a alegria do evangelho – evangelii gaudium

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a alegria do evangelho – evangelii gaudium
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A ALEGRIA DO EVANGELHO – EVANGELII GAUDIUM
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - CAP. III - O ANÚNCIO DO EVANGELHO
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
I - Introdução
1.
A Evangelii Gaudium (EG) não é uma Exortação Apostólica (EA) como as outras. Papa
Francisco faz dela, além de pós-sinodal, também um documento chave de seu pontificado, uma
rota “para a caminhada da Igreja nos próximos anos” (1). É quase a profecia de uma renovação
profunda proposta a todos os cristãos, um verdadeiro texto operacional 1 destinado a movimentar
todas as instâncias e dinâmicas da Igreja; um convite a emancipar-se de tudo o que entorpece a
missão de anunciar o coração palpitante do Evangelho hoje. Diz um comentarista: “Em geral,
nas chamadas exortações pós-sinodais, os papas faziam uma escolha dos pedidos dos bispos que
apareciam, depois, em uma forma muito enfraquecida. Papa Francisco fez o contrário. Tornou
mais forte o que tinha sido dito e deu-lhe a sua voz” 2.
2.
Seu objetivo declarado é: “propor algumas diretrizes que possam encorajar e orientar, em
toda a Igreja, uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo” (1). Sua linguagem é
inusitadamente direta, reunindo muitos dos temas que enfatizou desde a sua eleição,
particularmente durante a Jornada Mundial da Juventude. É fruto, sim de reflexão, sobretudo do
Sínodo de 2012, mas também de uma longa vida dedicada à pastoral numa das grandes
metrópoles de hoje 3.
3.
O tom que perpassa todo o texto é a alegria, palavra que se repete por 111 vezes, mais do
que o próprio tema, Evangelização (91) ou qualquer outra 4; logo no início lemos: “A alegria do
Evangelho enche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus. Quem se deixa
salvar por Ele é liberto do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo
sempre nasce e renasce a alegria”. Em contraste, está a insatisfação e tristeza provocada pelo
consumismo: “o grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de
consumo é uma tristeza individualista que brota do coração acomodado e avarento, da busca
desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” (2). Denuncia muitos crentes que
caem nessa armadilha, “convertem-se em seres ressentidos, queixosos, sem vida” (2). Ao
contrário, “quando alguém dá um pequeno passo ao encontro de Jesus, descobre que Ele já
aguardava de braços abertos a sua chegada” (3).
1
4.
5.
Cf por exemplo, os longos 25 números dedicados à homilia e como prepará-la... (nºs 135-159).
2
DROBINSKI Matthias, A alegria do Evangelho, uma revolução no Vaticano in www.ihu.unisinos.br/noticias?layout=
blog&start=510.
3
Não faltam vozes destoantes por parte de alguns, diante da grande aceitação da EG, sobretudo
tradicionalistas...Veja-se esse comentário: “Embora a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium possa conter
aspectos justos, como sementes dispersas, em seu conjunto não é mais que um desenvolvimento consecutivo do
Concílio Vaticano II, em suas conclusões mais inaceitáveis (!). Não encontramos neste documento «caminhos para o
percurso da Igreja nos próximos anos» (nº 1), mas um outro passo funesto para o declínio da Igreja, a decomposição
de sua doutrina, a dissolução de suas estruturas, e até mesmo a extinção de seu espírito missionário, que é, no
entanto, referido várias vezes (na exortação). Assim, Evangelii Gaudium torna-se Dolor fidelium, uma angústia e
uma dor para os fiéis” (Pe. Franz Schmidberger, Diretor do Seminário Coração de Jesus de Zaitzkofen, Alemanha in
http://www.lucianobeckman.com/2013/12/evangelii-gaudium-dolor-fidelium.html
Ou
ainda:
http://www.lucianobeckman.com/2013/12/evangelii-gaudium-dolor-fidelium.html#sthash.3sUi2sUm.dpuf.
Já
chamam o Papa Francisco de “antipapa”, como em http://espectivas.wordpress.com/2013/12/02/evangelii-gaudiumo-discurso-do-cardeal-bergoglio-contraditrio-e-ambguo-como-seu-timbre/ - também acessado em 28-05-14.
4
No site de Franz Schmidberger acima citado se dia: “Seus comentários são sempre acompanhados por uma
referência à sua própria pessoa. O pronome pessoal “eu” aparece não menos de 184 vezes no documento, sem contar
os “meu” e “mim”.... Não é verdade. Aparece 13 vezes o pronome “eu” dentro de citações bíblicas (Jesus falando...
ou Paulo) e apenas 2 vezes (113 e 280) em que o Papa faz referência a si mesmo. Despudoradamente, ou
maliciosamente, esse autor acreditou em seu “localizador” que, ao contar as vezes em que aparece “eu”, incluiu
também: meu, seu, Deus, Romeu, Tadeu, galileu, ocorreu....
2
4.
