DIREITO À INTEGRAÇÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA: UMA
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DIREITO À INTEGRAÇÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA: UMA
DIREITO À INTEGRAÇÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DERECHO A LA INTEGRACIÓN CULTURAL EN AMÉRICA LATINA: UNA PERSPECTIVA DESDE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL DE BRASIL André Vitorino Alencar Brayner1 Resumo: Tradicionalmente a integração regional limita-se as questões institucionais-formais, com foco quase que exclusivamente de cooperação econômica, fundamentado na ideia de utilidade. A integração, no entanto, não deve ser reduzida ao valor da utilidade econômica, ela há de ser útil, justa e humanista. Os fenômenos de integração regionais mais sólidos devem observar necessariamente as dimensões culturais e sociais, assim como de inclusão política e de Direitos Humanos. Os Direitos culturais, por sua vez, parecem receber da doutrina tradicional uma atenção secundária, limitando-os, no âmbito brasileiro, a definição e a abordagens de dois artigos na CRFB/88, quando na verdade toda a Constituição está fundamentada a partir da concepção de garantia ao pleno exercício dos Direitos Culturais. O exercício destes também é condição para o processo integracional que deve ser constituído com observância nestes Direitos Fundamentais. Proclama a Constituição Federal brasileira de 1988 como objetivo desta que: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latinoamericana de nações." A partir destes deveres Constitucionais compreende-se a obrigatoriedade de analisar o processo de Integração regional sob perspectiva política, social, cultural e jurídica. Trata-se de absorver elementos Constitucionais na garantia da pluralidade das identidades, uma construção multiétnica que deve absorver a participação como elemento constitutivo para fortalecer a Democracia brasileira e a Democracia Regional. Palavras-Chave: Integração. Direitos Culturais. Constituição e América Latina. Resumen: Tradicionalmente la integración regional se limita a las cuestiones formales institucional, centrándose casi exclusivamente en la cooperación económica, basada en la idea de la utilidad. La integración, sin embargo, no debería reducirse al valor de la utilidad económica, porque tiene que ser útil, justa y humanista. Los fenómenos de un processo de integración regional más sólido deberá respetar necesariamente las dimensiones culturales y sociales, así como la inclusión política y los derechos humanos. Derechos Culturales que parecen recibir la doctrina tradicional una preocupación secundaria, limitándolos, en el contexto brasileño, la definición y los enfoques de dos artículos sobre CRFB / 88, cuando en realidad toda la Constitución brasileña se fundamenta en la concepción garantiza el ejercicio pleno Derechos culturales. El ejercicio de estos es también una condición para el proceso integrador que debe realizarse en el cumplimiento de estos derechos fundamentales. Proclama la Constitución Federal de Brasil de 1988 que este objetivo : "La República Federativa del Brasil buscará la integración económica, el desarrollo político, social y cultural de los pueblos de América Latina, con vistas a la formación de una comunidad latinoamericana de naciones" A partir de estas funciones puede entender la obligación constitucional de analizar el proceso de integración regional en la perspectiva política, social, cultural y jurídica. Elementos de la garantía constitucional de la pluralidad de identidades, una construcción multiétnica deben absorber la participación como un elemento constitutivo para fortalecer la democracia brasileña y la Democracia Regional. Palabras clave: Integración. Culturales. Constitución y Derechos de América Latina; 1 Mestrando do curso de Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza desde 2010. Atualmente advogado do Centro Cultural Dragão do Mar e do Instituto Brasil África. 1 1 INTRODUÇÃO Este trabalho foi elaborado especificamente para o III Encontro Internacional de Direitos Culturais buscando uma interseção com a pesquisa de Mestrado do presente autor que tem como objeto a Integração Democrática da América Latina a partir da UNASUL. Trata-se de uma relação intrínseca entre os Direitos Culturais e uma integração que respeite aspectos históricos, sociais e culturais na qual o processo de integração seja além da formação de blocos econômicos. Respeitando a densidade de todos os elementos que envolvem os debates apresentados este trabalho pretende contribuir com o Encontro em questão apresentando em um primeiro momento uma discussão sobre Direito à Integração mais pertinente à realidade da América