Cálculo, Recolhimento, Parcelamento e Fiscalização
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Cálculo, Recolhimento, Parcelamento e Fiscalização
FGTS Cálculo, Recolhimento, Parcelamento e Fiscalização 1ª edição — 2013 2ª edição — 2015 JAIR TEIXEIRA DOS REIS Auditor Fiscal do Trabalho e Professor Universitário. Doutoramento em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa. Especialista em Direito Tributário. Membro da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho. FGTS Cálculo, Recolhimento, Parcelamento e Fiscalização 2ª edição R EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Fevereiro, 2015 Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUX Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO Impressão: GRAPHIUM Versão impressa — LTr 5178.4 — ISBN 978-85-361-3224-2 Versão E-book — LTr 8589.8 — ISBN 978-85-361-8310-7 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Reis, Jair Teixeira dos FGTS : cálculo, recolhimento, parcelamento e fiscalização / Jair Teixeira dos Reis. — 2. ed. — São Paulo : LTr, 2015. Bibliografia. 1. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — Brasil 2. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — Leis e legislação — Brasil I. Título. 14-12917 CDU-34:331.13(81)(094) Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Leis : Fundo de Garantia do Tempo de Serviço : Direito do trabalho 34:331.13(81)(094) 2. Leis : Fundo de Garantia do Tempo de Serviço : Brasil : Direito do trabalho 34:331.13(81)(094) Dedicatórias Dedico esta obra a minha querida esposa, Wilke, e aos meus filhos, Arthur e Maria Teresa, os maiores responsáveis pelo meu crescimento acadêmico. Aos alunos da Faculdade São Geraldo — FSG pela inspiração na caminhada literária. Agradecimentos À Elaine Enoque, do Departamento de Vendas da LTr Editora, pela sugestão do tema desta obra. À LTr Editora, pela oportunidade a mim concedida de divulgar mais uma obra na área de Direito do Trabalho. Ao Dr. Edmar Menezes Bastos, pela dedicação constante aos estudos relacionados à temática do FGTS. SUMÁRIO Siglas e abreviaturas ................................................................................................ 13 Prefácio ..................................................................................................................... 15 1. Introdução ............................................................................................................ 17 2. Evolução histórica ................................................................................................ 20 2.1. FGTS e a Convenção n. 158 da OIT.................................................................. 22 2.2. Competência para julgamento de ações do FGTS............................................. 23 2.2.1. Preferência sobre crédito na falência....................................................... 26 2.3. Precedentes administrativos relativos ao FGTS.................................................. 27 3. O FGTS no Ordenamento Jurídico Brasileiro ..................................................... 32 3.1. Conceito e denominação.................................................................................. 32 3.2. Natureza jurídica do FGTS................................................................................. 34 3.2.1. Regime Único.......................................................................................... 37 3.3. Gestão do FGTS................................................................................................ 38 3.3.1. Gestão de aplicação do FGTS.................................................................. 41 3.3.2. Centralização de depósitos do FGTS........................................................ 43 3.4. Contribuintes e beneficiários do FGTS............................................................... 44 3.4.1. Ausência de fato gerador ou hipótese de incidência do FGTS.................. 46 3.5. Base de cálculo ou hipótese de incidência do FGTS........................................... 47 3.5.1. FGTS e Contribuição Social na Rescisão ou Extinção do Contrato de Trabalho....................................................................................................... 53 3.5.1.1. Recolhimento do FGTS fora do prazo legal................................. 56 3.5.1.2. FGTS — Códigos de Movimentação............................................. 57 3.5.2. FGTS nos Contratos Nulos....................................................................... 59 3.5.3. Rescisão contratual fictícia....................................................................... 59 3.6. Impenhorabilidade das contas do FGTS............................................................ 60 3.7. Prazo de prescrição do FGTS............................................................................. 61 3.8. A constitucionalidade dos arts. 50 a 52 do Decreto n. 99.684/1990................ 