Coaching - Editora Nobel
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Rosa R. Krausz COACHING EXECUTIVO A CONQUISTA DA LIDERANÇA coachingf2.indd Sec1:3 30/3/2007 17:35:28 Dedicatória Ao Mário, meu reconhecimento carinhoso pelo constante e irrestrito apoio, compreensão e tolerância ao meu trabalho, durante todos esses anos de convivência. Aos meus filhos, que me brindam com sua existência e com suas famílias. Aos meus netos Willi, Jonathan, David e Elias que iluminam meus dias com sua presença e seu carinho. Aos meus colegas, treinandos e clientes que me proporcionam oportunidades preciosas de diálogo, troca, aprendizagem e desenvolvimento. coachingf2.indd Sec1:5 30/3/2007 17:35:29 Sumário Introdução 9 1 O mundo empresarial em mutação 15 2 Coaching e suas origens 21 O que é coaching? 3 4 5 coachingf2.indd Sec1:7 Coaching e outras modalidades de intervenção. Tipos de coaching 26 31 Aconselhamento versus coaching 33 Mentoring versus coaching 34 Consultoria versus coaching 35 Terapia versus coaching 36 Treinamento versus coaching 37 Aspectos diferenciais do coaching 37 Áreas de coaching 39 Modelos de coaching 49 O modelo GROW 50 Coaching transformacional 52 Cultura de autodesempenho e coaching transformacional 55 O jogo interior 56 O modelo Achieve 59 Thomas Leonard 60 GCP (O Processo de Coaching Goldsmith) 61 Coaching executivo 63 Características distintivas do coaching executivo 67 Demanda de coaching executivo 71 30/3/2007 17:35:29 6 7 8 Princípios básicos e fases do processo do coaching executivo e empresarial 75 Princípios básicos 75 Fases do processo de coaching 81 A realção coache–coachee 113 O cenário inicial 113 Aspectos da relação coach-coachee 115 Estilo de relacionamento (competência relacional e inteligência social) 122 Estilos de relacionamento vistos pela óptica da Análise Transacional 123 Eu Estou OK / Você Está OK (+/+) – Triunfador 125 Eu Estou OK/Você Não Está OK – Carreirista 126 Eu Não Estou OK/Você Está OK (- / +) – Não Ganhador 127 Eu Não Estou OK/ Você Não Está OK (- / -) –Perdedor 128 O papel do coach executivo e empresarial: mestre, aprendiz ou mestre/aprendiz? (COMDIZ) 143 O papel do coachee (executivo) 155 10 O papel da organização 161 11 Construindo uma cultura de coaching na organização 171 9 Construção da cultura de coaching 12 coachingf2.indd Sec1:8 175 Coaching executivo e empresarial: a rota da liderança eficaz 183 Referências 195 30/3/2007 17:35:29 Introdução “Vivemos, lideramos e trabalhamos numa Era de Forças em Colisão.” Ikujiro Nonaka (in Scharmer et al. 2002, p.6) “O lugar onde as pessoas trabalham, como elas se comunicam, a forma como as transações e interações negociais são conduzidas e geridas, tudo está mudando num ritmo cada vez mais acelerado.” Ware, J. & Grantham, C. (2003, p.148) “A tecnologia por si mesma não poderá melhorar os cuidados dispensados ao paciente, a atenção dada ao cliente ou a tomada de decisões estratégicas. Ajuda os trabalhadores talentosos a atingirem esses objetivos como o fazem, por exemplo, aqueles modelos organizacionais que motivam tacitamente os empregados e os ajudam a agir com base em idéias. Esses modelos envolvem, em geral, ambientes que encorajam esses empregados a explorarem novas idéias, operarem de uma maneira menos hierárquica e a organizarem-se para o trabalho. [...] Os modelos tácitos são território novo.” Bradford et al. (2005, p.9) O mundo está cada vez mais sujeito à pressão das mudanças. Por um lado, a tecnologia da informação e da comunicação, a mundialização da economia, as alterações políticas, sociais e ideológicas, as migrações intensas, a rápida degradação do meio ambiente, o avanço da ciência e da tecnologia; por outro, o talento, a criatividade, o conhecimento 9 coachingf2.indd Sec1:9 30/3/2007 17:35:29 e a inovação estão substituindo a terra, as matérias-primas e demais recursos naturais como fonte principal de vantagem competitiva. Trata-se de um cenário onde emergem e atuam forças em colisão: velocidade x sustentabilidade, continuidade x descontinuidade, mundialização x regionalização, previsibilidade x imprevisibilidade, controle externo x autocontrole, poder da força x força do poder, comando/controle x atratividade e engajamento. As promessas não cumpridas da Era Industrial tardia provocaram desilusões. Os empregados, no mundo inteiro, foram convertidos, como lembra Hamel (2000, p.8), pelo mantra do mais rápido, mais barato e melhor, do trabalhar cada vez menos para obter cada vez mais. As recompensas prometidas para os que sobreviveram às demissões, terceirizações, reestruturações e fusões, medidas que reduziram drasticamente o número de postos de trabalho, não foram, na sua maior parte, cumpridas. O setor de serviços transformou-se numa fábrica, com operários de colarinho branco. O trabalho estressante e imprevisível substituiu o tédio das tarefas repetitivas, a autonomia e a criatividade foram castradas pelas normas, regras e políticas corporativas, os funcionários experientes foram substituídos por outros com menos experiência, menor salário e maior disponibilidade para trabalhar sob pressão. As transformações na organização do trabalho e na forma de geri-lo trouxeram consigo a necessidade de se adotar novos estilos de relacionamento com clientes, fornecedores, prestadores de serviços e concorrentes, bem como com os colaboradores. Estabelecer alianças, formar equipes e elevar a capacidade de trabalhar de forma cooperativa e sintônica passaram a ser o novo mantra. As alianças empresariais, necessárias para garantir a sobrevivência das organizações produtoras de bens e serviços, são incompatíveis com os modelos tradicionais de comando e controle, de autoridade/subordinação, uma vez que as partes envolvidas encontram-se numa situação de interdependência para atingir suas metas e objetivos. A competência relacional e a inteligência social passam a assumir uma posição de destaque na gestão dos intercâmbios envolvidos no trabalho e na troca de experiências entre os mais diversos profissionais. Assim, o foco da atenção na área da gestão passa a ser redirecionado das variáveis tangíveis, do que é facilmente observável e perceptível, tal 10 coachingf2.indd Sec1:10 30/3/2007 17:35:29 como falar, andar ou fazer, para o intangível, como é o caso do nível de atenção, de conhecimento e de experiência, que não são acessíveis à observação de terceiros, dada a sua sutileza de ordem subjetiva, interna e pessoal. Entre as lideranças do mundo dos negócios, o conhecimento essencial deixou de ser o “fazer o produto ou o serviço” para o “fazer sentido”, ou seja, o foco desviou-se do produto ou serviço em si mesmo para o significado a ele atribuído, para aquilo que ele representa para o consumidor. Mas, como afirma Wanda Orlikowski do MIT (1999), parece que as pessoas repetem mais as mesmas coisas. [...] A tecnologia muda. A forma como trabalhamos, não. É raro encontrarmos pessoas fazendo as coisas de forma diferente, improvisando, inovando e alterando as estruturas de trabalho na qual operam. Enquanto o mundo se torna cada vez mais conectado pela via da tecnologia, a vida das pessoas parece tornar-se mais desconectada. Apesar da aparente necessidade de novas maneiras de liderar, criar estratégias e organizar os processos de gestão, a maioria das empresas pouco tem mudado de fato. No cenário empresarial contemporâneo, o grande desafio dos que ocupam posições de liderança e dos que tomam decisões é desenvolver o que Argyris & Schön (1978) denominaram como “conhecimento para a ação”, uma nova capacidade cognitiva de perceber e considerar as fontes mais profundas e intangíveis das quais emanam o comportamento, a inovação e a mudança. Estamos falando aqui do contexto, resultado das interações e dos padrões de relacionamento que emergem de forma sutil e gradativa e que estabelecem o que denominamos regras implícitas e tácitas de convívio entre as pessoas, ou seja, os contratos social e psicológico. Ware & Grantham (2003, p.143) afirmam que, embora o conhecimento seja, sem dúvida, a fonte principal da vantagem competitiva e os trabalhadores do conhecimento sejam os impulsionadores do sucesso empresarial, “a maioria das empresas não está gerindo estes trabalhado11 coachingf2.indd Sec1:11 30/3/2007 17:35:29 res de forma eficaz”. Os autores, numa pesquisa que estuda o futuro do trabalho e o seu ambiente, afirmam que a gestão integrada e criativa dos trabalhadores do conhecimento, os ambientes onde eles trabalham, as ferramentas tecnológicas e as infraestruturas nas quais se apóiam poderiam reduzir os custos de suporte da força de trabalho em aproximadamente 30% e, ao mesmo tempo, elevar a produtividade, a eficácia e a satisfação do trabalhador. Alcançar esse