Latina. Não há de ser discutido a diversidade e as peculiaridades de cada país no continente, mas apenas apresentar elementos relevantes para uma conceituação de Direito à Integração. Tradicionalmente a integração regional limita-se as questões institucionais-formais, com foco quase que exclusivamente de cooperação econômica, fundamentado na idéia de utilidade. Esta estrutura que parte de uma necessidade econômica está relacionada à identidade territorial, lingüística, política, social ou de outra ordem, faz com que os estados soberanos cedam parte de suas soberanias para uma entidade central, uma organização de integração. Em um segundo momento busca-se apresentar uma delimitação para conceitos como cultura e Direitos Culturais que possibilitem à ciência jurídica uma efetividade na consecução dos Direitos que envolvem este tema. Os Direitos culturais parecem receber da doutrina tradicional uma atenção secundária, limitando-os, no âmbito brasileiro, a definição e a abordagens de dois artigos na CRFB/88, quando na verdade toda a Constituição está fundamentada a partir da concepção de garantia ao pleno exercício dos Direitos Culturais. Por fim, a parte final deste artigo tem como objetivo traçar a relevância desta interseção a partir da Constituição Federal de 1988. Percebendo que a Carta Magna preceitua a priorização de uma integração democrático-cultural, intenta-se abordar de alguns aspectos que fundamental as opções constitucionais como elementos de soberania e dependência. 2 2 METODOLOGIA Para atingir tais objetivos optamos por realizar pesquisa do tipo bibliográfica, que segundo Marconi e Lakatos (2001, p.44) pode “ser considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica”. Para Bastos, o tipo de pesquisa bibliográfica “baseia-se na análise da literatura já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsa, imprensa escrita e até disponibilizada na internet” (2006, p. 31). Faz-se mister discorrer ainda segundo a autora, sobre as vantagens desse tipo de pesquisa: a pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador a análise comparativa de vários posicionamentos sobre um mesmo assunto e daí advém a principal vantagem desse tipo de pesquisa, que é possibilitar ao pesquisador englobar a temática de forma um pouco mais ampla do que aquela que seria possível na pesquisa de campo (2006, p. 32). A pesquisa bibliográfica se faz necessária para este projeto de pesquisa devido aos tipos de fontes a que se dispõe sobre o assunto. Trata-se de uma análise teórica em um dado contexto histórico. Desse modo, para o objeto de estudo delimitado as fontes bibliográficas são fundamentais. Para Rodrigues a pesquisa bibliográfica acontece “quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e, atualmente, de material disponibilizado na Internet. Dependendo da pesquisa, percebe-se que muitas são desenvolvidas quase que exclusivamente com base em fontes bibliográficas, tais como: livros de leitura corrente, livros de referência, dicionários, enciclopédias, impressos diversos, publicações periódicas, revistas e jornais etc.” (2005, p. 38). Por tratar-se de tema relacionado a fenômenos passados e análise sobre os impactos destes nos desafios atuais, Rodrigues conclui: “A pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente; principalmente quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. A pesquisa bibliográfica é indispensável nos estudos históricos, pois não há outra maneira de conhecer os fatos passados se não com base em dados bibliográficos.” (2005, p. 38-39). 3 3 SOBRE INTEGRAÇÃO REGIONAL A ideia do Direito a integração surge a partir da necessidade de estabelecer relações jurídico-políticas formais para proteger o comércio e as navegações. Desde as bulas papais, que permitiram a exploração da América, inicialmente, apenas por parte da a constante necessidade de circulação de mercadorias e as disputas entre as águas e territórios comuns obrigaram o diálogo entre os países. Borges (2005) afirma que, com o intuito de acelerar a reestruturação econômica, alguns países europeus como Alemanha e França passaram a ampliar suas políticas de relações estrangeiras ao nível de cooperação de mercados constituindo comunidades específicas relacionadas à economia (CEE), ao carvão e ao aço (CECA) e à energia atômica (EURATOM). Por outro lado, a própria necessidade de manutenção do comércio, atrelada à história de conflitos na Europa, obriga os Estados a avançarem na integração em busca de um sistema de segurança mais eficaz: Es ist der Handelsgeist, der mit dem Kriege nicht zusammen bestehen kann, und der früher oder später sich jedes Volk bemächtigt. Weil nämlich unter allen, der Staatsmacht untergeordneten, Mächten (Mitteln) die