Artigos Arthur Soffiati

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Artigos Arthur Soffiati
Artigos Arthur Soffiati
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 11 de Maio de 2008
Os calcanhares-de-aquiles no Açu
Arthur Soffiati
Por mais que os estudos prévios de impacto ambiental e os técnicos que os formularam
assegurem controle sobre os três empreendimentos até o momento previstos para o Município de
São João da Barra — norte do Estado do Rio de Janeiro —, a saber, um grande mineroduto, um
porto off shore e uma usina termelétrica a carvão mineral, muitas dúvidas me assaltam. Vou reunilas em dez itens.
1 - Ilha-porto. O porto terá uma forma de L e será construído com pedras na plataforma
continental. Esta ilha será ligada ao continente por uma ponte. O primeiro ponto a ser questionado é
que a ilha é um corpo estranho numa costa geologicamente nova, baixa, retilínea, com, no máximo,
60 milhões de anos em alguns trechos. Ela se estende da foz do Rio Macaé (RJ) à foz do Rio
Itapemirim (ES). Em toda a sua extensão, encontra-se apenas a Ilha das Andorinhas, um resquício
de tabuleiro no litoral capixaba. A ilha para o porto é tão intrusa quanto os espigões rochosos de
Barra do Furado, prolongando a foz do Canal da Flecha mar adentro e acarretando sérios problemas
de engorda e erosão costeiras. A energia oceânica que formou a maior restinga do Estado do Rio de
Janeiro continua atuando em parte e pode afetar a ilha rochosa, assim como esta pode afetar a costa.
2 - Canal de acesso ao porto. Para que navios de grande calado possam ancorar no porto,
será necessário abrir um canal submerso de 13 quilômetros. O material retirado será depositado em
outro local no fundo do mar. Os técnicos garantem que a abertura deste canal e a deposição do
material em outro ponto não afetarão a biota de fundo. Na audiência pública, houve até insinuação
quanto a minha ignorância e desatualização sobre o assunto. Confesso que continuo plenamente
ignorante e desatualizado.
3 - Fornecimento de pedra. Tanto o porto quanto o complexo empresarial de Barra do
Furado vão se utilizar de pedra do Morro do Itaoca, uma ovelha desgarrada da Serra do Mar em
meio ao tabuleiro e à planície. De longa data, o Morro do Itaoca vem sendo sacrificado. As
pedreiras industriais e artesanais extraem dele blocos de grandes dimensões que vão para o Espírito
Santo ou produzem paralelepípedos para calçamento de ruas. Dele saiu a descomunal quantidade de
pedra para a construção os espigões em Barra do Furado, uma ação danosa ao ambiente local. Por
mais que se tenha demonstrado a importância biológica desta elevação rochosa, pela presença de
espécies vegetais endêmicas, e por mais que dois planos diretores de Campos tenham previsto um
parque municipal para protegê-la, os empreendimentos continuam querendo pedra dela. Já lhe
amputaram mãos e pés. Agora, querem amputar braços e pernas, com a promessa de proteger seu
tronco com uma unidade de conservação.
4 - Lagoas. Entre a margem direita do Rio Paraíba do Sul e o Canal de Quitingute, há uma
profusão de lagoas de restinga: de Gruçaí, de Iquipari, do Açu, Salgada, do Veiga, do Taí e do
Mulaco. Todas são importantes do ponto de vista ecológico. Até o momento, não sabemos se
alguma vai ser sacrificada pelo empreendimento e se a unidade de conservação de proteção integral
prevista para a área vai incluir todas em seu âmbito.
5 - Capacidade de suporte da área para parque industrial. As unidades empresariais a se
instalarem entre a Lagoa de Iquipari e o Canal de Quitingute são três, até o momento: o trecho final
do mineroduto, o retroporto e a usina termelétrica a carvão mineral. Isto sem falar na ilha-porto.
Anunciam-se pelo menos mais três. Até que ponto será compatível a proteção dos ecossistemas
nativos com as unidades anunciadas e outras que serão atraídas pelo mega-empreendimento?
6 - Carvão mineral. Não podia haver combustível mais inadequado para a usina
termelétrica do que o carvão mineral vindo da China. O objetivo é puramente econômico, e a
empresa de consultoria que formulou os estudos de impacto ambiental para a usina se contorceu
para lhe dar um caráter ambiental. A extração de ferro, o transporte deste minério, as instalações
portuárias e outras causam impacto ambiental no Brasil, não na China.
7 - Contornos da unidade de conservação. Existem muitas propostas para a criação de
uma ou mais unidades de conservação dentro e fora da área dos empreendimentos, mas a sociedade
ainda não conhece os seus contornos. Corremos o risco de recebermos unidades de conservação de
cima para baixo, sem participação da sociedade e da comunidade científica.
8 - Biodiversidade. Os órgãos licenciadores dos empreendimentos deveriam exigir um
levantamento da biodiversidade não apenas de vertebrados, mas também de plantas e invertebrados,
se possível, em todo norte-noroeste fluminense.
9 - Imigração e problemas sociais. Não imagino como o poder público local vai conter as
imigrações e os assentamentos de pessoas atraídas pelos empreendimentos. Prevejo favelização,
pobreza e marginalização.
10 - Falta de conhecimento da natureza e de perspectiva histórica. Os estudos de
impacto ambiental não têm levado em conta a imprevisibilidade da natureza e a história dos
ecossistemas. Trabalha-se apenas no plano sincrônico do aqui e agora.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 18 de Maio de 2008
De Gruçaí a Furado
Arthur Soffiati
No trecho da costa norte do Estado do Rio que se estende da Lagoa
de Gruçaí à foz do Canal da Flecha, vários empreendimentos de
grande porte e causadores de impactos ambientais e sociais serão
instalados. Continuo, aqui, a fazer meus comentários sobre eles.
1- Sabotagem do planejamento. Em atenção ao Estatuto da
Cidade, municípios com mais de 20 mil habitantes fizeram e ainda
fazem seus planos diretores, agora com a participação dos vários
segmentos da sociedade. Para a formulação de todos eles, foram
realizadas audiências públicas. No entanto, ao serem encaminhados
aos poderes executivo e legislativo, pelo menos os de Campos e de
São João da Barra, sofreram sabotagem com mudanças que
desrespeitam a opinião popular. Agora, em virtude do mineroduto
Minas-Rio, do porto e da usina termelétrica a carvão, em São João
da Barra; do aeroporto da Petrobrás, em Campos; e do estaleiro em
Quissamã, os planos diretores sofrem nova sabotagem. Por razões
meramente econômicas, três grupos empresariais escolhem áreas
do seu interesse, alegando hipocritamente motivos de ordem social
e ambiental, e acabam contando com a aprovação dos poderes
estadual, municipais e da população. É como faz o vampiro: chupa
o sangue sem provocar dor, mas pode transmitir raiva. Lutando
contra a corrente, só posso sugerir medidas mitigadoras para os
impactos.
2- Um novo planejamento. Ingenuidade pensar que os impactos
ambientais e sociais de cada empreendimento limitar-se-ão aos seus entornos. As preocupações
levantadas em reunião realizada na UFF/Campos, que planejará a montagem de uma estrutura para
diminuir os impactos sociais em Barra do Furado, convenceram-me de que este planejamento deve,
necessariamente, envolver os municípios de São João da Barra, Campos e Quissamã. Um Plano
Diretor Participativo para toda a área dos empreendimentos torna-se imperioso. Os municípios
devem abrir mão do bairrismo em nome da região.
3- Perímetro de amortecimento de impactos. Embora contrário a tais empreendimentos, retomei a
proposta de cercá-los com uma linha para diminuir os impactos sócio-ambientais. Houve quem
pensasse que esta proposta previa apenas uma Área de Proteção Ambiental, unidade de conservação
muito fraca. Como a flexibilidade é fundamental neste momento, entendo que a área de
amortecimento deve ser ampliada. A linha em vermelho no mapa mostra a dimensão.
4- Ecossistemas a serem protegidos na forma de preservação. Dentro do perímetro, há
ecossistemas importantíssimos que devem ser protegidos integralmente ou serem restaurados para
esta proteção. Há quatro estirões de praia, com suas águas marinhas, que devem merecer este tipo
de proteção: a de Iquipari, a do Farolzinho, a da Boa Vista e a de Barra do Furado. Entre as lagoas,
registrem-se as de Gruçaí (parcialmente), de Iquipari, do Veiga, do Taí, do Açu (da barra até Maria
Rosa), Salgada, do Mulaco, do Caboio e do Lagamar. Sejam também acrescentadas parte do
Banhado da Boa Vista e a totalidade do Canal da Flecha. Os manguezais do Açu, da Carapeba, de
Barra do Furado e do Espinho não podem ser feridos, mas curados. Assim também dois importantes
fragmentos de vegetação nativa de restinga.
