Sem título - Faculdade Santa Marcelina
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Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 Guerra Civil no Camboja: implicações históricas e mutabilidade Carlos Henrique Mosquete; Victor Sakamoto Introdução Este paper tem por objetivo trazer uma reflexão específica a cerca de um tema que intriga a humanidade contemporânea. Em pleno século XXI, ainda convivemos com os resultados de acontecimentos que marcaram a história de diversos países ou povos por meio de uma esfera indesejável. Acontecimentos que marcam a vida de inúmeras pessoas através de massacres e brutalidades e que servem de aprendizagem e reflexão para as futuras gerações: Que mundo é esse em que inúmeros atentados contra a humanidade são feitos durante o que deveria ser o século do desenvolvimento tecnológico e industrial, e isso por seus próprios habitantes? O que motiva os diversos massacres e mortes em massa com o intuito de dizimar uma específica população e qual direito é dado para essa ação brutal e inimaginável? A que ponto chega à natureza humana para cometer esses atos? O tema tem por conceito a Guerra Civil ou, mais especificamente, a Guerra Civil no Camboja. Uma guerra baseada na opressão de um Governo totalitário criminoso contra sua própria população, que resultou em inúmeras mortes e atentados contra os Direitos Humanos. Será discutida a contextualização da Guerra, de modo a descobrir que fatores e ações anteriores fizeram com que a situação culminasse nesse conflito brutal, além de uma narração dos acontecimentos que ocorreram durante o conflito, como ocorreu seu término e uma conclusão do pós-guerra. Para o desenvolvimento do paper partimos da seguinte problemática: De que modo os conflitos ocorridos durante as chamadas Guerras da Indochina desembocaram no período turbulento e traumático pelo qual o Camboja passou entre os anos de 1975 a 1979, caracterizados pela vontade de formação de uma economia agrária imposta e ditatória do então governo formado pelo grupo revolucionário Khmer Vermelho? Nossa hipótese para a problemática: Os conflitos tiveram início no Vietnã em relação ao seu processo de independência com a França, e boa parte de suas direções foram tomadas haja vista toda a problemática e crescente discussão relacionada à Guerra Fria e sua completa mudança de visão de construção de governo entre os países envolvidos. Neste paper, serão discutidas as causas externas e internas que levaram a conflitos generalizados em toda a área conhecida como Indochina, suas implicações na chamada Guerra Civil do Camboja, e de que forma questões mais complexas relacionadas, tanto as idealizações de Estado por parte de autores históricos, quanto aos efeitos causados por parte das ideias difundidas na chamada Guerra Fria, criaram uma situação traumática e indelével em um país que atualmente tenta 27 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 recuperar-se das imposições idealistas/utópicas do partido ditatório conhecido como Khmer Vermelho. Justificativa O fascínio pelo campo das guerras e genocídios entre os estudantes de história e cursos relacionados à área fez e faz com que diversos trabalhos acadêmicos sejam publicados sobre o assunto. Os grandes genocídios como o Armênio, Holocausto Nazista, mortes em massa por Stalin na Rússia, na China com Mao Tsé Tung, Ruanda, Camboja, dentre outros, inspiraram a publicação de diversos outros como também deste trabalho, por meio do qual se espera apresentar um contexto histórico movido por discussões polêmicas que transformaram o mundo a partir da metade do século XX. A importância do entendimento de tais assuntos, mesmo que não a fundo, objetiva o simples entendimento sobre o que mais envolveu a Guerra Fria além da disputa “não armada” entre Estados Unidos e Rússia, ou mais precisamente, Capitalismo x Socialismo. Fundamentação teórica Por mais que os conflitos que se desenrolaram no Camboja entre os anos de 1975 e 1979 - e