Geldmacht wohl die zuverlässigste sein möchte, so sehen sich die Staaten (freilich wohl nicht eben durch den Triebfedern der Moralität) gedrungen, den edeln Frieden zu befödern 2. É, então, a partir do setor econômico (Wirtschaftssektor) que a integração regional passa a ser institucionalizada e passa a avançar para uma integração cultural, política, econômica, social, ambiental, monetária, legislativa, etc. É válido ressaltar que esta análise se refere ao processo de avanço institucional dos processos de integração. Isto, pois, os processos de integração possuem diversas dimensões se relacionando com história, geografia, cultura, religião, dentre outros fatores que consolidam ou afastam tal fenômeno. Tradicionalmente a integração regional limita-se as questões institucionais-formais, com foco quase que exclusivamente de cooperação econômica, fundamentado na idéia de utilidade. Indubitavelmente no do modelo de mercado globalizado, organismos de integração regional que possibilitem a redução de taxas, a conscessão de subsídios a redução de barreiras 2 É o espírito do comércio que não pode coexistir com a guerra e, mais cedo ou mais tarde, apodera-se de todos os povos. Isto, pois, entre todos os poderes (meios) submetidos ao Estado, o poder do dinheiro é o fiel, obrigando, não por motivos morais, que se faça a nobre paz. (KANT, 2003, p.226). Todas as traduções presentes neste trabalho são de inteira responsabilidade do autor. 4 alfandegárias são fundamentais para o desenvolvimento econômico de uma nação, além de garantir aos Estados componentes de um bloco maior influência nas grandes negociações e decisões nos fori mundiais. A consecuencia de la globalización, la integración constituye en el siglo XXI una herramienta política que permite mejorar las condiciones de inserción en el mundo ya que implica mayor poder de negociacón y competitividad para sus componentes, que ahora pueden actuar en bloque (MOYO, 2006, p. 17) A integração, no entanto, não deve ser reduzida ao valor da utilidade econômica. Ela há de ser útil, justa e humanista, como bem analisa Ciuro Caldani (apud MOYO, 2006, p. 26). O fenômeno da integração regional tem sua origem na identidade histórico-cultural das distintas regiões, mas se consolida como estrutura jurídica com a necessidade econômica de uma cooperação de mercado mais efetiva entre países vizinhos com o objetivo de lograr um desenvolvimento econômico. Esta estrutura que parte de uma necessidade econômica e está relacionada à identidade territorial, lingüística, política ou de outra ordem, faz com que os estados soberanos cedam parte de suas soberanias para uma entidade central, uma organização de integração (BARBOZA, 2008). A integração não deve almejar somente melhorar as relações comerciais, mas principalmente desenvolver os índices sociais dos Estados partes. Dentro da nova concepção de Direito, a integração deve inclusive proteger os movimentos culturais locais e as tradições regionais frente à imposição ou importação desmedida de culturas externas. Os fenômenos de integração regionais mais sólidos devem observar necessariamente as dimensões culturais e sociais, assim como de inclusão política e de Direitos Humanos, relacionando estes fatores à globalização e ao imperialismo (MOYO, 2006). “Uma consideração teleológica revela que, no âmbito do ordenamento internacional, e em particular no ordenamento comunitário, a proteção dos direitos humanos vem sendo privilegiada como um dos objetivos mais eminentes” (BORGES 2005, p. 326). Destaca-se que o fortalecimento dos países, através da atuação em conjunto, estende-se às mais diversas áreas. As vantagens políticas, sociais e culturais são, de certa maneira, inerentes a esse processo. É válido analisar que estes benefícios podem ser conseqüências das relações econômicas. No entanto, o debate sobre a integração regional não pode ser separado do debate em torno da soberania de cada país. Soma-se a isto o fato de que este fenômeno não é desligado dos fatores históricos e geográficos, de modo que, ao ser pensado, deve, de antemão, preocuparse com o desenvolvimento econômico, social e sustentável da região e não apenas com benefícios isolados. 