5- Mitigação dos impactos sociais. Para proteger estes ecossistemas e as localidades do Açu, do
Farol e de Barra do Furado, as pessoas atraídas pelos empreendimentos devem ser alocadas fora da
Concepção de Arthur Soffiati
linha de amortecimento, que terá mais força se delimitar uma Área de Proteção Ambiental do
Estado. O mesmo se pode estabelecer para novos empreendimentos que futuramente queiram se
instalar na região. Hoje, fiquemos apenas com o mapa.
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Legendas
1- Praia de Iquipari
2- Praia de Farolzinho
3- Praia da Boa Vista
4- Praia de Barra do Furado
5- Lagoa de Gruçaí
6- Lagoa de Iquipari
7- Lagoa do Veiga
8- Lagoa do Taí
9- Lagoa do Açu
10- Lagoa Salgada
11- Lagoa do Mulaco
12- Banhado da Boa Vista
13- Lagoa do Caboio
14- Lagoa do Lagamar
15- Manguezal do Açu
16- Manguezal da Carapeba
17- Manguezal de Barra do Furado
18- Manguezal do Espinho
19- Fragmento de Vegetação de Restinga
20- Fragmento de Vegetação de Restinga
PROPOSTA SUBSTITUTIVA PARA O ESTALEIRO DA OSX NA PRAIA DO AÇU
Senhoras e senhores
Considero o complexo industrial-portuário no sul da Restinga de Paraíba do
Sul (conhecido como Açu) anacrônico e fora de lugar pelas seguintes razões:
1 - O núcleo duro dos empreendimentos é constituído pelo uso de elementos
não-renováveis, como o ferro, o carvão mineral e o gás natural, todos eles finitos.
Mesmo com todo o cuidado que envolve a extração, o transporte e o emprego desses
elementos, não podemos esquecer que o complexo contribui intensivamente para o
esgotamento de tais recursos.
2 - Embora representantes da EBX sustentem que o carvão mineral é seguro e
que está sendo retomado como combustível nos países ricos, na verdade, ele está sob
críticas severas de cientistas e da sociedade civil organizada na União Europeia. No
Estado do Rio de Janeiro, há a intenção do governo em proibir a instalação de novas
termelétricas a carvão mineral e a óleo. No entanto, uma termelétrica do complexo será
movida a carvão mineral.
3 - A zona costeira que se estende da margem direita do Rio Itapemirim (ES) à
margem esquerda do Rio Macaé (RJ), que denomino de Ecorregião de São Tomé, tem
idade muito recente em termos geológicos. Nela, encontram-se duas unidades do Grupo
Barreiras (tabuleiros), com cerca de 60 milhões de anos; uma planície aluvial com
menos de 5 mil anos e três unidades de restinga, contando a mais antiga com cerca de
120 mil anos e a mais recente com menos de 5 mil anos. Nessa costa, não existe uma
ilha sequer, nem mesmo a pouco conhecida Ilha das Andorinhas, no litoral capixaba,
que vem a ser um pequeno remanescente de tabuleiro resultante do avanço do mar sobre
o Grupo Barreiras. Todas as intervenções humanas nessa costa usando rocha cristalina
vêm causando problemas ambientais, como em Macaé, Barra do Furado, Guaxindiba,
Marataíses e na margem direita do Rio Itapemirim.
4 - As empresas do Grupo EBX escolheram exatamente a área mais nova da Ecorregião de
São Tomé para instalar o complexo industrial-portuário: a Restinga de Paraíba do Sul, entre as
Lagoas de Iquipari, Açu, Veiga e Salgada. Um porto está sendo construído dentro do mar com
pedras retiradas do Maciço do Itaoca. Trata-se de mais uma intervenção irresponsável.
5 - A vocação econômica de uma restinga nova, baixa, com linha litorânea retilínea não é a
industrialização pesada, mas a proteção das lagoas e da vegetação e fauna nativas. Quando muito, a
fruticultura com espécies frutíferas da própria vegetação nativa, a apicultura e a pesca.
6 - No entanto, a EBX vem contando com todo o apoio do governo do Estado do Rio de
Janeiro e da prefeitura de São João da Barra na instalação de uma ilha-porto, de dois canais
submarinos, de uma pesada área retroportuária, de duas termelétricas (uma a carvão mineral e outra
a gás natural), de um estaleiro e de uma siderúrgica, de empreendimentos metal-mecânicos e de
outros que porventura apareçam.
7 - O governo do Estado do Rio de Janeiro já desapropriou áreas para constituir um distrito
industrial cujas terras serão destinadas a novos empreendimentos integrantes do complexo, um
canal dito de drenagem e um ramal ferroviário.
8 - Será difícil o funcionamento de todas as unidades produtivas numa restinga, que é a área
mais nova da Ecorregião de São Tomé, com muitas lagoas, fragmentos de vegetação nativa,
espécies da fauna ameaçadas de extinção, pequenos proprietários rurais e, sobretudo, sem água doce
em quantidade para atender à demanda de tantas unidades produtivas. É certo que o Rio Paraíba do
Sul sofrerá novas captações para suprir as necessidades de água.
9 - Parece que todo esforço para impedir a instalação do complexo será inútil, mesmo com a
ação do Ministério Público. Já que se trata de fato consumado, o que resta aos críticos dos
empreendimentos é propor alternativas para minorar os impactos socioambientais.
10 - O primeiro deles já está em marcha. Começou com a criação de um grupo ligado à EBX
para promover a gestão integrada do território. Até o momento, cada braço da EBX trata do seu
empreendimento isoladamente quanto a impactos e programas para atenuá-los. Cabe examinar não
os impactos de cada unidade, mas os impactos do complexo industrial-portuário como um todo,
definindo programas de mitigação, proteção, restauração e revitalização socioambientais.
11 - De todos os empreendimentos previstos até agora, considero o estaleiro da OSX como o mais
impactante de todos. A maior parte dos impactos ambientais insere-se na categoria de alta e muita
alta. Mencionamos apenas três, na categoria de irreversível:
a) O canal de saída do estaleiro, ainda em terra, secionando a parte da Lagoa do Veiga que
restou íntegra em duas.
b) A remoção da vegetação nativa para a instalação do empreendimento.
c) A abertura de um canal submarino para que os navios alcancem o canal principal do
complexo ou dele provenham.
Planta baixa do estaleiro da OSX. Fonte: EIA do Estaleiro
da OSX.
12 - A alternativa que apresento para reduzir sensivelmente os impactos do estaleiro são as
seguintes:
a) O canal de saída e entrada do estaleiro, no continente, deve ser transferido da parte norte para
a parte sul, chegando ao mar pelo trecho entre a parte íntegra da Lagoa do Veiga e sua parte
antropizada. Os custos de instalação vão aumentar, pois será necessário desapropriar e
indenizar, de forma justa, alguns prédios existentes no local, bem como aumentar a área a
ser dragada no mar para que o canal do estaleiro alcance o canal do porto. Considerando-se,
porém, que o Grupo EBX anuncia-se como o mais rico do Brasil e um dos mais ricos do
mundo, no setor privado; considerando também o compromisso até agora assumido pelos
empreendimentos anteriores de respeitar a Lagoa do Veiga, como aceitar agora a divisão
desta lagoa em sua parte íntegra? Leve-se em conta que o próprio Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) reconhece que ela é insuficientemente estudada, apresentando, junto com a
Lagoa Salgada, características típicas para abrigar espécies de peixes anuais, suspeita que
vimos levantando há bastante tempo.
b) A parte íntegra da Lagoa do Veiga deve ser transformada numa Unidade de Conservação de
Proteção Integral pelo governo do Estado do Rio de Janeiro com subsídios oriundos de
compensações ambientais, excluída a figura da Reserva Particular do Patrimônio Natural.
