa qualidade do produto e o valor do mesmo, como
se pode visualizar no anúncio acima. Assim, "a moda aprendeu a jogar com todas as
possibilidades de linguagem para acelerar o consumo",350 compreendendo uma multiplicidade
de sentidos que ultrapassam em muito o vestuário como utilidade ou necessidade e os
mesclam à ideia do luxo, do requinte, do que se tem de melhor do outro lado do Atlântico.
O luxo distingue os objetos inúteis e raros dos objetos ordinários, "cuja função
decorre da sua capacidade, socialmente atribuída, de produzir valores e sentidos"351 que, neste
caso, é estético. Logo, o vestuário seria um sistema de comunicação e, portanto, uma
linguagem, que se apresenta com clareza no que Barthes chamou de moda escrita, encontrada
com frequência nos periódicos.352 Os relatos dos jornais se correlacionam com as informações
350
Ibidem, p. 257.
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Op. Cit. p. 25.
352
BARTHES, R. Sistema da moda. São Paulo: EDUSP, 1979. Barthes destacou três tipos de análises
considerando o vestuário como um elemento da moda. Seria o vestuário escrito, composto por palavras em
relação sintática (estrutura verbal), o vestuário imagem, considerando as formas, linhas e cores (estrutura
icônica) e o vestuário real em que o produto depende das fases de sua fabricação, como o corte, a costura
(estrutura tecnológica).
351
142
dos viajantes. Bates ao mencionar uma procissão, ocasião especial na capital da Província
conta que
As mulheres são sempre em grande número, com os bastos cabelos negros
enfeitados de jasmins, orquídeas brancas e outras flores tropicais (...) Vestem-se
com os costumados atavios dos dias de festa, com blusas de gaze e saias de seda
preta (...).353
Não sabemos se o narrador se referia a mulheres abastadas ou não, mas as roupas de
gaze e seda eram muito utilizadas em ocasiões especiais. Outros símbolos que adentraram
com rapidez no cotidiano dos mais abastados e que ainda fazem parte da indumentária
compondo o que designamos de todo apresentável socialmente foram as meias, os lenços, os
chapéus e uma série de quinquilharias que serviam para completar o vestuário ou adornar os
indivíduos, notavelmente, em situação de aparições públicas ou convívio social.
Naquele mesmo comércio dos tecidos, que é o mesmo daquele dos objetos musicais,
estavam vinte e quatro dúzias de lenços brancos, treze dúzias de meias para homens, nove
dúzia de gravatas, quinze enfeites para senhora, quarenta pares de luvas, cinco dúzias de
meias para crianças, doze peças de fitas lisas, seis peças de fitas lavradas, trinta e seis grosas
de botões de ágata, vinte e nove dúzias de lenços sortidos, dez dúzias de lenços brancos de
linho, vinte e sete chapéus de sol de seda e tantos outros complementos do vestuário que
poderiam ser citados repetidas vezes em vários dos inventários selecionados. Esses adereços,
ao que tudo indica, passaram a compor a vida material dos indivíduos mais endinheirados. Em
1859, Bates descreve como as moças brancas costumavam vestir-se no domingo em
contraposição ao vestuário das moças tapuias.
Os rapazes vieram endomingados para ver as moças que iam de chapéu de seda, para
a igreja [...] entre as damas mais ou menos brancas, contrastavam maravilhosamente
com as moças espartilhadas as fuscas tapuias, que, com as leves anáguas e as
camisas brancas flutuantes, circulavam dum lado para outro.354
O uso do chapéu de seda era um diferencial das moças abastadas em relação as
classes mais inferiores economicamente. Apesar disso, era apenas um dos ornatos entre
muitos outros de origem europeia que passou a ser consumido no Norte do Brasil, juntamente
com um vestuário, simples, sem rebuscamentos, fabricados com os tecidos mais simples e
mais baratos. Ainda que seja forte a influência dos modismos europeus, "as maneiras de se
vestir evoluíram segundo seus ritmos próprios," sendo que elas não dependeram apenas da
353
354
BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 45.
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Op. Cit., p. 80
143
história das modas, "pois a sociedade moderna veria coexistirem classes e maneiras mais ou
menos tocadas pela mobilidade."355 Todavia, os que ascenderam por meio das atividades
agrícolas, extrativistas ou mercantis, ou os que eram descendentes de famílias já privilegiadas
desde a colônia podiam trajar-se à moda Europeia. O francês François Auguste Biard ao
descrever a maneira que se trajou para encontrar o presidente da Província durante a sua
permanência em Belém, deixa evidente alguns elementos próprios do modo europeu de se
vestir, e como essa era uma prática recorrente nesta Província.
Meu vizinho de quarto me levou um dia com ele a visitar o presidente da província e
para tal metí-me na roupa preta, solenemente. O sacrifício aqui era maior do que no
Rio, pois nos achávamos em cima da linha do equador e malgrado o bom exemplo
do povo da terra em se mostrar vestido à Europeia, aparecem igualmente nas ruas
todos de branco sem se envergonhar do indumento [...]. Contudo, para ir à presença
do presidente, uma espécie de vice-rei [...]. Meu maior inimigo teria sentido piedade
de mim ao me ver, em pleno meio-dia, com um sol bem alto, meter-me no traje de
casimira [...] colete de seda e gravata branca, ajeitados com um trabalho enorme.
Quando quis enfiar as luvas, elas estouraram por todos os lados, o que foi muito bem
feito, porque entre os conselhos que me haviam dado ao partir para aqui, e dos quais
motejara a princípio, existia o de usar luvas costuradas com linha e não seda, pois
esta com o calor se partiía facilmente. De uma dúzia de pares possuídos apenas uma
pode mais ou menos me servir; calcei a menos estragada e enrolei a outra na mão
com que deveria pegar o chapéu, esse chapéu a me apertar as têmporas e me fazer
suar horrivelmente. Meu companheiro, no entanto, mostrava-se ufano: ele estava a
gosto com suas calças, suas polainas e seus suspensórios.356
O francês ao usar roupas de casimira, colete de seda, gravata branca, luvas e chapéu,
sentiu um extremo desconforto em função do clima local. Aquilo lhes parecia um tanto
estranho, o que lhe fez ter inveja do seu companheiro que se vestiu de forma menos
ostentatória, parecia já um tanto comum na capital do Pará. Esse modo de vestir, ainda que
aos olhos do próprio europeu soasse estranho e inapropriado para uma região tropical, buscou
atrair diversos gostos e um público o mais variado possível, considerando as questões de sexo
e idade. Isso se reflete na busca por um público masculino e feminino, que abrangesse
homens, mulheres e crianças nas suas especificidades.
355
356
ROCHE, Daniel. Op. Cit, p. 257.
BIARD, François Auguste. Op. Cit., p. 133-34
144
Figura 8 - Anúncio do Bazar Paraense
Fonte: Jornal Treze de maio, 16 de fevereiro de 1861, n. 4, p. 8.
O recorte de jornal acima mostra que os produtos eram propagandeados se fazendo
menção ao sexo. O desejo de alcançar a satisfação, sobretudo do sexo feminino, parecia ser
preponderante, não apenas por parte dos apelos publicitários como também dos homens, que
passaram a representar o seu poder monetário e social através da ostentação das vestes de
esposas, mães e filhas.357 Aliás, essa é uma característica primordial dos meados do
oitocentos. João Affonso do Nascimento, maranhense, estudioso da moda, ao escrever um
livro sobre esse tema para comemorar o tricentenário da cidade de Belém em 1916, afirmou
ao tratar do vestuário masculino:
(...) uniforme monótono, sem estética, sem pitoresco, sem graça, com o único
préstimo de servir de contraste para realçar a elegância, a arte, a esbelteza do sexo
feminino.
357
BRANDINI, Valéria. Op. Cit., p. 3.
145
Para ele, no primeiro quartel do século XIX o traje masculino estagnou. Segundo ele,
"o trajo do homem civilizado fixou-se para sempre e nunca mais variou". As peças que
compunham o vestuário masculino eram casaca, sobrecasaca, fraque, paletó de gola aberta ou
fechada, coletes autos ou decotados, camisa branca ou de cor, gravata de dar laço ou de laço
feito, calça de boca de sino ou de boca estreita, chapéu, botina, borzeguim ou sapato, bengala
grossa ou fina, guarda chuva ou chapéu de sol, "em suma, 'mutatis, mutandis, o mesmo
fraque, o mesmo colete, a mesma calça, o mesmo chapéu, a mesma botina".358 Abaixo uma
imagem representando a forma de vestimenta dos meados do século XIX.
Figura 9 - Vestuário Masculino no ano de 1850
NASCIMENTO, João Affonso. Três séculos de moda. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976.
Para o autor de uma cultura que considerava de pura influência estrangeira, e
especialmente afrancesada pelo gosto estético, ele mostrava um expresso descrédito pelo
modo de vestir-se da primeira metade do século XIX. Antes, preferia o elegante século XVIII
e classificava os anos entre 1830 e 1850 como quase de completa estagnação em se tratando
de modas.359 João Afonso de Miranda criticava esse modo de vestir classificando como pouco
elegante e simplório.
358
359
NASCIMENTO, João Affonso. Três séculos de moda. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976, p.130.
Ibidem, p. 135.
146
Em 1850, na França, a moda teria dado seus primeiros sinais de mudança, sobretudo
o vestuário feminino. A moda teria sacudido a apatia em que há muito tempo se imobilizara, e
começaram a aparecer novas criações. De acordo com João Affonso, os triunfos militares, o
desenvolvimento da riqueza pública, os recentes embelezamentos da cidade forneceram temas
para as novidades nos tecidos e enfeites. A imagem do vestuário feminino abaixo demonstra
essas mudanças visualizadas pelo estudioso da moda.
Figura 10 - Vestuário Feminino no ano de 1850
NASCIMENTO, João Affonso. Três séculos de moda. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1976.
Utilizando o drama "A dama das Camélias" para falar dos elementos da moda então
emergente, destacando a preocupação da peça com a cor local e o vestuário da época, ele
descreve a forma como estava vestida a personagem principal, Margarida Gautier. Ela vestia
roupas com mangas curtas, "ampla saia de setim coberta de rendas filós bordados toucado de
plumas e fios de pérola sobre fartos bandós negligentemente caído sobre as orelhas"360
formavam uma legítima representação do estado de alma da sociedade francesa naquele
momento histórico.
360
Idem, p. 136.
147
No entanto, os anos posteriores, segundo João Affonso, seriam marcados por um
profundo exagero em matéria de modas, causada pela ambição dos modistas. O excesso de
panos nas roupas era tamanho, "cuja extensão mal permitiria a três damas sentadas ocupar a
saleta de uma casa." Dessa maneira, "a vintena de 50 a 70 encaminhava-se a largos passos
para os mais absurdos disparates" em que o "mau gosto campeia triunfante".361 Afora o
próprio gosto do autor, a partir da sua concepção de moda, observemos que esses poucos ou
mais exagerados trajes estiveram presentes na Província. Podemos inferir isso por causa dos
objetos materiais que neste porto chegaram e passaram a compor a fortuna de uma parte da
população, isto é, os tecidos mais finos e muitos tipos de adornos que compunham o vestuário
belenense à moda europeia, sobretudo francesa. O recorte de jornal abaixo mostra o anúncio
da loja Cidade de Paris, que recorria à referência francesa no oferecimento de produtos vindos
de portos europeus.
Figura 11 - Anúncio de venda de calçados
Fonte: Gazeta Official, 9 de outubro de 1858, n. 126, p. 4.
O nome da loja já é uma referência à incorporação da moda francesa, embora
também se tivesse oferecendo produtos portugueses. Mas não é o vestuário a única expressão
da moda. As joias também se tornaram um símbolo ostentatório de riqueza. Na descrição das
cargas dos navios encontramos ouro, contas, contas de ouro, contas marítimas, objetos de
prata, contas de vidro, adereços de contas, relógios, relógio de ouro e prata, relógio de
algibeira, pulseiras, brincos, braceletes, bijuteria, coral (corais), coralina e cordão. Parte
considerável das joias usada na Província era importada, quando não vinha o produto
361
Idem, p. 137-138.
148
acabado, pronto para o uso, chegava a matéria prima para ser manuseada através do trabalho
de ourivesaria existente em várias partes da cidade.
O casal Manoel da Conceição Pereira de Castro e Maria Leocadia da Conceição
Castro, donos de uma fortuna de 1426,74 libras (18:213$680) tiveram algumas joias
inventariadas.362 Era uma corrente de relógio, um trancelim pesando dez oitavas, um anel
pesando cinco oitavas e quatorze grãos, um cordão pequeno com uma santa Lígia e dois pares
de brincos pesando duas e meia oitavas. Um cordão com crucifixo pesando trinta e sete
oitavas, avaliado em 148$000 e um relógio de ouro de algibeira no valor de 80$000 eram os
itens mais caros.
Antonio José da Silva Neves, com fortuna de 1044,97 libras (9:361$000), possuía
dois cordões de ouro, três alfinetes de ouro, o primeiro e segundo pesando meia e o terceiro
uma oitava de ouro, um trancelim de ouro com o peso de duas oitavas, um anelão de ouro
pesando duas e meia oitavas, uma banda de botão de ouro com o peso de uma oitava, uma
banda de pulseira, entre outros. Poderíamos enumerar uma lista de inventariados que durante
sua vida deram importância a este tipo de objeto material, fosse de ouro ou de prata, com
diamantes, com mais ou menos detalhes. Bates observou em 1851 que todos os homens de
posição e a maioria das senhoras usam relógios e correntes de ouro."363
É notório que com a Revolução Industrial, o gosto pelo luxo, além do vestuário, foi
representado pelas inúmeras joias feitas com diamantes e outras riquezas. As joalherias foram,
intensificadamente, tomando seu espaço frente ao mercado em expansão nos países excolonizados. De tal modo como as roupas, os adornos, as joias também tiveram espaço nos
anúncios publicitários da Província.