5 No processo de globalização é que não se exporta apenas mercadoria, mas cultura, religião, ideologia, valores e diversas questões de cunho subjetivo que são incorporadas ao universo simbólico dos indivíduos (SAID, 2005). Porquanto, um bloco regional deve estabelecer avanços institucionais para proteção das suas identidades culturais de seus povos. Arbuet Vignali (2004), ao discutir os fundamentos antropológicos e sociais da integração, afirma que isso é um processo consciente e voluntário, que se dá a partir da própria natureza do ser humano. O autor explica ainda que, através dos agrupamentos humanos, os centros de poder independentes, os Estados, têm procurado superar as diferenças que os separam com diversos propósitos políticos em busca de poder: formar através das partes um todo único e maior, somar-se a um núcleo centralizador dos recursos de outras regiões e, principalmente, melhorar sua posição dentro da equação de poder dos Estados, ampliando a capacidade de defesa frente a agressões ou a disputas de competências. Aufere-se, por fim, que “el derecho a la integración es la rama del derecho que estudia las normas y principio que informan los diversos procesos y esquemas jurídicos de Integración” (MOYO, 2006, p.82). Desta forma, o estudo sobre o fenômeno da integração regional deve basear-se não somente nos tratados e outros instrumento jurídicos, mas em uma análise histórico-cultural a fim de compreender os princípios que dão sustentabilidade a estes blocos. 4 SOBRE DIREITOS CULTURAIS Os Direitos culturais estão habitualmente relacionados a aos Direitos de Segunda Geração, ao lado dos Direitos Sociais e Direitos económicos. Todavia, parecem receber da doutrina tradicional uma atenção secundária, limitando-os, no âmbito brasileiro, a definição e a abordagens de dois artigos na CRFB/88, quando na verdade toda a Constituição está fundamentada a partir da concepção de garantia ao pleno exercício dos Direitos Culturais. Para este estudo que visa mostrar a relação inseparável entre direito à integração e direitos culturais, na qual estes últimos são elementos essenciais para uma perspectiva de integração mais avançada cabe inicialmente tentar delimitar e compreender minimamente seu conceito. O primeiro grande desafio passa por perceber a multiplicidade de conceitos préconcebidos, diversos e contraditórios sobre o que seria cultura. Partindo do dicionário tem-se: 6 Ação ou maneira de cultivar a terra ou as plantas; cultivo: a cultura das flores. / Desenvolvimento de certas espécies microbianas: caldo de cultura. / Terreno cultivado: a extensão das culturas. / Categoria de vegetais cultivados: culturas forrageiras. / Arte de utilizar certas produções naturais: a cultura do algodão. / Criação de certos animais: a cultura de abelhas. / Fig. Conjunto dos conhecimentos adquiridos; a instrução, o saber: uma sólida cultura. / Sociologia Conjunto das estruturas sociais, religiosas etc., das manifestações intelectuais, artísticas etc., que caracteriza uma sociedade: a cultura inca; a cultura helenística. / Aplicação do espírito a uma coisa: a cultura das ciências. / Desenvolvimento das faculdades naturais: a cultura do espírito. / Apuro, elegância: a cultura do estilo. // Cultura de massa, conjunto dos fatos ideológicos comuns a um grupo de pessoas consideradas fora das distinções de estrutura social, e difundidos em seu seio por meio de técnicas industriais. // Cultura física, desenvolvimento racional do corpo por exercícios apropriados. Percebe-se que este conceito está relacionado a biologia e ao cultivo, a uma certa “instrução intelectual”, a saberes e conjunto de hábitos e práticas de “povos” ou grupos sociais, a símbolos e signos de categorias, confundindo-se com conceito de arte ou ao “folclore”, dentre outras concepções que sequer aparecer no dicionário, mas seriam aplicáveis como cultura como elemento coletivo para o desenvolvimento e acesso às novas tecnologias. Interessante destacar que cultura e civilização muitas vezes são utilizadas como sinônimos o que acarreta um risco sem precedentes quando observado as concepções de desenvolvimento das civilizações. Isto, pois civilização e atividades humanas civilizadas expressam “a consciência do Ocidente sobre si mesmo”(...) ”resume tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior a sociedades mais antigas, ‘mais primitivas’ ” 3. Darcy Ribeiro (2007) observa sobre a existência de um evolucionismo linear: O pressuposto básico deste esquema é um evolucionismo linear, segundo o qual as sociedades latino-americanas são entidades autárquicas e descompassadas que estariam vivendo agora, com séculos de atraso, os mesmos passos evolutivos experimentados pelas sociedades avançadas. Em suas formulações mais extremadas, essa perspectiva não leva em conta a trama de inter-relações econômicas, sociais e culturais que estão inseridas as sociedades contemporâneas, por si só impeditiva de reprodução de etapas arcaicas em sua forma original. Nem desenvolve um esforço autentico para indicar fatores causais e condicionantes da dinâmica social. (Ribeiro, Darcy 2007, p.22) Esta preocupação está expressa pelo prof. Humberto Cunha (2000) ao debruçar-se sobre a definição de cultura. Analisa o emérito professor, a partir da reflexão de Wenger 3 ELIAS, Nobert. O Processo Civilizatório, pág.23. 