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Mapa síntese da proposta
1- Local do canal terrestre projetado para o estaleiro; 2- Lagoa do Veiga; 3- Proposta para
o novo canal terrestre; 4- proposta para o novo canal submarino; 5- UC da Lagoa do
Veiga. Fonte: EIA do estaleiro da OSX.
c) Se o governo do Estado do Rio de Janeiro deseja mesmo a revitalização da Lagoa do Veiga, a
proposta é que se esforce ao máximo em religá-la à Lagoa do Açu, da qual fazia parte no
passado.
d) Se o canal que o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) pretende abrir entre os canais de São
Bento e Quitingute até o canal do estaleiro em área continental tiver a finalidade de prover
de água doce o empreendimento e o complexo, deve ele ter seu regime hídrico respeitado:
cheia na estação chuvosa e nível e volume escassos na estação do estio. Se houver qualquer
sistema para estabilizar sua lâmina durante todo o ano, como comportas, por exemplo, o
governo estadual e o complexo industrial-portuário estarão criando um inédito conflito
social a reunir pescadores, ruralistas e ambientalistas.
e) Caso o canal se destine tão somente à drenagem, deve ser ele substituído pela reconexão do
Canal do Quitingute com as Lagoas de Gruçaí, Iquipari e Açu, como no passado. Seria uma
forma de revitalizar as três lagoas.
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Legenda:
1- Rio Paraíba do Sul; 2- Canal do Quitingute; 3- Lagoa de
Gruçaí; 4- Lagoa de Iquipari; 5- Lagoa do Açu; 6- Canal
proposto para o estaleiro. Fonte: Google Earth.
13 - A criação de uma UC de proteção integral na Lagoa do Veiga não exclui a criação de
mais duas UCs: uma protegendo as Lagoas de Gruçaí e de Iquipari bem como a mancha mais
representativa de vegetação de restinga entre ambas, incluindo todas as zonações, desde a linha de
costa até o interior; e outra ao sul do condomínio industrial, envolvendo grande parte do Banhado
da Boa Vista, as Lagoas do Açu e Salgada e a vegetação nativa. A Lagoa do Taí deve ser protegida
de alguma forma.
14 - Estas propostas, como todos devem saber, não têm qualquer intenção de sensibilizar o
Ministério Público Federal, que vem instaurando Inquéritos Civis Públicos, inclusive um recente
relativo ao estaleiro da OSX, mas podem facilitar o entendimento entre o Grupo e os técnicos que
assessoram o MPF.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 02 de janeiro de 2011.
O Açu em quatro dimensões (I)
Arthur Soffiati
Minha intenção, nessa série de quatro artigos, não é polemizar, mas tão somente expressar
minha posição convicta sobre o complexo industrial-portuário que o grupo EBX está construindo na
parte da Restinga de Paraíba do Sul conhecida por Açu. Não tergiverso para aumentar meu valor de
troca no mercado. Meu pensamento não está à venda. Também não emito opiniões por interesses
político-eleitorais, visto sempre ter sido independente na minha vida pública. Externo o que penso,
doa a quem doer, embora tenha plena consciência de que meus pontos de vista não atingem mais
ninguém atualmente. Faz tempo, não sou processado na justiça. E minhas palavras nada mudarão.
Portanto, o que escrevo aqui é apenas a manifestação de uma visão de mundo. Ela não deve
ser confundida com a postura dos grandes ruralistas, dos pequenos produtores rurais e dos
pescadores. Quem fala é um ecologista com uma perspectiva progressista de futuro bastante
avançada, tomando por base, pelo menos, o pensamento de Ignacy Sachs e de Robert Samohyl.
A cada dia que passa, consolido a convicção de que o complexo industrial-portuário da EBX
no Açu é um empreendimento retrógrado maquiado de atual e avançado. Primeiramente, ele
considera o espaço da restinga de Paraíba do Sul como se fosse um espaço igual a outro qualquer.
Conquanto se fale agora em gestão do território, o empreendedor ignora as diferenças dos territórios
e trata-os como se fossem idênticos. Em nenhum estudo prévio de impacto ambiental de qualquer
empreendimento do complexo, encontrei referência à singularidade da área costeira que se estende
do Rio Itapemirim (ES) ao Rio Macaé (RJ). Esta região costeira é nova e distingue-se de outros
trechos litorâneos, tanto no Espírito Santo quanto no Rio de Janei ro. Ela é constituída por duas
unidades do Grupo Barreiras nas extremidades, por uma vasta planície aluvial no centro (baixada
campista) e por três restingas entremeadas, sendo a mais nova delas a escolhida para a instalação do
megaempreendimento. Ao longo da costa, não existe rocha cristalina e nenhuma ilha. Considerar a
Ilha das Andorinhas, no Espírito Santo, como ilha costeira ou oceânica é um grande erro, pois ela
não passa de um resquício do Grupo Barreiras deixado pelo avanço do mar sobre o continente.
Entretanto, o grupo EBX construirá uma ilha de pedras retiradas do Morro do Itaoca, numa costa
sem ilha.
De todas as unidades que constituem esta região litorânea, a mais nova, mais frágil e mais
instável é exatamente a restinga escolhida pelo grupo EBX para implantar o empreendimento. De
forma negativista, Alberto Ribeiro Lamego via poucas possibilidades de se promover o
desenvolvimento, em sua vertente dura, numa restinga, fosse ela qual fosse, a menos que se
promovesse uma radical mudança das suas condições naturais. Eis, daí, a sua visão de que a
restinga aprisionava o ser humano e o tornava preguiçoso, como demonstrava, para ele, a figura do
muxuango ou praiano. Comparando as restingas às terras aluviais com seus solos de massapé, o
autor de O Homem e o Brejo acreditava que só a t ransformação da restinga em massapé promoveria
sua redenção. Será esta a concepção do grupo EBX? Lamego expôs esta visão na década de 1940.
Seu pensamento estava contextualizado, mas a do grupo X, pretendendo montar um grande
complexo industrial sobre uma frágil restinga, talvez assustasse o próprio Lamego.
Num debate ocorrido recentemente na Universidade Estadual do Norte Fluminense, veio à
tona a discussão sobre a vocação da região. Um engenheiro agrônomo ilustre defendeu ser a pesca,
a cana, a fruticultura e o gado. O representante da EBX sustentou, convenientemente, que as
vocações mudam. Assim, uma das vocações da restinga, atualmente, seria a indústria. Apoiando-me
numa sólida base ecossistêmica e histórica, entendo que a primeira vocação da restinga seria a
proteção dos ecossistemas, como lagoas, formações vegetais nativas e zona costeira. Pesca e
agricultura apenas de forma controlada e associada. Não sem razão, foi criado um parque nacional
para proteger a Restinga de Carapebus ou Jurubatiba, entre Quissamã e Mac aé. Com relação à
restinga do Açu, entre 1979 e 1994, pulularam propostas para a sua proteção por meio de unidades
de conservação. Ao fim, prevaleceu o desejo de Garotinho e de Wagner Victer: implantar um porto
na área. O grupo X foi além: vai implantar um gigantesco complexo industrial-portuário.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 9 de janeiro de 2011
O Açu em quatro dimensões (II)
Arthur Soffiati
Quando perguntamos a algum representante das empresas formadoras da EBX sobre os
impactos dos empreendimentos previstos para a restinga do Açu, a resposta inclui, necessariamente,
a explicação de que a área escolhida para o distrito industrial já está muito modificada pela ação
humana. Justifica-se, assim, uma ação humana mais impactante ainda. Afinal, as intervenções
antrópicas representadas pela agricultura e a pecuária, nos ambientes do Açu, causaram danos
reversíveis. Já, quanto ao megaempreendimento, não se pode dizer o mesmo. A perturbação ou
degradação da restinga vai se tornar irreversível, no longo prazo, com a ilha-porto, usinas
termelétricas, estaleiro, siderúrgica, unidade de beneficiamento de petró leo e outras empresas. No
lugar de uma área aberta pela agropecuária, vai ser construído um piso quase contínuo que não
permitirá a regeneração da vegetação de restinga. É certo que o complexo deixará, no seu âmbito,
pequenos espaços para a vegetação, como se fossem jardins, e criará uma Reserva Particular do
Patrimônio Natural (RPPN) para proteger o maior fragmento arbóreo de restinga, entre as Lagoas
de Gruçaí e Iquipari, justificando, desta forma, os grandes impactos socioambientais em outras
partes da área. As duas lagoas mencionadas não podem integrar a RPPN por serem públicas. No
entanto, foi afixada, na margem norte da Lagoa de Iquipari, uma placa advertindo que a navegação
é proibida. Em resumo, os ecossistemas antrópicos do Açu serão substituídos por um ecossistema
superantrópico.