65 3.9. Formas de levantamento de débito do FGTS..................................................... 71 3.9.1. Sistema centralizado............................................................................... 71 9 3.9.2. Por exceção............................................................................................. 72 3.9.3. Da Notificação de Débito do Fundo de Garantia e da Contribuição Social — NDFC................................................................................................... 73 3.10. Hipóteses de movimentação (saque) do FGTS................................................. 74 3.11. Certificado de regularidade do FGTS............................................................... 77 3.12. Guarda de documentos.................................................................................. 79 4. Estabilidade e garantia no emprego .................................................................. 80 4.1. Estabilidade...................................................................................................... 80 4.2. Por que estudar a “estabilidade”....................................................................... 82 4.2.1. Dirigente sindical..................................................................................... 82 4.2.2. Membro das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes — CIPA...... 84 4.2.3. Empregada gestante............................................................................... 85 4.2.4. Acidente de trabalho — acidentado......................................................... 87 4.2.5. Empregado membro do Conselho Nacional de Previdência Social — CNPS... 88 4.2.6. Empregado membro de Conselho Curador do FGTS — CCFGTS............... 88 4.2.7. Empregados eleitos diretores de sociedades cooperativas....................... 88 4.2.8. Membros da Comissão de Conciliação Prévia.......................................... 89 4.2.8.1. Suspensão contratual................................................................. 89 4.2.9. Legislação eleitoral — candidatos empregados........................................ 90 4.2.10. Extinção da estabilidade ou garantia de emprego................................. 90 4.2.11. Estabilidade do empregado reabilitado e portador de deficiência.......... 90 4.3. Síntese.............................................................................................................. 92 5. Contribuições da Lei Complementar n. 110/2001 .............................................. 94 6. FGTS do empregado doméstico .......................................................................... 96 6.1. Requisitos para recolhimento do FGTS.............................................................. 99 6.1.1. Do empregador doméstico...................................................................... 99 6.1.2. Do empregado doméstico....................................................................... 99 6.2. Valor do depósito do FGTS............................................................................... 99 6.3. Documento de arrecadação do FGTS................................................................ 99 7. Processo Administrativo Fiscal ............................................................................ 102 7.1. Da organização do processo............................................................................. 105 7.2. Da tramitação do processo............................................................................... 106 7.2.1. Recursos................................................................................................. 111 10 8. Auto de infração .................................................................................................. 113 8.1. Multas administrativas — hipóteses de incidência.............................................. 115 8.1.1. Da dívida para com o FGTS e da cobrança das multas administrativas..... 117 8.2. Modelo de auto de infração............................................................................. 118 8.3. Modelo de análise de auto de infração............................................................. 120 9. Mora Contumaz Salarial e do FGTS .................................................................... 125 9.1. Da formalização do processo de mora contumaz.............................................. 128 9.2. Da decisão do processo de mora contumaz...................................................... 129 9.3. Modelo de relatório de mora contumaz do FGTS.............................................. 130 9.4. Modelo de análise de processo de mora contumaz........................................... 132 10. Pagamento direto do FGTS — avaliação jurídica e contextual ....................... 135 10.1. Desenvolvimento............................................................................................ 138 10.1.1. Da avaliação jurídica............................................................................ 138 10.1.2. Das competências............................................................................... 