7 JAEGNER4, uma definição capaz de adjetivar cultura. Neste intento, destaca ainda a preocupação pelo elemento axiológico e a obrigatoriedade de uma delimitação positiva, compreensível ao Direito de modo a evitar um esvaziamento de garantias ante uma definição muito ampla. Buscando uma definição mais ampla que aquelas correspondentes ao senso comum, mas com limitações possíveis para uma ciência jurídica enuncia-se: Direitos Culturais são aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão para o futuro, visando sempre a dignidade da pessoa humana. [HUMBERTO, Francisco. Direitos Culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, pág. 34 – Brasília Jurídica: 2000]. Esta definição parece-nos adequada para avançarmos na análise deste trabalho. Antes, todavia, de explicitar o entendimento de Direitos Culturais como Direito Fundamental, pois esta interseção é intrínseca a natureza destes Direitos. Ora, para caracterizarmos um Direito como Fundamental ele deve estar expresso na CRFB/88, preferencialmente no artigo 5o. Ou então seu conteúdo material deve ser tão relevante que possa este ser associado aos princípios gerais do Direito e ser abraçado a partir dos direitos fundamentais já positivados. Como não será possível esgotar este tema, iniciemos por sua característica associado aos Direitos Humanos. O pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) que fora ratificado pelo Brasil em 1992 faz parte juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da Carta Internacional dos Direitos Humanos. Porquanto, considerando o disposto na Constituição Federal de 1988 que previu a integração das normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos à legislação interna (art. 5º,§ 2º e 3º), tendo como conseqüência não só a reiteração dos direitos constitucionalmente assegurados, mas a geração de novos direitos civis e políticos e, sobretudo, econômicos, sociais e culturais. Neste sentido, 4 “hoje estamos habituados a usar a palavra cultura não no sentido de um ideal próprio da humanidade herdeira da grécia, mas antes numa concepção bem mais comum, que a estende a todos os povos da terra, incluindo os primitivos. Entendemos assim por cultura a totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A palavra converteu-se num simples conceito antropológico descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente (…) Mas o que hoje denominamos cultura não passa de um produto deteriorado, derradeira metamorphose do conceito grego originário” (Humberto, pág.27, 2000. Citando JAEGNER Werner. Paidéia – a Formação do Homem Grego. Martins Fontes: São Paulo, 1995, pp. 7 e 8). 8 mesmo sem adentrar no rol dos Direitos Culturais ali previstos percebe-se nitidamente seu papel destacado no ordenamento jurídico. O próprio o art 5o elenca alguns direitos culturais de maneira expressa como liberdade de expressão artística (IX) direitos autorias (XXVII), proteção patrimônio cultural (LXXIII). Este fato traz dois elementos importantes de citar mesmo sem ser objeto deste trabalho, mas que servem de contraponto a esse papel secundário relegado a estes Direitos: 1. Prerrogativa de Cláusula Pétrea (60, § 4º, IV) e 2. Aplicabilidade imediata (art 5o § 1 o), ambos CRFB/88. 5 CRFB 88 – INTEGRAÇÃO CULTURAL NA AMÉRICA LATINA. A melhor maneira de desenhar o preceito constitucional que intentamos ressaltar neste artigo seria Integração Democrático-cultural na América Latina, mas como a conceituação sobre democracia e sua relação na América Latina mereceria um trabalho próprio limitaremos por questão de objetividade metodológica, utilizaremos a definição expressa neste tópico. Proclama a Carta Magna – “Art. 4º Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”, que deverá, ainda conforme consta no próprio artigo citado, observar esta integração a partir de princípios como autodeterminação dos povos, prevalência dos Direitos Humanos e cooperação dos povos. A partir destes deveres Constitucionais compreende-se a obrigatoriedade de analisar o processo de Integração regional sob perspectiva política, social, cultural e jurídica. Trata-se de absorver elementos Constitucionais na garantia da pluralidade das identidades, uma construção multiétnica que deve absorver a participação como elemento constitutivo para fortalecer a Democracia brasileira e a Democracia Regional. Ora, um importante fator para este debate que expressa a preocupação da norma constitucional é o elemento da soberania regional. Nos países da América, o processo de soberania passa a ser discutido somente com as conquistas de suas independências, no caso dos países da América do Sul, somente no século XIX. Todavia, para além da independência formal, estes países se encontram completamente desorganizados e atrasados em relação aos seus colonizadores, estando completamente suscetíveis às influências externas. 