também em anos anteriores – tenham sido denominados Guerra Civil, é bem difícil definir exatamente o que foi esse período. Como tentativa de explicar o que foram os conflitos, podemos tentar distinguir entre os três tipos de guerra civil descritas por Waldmann & Reinares (1999, pp. 14-15); (1) Guerra Civil por revolução – guerras dirigidas contra o próprio regime, ou seja, que tem como finalidade a derrubada do governo estabelecido e/ou profunda mudança socioeconômica; (2) Guerra Civil por sucessão – guerras de sucessão com a finalidade de autonomia ou separação; (3) Guerra Civil internacionalizada – guerras civis tanto por revolução como por sucessão, que têm a participação ou intervenção de, pelo menos, um país soberano. As variações entre as definições acima podem ser colocadas dentro da sequência mutável de fatos ocorridos entre os períodos de 1960 a 1970 e 1975 a 1979. Saloth Sar, conhecido como Pol Pot e líder do partido comunista Khmer Vermelho, que tentou construir uma sociedade agrária comunista no Camboja, foi responsável pela morte de estimadas 2.000.000 (dois milhões) de pessoas, segundo concordância de diversos autores e estudiosos do assunto. Após ser reprovado por três anos consecutivos em seus estudos de Rádio Eletrônica, perdendo a bolsa de estudos que possuía em Paris e tomado por ideais políticos e por correntes filosóficas como o marxismo e suas ideias sobre socialismo e revolução, ele retorna ao Camboja em 1953, período idêntico ao da lei de supressão criada pelo rei Norodom Sihanouk com vista a suprimir os partidos comunistas formados, que estavam se radicalizando frente à opressão contra o movimento de independência realizado pela 28 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 França contra o Camboja, na época uma de suas colônias. Sendo levado por seu irmão mais velho, Saloth Chhay, Pol Pot juntou-se ao movimento comunista, que com os comitês de independência criados, levaram o Camboja a independência em 1953, e ao reconhecimento de tal feito em 1954 pela França. Tornou-se líder do partido comunista em 1962, precisando se refugiar na floresta devido à perseguição por parte do ainda governante Norodom Sihanouk. Já influenciado por suas ideias sobre o comunismo e socialismo marxistas, e tendo se refugiado em uma tribo nas montanhas no nordeste cambojano, que lhe possibilitaram conhecer uma forma simples e não material de vida, formou o partido guerrilheiro Khmer Vermelho, com o intuito de derrubar o governo de Sihanouk, e passou a tomar pequenos vilarejos e substituir os líderes locais por líderes do partido de resistência, conquistando pouco a pouco o território e reunindo forças para ataques a cidades e províncias de importância vital para o governo. No ano de 1970, após um golpe de Estado inesperado do antes primeiro ministro Lon Nol, apoiado pelos Estados Unidos, objetivando impedir que se formasse um regime comunista no Camboja e em toda a área conhecida como Indochina, o rei Sihanouk fugiu e se reuniu com o antigo partido inimigo Khmer Vermelho, que continuou com a tomada de cidades em que o poder do novo governo tinha autoridade limitada, sendo agora apoiado pela China e União Soviética, devido aos ideaisxsocialistasXprocuradosxemxcomumxp rincípioxexquexpossibilitaramxum “crescimento explosivo, no qual suas práticas assassinas puderam, rapidamente, atingir proporções épicas” (VEZNEYAN, 2009, pp. 231). A formação da Frente Nacional Unida da Kampuchea (Funk), provinda da junção do Khmer Vermelho com o rei Sihanouk, foi essencial para a conquista de mais territórios e aquisição de simpatizantes à causa e, entre 1969 e 1973, após se aliarem a grupos nortevietnamitas interiorizados por tentativas de expulsão dos Estados Unidos, foram bombardeados no que pode ter sido considerado a maior quantidade de explosivos e bombardeio na história em um só país. Considera-se que tenham morrido cerca de 600 mil cambojanos, entre esses 150 mil agricultores em cerca de 600 mil