A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de

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A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de
A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de intervenção
psicológica na esquizofrenia e na psicose
Elias Barreto
Tópicos:
1. Sumário
2.A concepção de Esquizofrenia
2.1.A distinção entre sintomas primários e secundários
2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos
2.3 Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma intervenção psicológica na
Esquizofrenia
3.A influência de Burgholzi
4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até há década de 50
4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50
5.1 O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50
5.2 A Intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50
5.2.1. Abordagens psicodinâmicas
5.2.2. Abordagens familiares
5.2.3.Abordagens cognitivo-comportamentais
5.2.4. Abordagens integradas
6. À guisa de conclusão
1. Sumário
Este trabalho procura mostrar como devemos a Bleuler mais do que o termo de
Esquizofrenia. Devemos simultaneamente uma visão complexa,
que vê na
Esquizofrenia uma doença do cérebro, sem cair num organicismo simples, e
que valoriza a compreensão psicológica, sem cair numa visão psicogénica,
providenciando um modelo de trabalho que permite integrar os vários dados
da clínica, biológicos e psicológicos e nortear o raciocínio clínico no desenho
das várias intervenções, farmacológicas e psicossociais.
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Começando por expor as características essenciais do seu pensamento
desenvolvido na sua obra “Dementia Praecox ou Grupo das Esquizofrenias” ,
de 1911, procura-se depois evidenciar como apresenta uma concepção que
valoriza o pensar em termos psicológicos e como incentivou a intervenção
psicológica na Esquizofrenia e nas psicose.
De sequida,
esboça-se uma visão panorâmica da história dos modos de
intervenção na esquizofrenia,
nos últimos 100 anos, procurando com isso
mostrar como a visão de Bleuler mantém actualidade e continua a ser
inspiradora.
2. A concepção de Esquizofrenia
Bleuler insere a sua obra de 1911 “Dementia Praecox ou Grupo das
Esquizofrenias” na continuidade com a obra de Kraepelin, a quem presta tributo
reconhecendo que “é quase exclusivamente a ele que devemos a classificação
e o destaque dado aos diversos sintomas” (Bleuler, 1911, pg. 45).
Kraepelin,
nos finais do sec. XIX, deu uma decisiva contribuição à nosografia psiquiátrica,
ao distinguir as perturbações afectivas, de melhor prognóstico como a psicose
maníaco-depressiva, das psicoses nas formas catatónica, heberfrénica e
paranóide, grupo que tendia a evoluir para uma demência precoce ou seja,
uma diminuição crónica da capacidade mental.
Sem pôr em causa a classificação Kraepeliniana, Bleuler sugere o novo
conceito de Esquizofrenia, mais centrado na sintomatologia do que no curso e
prognóstico, em alternativa ao conceito de Demência Precoce, “porque não se
trata unicamente de doentes que se possa qualificar como dementes, nem
exclusivamente de embrutecimentos precoces” (Bleuler, 1911, pg. 53). Opera
assim uma disjunção conceptual que procura libertar o diagnóstico de um
prognóstico pessimista da doença que, para
Bleuler, pode ter evoluções
diversas, ainda que admita que não exista uma restituo ad integrum completa.
Ao mesmo tempo, a sua noção de “Grupo das esquizofrenias” veicula a
concepção de um espectro na esquizofrenia, aumentando o conceito para
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incluir o que agora se chama de traços esquizotípicos e esquizóides da
personalidade (Beck, 2010).
2.1.
A distinção entre sintomas primários e secundários
Bleuler considera, tal como Kraepelin, que a Esquizofrenia é uma doença do
cérebro, distinguindo como elemento primordial uma perturbação orgânica que
conduz à cisão das funções psíquicas .
Esta esquize da mente acarreta
consigo alterações ao nível do pensamento (com perda da coerência das
associações), da afectividade (eg: embotamento , ambivalência dos afectos e
dos impulsos) e das relações com o mundo exterior (retirada autista). Estes
sintomas de base que vieram a ser conhecidos como os “quatro A”
(Associações, Afectividade, Ambivalência, Autismo) têm para Bleuler um
carácter fundamental e primário, e indiciam a acção de um processo orgânico
alterado como substrato da doença.
A distinção entre sintomas primários e secundários remonta ao neurologista
John Hugkings Jackson que na década de 1880 fez a seguinte formulação:
“Diz-se que a “doença” causa sintomas de insanidade. Sugiro que a doença
somente produz sintomas mentais negativos, em resposta à desagregação, e
que todos os sintomas mentais positivos elaborados (ilusões, alucinações,
delírios e conduta extravagante) resultam da actividade de elementos nervosos
que não são afectados por nenhum processo patológico; que eles surgem
durante a actividade no nível básico da evolução” (cit in Beck, 2010, pg.17).
Segundo esta formulação, os sintomas negativos são entendidos como estados
de défice e sugerem estruturas cerebrais comprometidas pela doença. Por
outro lado, os sintomas positivos são compreendidos como elaborações
daquilo que é normal, revelando a acção de processos psicológicos que não
são apenas sinal da desorganização da vida psíquica, mas também da sua
reorganização a nível inferior.
É deste modo que Bleuler vai entender as alucinações e as ideias delirantes
como sintomas secundários que constituem uma “reacção do espírito” à
doença, “ … em parte as consequências de tentativas de adaptação às
perturbações primárias” (Bleuler, 1911, pg. 503). E desde logo entende que
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estes sintomas secundários, que constituem a parte mais visível dos quadros
clínicos, não podem ser compreendidos totalmente sem ter em conta a vida
psíquica e afectiva dos doentes. Ou seja, não são apenas resultado de lesões
orgânicas de um modo directo e mecânico, mas dependem em grande medida
de processos psicológicos, que desempenham um papel intermediário entre a
neuropatologia vaga e a expressão de sintomas e sinais característicos da
doença.
Torna-se então compreensível o interesse de Bleuler por Freud e pela
Psicanálise que, a par de Kraepelin, é referida com a sua outra grande
influência. Dirá mesmo, no preâmbulo da sua obra, que “parte importante da
tentativa para aprofundar mais esta patologia não é senão a aplicação à
demência precoce das ideias de Freud”. (Bleuler, 1911, pg. 46).
2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos
De facto, o interesse de Bleuler pela obra de Freud foi precoce. Já em 1896
tinha revisto favoravelmente os estudos de Breuer e Freud sobre histeria e
louvou o aparecimento da obra de Freud “A interpretação dos sonhos”. O seu
primeiro trabalho psicanalítico apareceu em 1906: “Mecanismos freudianos da
sintomatologia da psicose” (Hoffman, 2008, pg. 46).
A que se deveu este interesse de Bleuler? Nas suas palavras, “Freud é a
primeira pessoa a quem devemos que a sintomatologia específica da
esquizofrenia se tenha tornado explicável”( Bleuler, 1911, pg. 437). Assim,
Bleuler reconhecia na interpretação dos sintomas esquizofrénicos no sentido
da simbólica freudiana o mérito de “ explicar sem contradição interna uma
quantidade ilimitada de factos, que continuariam a ser totalmente inesperados
e incompreensíveis” (Bleuler, 1911, pg. 438). E prossegue dando inúmeros
exemplos de como as comunicações esquizofrénicas poderão adquirir sentido
à luz da teoria freudiana.
Assim, tal como Freud procurou através do seu estudo dos mecanismos de
formação do sonho restituir uma significação às produções oníricas,
aparentemente destituídas de sentido, Bleuler crê encontrar na abordagem
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psicanalítica uma forma de compreender o sentido das produções psicóticas e,
desse modo, estabelecer comunicação com o doente.