O anúncio abaixo, publicado em 1858, trata de um sortimento de joias vindo da
Europa. O apelo publicitário se faz utilizando o país de origem dos objetos oferecidos, bem
como a variedade desses objetos. A variedade de itens oferecidos também ajuda no conjunto
do discurso sobre o objeto,364 criando uma mensagem publicitária que age por meio do
convencimento de um público maior possível. Além disso, as imagens do anúncio também
podem chamar atenção do consumidor sobre os artigos disponíveis naquele negócio
específico.
362
CMA, Inventário de Manoel da Conceição Pereira de Castro e Maria Leocadia da Conceição Castro, 1869.
Caixa: 275.117.268.240.697.
363
BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 141
364
Baudrillard, Jean. O sistema dos objetos. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 173.
149
Figura 12 - Divulgação de venda de joias
Fonte: Gazeta Official, 18 de setembro de 1858, n. 108, p. 4.
A loja de Guelfe Freire, localizada na Rua Nova de Sant'Anna divulgava seus
serviços de joalheiro, fabricante e dourador e, oferecia relógios, adereços e obras de prata em
geral, além de joias de ouro e pedras preciosas. A medida que esse público fosse sendo
alcançado novos elementos da cultura material iam se tornando símbolo dessas camadas
sociais mais favorecidas.
Até este momento tratamos de alguns objetos que fazem aflorar à memória o luxo, o
requinte, a moda presentes na Província em meados do XIX. A partir de agora
mencionaremos as categorias, que não estavam diretamente relacionadas ao cenário crescente
de uma relativa opulência, mas também fizeram com que Belém se tornasse uma cidade com
uma ambiência cosmopolita, por serem também produtos estrangeiros. Faremos aqui uma
pequena abordagem acerca dos objetos de trabalho e negócios, dos equipamentos e outros
que categorizamos como diversos.
150
Os objetos de trabalho e negócios mais encontrados nos inventários foram
armamentos e munições, materiais para imprensa, metais e ligas metálicas, moedas, papéis em
geral, utensílios de costura, utensílios de ferreiro e ferragens, materiais para construção de
casas e ruas, mas os que se sobressaíram foram os objetos para a atividade de marcenaria e
carpintaria. Nesta categoria, há uma predominância das matérias primas para a fabricação de
algum objeto. Com exceção das armas e munições, das moedas, os objetos de trabalho e
negócio serviam para suprir as necessidades nas fábricas e oficinas na Província.
Em 1859 Belém contava com 744 casas de comércio, que incluíam 251 tabernas, 209
lojas diversas, 95 armazéns, 43 oficinas, 30 açougues, 15 padarias, 11 fábricas, 5 boticas, 4
tipografias, e outros 81 estabelecimentos comerciais como hotéis, cartórios, escritórios,
estâncias, quitandas, saboarias e barbearias.365 Parte significativa dos produtos importados
iam para estes estabelecimentos, tais como os papéis para as tipografias, as tesouras e linhas
para as alfaiatarias, as navalhas para as barbearias, as fateixas para os açougues, os metais e
ligas para os fundidores, os martelos e foles para os ferreiros ou marceneiros. Esses são
exemplos que demonstram o valor dos importados, fosse nas maiores casas comerciais ou nas
menores fábricas e oficinas. Encontramos muitos desses objetos nos inventários.
Na loja do comerciante Francisco Antonio de Almeida Braga tinha para vender
quatro mil espoletas, um quintal de chumbo em grão, oito fuzis, trinta e sete e meia libras de
pólvora, um barril com pólvora, seis oitavas de prata, uma resma de papel de peso, quatro
resmas de papel almaço de algodão, um milheiro de agulhas, ferragem, vinte e oito libras de
peso de ferro, trinta e cinco arroubas e vinte e três libras de ferro, um milheiro de telhas, e
vinte libras de pregos americanos.366
No inventário de Maria do Carmo Lopes listamos uma bigorna, quatro martelos para
ferreiro, um fole pequeno, quarenta e oito libras em peso de ferro e três armas.367 Não dá para
saber, a partir dos objetos de trabalhos descritos, com qual atividade a família da inventariada
estava envolvida. Os instrumentos de trabalho, geralmente, não dão conta de explicar a
profissão do inventariado. A presença desses objetos pode apenas indicar que existiam para o
caso de uma eventual necessidade, que poderia ser, inclusive, doméstica ou mapear algumas
atividades desenvolvidas na Província. No caso do tenente coronel João da Pontes e Souza,
que tinha um monte-mor de 4464,34 libras (39:391$240), o único objeto de trabalho que se
365
Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia do Pará na segunda sessão da XI legislatura pelo Exmo
Snr. tenente coronel Manoel de Frias e Vasconcellos, presidente da mesma provincia, em 1 de outubro de 1859.
Pará, Typ. Commercial de A.J.R. Guimarães, p. 117.
366
CMA, Inventário de Francisco Antonio de Almeida Braga, 1866. Caixa: 400. 965. 140. 112. 313.
367
CMA, Inventário de Maria do Carmo Lopes, 1842. Caixa: 575.547.575.547.618.
151
relacionava com a atividade que desenvolvia era um par de dragonas para tenente coronel. Os
outros eram três grades de ferro para janela, quinhentos e noventa e nove alqueires de cal, e
um forno de cozer cal.368
Quanto aos equipamentos, foram arrolados nos inventários machados, enxadas,
foices, terçados importados em grande medida da Inglaterra. Mesmo sabendo que os
equipamentos poderiam ter sido inclusos no item trabalho e negócios, optamos por deixá-los
separados por não termos os incluídos em uma atividade particular, como foi o caso dos
utensílios para marceneiros e ferreiros. Os equipamentos são objetos que nem sempre podem
ser enquadrados por uma função específica, por isso preferimos criar essa categoria a parte.
Ainda no que se refere aos equipamentos, além dos machados, foices, enxadas,
destacaram-se, nos inventários, maquinarias diversas como alambiques com suas competentes
serpentinas, moinhos, escaroçadores de algodão, fiares e outros dessa natureza, sendo todos
produtos despachados na Alfândega do Pará para o comércio local. Estes objetos eram
comuns entre os inventariados que tinham sítios nos arredores da capital da Província. Um
exemplo deles é o de Antonio José Antunes de Souza, pois fora sua casa de sobrado na Rua
do Norte, número 24, ele tinha um sítio denominado Carmelo. Nele tinha alguns
equipamentos, entre eles duas máquinas de escaroçar algodão, um no valor de 16$000 e o
outro 50$000.369 Mas, a posse desses equipamentos, entre os abastados e os mais abastados,
era rarefeita nos inventários pesquisados. Esses produtos estavam muito mais ligados à
necessidade, ao contrário dos bens da casa e das indumentárias que, em sem maioria, eram
símbolos de prestígio social.
III.III. Os não abastados também consumiam
A importação, a partir de 1840, teve uma entrada na Província cada vez mais intensa,
alcançando consumidores que cada vez mais se atinham a esses bens para diversos usos. Mas
quem eram estes consumidores? Eram apenas os indivíduos mais endinheirados? Os dados
dos inventários apontam que o grupo de consumidores dos produtos estrangeiros era muito
mais alargado do que no início podemos pensar. Isso porque quando pensamos nesses
produtos vindos do além-mar, relacionamo-los imediatamente ao luxo e a ostentação, dando a
entender que somente os grupos mais abastados teriam acesso a eles.
368
369
CMA, Inventário de João da Pontes e Souza, 1863. Caixa: 665.294.316.288.841.
CMA, Inventário de Antonio José Antunes de Souza, 1842. Caixa: 575.547.575.547.618.
152
De acordo com a pesquisa, não eram apenas os abastados e os mais abastados que
consumiam os produtos importados. Esse consumo era mais alardeado quanto mais se tratava
dos objetos não necessariamente associados exclusivamente ao luxo, ainda que em muitos
casos os tenhamos encontrado. Não estamos dizendo que as camadas menos favorecidas
consumiam todos os mesmos produtos que os mais ricos, mesmo porque o monte-mor mais
baixo que utilizamos foi de 80 libras (1:000$000), o que não reflete o consumo entre as
camadas mais baixas da população. Contudo, parte significativa dos bens importados estava
nas mãos das três primeiras faixas de fortuna, isto é, dos sujeitos que tinham um montante
abaixo de 1.000 libras (10:000$000). Apesar de estarmos trabalhando com uma pequena
amostra dos consumidores, acreditamos que esses dados são expressivos de uma realidade
maior, devido a enorme quantidade de artigos nas listagens relativas ao movimento do porto.
Em se tratando do consumo dos grupos com menos de 1.000 libras (10:000$000),
verificamos uma maior variedade de produtos importados. No grupo com mais de 1.000 libras
havia uma preponderância das coisas de uso público e/ou privado e das indumentárias e joias.
Neste caso, há uma frequência de objetos pertencentes a várias categorias em um mesmo
inventário. Notamos que em todos os inventários, houve ocorrência dos objetos de uso
público e/ou privado, 84% dos inventariados tinham descritos indumentárias e joias, 72%
possuíam objetos que se enquadravam na categoria diversos, em 44% foram descritos os
objetos de trabalho, e em 28% aparecem os equipamentos.
Se compararmos estes dados percentuais com os grupos mais ricos, veremos um
aumento de 4% no caso das coisas de uso público e/ou privado, 16% para as indumentárias e
joias, 36% para os diversos, 12% para os itens destinados ao trabalho e 16% para os
equipamentos. Percebemos que o consumo desse grupo é mais variado, sendo a distribuição
dos objetos em cada categoria mais comum. Entre os abastados e os mais abastados, ao
contrário, os importados se concentravam com maior regularidade nos bens da casa (coisas de
uso público e/ou privado) nas indumentárias e joias.
Tabela 17- Diversidade média por inventário dos bens importados entre as faixas de fortuna
Categorias
Coisas de uso privado
e/ou público
Equipamentos
Indumentárias e joias
Trabalho e negócios
Faixas de fortuna
Os remediados Os abastados
(12)
(15)
Os mais
pobres (4)
Pobres
estabilizados (9)
Os mais
abastados (10)
4
11
18
13,5
12
0
3,5
0,25
2,50
10,50
3,50
11
1,20
2,40
4,60
0,10
1,30
5
0,2
0,5
153
Tratamentos medicinais
e outros usos
Diversos
Média total de itens
importados
0
0
0,10
0
0
0,25
1,50
1,30
1
0,5
8
29
34
20,5
18,2
Os números entre parênteses, ( ), indicam as quantidades de inventários pesquisados.
Fonte: CMA, Inventários post mortem dos Cartórios ODON e FABILIANO
Constatamos, então, que as classes menos abastadas, de alguma forma, partilhavam
dos mesmos bens das mais abastadas, sendo que os remediados eram quem tinham maior
variedade de bens importados. Havia, pode-se dizer uma assimilação dos novos gostos, assim
como deveria haver uma imitação dos mais abastados pelos modos de consumir dos mais
abastados ainda, que não conseguimos identificar na nossa amostra. Todavia, de acordo com
os estudos relacionados à antropologia do consumo, nem sempre as motivações que levam os
indivíduos a consumir estão ligadas a uma imitação das classes mais altas, pois refletem
elementos morais e valorativos culturalmente dados, tendo se tornado uma prática recorrente
no oitocentos em função de um interesse pelas novidades disponíveis para o consumo. Entre
os sujeitos com menos de 1.000 libras, temos uma camada que podemos chamar de
intermediária por se situarem entre os abastados e os pobres estabilizados. Por sinal, eles
detinham a maior variedade no consumo dos importados.
Os inventariados Joaquim Francisco Oliveira Campos e Silvestre Tenreiro Aranha
compunham esse grupo, sendo o primeiro tenente e o segundo secretário da Câmara
Municipal. O inventário foi solicitado por Margarida Rosa Nunes, viúva de ambos os
senhores, e a mesma requeria a divisão dos bens que juntavam 933,56 (8:786$500) dos seus
primeiro e segundo casamento, já estando casada pela terceira vez com Antonio Dias
Guerreiro Junior.
Diz D. Margarida Rosa Nunes que tenho sido casada em primeiras núpcias com o
tenente ajudante Joaquim Francisco Oliveira Campos o qual [sic] lhe ficarão dois
filhos menores (...) casou-se ela Suppe. em segundas núpcias com Silvestre Tenreiro
Aranha sem ter inventariado e partilhados os bens do primeiro casal, e como tinha
falecido o segundo marido da suppe, por isso devendo inventariar e partir os bens
dos dois cazais na partilha tem de serem aquinhoados os referidos seus dois filhos
(...)370
A inventariante queria a repartição de uma "rocinha na rua que vai para a olaria" no
valor de 3:000$000 e uma casa de sobrado avaliada em 4:000$000. Fazia parte também do
370
CMA, Inventário de Joaquim Francisco Oliveira Campos e Silvestre tenreiro Aranha, 1858. Caixa:
355.156.181.153.436.
154
conjunto dos bens, um oratório, vinte e quatro cadeiras de madeira americana, uma cadeira de
balanço de madeira americana, um par de escarradeira de louça, um par de mangas de vidro,
um candeeiro de globo de vidro para sala e dois pares de serpentina. Muitos desses objetos já
vimos em inventários anteriores, como as cadeiras americanas em grande número. Parecia que
havia um uso parecido desse mobiliário nas diferentes casas pesquisadas e essa arrumação
comum precisava de um bom número de cadeiras.