O principal critério da proposta de renovação eclesial não é uma teologia particular, nem
alguma linha de pensamento pastoral, mas “uma opção missionária [numa atitude de saída]
capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda
estrutura eclesial se tornem um canal adequado mais à evangelização do mundo atual que à
autopreservação” (27).
5.
A inspiração de fundo é certamente o Vaticano II, mas sobretudo a Lumen
Gentium (sobre a natureza da Igreja), a Gaudium et Spes (em cujo título também se inspira), os
textos do Papa Montini: Ecclesiam Suam (sobre o diálogo) e a insuperável Evangelii Nuntiandi
(sobre a Evangelização no mundo de hoje) citada 12 vezes. Sem sombra de dúvida, está presente
a cada página também o nosso Documento de Aparecida, que ele mesmo ajudara a compor, não
só nas discussões e decisões da V Conferência da CELAM, mas principalmente como presidente
da comissão de redação do mesmo documento. A presença da prática e reflexão latinoamericanas na Evangelii Gaudium vão muito mais além das 15 citações explícitas de Aparecida
que aparecem explícita ou nas notas do texto (há citações implícitas também). A experiência e
pensamento da Igreja latino-americano se fazem presente, fecundam e conduzem os pontos
nevrálgicos da Exortação Apostólica também através de toda a formação e vivência de Francisco
entre nós.
6.
Se por um lado EG quer ser um documento pós-sinodal, podemos dizer também que o
Sínodo de 2012 sobre a Nova Evangelização tem muito de Aparecida, pois o que a Igreja
Universal refletiu e propôs nesse Sínodo, aqui na América Latina e Caribe a Igreja com
antecedência de cinco anos (em 2007) já havia refletido e decidido em grande parte!
II - O Capítulo III no conjunto da EG
7.
No conjunto da EG, o cap. III O Anúncio do Evangelho não só é o centro de toda
argumentação, mas também está na metade física do documento, composto de 5 capítulos. O
primeiro (17 pgs) e o último (19 pgs) são os menores; os capítulos centrais, segundo (33 pgs),
terceiro (38 pgs) e quarto (30 pgs) são os maiores, sobressaindo justamente o terceiro capítulo
com 38pgs ou 65 números.
8.
No no. 17 da introdução o Papa, seguindo a Lumen Gentium, havia anunciado 7 temas
(questões), que na prática foram reduzidos a 5 capítulos; de fato a letra c (A Igreja vista como
totalidade do povo de Deus que evangeliza) e d (a homilia e sua preparação) foram juntadas no
nosso cap. III. Também as letras e (pobres) e f (paz e diálogo social) foram fundidos no cap. 4.
9.
Podemos assim visualizar:
a) A reforma da Igreja em saída missionária. Cap. I: A transformação missionária da Igreja.
b) As tentações dos agentes pastorais. Cap. II: Na crise do compromisso comunitário.
c) A Igreja vista como a totalidade do povo de Deus que evangeliza +
d) A homilia e a sua preparação. Cap. III: O anúncio do Evangelho.
e) A inclusão social dos pobres +
f) A paz e o diálogo social. Cap. IV: A dimensão social da Evangelização.
g) As motivações espirituais para o compromisso miss. Cap. V: Evangelizadores com espírito.
10.
Li muitos comentários, resenhas, resumos da EG, e quase todos não se detêm no cap. III,
pois o que aí é tratado, é também considerado e outros capítulos, e talvez, com palavras mais
contundentes, que chamam a atenção ou que resumem melhor o que, mais extensamente, é
exposto nesse Cap. III. Um site (Aleteia) que enumerou as 25 frases mais importantes da EG
numera apenas 3 desse capítulo 5.
5
Site Aleteia in http://www.aleteia.org/pt/religiao/noticias/25-frases-do-papa-na-exortacao-evangelii-gaudium19104001 acessado em 28-05-14; um se refere à Igreja como “o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam
sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho” (114); um
3
11.
Com relação ao título desse III cap., O Anúncio do Evangelho, pode induzir a pensar que
o tema será o conteúdo a ser anunciado, ou seja, a Boa Nova de Jesus Cristo, a mensagem
evangélica... mas, de fato não é assim, ao menos em parte. Essa questão do conteúdo será, sim,
tratado só no quarto ítem desse III capítulo, ou seja: Uma evangelização para o aprofundamento
do querigma. Os temas tratados nos três primeiros itens do cap. III referem-se, na verdade, aos
agentes da evangelização, os evangelizadores, que especificamente são: 1. Todo o Povo de Deus
anuncia o Evangelho; 2. e 3. A homilia e sua preparação (um dos meios para o anúncio) e,
finalmente, só no item 4. será abordado algo do conteúdo: 4. Uma evangelização para o
aprofundamento do querigma.
12.
Por outro lado, o tema do anúncio evangélico não pode se restringir ao cap. III; há que
considerar toda a Exortação Apostólica, sobretudo a introdução e o cap. I, Transformação
Missionária da Igreja, Pastoral em conversão, Uma Igreja em saída, A partir do coração do
Evangelho, Missão que se encarna nas limitações humanas, Uma mãe de coração aberto.