Significará isto que Bleuler adopta uma teoria de causalidade psicogénica?
Não. Bleuler é claro ao longo da sua obra, quanto à sua concepção da doença
como de base orgânica, sublinhando que os factores primários e negativos que
destacou denunciam a acção de um processo mórbido que na sua opinião não
terão uma etiologia psíquica.
Mas não é possível compreender a génese da sintomatologia secundária,
positiva, sem atender às vivências psíquicas. “ Os eventos psíquicos
desencadeiam os sintomas mas não a doença…”( Bleuler, 1911, pg. 395).
Observa Bleuler que os doentes nunca alucinam ou deliram por coisas
insignificantes ou neutras do ponto vista afectivo.
“É extremamente raro que
um esquizofrénico tenha como alucinação um sermão inteiro, um drama, que
encontre no seu café um pão alucinatório, que veja uma paisagem habitual…”
(Bleuler, 1911, pg. 142). “O que é vulgar é que as vozes ameacem, invectivem,
critiquem e consolem por meio de palavras entrecortadas ou curtas frases; que
os doentes vejam perseguidores ou personagens celestes…” (Bleuler, 1911,
pg.143)
Por outras palavras, as suas alucinações e delírios exprimem os seus desejos
e os seus medos, as suas aspirações e os obstáculos que encontram à sua
realização. Assim, estes sintomas são portadores de um sentido, que se pode
procurar compreender tomando em conta a influência dos estados afectivos e o
modo peculiar de pensamento psicótico, autistítico e egocêntrico , onde as
palavras e os símbolos são tratados de forma diferente, mas interpretável.
E desse modo vai introduzir a importância do pensar em termos psicológicos a
Esquizofrenia, considerando que a Psicanálise pode ter um papel na
investigação da função e significado do factor psicológico na etiologia e no
curso das psicoses.
No prólogo da primeira edição do seu Tratado de Psiquiatria, de 1915, chegará
mesmo a afirmar: “Uma Psiquiatria sem Psicologia é uma Patologia sem
Fisiologia.”
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2.3.
Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma
intervenção psicológica na Esquizofrenia
Bleuler parece adoptar em relação à intervenção psicológica uma posição
ambígua. Afirma por exemplo: “ A única terapia da esquizofrenia no seu
conjunto que é necessário levar a sério é a terapia psíquica. Infelizmente,
também neste caso, não ultrapassámos o simples empirismo. Como a
sintomatologia da doença é dominada pelos complexos, e porque muitas vezes
podemos penetrar no espírito do doente através deles, podemos esperar
influenciá-lo a partir daí. É indubitável que também existem melhoras em
resposta a influências psíquicas, mas não somos capazes de dizer o que é
necessário fazer, em dado caso, para provocar a melhora, vendo-nos por isso
reduzidos a tactear e, desejaria mesmo acrescentar, a oferecer possibilidades
muito numerosas ao acaso, a fim de que se possa usar uma delas. Mas se
assim fizermos, e no momento desejado, podemos obter realmente muito. “
(Bleuler, 1911, pg. 517)
O cepticismo quanto às potencialidades do diálogo psicoterapêutico é
corroborado pelo próprio Freud que, em 1911 (mesmo ano da publicação da
obra de Bleuler) publica a sua análise do caso Schreber. Nesta obra Freud
descreve a psicodinâmica da psicose em etapas: a primeira, de abandono do
amor ao objecto e o seu redirecionamento para o eu (que Bleuler preferirá
chamar de autismo em vez de autoerotismo); posteriormente, segue-se a
formação de sintomas, que se pode interpretar como um esforço por recuperar
os objectos perdidos, mas de um modo egocêntrico e megalomaníaco e,
simultaneamente, isolado dos objectos reais . Observe-se aqui o paralelismo
com a concepção de Bleuler e de Jackson dos delírios e alucinações como
sintomas secundários: “O que vemos como a produção da doença, a formação
delirante, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução.(Freud, 1911).
Apesar de Freud descrever nesta obra diversos mecanismos psíquicos que
aumentam as possibilidades de compreensão e descrição do funcionamento
psicótico, considerará que os pacientes esquizofrénicos se encontram
inacessíveis em termos terapêuticos, dado que não estabelecem a necessária
transferência (ideia que aparece já em Abraham, 1908) . Em 1914, na sua obra
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“Introdução ao narcisismo”, voltará a explicitar esta posição, opondo as
neuroses de transferência às neuroses narcísicas, inacessíveis em virtude do
retraimento da libido do mundo externo.
No entanto, será excessivamente esquemático afirmar que para Bleuler a
intervenção psicoterapêutica se reduz a um papel de investigação ou
diagnóstico. Na 15ª edição do seu Tratado de Psiquiatria, revista pelo seu
filho Manfred Bleuler (1985), podemos ler: “Que o doente consiga expressar
em palavras a sua vida interior enigmática e sinistra, que encontre no médico
um ouvinte interessado, pode significar um passo para sair do seu mundo
autista e irreal (Bleuler, 1985;pg. 316). Ou ainda: “É muito útil quando for
possível descobrir relações entre o sofrimento dos sintomas psicóticos e o
verdadeiro mal, assim quando, por exemplo, se discute com que pesares e
alterações de humor as ideias delirantes ou alucinações estão conectadas
(Bleuler, 1985, pg. 317)
A dificuldade reside no risco do doente incluir o terapeuta no seu sistema
delirante,
e na possibilidade de reacções de transferência que se podem
converter facilmente em delírios amorosos ou persecutórios. Mas “ tais
desenvolvimentos desfavoráveis podem ser evitados se o médico se mantiver
seguro na sua posição terapêutica, quando nega satisfazer exigências irreais
com uma determinação inabalável e natural, e quando o doente sente a
simpatia e a disponibilidade para ajudar apesar destas negativas. (Bleuler,
1985, pg. 317.)
Deste modo considerava que o diálogo é indispensável tanto para o
diagnóstico como para o tratamento.
3. A influência de Burgholzi
Quando em 1904 Bleuler estabelece contacto com Freud, este pôde constatar
que aquele estudava os seus trabalhos desde há vários anos. E pode-se dizer
que Burgholzi, naquela altura já o mais importante hospital-escola do mundo,
funcionou como o principal ponto de difusão das ideias freudianas, à excepção
de Viena. De tal modo que Zaretsky pôde observar que na primeira década do
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séc. XX , com excepção de Ernest Jones, todos os médicos de fora de Viena
que procuraram contacto com Freud provinham de Burgholzi: Eugene Bleuler,
Carl Jung, Karl Abraham, Max Eitington, Sandor Ferenzi. A.A. Brill, Adolf Meyer
; Ludwig Bisnwanger, etc. (Zaretsky, 2006; pg. 74-75)
Desta forma, Bleuler acabou por fomentar que em Burgholzi se iniciasse pela
primeira vez no mundo a aplicação da terapia psicanalítica à psicose,
influenciando uma série de colaboradores.
A começar por Carl Jung que em 1907 e 1908, publicou “A Psicologia da
Dementia Praecox” e “O Conteúdo da Psicose”, respectivamente, os quais
resultaram de um trabalho de análise muito intensa e entusiasta de sujeitos
esquizofrénicos, que não procurava tanto definir um método de tratamento mas
antes desenvolver, através das experiências de associação, as bases
essenciais da estrutura psicopatológica das esquizofrenias (Hoffman, 2008, pg
48-49). A influência destes trabalhos é patente na leitura da obra de Bleuler.