As salas eram um espaço de representação social. Nas casas aristocráticas, elas eram
o lugar onde os anfitriões recepcionavam os amigos e "nesse cômodo eram expostos os
móveis mais luxuosos e elegantes." Sendo assim, "a forma de disposição das cadeiras e dos
sofás induzia implicitamente a um caráter de distinção e hierarquia." Segundo Morelli, no
caso de São Paulo, os arranjos dos móveis formavam um U, sendo que a poltrona de encosto
alto e com braços do uso do chefe da família ficava em uma das extremidades, ladeado por
um sofá, canapé ou cadeiras de palhinha.371 No Pará, percebemos a presença dos mesmos
móveis nos inventários, mas a sua disposição poderia não ser a mesma. De acordo com o
naturalista Spruce, observando a arrumação das salas em uma cidade do interior da Província,
proferiu que
A melhor sala de cada casa é destinada às recepções, e as pessoas devem apresentarse de roupa preta, não obstante o furioso calor que caustica as ruas arenosas de
Santarém ao meio dia, que é a hora das visitas. (...). Na sala há um sofá e cadeiras
de junco, envernizados e dourados, dispostos em quadrado, aonde se convidam os
visitantes a sentar, enquanto se trocam amabilidades ou se tratam de negócios. Ao
despedir-se, os donos da casa levam as visitas até a porta da rua com repetidas
reverências.372
Na capital da Província não sabemos qual a real disposição dos móveis na sala e as
cadeiras não eram de junco. Porém, é fato que a presença das cadeiras era constante, não só
das várias cadeiras de palinha que encontramos em muitas residências, como se tornou
comum a presença da cadeira de balanço americana. As cadeiras de palhinha estão presentes
nas residências de inventariados que dispõem da mais exígua mobília, não sendo
características exclusivamente das casas mais abastadas. No caso da cadeira de balanço, ela
aparecia sempre sozinha, ao contrário das outras cadeiras que aparecem sempre em número
avultado. Isso nos leva a inferir que essa cadeira de balanço, até mais ou menos a década de
371
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 105.
MELLO-LEITÃO, Cândido de. Op. Cit. Esse livro discorre sobre as impressões dos três grandes naturalistas
ingleses que visitaram a Amazônia nos meados do oitocentos: Bates, Spruce e Wallace.
372
155
1870, ocupou o lugar que as poltronas ocupariam no final do século e, possivelmente, servia
para dá lugar de destaque ao homem da casa.
Fora o oratório e alguns objetos de iluminação já comentados em outros momentos,
chama a atenção um objeto um tanto raro entre os inventários, não encontrados nem entre os
mais abastados: as serpentinas. Neste inventário, existiam dois pares de serpentina em bom
uso. "As serpentinas eram um tipo de candelabro com mangas de cristal."373 Ao estudar os
interiores domésticos da cidade de São Paulo no período da expansão do café, Maria Lucília
Viveiros de Araújo averiguou que os candelabros e as serpentinas eram produtos raros nas
casas paulistanas.374 Confirmando essa raridade, em todo o período de 1840 a 1920, estudado
por Morelli, aparecem somente cinco pares de serpentinas de prata.375 Não há referência se
esses pares de serpentina encontrados neste inventário eram de prata. De qualquer forma, era
um objeto que não compunha a lista dos objetos necessários, mas dos supérfluos que
auxiliavam na composição da decoração das salas e na "personificação dos ambientes por
seus moradores," pois
Ao fazer o uso de mercadorias, os consumidores têm de dar sentido a elas em termos
de suas próprias vidas e culturas. A cultura do consumo não é algo simplesmente
imposto pela modernidade ocidental, é uma das áreas em que todas as pessoas
tentam construir sua própria modernidade.376
Destacaremos também o caso do tabelião Bartholomeu José de Oliveira, morador da
Rua Formosa, casado com Ana Emilia Vieira, valia-se de um monte-mor de 759,03 libras
(10:715$820). No seu inventário tinha uma baixela de prata, uma salva grande, vinte e quatro
colheres de tirar sopa, vinte e quatro colheres para chá, uma concha para tirar sopa, uma
colher para tirar arroz, uma concha pequena para tirar açúcar, um paliteiro, tudo em prata.377
As louças de prata eram um importante investimento nesse inventário.
Os paramentos das refeições tinham presença acentuada neste cenário em que o
consumo vai tomando cada vez mais espaço deste lado do Atlântico. Mas queremos sobressair
neste inventário a baixela de prata avaliada em 400$000. Em 1840, Kidder registrou que "era
rico e farto o serviço da mesa, mas reinava certa confusão entre as dez ou doze copeiras que
373
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 113.
ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Os interiores domésticos após a expansão da economia exportadora
paulista. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo, v. 12, jan./dez., 2004, p. 129-160.
375
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 113.
376
SLATER, Don. Op. Cit., p. 6.
377
CMA, Inventário de Bartholomeu José de Oliveira, 1868. Caixa: 120. 925. 061.033.076.
374
156
poderiam ser perfeitamente substituídas por apenas duas que conhecessem o métier. A baixela
era das mais finas e caras,"378 e conviviam com objetos sem requinte.
Além da baixela, o tabelião dispunha de outros objetos de luxo, tais como um tinteiro
de prata de 38$000, um espelho grande valendo 15$000 e o mais caro deles era um piano
avaliado em 700$000. Este foi o segundo piano mais caro da amostra, só perdendo para o de
D. Maria Pimenta Bueno, que valia 900$000. Contudo, era mais caro do que o de D. Ângela
Paes de Carvalho (200$000) e o do Português Antonio José dos Santos (300$000), ambos
pertencentes ao grupo dos mais abastados.
O cônego Leonardo Pinto Moreira Espindola, com monte-mor de 741,61 libras
(6:201$700), tinha vários itens de uso público e/ou privado, indumentárias, objetos de
trabalho e negócios e também objetos que se enquadram na categoria diversos.379 Prepondera
na primeira categoria os livros, em sua maior parte religiosos e as imagens de santos. Mas,
ainda nesta mesma categoria, tinha uma viola grande, um lampião, duas mangas de vidro, um
candeeiro, um estojo de navalhas, um relógio de parede. Aqui destacaremos o relógio. Na
figura abaixo, veja o anúncio de venda de relógios de parede.
Figura 13 - Anúncio de venda de relógio de parede
Fonte: Gazeta Official, 17 de julho de 1859, n. 157, p. 3.
378
379
KIDDER, Daniel Parish. Op. Cit., p. 209.
CMA, Inventário de Leonardo Pinto Moreira Espindola, 1850. Caixa: 605.828.847.819.434.
157
Esses objetos, geralmente, eram colocados sob caixas de madeira e não tinham um
valor tão acessível para a população. O relógio de parede do cônego, mesmo já estando usado,
o avaliador deu-lhe a importância de 50$000, valor que as classes menos abastadas não
poderiam subtrair das suas necessidades mais prementes. Eliane Morelli destacou que o
relógio de parede figurava nas salas de estar e de jantar dos sobrados campineiros na época do
apogeu do café, o que não parecia ser o caso deste inventariado que não possuía um sobrado,
mas uma casa no valor de 1:000$000.
Leonardo Espindola tinha também dois roquetes380 com bobinetes, um roquete com
renda francesa e dois chapéus de sol. Os tecidos, com os quais foram produzidas as roupas
eclesiásticas, eram nitidamente tecidos importados. É possível também que as roupas já
tenham sido importadas prontas, assim como os chapéus de sol que comumente eram
importados dos Estados Unidos ou da França. No caso da França, predominava os chapéus de
sol de seda, o que poderia ser o caso dos chapéus de Leonardo Espindola, pois um deles
chegou a custar 5$000, o que pode indicar que foi feito com um material caro como a seda.
O inventariado também tinha uma arma e lazarina de espoleta, o que mais uma vez
confirma que nem sempre os objetos de trabalho, como foram classificados esses produtos,
estavam relacionados à atividade do sujeito. O tacho de cobre, classificado na categoria
diversos, está presente em mais da metade dos inventários localizados. Não o destacamos
como bens da casa, porque não o eram exclusivamente, uma vez que serviam para outras
atividades que não as domésticas, como para o desenvolvimento de ofícios. Esse objeto de
grande utilidade na casa e em outros espaços, assim como as peças de ferro eram em geral
importados.381 Na casa, os tachos de cobre ocupavam as cozinhas ou aos seus lugares externos
onde acontecia a feitura das comidas, espaços estes que contrastavam com as salas de jantar,
onde eram apresentadas as salvas, as baixelas e outras louças refinadas, geralmente de prata.
Manoel do Nascimento Rodrigues Barreto dispunha de um montante um pouco
menor que o de Leonardo Espindola. Com montante de 642,88 libras (5:610$635), era
advogado, um dos poucos bacharéis formados atuando na Província nos idos de 1840. Em
1846, o Treze de Maio trouxe uma nota tratando da concessão do direito de advogar por mais
um ano ao referido bacharel, que tinha escritório e residência na propriedade do capitão
tenente almoxarife do Arsenal de Marinha Joaquim da Silva Arantes, onde se achava "fiel e
prompto aos deveres do seo ministério".382
380
Roquete é uma túnica de cor branca, geralmente feita de linho ou tecido semelhante e enfeitados com renda.
LIMA. Tânia Andrade. Op. Cit., p. 163.
382
Treze de maio, 15 de agosto de 1846, n. 629, p. 5.
381
158
No inventário desse advogado, consta uma rocinha na Rua da Glória no valor de
3:500$000 que, possivelmente, não era o lugar onde residia e advogava. Era comum residir e
trabalhar no mesmo local. O fato é que independente de onde morasse, ele desfrutou de um
conjunto de produtos importados que não se encontrava na maior parte dos inventários. Os
objetos estavam distribuídos em mobília, louças, artigos religiosos e de iluminação, livros,
espólio este muito característico do grupo ao qual pertence, cujo atributo principal é a
variedade no consumo dos bens importados. Eram eles:
Um sofá, 20$000; uma jardineira, 20$000; dezoito cadeiras com assento de
palinha, 54$000; dois espelhos, 20$000; uma colher com seis e meia oitavas
de ouro, 18$200; uma colher com seis e meia oitavas de ouro, 16$640; uma
salva grande com duas libras e dezenove oitavas de prata, 66$000; doze
garfos com o peso de duas libras e nove oitavas de prata, 63$600; doze
colheres para sopa com o peso de duas libras de prata, 61$440; 48$960; uma
salva pequena com cento e cinco oitavas de prata, 25$200; doze colheres
pequenas para chá e uma espumadeira, 19$440; uma cuia com o peso de
setenta e duas oitavas de prata, 17$280; uma peixeira com o peso de setenta
e uma oitavas de prata, 14$640; uma colher grande para tirar sopa com o
peso de cinquenta e cinco oitavas de prata, 13$200; dois cabos para faca e
garfos de trinchar com o peso de cinqüenta oitavas de prata, 12$000; uma
colher para tirar arroz com o peso de quarenta e uma oitavas de prata, 9$840;
um aparelho para chá, 20$000; um aparelho de louça para jantar, 10$000;
um tacho de cobre, 20$000; um oratório com diferentes imagens, 20$000;
um rosário com detalhe em cobre e ouro, 8$000; um candeeiro para sala,
12$000; dois pares de mangas de vidro, 12$000; quatro castiçais de vidro,
2$000; dois pares de candeeiros para sala, 24$000.
Somados esses bens, Manoel Barreto havia investido aproximadamente 800$000 em
produtos importados, sem contar as joias que juntos perfazem um valor de quase 1:000$000
em bens importados para variados fins, embora predominasse os domésticos. Com efeito, é o
campo privado da habitação que reúne a quase totalidade de nossos objetos cotidianos, ainda
que não se esgote nele.383 Se considerarmos que o seu imóvel empregava mais de 60% da sua
renda, o valor empregado nos objetos importados era expressivo.
Manoel João de Lara Cavalero, casado com D. Luiza Philomena Aranha Cavalero,
era escrevente (copista) da secretaria da presidência da Província, e residia em uma casa térrea
na Rua dos Cavaleiros número 39. Seu monte-mor somava 452,67 libras (4:489$300) e o
bens do seu inventário consistem nos objetos de uso doméstico e em algumas joias.384 São
eles:
383
384
BAUDRILLARD, Jean. Op. Cit., p. 73.
CMA, Inventário de Manoel João de Lara Cavalero, 1866. Caixa: 400.965.140.112.313.
159
Uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, 20$000; sete cadeiras de madeira
americana em mau estado, 7$000; um candeeiro solar, 3$000; seis castiçais de vidro,
6$000; um relógio para cima da mesa, 5$000; um aparelho de porcelana dourado
para chá, 15$000; uma terrina, 5$000; uma salva com o peso de duzentas e
cinqüenta e duas oitavas de prata, 51$200; uma colher para tirar sopa com o peso de
sessenta e quatro oitavas de prata, 12$800; uma colher para tirar arroz com o peso de
trinta e seis oitavas de prata, 7$200; uma colher para chá com o peso de trinta e
quatro oitavas de prata, 6$800; um par de castiçal com o peso de cento e noventa e
uma oitavas de prata, 39$800; um relógio de algibeira com caixa de prata, 15$000;
um relógio de ouro esmaltado, 6$000.
A fortuna deste inventariado, mesmo estando abaixo de 504,16 libras (5:000$00),
abrangia vários dos mesmos objetos que identificamos nos autos com as maiores fortunas. O
valor da casa de morada de Manoel Cavalero foi ajuizada em aproximadamente 4:000$000, o
que significa dizer que sobrava pouco mais de 500$000 para a aquisição de outros bens.