139 10.1.3. Do trânsito em julgado........................................................................ 143 10.1.4. Da avaliação contextual....................................................................... 146 10.1.5. Da evolução da ação do SFIT na fiscalização do FGTS.......................... 148 10.1.5.1. Fonte de dados..................................................................... 148 10.1.5.2. Tratamento dos dados obtidos............................................. 148 10.1.5.3. Da adequação normativa...................................................... 149 10.1.5.4. Treinamento de pessoal........................................................ 149 10.1.6. Conclusão........................................................................................... 149 11. Parcelamento de débito do FGTS e das contribuições sociais ........................ 151 12. FGTS do Trabalhador Avulso.............................................................................. 155 12.1. Introdução...................................................................................................... 155 12.2. Histórico da atividade de movimentador de mercadorias................................ 156 12.3. Definição do trabalho avulso.......................................................................... 157 12.4. Características do trabalho avulso................................................................... 158 12.5. Análise do direito de férias, repouso semanal e cálculo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço...................................................................................... 160 13. Referências bibliográficas .................................................................................. 165 11 Anexos ...................................................................................................................... 167 1. Lei n. 8.844/1994................................................................................................ 167 2. Lei n. 8.036/1990................................................................................................ 168 3. Decreto n. 99.684/1990...................................................................................... 182 4. Instrução Normativa SIT n. 99/2012.................................................................... 198 5. Resolução do CCFGTS n. 587/2008..................................................................... 215 6. Resolução do CCFGTS n. 615/2009..................................................................... 216 7. Portaria MF n. 250/2007..................................................................................... 219 8. Portaria Interministerial MPS/MTE n. 227/2005................................................... 230 9. Instrução Normativa SRT n. 15, de 14.7.2010...................................................... 232 12 SIGLAS E ABREVIATURAS ADCT — Ato das Disposições Constitucionais Transitórias AFT — Auditor Fiscal do Trabalho CAGED — Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CCFGTS— Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço CCJ — Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania CCJC — Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CEI — Cadastro Específico do INSS CEF — Caixa Eco nômica Federal CF — Constituição Federal CGTB — Central Geral dos Trabalhadores do Brasil CIPA — Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CLT — Consolidação das Leis do Trabalho CNC — Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo CNI — Confederação Nacional da Indústria CNPJ — Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica CNPS — Conselho Nacional de Previdência Social CNS — Confederação Nacional de Serviços CNT — Confederação Nacional do Transporte CONSIF — Confederação Nacional do Sistema Financeiro CRF — Certificado de Regularidade do FGTS CS — Contribuição Social CSM — Contribuição Social Mensal CSR — Contribuição Social Rescisória CTB — Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil CTPS — Carteira de Trabalho e Previdência Social CUT — Central Única dos Trabalhadores DARF — Documento de Arrecadação de Receitas Federais DCN — Documento de Cadastramento do NIS 13 FGTS — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FI-FGTS — Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço GFIP — Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social GRF — Guia de Recolhimento do FGTS IAPAS — Instituto de Administração Financeira e Assistência Social INSS — Instituto Nacional do Seguro Social LOPS — Lei Orgânica da Previdência Social MTE — Ministério do Trabalho e Emprego NCST — Nova Central Sindical de Trabalhadores NDFC — Notificação de Débito do Fundo de Garantia e da Contribuição Social NIS — Número de Inscrição Social NIT — Número de Inscrição do Trabalhador OGMO — Órgão Gestor de Mão de Obra OIT — Organização Internacional do Trabalho OJ — Orientação Jurisprudencial PASEP — Programa de Assistência