Sabina Spilrein (1885-1941) sobre a qual muito se tem escrito sobre a sua
relação com Jung, primeiro como paciente (com o diagnóstico de uma Histeria
Psicótica) e depois como amante, merece também ser destacada pelo seu
trabalho publicado em 1911, dissertação final do curso de medicina que
completou após o seu tratamento, onde se observa um dos primeiros trabalhos
a expor uma abordagem psicanalítica às psicoses. Segundo Lütkehaus (2002;
cit in Hoffman, 2008), “ a sua doença foi a base dos seus conhecimentos, a
base como empatia.” Em 1912 publica ainda um importante artigo “A destruição
como causa do chegar a ser”, onde expõe novamente a história de uma mulher
esquizofrénica e introduz de forma precursora a ideia de pulsão de morte, que
Freud vai integrar no seu artigo de 1920 “Mais além do Princípio de Prazer.
Também Ludwig Binswanger (1881-1966), conhece a psicanálise em Burghölzi,
onde Jung supervisionou a sua dissertação, tendo colaborado com ele na
realização de experiências de associação. Visita Freud pela primeira vez em
1907, acompanhado por Jung, e mantém com Freud uma amizade que
perdurou toda a vida, mesmo depois da cisão do grupo de Zurich em 1914. É
filho e neto de psiquiatras, os quais fundaram e dirigiram o famoso Sanatório
Bellevue na Suiça, para onde, por exemplo, Joseph Breuer enviou a sua
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paciente Berta Papenheim (Anna O.), para um tratamento de aversão à
morfina. Em 1910, Ludwig assumiu a direccção do sanatório, após a morte de
seu pai, e o sanatório de Bellevue tornou-se um dos poucos sanatórios
psiquiátricos onde a psicanálise se converteu no principal método de
tratamento das psicoses. Personalidades famosas como o bailarino russo
Vaslav Nijinski ou o pintor Ernest Ludwig Kirchner receberam ali tratamento.
(Hoffman, 2008, pg-52-54).
Na sua Dasein Analyse , Bisnwanger realça a necessidade de tomar a sério a
subjectividade individual, e de tentar aceder ao mundo de sentimentos e
pensamentos do doente esquizofrénico, na procura de compreender a sua
forma de estar no mundo. Na sua opinião a psicose manifesta-se no encontro
interpessoal e deve procurar tratar-se também nesse encontro interpessoal, no
qual o terapeuta deve estar disponível para se expor existencialmente, não se
contentando em abordar o doente com “amável indiferença” nem só falar com
ele para rever sistematicamente a história da sua vida. (Hoffman, 2008, pg.
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É de referir também Karl Abraham (1877-1925) que trabalhou em Burgholzi
entre 1904 e 1907, depois do qual abriu a primeira consulta psicanalítica em
Berlim e fundou mais tarde o importante Instituto Psicanalítico de Berlim.
Abraham descreveu os traumas libidinais como causas das doenças psicóticas,
tanto nas formas esquizofrénicas como maníaco-depressivas. Deixando claro
que as doenças psiquiátricas graves resultavam de uma combinação de
factores constitucionais e experienciais, considerava que o tratamento
psicanalítico pode conduzir a um fortalecimento do ego e, em consequência, a
uma melhoria significativa (Hoffman, 2008, pg. 55-56).
Finalmente, é de referir A.A.Brill, figura chave da psicanálise nos EUA, que
conheceu os escritos de Freud em Burghlozi, em 1908, (Zaresky, 2006) e que
trabalhou com Adolf Meyer, psiquiatra suiço que se formou em Burgholzi e que
emigrou para os EUA em 1892, sendo considerado como o principal construtor
de pontes intelectuais entre a psiquiatria europeia e americana . Adolf Meyer
participou nas Conferências da Universidade de Clark em 1909, juntamente
com Freud, Jung e William James, com a apresentação: “The dynamic
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Interpretation of Dementia Preacox”.
A partir do Hospital John Hopkins de
Baltimore teve uma influência enorme na psiquiatria americana, formando duas
gerações de psiquiatras e elevando os níveis de qualidade do diagnóstico e
tratamento. Insistia que aqueles que se formavam aprendessem psicodinâmica.
(Silver, 2008, pg. 67-71).
4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até à década de 50
Para se compreender o entusiasmo e as esperança depositadas numa
intervenção psicológica nas psicoses, à época sob o signo da psicanálise,
convém recordar que as primeiras décadas do sec. XX se caracterizaram por
uma falta de métodos de tratamento específicos para as psicoses.
A prioridade era que os doentes não causassem danos a si próprios ou aos
outros. A hidroterapia e a ergoterapia estavam entre as forma de tratamentos
mais diferenciadas. A medicação utilizada de forma mais frequente era à base
de ópio, bartitúricos de longa duração e sedantes (Cullberg, 2006). O trabalho
médico diário consistia no exame e correcta descrição dos pacientes, os
relatórios, depois a injecção de soporíferos para as curas de sono, e a nutrição
especial para os pacientes que recusavam comer. (Müller, 2006, pg. 24)
Durante a década de 30 introduziram-se então uma série de tratamentos com
o objectivo de influir directamente no cérebro (Cullberg, 2006 , pgs. 258-264):
- A partir de 1927, com a descoberta por parte do médico austríaco Julius von
Wagner Jauregg dos efeitos favoráveis que a indução de malária tinha sobre a
paralisia geral, última fase da Sífilis, começou a empregar-se este método no
tratamento de pacientes esquizofrénicos. Esta prática foi depois abandonada
pelos seus resultados incertos e pelos riscos demasiado altos;
- Nos começos dos anos 30, o médico vienense Manfred Sakel experimentou
pela primeira vez um tratamento mediante o coma insulínico, descrevendo
bons resultados, pelo que o coma insulínico se converteu na norma de
tratamento dos doentes esquizofrénicos até à década de 60, altura em que foi
substituído pela nova medicação psicótica;
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- Em 1935, o português Egas Moniz , a partir de experiências com chimpanzés,
descobriu que através das lobotomias pré-frontais se podia apaziguar a
agitação crónica e a ansiedade. Em consequência, certos hospitais começaram
a levar a cabo de forma rotineira cada vez mais operações deste tipo, ao
princípio só em pacientes com esquizofrenia crónica, mas depois também em
primeiros episódios que não melhoravam com suficiente rapidez. Consideravase que os efeitos positivos superavam os negativos. A complicação mais
comum era uma mudança de personalidade caracterizada por indiferença e
indolência. Mas muitos ficavam com incontinência permanente, epilepsia ou
obesidade. E a morte podia ocorrer em consequência de hemorragias ou
infecções.
- Em 1937 o húngaro Ladislau von Meduna, que sustentava que a epilepsia
reduzia o risco de esquizofrenia, introduziu o cardiozol de forma a induzir uma
crise epiléptica de tipo grande mal. Em 1938, o italiano Ugo Cerletti começou a
provocar as crises aplicando descargas eléctricas entre os ossos temporais,
evitando assim que o paciente sofresse da ansiedade pré-epiléptica induzida
quimicamente. A terapia electroconvulsiva tornou-se assim um tratamento
muito difundido, e as suas aplicações eram amplas, desde a esquizofrenia
aguda até à cleptomania. Na actualidade, ainda se utliza , mas com indicações
mais restritas: depressão grave ou mania, resistentes ao tratamento com alto
risco de suicídio, agressão, homicídio ou desidratação muito grave, e ainda em
estados catatónicos ou psicoses pós-parto que não melhoram (Cullberg, 2006,
pg. 263).
4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50
Müller (2006, pg. 2) observa que na Suiça eram sobretudo os psiquiatras com
formação psicodinâmica que se interessavam por estes tratamentos, atrás
descritos, o que entende como expressão de abertura a tudo o que pudesse ter
interesse e contribuir para melhorar o destino trágico dos doentes
esquizofrénicos reunidos nos hospitais psiquiátricos da altura.