Sabe-se que o lençol freático, na restinga, é bastante alto. Uma simples raspagem do terreno
fez logo aflorar a água subterrânea. Essas águas se movimentam embaixo da terra e influenciam o
regime hídrico das lagoas da região. Não se pode prever, com segurança, quais serão as
interferências sobre o movimento das águas subterrâneas e, consequentemente, sobre as lagoas,
causadas pela infraestrutura global e pelos alicerces das empresas instaladas no condomínio
industrial-portuário. Uma geóloga teme mudanças radicais na Lagoa Salgada. Não há dúvidas sobre
a Lagoa do Veiga, um comprido e estreito ecossistema lagunar resultante do avanço e do recuo do
mar que, no passado, conectava-se com a Lagoa do Açu. Na parte sul, o núcleo urbano do Açu, em
sua expansão desordenada, foi aterrando a lagoa. Restou um trecho íntegro na parte norte que os
empreendimentos integrantes do complexo prometeram respeitar. Mas, agora, o canal de acesso ao
estaleiro da OSX vai cortá-la bem ao meio, num rasgo de 300 metros de largura e 18 de
profundidade para a entrada de grandes navios.
Para completar, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) vai abrir um canal ligando os
Canais de São Bento e de Quitingute ao canal do estaleiro. O Estado se julga dispensado de fornecer
explicações à sociedade. Um representante do Grupo X disse que o canal em nada servirá ao
empreendimento. A COPPETEC, autora do projeto, assegura que o canal tem fins de drenagem.
Sucede que existe um nó górdio para o funcionamento do complexo: a água doce. Ela não pode ser
colhida nas lagoas em função da sua qualidade. Existe um grande depósito de água subterrânea na
restinga, mas o empreendedor disse que ela deve ser protegida. Já se sabe que o resfriamento da
termelétrica a gás natural será feito com 10% de água subtraída do Rio Pa raíba do Sul, água esta
captada no trecho final do rio, depois de recebidos todos os afluentes.
Para apoiar o complexo industrial-portuário, o governo do Estado do Rio de Janeiro já
desapropriou terras para a implantação de um distrito industrial, desagradando uma legião de
pequenos produtores rurais, e para a construção de um ramal ferroviário que partirá de Campos em
direção ao DI.
Porém, os efeitos negativos não se limitam ao Açu. Eles vão bem mais longe. Por exemplo:
para construir a ilha-porto, as pedras virão do Maciço do Itaoca. Mesmo que o empreendedor
prometa recuperar os estragos no maciço e financiar a extensão do Parque Estadual do Desengano
para incluir o Itaoca, entendemos que este sistema, tão caro aos biólogos, já deu muito mais do que
podia. Resta ainda o efeito de atração do empreendimento sobre pessoas à procura de emprego.
O grupo empresarial, com apoio do governo estadual, vai implantando o que quer e
deixando para o recém-criado núcleo de gestão integrada do território, ligado a EBX, a tarefa de
resolver os problemas. Será possível?
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 16 de janeiro de 2011.
O Açu em quatro dimensões (III)
Arthur Soffiati
Começamos esta série de quatro artigos abordando aspectos gerais do grande
empreendimento industrial-portuário do Açu e de seus impactos sobre a área continental.
Continuamos agora com os impactos do complexo sobre o mar.
O que mais chama a atenção é a construção de uma ilha que vai funcionar como porto. Já
mostramos, no artigo anterior, que o material para a implantação da ilha vem de um maciço isolado
da Serra do Mar chamado Itaoca. Trata-se de um ambiente singular por sua biodiversidade e por
espécies vegetais endêmicas restritas. Vários pesquisadores se debruçam sobre ele com o fim de
conhecer seus segredos. No entanto, o maciço do Itaoca vem sendo canibalizado há muito tempo.
Enormes quantidades de pedra foram retiradas para a construção dos píeres do Canal da Flecha, em
Barra do Furado, para venda no Espírito Santo e para o calçamento de ruas. O gr upo X garante que
repassará recursos para o Estado de modo a viabilizar uma subunidade do Parque Estadual do
Desengano.
Mas o impacto sobre a zona costeira da ilha-porto ainda é uma incógnita. As forças marinhas
que formaram a grande restinga de Paraíba do Sul, a partir dos últimos cinco mil anos, continuam
operando. Só o tempo poderá mostrar o que vai acontecer, mas nos lembremos sempre do
desperdício de pedras e de recursos financeiros representado pelos espigões do Canal da Flecha e
das consequências que eles causaram à linha de costa.
Para navios de grande calado chegarem ao porto e ao estaleiro, será aberto um longo, largo e
profundo canal submerso. A ele vai se conectar outro canal do mesmo porte para acesso de
embarcações ao estaleiro. A escavação do canal principal por uma draga flutuante já acarreta
problemas. Sei, e representantes do grupo X sabem que eu sei, da morte de tartarugas marinhas pela
ação da caçamba da draga e da sucção de areia. Tartarugas marinhas com a carapaça rachada ao
meio ou sem cabeças têm aparecido na área. O padrão de morte não indica afogamento por se
prenderem em redes de pesca ou por colisão com navios. Em nenhum lugar do Brasil, verific a-se
este tipo de morte.
Quando da audiência pública sobre o porto, perguntei se a retirada de sedimentos de fundo
para a abertura do canal e se o bota fora desse material, ainda no fundo do mar, não causariam
danos à biota marinha. A resposta veio repleta de argumentos técnicos que, reunidos, significavam
um rotundo “não”. Tive a impressão de que, na resposta a minha pergunta, vinha anexada uma
insinuação de ignorância da minha parte, ignorância no sentido de ignorar os avanços tecnológicos
na abertura de canais submersos. A resposta da natureza aí está, com o caso das tartarugas marinhas.
Nem podia ser diferente. Como se abre um imenso canal no fundo do mar, l ançando o material
retirado em outra parte do fundo do mar, sem causar grandes impactos ambientais? A pergunta
aguarda resposta.
Enquanto o grupo X constrói um pedaço de continente dentro do mar, constrói também um
pedaço de mar dentro do continente com o estaleiro, que não estava previsto no início do
empreendimento. Aliás, de início, falava-se apenas em mineroduto e porto. Parece que as demais
instalações não estavam previstas. O estaleiro veio parar aqui porque foi rejeitado em Santa
Catarina pelo Instituto Chico Mendes. Então, o grupo X veio buscar o abraço generoso da
Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). De todas as
intervenções na restinga do Açu, a introdução de uma porção de mar no continente é, a meu ver, a
mais agressiva. Mas, na audiência pública relativa ao estaleiro, explicou-se que os impactos serão
mínimos, com a anuência do INEA. A parte íntegra da Lagoa do Veiga será cortada, mas antes será
anestesiada e não sentirá dor.
A maior crise ambiental da história da vida ocorreu há cerca de 250 milhões de anos, com a
extinção de 90% de espécies. Calma, leitor, não responsabilizarei a EBX por ela. Os humanos só
apareceriam muito mais tarde no planeta. As causas de tamanha catástrofe ainda não são
conhecidas. Reunindo inumeráveis estudos sobre ela, Alycia Stigall levantou a hipótese segundo a
qual eventos geológicos de grande magnitude romperam barreiras entre biotas. Assim, espécies que
viviam isoladas se misturaram, permitindo que organismos invasores se espalhassem pelo mundo
inteiro. Atualmente, este fenômeno vem se repetindo por ação humana, principalmente pe la grande
circulação de navios. Sei muito bem que o grupo X vai dizer que este risco não existe com o
complexo empresarial-portuário, pois os navios levarão ferro e trarão carvão em vez de água de
lastro, enquanto que seus cascos serão pintados com tinta anti-bioincrustação. Pescadores,
aguardem. Só o tempo dirá.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 23 de janeiro de 2011.
O Açu em quatro dimensões (finaI)
Arthur Soffiati
Depois da terra e do mar, examinemos as relações do complexo industrial-portuário do Açu
com a atmosfera. É neste ponto que chegamos ao cerne da questão. O mega-empreendimento vai
operar à base de carbono, para a geração de energia, e com recursos naturais não renováveis, como
matéria prima. Aliás, este é o forte da EBX.
O mineroduto conduzirá ferro para o porto. Daí, ele será transportado em navios para outros
lugares, notadamente para a China. Para não usar água de lastro (leia-se, para aumentar os lucros),
esses mesmos navios retornarão abarrotados de carvão mineral, que será utilizado numa das
termoelétricas. Prevê-se a instalação de uma (por enquanto) siderúrgica no distrito industrial. Nem
bem a termoelétrica foi licenciada, veio a idéia de construir uma segunda, esta movida a gás natural.