9 Bolívar expressa a sua preocupação com a fragmentação de territórios após a descolonização, onde os males do colonialismo impediam as populações de atingir a maturidade política, após a qual se deveriam constituir numa federação de estados latino-americanos, inspirada pelos laços de solidariedade entre os povos criados pela insurreição independentista (Reis 2003, p.82) É importante salientar que o processo de garantia da soberania dos países da América do Sul acontece bem mais tarde do que em relação à Europa, por exemplo. De alguma forma as pessoas continuam lutando por sua soberania, tendo em vista a relação de dependência apresentada por Celso Furtado (2003) e abdicar desta soberania para construir uma integração na América Latina continua sendo um desafio ante esta conquista tardia de soberania por parte dos Estados-Nações. Parece que a CRFB 88 entende que reforçar o processo de integração pode representar uma frente de apoio às diversas soberanias. Na América do Sul, por exemplo, onde todos os países são subdesenvolvidos e suscetível à influência estrangeira a integração pode servir como um mecanismo de garantia de Soberania, mesmo em território nacional Cita-se, por exemplo, o acordo de proteção região da Amazônia (TCA). Mesmo estando maior parte do território em solo brasileiro o tratado um marco na garantia da Soberania da região, tendo em vista a maior legitimidade oriunda de um acordo internacional entre vários países na América do Sul (VENTURA, 2002). A proteção por óbvio expressa não reduz-se a uma questão militar ou ambiental, mas trata de uma proteção ao patrimônio cultural e exemplo disso Uma área de seis milhões de hectares no centro de sua bacia hidrográfica, incluindo o Parque Nacional do Jaú, foi considerada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em 2000 (com extensão em 2003), Patrimônio da Humanidade. O processo de integração deve, no mínimo, amenizar alguns efeitos negativos da globalização, como a supressão das culturas locais decorrentes da influência dos países desenvolvidos, preocupação recorrente na obra de Edward Said (2005) ao analisar os impactos das políticas Norte Americanas na América do Sul que conceitua como imperialistas. “O império é uma relação formal ou informal, em que um Estado controla a soberania política efetiva de outra sociedade política Ela pode ser alcançada pela força, pela colaboração política, por dependência econômica, social ou cultural”. (Doyle, apud SAID, p. 40, 1995). Para Eduardo Galeano (2003), a relação da América Latina como um todo foi sempre de exploração, subordinação e dependência com as potências “imperialistas” de cada período. Não bastasse a exploração indiscriminada dos recursos naturais e humanos, toda a 10 produtividade é posta a serviço das demandas internacionais, desde os primeiros ciclos produtivos – açúcar, café, tabaco, algodão, etc. –, todos sob o sistema de latifúndios e monocultura sem nenhuma preocupação com as necessidades dos povos. Os índios em um século e meio, reduziram-se de 70 milhões para 3,5 milhões. Afirma ainda que “La pobreza del hombre como resultado de La riqueza de La tierra”5. É importante salientar que guardando as especificidades do avanço do sistema capitalista em cada Estado, a industrialização na América do Sul não representou uma ação voluntária visando romper com os esquemas tradicionais de divisão do trabalho, ao contrário ela teve como origem a necessidade do mercado internacional em decorrência do longo período de depressão dos produtos primários, iniciado em 1929. Este processo de industrialização, no entanto, mantinha uma relação de dependência nos processos de desenvolvimento, pois a divisão internacional do trabalho reservava, neste primeiro momento, para os centros dominantes, as atividades produtivas em que se concentrava o progresso tecnológico. Esta relação de dependência novamente se altera, sendo resultante do controle exercido por grupos das economias dominantes sobre as atividades que, nas economias dependentes, mais assimilavam novas técnicas. Com o desenvolver do mercado financeiro internacional e o surgimento das empresas não só multinacionais, mas também transnacionais, o processo produtivo se transforma de tal sorte que a divisão de trabalho de uma mesma empresa é sub-dividida entre vários países. A mesma empresa explora a matéria prima, produz algumas peças em outro, o trabalho é finalizado em um terceiro, mas sua matriz em forma de ações, apesar de ser sub-dividida, mantém filiação em um centro de poder