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A psicoterapia com estes doentes era um trabalho verdadeiramente heróico. A
tentativa de estabelecer contacto com um paciente autista a todo o custo era
frequentemente feita em condições horríveis, acompanhada de gritos, actos de
violência, estereotipias, rejeição, etc. No entanto, sublinha,” ás vezes estes
esforços terminavam em melhoras espectaculares dos pacientes” (Müller,
2006, pg.25)
Em todo o caso, a atmosfera geral nas instituições psiquiátricas tendia a
considerar a psicoterapia das psicoses como tendo pouco impacto em termos
práticos. Seriam esforços intelectuais para compreender, explicar, interpretar,
sem grande significado para o destino dos pacientes.
É de referir também que, por razões históricas, a psicanálise foi entretanto
condenada a uma existência clandestina e quase subversiva, fora das
instituições psiquiátricas. (Bleuler que chegou a aderir à Associação
Psicanalítica Internacional em Janeiro de 1911, e convidado para ser seu
presidente, demitiu-se em Novembro do mesmo ano; em 1914 consuma-se a
ruptura com Jung). Müller (2006, pag. 24) dirá a propósito da sua geração de
jovens psiquiatras na Suiça nos anos 50, que a formação em psicanálise tinha
de ser feita em segredo e sem o conhecimento do chefe, pertencendo quase a
um registo de oposição aos pais.
Não é por isso de estranhar que as publicações psicanalíticas sobre o
tratamento com psicoses surgissem frequentemente no contexto da prática
privada.
Destaca-se nesta altura os trabalhos de duas psicanalistas suíças, Gertrud
Schwing e Marguerite Sechehaye, ambas trabalhando com esquizofrénicos em
prática privada, em Viena e Geneva, respectivamente. O trabalho de
Sechehaye foi especialmente influente, publicado em 1947 sob o título “A
realização simbólica”, seguido de “Diário de uma esquizofrénica”, a partir dos
quais foi feito um filme em 1968 (Gaudillière e Davoine, 2008, pg.160).
Sechehaye descreve um tratamento complexo que prossegue enfrentando uma
impressionante regressão e actividade delirante, obrigando a uma actuação do
terapeuta muito próxima de cada momento importante da transferência
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psicótica, onde os factores paraverbais assumiam uma extrema importância.
Por meio destes conseguia-se um primeiro objectivo, o de mover o paciente do
seu estado autístico para um estado simbiótico com o analista. (Gaudillière e
Davoine, 2008, pg. 160; Benedetti, 2006, pg. 33).
Müller (2006, pg. 25) dirá que estes trabalhos desafiavam a uma postura mais
activa com pacientes, a não desmoralizar se as interpretações não tivessem
ressonância e a dedicar muito tempo aos pacientes.
Importante foi também a obra de John Rosen, em 1953, intitulada “Análise
directa”, onde se promovia uma atitude activa por parte do terapeuta, o qual
participava no drama da psicose, identificando-se o terapeuta com o que o
paciente projectava nele, imago materna, imago paterna e por aí fora. Apesar
de posteriormente esta abordagem ter caído em descrédito, porque demasiado
agressiva, quando apareceu causou uma forte impressão, suficiente para
Manfred Bleuler enviar G. Benedetti para os EUA fazer formação com Rosen
(Müller, 2006, pg.25).
Entretanto, em Inglaterra, o desenvolvimento das ideias psicanalíticas na óptica
Kleiniana, operou-se a partir de um novo olhar sobre os estágios mais precoces
da primeira infância e sobre os estados psicóticos. Klein, que fizera a sua
análise com Karl Abraham foi fortemente influenciada pelos pontos de vista
deste sobre a psicose.
Nos artigos “Uma contribuição à psicogénese dos
estados maníaco-depressivos” (Klein, 1935) e “O luto e a sua contribuição para
os estados maníaco-depressivos” ((Klein, 1940), Melanie Klein formula o seu
importante conceito de Posição Depressiva. No artigo “Notas sobre alguns
mecanismos esquizóides” (Klein, 1946), introduz o seu importante conceito de
Identificação Projectiva, e quando conhece mais tarde a obra de Fairbain,
passa a usar o conceito de Posição Esquizo-Paranóide. Estes trabalhos
constituem a base de muitos trabalhos psicanalíticos sobre a psicose da
chamada escola britânica das relações de objecto que, depois de ter
descoberto o potencial do mecanismo de identificação projectiva como
ferramenta para conhecer os mecanismos de defesa primitivos e os estados
psicóticos da mente, produziu um abundante literatura. As obras de Hanna
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Segal, Herbert Rosenfeld, Donald Meltzer, Wiinicott e Bion contam-se entre as
mais influentes.
Diga-se, no entanto, que os autores Kelinianos têm sido criticados por
basearem as suas observações e terapias mais em perturbações Borderline do
que em psicoses “verdadeiras”. Apesar de poder haver justiça nessa crítica,
não se pode aplicar à obra de Hanna Segal e Herbert Rosenfeld, que
descreveram a sua experiência com doentes hospitalizados e com psicoses
graves (Jackson, M., 2008, pg.98).
Já no outro lado do oceano, nos EUA, o tratamento de doentes psicóticos
hospitalizados com recurso à psicoterapia psicodinâmica foi defendido e
incentivado por figuras como Harry Stack Sullivan e Fromm-Reichman cuja
influência se faz sentir até aos nossos dias.
Sullivan, que foi chamado por um biógrafo “O psiquiatra da América”( cit, in Ann
Silver, 2008, pg.79), desenvolveu uma teoria interpessoal da personalidade,
que enfatiza o interpessoal para além do intrapsiquíco, contribuindo para a
popularidade das teorias de relações de objecto, da teoria do Self e,
actualmente, da psicanálise relacional. A sua obra influenciou também o
desenvolvimento
das teorias
das
perturbações
de
personalidade,
da
psicoterapia breve, da terapia familiar e psicoterapia de grupo sistémicas (Ann
Silver, 2008, pg.79).
Mas Sullivan adquiriu a sua reputação pelo seu trabalho no Hospital Sheppard
Pratt, nos anos 20, onde dirigiu uma unidade para esquizofrénicos homens,
dando especial atenção ao pessoal, formando-os de modo a que fossem
empáticos e não críticos e pondo ênfase na validação e necessidade de
segurança pessoal. Segundo consta, com resultados impressionantes. Um dos
seus livros publicados postumamente chama-se “Esquizofrenia como um
processo humano” (1962). A sua teoria de que a contratransferência é o
método mais importante para compreender o doente influenciou, entre outros,
Winnicott e Searles.
Frieda Fromm-Reichman, psiquiatra e esposa de Eric Fromm, chegou ao EUA
em 1935, e foi trabalhar para o Hospital Chestnut Lodge, contribuindo para que
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o hospital tivesse uma orientação dinâmica, e se convertesse em pouco tempo
numa espécie de farol para o mundo do tratamento psicodinâmico de pacientes
graves. Os seus seminários semanais e simpósios anuais, que contaram com
diversas participações de Sullivan converteram-se em algo parecido a retiros
religiosos para a comunidade de saúde mental (Ann-Silver, 2008, pg.82).
Em 1964, Hanna Green documentou em forma de novela o seu tratamento com
Frieda Fromm- Reichman em “I never promised you a rosen garden”, que se
tornou um bestseller e inspirou um filme. Em estudos posteriores com base no
seu diário, um conjunto de investigadores deduziu que o seu diagnóstico
original era de esquizofrenia, embora com características pouco habituais e de
tipo afectivo. (Cullberg, 2007, pg. 340).