Fica claro que o empreendimento não mais se limita a exportar ferro. Ele também vai produzir
energia para a venda. Daí, a necessidade de instalar grandes redes de transmissão.
Pretende-se ainda uma unidade de beneficiamento de petróleo dentro do condomínio
industrial, pois a OGX, um dos braços da EBX, vai explorar esta matéria prima carbonífera,
principal responsável pela geração de gás carbônico e pelo aquecimento global. Fora o estaleiro e
outras instalações, tudo acaba girando em torno de recursos naturais não renováveis dentro do
complexo.
Na audiência pública sobre a termoelétrica a carvão mineral, o representante da EBX se
esforçou para demonstrar que esta fonte de energia está sendo retomada nos países ricos com a
adoção de tecnologias avançadas para controle de poluição do ar. Há sempre uma carta na manga do
curinga para justificar o injustificável e o desconhecido pelo público participante. Para os
defensores otimistas do “progresso”, não é preciso justificar nada. De fato, os países da União
Europeia ainda utilizam muito o carvão mineral para gerar energia. Lembro até da contradição de
Ernst Friedrich Schumacher, um dos fundadores da economia ecológica. Ele defendia a substituição
progressiv a das grandes plantas empresariais por pequenas. Daí seu famoso livro “O negócio é ser
pequeno” (Small is Beautiful). Mas, como trabalhou durante anos com carvão mineral, ele tinha
dificuldade em descartá-lo enquanto fonte de energia.
Mesmo que o carvão mineral ainda seja bastante usado nos países ricos e emergentes, há um
movimento social muito forte contra ele. Até mesmo no Brasil, país com uma sociedade apática,
que se curva à ilusão do emprego gerado pelos grandes empreendimentos, autoridades
governamentais começam a se posicionar sobre as térmicas a carvão mineral e a óleo. O Secretário
Estadual do Ambiente, Carlos Minc, anunciou a intenção de não mais licenciar térmicas a carvão e a
óleo.
Embora elásticos e complacentes na observância das leis, os órgãos governamentais de
ambiente fazem exigências toleráveis aos empreendedores. A Petrobras e a EBX asseguram que os
recursos minerais serão extraídos, transportados e usados com o mínimo de impacto socioambiental.
Garantem que os danos ao solo, na fase extrativista, serão sanados, como no caso da extração de
pedras do Maciço do Itaoca; que não haverá poluição do mar, na prospecção e extração de petróleo
e gás natural; que tecnologias moderníssimas evitarão a poluição atmosférica. Sabemos que isto não
verdade. Basta lembrar o maior vazamento mundial de petróleo num poço da BP, no Golfo do
México, recentemente. Nenhuma tecnologia, por mais avanç a da que seja, zera os riscos.
Mas, admitamos que o ferro da EBX será extraído da maneira menos agressiva possível, que
seu transporte será efetuado com toda a segurança até o porto, que sua exportação será cercada de
máximos cuidados, que seu uso, na siderúrgica, observará normas internacionais de segurança.
Consideremos o mesmo para o carvão, para o gás natural e para o petróleo. Levemos em conta as
compensações ambientais para todos os processos, como a Petrobras faz com o Projeto Tamar, por
exemplo. Nada, contudo, consegue esconder uma grande verdade: ESSAS ATIVIDADES,
USANDO RECURSOS MINERAIS, PRINCIPALMENTE CARBONO, CONTRIBUEM
SIGNIFICATIVAMENTE PARA O ESGOTAMENTO DE TAIS RECURSOS, POR UM LADO, E
PARA A G ERAÇÃO DE GASES CAUSADORES DO EFEITO ESTUFA, POR OUTRO.
Assim, quando as empresas da EBX tiram a casaca, aparecem, sob ela, os andrajos do atraso
econômico.
Por enquanto, Açu
A revolução industrial criou uma legião de psicopatas homicidas completamente soltos.
Trata-se de uma imagem para designar as empresas, que tinham toda a liberdade para destruir o
ambiente e explorar os trabalhadores. Os estragos desses psicopatas foram tão assustadores que os
governos criaram leis para contê-los. A legislação construiu manicômios e fabricou sedativos para
encerrar os psicopatas e sedá-los, mas não se preocupou em curá-los. Assim, esses psicopatas
continuaram potencialmente homicidas. O sistema instituído para controlá-los corre sempre o risco
de falhar, permitindo que os psicopatas fujam e voltem efetivamente assassinar. Temos, então dois
tipos de psicopatas: os soltos e os presos. Precisamos de pessoas sadias. Insisto: continuo a usar
metáforas.
Ao assistir à pré-audiência relativa à usina termelétrica a carvão que o grupo EBX pretende
instalar na área do Açu, senti a estranha sensação de estar frente a frente com Hannibal Lecter.
Lecter é o homicida frio, calculista e inteligente do filme “O silêncio dos inocentes”. Tive a
impressão de existir um certo constrangimento por parte dos consultores que formularam os
Estudos Prévios de Impacto Ambiental para a termelétrica. É certo que eles só concebem a
existência de dois psicopatas: o solto – que repelem – e o preso e sedado – que consideram ideal.
Talvez não lhe ocorra a possibilidade do não-psicopata. Ao levantar algumas questões sobre o
empreendimento, parecia que, a todo momento, o psicopata sedado poderia escapar do manicômio.
Nenhuma das respostas sobre o psicopata sedado me convenceu. Perguntei qual o limite para
empreendimentos na área. Até agora, três são certos: o mineroduto, o porto e a termelétrica. Mas
Eike Batista, o presidente do grupo EBX, anuncia uma siderúrgica, uma fábrica de painéis para
energia solar e agora uma montadora indiana de automóveis populares. Quantas mais virão com ou
sem convite do mega-empresário? Qual o limite de suporte da área? Será que chegará o momento
de a FEEMA dar um basta?
A meu ver, há muito tempo, está claro que as empresas formuladoras de estudos de impacto
ambiental padecem de várias deficiências. A primeira delas é tornar palatável uma comida
intragável. Aplicando tempero saboroso, tentam elas nos convencer de que o prato é salutar. Não sei
de empresa de consultoria que tenha rejeitado contratos para fornecer atestados de sanidade ou de
inocuidade a loucos homicidas. Além disso, como operam em vários e distintos locais, não lhes é
possível um conhecimento vivenciado de cada área em que atuam. No caso do complexo, várias
empresas e organizações não-governamentais estão sendo envolvidas para elaborar estudos de
impacto ambiental e para atuar na área sócio-ambiental. Perguntei se há integração desses estudos
de origens diferentes. Responderam-me afirmativamente no que tange aos pontos em que tais
estudos se superpõem, mas não com firmeza a ponto de convencer este macaco velho que lhes
escreve.
Indaguei também como controlar a migração humana atraída pela ilusão de empregos. As
empresas do grupo EBX estão bancando cursos de capacitação para os moradores da área, mas
deixando muito claro que não lhes garantem emprego. Na fase de implantação dos
empreendimentos, é de se esperar que o desemprego diminua na região, mas que se eleve a níveis
superiores aos atuais com a vinda de pessoas à procura de emprego. Não conseguindo postos de
trabalho, essas pessoas não partem, na expectativa de um dia encontrarem uma vaguinha.
Responderam-me que esta questão compete ao poder público e à cidadania de todos. Ora, ora. Não
se pode colocar uma cerca eletrificada nos limites municipais para impedir o direito constitucional
de ir e vir. Com todo o aparato de segurança, os Estados Unidos não conseguem controlar a entrada
de imigrantes. São João da Barra conseguirá? Esperemos, então, favelas, pobreza e marginalidade.
Pela legislação vigente, cada empreendimento deve contribuir com, no mínimo, 0,5% dos
custos totais previstos para sua implantação, na criação e manutenção de uma unidade de
conservação de proteção integral. Como, até agora, são três empreendimentos, perguntei se três
unidades de conservação serão criadas. Resposta: depende da FEEMA. A experiência mostra que a
posição oficial da FEEMA se assemelha muito aos interesses econômicos das empresas.
Para encerrar, por hoje, o levantamento da ecodiversidade e da biodiversidade deixa muito a
desejar. A ênfase do estudo recai sobre as lagoas de Gruçaí e Iquipari, chegando até a lagoa do Taí.