financeiro capaz de realizar investimentos. Deste modo, apesar de as empresas pertencerem a diversos países, seus centros decisórios mantêmse atrelados a um centro de poder financeiro. No caso dos países da América Latina, isto tem implicação direta na formação do empresário nacional. Celso Furtado (2003) acrescenta a estes fatos que aqueles que se destacavam eram “recrutados para integrar a nova classe gerencial a serviço dos conglomerados”. Tal feito é demonstrado pelo mesmo autor ao citar que o grau de concentração do setor da economia latino-americana formada pelas filiais de empresas dos 5 Título da primeira parte da obra “As Veias Abertas da América Latina – A pobreza do homem como conseqüência da riqueza de sua terra”, tradução nossa. 11 Estados Unidos é maior que o observado em seu próprio país. Por exemplo, enquanto lá, em 1962, as mil maiores empresas manufatureiras controlavam três quartas partes das vendas totais, na América Latina, já em 1950, apenas trezentas filiais de empresas norte-americanas já eram responsáveis por 90% dos investimentos realizados na região. Dessa forma, consideraremos o subdesenvolvimento como uma criação do desenvolvimento, isto é, como conseqüência do impacto, em grande número de sociedades, de processos técnicos e de forma de divisão de trabalho irradiados do pequeno número de sociedades que se haviam inserido na revolução industrial em sua fase inicial, ou seja, até os fins do século XIX. (Furtado 2003, p.37) O desenvolvimento não pode ser analisado como conseqüência necessária do subdesenvolvimento, mas partes integrantes do mesmo processo histórico, relacionado às novas formas de divisão do trabalho, criação do mercado financeiro internacional interdependente e difusão da tecnologia moderna. Sobre essa relação de dependência é fundamental acrescentar a contribuição teórica de Albuquerque (2001) que ao discutir o Estado liberal discorre sobre a renúncia do poder decisório interno de uma nação em favor de centros de investimentos estrangeiros e não passíveis de fiscalização como o Estado, além do próprio esvaziamento da democracia nesse sentido, já que o poder decisório deixa de pertencer ao Estado Nação e, em conseqüência, ao povo. O centro decisório dos Estados contemporâneos não reside nem no parlamento nem no executivo, mas no inflado aparato burocrático que decide a partir de seus anelos com poderosos interesses privados. Este poder, invisível e impessoal, tonifica-se ainda mais com a expansão dos mercados e da inexorável monopolização que o acompanha, amplificando por conseqüência o poder burocrático privado das grandes empresas do capital transnacional e internacional, o qual – de nenhuma maneira mais corrosiva do que as burocracias públicas – ameaça a permanência do sistema democrático, pois seu poder não sofre nenhum tipo de controle social ou de fiscalização. (Albuquerque 2001, p.129) Para Fernando Henrrique Cardoso (1999) dependência e desenvolvimento são relações em si contraditórias e correlatas, onde a miséria não pode ser colocada como conseqüência da expansão capitalista neste continente. A miséria seria conseqüência da não absorção de toda mão-de-obra em oferta, questão que poderá ser resolvida. Porquanto, o caminho para o desenvolvimento da América Latina é a dependência em relação ao capital financeiro internacional. Sobre esta análise é pertinente a crítica de Darcy Ribeiro (2007) ao questionar a existência de um evolucionismo linear, nas palavras do autor: 12 O pressuposto básico deste esquema é um evolucionismo linear, segundo o qual as sociedades latino-americanas são entidades autárquicas e descompassadas que estariam vivendo agora, com séculos de atraso, os mesmos passos evolutivos experimentados pelas sociedades avançadas. Em suas formulações mais extremadas, essa perspectiva não leva em conta a trama de inter-relações econômicas, sociais e culturais que estão inseridas as sociedades contemporâneas, por si só impeditiva de reprodução de etapas arcaicas em sua forma original. Nem desenvolve um esforço autentico para indicar fatores causais e condicionantes da dinâmica social. (Ribeiro, Darcy 2007, p.22) Acrescenta-se aqui a análise de Florestan Fernandes (1993) que observa que o capitalismo não possui um único padrão de desenvolvimento de caráter universal, no entanto estão condicionadas às realidades específicas em suas relações com as mais diversas fases do desenvolvimento do capitalismo internacional. São as situações históricas com seus “estamentos e classes” que definem o padrão capitalista (REIS, 2000). Neste sentido será preciso estabelecer e conhecer o que seria o “padrão brasileiro”, ou no nosso caso o padrão “latino-americano”. Todos estes elementos devem ser ainda