Harold Searles, que trabalhou em Chesnut Lodge a partir de 1949, durante 15
anos, merece também uma menção especial, não só pelo seu talento especial
como terapeuta (as suas entrevistas clínicas em reuniões com colegas atraiam
multidões que ficavam em pé, segundo Ann-Silver, 2008, pg. 84), como pelo
seus escritos sobre o uso da contratransferêcia e a psicoterapia com
psicóticos, reunidos nos Collected papers on Schizophrenia and Related
subjects”(1965).
5.1. O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50
O tratamento da esquizofrenia transformou-se a partir dos trabalhos do médico
francês Henrit Laborit, 1951, e logo depois pelo estudo de Delay, Denker e Harl
(1952), segundo os quais a clorpromazina (Lagarctil) reduzia os sintomas
psicóticos, nomeadamente os sintomas de excitação e agitação, bem como a
actividade delirante e alucinatória, e que além disso contribuía para reduzir o
risco de novos episódios psicóticos durante a esquizofrenia. (Hietala, 2008, pa.
341).
A clopromazina (Largactil) foi introduzida nos EUA em 1954, com a introdução
de compostos semelhantes (da família fenotiazina) como o haloperidol e a
perfazina . Estudos posteriores mostraram que o seu mecanismo de acção se
relacionava com o bloqueio dos receptores pós-sinápticos da dopamina.
15
A introdução da clozapina na década de 1980 trouxe a segunda geração de
medicamentos antipsicóticos, com um perfil de efeitos colaterais mais
favorável, com agentes como a risperidona e a olanzapina, que apresentam
um mecanismo de acção diferente, que implica uma acção simultanea sobre
múltiplos sistemas de neurotransmissores, como o do glutamato e do GABA,
antagonizando a serotonina, além da dopamina. No entanto, a investigação
parece apontar para uma diferença pouca signitificativa em termos de eficácia
entre os medicamentos de primeira e segunda geração. (Beck, 2010, pg. 28;
Hietala, 2008, pg. 344).
A introdução destes medicamentos gerou um grande optimismo entre os
profissionais, substituindo as formas de tratamentos mais antigas, agora
consideradas obsoletas.
No entanto, não foi sem cepticismo que foram recebidos os primeiros relatos
acerca da eficácia dos medicametos neurolépticos. Manfred Bleuler, na edição
revista por si do Tratado de Psiquiatria de seu pai, (15º edição, 1985), duvidava
da pertinência de empregar o rótulo de antipsicóticos a estes medicamentos,
cuja acção interpretava em função de “um relaxamento e tranquilização das
excitações emocionais, com manutenção da vigília.” Transmitiriam uma
sensação de calma e de libertação da tensão, possibilitando que a actividade
delirante e alucinatória tivesse menos impacto sobre o doente, ainda que
permanecesse ( M.Bleuler, 1985, pg. 116 e 318).
Segundo Cullberg (2007, pg.323) os efeitos farmacológicos imediatos de uma
dose mínima de antipsicóticos, em poucas horas, são uma diminuição da
actividade emocional, alterações da coordenação muscular extrapiramidal e
alterações hormonais que os clínicos consideraram efeitos secundários
indesejáveis. O efeito antipsicótico aparece muito mais tarde, levando dias ou
semanas , contribuindo para o alívio dos sintomas psicóticos produtivos.
Considerando que a psicose pode contemplar-se como um estado de
hiperactividade mental que abarca o domínio de processos como as fantasias e
recordações, e que o sistema dopaminérgico é o sistema de recompensa que
atribui uma validade motivacional aos estímulos externos ou às representações
internas, os antipsicóticos ao inibir a libertação de dopamina, reduzem a
16
importância atribuída aos pensamentos psicóticos preocupantes, produzindo
uma espécie de “respiração” psicológica que oferece um potencial para a
recuperação de uma forma normal de pensamento. Do ponto de vista
fenomenológico, produzem uma espécie de indiferença, em que a pessoa
deixa de estar tão implicada face aos estímulos emocionais, quer do meio, quer
das fantasias internas. Não desaparecem por completo, mas na medida em
que não incomodam tanto, a capacidade egóica, crítica e de verificação da
realidade aumenta. Se os pacientes abandonam a medicação antipsicótica é
provável que as alucinações reapareçam exactamente como eram antes do
tratamento. (Cullberg, 2007, pg 333; Hietala, 2008, pg.345).
Culberg (2007, pg.332) salienta ainda que até 50% daqueles que apresentam
um primeiro episódio psicótico, não requerem imediatamente os neurolépticos
se se cumprirem os requisitos psicossociais óptimos. Há uma tendência natural
à recuperação da psicose que pode, não obstante, facilitar-se mediante uma
prescrição cuidadosa de antipsicóticos.
Também Manfred Bleuler (1985, pg. 318) salientava que até um quarto dos
esquizofrénicos recuperam sem medicação.
Estas asserções tornam-se mais compreensíveis se tivermos em conta que
durante muito tempo o conceito de esquizofrenia teve um significado muito lato,
identificando-se com o conceito de psicose. E que um primeiro episódio
psicótico pode corresponder a formas clínicas muito distintas (Cullberg, 2007,
pg-132-133):
- Desde o episódio único, que progride rapidamente de um estado mental
normal, no prazo de uma ou duas semanas, sendo em geral possível identificar
desencadeantes de tipo psicossocial; pelo que com um tratamento psicossocial
adequado, a psicose pode remitir em poucas semanas ou meses (a medicação
antipsicótica pode servir de apoio mas nem sempre é necessária,
especialmente se o meio é favorável e o tratamento psicossocial satisfatório);
- Passando por episódios psicóticos recorrentes, geralmente no contexto de
uma prévia perturbação da personalidade, limite ou esquizotípica, ou então de
um psicose afectiva. Os eventos desencadeadores podem ser difíceis de
17
identificar, especialmente em surtos posteriores; com frequência estão
associados aos consumos; pode existir uma vulnerabilidade genética e uma
infância perturbada, assim como antecedentes familiares de perturbação
mental em vários familiares. Também aqui a psicose remite e não se produzem
mudanças perceptíveis na personalidade. Mas requerem na sua maioria
medicação antipsicótica por intervalos ou a longo prazo, de forma preventiva
(as
psicoses recorrentes com
estabilizadores
do
humor),
e
traços afectivos carecem também
podem
beneficiar
de
uma
de
abordagem
psicoterapêutica.
- Até à psicose com incapacidade crónica, o que só se torna evidente depois de
vários anos de episódios recorrentes. Com frequência estas pessoas sofrem
alterações profundas na personalidade, geralmente com embotamento afectivo.
A recuperação tende a ser incompleta, tendo a medicação um efeito favorável
ainda que não curativo. É importante reforçar as redes de apoio social, que
tendem a ser pobres, e podem ser úteis abordagens psicoterapêuticas que
ajudem a combater os delírios e alucinações.
Segundo Hietala (2008, pg.343-344), a investigação sugere que uma resposta
mais favorável aos antipsicóticos se associa a uma duração média menor da
psicose (o que reforça a importância dos paradigmas da detecção e
intervenção precoces). E que além disso, a acção dos antipsicóticos parece
incidir sobretudo nos sintomas positivos, deixando menos modificados os
relevantes sintomas negativos e cognitivos que já Bleuler tinha destacado
como sintomas primários da esquizofrenia.