Foi preciso encarecer muito a importância das lagoas do Açu, Salgada e do Veiga, sem contar com
remanescentes da lagoa do Mulaco. Quanto à biodiversidade, a bem dizer, só os vertebrados, talvez
por serem parentes mais próximos a nós, mereceram atenção. Por que não a microvida, os fungos,
as plantas e os invertebrados? São eles que fazem a Terra funcionar. Um biorrastreamento é de suma
importância, e a FEEMA deve exigi-lo do empreendedor.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 03 de julho de 2011
Diálogo leal sobre o Açu (I)
Arthur Soffiati
Recebi de um colega e amigo os esclarecimentos que Carlos Minc, Secretário de Estado do
Ambiente – RJ, Luiz Firmino, Subsecretário de Estado do Ambiente – RJ e Marilene Ramos,
Presidente do Instituto Estadual do Ambiente – RJ prestaram a críticas formuladas ao
empreendimento industrial-portuário do Açu, capitaneado pelo grupo empresarial EBX, do
empresário Eike Batista. Tais esclarecimentos foram postados na lista do professor José Eli da
Veiga, da Universidade de São Paulo. Como os comentários alcançaram um nível público, não vejo
restrições em apresentar uma visão diferente dos signatários, a minha visão.
Os esclarecimentos das autoridades estaduais começam com o título “A realidade do
licenciamento em Porto Açu”, acompanhado pela seguinte observação: “Alguns veículos de
comunicação divulgaram insinuações sobre supostas facilidades e irregularidades na concessão de
licenças ambientais para o projeto Porto Açu, do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, no Norte
Fluminense. É necessário que a população seja informada dos fatos”. Vêm, então, as considerações,
que comento logo abaixo de cada uma.
1) Ao contrário do que foi referido, a licença do Mineroduto foi dada pelo Ibama, e não pelo
Instituto Estadual do Ambiente (Inea), após Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental
(EIAs/Rimas) e audiências públicas.
Soffiati: De fato, o mineroduto, por cruzar mais de um Estado da Federação, foi licenciado pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que deveria
também fazer parte do processo de licenciamento dos demais empreendimentos a serem instalados
no distrito industrial de São João da Barra (entenda-se, da EBX), pois quase todos localizam-se em
terrenos de marinha e no mar territorial, bens da União. No entanto, o IBAMA transferiu sua
competência para o Estado do Rio de Janeiro.
2) Ao contrário do mencionado, todas as licenças do Inea foram precedidas de EIAs/Rimas e
audiências, na forma da lei.
Soffiati: Correto, desde que se leve em conta que o ritual de licenciamento tem um caráter
meramente legal. As comunidades atingidas e as pessoas interessadas não participam da formulação
dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental. Nem, ao menos, são informadas periodicamente sobre
os resultados parciais dos estudos para opinarem. Por sua vez, as audiências públicas se tornaram
uma farsa, pois, de antemão, mesmo antes da audiência pública, o projeto já está aprovado pelo
órgão governamental competente. Por mais que o auditório proteste e tenha um prazo adicional para
se manifestar, o licenciamento não muda em nada.
3) Ao contrário do insinuado, não houve facilidades. Pesadas compensações ambientais
foram impostas ao grupo para dotar toda a região de adequada infraestrutura de saneamento, para
suportar o crescimento devido à instalação do projeto. Foi elaborada uma AAE (Avaliação
Ambiental Estratégica) para verificar a sinergia das atividades que se implantarão, com visão de
planejamento ambiental da região dentro dos conceitos modernos de gestão.
Soffiati: Por mais que o INEA tenha sido exigente com o grupo EBX, todos os empreendimentos
foram licenciados até agora. Pela legislação vigente, o licenciamento de um distrito industrial deve
levar em conta o conjunto dos empreendimentos. No entanto, cada empreendimento está sendo
licenciado isoladamente. Ainda não se tem ideia do conjunto dos empreendimentos a serem
instalados no distrito industrial. Portanto, de nada valem uma avaliação ambiental estratégica ou um
grupo de gestão integrada do território. Qualquer planejamento pode ir a pique com um novo
empreendimento não previsto, como foi o caso do estaleiro da OSX.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 10 de julho de 2011
Diálogo leal sobre o Açu (II)
Arthur Soffiati
Dou continuidade aos comentários que iniciei na semana passada sobre as respostas de
Carlos Minc, Secretário de Estado do Ambiente – RJ, Luiz Firmino, Subsecretário de Estado do
Ambiente – RJ e Marilene Ramos, Presidente do Instituto Estadual do Ambiente – RJ concernentes
às críticas dirigidas ao governo do Estado do Rio de Janeiro por facilitar os processos de
licenciamento dos empreendimentos que vão se instalar no distrito industrial de São João da Barra
(leia-se da EBX). As respostas foram divulgadas na lista do professor José Eli da Veiga, da
Universidade de São Paulo.
4) Quando ministro do Meio Ambiente do governo Lula, Carlos Minc se posicionou contra a
instalação de um estaleiro do grupo em Santa Catarina, pois comprometeria três unidades de
conservação. No caso do Porto Açu, ao contrário, o mesmo grupo teve que sustentar a criação de
três unidades de conservação: a RPPN Caroara, o Parque Estadual do Açu e a Área de Proteção
Ambiental Grussaí. Inclusive a RPPN Caroara, com 4 mil hectares – a maior de área de restinga do
país – foi instalada na área comprada pelo grupo para sediar inicialmente o polo. O Parque Estadual
do Açu, ao sul do distrito industrial, conta com 8 mil hectares.
Soffiati: O estaleiro, proibido em Santa Catarina e transferido para o Açu, é a obra mais impactante
do complexo industrial-portuário. Ele cortará ao meio a parte íntegra da Lagoa do Veiga por um
canal de 300 metros de largura por 18 metros de profundidade. Nem a foz do Rio Paraíba do Sul
tem tais dimensões. O acesso ao mar será feito por um canal submarino que se ligará ao canal
principal da ilha-porto numa costa que não conta com uma ilha sequer. A abertura de ambos os
canais no fundo do mar já está causando danos à vida marinha, pois a areia retirada por uma enorme
draga flutuante e lançada em outro ponto do mar mata animais marinhos e muda profundamente as
condições ambientais no ponto de retirada e no ponto de bota-fora. Quanto às Unidades de
Conservação, os limites iniciais do Parque de Gruçaí foram drasticamente reduzidos em função dos
interesses do grupo EBX. Hoje, ele se reduz ao Banhado da Boa Vista, à Lagoa do Açu e à parte da
Lagoa Salgada. A Reserva Particular do Patrimônio Natural de Caroara, pertencente ao grupo, não
pode se comparar, em extensão e importância, aos Parques Nacional da Restinga de Jurubatiba, no
norte fluminense, e Estadual de Setiba, no Espírito Santo, ambos protegendo ecossistemas de
restinga. De mais a mais, a situação crítica de Santa Catarina foi transferida para o Estado do Rio de
Janeiro. Lá, o estaleiro não pôde se instalar por ameaçar três Unidades de Conservação já existentes.
Aqui, para poder se instalar o estaleiro, o grupo terá de arcar com os custos de três Unidades de
Conservação, que também serão ameaçadas mais que por um estaleiro, porém por um conjunto de
empreendimentos impactantes. Trata-se de um contrasenso.
5) As condicionantes ambientais para a aprovação do projeto foram algumas das maiores do
país já estabelecidas. Apenas para obter duas licenças prévias, foi exigido investimento de R$ 60
milhões para obras de saneamento na região, R$ 7 milhões para implantar um corredor verde de
Mata Atlântica que é berço do macaco Muriqui, que será símbolo das Olimpíadas de 2016, e R$ 3
milhões para pescadores e aquicultura.
Soffiati: De fato, uma ninharia para o oitavo empresário mais rico do mundo. Ele deve recuperar, de
forma exponencial, o que despendeu em termos de compensações ambientais. Deve-se considerar
que a aparência do conjunto empresarial impressiona em suas plantas e maquetes, mas todo ele
representa um atraso muito grande face às tendências atuais. Suas empresas vão trabalhar
intensivamente com recursos naturais não renováveis e com carbono, tais como ferro, carvão
mineral, petróleo e gás natural. Sua contribuição para o aquecimento global ainda não foi
devidamente calculada, mas, sem dúvida, o empreendimento, em seu conjunto, comprometerá as
metas de redução dos gases do efeito-estufa assumidas pelo Brasil em compromissos internacionais.
6) Houve embates duros com o grupo para garantir a preservação de restingas e lagoas, com
a mudança da localização inicial do empreendimento, e pela adoção das tecnologias mais modernas
e menos poluentes, entre 2007 e 2011. Portanto, nada foi feito a toque de caixa, como insinuado.