toneladas de bombas despejadas. O bombardeio atingiu milhares de agricultores do interior do Camboja, fazendo com que os que sobreviveram tivessem de mudar, aos milhares, para a capital do Camboja e principal cidade, Phnomz Penh. Em 1975, após a retirada das tropas americanas do Vietnã e perda do apoio americano no Camboja, seguido da fuga do general Lon Nol devido à incompetência do governo instaurado, marcado pela corrupção, o Estado cambojano viu-se livre do governo. Entretanto, enquanto havia comemorações em Phnom Penh, o grupo Khmer Vermelho viu sua oportunidade e, no dia dezessete de abril, marchou sobre a cidade matando todos os 29 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 funcionários do antigo regime e estrangeiros restantes no país. Sobre a desculpa de perigo iminente e regresso em alguns dias, esvaziou a cidade, levando todos consigo sem que esses pudessem carregar nada, direcionando-os para os campos de trabalho criados, com vista a conseguir cumprir com seus planos de uma utopia agrária comunista, inspirada em líderes e movimentos como a revolução cultural de Mao Tsé Tung na China, e que iriam destruir no Camboja toda e qualquer influência ou característica do capitalismo. A partir da tomada da cidade de Phnom Penh, Pol Pot declarou o que chamou de “Ano Zero” para o Camboja, em que iniciou um programa rigoroso com o intuito de “purificar” a sociedade cambojana e transformá-la em uma sociedade comunista autossuficiente, livrando-a de influências ocidentais como cultura, religiões e capitalismo, instaurando medidas de controle como expulsão de estrangeiros, fechamento de embaixadas, desligamento da moeda corrente no antigo regime, além de matar todos que se opusessem ao Khmer Vermelho, incluindo seus líderes. Segundo Kiernan (1996), apesar de sua economia subdesenvolvida, o regime de Pol Pot foi, provavelmente, o que mais controlou seus cidadãos considerando todos os países em toda a história, adotando postura totalmente fechada para o mundo exterior. Os Cambojanos chamaram esse período de “O regime de três anos, oito meses e 20 dias”, referindo-se a todos os segundos de terror vivenciados no período que exterminou cerca de 30% da população do Camboja por fome, torturas e execuções. Fase na qual se estima que quase todas as famílias tenham perdido ao menos um membro. Segundo Vezneyan (2009): milhões de cambojanos acostumados à vida citadina foram forçados a trabalhar nos “campos da morte” de Pol Pot, onde rapidamente começaram a sucumbir face ao excesso de trabalho, doenças, e desnutrição. Os indivíduos tinham direito a uma xícara de arroz (180 gramas) por pessoa a cada dois dias. Além disso, eles eram submetidos a cargas e condições de trabalho inumanas e morriam ao cometer qualquer infração, por mais leve que fosse. Um dos métodos de repressão foi a transformação de um colégio popular cambojano em cadeia. Este era conhecido como S-21 ou Tuol Sleng, usado contra milhares de pessoas com o intuito de torturálas até que confessassem os crimes, participação em esquemas no antigo governo ou traição contra o Khmer Vermelho. Muitas vezes, após a tortura que sofriam, eram assassinados e, antes da morte, eram fotografados como parte de um ensinamento para aqueles que desobedecessem. Atualmente, o colégio funciona como museu para lembrar a perda de pessoas inocentes e mostrar a todos o que foi o massacre. Em 25 de dezembro de 1978, o Camboja foi invadido pelo Vietnã com o intuito de interromper os ataques e incursões do Khmer Vermelho às fronteiras cambojanas. Formou-se nesse momento um 30 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 governo provisório formado principalmente por desertores do grupo. Pol Pot teve então de fugir de seu país e iniciou, com o que sobrou dos Khmer Vermelho, várias guerrilhas durante os anos 1980 e 1990 com os governos sucessores, sem, entretanto, mostrar-se presente como organizador dessas. Em 1997, após anos escondido, Pol Pot foi preso pelo líder de