Assim,
apesar
do
avanço
que
o
desenvolvimento
dos
tratamentos
farmacológicos antipsicóticos permitiu permanecem os seguintes problemas
clínicos (Hietala, 2008. pg- 342-346):
1. A
uma
pequena
proporção
de
pacientes
esquizofrénicos
os
antipsicóticos apenas facultam um benefício marginal (estimou-se que
cerca de 10-20% dos pacientes não responde ou só responde
marginalmente aos antipsicóticos convencionais; cerca de 30-60% dos
pacientes refractários aos antipsicóticos convencionais respondem à
clozapina)
18
2. Entre os pacientes que respondem, a resposta pode ser só parcial e
nem todos os domínios psicopatológicos melhoram da mesma forma
(subsistindo frequentemente os sintomas residuais, alterações da função
e vocação sociais, com um maior risco de recaídas)
3. A eficácia de todos os antipsicóticos está limitada pelos efeitos
secundários e pelo grau de cumprimento por parte do paciente (segundo
um estudo citado em Hietala, 2008, pg. 344, até 74% dos pacientes
esquizofrénicos deixaram a medicação ao fim de 18 meses).
5.2 A intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50
A descoberta da eficácia clínica dos neurolépticos teve um importante impacto
na forma de conceber a doença e o tratamento da Esquizofrenia. Reforçou a
concepção da esquizofrenia como uma doença do cérebro e para muitos,
doravante, tratar a esquizofrenia passaria a ser sinónimo de medicar.
No entanto, o esforço para desenvolver formas de intervenção psicológica
adequadas
às psicoses não se extingiu. Pelo contrário assistiu-se a uma
proliferação de novas formas de abordagem para além da psicanálise, desde
uma valorização das abordagens familiares, às abordagens cognitivocomportamental, psicoeducacional, psicossocial, reabilitativa, etc, as quais são
apresentadas cada vez mais como abordagens que não competem com a
abordagem farmacológica mas que podem ser usadas em combinação.
Voltando novamente à Suiça de Bleuler, vale a pena referir Christian Müller e
Gaetano Benedetti que na década de 50 fundaram o que é hoje
a ISPS
(International Society for the Psychological Treatments of Schizophrenia and
other Psychosis), com o objectivo de investigar os métodos de tratamento
psicológico, contra a ideia de que ”a psicoterapia da esquizofrenia não é nada
mais do que uma intensificação do contacto habitual entre o médico e o
paciente, ainda que feita de compaixão, benevolência e responsabilidade
consciente, e não um comprometimento que requer do terapeuta uma
preparação séria e complexa” (Müller, 2006, pg. 26). Os seus simpósios
19
reúnem profissionais de todo o mundo que investigam e trabalham em formas
de intervenção psicológica na Esquizofrenia e outras psicoses.
5.2.1 Abordagens psicodinâmicas
No campo das psicoterapias de inspiração analíticas, a tese freudiana de que
os psicóticos não desenvolviam uma relação de transferência foi entretanto
abandonada, com o reconhecimento crescente da especial sensitividade
destes doentes ao terapeuta, em que a transferência se pode estabelecer de
forma precoce e intensa, com poderosos sentimentos de dependência de
potencial simbiótico em virtude da fragilidade dos limites egóicos. Esta relação
não deixa o terapeuta incólume, podendo gerar nele também poderosos
processos emocionais, pelo que o desenvolvimento das ideias psicanalíticas
sobre a abordagem psicoterapêutica às psicoses cresceu a par de um
interesse e valorização do papel da contratransferência.
O trabalho com psicóticos obrigou também frequentemente a alterações da
técnica e do setting (ex. cara-a-cara em vez de divã), dando origem a formas
diversas de abordagem, desde as que privilegiam uma abordagem mais de
apoio e de procura de estabelecer uma melhor relação com a realidade, até às
abordagens estritamente analíticas que repousam na interpretação e resolução
da relação de transferência.
Benedetti (1995), por exemplo, adverte, na psicose, contra uma interpretação
em termos puramente motivacionais, centrada apenas nas pulsões e afectos.
Na sua opinião é necessário tomar em linha de conta as necessidades
estruturais do Eu e atender à perturbação do pensamento e da relação da
realidade. As interpretações devem ter uma função de clarificação, ajudando o
paciente a distinguir o que vem dele e o que vem dos outros, a aperceber-se
das fronteiras do seu Eu e a alcançar uma maior coerência intra-psíquica.
Segundo este autor, na psicose, a sexualidade e a agressividade terão um
lugar menos central do que a fragmentação da identidade, o colapso da
segurança existencial e a dificuldade de se experimentar como uma pessoa
unitária.
20
Um estudo de 1984, dirigido por Thomas McGlashan, de follow up 15 anos
após alta, de pacientes que tinham sido tratados no Hospital Chestnut Lodge
com psicoterapia psicanalítica intensiva, revelou que dos 163 pacientes
esquizofrénicos crónicos tratados, apenas 14% se poderiam considerar
completamente restabelecidos. Os restantes viviam com graus variáveis de
incapacidade e dependência, ainda que tenham melhorado e tivessem uma
melhor qualidade de vida. (in Cullberg, 2007, pg. 341; Reilly, 1997, pg. 21)
Se bem que este estudo incidisse sobre um grupo de esquizofrénicos crónicos,
que não foram alvo de reabilitação social nem de esforços para integrar
medicação neuroléptica, ele contribuiu para a ideia de que, apesar da
publicação de elegantes relatos de psicoterapias intensivas bem sucedidas
com casos de indíviduos esquizofrénicos, numa perspectiva de larga escala os
tratamentos psicodinâmicos não correspondiam às expectativas elevadas que
foram nelas depositadas. E este pessimismo tendeu a alastrar-se a todas as
formas de abordagem psicológica.
No entanto, se este tipo de terapia se adapta bem a alguns pacientes mas não
é adequada para outros, não se pode concluir que esta modalidade terapêutica
seja ineficaz do facto de que os resultados bons e maus se anulem entre si
numa análise estatística de larga escala. Pelo contrário, é um incentivo para
que se investigue em que tipo de pacientes é que este tratamento se encontra
indicado.
Por exemplo, Cullberg (2007, pg 344), afirma que a sua experiência de muitos
anos de trabalho com paciente psicóticos lhe diz que a terapia de orientação
psicodinâmica, combinada frequentemente com intervenções de tipo familiar e
medicação, resulta de grande utilidade para o extenso grupo de psicóticos com
traços afectivos, ou seja, psicoses esquizofreniformes agudas, depressivas e
episódios psicóticos breves. No entanto, para a esquizofrenia “kraepeliniana”,
caracterizada por isolamento psíquico, alucinações auditivas permanentes ou
conduta desorganizada, nunca observou progressos por meio das técnicas
psicodinâmicas.
21
5.2.2.Abordagens familiares
Outro movimento importante dos últimos 50 anos do sec. XX consistiu na
valorização da importância de incluir a família no tratamento dos pacientes.
Começa com um conjunto de autores cujas investigações puseram em relevo
que uma característica saliente das famílias do esquizofrénico era uma forma
de comunicar-se pouco clara, excêntrica, confusa ou estranha. Autores como
Gregory Bateson (1972) e o seu conceito de comunicação em “double-bind”;
Ronald Laing e o seu conceito de “mistificação” induzida pelos pais (Laing,
Esterson, 1964; Theodore Lidz e os seus estudos sobre a “transmissão da
irracionalidade” nas famílias (Lidz, Fleck, Cornelison, 1965); Mara Selvini
Palazzolli e os seus estudos sobre as famílias de transacção esquizofrénca
(Selvini, Boscolo, Cechin e Prata, 1978); Lyman Wynne e Margaret Singer e as
suas investigações sobre os desvios da comunicação nas famílias de
esquizofréncios (Wynne e Singer, 1963 e 1965); todos eles
(cit in Stierlin,
2008, pg. 273-274) contribuíram para a ideia de que o tratamento não devia ser
dirigido exclusivamente à dinâmica intrapsíquica do esquizofrénico mas que
devia prestar atenção aos jogos de linguagem e à comunicação que acontece
aqui e agora na família
Mas também contribuíram para um ponto de vista problemático, no fundo
pouco sistémico, que tendia a reflectir um pensamento linear com uma
atribuição linear de causas e efeitos, e em muitos casos com uma atribuição
linear de intenção e culpa sobre os pais, que tornou cada vez mais difícil ver e
trabalhar com os pais como colaboradores e recurso no processo terapêutico.