ao Servidor Público PEC — Proposta de Emenda Constitucional PGFN — Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional PIS — Programa de Integração Social RAIS — Relação Anual de Informações Sociais RE — Recurso Extraordinário RFB — Receita Federal do Brasil RSR — Repouso Semanal Remunerado SEFIP — Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social SFH — Sistema Financeiro da Habitação SFIT — Sistema Federal de Inspeção do Trabalho SMR — Setor de Multas e Recursos SRTE — Superintendência Regional do Trabalho e Emprego STF — Supremo Tribunal Federal STJ — Superior Tribunal de Justiça TST — Tribunal Superior do Trabalho TR — Taxa Referencial UGT — União Geral dos Trabalhadores URV — Unidade Real de Valor 14 PREFÁCIO O ano de 1966 foi politicamente identificado como o ponto de partida para o mais duro e conturbado período em que vigeu o regime ditatorial militar brasileiro. Duas prorrogações de mandato do então presidente Castelo Branco e atos de fechamento do Congresso Nacional acentuavam a tensão nas cenas políticas já desgastadas pelas crescentes inflação e déficit do setor público. Para deter esses males, o governo visava ao aumento da arrecadação, à redução de suas próprias despesas e à atração de mais investimentos, ainda que, para tanto, fossem flexibilizados alguns dos mais significativos direitos trabalhistas. Em 13 de setembro de 1966 publicava-se a Lei n. 5.107, que instituía o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e com ela se estremecia um dos pilares do Direito do Trabalho: o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. A referida norma despertou imensas polêmicas ao permitir, à época, que o empregado estável, se assim desejasse, cambiasse, em declaração homologada perante a Justiça do Trabalho, a sua estabilidade decenal por depósitos no referido Fundo, observados valores não inferiores a 60% (sessenta por cento) do que resultasse da multiplicação dos anos de serviço contados em dobro, pelo maior salário mensal recebido na empresa. O principal idealizador da norma, Roberto Campos, na exposição de motivos da lei criadora do FGTS, assegurava que a norma constitucional vigente naquele instante (a Constituição de 1946) permitia que a “estabilidade” (art. 157, XII) se amoldasse aos “casos” e às “condições” que viessem a ser estatuídas por nova lei, pouco se importando com a retrocessão que ela pudesse gerar. Levou-se ao extremo, assim, a posição doutrinária liberal, dando-se à autonomia da vontade um especial destaque. O governo partia do pressuposto de que apenas 15% dos empregados brasileiros conseguiam alcançar a estabilidade, o que o levava a concluir que a referida proteção jurídica, “longe de corresponder a uma vantagem efetiva [...] voltou-se contra eles [...] para transformar-se em um obstáculo à sua própria segurança no emprego”. Pois bem. Apesar dos sofismas governistas e empresariais, das reações sindicais e dos protestos dos partidos políticos de ideologia trabalhista, sabe-se que o FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO conseguiu triunfar e que, paulatinamente, substituiu a estabilidade decenal a ponto de torná-la extinta com vantagem legal depois da promulgação da Constituição de 1988. Não há dúvidas de que a abreviatura “FGTS” passou a ser uma das mais utilizadas no vocabulário 15 das relações de trabalho, não havendo quem — sendo empregado ou empregador — não a conheça, nem quem jamais dela tenha ao menos ouvido falar. O tema, portanto, revela uma importância indubitável para as letras jurídico-trabalhistas, sendo, por isso, merecedor dos estudos teóricos e práticos que ora recebem um especial reforço: a excelente obra do destacado e experiente professor, auditor fiscal do trabalho e prolífico doutrinador Jair Teixeira dos Reis, nacionalmente conhecido por outras tantas e relevantes pesquisas em diferentes áreas do saber jurídico, entre as quais se destacam o Manual de Rescisão de Contrato de Trabalho, o Relações de Trabalho: Estágio de Estudantes, o Manual Prático de Direito do Trabalho, o Direito Ambiental e Urbanístico, o Processo Administrativo do Trabalho, o Direitos do Segurado, o Direitos Humanos Sistematizados, o Resumo de Direito Internacional e Comunitário, o Ministério Público, Manual de Direito Empresarial, o Manual Jurídico do Empresário, o Direito Coletivo do Trabalho e o Direito Previdenciário. Por meio desta obra FGTS — Cálculo, Recolhimento Parcelamento e Fiscalização, além da evolução histórica do instituto e de pertinentes paralelos com as muitas formas residuais de estabilidade, são analisadas, com o cuidado que caracteriza as obras do autor, múltiplas questões de relevo como, por exemplo, aquelas que dizem respeito à natureza jurídica do FGTS, à sua base de cálculo, às suas hipóteses de incidência, à sua gestão, às penas relacionadas ao recolhimento fora do prazo e à sua movimentação. A obra não deixa de tratar de algumas situações especiais, como as que envolvem o recolhimento do FGTS diante de contratos nulos, a