Desse valor, os objetos importados conformavam mais de 100$000, o que não é
insignificante. Mais interessante do que os valores investidos nesses bens, é verificar que
alguns desses importados como os castiçais de vidro, o aparelho de chá de porcelana, as
salvas de prata, o relógio de algibeira com caixa de prata eram os mesmos objetos consumidos
por indivíduos de grandes posses. Quando da sua morte, Manoel Cavalero ficou a dever na
loja de Antonio Pedro Belfort Gomes, nomeado capitão da Guarda Nacional em 1855385 e
dono de uma loja de fazendas na Rua dos Mercadores.386 A lista do credor era composta por
muitos produtos importados, a saber:
uma dúzia de meias para menino, 4$000; uma dúzia de meias para mulher 6$000;
uma dúzia de meias para homem, 6$000; um lenço de seda, 1$600; uma manta de
coraes; 1$600; quatro varas de renda larga, 2$400; vinte e quatro caixas de chita
francesa, 14$400; sete varas de cassa de cor, 4$900; três caixas de dril para forro,
1$200; dois vidros de água de colônia, 2$000.
O inventariado também deixou dívidas para com José Correa, que também era dono
de casa de negócios na Rua dos Mercadores denominada José Correa de Oliveira e Cª. Era um
corte de seda de cor, 10$000; um chapéu para senhora, 18$000; seis côvados de brim de cor,
4$800; quatro côvados de seda, 10$000; importe de perfumarias, 12$000; um chapéu para
criança [ilegível] e um vidro de água de colônia, 1$200. No total a dívida passiva do
inventariado somou 327$310, e boa parte dela se devia ao consumo de bens importados.
Carlota Augusta Malafaia Ricardino, viúva do boticário Joaquim Augusto Ricardino,
deixou em 1856 um legado de 413,53 libras (3:609$006), o que lhe confere um posição entre
385
386
Treze de maio, 22 de fevereiro de 1855, n. 452, p. 2.
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1868, p. 230-231.
160
os pobres estabilizados, pois não deixou credores e tinha uma casa de morada, que tinha sido
comprada um ano antes de sua morte onde, possivelmente, ela morou em seu último ano de
vida com suas herdeiras, que após sua morte seriam tuteladas pelo seu cunhado Manoel
Rodrigues de Almeida, seu inventariante. Diz o cunhado de da inventariada:
Tendo falecido em minha companhia, no dia 6 do corrente mês D. Carlota Augusta
Malafaia Ricardino, Irmã da minha mulher, e viúva de Joaquim Augusto Ricardino,
deixando dois filhos; a saber Joaquim Augusto Ricardino, nascida em 3 de março de
1849, e Antonia Ana Augusta Malafaia Ricardino, nascida em 28 de maio de 1843,
que se acham comigo deixou em bens, que me consta existirem, e pões ser
inventariados o seguinte: Metade do prédio nº 51, sito na Rua do Espírito Santo, que
confina por um lado com o meu prédio, por outro com o de Antonio Joze Hemias de
Lima, e o fundo com o de Antonio Joze de Miranda comprado por escritura de 21 de
novembro de 1856 (...) pela quantia de 1 conto de réis (1:000$000), contendo uma
sala, alcova, metade do corredor, e um acanhado cômodo interior (...).387
Pela descrição do inventariante, notamos que a falecida teve uma vida modesta. A
circunscrição da sua casa é indicativa de que sua casa não estava de acordo com os novos
padrões das casas burguesas da segunda metade do XIX, onde havia várias salas, alcovas e
outros cômodos amplos.388 No entanto, no interior dessa modesta residência, situada na Rua
do Espírito Santo389 número 51, avaliada em 1:000$000, havia dezoito cadeiras com assento
de palhinha, um espelho grande, três castiçais de vidro com manga, um aparelho de chá de
porcelana, duas salvas de prata de tamanho diferentes, uma colher grande de tirar sopa, doze
colheres, mais doze colheres para chá , um paliteiro com trinta e quatro oitavas de prata e um
licoreiro.
Novamente, deparamos na casa de Carlota Augusta Ricardino algumas das mobílias
e louças, que estavam também na casa de D. Olimpia Paes de Carvalho que tinha um montemor de mais de 3437,5 libras (30:000$000) ou de D. Maria Pimenta Bueno, dona de uma
fortuna de 9868,76 libras (97:872$000). A quantidade de utensílios dessas camadas
populacionais poderia está aquém da aristocracia,390 mas havia uma possibilidade de uso de
alguns dos mesmos objetos. Um exemplo disso eram os espelhos presentes nas residências de
várias camadas sociais, variando apenas os tamanhos, molduras e outros detalhes.
O interior burguês era também caracterizado pela multiplicação dos espelhos na
parede, nos armários e onde mais se pudesse colocar. Por causa do foco luminoso, "o vidro é
um local privilegiado da peça." O espelho consiste em um "objeto rico em que a prática
387
Inventário de Carlota Augusta Malafaia Ricardino, 1856. Caixa: 355.156.181.153.436.
CANCELA, Cristina Donza. Op. Cit., p. 122.
389
A Rua do Espírito Santo passou a se chamar José Malcher. Cf. CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p. 86.
390
ABRAHÃO, Eliane Morelli (2010). Op. Cit., p. 117.
388
161
respeitosa em si mesmo do indivíduo burguês descobre o privilégio de multiplicar sua
aparência". O espelho seria um objeto de ordem simbólica que refletiria os traços do
indivíduo e o desenvolvimento histórico de sua consciência individual.391 Portanto, o uso dos
espelhos era, de certa forma, a consciência de que novos padrões estavam se estabelecendo.
A mesma inventariada também possuía várias peças em joias, entre cordões, anéis e
anelões de ouro e diamante, trancelins, pares de brincos, e botões com pedra. As joias além de
servirem de enfeites para o corpo, também poderiam ser um importante investimento,
principalmente para os sujeitos que não tinham renda suficiente para investir em imóveis.
Devido a isso, percebemos que estas peças eram tão comuns nos inventários dos mais e dos
menos abastados.
Maria dos Reis foi outra inventariada arrolada por ter em seu inventário os objetos
importados.392 Não tinha tantas coisas de uso público e/ou privado quanto o cônego
mencionado. Apareceram cinco pentes de casco, um rosário com coraes e contas pretas
lapidadas, um espelho e um aparador, ambos usados. Por outro lado, aparecem algumas peças
do vestuário bastante interessantes.
Na sua maioria eram saias, em que a descrição do tecido é fielmente referida pelo
avaliador. Era uma saia de seda de cor usada, uma saia de chaly, uma saia de lã e seda, uma
saia de setim preto, uma saia de lãzinha, uma saia de cassa, uma saia de sarja preta, dez saias
de chita usadas. Além disso, foram descritos dois retalhos de chita, um retalho de cambraia e
outras peças. Em mais de 151$000 foram estimadas as joias de ouro entre gargantilhas,
pulseiras, argolas e outras obras de ouro não especificadas.
Ela tinha um montante de 291,55 libras (3:723$240), foi inventariada por Manoel
Pinheiro com quem morava como membro da família. Manoel Pinheiro era dono de uma casa
de negócio reconhecida na praça até 1845 como Firma Manoel Pinheiro e depois desse dito
ano passou a se chamar Firma Manoel Pinheiro & Irmão, quando se tornou sócio de seu irmão
Francisco Pinheiro. Já na década de 1850, extinta a sociedade com seu irmão, a firma passou a
se chamar Manoel Pinheiro e Cª.
393
Não conseguimos descobrir se Maria dos Reis tinha
algum parentesco com a família do negociante, ou se apenas prestava algum tipo de serviço.
Mas o fato é que, mesmo morando com essa família, ela tinha um quarto de casas na Travessa
391
BAUDRILLARD, Jean. Op. Cit., p. 28.
CMA, Inventário de Maria dos Reis, 1869. Caixa: 275.117.268.240.697.
393
Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de B. de Mattos, 1868; Treze de maio, 19
de julho de 1845, n. 524, p. 3.
392
162
da Estrela e mais uma casa na Rua São Vicente.394 A primeira avaliada em 1:000$000 e a
segunda em 2:200$000.
Do saldo dos investimentos em imóveis, característica presente na maioria dos
inventários, sobraram-lhe alguns réis para o consumo de importados que pode ter sido
facilitado pela sua relação com o comerciante, entre eles, aquelas saias de tecido importados
da França e da Inglaterra, que tinham seus valores variando entre 4$000 e 12$000. No total,
foram descritos aproximadamente 70$000 em roupas de tecidos importados, embora não
pertencesse a uma camada social abastada. Isso lhe coloca numa posição de destaque porque
não foi corriqueira nos inventários percorridos a descrição das roupas feitas. Os tecidos, ao
contrário, aparecem com muita acuidade.
Somente o fato das roupas não serem, habitualmente, descritas não constitui um
explícito sinal de que as outras pessoas não tinham, deviam possuir. Porém, o arrolamento
desses produtos no inventário demonstra que para o montante em questão eles tinham valor,
neste caso não simbólico, mas econômico. Era comum que mesmo pessoas que não tinham
posses elevadas desfrutassem de roupas de tecidos finos estrangeiros ou mesmo aparecessem
em ambientes públicos portando joias.
Antonio Baena, se referindo as mestiças ainda no final da década de 1820, dizia que
"as ditas mulheres usam de uma saia de delgada caça ou de seda nos dias de maior luxo", e as
camisas que mal cobriam os dois semiglobos "que no seio balançando se divisão entre as finas
rendas que contorneão a gola."395 O mesmo autor cita que "botões de ouro ajustão o punho
das mangas da camisa" e ainda "pendem-lhe do collo sobre o peito cordoens, colares,
rozarios e bentinhos do mesmo metal." Bates se referindo a classe mais pobre da população
observara que, em meados do oitocentos,
Havia nesses grupos algumas mulheres bonitas, com as roupas em desalinho,
descalças ou de chinelas, mas com brincos ricamente trabalhados e com colares de
grandes contas de ouro.396
Portanto, o uso das joias e das roupas finas não era uma exclusividade das classes
mais favorecidas na sociedade Belenense. Todavia, depreende-se que esses objetos luxuosos,
para essas camadas mais baixas, eram de usos mais esporádicos e menos cotidianos. Os
394
A Rua de São Vicente, aberta em 1617, tornou-se Paes de Carvalho. Cf. CRUZ, Ernesto (1952). Op. Cit., p.
86.
395
Antônio Ladislau Monteiro. Op. Cit., p. 258.
396
BATES, Henry Walter. Op. Cit., p. 12.
163
naturalistas mostram-se surpresos em suas narrativas ao falar da presença das joias nas
pessoas mais pobres da sociedade.
As mulheres e moças, nos dias de mais pompa, costumam trajar de preferência
vestidos brancos, o que produz um agradável efeito, pelo contraste de suas peles
pardas ou de um negro lustroso. Nestas ocasiões é que um estrangeiro fica deveras
espantado ao observar que as joias e colares, usados por estas mulheres, muitas das
quais são simples escravas, são de puro ouro maciço.397
Até agora, temos observado que, no campo da distinção social,os objetos domésticos
tem uma maior relevância, haja vista que alguns tecidos e joias tinham presença menos
demarcada pela posição social do indivíduo. No entanto, podemos dizer que algumas peças do
vestuário e, sobretudo as joias para as camadas sociais não abastadas estão mais presentes nos
eventos, em ocasiões especiais e em períodos específicos, como eram as procissões. Para as
camadas mais abastadas, o uso desses objetos era mais rotineiro. Porém, para ambos os
grupos esses bens de consumo constituíam sistemas de comunicação e significados, não em si
mesmos, mas a partir da cultura a qual estão imersos.398
Joana Cancia Lameira era filha de André Francisco Lameira, proprietário agrícola,
fazendeiro e produtor de farinha, arroz, algodão e mais gêneros399. Ele tinha uma fortuna de
1372,01 libras (17:500$000),400 enquanto que ela era possuidora da menor fortuna
identificada, no valor de 86,17 libras (1:100$000).401 Joana morreu em 1863, não tendo
desfrutado da herança do seu pai, que faleceu em 1869, logo, ela não tomou parte nos bens
deixados por Lameira, como várias sortes de terra no interior, vinte e cinco escravos e outros
bens móveis.
Joana Cancia tinha poucos produtos importados, se resumindo a um oratório de
35$000, um tacho pequeno de cobre avaliado em 15$000 e um forno de cobre no valor de
200$000. Tem-se, então, um objeto do âmbito privado, outro que poderia ser utilizado para os
afazeres domésticos ou para o desenvolvimento de algum ofício, e o outro era nitidamente um
objeto de trabalho. No entanto, somente o forno de cobre somava aproximadamente 20% do
que deixou para inventariar. Seu oratório valia mais do que alguns encontrados entre os mais
abastados. Mesmo que nenhum desses produtos fossem considerados requintados, pois
397
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pela Amazônia e Rio Negro. Brasília: Edições do Senado Federal, vol.
17, 2004, p. 42-43.
398
BRANCHELLI, Fabiano Aiub. Vida Material e econômica da Porto Alegre Oitocentista. 2007. 122 p.
Dissertação (Mestrado em Arqueologia). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
2007.
399
Almanach Administrativo, Mercantil, Industrial e Noticioso da Província do Pará para o ano de 1869. p. 158.
400
CMA, Inventário de André Francisco Lameira, 1869. Caixa: 275.117.268.240.697.
401
CMA, Inventário de Joana Cancia Lameira, 1856. Caixa: 275.117.268.240.697.
164
estavam atrelados as necessidades domésticas e de trabalho, eles a classificaram entre os mais
pobres que possuíam algum tipo de produto importado.
Além dos inventários, podemos notar que os produtos importados chegados ao porto
do Pará poderiam ter outros consumidores que não apenas os inventariados. O Arsenal de
Marinha, por exemplo, constantemente postava no jornal notas para compras de produtos
importados para o abastecimento do armazém do almoxarifado. Além dos produtos da terra
requeridos, o Arsenal de Marinha obtinha mensalmente toucinho português, azeite doce, sal,
vinagre, brim, cabo de linho, espermacete em velas, tinta verde, branca e preta, papel almaço,
papel de peso, alcatrão, breu e pólvora,402 todos produtos importados.