patamar, entretanto, pressupõe repensar a gestão do ambiente e da força de trabalho. O trabalhador do conhecimento não está apenas à procura de emprego, mas sim, de oportunidades de contribuir de forma significativa, tanto para seu desenvolvimento pessoal e profissional quanto para o desenvolvimento da empresa, tanto para o seu trabalho quanto para a sua família. Para atender a essas expectativas, os dirigentes de empresas precisarão assumir novas posturas e comportamentos, expandir a sensibilidade e o autoconhecimento, a fim de poder gerir adequadamente uma força de trabalho criativa, cônscia de seu papel na sustentação do processo de inovação. Essa força de trabalho criativa, cuja proporção tende a se elevar, é a mais procurada e a mais decisiva nas grandes organizações e apresenta algumas características em comum: capacidade de autogestão, talento, mobilidade, diversidade, agilidade, busca da autonomia, de novos desafios, comprometido com a ética e com a competência. Como afirma, Obe (2004, p.3), “o sucesso a longo prazo das empresas permanece tão incerto como sempre foi, a mudança acelerada dos negócios significa que a estratégia negocial precisa ser reavaliada em intervalos cada vez mais freqüentes”. Essa situação exige executivos ágeis, proativos, capazes de identificar tendências, mercados, pessoas e processos que garantam o desenvolvimento de uma organização extrovertida preparada para captar a direção das novas demandas e criar rapidamente respostas para elas. Como ressaltam Bryan & Joyce (2005, p.8), são os profissionais produtivos que tornam os grandes empreendimentos competitivos, mas atualmente esses funcionários têm encontrado 12 coachingf2.indd Sec1:12 30/3/2007 17:35:29 barreiras para o seu trabalho. Criar e intercambiar conhecimentos e intangíveis por meio da interação com seus pares profissionais constitui o cerne do seu trabalho”. O que acontece com maior freqüência, porém, é o desperdício do tempo gasto na procura do conhecimento necessário e na coordenação do trabalho conjunto. Esse parece ser um dos grandes desafios dos executivos na atualidade. Esses são constantemente pressionados a expandir e diversificar sua capacidade de aprender a atuar num contexto em eterna mutação. Pritchett (1998) lembra-nos que no mundo contemporâneo “o verdadeiro sucesso dos gestores e líderes será determinado não por aquilo que eles sabem, mas pela rapidez com que aprendem”. As alternativas tradicionais de desenvolvimento de executivos têm se mostrado inadequadas para atender às demandas atuais, em razão de seu ritmo, padronização, formalidade e tendência a teorização. Na atualidade, a procura é por metodologias caracterizadas pela ênfase na ação e nos resultados, na customização, contextualização e brevidade dos processos de aprendizagem e desenvolvimento de novas competências, habilidades, conhecimentos e comportamentos. Dentre as novas alternativas disponíveis, destaca-se o coaching de executivos, cujos efeitos tendem a se irradiar pela organização como um todo, provocando alterações estruturais, processuais, socioculturais e comportamentais nas pessoas e na empresa. Essas alterações tornarão mais claras, fluidas e eficazes as relações formais horizontais, verticais e transversais, que, por sua vez, facilitarão a integração dos esforços de todos na busca de resultados que só poderão ser alcançados coletivamente. Líderes que se desenvolvem como seres humanos, que expandem o autoconhecimento e a inteligência social comprometem-se com o bem-estar dos seus colaboradores, da sua empresa, da comunidade e de outros sistemas sociais. A eficácia do coaching executivo tem sido reiteradamente comprovada em várias partes do mundo, pelo trabalho de profissionais experientes, éticos e capacitados para colaborar com as lideranças no equacionamento de dificuldades. Se essas não forem prontamente sanadas, poderão provocar prejuízos que ultrapassam o âmbito da organização para a qual trabalham. É o caso dos pequenos e grandes dramas do 13 coachingf2.indd Sec1:13 30/3/2007 17:35:29 cenário empresarial e de dezenas de empresas, públicas ou privadas, cuja derrocada povoa as manchetes dos jornais e revistas de várias parte do mundo, desencadeando crises de ordem socioeconômica, ética e moral. coachingf2.indd Sec1:14 30/3/2007 17:35:29 1 O mundo empresarial em mutação “É preciso reconhecer que posição hierárquica