13.
Mas, vamos ao cap. III, objeto de nossa reflexão nesse momento. Eis seu resumo:
Capítulo III
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
I. Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho [111]
a. Um povo para todos [112-114]
b. Um povo com muitos rostos [115-118]
c. Todos somos discípulos missionários [119-121]
d. A força evangelizadora da piedade popular [122-126]
e. De pessoa a pessoa [127-129]
f. Carismas ao serviço da comunhão evangelizadora [130-131]
g. Cultura, pensamento e educação [132-134]
II. A homilia [135-136]
a. O contexto litúrgico [137-138]
b. A conversa da mãe [139-141]
c. Palavras que abrasam os corações [142-144]
III. A preparação da pregação [145]
a. O culto da verdade [146-148]
b. A personalização da Palavra [149-151]
c. A leitura espiritual [152-153]
d. À escuta do povo [154-155]
e. Recursos pedagógicos [156-159]
IV. Uma evangelização para o aprofundamento do querigma [160-162]
a. Uma catequese querigmática e mistagógica [163-168]
b. O acompanhamento pessoal dos processos de crescimento [169-173]
c. Ao redor da Palavra de Deus [174-175]
III - DESTAQUES, ACENTUAÇÕES, COMENTÁRIOS
Sujeito e objeto da Evangelização: “Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho” (111-134)
segundo, é o nº em que o Papa condena o Eurocentrismo cultural eclesial (118) e um terceiro sobre a homilia, que
“deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma lição” (138).
4
14.
A Evangelização é apresentada como um dever de toda a Igreja e consiste no “anúncio
explícito de Jesus Cristo como Senhor” (110) 6. Toda Igreja é sujeito ou protagonista da
Evangelização: é uma forma de entender a Igreja (111) como sacramento de salvação, na firme
convicção da primazia da graça nessa missão (112). Salvação para todos a serviço da qual está
um povo universal [católico!] (a Igreja), e não indivíduos isolados, que recebe o mandato
missionário. Esse no. 113 termina com um apelo: “Eu gostaria de dizer àqueles que se sentem
longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama
para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!”. Como se vê a Igreja não é só
protagonista, mas destinatária da Evangelização.
15.
Ao falar de um povo com muitos rostos, toca o tema importante e difícil da inculturação
e relê o célebre aforisma teológico: “A graça supõe a cultura e o dom de Deus se encarna na
cultura de quem o recebe””(115)! Isso “não ameaça a unidade da Igreja”, nem “se pode pensar
num cristianismo monocultural e monocórdico” (117). E denuncia: “às vezes, na Igreja, caímos
na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico
ardor evangelizador” (fim do 117), como por vezes acontece com o eurocentrismo cultural (cf
118). Defende a infalibilidade do Povo de Deus ao crer (in credendo!), ou seja o sensus fidei
(119). Inspirado em Aparecida afirma que a “nova evangelização implica um novo protagonismo
de cada batizado... isso é um apelo para que ninguém renuncie ao compromisso da
Evangelização...; quem experimentou o amor de Deus não precisa de muita preparação para
anunciá-lo... não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que
somos «discípulos missionários»” 7.
16.
E questiona: a Samaritana não esperou muito tempo para pregar... “E nós, porque
esperamos?” (120). Continua em tom coloquial: “Somos chamados sim a crescer, a procurar uma
melhor formação... mas sem demoras! Somos chamados a dar o testemunho explícito do amor
salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade... e dá
sentido à nossa vida... aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o
que deves comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a
missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos
a crescer...” (cf 121).
17.
Citando Paulo VI e Bento XVI enaltece a religiosidade popular, que havia sido
minimizada no imediato pós-concílio, como resultado do encontro da cultura e da fé, sua força
evangelizadora e seu protagonista, o E. Santo! (122). Citando explicitamente Aparecida, fala da
“espiritualidade e mística popular” que procede mais pela via simbólica do que pelo uso da razão
instrumental e acentua mais o credere Deum (fides qua) do que o credere in Deum (fides quae).
Isso não é falta de conteúdo, mas uma maneira de viver a fé (cf 124). E conclui com uma
exortação que vai repercutir por todo o documento: “Não refreemos nem pretendamos controlar
esta força missionária!” 8. É um lugar teológico ao qual devemos estar muito atentos ao falar de
nova evangelização (125-126).
18.
Dedica três números para acentuar a importância da “pregação informal”, o tu a tu, cara a
cara, olho-no-olho, tête a tête, frente a frente... (127). Retorna ao problema da inculturação, e fala
com exemplos, descrevendo o contato pessoal e o primeiro anúncio (querigma), sempre “em
atitude humilde e testemunhal”: “o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a outra
pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os seus
entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois desta conversa é que se pode
6
Cita João Paulo II (Ecclesia in Asia), mas, citação melhor seria a de Paulo VI que bem antes havia dito na EN:
“Não há verdadeira evangelização enquanto o nome, o ensinamento, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de
Jesus de Nazaré, filho de Deus, não forem anunciados” (EN 22).