impenhorabilidade das contas e os prazos de prescrição aplicáveis ao tema. Cuida ainda o autor, com o desejo de exaurir as questões com o didatismo que lhe é peculiar, das contribuições trazidas pela Lei Complementar n. 110/2001, da sistemática do FGTS no universo jurídico dos empregados domésticos, do processo administrativo fiscal, inclusive da expedição de auto de infração, dos efeitos da mora contumaz no ato de recolhimento e das particularidades atinentes ao pagamento direto dos montantes que deveriam ter sido depositados em conta vinculada. Muitos outros assuntos relevantes pululam durante o transcurso da agradável leitura e ganham soluções eficientes e bem fundamentadas. Não tenho dúvidas, portanto, de que a obra que ora prefacio mediante essas breves palavras será um sucesso editorial, digno de múltiplas reedições decorrentes da excelente receptividade que certamente provocará no universo dos críticos trabalhistas. Por tantas qualidades, ela galgará, em pouco tempo, o posto de importante referencial teórico e prático. Luciano Martinez Juiz Titular de Vara do Trabalho (TRT da 5ª Região). Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Professor Adjunto de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da UFBA. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. 16 1 INTRODUÇÃO O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS foi criado na década de 1960, como um sistema opcional à estabilidade decenal, pela Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966. O empregado regido pela norma consolidada podia, naquela ocasião, optar pelo regime fundiário, em substituição à indenização por tempo de serviço, prevista nos arts. 477, 478 e 496 a 498 daquele diploma legal. Todavia, na prática, essa opção era hipotética, pois, já no ato da sua admissão ou sob a ameaça de despedida, os trabalhadores eram coagidos a ingressaram no Fundo de Garantia. A principal finalidade do FGTS era obrigar o empregador a depositar todo mês uma parcela incidente sobre a remuneração paga ou devida, cuja objetivo era evitar, em caso de dispensa sem justa causa, não possuir o empregador recursos suficientes para pagamento da indenização. Para Luciano Martinez(1), a sistemática alternativa recebeu o nome de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sendo oferecida como opção ao trabalhador. Era ele (o trabalhador) quem optava pela inserção no regime do FGTS ou pela permanência no sistema originário. Se optasse pelo FGTS, o empregado estaria abdicando de todas as vantagens que a estabilidade decenal lhe poderia oferecer. Em lugar dela o operário perceberia, mês a mês, o recolhimento de 8% sobre sua remuneração, o que, matematicamente, significaria 104% da mencionada remuneração por ano de serviço (observa-se que no cálculo foi considerado o já existente décimo terceiro(2) salário: 8% X 13 meses = 104%(3)), incluído o primeiro ano, que também estaria protegido contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Sobre o montante depositado no FGTS, se a cessação ocorresse por iniciativa (1) MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (2) Regulado pela Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962. (3) Súmula n. 98 do TST — RA 57/1980, DJ 6.6.1980 — Incorporada a Orientação Jurisprudencial n. 299 da SBDI-1 — Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.4.2005 Equivalência — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — Estabilidade I — A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade prevista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças. II — A estabilidade contratual ou a derivada de regulamento de empresa são compatíveis com o regime do FGTS. Diversamente ocorre com a estabilidade legal (decenal, art. 492 da CLT), que é renunciada com a opção pelo FGTS. (ex-OJ n. 299 da SBDI-1 — DJ 11.8.2003) 17 patronal, incidiria, ainda, uma indenização compensatória, fixada, à época, na base de 10%(4) sobre a totalidade dos depósitos. Verbis: Art. 6º da Lei n. 5.107/1966 — Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte da empresa, sem justa causa, ficará esta obrigada a pagar diretamente ao empregado optante os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido ao Banco Depositário, além da importância igual a 10% (dez por cento) desses valores e do montante dos depósitos da correção monetária e dos juros capitalizados na sua conta vinculada, correspondentes ao período de trabalho na empresa. Já para Vólia Bomfim Cassar(5), com a criação do FGTS, muitos trabalhadores se acharam prejudicados com este novo regime, já que 8% X 12 = 96% não era o mesmo que 100%, que recebiam por ano de serviço no regime anterior (art. 478 da CLT). Diante das divergências, a matéria foi então pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula n. 98 estabelecendo que a equivalência entre os regimes do FGTS e da estabilidade prevista na CLT é meramente jurídica, e não econômica, sendo indevidos quaisquer valores a título de reposição de diferenças. Com o fundo, o