elevada não confere privilégios, mas sim, envolve responsabilidades.” Peter Drucker (1993, p.117) Recentemente, cinqüenta dirigentes de empresas que atuam no Brasil reuniram-se para discutir as mais novas tendências na Gestão de Pessoas e, segundo as informações divulgadas a respeito dos resultados, “os Presidentes mostraram estar muito sensíveis quanto a importância da cultura organizacional e apontaram a ética e a transparência como valores fundamentais de uma organização”.1 Dentre as propostas apresentadas pelos empresários, destacamos as seguintes: • Investimento na comunicação com todos os stakeholders. • Alinhamento entre discurso e prática. • Mudança cultural organizacional e motivação dos funcionários. Convém lembrar, entretanto, que alguns dos que participaram dessas propostas dirigem empresas cujas políticas de RH nem sempre são compatíveis com esses princípios. Um exemplo é o caso de uma multinacional cujo lucro alcançou em torno de nove bilhões de dólares e que teve sua política de RH discriminatória exposta ao público via processos judiciais iniciados por funcionárias que foram lesadas no 1. In www.elearningbrasil.com.br/clipp-ing.asp?id=1372 (acessado em 12/8/04). 15 coachingf2.indd Sec1:15 30/3/2007 17:35:29 passado, ao receber, durante anos, salários inferiores aos recebidos por seus colegas do sexo masculino.2 Como afirma Whitmore, (2004, p.128), “A necessidade de mudança na práxis negocial nunca foi maior do que é hoje”, em virtude dos aspectos paradoxais que caracterizam as empresas contemporâneas, entre os quais destacamos: • Produzir cada vez mais e melhores resultados com menos recursos e no menor tempo. • Atingir resultados em curto prazo sem perda de visão estratégica a médio e longo prazos. • Desenvolver o autocontrole sem descentralizar. • Desenvolver a lealdade e o envolvimento dos colaboradores sem garantir perspectiva de carreira. • Exigir criatividade, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas em ambientes de trabalho estressantes, imprevisíveis e sob constante pressão. • Inconsistência entre discurso e ação, entre valores declarados e valores praticados. • A importância dos ativos “hard” x ativos “soft”. Hardy & Leiba-O’Sullivan (1998, p.234) abordam esse panorama com a seguinte colocação que, embora aparentemente jocosa, retrata episódios de inconsistência e incoerência encontrados no mundo dos negócios: Como é bom ter trabalhadores ativos e dedicados e com iniciativa (mas somente quando é “apropriada”), que apreciam correr riscos (porém, nunca riscos arriscados), que apresentam suas idéias voluntariamente (mas apenas aquelas que são brilhantes), que resolvem problemas (mas não erram), que não temem apresentar seus pontos de vista (mas nunca se opõem aos poderosos), que sempre dão o melhor de si para a empresa (mas não fazem perguntas desagradáveis sobre o que recebem em troca disso). Em resumo, como seria bom empoderar os trabalhadores sem, na realidade, dar-lhes nenhum poder. 2. Ver Time Europe, (julho 5-12, 2004, p.31). 16 coachingf2.indd Sec1:16 30/3/2007 17:35:30 Esses aspectos paradoxais se tornam mais complexos ainda, se considerarmos as alterações na própria natureza do trabalho e no processo de criação de valor: • O talento tende a substituir a propriedade da terra, do capital e das matérias-primas como fontes primárias de valor econômico. • As expectativas e os objetivos desse talento se alteraram e a forma como o trabalho é executado, também. • “O lugar onde as pessoas trabalham, como elas se comunicam, como as transações e interações comerciais são conduzidas e geridas estão todas se alterando num ritmo acelerado” (Ware & Grantham, 2003, p.144). A pressão constante provocada pela intensificação do processo de mudança passa a exigir, cada vez mais, habilidades, conhecimentos diversificados, pessoas dispostas a assumir responsabilidades e desafios, indivíduos que disponham de um portfólio de competências de elevado valor no mercado. Dentre essas, destacam-se as competências relacionais, amplas redes de relacionamento, elevado grau de adaptabilidade ao trabalho em equipe em cenários multiculturais e multiprofissionais e, em especial, disponibilidade para continuar aprendendo. Como essas competências não são, em geral, enfatizadas nas instituições de ensino formal, surge a necessidade cada vez mais premente de metodologias