Este ponto de vista foi de certa maneira corrigido com um conjunto de
abordagens familiares que têm em comum uma adesão ao modelo de
vulnerabilidade ao stress que admite uma predisposição ou vulnerabilidade de
base biológica para desenvolver episódios psicóticos mas que entende que são
necessários acontecimentos ou situações stressantes para despoletar o
episódio. A família não é implicada na etiologia da doença mas pode ser
ajudada de modo a tornar o risco de recaída menos provável.
22
Um exemplo encontra-se na linha de trabalhos sobre a “emoção expressa” que
demonstrou que em famílias com um envolvimento emocional excessivo e uma
taxa elevada de comentários críticos as taxas de recaídas são maiores, pelo
que desenvolveu uma metodologia de intervenção com vista a reduzir os níveis
de emoção expressa nas famílias. Um conjunto de estudos a partir dos anos 80
nos EUA e Inglaterra, demonstraram de modo consistente que as taxas de
recaída podem ser reduzidas para menos de 10%, 9 meses após a intervenção
familiar, comparadas com taxas de 40-50% para pessoas que foram mantidas
sob medicação mas cujas famílias não foram alvo de nenhuma atenção
especial (Faloon, et al, 1982; Leff et al, 1982; Tarrier e tal, 1989; Hogarty et al,
1991; cit in Fadden, 1997, pg.181).
Na mesma senda encontram-se abordagens que privilegiam uma estratégia
psicoeducativa na qual os membros da família recebem informação sobre a
esquizofrenia, sobre as medidas que podem tomar para reduzir ou evitar o
stress, sobre a necessidade de utilizar neurolépticos, sobre o reconhecimento
de possíveis sintomas prodrómicos da doença, como intervir em situações de
crise, etc. (Faloon e tal , 1984; Macfarlane e tal, 2000; cit in Stierlin, 2008, pg.
278)
Um terceiro ponto vista vislumbra-se em abordagens familiares que evitando
descrições de causalidade linear que imputem a culpa aos pais ou à família,
como nas abordagens psicoeducativas,
não deixam de
dar importância á
qualidade da comunicação e diálogo nas famílias, bem como aos temas de
conflito e, em particular aos conflitos de lealdades e delegações que podem
ocorrer dentro da família, como os pioneiros das abordagens familiares
chamaram a atenção.
Exemplos encontram-se nas intervenções
desenvolvidas por Jaakko Seikkula (1996) na Finlândia, ou por Helm Stierlin
(2003) em Heidelberg, Alemanha (cit in Stierlin, 2008) para quem uma
comunicação pouco clara e confusa pode ter um sentido e ser funcional à luz
dos conflitos e temores das famílias (muitas vezes encobertos), influenciando
o prognóstico e evolução dos casos. Por exemplo, uma família com conflitos
importantes e duradouros, e com dificuldades em discuti-los abertamente, tem
mais dificuldade em ajudar o seu familliar esquizofrénico do que outra, onde o
bloqueio do diálogo não é tão patente.
23
Um estudo de follow-up com 70 famílias, 3 anos após o término da intervenção
familiar por parte da equipa de Stierlin revelou uma redução significativa das
taxas de recaída em 75% dos casos, comparando o número de hospitalizações
antes e depois da terapia familiar (Arnold Retzer, 1991; cit in Stierlin, 2007).
5.2.3. Abordagens cognitivo-comportamentais
Na 2ª metade do sex. XX surgiu também a importante corrente cognitivocomportamental que, pela sua ênfase na investigação empírica e em estudos
controlados sobre os resultados das suas intervenções, logrou uma maior
aceitação na psiquiatria.
As primeiras tentativas de intervenção na psicose surgiram de uma perspectiva
mais estritamente comportamental. Nas décadas de 60 e 70 foram utilizados os
princípios do condicionamento operante para reduzir a verbalização dos
delírios através de recompensas sociais e foram experimentadas estratégias
comportamentais recorrendo à economia de fichas ou à terapia de aversão
para reduzir a expressão de sintomas psicóticos. O uso destas estratégias foi
declinando por não funcionarem como se esperava, por insuficiente
generalização dos resultados para outros contextos. (Dudley, Braban,
Turkington, 2008, pg. 316).
Foram então desenvolvidas estratégias para ajudar a pessoa a lidar com as
suas próprias experiências e sintomas, como as alucinações, crenças
delirantes, visão do self, etc, ganhando corpo um modelo de intervenção
cognitivo-comportamental de intervenção na psicose.
Este, inspirando-se predominantemente no modelo de Beck, começou por ser
desenvolvido sobretudo em Inglaterra, dando origem a diversos manuais de
intervenção cognitivo-comportamental na psicose (ex. Birchood & Tarrier, 1995;
Fowler & Kuipers, 1995)
Os resultados positivos deste tipo intervenção evidenciados pela investigação
empírica incentivaram, por sua vez, que nos EUA ganhasse impulso a
investigação e desenvolvimento de modelos de intervenção cognitivocomportamental na psicose.
24
Em 2010, o próprio Beck publica um manual de intervenção cognitivocomportamental para a esquizofrenia, o qual curiosamente, invoca a sua
filiação no paradigma inaugurado por Bleuler: “Teóricos de todas as linhas
colocam-se sob o manto Bleuleriano. Desse modo, os teóricos da
neuropsicologia, os psicodinâmicos e cognitivo-comportamentais trabalham
todos dentro do modelo bleuleriano.” (Beck, 2010, pg.21).
A abordagem cognitivo-comportamental à psicose procura envolver a pessoa
numa relação de confiança e de colaboração, dando especial atenção à
observação e descrição meticulosa da fenomenologia das experiências
psicóticas onde, mediante um diálogo gentil e sensível de tipo socrático e
partindo do ponto de vista do paciente,
procura proporcionar um melhor
entendimento dessas experiências á luz do modelo de vulnerabilidade ao
stress, tentando encontrar hipóteses alternativas e, desse modo, alargar e
flexibilizar o sistema de crenças do paciente (Fowler e al, 1995; Birchwood &
Tarrier 1995).
Trata-se de um modelo que também enfatiza as diferentes fases da psicose.
Nas pessoas que não apresentam uma psicose activa mas correm risco de
desenvolver a doença, o objectivo de trabalho é ajudá-las a manejar melhor os
sintomas depressivos ou ansiosos, ou a compreender e manejar qualquer
experiência pouco habitual que apareça. Nas fases agudas, o objectivo será
ajudar as pessoas a lidar melhor com as suas alucinações e crenças delirantes.
Uma vez superada a fase aguda, será ajudar as pessoas quando começam a
recair. Nas pessoas com sintomas de longa duração e resistentes ao
tratamento, a intervenção dirige-se não apenas aos sintomas psicóticos como
as alucinações ou delírios mas também aos sintomas negativos, depressivos e
de ansiedade.
O que este modelo põe em evidência é que uma relação de apoio consistente
pode ter valor para muitas pessoas com psicose e pode reduzir os sintomas
positivos.