trabalhador tem a chance de formar um patrimônio, bem como adquirir sua casa própria, com os recursos da conta vinculada. Além de favorecer os trabalhadores, o FGTS financia programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana, que beneficiam a sociedade, em geral, principalmente a de menor renda. A fiscalização do recolhimento ao FGTS(6) é um dos mecanismos mais importantes de proteção ao patrimônio do trabalhador, já que ele terá acesso a esses recursos por ocasião da rescisão contratual, aposentadoria, quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna, quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador do vírus HIV, quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave, quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a 70 anos etc. Em regra, a ação consiste, na sua modalidade direta, na visita de um Auditor Fiscal do Trabalho — AFT em empregadores urbanos, rurais e tomados de trabalhadores avulsos que contratam trabalhadores em regime de emprego, para examinar in loco o recolhimento à conta específica do trabalhador (4) Vale registrar que o texto constitucional de 1988 aumentou a indenização oferecida com base no FGTS para hipóteses de resilição patronal de 10% para 40% em conformidade com o art. 10, I, do ADCT — Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I — fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966; (...) (5) CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 1162. (6) Art. 1º da Lei n. 8.844/94 — Compete ao Ministério do Trabalho a fiscalização e a apuração das contribuições ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem assim a aplicação das multas e demais encargos devidos. 18 do valor correspondente a 8% ou 2% da remuneração. Já na modalidade indireta de fiscalização, a empresa ou equiparados são notificados a se apresentar às unidades do Ministério do Trabalho e Emprego — MTE com documentos que comprovem o regular recolhimento ao Fundo. Em ambos os casos, o Auditor apura eventuais débitos por meio da Notificação de Débito do Fundo de Garantia e da Contribuição Social — NDFC, bem como aplica multas no caso de inadimplência ou fraude na arrecadação, em conformidade com as Leis n. 8.036, de 11.5.1990, n. 8.844, de 20.1.1994, e Lei Complementar n. 110, de 29 de junho de 2001. Por fim, observa-se que trabalhadores temporários, avulsos, safristas, menores aprendizes e atletas profissionais também têm direito ao FGTS; consequentemente, a fiscalização alcança os empregadores que contratam esses trabalhadores. 19 2 EVOLUCÃO HISTÓRICA Pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho(7) em 1966 indicava que apenas 15% dos trabalhadores contratados pelo regime da CLT alcançaram a estabilidade no emprego, prevista para quem ultrapassasse os dez anos de serviço. Naquela ocasião, se fossem consideradas as empresas mais novas, com até 15 anos de existência, o percentual de estáveis cairia para cerca de 1%. Esse foi um dos argumentos usados pelo Ministro do Trabalho à época, Peracchi Barcelos, para defender o FGTS, cuja lei de criação entrou em vigor. O ministro explicou que a estabilidade, em vez de proteger o empregado, prejudicava, pois as empresas preferem demiti-lo, justamente para evitar mantê-lo obrigatoriamente até a aposentadoria. Leciona Sergio Pinto Martins(8) que os constituintes de 1934 já previam a adoção de um fundo de reserva do trabalho, que visava assegurar o ordenado ou o salário de um ano, se por algum motivo a empresa desaparecesse (Projeto de Constituição enviado pelo Governo Provisório à Assembleia Constituinte, art. 124, § 5º). Diz ainda que criou-se, então, um fundo de indenizações trabalhistas pelo art. 46 da Lei n. 3.470/1958. Passou de uma faculdade a uma obrigação para as empresas, pessoas jurídicas contribuintes do Imposto de Renda. Com esse enfoque inicial, podemos dizer que o FGTS surgiu de forma opcional por meio da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966, alterada pelo Decreto-Lei n. 20/1966 em razão da crítica dos juristas e da luta dos trabalhadores, estabelecendo direito de o trabalhador poder se retratar, isto é, voltar a ser regido pelo instituto da estabilidade e da indenização previstos na CLT. Art. 1º da Lei n. 5.107/1966. (...) § 4º O empregado que optar pelo regime desta lei, dentro do prazo estabelecido no § 1º e que não tenha movimentado a sua conta vinculada, poderá retratar-se desde que o faça no prazo de 365 dias a contar da opção, mediante declaração homologada pela Justiça do Trabalho, não se computando para efeito de contagem do tempo de serviço o período compreendido entre a opção e a retratação. § 5º Não poderá retratar-se da opção exercida o empregado que transacionar com o empregador o direito à indenização correspondente ao tempo de serviço anterior à opção. (7) Disponível em: <http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/fgts/relatoriosacoes/Livro40Anos_F. pdf>. Acesso em: 29 nov. 2012. (8) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. 20