Soffiati: Apesar dos duros embates, o pecado original do grande empreendimento, como já
mencionado, é operar com recursos naturais não renováveis intensivos em carbono e ter sido
autorizado o estaleiro pelo INEA a rasgar uma lagoa alongada, paralela à costa, por um canal que
vai colocar o mar dentro do continente. Cabe salientar, ainda, que uma termelétrica e uma
siderúrgica do empreendimento vão captar água do Rio Paraíba do Sul, já tão combalido, nas
proximidades da foz, depois de todos os seus afluentes. Há motivos para suspeitar da lisura dos
licenciamentos do INEA num momento em que as relações entre o governador Sérgio Cabral e o
empresário Eike Batista se mostram tão suspeitas. Este é o DNA do grupo, como dizem seus
representantes.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 17 de julho de 2011
Diálogo leal sobre o Açu (III)
Arthur Soffiati
Para situar o leitor no contexto deste penúltimo artigo de uma série de quatro, faço uma
breve recapitulação. Críticas ao complexo industrial-portuário do Açu circularam em meio
eletrônico. O professor da USP, José Eli da Veiga, divulgou-as em sua lista. O Secretário de Estado
do Ambiente, Carlos Minc, Subsecretário de Estado do Ambiente, Luiz Firmino, e a Presidente do
Instituto Estadual do Ambiente, Marilene Ramos, responderam as críticas ponto por ponto. Recebi a
resposta dos três e a comentei, enviando-a à lista de José Eli da Veiga, que, por sua vez,
encaminhou-a ao Secretário Carlos Minc. Este respondeu aos meus argumentos com uma carta
divulgada pelo professor José Eli da Veiga. É esta carta que começo a comentar hoje.
Tenho um profundo respeito e uma genuína admiração por Carlos Minc. Já estivemos juntos
em várias manifestações em defesa do ambiente. A meu ver, o estaleiro que o grupo EBX pretendia
instalar em Santa Catarina e não conseguiu só veio para o distrito industrial do Açu porque Minc
ocupava o cargo de Ministro do Meio Ambiente. Como é ardoroso defensor de Unidades de
Conservação, creio que não permitiria a instalação do estaleiro no norte fluminense na condição de
Secretário Estadual. Foi na gestão de Marilene Ramos como Secretária Estadual do Ambiente que o
pedido do grupo EBX para trazer o porto para o Açu foi aceito.
Não cabe publicar a íntegra da carta de Carlos Minc aqui. Destacarei apenas os pontos que
desejo comentar, respeitando seu texto.
1 - “Soffiati é velho companheiro. Foi consultado em todas as etapas, e vibrou quando
criamos os parques e RPPNs, enfrentando a força do Grupo X. Nos deu apoio e assessoria ao André
Ilha para fundamentar a criação de UCs na totalidade da área inicialmente comprada pelo grupo
para ser o distrito industrial.”
Soffiati: Minc tem razão em parte. Se pedirem minha colaboração para a instalação de Unidades de
Conservação, estou sempre pronto, ainda que elas tenham apenas um hectare. Defendo as pequenas
Unidades de Conservação onde as grandes não cabem, seguidor que sou do biólogo norteamericano Edward O. Wilson. Acontece que, no Açu, um grande Parque entre as Lagoas de Gruçaí
e do Açu foi sendo empurrado para o sul e reduzido em suas dimensões pelo grupo EBX. Quando
Minc retornou à Secretaria Estadual do Ambiente, o distrito industrial não permitia mais a
continuidade territorial do Parque Estadual de Gruçaí. Então, ele foi dividido em três UCs: o Parque
Estadual do Açu, abaixo do distrito industrial; a Reserva Particular do Patrimônio Natural de
Caroara e a Área de Proteção Ambiental de Gruçaí. Ajudei o Instituto Estadual de Ambiente a
planejar as três e vou continuar ajudando, mas não é esta a minha intenção original, tampouco a do
INEA.
2 - “Nenhum ambientalista, em hora alguma, em lugar algum se posiciona a favor de um
grande empreendimento, independentemente do rigor da licença, e até de suas próprias demandas
serem, em boa parte, incorporadas.”
Soffiati: Noto que os ambientalistas estão se tornando muito pragmáticos, a ponto mesmo de não
pleitear áreas protegidas. Não é o meu caso. Se não posso derrotar a economia de mercado, que ela
pague ao Estado compensações para a criação de UCs.
3 - “Quanto às audiências públicas, como se sabe, em todo o país, elas não têm poder
deliberativo de impedir um licenciamento. Eu mesmo fiz a lei das audiências, à época a mais
avançada. Agora sairá uma deliberação CONEMA com ainda mais participação e espaço para
questionamentos, com acesso on line do EIA-RIMA, e outros pontos, a pedido também do
Ministério Público Estadual. As audiências servem para transparência, questionamento, obrigação
de responder todos os pontos. Não é levantar a mão, contar os votos (de quem? De quem leva mais
gente pró ou contra??). Estas audiências, especificamente, e enfrentando resistências, levaram à
total mudança do local inicial, entre restingas e lagoas - uma raridade no
licenciamento ambiental do país. Ou seja, funcionaram de fato!”
Soffiati: Pena que, agora, a parte pesada e suja do grupo EBX já foi aprovada. E sobre a maior
restinga do Estado do Rio de Janeiro.
4 - “Quanto a recursos naturais, ferro, gás etc., concordo que não é a tecnologia do séc. XXI,
mas a do século passado. Saíra em poucas semanas o Decreto RJ de mudanças do Clima, com
critérios, metas, instrumentos. Há 2 semanas editamos o guia de compras e construções sustentáveis
RJ, pioneiro.”
Soffiati: Como sempre, o Brasil está atrasado, com sua legislação chegando tarde pra impedir o
megaempreendimento do Açu, intensivo em carbono. Carlos Minc corrobora minha opinião de que
o atraso não está conosco, mas com o grupo EBX.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 24 de julho de 2011
Diálogo leal sobre o Açu (final)
Arthur Soffiati
Concluo hoje os comentários postados na lista do professor José Eli da Veiga por Carlos
Minc, Secretário Estadual do Ambiente, Luiz Firmino, Vice-Secretário Estadual do Ambiente e
Marilene Ramos, Presidente do Instituto Estadual do Ambiente, respondendo a críticas formuladas
ao governo do Estado do Rio de Janeiro concernentes aos processos de licenciamento de
empreendimentos integrantes do complexo industrial-portuário do Açu.
5 - Minc: “É interessante que este polo industrial não seja na região metropolitana, como
inicialmente pensado. Nesta há saturação das bacias aéreas e muito congestionamento. Criar
alternativas de emprego no Norte, em região pobre e sem alternativa, e menos saturada, é o correto.
Aprovamos agora uma nova lei de eliminação progressiva de queimadas que afeta o Norte
Fluminense, e com a mecanização, quebra empregos na cultura da cana.”
Soffiati: A restinga do Açu está destinada a um porto off shore desde que Garotinho foi governador
do Estado do Rio de Janeiro. Claro que o grupo EBX daria preferência a uma área não
congestionada. Assim, foi o otimista e desenvolvimentista Wagner Victer, membro do PCdoB e
presidente da CEDAE, quem apresentou a área do Açu a Eike Batista. Para mim, esta é a razão
verdadeira. Nunca soube que, no início, o grupo EBX pretendesse instalar seu complexo na área
metropolitana do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o porto Sudeste será instalado na região
metropolitana do Rio de Janeiro. Fui consultor do Programa de Microbacias do Estado do Rio de
Janeiro, o Rio Rural. Minha proposta é que os trabalhadores substituídos pelas ceifadeiras
mecânicas no corte de cana crua fossem alocados no Rio Rural ou num programa, que também
propus, para restaurar o ambiente no norte-noroeste fluminense. O reflorestamento de áreas críticas
no noroeste fluminense, principalmente, geraria empregos estáveis e socioambientalmente úteis.
Mas, agora, o complexo industrial-portuário do Açu aparece como solução para os desempregados
da lavoura canavieira. Considero pura ilusão que o grupo EBX absorva trabalhadores que saíram do
corte de cana queimada.
6 - Minc: “Vetamos o porto off-shore em Arraial do Cabo, para preservar a pesca artesanal e
o ecoturismo, mostrando que seria mais interessante ao Norte, na bacia de Campos-Macaé. Mas
nenhum ecologista (ou não ecolo) aceita um aterro sanitário, uma Estação de Tratamento de Esgoto
ou um polo na sua região.”