de aprendizagem e de atenção personalizada para suprir as lacunas nos diferentes níveis e posições de coordenação e liderança nas organizações produtoras de bens e serviços. Como afirma Rosabeth Kanter (1990, p.267-97), da Harvard Business School, as empresas precisam cuidar de quatro aspectos importantes para alcançar a excelência: • Tratar a estratégia como um espetáculo de improvisação. Ao não se saber que modelos, que padrões e conceitos irão prevalecer, não é recomendável seguir um texto/roteiro que foi escrito antes da ação. Convém desencadear alguns experimentos e aprender com os resultados de cada um. 17 coachingf2.indd Sec1:17 30/3/2007 17:35:30 • Cultivar redes de relacionamento. A Era da Nova Economia ou do Conhecimento constrói redes de relacionamento por meio de parcerias múltiplas, tanto on-line quanto off-line. • Reconstruir a organização sob forma de comunidade. Estruturas achatadas, fronteiras fluidas, orientadas para equipes e com ênfase nos processos de trabalho. • Atrair e reter os melhores talentos. Abrir espaços para que esses talentos floresçam e mantenham-se em desenvolvimento. Capra (2003, p.132), por sua vez, lembra que: [...] administradores hábeis compreendem a interdependência entre o planejamento e o surgimento espontâneo. Sabem que no ambiente econômico turbulento em que ora vivemos, o desafio que se lhes apresenta é o de encontrar o adequado equilíbrio entre a criatividade do surgimento espontâneo e a estabilidade do planejamento. A última década do século XX foi especialmente fértil em teorias e processos de intervenção que procuraram viabilizar a transformação das organizações, de tal modo que pudessem ajustar-se à velocidade da economia globalizada e da revolução nas comunicações que, como diz Cairncrosss (1999, p.11), decretou o fim das distâncias. Nesse período observou-se, também, um aumento de interesse a respeito de liderança, de treinamentos de líderes, gestão de pessoas, gestão do conhecimento, gestão da mudança. Criou-se, assim, uma demanda súbita para formas alternativas de preparo, atualização e expansão de competências dos executivos e da equipe de gestores. São competências diversificadas e mutantes a serem atendidas por meio de processos breves, customizados e de alto impacto, focados em resultados, compatíveis com o ritmo frenético do cenário contemporâneo no qual tudo acontece em “tempo real”. As oportunidades e o tempo necessário para a reflexão e avaliação do que está acontecendo precisam ser conscientemente disponibiliza18 coachingf2.indd Sec1:18 30/3/2007 17:35:30 dos para permitir que sejam feitas as alterações necessárias no curso das ações em andamento. O ambiente de trabalho, cada vez mais acelerado, traz a necessidade de se criar intervalos de calma e ponderação, durante os quais os que ocupam posições de liderança possam calibrar sua atuação, refletir sobre seu desempenho, obter feedbacks e preparar-se para as descontinuidades e imprevistos do amanhã. Mas para isso será necessário contar com a colaboração de profissionais especializados. Como lembra Drucker, (1993, p.350-1) Existem grandes oportunidades, porque mudança é oportunidade. Mas não existe previsibilidade. [...] É certo que o imprevisível acontecerá, só que é impossível prever onde, quando e como. [...] Nessa situação, o executivo eficaz terá de ser capaz de reconhecer e aproveitar a oportunidade para aprender e renovar constantemente sua base de conhecimento. Foi nesse cenário empresarial de imprevisibilidade crescente que emergiu o coaching executivo e empresarial (CEE), uma metodologia para melhor atender às necessidades específicas dos diferentes executivos. Trata-se de uma alternativa customizada, que vem ao encontro de demandas específicas dos que ocupam posições elevadas nas estruturas organizacionais e apresenta um potencial considerável de geração de resultados, tanto para os dirigentes quanto para suas equipes e para a empresa como um todo. O coaching propicia, também, um espaço seguro onde é possível reforçar facetas de desempenho profissional menos desenvolvidas, bem como otimizar o uso das competências, tornando o retorno sobre o investimento (ROI) de tempo, dinheiro e energia altamente rentável. O coaching de executivos, em especial, produz um ROI elevado (cf. Anderson, 2005), por ser uma forma de minimizar eventuais falhas de dirigentes em seu processo de gestão. Tais falhas, em virtude do alcance de seus efeitos, provocam prejuízos incalculáveis não só em termos monetários, mas, principalmente, em termos de imagem institucional das empresas. 