7
8
Essa expressão típica de Aparecida além de aparecer nesse nº 119, está também nos nºs 24, 119, 120, 173.
Isso se repete, sobretudo quando fala das Tentações dos agentes pastorais no cap. II (nºs 76 a 108, sobretudo nos
nºs 80, 83, 86, 91, 92, 97, 109).
5
apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum versículo ou de modo narrativo, mas sempre
recordando o anúncio fundamental: o amor pessoal de Deus que Se fez homem, entregou-Se a Si
mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade” (128).
19.
Critica fórmulas predeterminadas, preestabelecidas, invariáveis..., nosso medo e falta de
ousadia: “Transmite-se [o anúncio evangélico] com formas tão diversas que seria impossível
descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito coletivo é o povo de Deus com seus gestos e sinais
inumeráveis [...] O que se deve procurar é que a pregação do Evangelho, expressa com
categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura.
Embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado. Se
deixamos que as dúvidas e os medos sufoquem toda a ousadia, é possível que, em vez de sermos
criativos, nos deixemos simplesmente ficar cômodos sem provocar qualquer avanço...”; nesse
caso, seremos “simplesmente espectadores duma estagnação estéril da Igreja” (129).
20.
Toca o problema dos carismas a serviço da Evangelização, seu discernimento,
eclesialidade e a busca da unidade na diversidade; “Quanto mais um carisma dirigir o seu olhar
para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial será o seu exercício. É na comunhão, mesmo
que seja fadigosa, que um carisma se revela autêntica e misteriosamente fecundo” (131). “A
diversidade deve ser sempre conciliada com a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a
diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade” (131).
21.
Ao falar da “cultura, pensamento e educação” refere-se a temas surgidos durante o
Sínodo de 2012: “o anúncio do Evangelho às culturas profissionais, científicas e acadêmicas”
(132), relendo mais uma vez um aforisma teológico. “Quando algumas categorias da razão e das
ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de
evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é
redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo” (132).
22.
Para isso, faz um apelo aos teólogos e ao mesmo tempo uma denúncia de certas teologias
de gabinete: “Faço apelo aos teólogos para que cumpram este serviço como parte da missão
salvífica da Igreja. Mas, para isso, é necessário que tenham a peito a finalidade evangelizadora
da Igreja e da própria teologia, e não se contentem com uma teologia de gabinete” (133).
Termina falando do papel das Universidades e Escolas Católicas, que “procuram conjugar a
tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho” sendo, assim, “uma contribuição
muito válida para a evangelização da cultura” (134).
A homilia e sua preparação (135-159)
23.
É impressionante a importância dada a esse tema. Desde o Sínodo de 2008, passando pela
Verbum Domini como também pelo Sínodo de 2012, vem à tona a questão homilética. O Papa
Francisco lhe dedica 2 títulos, 25 números ao todo. É um problema grave no atual momento
pastoral da Igreja. É impressionante como jovens seminaristas passam 4 anos estudando teologia,
exegese, hermenêutica, matérias pastorais... não aprendendo como se faz uma homilia! E às
vezes pastores com seis meses ou menos de preparação, têm mais sucesso... ao menos no ardor!
É um problema que “requer uma séria avaliação por parte dos Pastores (Bispos)”, começa
dizendo.
24.
Propositadamente se detém aí com meticulosidade, também sobre sua preparação. Dá
várias definições: a homilia é “uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador
encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento” (135), é performática
9
: “Deus deseja alcançar os outros através do pregador e mostra o seu poder através da palavra
humana; [...; a homilia é] o diálogo de Deus com o seu povo, no qual se proclamam as
maravilhas da salvação e se propõem continuamente as exigências da Aliança” (136); explica
9
Adjetivo usado por Bento XVI para dizer que a Palavra de Deus é uma palavra poderosa porque tem o poder
realizador, transformador, “diz e realiza” (cf Verbum Domini 53 e 56).
6
também o que a homilia não é: “meditação ou catequese...espetáculo sujeito à lógica midiática”
(137). Sua natureza própria vem do contexto litúrgico que deve guiar sua harmonia e ritmo (cf
138); compara com a “conversa da mãe” (139), cuja “tonalidade transmite coragem, inspiração,
força, impulso”. O modelo do pregador é Jesus, cujo “segredo estava escondido naquele seu
olhar o povo mais além das suas fraquezas e quedas” (141).
25.
Denuncia desvios: “A pregação puramente moralista ou doutrinadora e a que se
transforma numa lição de exegese reduzem esta comunicação entre os corações que se verifica
na homilia e que deve ter um carácter quase sacramental: «A fé surge da pregação, e a pregação
surge pela palavra de Cristo» (Rm 10, 17). Na homilia, a verdade anda de mãos dadas com a
beleza e o bem. Não se trata de verdades abstratas ou de silogismos frios, porque se comunica
também a beleza das imagens que o Senhor utilizava para incentivar a prática do bem” (142). Ela
deve ser como que uma síntese entre a mensagem da Palavra de Deus e a cultura, de tal modo
que “onde está tua síntese aí está seu coração”, ou seja, a homilia deve “unir corações que se
amam: o do Senhor e os do seu povo”. Assim haverá ardor e não tédio... (cf 143).