Outra nota colocava de forma separada os víveres que desejava comprar, bem como
alguns artigos voltados para o fardamento dos marinheiros. O conselho de compras do
Arsenal impunha como um dos requisitos para quem desejasse fornecer, que os produtos
deveriam ser de boa qualidade. Quanto aos víveres, se buscava adquirir azeite doce,
bolachinhas americanas, bacalhau, marmelada, manteiga inglesa, sal português, toucinho
português, vinagre, vinho do Porto engarrafado, sendo os outros produtos demandados da
própria Província ou vindo de portos nacionais. Para o fardamento solicitava-se, entre outros,
calças e camisas de brim e lenços de seda preta.
Em 1856, o jornal anunciava um edital do Conselho administrativo do Arsenal de
Guerra da Província para a compra de material para o expediente do Arsenal, para o
provimento de três de seus armazéns e para o Hospital regimental da capital, que se faria até o
dia 24 do mês de julho.403 Seria necessário uma resma de papel pautado marca grande, uma
resma de papel pautado marca regular para o expediente, tarraxa com sete machos para
funileiro, cinquenta arroubas de ferro inglês em verga de meia polegada, vinte e cinco dúzias
de tábuas de pinho, quatro arroubas de alvaiade e uma libra de arsênico em pó para o
armazéns.
Já para o hospital a lista de importados era maior, sendo cinco cadeiras com assento
de palhinha, cinquenta talheres completos, uma faca grande para cozinha, três chaleiras e três
panelas e três caçarolas de ferro estanhado e sortidas, um charão pequeno, um relógio de
parede, cem pratos e oitenta e seis tigelas de louça, um bule grande e doze colheres de metal
do príncipe, doze colheres para chá, três manteigueiras e três açucareiros de louça, doze pares
de xícaras e pires, vinte e quatro pratos finos de louças, três jarros de louça para água, seis
402
403
Treze de maio, 23 de abril de 1845, n. 500, p. 4. Esse tipo de anúncio foi encontrado muitas vezes no jornal.
Treze de maio, 18 de julho de 1856, n. 789, p. 3.
165
urinóis de louça fina, mil setecentos e vinte e nove e três quatros de varas de brim de linho,
quinhentos e sessenta e seis côvados e dois terços de riscado forte para colchões.
De acordo com a receita do Tesouro Público Provincial, as meninas do Colégio
Nossa Senhora do Amparo gastavam mensalmente vários artigos importados, que envolviam
alimentos e outros objetos comprados junto aos comerciantes locais. Em 1853, foram
comprados de Antonio Marques Viegas, na época dono de um armazém na Rua da Boa
Vista,404 sete garrafas com dois esquartilhos de vinhos, uma garrafa com dois esquartilhos de
vinho tinto, meio frasco de vinho branco, um pote com azeite, cem cebolas, seis maços de
alho, duas caixas com sabão, oito dúzias de pratos brancos, duas dúzias de travessas, três
dúzias e meia de xícaras, duas dúzias de tigelas, duas velas de espermacete, uma vela de cera
e vinte e quatro penicos do Porto.405
Diante do que foi proposto, constatamos que os produtos importados foram obtidos
pelas diversas faixas de fortuna desde os mais pobres aos mais abastados. Mas não somente
eram usados nas casas, como nas ruas, nos eventos, nas instituições, na cidade. Os objetos
importados estavam em muitos lugares. E não eram apenas os objetos de luxo, mas os de
primeira necessidade. Nesse sentido, há ponderações a serem feitas. Nem todos os objetos
requintados eram caros, e os mais primordiais nem sempre custavam poucos réis.
Consequentemente, nem todos os objetos dos abastados eram de luxo, e nem todos os objetos
dos mais pobres eram de pouco valor.
A amostra indicou que ser abastado não obrigava a posse de muitos objetos
importados, pois encontramos casos, como o de D. Anna Joaquina de Oliveira Pantoja,406 com
monte-mor de 2250,56 libras (28:730$500), membro de família prestigiosa desde o
setecentos,407 e que nem por isso adquiriu produtos importados, fora umas minguadas peças
de ouro. Em contrapartida, o caso de D. Maria Egnacia Ribeiro é elucidativo, com monte-mor
de pouco mais de 80 libras (1:000$000), ela dispunha de mobília e louças importadas. É claro
que alguns objetos, como o piano, por exemplo, somente poderia ser consumido por alguns
grupos que não o de Maria Egnacia, mas de outros que pudessem comprá-lo e usufruir do seu
valor simbólico.
404
Em 1868 Antonio Marques Viegas ainda está na lista dos negociantes matriculados, com um armazém de
louças e vidros na Rua Santo Antonio. Ver: Almanach administrativo, mercantil e industrial, 1868. Pará: Typ. de
B. de Mattos, 1868, p. 230.
405
APEP. Tesouro Público Provincial: Caixa Efetiva, 1853.
406
BATISTA, Luciana Marinho. Op. Cit. p. 210.
407
CMA, Inventário de Anna Joaquina Oliveira Pantoja, 1869. Caixa: 275.117.268.240.697. Ela era esposa de
Antonio dos Santos Queresma, juiz de paz de Abaeté.
166
Contudo, é necessário relativizar para não restringir o consumo dos importados ao
requinte ou ao estabelecimento de padrões fixos de consumo ao ponto de não poder se
estender a outras camadas sociais. Por isso, buscamos através de casos particulares
demonstrar que o consumo era muito variado entre os sujeitos, não estando restrito a uma
fortuna específica. O consumo dos importados perpassa pela circularidade cultural. De acordo
com Carlo Ginzburg, a cultura popular se define em oposição a cultura das classes
dominantes, mantendo uma relação com essa cultura, filtrando-a segundo seus valores e
condições de vida. Para ele, houve desde a Europa pré-industrial, entre essas duas culturas
"um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima,
bem como de cima para baixo".408 Com base nesse pressuposto, podermos afirmar que o
consumo dos importados teve vários matizes que não eram determinados unicamente pela
riqueza material dos indivíduos.
408
GINZBURG, Carlo. Op. Cit., p. 13.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluir é sempre uma tarefa difícil, porque devemos retomar aspectos que
consideramos cruciais. Acredito que é necessário, primeiramente, reconhecer que ainda está
por serem feitas pesquisas que abordem os diversos aspectos da vida material da Belém do
século XIX. As pesquisas já realizadas que tratam dos objetos domésticos tem sido notáveis
avanços nesse sentido. No entanto, os aspectos materiais, como procuramos demonstrar, vão
muito além do espaço doméstico e estão muito relacionados com as relações comerciais e
culturais que a Província do Pará estabeleceu com portos estrangeiros.
Penso que o objetivo de inventariar ou mapear esses bens, resultantes dessas relações
internacionais foi alcançado, dando margens para outros trabalhos que almejem se debruçar
mais detalhadamente sobre alguns desses aspectos essenciais, que marcaram não somente a
sociedade belenense como também a Província como um todo que, ainda que de forma mais
modesta, sentiu os efeitos da importação de longo curso. Portanto, assistiu à entrada de
produtos, ideias e noções de civilização, que atravessaram o Atlântico, ancoraram no Porto de
Belém e foram distribuídas pelas inúmeras casas de comércio aos consumidores que
pudessem adquirir, seja o sal, os chapéus de palha, os tecidos de algodão ou a manteiga
inglesa, os chapéus de sol de seda e os tecidos de linho e seda.
Tentamos demonstrar que a partir de 1840, a navegação de longo curso teve um
aumento paulatino, tendo aumentado na década de 1850 e, ainda mais, na década de 1860, à
medida que as consequências da cabanagem foram se distanciando. Mas, ainda que seja um
fato que as décadas de 1850-60 tenham incrementado o comércio do Pará com os portos
estrangeiros, é na década de 1840 que esse processo histórico/cultural começa a se desenhar.
Traça-se um caminho significativo que culminará no cosmopolitismo pós década de 1870.
Os anos de 1840 dão prosseguimento a um processo que começara com a abertura
dos portos em 1808, fora cessado nas décadas de 1820 e 1830, e continuaria com o início de
um certo impulso ao comércio internacional. Vimos que este gradual crescimento foi
possibilitado pelo aumento, ainda que modesto, da economia interna, alavancada a partir de
1848. Porém, ainda no inicio da década, o movimento do porto e das embarcações
estrangeiras já era muito significativo, trazendo mercadorias, que colocariam os consumidores
em contato com os produtos mais necessários e igualmente os requintados. As mesmas
embarcações traziam os mais variados tipos de produtos, desde os mais ordinários aos mais
onerosos, que poderiam pertencer ao cotidiano ou a ocasiões esporádicas.
168
Os produtos eram disponibilizados nas casas de comércio situadas na parte central da
cidade, com grande destaque para a Rua dos Mercadores, onde se apresentava os produtos
chegados em sua maioria dos portos de Havre, Nantes, New York, Salem, Lisboa, Porto e
Liverpool. Eram os novos produtos com serventias variáveis, de uso individual, doméstico,
público, em fim, faziam parte de um processo, talvez ainda não de uma modernidade, mas de
uma ampla modernização, endossada por valores burgueses, que compunham os ideais de
civilização e progresso do outro lado do Atlântico. Esses modelos seriam alcançados quanto
mais se incorporasse as inovações do capitalismo industrial europeu.
Com base nesse novo contexto que se instaura, a Província do Pará se colocou no
circuito da mundialização da cultura, dando novos ares ao comércio local, que experimentou
um processo de dinamização a partir da disponibilidade de artigos que a Província não vira
com frequência antes do período estudado. Assim, Belém não somente teve algumas das mais
prementes necessidades supridas, como também passou ao longo dos anos por um processo de
modernização, principalmente nos idos de 1850.
A modernização que Belém experimentou se beneficiou do aumento crescente da
economia interna, pois cifras estavam sendo investidas em diversos melhoramentos que a
cidade passou a experimentar, sobretudo os bens que não eram aqui produzidos, mas que tem
a ver com o momento histórico dos Estados Unidos, França, Portugal e Inglaterra. Dessa
forma, foi possível obter o tijolo e cimento americano utilizado nas construções da cidade, o
macadame português usado no calçamento e na pavimentação das ruas, as tintas a óleo usadas
na pintura dos prédios públicos e residências, as vidraças, as ferragens francesas e inglesas, as
maquinarias britânicas e americanas, que permitiram produzir bens mais rapidamente e de
melhor qualidade, como as máquinas de descaroçar, fiar e tecer algodão, as máquinas
tipográficas, de filtrar água, de prensar barro e fabricar tijolos.
No espaço privado, as importações foram notadas para diversas necessidades e
ostentações no âmbito da domesticidade, ainda que as fronteiras do público e do privado
fossem tênues, uma vez que a própria ideia de domesticidade ainda estava se construindo
nesta parte do Brasil. Assim mesmo, identificamos elementos que compunham essa
construção, tais como as louças, os móveis, os objetos de decoração, elementos estes que dão
conta de expressar que, de alguma maneira, a Província estava se transformando. Porém, essas
modificações foram possíveis e apressadas em função do contato que o porto de Belém
manteve com portos estrangeiros e do incremento das atividades portuárias.
Os portos estrangeiros, em geral, abasteciam a Província de produtos voltados para
alimentação, para o espaço da casa, para o desenvolvimento dos ofícios de alfaiate
169
ourivesaria, ferreiro, marceneiro, padeiro, sapateiro, comerciante e tantos outros que
necessitavam da matéria prima e dos equipamentos oriundos da navegação de longo curso
para desenvolverem suas atividades. Também se importava muito do que se vestia, desde os
produtos mais simples aos mais sofisticados, que não somente vestiam, mas adornavam os
mais endinheirados, como também os menos abastados que se dispusessem a adquirir um ou
outro desses importados.
Pelos navios a vapor vinham também os combustíveis que sustentavam as velas, os
candeeiros que iluminavam as residências e os ambientes públicos, os livros, jornais e revistas
que possibilitariam o incremento da leitura nas bibliotecas, os transportes que aos poucos
foram aumentando em número e sofisticação. Até mesmo artigos funerários foram registrados
nas cargas dessas embarcações. Porém, não era só isso. Para a cura de algumas doenças
também se contava com o auxílio de produtos importados. Nos meados do oitocentos, embora
a medicina fosse pouco desenvolvida, o conhecimento que já se tinha na Europa e que foram
importados pelo Pará, eram comumente divulgados positivamente para a cura de males do
corpo.
Percebemos que os portos de onde vinham os importados mantinham entre si pontos
em comuns, mas que também tinham suas especificidades, pois ao mesmo tempo em que
algumas mercadorias vinham de vários portos, outras eram específicas de determinados portos
ou cidades exportadoras. A mesma coisa acontecia com os países analisados. Nesse sentido,
estabelecemos um perfil ou um padrão de importados para cada país exportador, considerando
que, embora cada um deles trouxesse uma infinidade de produtos, havia sempre os que
caracterizam cada um deles, que poderiam está relacionados à localização da cidade ou ao
processo histórico por ele vivido. O sal português, os tecidos de algodão ingleses, os tecidos
de seda e os vinhos franceses, as fazendas de algodão e a farinha de trigo americanos,
caracterizam esses contextos históricos que influenciaram sobremaneiras o contato que o Pará
estabeleceu com cada um deles, que não tem a ver apenas com o suprimento de necessidades
ou abastecimento, mas com modelos, padrões de civilização e progresso.