19 coachingf2.indd Sec1:19 30/3/2007 17:35:30 coachingf2.indd Sec1:20 30/3/2007 17:35:30 2 Coaching e suas origens “Coaching é uma atividade profissional em construção, uma arte que exige sutileza de quem a pratica e técnicas amparadas na expansão do conhecimento científico, particularmente do comportamento humano, dos processos de aprendizagem e do conjunto de fatores socioculturais que atuam num determinado contexto.” Rosa R. Krausz3 O mundo contemporâneo tem testemunhado o nascimento de profissões até então desconhecidas e o desaparecimento de outras, nossas velhas conhecidas, em razão de um fenômeno conhecido como obsoletismo tecnológico. Muitos consideram o coaching, da maneira como será entendido aqui, como uma nova atividade profissional, outros como uma versão atualizada de uma atividades que apresenta semelhanças com outras conhecidas e/ou praticadas no passado. A rigor, poderíamos dizer que coaching é tão antigo quanto a própria humanidade. Como afirmam Maher & Pomerantz (2003, p.3). Fica claro que coaching não é um modismo e não é novo. Coaching tem suas raízes em princípios filosóficos e práticas que remontam a Aristóteles, ao pensamento budista, à teoria da Gestalt e a diversos gurus de ontologia e negócios. [...] A taxonomia do coaching executivo abrange uma quantidade de sabedoria antiga e moderna elaboradas numa tapeçaria única, desenhada para produzir resultados reais, em tempo real, para executivos e líderes ocupados. 3. Krausz, R.R. (2005). Aula do curso de Formação de Coaches Executivos e Empresariais, realizado em Curitiba, PR. 21 coachingf2.indd Sec1:21 30/3/2007 17:35:30 Já na Bíblia (Ex. 18) encontramos o episódio que relata a conversa de Jetro com seu famoso genro, Moisés, durante a qual discutiam as dificuldades que este encontrava na condução do povo de Israel em sua longa fuga do Egito e das conseqüências negativas que isso acarretava. Os assim chamados conselheiros de reis e governantes pontilham a história em diferentes momentos, demonstrando que olhares diferentes sobre um mesmo acontecimento, abrem um leque maior de perspectivas e estimulam as pessoas a encontrarem soluções viáveis e que estão ao seu alcance. Sócrates, por meio de diálogos e questionamentos com seus discípulos, tão bem descritos por Platão, e baseado no principio de que a verdade está dentro de nós, já praticava um dos métodos de coaching no V século a.C., demonstrando sua eficácia. A utilização do termo coaching, no sentido contemporâneo do termo, apresenta diversas versões. Anthony Grant (2003) indica o trabalho de Gorby (1937) como o pioneiro na literatura sobre coaching, e no seu levantamento cita, também, o artigo de W. R. Mahler (1964) como o primeiro a utilizar especificamente o termo coaching relacionado à administração de pessoal. Na literatura sobre o assunto, entretanto, dois nomes são freqüentemente citados. O primeiro é de Timothy Gallwey (1996), professor de tênis, autor de um livro que aborda a prática esportiva como um jogo interior. Afirma ele que “o adversário dentro da nossa própria cabeça é mais poderoso do que o que está do outro lado da rede” (ibidem, p.175). Gallwey desenvolveu uma abordagem diferenciada de ajuda para as pessoas aperfeiçoarem sua capacidade de jogar tênis. Em vez de berrar ordens ou dar instruções aos seus alunos, como fazia a maior parte dos “professores” da época, baseou seu método no princípio da habilidade inata que o corpo humano possui de aprender a movimentar-se. Entendia ele que o papel do técnico era fazer perguntas de modo a contribuir para que o jogador ampliasse sua consciência sobre como jogava e fizesse os ajustamentos necessários. Para Gallwey o jogo de tênis, como o jogo da vida, consiste em expressar nosso potencial e ser uma fonte de respostas para as nossas próprias perguntas. As idéias de Gallwey, embora contrárias às dos técnicos e “professores” de tênis da época, refletiam, em muitos aspectos, as tendências 22 coachingf2.indd Sec1:22 30/3/2007 17:35:30 observadas nos movimentos de caráter humanístico de Carl Rogers, Abraham Maslow e Eric Berne, que defendiam, respectivamente, a nãodiretividade, a auto-realização e