Soffiati: Os moradores e freqüentadores da Região dos Lagos estão politicamente mais organizados
que os do norte-noroeste fluminense. Se o grupo EBX pretendesse lá se instalar, a grita seria muito
grande. No norte fluminense, o falso desenvolvimento proposto pelo grupo EBX cria expectativas
de emprego para os pobres e de desenvolvimento para a elite política e econômica, desde que não
contrarie os interesses dela. Enquanto ecologista assumido, ainda acreditando que a filosofia
ecologista proposta na década de 1970 é a crítica mais radical da Modernidade e a melhor proposta
alternativa de civilização, recebo com entusiasmo aterros sanitários verdadeiros, associados a usinas
de reciclagem, bem como Estações de Tratamento de Esgoto, sempre lembrando que não basta criar
áreas para dar solução adequada aos rejeitos do consumismo. É preciso criar novos padrões de
consumo. Quanto a polos, entendo que se trata de uma concepção ultrapassada de desenvolvimento.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 18 de dezembro de 2011
Propostas de mitigação para o Açu (I)
Arthur Soffiati
Continuo fiel aos meus princípios depois de 34 anos de ativismo. São princípios éticos
baseados na ecologia enquanto ciência e no ecologismo enquanto filosofia com desdobramentos
culturais, políticos e econômicos. Por estes princípios, continuo estrategicamente repudiando o
capitalismo (sem ser marxista), com sua ânsia desenfreada de pilhar a Terra e de explorar o ser
humano. Ainda estrategicamente, defendo uma nova via para promover o desenvolvimento, tantas
vezes já explicada por mim, mas nunca devidamente compreendida.
Se considero o crescimento capitalista insustentável ambiental e socialmente, entendo que o
complexo logístico industrial-portuário do Açu (CLIPA) é inviável num trecho do litoral brasileiro
que se estende entre os Rios Macaé e Itapemirim (que denomino Ecorregião de São Tomé), por se
tratar de uma costa geologicamente nova, com alta energia oceânica e sem arrimo de formações
rochosas cristalinas. Bastaria mencionar que o empreendimento está se instalando numa restinga
tradicionalmente ocupada por pequenos produtores rurais.
Apesar das minhas posições, consideradas radicais pelos governos do Estado do Rio de
Janeiro e de municípios que compõem a região norte-fluminense, há muito tempo já compreendi
que sou um indivíduo frágil e insignificante para lutar contra o poder econômico do empresário
Eike Batista, que parece contar com o apoio irrestrito do governo estadual. Em situações como esta,
o bom combatente deve formular táticas que minimizem os impactos socioambientais de um projeto
tão ambicioso. Mas como dialogar, sem nenhum cacife, com uma empresa que se acha magnífica e
que deseja somente aplausos?
Em outubro do ano corrente, fui procurado por um jornalista de longa data conhecido meu
que tentou abrir um diálogo entre mim e representantes da EBX. Expliquei-lhe que estava cansado
de receber emissários do grande conglomerado sem propostas claras a me apresentar. Ele então
solicitou que eu redigisse uma pauta para dialogar. Conquanto a maioria das pessoas considere-me
intransigente, aceitei a proposta de diálogo e formulei uma pauta para discussão.
Primeiramente, defini as premissas que norteariam o diálogo com a EBX, tais como minha
opinião embasada de que o Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu deveria se instalar em
outra área, não na parte meridional da restinga de Paraíba do Sul. Outra premissa é considerar, até
prova em contrário, a insuficiência dos Estudos de Impacto Ambiental dos empreendimentos e a
facilitação dos processos de licenciamento pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Exigi que,
no diálogo, jamais se mencionasse algo parecido com remuneração ao meu trabalho. Embora
aposentado, mantenho o espírito de um professor universitário à moda antiga, vale dizer, com senso
crítico, e lamento que universidades públicas e privadas estejam se aproveitando do grande volume
de recursos colocados em circulação para financiar seus projetos e até para benefícios pessoais.
Defini também que continuaria oferecendo representações ao Ministério Público, até porque os
porta-vozes do empreendimento dizem gostar que o MP instaure Inquéritos Civis Públicos para
garantir a transparência de suas obras. Fui mais longe, garantindo meu direito de expressar
livremente na imprensa meu pensamento acerca do complexo.
Sobre o diálogo, solicitei que ele fosse regido por pautas claras e clima de cordialidade e
respeito das partes nas reuniões, algo que não acontece nas audiências públicas, nas quais todas as
ponderações do público são rebatidas. Na verdade, as audiências públicas não passam de farsas. Os
processos de licenciamento discutidos nelas já estão aprovados a priori. Assim, as audiências
públicas se revestem de um caráter meramente legal e formal.
Caso a reunião para diálogo fosse aceita, eu pediria para ser acompanhado por algumas
pessoas, já que, pela EBX, encontraria muitas pessoas a me receber. Solicitaria também ata da
reunião. Como o elenco de propostas não cabe no espaço de sessenta linhas, vou apresentá-lo no
último artigo meu de 2011.
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 25 de dezembro de 2011
Propostas de mitigação para o Açu (final)
Arthur Soffiati
Autorizado pelo grupo EBX ou não, recebi um emissário dele propondo-me um diálogo.
Respondi-lhe que já recebi vários representantes da Ecologus e do Grupo de Gestão Integrada do
Território que não me externavam a razão de suas visitas. Então, o emissário solicitou-me propostas
para um diálogo.
Então, formulei as seguintes:
1- Reconsiderar a proposta de deslocar o canal do estaleiro para o sul da Lagoa do Veiga,
onde ela já está antropicizada, mantendo a parte íntegra dela intacta e permitindo que a lagoa se
integre à APA de Gruçaí ou à RPPN da Caroara. Por onde for aberto esse canal, a atividade
pesqueira será afetada. Portanto, o argumento de que a escolha para ele foi feita em atenção à pesca
não procede. A proposta foi apresentada por mim à EBX num encontro promovido pela
Universidade Estadual do Norte Fluminense. Daí meu pedido de reconsiderá-la.
2- Convencer o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) a não abrir o Canal Quitingute-Açu,
pois ele vai subtrair água subterrânea que verte para a Lagoa Salgada pelo setor norte. Esta lagoa já
foi incluída na lista do patrimônio geológico e paleontológico da humanidade pela Organização das
Nações Unidas. A alternativa que o INEA tem é ligar o canal do Quitingute à Lagoa de Gruçaí,
como projetou o célebre engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, na década de 1930.
Outra pessoa dura na queda é Marilene Ramos, presidente do INEA. Ela não aceitou sequer a
proposta que fiz para que o grupo de hidrologia da Coppetec estudasse esta possibilidade. Neste
caso, a discussão deve ser aberta à Secretaria Estadual do Ambiente. Sei que o Secretário Carlos
Minc é muito mais sensível que Marilene. Além do mais, representantes da EBX já disseram
publicamente que esse canal em nada atende ao complexo.
3- Instalar sob o aterro onde será erguido o Distrito Industrial galerias que permitam a
continuidade da Lagoa de Iquipari. A ligação entre o corpo da lagoa e suas cabeceiras é fundamental
para alimentá-la e permitir, eventual e futuramente, sua religação ao Canal do Quitingute, aberto
sobre um sistema hídrico que articulava o Rio Paraíba do Sul às Lagoas de Gruçaí, Iquipari e Açu.
4- Retirar os animais vertebrados dos brejos a serem aterrados para a construção do Distrito
Industrial, transferindo-os para a Lagoa de Gruçaí até que seja instalado o Parque Estadual da Lagoa
do Açu. Outras alternativas podem ser examinadas.
5- Reconstituir o trecho do mineroduto que corta as lagoas de tabuleiro, notadamente a
Lagoa da Saudade, cujos braços foram aterrados com a passagem do duto. Ele deve ser enterrado no
leito das lagoas.
6- Abrir negociações transparentes e justas com pescadores e pequenos produtores rurais.
Mostrei-me aberto ao diálogo, mas não obtive nenhuma resposta. Soffiati diante de Eike
Batista não é ninguém. Como ele tem apoio irrestrito da Secretaria Estadual do Ambiente e do
INEA, dispensa qualquer negociação. Com a pressão de pescadores e de pequenos proprietários
rurais, ainda existe a possibilidade de diálogo. Como lagoas, plantas e animais não falam a nossa
língua nem fazem pressão, sinto-me sozinho na árdua tarefa de defendê-los.
Seja como for, as propostas estão colocadas publicamente, assim como o desejo de diálogo,
o que não compromete outras ações de diferentes atores.

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