5.2.4. Abordagens integradas
25
Um movimento importante da segunda metade do sec. XX tem sido o
desenvolvimento de abordagens integradas que combinam estratégias de
tratamento farmacológico, psicoterapêutico, familiar, reabilitivo, etc, de um
modo adaptado às necessidades específicas dos doentes.
Nos
países
sido
especialmente
conceptualizadas e investigadas em projectos de larga escala
como o Nordic
Investigation
nórdicos,
of
estas
abordagens
Psychotherapeutically
têm
Oriented
Treatment
for
New
Schizophrenics- NIPS, Alanen e tal, 1994; The Turku Project - Alanen e tal,
1991; e o Finniss National Schizophrenia Project, FNSP-Alanen, 1990 (cit in
Reilly, 1997, pg 20).
Vale a pena fazer referência à classificação desenvolvida por Räkköläinen e
Aaltonen (2008, pg. 351-355) para orientar o tratamento de pacientes com um
primeiro episódio psicótico no projecto piloto Kuppittaa, que compreende um
hospital psiquiátrico municipal com uma zona de captação de 80.000
habitantes, a oeste da Finlândia:
Esquizofrenia I: aquisições psicossociais prémorbidas quase adequadas ou
adequadas
Estes pacientes caracterizam-se por terem alcançado um bom capital
psicossocial prévio à psicose, tendo evidenciado o desenvolvimento de
capacidades de separação e individualização adequadas (por exemplo, ao
nível da escola, formação vocacional e relações extrafamiliares). Além disso, o
clima de interacção na família tende a ser aberto, não sendo o paciente
incluído pelos pais nas suas discussões.
Segundos os autores estes pacientes têm bom prognóstico e podem tirar
proveito de um tratamento mais orientado para a psicoterapia, ajudados pela
família e a terapia familiar. A medicação pode ser mínima e incidir mais no
alívio da ansiedade.
Esquizofrenia II: Atraso relativo nas aquisições psicossociais prémorbidas,
especialmente no desenvolvimento da separação
26
Este grupo de pacientes apresenta maiores dificuldades de separação e um
atraso em várias fases e aquisições do desenvolvimento psicossocial.
Inclusivamente, os temas que na mente do paciente se associam à separação
podem provocar uma aceleração da desintegração psicótica. O clima de
interacção na família não é tão aberto, tendendo os pais a incluir o paciente
nas suas discussões.
Neste grupo, os autores observaram uma maior eficácia em abordagens que
combinavam uma terapia familiar intensiva, especialmente no início do
processo de tratamento, com psicoterapia individual na continuação. A
medicação com neurolépticos era indicada, ainda que em doses baixas.
Esquizofrenia III: funcionamento claramente defeituoso do eu desde as
primeiras fases de desenvolvimento psicossocial.
Neste grupo de pacientes uma simbiose prolongada com a família tende a
manifestar-se sob a forma de um afecto plano, pensamento autista, regressão
psicossocial, sem nenhuma delimitação clara do início da psicose. O clima de
interacção familiar tende a caracterizar-se pelo predomínio de comunicações
escassas e limitadas, para além de uma cultura intrafamiliar de duplo vínculo.
Os pacientes permanecem na sua família de origem, sem fazer nenhum
esforço para separar-se, configurando um quadro de psicose de longa duração,
crónico e de mau prognóstico.
Os autores encontraram ser benéfica uma intervenção que privilegiasse a
reabilitação desde cedo no tratamento, porque existe o risco de um apego
infrutuoso, agora em relação aos técnicos. Além disso, consideram importante
uma terapia orientada para a estrutura da família. Os pacientes beneficiam de
medicação neuroléptica mas com especial atenção para que esta não agrave a
passividade, os sintomas negativos e a deterioração.
O interesse deste tipo de abordagem reside na combinação e doseamento de
diferentes tipos de tratamento, de acordo com uma avaliação específica e
adaptada às necessidades de cada caso. Trata-se de uma abordagem que
procura evitar o uso rotineiro quer da medicação, quer das intervenções
psicossociais, procurando antes a melhor combinação destes recursos para
27
cada caso. Finalmente, resultam de um ponto de vista que evita o debate
apaixonado mas estéril sobre qual é a intervenção mais importante, se a
intervenção farmacológica, se a psicoterapêutica, deslocando antes a questão
para a investigação de quais são as intervenções mais indicadas em cada
momento e em determinado contexto, ao mesmo que tempo que se avaliam os
seus riscos e a vantagens.
6. À guiza de conclusão
Quando em 1911 Bleuler escreveu a obra cujos 100 anos estamos agora a
assinalar iniciou um paradigma de investigação que simultaneamente
diferencia e integra a influência de factores orgânicos e factores psicológicos,
escapando assim a uma visão redutora dicotómica a favor de uma
organogénese ou psicogénese.
Nestes últimos 100 anos esta visão muitas vezes se perdeu, com o pêndulo a
pender ora para um psicologismo ora para um biologismo redutores. Apesar
das concepções psicodinâmicas considerarem a influência de factores
constitucionais e orgânicos, não era difícil que estes fossem rápida e
superficialmente tratados para passar logo para a discussão da compreensão
psicodinâmica dos casos. Inversamente, com o aumento da influência duma
psiquiatria cada vez mais biológica, a tendência foi para arrumar rapidamente
os factores psicológicos como meros epifenómenos de factores mais
fundamentais como os neurotransmissores ou a genética.
Ora, os factores psicológicos não estão fora da biologia, nem contra a biologia.
São antes processos biológicos de outra ordem, que derivam e são
influenciados por processos orgânicos, mas que são uma realidade emergente
com características próprias , com uma autopoesis capaz de
influenciar o
comportamento e os estados emocionais, e inclusivamente processos que
ocorrem a nível orgânico.
Talvez agora, decorridos 100 anos sobre a obra de Bleuler, se possa fazer jus
à sua intuição fundamental de que a Esquizofrenia necessita de uma visão
integradora que tenha em conta a totalidade dos factores e que não se adapta
28
a um pensamento simples de causa única. Já lá vai o tempo de psicoterapias
temerárias sem medicação, assim como também do tratamento com base
exclusivamente na medicação.
É fácil esquecer que a psicose, assim como a esquizofrenia, é um conceito
fenomenológico, definido em termos comportamentais e de mudanças
subjectivas na esfera experiencial (Cullberg, 2007, pg. xvii ). Apesar de toda a
investigação nunca se descobriram estruturas anatómicas e bioquímicas
específicas da esquizofrenia. Além disso, a psicopatologia da esquizofrenia
apresenta uma estrutura altamente simbólica, o que sugere que a esquizofrenia
se desenvolve em níveis estruturalmente elevados, onde os sintomas se
entrelaçam com os símbolos e a experiência de vida, pelo que não pode ser
totalmente explicada em termos de hipóteses biológicas elementares
(Benedetti, 1995).
Assim, permanece actual a intuição de Bleuler de que a abordagem à
Esquizofrenia deve evitar visões unilaterais e fatalistas ( o que com frequência
conduz a baixos níveis de ajuda aos pacientes psicóticos e ás suas famílias) e
que se pode oferecer uma melhor qualidade de tratamento abrindo-se á
possibilidade de integrar outras formas de intervenção que se baseiem na
compreensão psicológica do paciente e do seu meio interpessoal. E que o
trabalho psicoterapêutico, não sendo fácil, nem simples, pode ser um
instrumento valioso no objectivo de ajudar estes pacientes a alcançarem um
maior nível de integração e de coerência no seu funcionamento psicológico.
“A indicação de que as terapias verbais de sintomas psicóticos são eficazes e
satisfatórias para o paciente deveriam fazer reflectir aqueles só vêm no
pensamento psicótico uma actividade quase epiléptica (Birchwood, 1999)”
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