26.
Mais longos são os números dedicados à preparação da pregação. Francisco quer
apresentar um “itinerário para prepará-la” (cf 145) Pede que os sacerdotes dediquem a ela
semanalmente “um tempo pessoal e comunitário suficientemente longo”, e repreende
severamente: “Um pregador que não se prepara não é «espiritual»: é desonesto e irresponsável
quanto aos dons que recebeu” (145).
27.
Em seu itinerário dá indicações que “podem parecer óbvias, mas que considera
oportunas” (145). O primeiro passo é a invocação ao E. Santo, depois atenção humilde ao texto
bíblico, pois “a Palavra nos transcende”. É preciso estudo, paciência e dedicação gratuita (146); a
análise literária revelará o sentido das palavras, a estrutura e dinamismo do texto, os personagens
que atuam, finalmente a mensagem principal; não basta entender a ideia que o autor sagrado quis
transmitir, mas também o efeito que quis produzir (147). Se o E. Santo inspirou toda Bíblia, não
basta entender a mensagem central de um texto, mas relacioná-lo com o ensinamento de toda
Bíblia (148).
28.
Antes de anunciar a Palavra é necessário assimilá-la: “precisa abeirar-se da Palavra com o
coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e
gere nele [no pregador] uma nova mentalidade (149). Jesus era duro com os mestres que
pregavam sem se deixar iluminar pela palavra (cf 150), mas “não nos é pedido que sejamos
imaculados”, porém “é indispensável que o pregador esteja seguro de que Deus o ama, de que
Jesus Cristo o salvou, de que o seu amor tem sempre a última palavra”. E aqui de novo, palavras
pesadas contra os maus pregadores: “Se ele não se detém com sincera abertura a escutar esta
Palavra, se não deixa que a mesma toque a sua vida, interpele, exorte, mobilize, se não dedica
tempo para rezar com esta Palavra, então na realidade será um falso profeta, um embusteiro ou
um charlatão vazio” (151).
29.
Repropõe a leitura espiritual ou lectio divina (leitura orante - 152), à qual pertence
também o interrogar-se diante de Deus e da sua Palavra sobre a própria vida “com sinceridade e
sem fingimento” (153). Além disso, o bom “pregador é um contemplativo da Palavra e também
do povo”. Daí, estar sempre à “escuta do Povo”, para “não responder a perguntas que ninguém se
põe” 10 (154-155). Conclui apresentando alguns recursos pedagógicos: 1) falar por imagens; 2)
linguagem simples e compreensível; 3) clareza: unidade temática, ordem clara e ligação entre as
frases; 4) linguagem positiva, mais do que acentuar o negativo; 5) dar esperança, apontar para o
futuro, ser otimista e não profetas de mau agouro... (cf 157-159).
Uma evangelização para o aprofundamento do querigma (160-175)
10
Essa é a definição irônica que um catequeta alemão deu da catequese de perguntas e respostas abstratas e que
nada tem a ver com a vida concreta dos destinatários...: “o catecismo doutrinal [de sua época] é um conjunto de
respostas para perguntas que ninguém fez...”.
7
30.
Os últimos 15 números (160-175) são dedicados à pregação do querigma. No capítulo I,
ítem III, ele já havia falado de uma Igreja missionária a partir do coração do Evangelho, do
núcleo fundamental donde “sobressai a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus
Cristo Morto e Ressuscitado” (36); em base à hierarquia das verdades, ao querigma não podemos
antepor a doutrina ou a moral..., do contrário, “a mensagem perderá seu frescor e já não terá o
perfume do Evangelho” (cf 34-39) 11. Aqui no cap. III, item IV ele volta a esse importantíssimo
tema, chamando-o também de “primeiro anúncio” (cf 160, 164, 177, 178), que logo em seguida,
no cap. IV, é visto em suas consequências sociais: “O querigma possui um conteúdo
inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o
compromisso com os outros” (177, cf 178).
31.
A palavra anúncio aparece 52 vezes no texto, sendo a primeira delas no próprio subtítulo:
“Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do evangelho no mundo atual”. Quando na Igreja se
assume sua natureza missionária, “o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais
importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (35).
32.
E aqui se faz necessária uma pequena reflexão. O querigma, ou primeiro anúncio, foi a
essência e o núcleo da pregação apostólica. O ocidente tornou-se cristão graças a esse anúncio
do Evangelho de Jesus, sobretudo em sua Páscoa. Quando, pelos séculos V, VI, adveio e se
firmou a cristandade e toda sociedade ocidental tornou-se cristã, a insistência no querigma
perdeu sua primazia na pregação. A Igreja, sem naturalmente nunca perder esse núcleo central da
fé, enveredou-se pelo seu aprofundamento, tirando consequências ricas de práticas cristãs,
espiritualidades, devoções, comportamento moral, reflexão teológica... O primeiro anúncio ou
querigma ficou sendo valorizado e pregado quase exclusivamente nos países de missão... e não
tanto dentro da cristandade ocidental.