A intensificação das navegações, os constantes anúncios dos produtos importados na
imprensa, geraram um consumo considerável entre diferentes grupos da população local. A
organização da riqueza dos inventariados em faixas de fortuna criou a percepção de que os
importados tinham uma significativa circulação entre grupos distintos, portanto, perpassam
pela ideia de circularidade cultural. Apreendemos que sujeitos com níveis de riqueza variados
poderiam adquirir produtos importados. É claro que isso poderia acontecer em menor ou
maior escala, mas o maior número de importados não necessariamente estavam concentrados
170
entre os grupos mais afortunados, assim como a menor quantidade deles não era exclusiva dos
grupos menos endinheirados. Esses limites não eram bem definidos e os objetos circulavam
entre uma e outra faixa de fortuna sem possuírem lugares rígidos. Por um lado, encontramos
inventários de indivíduos de muitas posses que tinham poucos bens importados ou bens pouco
valiosos, por outro, também identificamos outros sujeitos com menos riqueza que detinham
muitos bens importados e alguns de muito valor, tanto econômico, quanto simbólico.
Por outro lado, alguns importados eram de uso apenas da faixa dos abastados e dos
mais abastados, um deles era o piano, objeto considerado de luxo, e alguns deles encontrados
nos inventários chegavam a ser avaliados em aproximadamente 1:000$000. Porém, louças de
prata, mobílias, consideradas de bom gosto, foram encontradas entre os mais pobres, mas
devemos lembrar que o que classificamos como os mais pobres eram indivíduos que tinham
um monte-mor acima de 1:000$000, portanto, haviam muitos sujeitos com rendas muito
abaixo desse valor e que, provavelmente, não tinham acesso a esses objetos, exceto em raros
casos que não conseguimos localizar.
Podemos considerar que como os produtos importados eram muito variados, eles
poderiam atender a sujeitos com diferentes posses. Assim, quem não podia consumir os
nozes, os figos, a marmelada de Portugal, poderia ao menos comprar o sal, quem não tinha
como adquirir a manteiga inglesa, considerada por Braudel como um luxo de mesa, poderia
comprar a banha de porco norte americana, quem não podia usar roupas com tecidos de seda,
usava vestimentas com tecido de algodão, assim como quem não podia ter acesso a um
conjunto de jantar completo de prata ou de porcelana, poderia ter um ou dois desses objetos
individualizados. Era possível ter algo importado na Belém dos meados do oitocentos, pois os
importados eram muito variados. Contudo, ainda que bens importados não fossem
inalcançáveis, por vezes eles deixavam aflorar as distinções entre as camadas sociais.
Nesse contexto, analisamos que o aumento do número de embarcações entradas no
porto da capital belenense a partir de 1840, levou a uma progressiva circulação dos produtos
importados na Província. Esses artigos encontraram ampla recepção entre grupos com
diferentes níveis de riqueza, que passaram a usufruir dos novos e múltiplos objetos que
chegavam a Belém e, não raramente, chegavam aos interiores da Província.
Seja qual for o objeto descrito, o considerado supérfluo ou o indispensável,
representa um item que coloca a Província do Pará no circuito de transformações que
aconteceram em outras partes do Brasil e do mundo, especialmente as que foram privilegiadas
com os portos. Os portos eram espaços privilegiados, onde as novidades chegavam primeiro,
seja em matéria de alimentos, vestimentas, leituras, utensílios domésticos e até mesmo o
171
combustível para iluminar a cidade. Isso foi possível em uma época em que ter acesso aos
produtos mais triviais e os mais elegantes, relacionava-nos diretamente com o outro lado do
Atlântico.
De maneira tal como o uso da faca, do garfo e do lenço à mesa, foram aos poucos
sendo enquadrados em algumas partes até se tornarem imperativos, também ouvir um bom
som de instrumentos, adquirir talheres em prata, ler bons livros e se manter sempre ligado
com as últimas notícias e modismos europeus era estar condizente com a civilização. E quem
não podia desfrutar desses elementos simbólicos propiciados pelas navegações de longo
curso? Usava o sal para salgar, o açúcar para adoçar, o candeeiro para iluminar... Mas isso
também não seria simbólico? Talvez..., desde que viesse pelo mar.
172
FONTES PUBLICADAS
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173
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Franco, vice-prezidente da provincia do Pará na abertura da Assembléa Legislativa Provincial
no dia 14 de abril de 1842. Pará, Typ. de Santos & menor, 1842.
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Paranhos da Silva Vellozo, presidente da provincia do Pará, na abertura da primeira sessão da
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Francisco Coelho, presidente da província do Gram-Pará, á Assembléa Legislativa Provincial
na abertura da sessão ordinaria da sexta legislatura no dia 1.o de outubro de 1848. Pará, Typ.
de Santos & filhos, 1848.
PARÁ, Governo da Província do. Falla dirigida pelo Exmo Snr conselheiro Jeronimo
Francisco Coelho, prezidente da provincia do Gram Pará á Assembléa Legislativa Provincial
na abertura da segunda sessão ordinaria da sexta legislatura no dia 1.o de outubro de 1849.
Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio do presidente da provincia do Gram Pará, o exmo
sñr dr. Fausto Augusto d'Aguiar, na abertura da segunda sessão ordinaria da setima legislatura
da Assemblea Provincial no dia 15 de agosto de 1851. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1851.
174
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio apresentado ao Exmo Snr. dr. José Joaquim da
Cunha, presidente da provincia do Gram Pará, pelo commendador Fausto Augusto d'Aguiar
por occasião de entregar-lhe a administração da provincia no dia 20 de agosto de 1852. Pará,
Typ. de Santos & filhos, 1852.
PARÁ, Governo da Província do. Falla que o Exmo Snr. dr. José Joaquim da Cunha,
presidente desta provincia, dirigio a Assembléa Legislativa Provincial na abertura da mesma
Assembléa no dia 15 de agosto de 1853. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1853.
PARÁ, Governo da Província do. Falla que o Exmo Snr. conselheiro Sebastião do Rego
Barros, prezidente desta provincia, dirigiu á Assemblea Legislativa provincial na abertura da
mesma Assemblea no dia 15 de agosto de 1854. Pará, Typ. da Aurora Paraense, 1854.
PARÁ, Governo da Província do. Exposição apresentada pelo Exmo Snr. conselheiro
Sebastião do Rego Barros, presidente da provincia do Gram-Pará, ao exm.o senr tenente
coronel d'engenheiros Henrique de Beaurepaire Rohan, no dia 29 de maio de 1856, por
occasião de passar-lhe a administração da mesma provincia. [n.p.], Typ. de Santos e filhos,
1856.
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio lido pelo Exmo Snr. vice-presidente da provincia,
d.r Ambrosio Leitão da Cunha, na abertura da primeira sessão ordinaria da XI. legislatura da
Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1858. Pará, Typ. Commercial de
Antonio José Rabello Guimarães, 1858.
PARÁ, Governo da Província do. Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia do Pará
na segunda sessão da XI legislatura pelo Exmo Snr. tenente coronel Manoel de Frias e
Vasconcellos, presidente da mesma provincia, em 1 de outubro de 1859. Pará, Typ.
Commercial de A.J.R. Guimarães, [n.d.]
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio que o Exmo Snr d.r Antonio Coelho de Sá e
Albuquerque, presidente da provincia do Pará, apresentou ao exm.o sr. vice-presidente, dr.
Fabio Alexandrino de Carvalho Reis, ao passar-lhe a administração da mesma provincia em
12 de maio de 1860. Pará, Typ. Commercial de A.J. Rabello Guimarães, [1860]
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio dirigido á Assembléa Legislativa da provincial do
Pará na segunda sessão da XII legislatura pelo Exmo Snr. Dr. Francisco Carlos de Araujo
Brusque, presidente da mesma provincia, em 17 de agosto de 1861. Pará, Typ. do Diario do
Gram-Pará, [n.d.]
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa da provincia
do Pará na primeira sessão da XIII legislatura pelo Exmo Snr. presidente da provincia, dr.
Francisco Carlos de Araujo Brusque em 1.o de setembro de 1862. Pará, Typ. de Frederico
Carlos Rhossard, 1862.
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa da provincia
do Pará na segunda sessão da XIII legislatura pelo excellentissimo senhor presidente da
provincia, doutor Francisco Carlos de Araujo Brusque, em 1.o de novembro de 1863. Pará,
Typ. de Frederico Carlos Rhossard, 1863
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio dos negocios da provincia do Pará. Pará, Typ. de
Frederico Rhossard, 1864. At head of title: Dr. Couto de Magalhães, presidente do Pará, 1864.
Cover title: Relatorio dos negocios da provincia do Pará seguido de uma viagem ao Tocantins
175
até a cachoeira das Guaribas e ás bahias do rio Anapú, pelo secretario da provincia, Domingo
Soares Ferreira Penna, da exploração e exame do mesmo rio até acima das ultimas cachoeiras
depois de sua juncção com o Araguaya, pelo capitão-tenente da armada, Francisco
Parahybuna dos Reis.
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial
por s. exc.a o sr. vice-almirante e conselheiro de guerra Joaquim Raymundo de Lamare,
presidente da provincia, em 15 de agosto de 1867. Pará, Typ. de Frederico Rhossard, 1867.
PARÁ, Governo da Província do. Relatório com que o excelentíssimo senhor Vice-almirante
e conselheiro de Guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província a
excelentíssimo Senhor Visconde de Arary, em 6 de agosto de 1868. Typografia do Diario do
Gram-Pará, 1868.
PARÁ, Governo da Província do. Relatorio do secretario da provincia. Pará, Typ. de
Frederico Rhossard, 1864. At head of title: O Tocantins e o Anapú. Bound with item no. 527.
• Biblioteca do Grêmio Literário Português
Jornais
Diário do Comércio, 1859
Gazeta Official, 1858-1860
O Publicador Paraense, 1852-1853
O Planeta, 1849-1850
O Echo Independente, 1848-1849
• Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves - CENTUR
Seção de microfilmes
Jornais
Diário do Gram-Pará, 1857-1868
FONTES MANUSCRITAS
• Centro de Memória da Amazônia - CMA
Inventários post mortem
• Biblioteca do Grêmio Literário Português
176
Manifestos de Importação, 1857-1870.
• Arquivo Público do Estado do Pará - APEP
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios da Alfândega do Pará. Caixa nº76,
1841-1848.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios do Arsenal da Marinha do Pará. Caixas
nº 69, 1841.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios do Arsenal da Marinha do Pará. Caixas
nº 160, 1851-156.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios do Arsenal da Marinha do Pará.
Códice nº 1235, 1853.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofício da Capitania dos Portos. Caixa nº 198,
1855-1856.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios da Comissão da Praça de Comércio.
Caixa nº 277, 1864-1870.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios dos Cônsules. Caixa nº 162, 151-159.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios dos Cônsules. Caixa nº 241, 18601868.
Fundo Secretaria da Presidência da Província. Ofícios dos Ministérios do Império,
Estrangeiro e Justiça. Caixa nº 67, 1840-1849.
Fundo Secretaria de Polícia da Província. Ofícios da Alfândega. Caixa Sn, 1847, 1848, 1860,
1865, 1868, 1870.
Fundo Secretaria de Polícia da Província. Ofícios da Secretaria da Presidência da Província.
Caixa Sn, 1841, 1849, 1859, 1861, 1862, 1865, 1866, 1870.
Fundo Secretaria de Polícia da Província. Requerimentos. Caixa Sn, 1840, 1842, 1854, 1856,
1858, 1860, 1862, 1863, 1864, 1866, 1869, 1870.
Fundo Tesouro Público Provincial. Caixa Efetiva. Caixa Sn, 1850, 1853, 1854, 1855, 1856,
1857, 1859, 1860, 1861,1862,1863, 1864, 1865, 1866, 1867, 1868, 1869, 1870.