observados a luz do debate apresentado nos pontos já debatidos, pois este “padrão latino-americano” só é possível percebendo as pluralidades dos povos, populações e Nações. Respeitando diversas etnias e raças, miscigenadas em grande parte pela exploração de povos dominantes. Não cabe aqui desenvolver uma tese específica para cada realidade, mas a de demonstrar a existência desta relação de dependência histórica e que tal relação é observada pelos preceitos Constitucionais e constituem a República Federativa do Brasil. Finalizamos, pois este trabalho, que buscou muito mais levantar elementos relevantes e correlatos para com os Direitos Culturais, no sentido de coloca-lo no devido destaque Constitucional, inclusive na perspectiva de relação com a América Latina, com o disposto no tratado da UNASUL6 APOIADAS na história compartilhada e solidária de nossas nações, multiétnicas, plurilíngües e multiculturais, que lutaram pela emancipação e unidade sulamericanas, honrando o pensamento daqueles que forjaram nossa independência e liberdade em favor dessa união e da construção de um futuro comum; 6 A UNASUL (União dos países da América do Sul é um novo projeto bloco de integração regional que já foi assinada por diversos países, todavia carece de validade jurídica devido a ausência de ratificação por parte dos Parlamentos respectivos. Apesar de ainda não estar em vigor, tem demonstrado uma contribuição significativa em decisões políticas recentes no continente, além de ter se firmado como o mais importante fórum de debate na América do Sul. Ressalta-se que esta iniciativa surge em um contexto de Governos em sua maioria "populistas" que se distanciam em parte da política do Consenso Washington e se contrapõe ao anterior esforço de criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). 13 AFIRMANDO sua determinação de construir uma identidade e cidadania sulamericanas e desenvolver um espaço regional integrado no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infra-estrutura, para contribuir para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe; CONVENCIDAS de que a integração e a união sul-americanas são necessárias para avançar rumo ao desenvolvimento sustentável e o bem-estar de nossos povos, assim como para contribuir para resolver os problemas que ainda afetam a região, como a pobreza, a exclusão e a desigualdade social persistentes; (Tratado Constitutivo UNASUL, 2008) 6 REFLEXÕES CONCLUSIVAS Proclama a Constituição Federal brasileira de 1988 como objetivo desta que: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.", que deverá, ainda no mesmo artigo, observar esta integração a partir de princípios como autodeterminação dos povos, prevalência dos Direitos Humanos e cooperação dos povos. A partir destes deveres Constitucionais compreende-se a obrigatoriedade de analisar o processo de Integração regional sob perspectiva política, social, cultural e jurídica. Trata-se de absorver elementos Constitucionais na garantia da pluralidade das identidades, uma construção multiétnica que deve absorver a participação como elemento constitutivo para fortalecer a Democracia brasileira e a Democracia Regional. Ressalta-se ainda que os Direitos Humanos surgem a partir do avanço do Direito Internacional, sendo, porquanto, imprescindível para compreender a efetivação de princípios fundamentais sua análise a partir do contexto e de seu avanço para além do Brasil. A relevância do tema para a ciência do Direito é, pois, que a função da ciência é a produção de conhecimento, bem como o fornecimento deste à sociedade, possibilitando seu desenvolvimento congruente. A universidade, e particularmente a pesquisa, é o lugar propício a essa atividade. Portanto, o projeto representa verdadeira procedimentalização do papel investigativo, devendo, em última instância, fornecer uma base científica sobre o avanço das Democracias na América Latina a partir de seus mecanismos institucionais. Para a sociedade o tema possibilita um estudo válido à compreensão dos problemas concretos existentes na própria sociedade. Tão importante quanto à solução dos problemas e dos desafios que qualquer sociedade enfrenta a partir de sua formação, é o mecanismo de 14 entendimento acerca de suas causas, de seu real e material acúmulo histórico, a fim de que aquilo que eventualmente possa vir a ser apontado como solução constitua-se em análise razoavelmente procedente. 7 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Teoria Política da Soberania. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo, Martins Fontes: 1999. BALSADUA, Ricardo Xavier. Mercosur y derecho de la integración, Buenos Aires. Abeledo-Perrot, 1999. 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