sua guerrilha, que fora formado após a deposição do Khmer Vermelho do governo. Pol Pot e seus comparsas fugiram e armaram um esconderijo na selva para montar uma resistência armada contra os futuros governantes. Essa prisão, entretanto, em nada mais culminou além de um “julgamento” fictício, ou melhor, uma encenação teatral judicial, uma completa farsa. “As farsas judiciárias de Josef Stalin e Mao Tsé Tung inspiraram a encenação dos Khmers que revelavam dessa forma o que, na ocasião, pretendiam negar: sua fidelidade a si mesmos e ao seu passado”. (MAGNOLI, 2006, p. 31). O que realmente se esperava da Comunidade Internacional era a imposição de ato de justiça por meio do Tribunal Internacional, condenando os devidos responsáveis, assim como fora feito com os crimes de Genocídio da Bósnia (1995) e Ruanda (1994). No entanto, isso não ocorreu. Magnoli (2006, PP. 32) descreveu: “Afinal, um julgamento genuíno traria à tona as responsabilidades indiretas de todos os que, em um momento ou outro, deram a mão aos Khmers – uma heterogênea confraria que abrange governantes chineses, tailandeses e americanos”. Assim sendo, caso houvesse a condenação dos responsáveis, diversos movimentos totalitários criminosos seriam “desmascarados” e isso foi um impulso para a absolvição por meio do esquecimento. Magnoli (2006) descreve que, no dia 15 de abril de 1998, segundo fontes do Khmer, Pol Pot morreu de ataque cardíaco e seu corpo foi queimado numa cerimônia testemunhada por um grupo de guerrilheiros caçados. Considerações finais O estudo das guerras e genocídios influenciou e ainda influencia a construção de estudos sobre o assunto e pesquisa acadêmica. Esse assunto, no entanto, é caracterizado por ser um tópico de pesquisa e referência em diversos campos, tais como Psicologia, Relações Internacionais, Ciências políticas, entre outros. Isso se deve aos diversos modos de interpretação, tais como a forma como a mente humana age frente ao poder, as motivações externas por parte do estudo de autores históricos, o aparecimento de novas concepções relacionadas à política, além de outros entre os diversos motivos pelos quais já se tentou explicar ações cruéis como a dizimação de uma população ou etnocídio, por exemplo. Conclui-se que as motivações relacionadas aos abusos por parte do grupo Khmer Vermelho tiveram motivações diversas, sendo difícil achar uma explicação completa e que abranja tudo, e foram relacionadas principalmente as conturbações recentes causadas por disputas entre países Socialistas e Capitalistas, assim como por meio 31 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012 dos exemplos seguidos de formas de governo vistas em países como China e Rússia. Carlos Henrique Mosquete é graduando em Relações Internacionais pela FASM. Victor Sakamoto é graduando em Relações Internacionais da FASM. Referências bibliográficas: KIERNAN, B.,Boua, C. The Pol Pot Regime: Race, Power and Genocide in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975-1979: New Haven, CT, Yale University Press,z1996. MAGNOLI, Demétrio (org.). O grande jogo: política, cultura e ideias em tempo de barbárie. SãoxPaulo:xEdiouro,x2006. VEZNEYAN, Sérgio. Genocídios no século XX: uma leitura sistêmica de causas e conseqüências. –Tese de Doutorado: USP/SP,x2009. WALDMANN, P. Dinamicas Inherentes de La Violência Política Desatada. IN: Peter Waldmann and Fernando Reinares (eds.). Sociedades em Guerra Civil: Conflictos Violentos de Europa y America Latina. Spain: Editora Paidos Iberica, 1999b, PP. 87-108. WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da política, 1 (Vol. 1). São Paulo: Ática, 2006. Sites The Killing Fields Museum. Memorial for victims in Washington state. Disponível em: http://www.killingfieldsmuseum.com/genocide1 .html Filmes e documentários Os Gritos do Silêncio - The Killing Fields (1984, 2 hours, 21 minutes).Dirigido por Roland Joffé. Esta foi sua estreia no Cinema, tendo trabalhado sempre como documentarista. 32