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APÊNDICE A - GLOSSÁRIO
Açafate (Cesto pequeno de vime; canastrinha)
Aduela (Tábua encurvada que concorre para formar o corpo de tonéis, pipas etc; Ripa que
forra o vão das ombreiras das portas)
Água férrea (água terapêutica, rica em ferro)
Aguarrás (solvente orgânico semelhante ao querosene)
Albardão (Grande arreio grosseiro, enchumaçado de palha, para bestas de carga)
Alcatrão (o alcatrão é separado em suas frações, o que lhe permite fornecer matéria-prima
para inúmeros produtos químicos, tais como desinfetantes, impermeabilizantes,
farmacêuticos)
Alpiste (Grãos de uma gramínea que se dá aos pássaros)
Alvaiade (Pigmento branco comercial, conhecido desde a antiguidade. É um carbonato
básico de chumbo de composição algo indefinida em função do processo de fabricação e
procedência)
Alvarenga de ferro (Grande lancha para carga e descarga de navios)
Ancoreta (pequeno barril chato para transporte de vinho ou aguardente)
Ancorete (pequena âncora)
Andor (Charola portátil e ornamentada sobre a qual se conduzem imagens nas procissões)
Aparelhos de polyorama (O Polyorama, um dos tantos ancestrais do cinematógrafo)
Archote de esparto (tocha de esparto breado; facho breado que se acende para iluminar)
Arenques (pequenos peixes gordurosos do gênero Clupea encontrados nas águas
temperadas e rasas do Atlântico)
Arestas (pequeno prego quase sem cabeça, usado pelos sapateiros)
Avelórios (Contas de vidro; miçangas)
Bala de papel almaço (rolo de papel usado nas tipografias)
Balanço (Brinquedo formado por um par de bancos colocados um em frente ao outro e
suspensos por um cabo, permitindo balançar. Atualmente é chamado de baloço)
Barretões (barretões de oleado: indumentária usada na cabeça pelos militares da Guarda
Nacional)
Barrilha (Nome comercial dos carbonatos de sódio e potássio)
Betume (Betume, bitume ou pez mineral é a mistura sólida, semi-sólida, formada por
compostos químicos (hidrocarbonetos), e que pode tanto ocorrer na natureza como ser
obtido artificialmente, em processo de destilação do petróleo. Do betume são obtidos
187
vernizes, massas de revestimento, bases para pintura. É usado para tratar madeiras, pois
protege do ataque de cupins)
Bichas (Artefato pirotécnico, que consiste num canudinho de papelão cheio de pólvora e
munido de um navio que ao queimar faz estalar o invólucro)
Bobinetes (o mesmo que filó)
Bonets (uma espécie de chapéu)
Brandy ou Brande (é o produto decorrente da destilação de vinho, geralmente contendo
cerca de 40–60% de graduação alcoólica por volume)
Brochas (Espécie de prego curto de cabeça larga e chata; Correia de couro da canga de
bois)
Cabazinhos (pequeno cesto, cesta, samburá)
Cadernal (peça náutica)
Cadinho (vaso feito de material que resiste ao fogo)
Canapé/camapé (espécie de sofá com costas e braços)
Contas marítimas (miçanga; pequenos glóbulos utilizadas em joalheria (colares, anéis,
pulseiras, rosários etc)
Capacho (Tapete de fibra dura destinado à limpeza das solas dos sapatos)
Capa-rosa (caparrosa: designação vulgar dos sulfatos; nome de certas plantas)
Capilho(a) (Capilha é uma espécie de caixa onde se guardam documentos)
Burra de ferro (Burra - Cofre para guardar dinheiro. Também se alude frequentemente a
burra de ferro)
Ceira ou seira (Cesto ou saco de vime, esparto ou junco, usado especialmente para
transportar frutos)
Chales (abrigo de lã ou casimira quase sempre usado por mulheres)
Chamalote (Tecido de seda que, pelos desenhos, forma ondas, chamas)
Chapéus de baeta (baeta: tecido felpudo de lã)
Charões (Charão: verniz de laca, oriundo da China e do Japão; Plantas asiática)
Chinelas de marroquim (pele de cabra ou bode tingida e já preparada para artefatos)
Chumaceira de latão (Espécie de coxim de madeira sobre o qual se move um eixo)
Chumbeiro (Estojo de couro para chumbo de caça)
Coffo (Espécie de cesto oblongo de boca estreita, onde os pescadores arrecadam o peixe,
camarão etc)
188
Condessa ou Condessa de vime (pequena cesta de verga ou vime redonda ou ovalada,
sem asa e dotado de tampa)
Coral (Animal dos mares quentes, muito usado em joalheria; a peça de joalheria)
Coralina (o mesmo que coral. Incrustação calcária e matizada de uma espécie de alga)
Cordovão (Couro de cabra, curtido, e preparado especialmente para calçado)
Correame (Conjunto de correias, particularmente as do uniforme do capacete dos
militares)
Cotim (Espécie de tecido de linho ou de algodão)
Coxim (Almofada que serve de assento; espécie de sofá sem costas)
Cochicho (apitos de barro, já usados em Portugal, que, cheios d’água, quando soprados
imitam a voz do pássaro do mesmo nome)
Dedal (Estojo de metal, marfim etc., para proteger o dedo que enfia a agulha)
Dobrões (dobrão: antiga moeda portuguesa de ouro)
Dragonas de ouro (Peça de metal que os militares usam no ombro como distintivo)
Dril (Pano branco inglês, antigamente muito usado no Brasil em vestuário de homem)
Enxergões (enxergão: colchão inferior, isto é, aquele que vai imediatamente sobre o
estrado, colocando-se depois o verdadeiro colchão)
Enxofar (enxofrador: máquina para pulverizar enxofre nas plantas)
Enxó (instrumento de carpinteiro para desbastar madeira, chapa de aço cortante)
Escabeche/Escaveche (conserva de vinagre e temperos para peixe ou carne)
Escaler (barco pequeno)
Espírito de terebintina, termentina ou terbentina (o mesmo que aguarrás. Terebintina
ou terebentina é um líquido obtido por destilação de resina de coníferas. A terebentina é o
diluente ideal para tintas destinadas à pintura de óleo sobre tela)
Estearina (fração sólida, obtida do óleo de palma, é utilizada como agente de consistência.
Pode ser utilizado em sabões, velas, cremes e loções cosméticas, mas é usado
principalmente na fabricação de velas)
Fateixa (gancho de ferro usado nos açougues para pendurar carne)
Filele (Tecido especial de várias cores, próprio para fabrico e conserto de bandeiras e
galhardetes)
Fole (Fole de ferreiro ou fole de forja é uma ferramenta usada pelos ferreiros para atiçar o
fogo na hora da forja de metais. É composto de uma sanfona de pele entre duas peças de
madeira com cabo, que quando aproximadas expulsa o ar para fora da sanfona; utensílio
destinado a produzir vento para ativar o fogo)
189
Franja (Ornamento formado por fios pendentes que guarnece um vestido, uma blusa etc)
Funda (Arma de arremesso formada por uma peça central presa a duas tiras de couro)
Galão/Galão de ouro (Tecido espesso de ouro, prata, seda, ou lã, do feitio de uma fita,
usado como remate ou enfeite em peças do vestuário ou do mobiliário)
Gangas (calças jeans do sec. XIX)
Garruncho/Garrucho (Círculo de ferro, onde passa um cabo de navio)
Gelatina (substância obtida pela ação da água quente sobre os tecidos fibrosos dos
animais. É empregada na indústria como material de revelação de chapas fotográficas)
Genebra (Aguardente feito de cereais, com bagas de zimbro nela maceradas)
Gigos (cestos de vime)
Ginja (bebida fabricada do fruto da ginjeira)
Gorgorão (Tecido encorpado de seda ou lã)
Gral de pedra (recipiente usado nos laboratórios)
Granadeira (objeto usado para lançar granadas)
Ilhós (Aro de metal com que se debrua um orifício ou furo redondo em pano, papel ou
couro, por onde se enfia um cordão, cadarço ou uma fita)
Litografia (Papel próprio para desenho, pintura)
Lúpulo (planta trepadeira da família das moráceas, empregada no fabrico da cerveja)
Massame (Lastro de pedras ou argamassa posto no fundo dos poços, cisternas, piscinas
etc.; Náutica Conjunto daquilo que concerne à mastreação de um navio: polias, enxárcias,
velas, vergas, cordoalha etc.)
Macete (Espécie de martelo de ferro, de forma cônica, usado por pedreiros, canteiros e
funileiros, ou de madeira, de forma cilíndrica, usado por carpinteiros e marceneiros)
Machete (Cavaquinho)
Manteletas (vestidura curta, que dignatários eclesiásticos usam sobre o roquete; pequena
capa leve e com rendas para senhoras)
Mastaréu (instrumento náutico, pequeno mastro suplementar)
Mechas (pedaço de papel ou pano embebido em enxofre para defumar pipas e toneis)
Moitões (peça metálica em forma de eclipse destinada a levantar pesos e outros usos)
Nastros (Fita estreita de linho ou algodão; trena)
Obreia (pasta de massa usada para fabricar a hóstia para a comunhão)
190
Orchata (tipo de bebida refrigerante, feita com sementes de melancia, amassadas, água e açúcar; bebida feita com caldo de cevada cozida e amêndoas doces)
Ocre (uma espécie de argila colorida)
Oleado/Peças de oleado (o mesmo que encerado, pano tornado impermeável pela
aplicação de verniz)
Paio (Carne de porco acondicionada em tripa de intestino grosso)
Patacão (antiga moeda de cobre portuguesa do valor de 40 réis)
Pederneira pedra que se fere com um objeto para produzir fogo
Pêz (breu, piche, betume) e resina
Pez de sapatos (Pez: resina grudenta)
Pó de marfim (para fazer bola de bilhar)
Poleame/Poliame (Poleame, na náutica é o conjunto de todas as peças: moitões, cadernais,
patescas, bigotas, etc, destinadas à passagem ou ao retorno de cabos em geral)
Polvarinho (estojo em que se leva pólvora para a caça)
Realejo (espécie de instrumento musical, portátil cujo fole e teclado são acionados por um
cilindro movido a manivela)
Rolão (a parte mais grossa da farinha, utilizada para fazer papas grossas)
Sêmeas (O que fica da farinha de trigo, depois que esta é peneirada e separada do rolão;
farelo miúdo)
Sarja (Tecido entrançado feito de lã, raiom, algodão ou seda. A trama apresenta nervuras
ou linhas oblíquas na superfície do tecido)
Serineta (Espécie de instrumento musical com que se ensinam as aves canoras a cantar)
Serpentina (castiçal de vários braços, geralmente dois ou três, onde se fixam velas; fita de
papel colorido, enrolada sobre si mesma e que se desenrola quando atirada nos folguedos
de carnaval)
Servilha (Sapato de couro; Sapato de ourelo)
Tijolos de lousa (tijolo para fazer laje)
Toucador (Espécie de cômoda encimada por espelho, diante da qual as mulheres se
penteiam, se pintam; penteadeira)
Traste (Móvel caseiro)
Umbela (Pequeno chapéu-de-sol de senhora; sombrinha)
Vaqueta (couro delgado curtido e preparado, próprio para a fabricação de forro para
calçados)
191
Varejo (Fogo de artilharia ou fuzilaria)
Vitríolo (Nome vulgar do ácido sulfúrico e diversos sulfatos)
Zuarte (pano azul ou preto de algodão)
192
APÊNDICE B – Agrupamentos dos importados em Subcategorias
SUBCATEGORIA
ITENS
Adorno para roupas e Botões de aço, bordado de ouro, boné, bonete, leque, bengala,
pessoas
botões de ágata, botões de osso, botões de seda, cabeleira, cabelo,
chapéu, chapéu de senhora, chapéu de chuva, chapéu de sol de
seda, chapéus de palha, chapéus-de-sol, cartola, chale, chapéu de
seda e paninho, chapéu de baeta, chapéu de mola, gravata, gravata
de seda, umbela, lenço, lenços de seda, manta para viagem, manta
de lã, luva, miçanga, fita, fita de seda
Alimentos de origem
animal
Bacalhau, carne, carne de porco, peixe, língua de peixe, peixe de
escabeche, carne salgada, carne seca, lagosta, lagosta com calda,
salmão, sardinha, arenque, camarão, ovos, pássaros preparados,
tartaruga em rama
Alimentos de origem
vegetal
Azeitona, batata, cebola, hortaliça, legumes, maçã, nozes, tâmara,
arroz com casca, pêssego, repolho, repolho salgado, tomates
salgados, grão-de-bico, fava, grãos, grãos para sopa, tamarindo,
peras secas, passas, nabo, nabo salgado, ameixa, amêndoa, aveia,
castanha, farelo, feijão, figo, frutas secas, terça, rolão, sêmeas,
tremoços, uva, maná
Bolacha, bolacha fina, bolachinha de soda, chouriço, doce, farinha,
farinha de trigo, manteiga, manteiga de porco, queijo, marmelada,
massa de cacau, massa de tomate, toucinho, açúcar, presunto,
biscoito, biscoitinho, café, calda, conserva, conserva de ervilha,
lingüiça, pães de açúcar, salpicão, salsicha, cevada, cevadinha, paio
Arma, revólver, pólvora, carabina, garruncheira, espingarda,
espoleta, granadeira, cano de chumbo, chumbeiro, fecho para
espingarda, pistola, polvarinho, punhal, varejo, funda, chumbo em
grão, lazarina
Alimentos
processados
Armamento e
munições
Artigos funerários
Ferro de cova, túmulo, mausoléu, urna de pedra
Artigos religiosos
(litúrgicos)
Crucifixos de madeira, cruz, santos, santuários, oratório, andor,
cristo de prata, figuras de barro, figuras de gesso, figuras de pau,
imagens, opas, paramento, paramento para missa, paramento para
altar, romeira, sino, obreias.