a autonomia. Esses movimentos floresceram entre as décadas de 1960 e início de 1980 como contraponto ao tecnologismo e militarismo da guerra fria que dividia o mundo entre capitalismo x comunismo. O segundo nome é o de Thomas Leonard, um contabilista e administrador financeiro bem-sucedido, procurado por clientes para discutir não apenas questões financeiras, mas também aspectos ligados a atividade profissional e planejamento de carreira. Como dizia Leonard4, “O que precisavam era uma espécie de alter ego objetivo que pudesse ouvir o que eles estavam dizendo, auxiliá-los a estabelecer prioridades e atuar como um tipo de bússola para orientá-los em qualquer um dos caminhos que escolhessem”. De início, Leonard denominava sua atividade de planejamento de vida. Algum tempo depois, já na década de 1990, fundou inicialmente a CoachU e depois a Coachville, instituições dedicadas à divulgação e treinamento de coaches nas mais diversas áreas. Leonard faleceu repentinamente em 2003, mas o movimento por ele iniciado atraiu um elevado número de pessoas e estimulou não só o surgimento de programas de treinamento de coaches, como também o movimento associativista, tanto em âmbito nacional como internacional. Na atualidade, essa tendência é mais acentuada nos países de língua inglesa que contam com dezenas de empresas que oferecem treinamento. As associações de coaches também têm se multiplicado nesses países. No Brasil, contamos com uma única entidade que congrega e oferece formação e certificação de coaches executivos e empresariais, a Abracem, Associação Brasileira de Coaching Executivo e Empresarial5. O coaching, tal como vem sendo aplicado no mundo empresarial contemporâneo, entretanto, tem sido mencionado desde 1958 com o trabalho de Mace & Mahler (1958), o livro de Mace (1959) sobre crescimento e desenvolvimento de executivos e, alguns anos mais tarde, o trabalho de Fournies (1978). Como relatam Maher & Pomerantz (2003, p.3-11), a década de 1980 assistiu à publicação de vários traba4. Ver www.brilliantissimo.co.uk (acessado em 09/11/03). 5. http://www.abracem.org.br ou http://www.abracem.org. 23 coachingf2.indd Sec1:23 30/3/2007 17:35:30 lhos importantes sobre coaching de executivos, como também o aparecimento de programas para coaches nos Estados Unidos e na Inglaterra. Essa movimentação cresceu durante os anos 1990 quando começaram a surgir programas de treinamento informais, algumas associações profissionais e, em algumas poucas universidades, disciplinas optativas abordando esse assunto. De início, coaching era uma atividade informal e esporádica de pessoas que, por sua experiência, confiabilidade e capacidade de estabelecer relacionamentos empáticos, eram procuradas para com elas se ventilar problemas, discutir e partilhar pontos de vista, opinar sobre questões de ordem negocial, pessoal, de carreira, de dificuldades profissionais. Assim nasceu uma nova atividade profissional, com características próprias, para atender a uma demanda até então pouco expressiva de executivos que desejavam ventilar suas incertezas e percepções com alguém isento, confiável e disponível. Lembra Mayo (2005, p.9) que no coração solitário da “pirâmide política”, um guia neutro e experiente para as incertezas do mundo dos negócios tem-se mostrado útil para muitos – e, provavelmente, nos primórdios do coaching a maioria desses coaches era constituída por gerentes experientes. O início do século XXI inaugurou um período em que essas necessidades se acentuaram. O uso das tecnologias da informação, da comunicação e da coordenação, bem como da própria natureza do trabalho privilegia o domínio de conhecimentos, habilidades e competências não-convencionais, porém indispensáveis, para lidar com questões sutis (não-materiais), ligadas às condições de trabalho. Mencionamos, entre outras, o crescente processo de competição, a necessidade de alinhamento estratégico entre pessoas, produtos e serviços que permita atender a uma demanda cada vez mais exigente em relação a custo, qualidade e prazos. Outra questão refere-se ao desafio da retenção de talentos, o exercício eficaz da liderança, o networking, o desenvolvimento pessoal e profissional suficientemente rápido para gerir colaboradores cada vez mais sofisticados, exigentes e voltados para a gestão da sua própria carreira. 24 coachingf2.indd Sec1:24 30/3/2007 17:35:30