33.
Isso explica também o desaparecimento do grande processo de Iniciação Cristã e com ela
o catecumenato, que eram os grandes meios para receber, consolidar e viver profundamente a
mensagem evangélica. A catequese, que nasceu dentro do processo da Iniciação Cristã, chegou
até nossos dias com a característica de aprofundamento doutrinal que sempre teve. A prática do
batismo de crianças consolidou essa visão de catequese... dirigida em geral somente a elas
quando chegavam na idade do aprendizado. O primeiro anúncio ou querigma não era tanto
objeto de pregação, mas era vivido na prática no seio da família e até dentro da própria
sociedade, toda ela cristã. A hegemonia religiosa da Igreja fazia com que as preocupações
fossem outras, inclusive o controle do poder.
34.
Hoje vivemos outra realidade, que não é mais de cristandade, porém de pluralismo,
diversidade, de múltiplas visões do mundo... o cristianismo é uma dentre tantas... Nossa
sociedade já não é mais cristã, como foi um tempo, entretanto nossas estruturas de pregação, de
catequese e de pastoral em geral ainda se ressentem da longa e gloriosa cristandade... Ora,
diante de um mundo descristianizado e até pós-cristão, essa pregação, catequese ou pastoral já
11
Vale a pena transcrever esses nºs: Nº 34 “Se pretendemos colocar tudo em chave missionária, isso se aplica
também à maneira de comunicar a mensagem. No mundo atual, com a velocidade das comunicações e a seleção
interessada dos conteúdos feita pelos meios de comunicação, a mensagem que anunciamos corre mais do que nunca
o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários. Consequentemente, algumas
questões que fazem parte da doutrina moral da Igreja ficam fora do contexto que lhes dá sentido. O problema maior
ocorre quando a mensagem que anunciamos parece então identificada com tais aspectos secundários, que, apesar de
serem relevantes por si sozinhos não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém ser
realistas e não dar por suposto que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo daquilo que dizemos ou
que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do Evangelho que lhe confere sentido, beleza e
fascínio”. Nº 35: “Uma pastoral em chave missionária não está obsecionada pela transmissão desarticulada de uma
imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir. Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo
missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no
que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada,
sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa”.
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não produzem os efeitos de outrora... E a Igreja, pressionada pelos tempos e conduzida pelo
Espírito, redescobre sua face missionária, retorna ao querigma, ao primeiro anúncio, recupera a
estrutura da Iniciação Cristã ou Catecumenato. Resgatamos o conceito de evangelização no seu
mais primitivo e exato sentido: anunciar Jesus, proclamar seu Evangelho.
35.
É a tão sonhada Igreja missionária, já proposta no Vaticano II e consolidada em
Aparecida, e para a qual estamos nos esforçando por converter não só pessoalmente, mas
também nossas estruturas eclesiais e pastorais. Para isso, não temos prática, know how, o como
fazer... Ainda não conseguimos nos converter a uma Igreja missionária, onde o mais importante
é esse anúncio ou centralidade de Jesus Cristo em tudo o que fazemos... Crescemos ouvindo que
"missão" é lá longe, nos países pagãos, entre os não cristãos... É verdade que o discurso mudou...
mas não a prática. Tenho a impressão de que não sabemos bem o que seja Igreja missionária... e
consequentemente esse discurso de primeiro anúncio, iniciação cristã, catecumenato soa
também estranho aos ouvidos de muitos...
36.
A EG no seu conjunto e particularmente no capítulo III, em seu ítem IV, só se entende
nesse contexto. Quanto à natureza e conteúdo do querigma, já foram desenvolvidos em outros
momentos. Aqui, enfoca o “aprofundamento do querigma”, aquilo que desde cedo será chamado
de “catequese” ou seja, conforme sua etimologia, o “ressoar a Palavra de Deus, o primeiro
anúncio, o querigma”. De fato, diz logo de saída: “o primeiro anúncio deve desencadear também
um caminho de formação e de amadurecimento... crescimento” (160). E previne: não se trata de
formação doutrinal, mas fazer cumprir, viver aquilo que é essencial, o mandamento novo,
primeiro e maior: “amai-vos uns aos outros”: é o centro e a razão de ser, o resumo e
cumprimento de toda lei (cf 161). É a nossa resposta, um crescimento possível devido ao dom
que nos antecede: o batismo; é a “condição que torna possível nossa santificação constante”
(162)
37.