Artigos de pesca
Caniço, anzol, rede, rede de pesca, rede de arame, coffos
Bebidas
Aguardente, chá, chá hysson, chá preto, champanhe, cidra, ginja,
conhaque, brande, cognac, cerveja, licor, licor de labarraque,
orchata, rum, vinho, vinho Bordeaux, vinho branco, vinho
Muscatel, vinho tinto, genebra
Bens da casa
Assuadeira, escarradeira, caixinhas para barba, banheira, espelho,
bauzinho de folha, chapa, chapa de cozinha, chapa para fogões,
chapa elétrica, colchão, facas, facas de charquear, facas de ponta
cortada, facões, ferro de engomar, fogões, fogões de ferro,
193
cafeteira, fogareiro de ferro, fogareiro com grelha, lavatório,
lençol, cobertores, guardanapo, penico, pente, pente de marfim,
pente de chifre, pente de goma elástica, pente para crianças,
refrigerador, toalha, travesseiro, bancas, chaminé, jardineira,
espelho, jarros, pia, ralo, manta, chaminé de vidro, jarros, baú,
torrador, torrador de café, enxergões, estojo, estojos de de barba,
pinceis de barba, palito, fósforo, pederneira, mobília, cama, canapé,
guarda-roupa, cômodas, estante, sofá, refrigerador, cadeira, cadeira
de balanço, traste, burra de ferro, cofre de ferro, toucador,
marquesas, almofada para cadeira, armações para licoreiro, ,
licoreiros, objetos de chapeleira, chapeleira, urinóis
Condimentos
Alho, azeite, canela, cominho, pimenta, pimenta preta, sal, vinagre,
salsaparrilha, mostarda, mostarda em grão, cravo, molhos, molhos
de cebola, especiarias, escabeche
Diversão
Cartas para jogar, dados para jogar, jogos de bola, bichas, mesas
para jogar, cochicho, lanterna, lanterna de papel, aparelhos de
polyorama, balanço, balões, bilhar, boneca, boneco, bonecos de
goma elástica, boneco de barro, brinquedo, carrinho para crianças,
cochichos, deorama, fantasia, fogo artificial, fogo da china, fogos
de artifício, foguete, foguete da índia, cana para foguetes, mesa de
jogo, peões, utensílios para mascarado, cavalo de pau, serpentina
Ferramenta, ferramenta de corte, afiador, amolador de pau,
rebolo/pedras de rebolo, machado, machadinho, arado, enxada,
enxofar, foice, instrumentos de agricultura
Ferramentas
Flores, plantas,
sementes, produtos e
objetos medicinais
Bagas de zimbro, flor de sabugo, flor de laranja, sabugueiro,
sumagre, sanguessugas, alfazema, linhaça, arbusto, aresta, camélia,
campeche, pau de campeche, cana, capim, carnaúba, charões,
essências vegatais, gergelim, grama, lúpulo, macela, mamona,
pinhão, pinho, planta, planta de flores, preparo de flores, ramos de
flores, raízes de flores, rutim, salva, sanguissugas, semente,
semente de flores, semente romana, sumagre, vergônteas,
vermífugo, videira, taboca, pirola de Brandreter, macela,
instrumentos de cirurgia
Fumo
Porta-cigarro, porta-charuto, charuto, rapé, tabaco, folhas de
tabaco, tabaco de estriga, tabaco de fumo, esturrinho
Iluminação
Alâmpada, candeeiros, candeeiro solares, candelabros, castiçal,
lamparina, lampeão, lanternas, mangas de vidro, velas de sebo,
velas de espermacete, vidro de lampião, vidro para candeeiro, velas
de cera, sebo de Holanda em velas, fio de vela, azeite de baleia,
azeite para luz
Instrumentos
musicais e outros
Piano, violino, violão, guitarra, rabeca, rabecão, cavaquinho, flauta,
serineta, corda para instrumentos, machete, órgão, papel para
música, realejo, viola
194
Itens fotográficos
Gravuras, litografia, retrato, papel fotográfico, papel para imprimir,
objetos para daguerreotypo, gelatina
Joias
Ouro, contas, contas de ouro, contas marítimas, objetos de prata,
contas de vidro, adereços de contas, relógios, relógio de ouro e
prata, relógio de algibeira, pulseiras, brincos, braceletes, bijuteria,
coral (corais), coralina, cordão, joias de ouro
Leitura: livros,
bibliotecas e
escritório
Tinteiro de estanho, tinteiro, tinta para escrever, pena, pena de aço,
penas de metal, pena para escrever penas metálicas, máquina de
copiar cartas, livro, livros em branco, mapa, mapa da costa do
Brasil, mapa mundi, plano, objetos de escritório, objetos de
escrituração, utensílios para desenhos, globo, globo de vidro, lápis,
objeto para escrever, instrumentos matemáticos
Materiais e produtos
de limpeza
Sabão, sabonete, água para tirar nódoas, escova, escovões,
vassoura
Maquinarias diversas
Máquina, máquina de fazer tijolos, prensa para tijolos, máquinas e
pertences para destilar, máquina magnética, máquina para cacau,
máquina para cortar papel, máquina para fazer água de selts,
máquina para fazer soverte, maquinismo, parafuso de engenho,
peças de maquinismo por vapor, pistão de ferro, engenho de vapor,
engenho de descaroçar algodão, moendas de urucu, moinho,
moinho de café
Material para
imprensa
Typos (tipografia), prelo, objetos para imprensa, bala de papel,
máquina para aparar papel, folheto, gazeta, impressos, jornais do
universo pitoresco, papel para imprimir, jornais do universo
pitoresco, rolos de papel
Materiais para
construção de casas,
ruas
Lage, laje de cantaria, azulejo, pastilha, pares de rotula, pedra de
cantaria, sacada de cantaria, pedra, pedra branca, pedra calcária,
pedra de lajedo, pedra de mármore, pedra para escada, seixo,
soleira de pedra, tijolo, tijolos de lousa, tijolos de zinco, varas de
lajedo, cimento, soleira de porta
Metais e ligas
metálicas
Ferro, ferro em barro, ferro em linguado, ferro de latão, cobre,
estanho, latão, aço, prata, ouro, folhas de bronze, folhas de cobre,
folha de ferro, folhas-de-flandres, zinco, folhas de zinque, aço,
chumbo em lençol, rolo de chumbo, chumbo, barras de chumbo,
metais
Moedas
Libras de ferro, libras de ferro da Suécia, moedas de cobre, moedas
de prata, patacão, pesos, peso de ferro, peso de ouro, peso de prata,
pesos mexicanos, soberano, dobrões, onça de ouro, saca com
dinheiro
Objetos de vidro
Telas de vidro, cálices de vidro, avelórios (miçangas), cristais,
telhas de vidro, vidro, vidro para vidraças, vidro em chapa
Objetos militares
Capacete, capacete de cobre, coturno, dragonas de ouros, correame,
195
barretões, objetos para militares, porrete, preparos para soldado
Obras diversas
Obras de cobre, obras de folha, obras de jaspo, obras de latão e
cobre, obras de metal, obras de ouro, obras de prata, obras de vime,
obras de barro, obras de vidro
Óleos e azeites
Óleo, azeite, azeite de oliveira, banha, banha de porco, azeite de
peixe, azeite doce, Óleo de palma
Papeis
Papel machê, papel, papel florete, papel para forrar casas, papel
para forrar salas, papel pintado, rolo de papel pintado, papelão
Perfumaria
Água de colônia, perfumaria
Produtos para botica
e medicamentos
Iodo, água férrea, mercúrio, vidro de água das caldas, droga, quina,
sulfato de quina, medicamento, pílula, pomada, remédio para
lombrigas, ungüento russiano, unto, xarope, xarope de limão,
pílula, cadinho, gral de pedra, óleo de ouro, Óleo de amêndoa, Óleo
de mamona, Óleo de rícino, Óleo de castor, azeite de carrapato,
óleo de limão, espermacete, Óleo de linhaça, erva, erva doce, Óleo
de junipero (óleo de cedro)
Produtos Químicos
Aguarrás, barrilha, cal, espírito de nitro, potassa, carbonato de
amoníaco, ácido, salitre, calomelano, cânfora, enxofre, espírito de
terebintina, etér sulfúrico, iodo, vitríolo, estearina, alcatrão,
alvaiade, betume, caparrosa, éter sulfúrico, pó para tingir cabelo,
cloruro de zinco
Tecidos e linhas
Merinó, brim, chitas, seda, fazendas, rendas, tafetá, casimira,
estampa, lã, linha de novelo, linho, veludo, pano de algodão,
madapolão, zuarte, retrós, chamalote, bobinete, cetim, chamalote,
cotim, dril, estopa, filele, fio, flanela, linhas, linhas rorís, peças de
sarja, sarja de seda, pêlo de seda, pelúcia, riscado, oleado, peças de
oleado
Transportes
Alvarenga de ferro, âncora, ancorete, arco de pau para mastro,
arcos para mastro, arreios para carroça, arreios para carro, arreios
para carrinho, cabo, cabo da rússia, cabo de cairo, cabo de linho,
cadernais, carrinho, carrinho com arreios, carro, carro fúnebre,
carro para água, carros para carregar pedra, carruagem, escaler,
garruncho/garrucho, eixo, eixo de ferro, eixo para carro, jogos de
roda, lancha, linha de barquinha, mastaréu, material para imprensa,
objetos para carrinho, objetos para carruagem, pau para gurupés,
poleame, remo, rodas d’arco de pau, rodas de ferro, rodas, traçado,
varais para carro, ferro de canoa, aparelho de carrinho, chumaceira
de latão, chicote de carrinho, poliame
Utensílios de
trabalho (Destilaria,
Ourivesaria)
Alambique, alambique de cobre, ferramenta de ourives, prata,
fogão para destilar
Utensílios de alfaiate
Agulha, alfinete, colchete, corte de coletes e calças, cortes de
196
vestidos, dedais, franja, Ilhós, cortes de coletes e calças, renda de
ouro, tesoura, nastro
Utensílios de
trabalho (Carpinteiro,
marceneiro e
Tanoeiro)
Verruma, enxó, martelo, prego, dobradiça, aduela, preparos para
serra, serras, tabuinha, tabuinha para janela, prancha de pinho,
tabuado de pinho, pés de tabuado de pinho, tábuas, tábuas de
nogueira, tábuas de pinho, madeira, rotim
Utensílios de
trabalho (Ferreiro) e
ferragens
Bigorna, fole, arco de ferro, barra de ferro, chapas de ferro,
fechaduras, ferragens, martelo, torno de cobre e ferro, torno,
caldeira, ferramenta de torneiro, lima, serra, prensa, forno, areia de
fundição, areia, vergalhões de ferro, tacha de ferro, ferro fundido,
trancas de ferro, grade de ferro, tacha de ferro fundido
Utensílios de
trabalho (Padeiro)
Peneira, cilindro, cilindros de ferro, confeiteira, peneira de arame,
peneira para padeiro
Utensílios de
trabalho (Sapateiro)
Formas para sapatos, trinchetes, pez, breu, piche, resina, pez de
pinho, pez de sapatos, cadarço, cadarço de algodão, vaqueta, pele
de carneiro, peles de bezerro, peles de sapateiro, brocha de
sapateiro, peles envernizadas, peles marroquim, marroquim, pelica,
bicos para sapateiro, aresto, cola, cordovão, couros, coxim, coxim
de linho, peças de castor, tacha, tampo de couro, vaqueta, pó de
sapato, capacho, fio de sapateiro, sola, costaes sola
Utensílios e
alimentos para
animais
Albardão, corda, arreio, arreio para cavalos, ferradura, alpiste,
aparelhos para cavalo, cabeçada, cabeçada para cavalo, casas de
pombo, casas de ganso, casas de pato, comida para cavalo, espora,
feno, freios, gaiola, gaiola com canários, objetos de selaria, selim,
viveiros para canários, obras de seleiro, farinha para cavalo
Utensílios para
comércios, açougues
e mercearias
Fateixa, aparelhos de armação
Vasilhames
Açafate, barril, pipa, barrica, ancoreta, bacia, bacia branca, bacio,
balde, botijões de barro, botijões, cabanilho, cabazinho, caixa,
caixa selada com prata, caixas abatidas, caixas de pau, caixas de
tartaruga, caixinhas de madeira, caldeira, cestinha, cesto, condessa,
condessa de vime, frasco, frasqueira, garrafa, garrafões vazios,
latas, liaças de vime, peniqueira, sacas, terno de baldes, ternos de
condessa, tina, gigos, ceira (seira), paneiro, sacas de gune, vidro
para água de colônia, tina
Vestuário
Calçado, sapato, chinelas, chinela de marroquim, roupa, roupa para
teatro, chapelaria, vestido, vestido de seda, servilha, camisa,
camisola, gangas, servilha, meia, tamanco
Diversos
Algodão, amostra, anil, arame, archote, archote de esparto, balança,
balança de patente, braços de balança, barbante, polimento, couro
de polimento, bezerro, bezerro branco, bezerro de polimento,
197
bezerro envernizado, bocais para bomba, bogias, bomba, bomba de
incêndio, canivete, carro de mão, carteira, casco, casco de
tartaruga, sebo, cera, cera brume, chicote, composição, corrente,
cortiça, crivo, encerado, encomenda, escada de pau, esponja,
esteiras, escudo pintado, ficha, flor artificial, gelo, goma arábica,
graxa, grude, grude de peixe, lixa de peixe, lona, luneta, macete,
mala, mala de couro, manteletas, manufatura, massa, massa para
extinguir rato, mechas, medalhas, miudezas, modas, moitões,
molde, monumento, navalha, objetos de goma elástica, objetos para
cartório, objetos para sorvetes, objetos para vapor, ocre, óculos,
óculos de alcance, ostra, pá, pá de ferro, palheta, palhinha, pedra
para engenho, penas de aves, penas de pato, pinceis, quadro,
quarto, quinquilharia, regador, regulamento, rolhas, rolhas de
cortiça, seta, tabatinga, tacho, tacho de cobre, tacho de ferro,
tampo, tampos envernizados, tapete, taxas de bomba, termômetro,
tinta, tinta branca, tinta em óleo, tinta em pó, verniz, torneira,
utencis, válvula de borracha, vara, veneziana, verguinha, vime,
carvão, carvão de pedra, marcas de osso, folha, pó de marfim,
redoma, fio porrete, forma, serigrafia, lousa, gesso, cinta
198
ANEXO – Conversão de Réis (Rs $) em Libras ( £ )
Como o Real (Rs), moeda brasileira do oitocentos era frágil frente ao franco francês ou a
libra esterlina inglesa, e a economia brasileira apresentou durante esse período momentos de
inflação, comparar uma fortuna de um período em que o real estava desvalorizado frente as
moedas europeias, com a fortuna de outro momento em que o real estava valorizado no cenário
econômico é desigual. Portanto, a fim de eliminar essa influência da inflação presente em cada
ano, os valores em réis (Rs) foram convertidos em libra esterlina, por meio do pence inglês, como
fator de conversão. Assim pode-se comparar fortunas de diferentes períodos. Este processo de
conversão foi realizado com base no procedimento que Kátia de Queirós Mattoso apresenta no
livro Ser Escravo no Brasil, cuja metodologia de análise de dados é baseada na relação dada
abaixo.
Valor [£] (em libras) = Valor [Rs 1$000] (em mil réis) x
taxa de flutuação cambial em pence
240
Tabela da Taxa de flutuação cambial: valor de Rs 1$000
(mil-réis) em pence 1840-1870
Ano
Câmbio Ano
Câmbio Ano
Câmbio
1840
31,0
1850
28,7
1860
25,8
1841
30,3
1851
29,1
1861
25,5
1842
26,8
1852
27,4
1862
26,3
1843
25,8
1853
28,5
1863
27,2
1844
23,1
1854
27,6
1864
26,7
1845
25,4
1855
27,5
1865
25,0
1846
26,9
1856
27,5
1866
24,2
1847
25,0
1857
26,6
1867
22,4
1848
25,0
1858
25,5
1868
17,0
1849
25,8
1859
25,6
1869
18,8
1850
28,7
1860
25,8
1870
22,6
Fontes: Mattoso, 1982, p. 254; Triner, 1999, p. 51.