Dedica 6 números à catequese que está a serviço desse crescimento. Cita os recentes
documentos com seus conteúdos atualíssimos (Catechesi Tradendae e Diretório Geral para a
Catequese), entre os quais podemos colocar nosso Diretório Nacional de Catequese. Não irá
repeti-los, mas fará algumas acentuações. O Papa afirma algo que há 50 anos, mas sobretudo
nessas últimas duas décadas, vem sendo repetido à saciedade nos documentos, nos cursos
superiores, médios e de base para catequistas e catequetas: a catequese, como todo o trabalho de
renovação eclesial, deve ser aprofundamento do querigma.
38.
Descreve-o, mais uma vez, como mensagem existencial, e não em forma de doutrinal:
“Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a
sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar»”
(164). Infelizmente, a força da tradição de séculos de catequese meramente doutrinal impede
essa conversão de muitos agentes de catequese (inclusive ordenados...) que se apegam aos
antigos modelos provindos da cristandade e que não produzem mais o desejado efeito...
39.
E continua ilustrando: “primeiro” significa que é o anuncio principal, que deve retornar
continuamente na catequese, em todas suas etapas e momentos. Critica aqueles que, pensando
numa suposta formação “mais sólida” antepõem outros conteúdos ao aprofundamento do
querigma. Não tem receio de afirmar: “Nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro,
mais consistente e mais sábio que esse anúncio. Toda a formação cristã é, primariamente, o
aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne, que nunca
deixa de iluminar a tarefa catequética, e permite compreender adequadamente o sentido de
qualquer tema que se desenvolve na catequese. É o anúncio que dá resposta ao anseio de infinito
que existe em todo o coração humano” (165).
40.
A centralidade do querigma requer essas características do anúncio, necessárias em todas
partes: 1) que exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa; 2)
não imponha a verdade mas faça apelo à liberdade; 3) seja pautado pela alegria, o estímulo, a
vitalidade e uma integralidade harmoniosa que não reduza a pregação a poucas doutrinas, por
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vezes mais filosóficas que evangélicas. Isto exige do catequista, evangelizador, missionário,
pastor, atitudes que ajudem a acolher melhor o anúncio: proximidade, abertura ao diálogo,
paciência, acolhimento cordial que não condena (165).
41.
Aborda em seguida o tema que julgo ser, em termos de catequese, o mais candente hoje:
a catequese litúrgica ou mistagógica. Como pastores, ou fazemos a catequese andar junto com
a liturgia (como era no início da Igreja), ou permanecermos repetindo esquema estéreis do
passado. Conforme o Papa, isso significa: 1) uma experiência formativa progressiva na qual
intervém toda comunidade; 2) valorização renovada dos sinais litúrgicos da iniciação cristã
(166). Está falando do catecumenato, da importância do RICA! Denuncia manuais e textos que
“ainda não se deixaram interpelar pela renovação mistagógica” (leia-se RICA). Atenção com o
nominalismo: muita gente fala de RICA, de iniciação cristã... mas no fundo é apenas um
remendo, uma maquiagem (mal feita!) da velha catequese meramente doutrinal...
42.
Conclui esse importante no. 166 sobre a Iniciação Cristã com essas palavras: “O
encontro catequético [não aula!] é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa
sempre duma ambientação adequada e duma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes,
da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da
pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.
43.
Toca também num tema abordado durante o Sínodo de 2012, ou seja: “o caminho da
beleza” (via pulchritudinis). Torna-se necessário que via da beleza esteja inserida na transmissão
da fé... que cada Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra evangelizadora, em
continuidade com a riqueza do passado, mas também na vastidão das suas múltiplas expressões
atuais, a fim de transmitir a fé numa nova «linguagem parabólica». Que diferença fazer
catequese (ou celebrações) num salão caiado, e numa capela ou igreja artisticamente decorada!
44.
E o problema, que tanto nos aflige, da moral, dos comportamentos da vida cristã, dos
mandamentos, dos preceitos, leis...? Nada de aspectos negativos..., mas positivos. Como o
Catecismo da Igreja Católica que antes de apresentar os mandamentos negativos (não... não...)
apresenta o amor a Deus e ao próximo como suprema lei e as Bem-aventuranças (felizes...) como
o código moral do Reino, Francisco também, num texto magistral, diz: “é oportuno indicar
sempre o bem desejável, a proposta de vida, de maturidade, de realização, de fecundidade, sob
cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer. Mais do que
como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem em detectar
qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver como mensageiros alegres de propostas
altas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida fiel ao Evangelho” (168).
45.
Outros temas catequéticos são desenvolvidos: 1. O acompanhamento pessoal (tão típico
do catecumenato... a função do padrinho, acompanhante, assistente!); 2. A arte de escutar com
paciência, respeito e compaixão (mais do que ouvir, é a “capacidade do coração que torna
possível a proximidade”); 3. Sem usar a palavra Catecumenato diz: “ é necessário «uma
pedagogia que introduza a pessoa passo a passo até chegar à plena apropriação do mistério».
Para se chegar a um estado de maturidade, isto é, para que as pessoas sejam capazes de decisões
verdadeiramente livres e responsáveis, é preciso dar tempo ao tempo, com uma paciência
imensa” (171).
46.
Na nossa prática pastoral, um dos grandes entraves para a implantação do catecumenato é
justamente o tempo... somos dominados pela cultura do fast food, tudo muito rapidinho, per
breviorem, nada de muito longo... Ora, verdadeira iniciação cristã não se faz em 6 meses, um
ano, dois anos...; 4. aprofunda a realidade do mistério, da ação da graça nas pessoas... e como o
evangelizador, catequista, “acompanhante” devem ajudar nesse processo...sendo pacientes e
compreensivos (172). Conclui o no. 173, ainda sobre o acompanhamento: “Os discípulos
missionários acompanham discípulos missionários”.
10
Conclusão (174-175)
47.
Finaliza essas reflexões sobre a homilia e catequese, com belíssimas palavras sobre “a
Sagrada Escritura como fonte da Evangelização... A Igreja não evangeliza se não se deixa
continuamente evangelizar. É indispensável que a Palavra de Deus «se torne cada vez mais o
coração de toda a atividade eclesial»” (174). Fizemos um Congresso Nacional em Goiânia em
2011 sobre a “Animação Bíblica de toda Pastoral”, mas falta... colocar em prática, embora muita
coisa já se faça nesse sentido. O Papa reflete, por fim, sobre a relação entre Palavra e
Sacramento, afirmando, numa síntese feliz, a profunda unidade entre ambos: “a Palavra
proclamada, viva e eficaz, prepara a recepção do Sacramento e, no Sacramento, essa Palavra
alcança a sua máxima eficácia” (174).
48.
Todo o capítulo se conclui com uma grande síntese e exortação para que “acolhamos o
tesouro sublime da Palavra revelada... O estudo da Sagrada Escritura deve ser uma porta aberta
para todos os crentes. É fundamental que a Palavra revelada fecunde radicalmente a catequese e
todos os esforços para transmitir a fé. A evangelização requer a familiaridade com a Palavra de
Deus, e isto exige que as dioceses, paróquias e todos os grupos católicos proponham um estudo
sério e perseverante da Bíblia e promovam igualmente a sua leitura orante pessoal e comunitária.
Nós não procuramos Deus tateando, nem precisamos de esperar que Ele nos dirija a palavra,
porque realmente «Deus falou, já não é o grande desconhecido, mas mostrou-Se a Si mesmo»”
(175).
49.
Curioso: não o Papa não trata do Catecismo da Igreja Católica...! É citado apenas uma
vez no texto, e 2 vezes em nota de rodapé... De fato, propriamente não tratou do tema catequese,
como corretamente deve ser concebida, isto é, como um segundo momento de aprofundamento
doutrinal, depois que o primeiro anúncio estiver bem solidificado... Nesse sentido, sim, terá
lugar o grande e valioso Catecismo da Igreja Católica. Nós nos iludimos pensando que ele leva à
conversão... à adesão a Jesus Cristo. Sua função é solidificar e aprofundar a conversão já
provocada pelo primeiro anúncio...
50.
Podemos dizer que, tratando-se de primeiro anúncio o texto que devemos ter
continuamente à mão é a Sagrada Escritura... e não o Catecismo. Ele é para um momento
posterior! Na EG o Papa tratou, sim, da catequese querigmática ou catequese evangelizadora,
como a chama o nosso Diretório Nacional de Catequese. E é dessa catequese evangelizadora,
querigmática, de primeiro anúncio é que a Igreja mais necessita hoje, dada a situação de
descristianização e quase pós-cristianismo que vivemos...
51.
É claro que, para adultos, jovens e crianças já solidamente ancorados na mensagem cristã,
na primeira e fundamental experiência da Pessoa de Jesus e de seu Evangelho (fides qua, fé de
coração, de adesão... a fé fiducial), temos que favorecer sim uma catequese “vera e própria”,
como dizem os italianos, ou seja, uma reflexão mais substandiosa, um aprofundamento doutrinal
e solidificação da fides quae (a fé de conteúdo, fé refletida racionalmente). E, para isso, sem
deixar as Sagradas Escrituras, o instrumento primordial será então o Catecismo da Igreja
Católica.
Aparecida, 03 de junho de 2014
Encontro do Episcopado do Regional Sul I da CNBB
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb.
11
QUESTIONAMENTOS:
1. Todo Povo de Deus evangeliza... discípulos missionários
2. Sem demoras... a Samaritana: logo!! - "Porque esperamos?" 120
3. A força evangelizadora da Piedade Popular - 122-126
4. Pregação informal - 127-128
5. Importância da homilia... Avaliação dos Pastores - 135
6. Como estimular no clero uma melhor preparação das homilias?
7. Querigma: fixar-se no essencial (164) - conversão de uma Igreja de
Cristandade, para uma Igreja Missionária
8. Catequese Evangelizadora: aprofundar o querigma 163-168. Doutrina?
Depois...
9. Catequese mistagógica: Liturgia... RICA... Catecumenato
10. Moral? Fixar-se nos aspectos positivos - 168
11. Animação Bíblica de toda Pastoral

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