del suelo valor residual

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del suelo valor residual
Aula 02
O mercado imobiliário e a formação
dos preços do solo
Pedro Jorgensen
As mudanças na estrutura urbana serviram de inspiração para diversas
composições da MPB. Uma das mais conhecidas é um samba que retrata
o acelerado ritmo de demolições e desapropriações para a construção de
edifícios na cidade de São Paulo. Você pode escutar a música no AVEA.
SAUDOSA MALOCA - Adoniran Barbosa
(Continental, 1951)
Si o senhor não istá lembrado
Dá licença deu contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa véia
Um palacete assobradado
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Mas um dia
Que nem quero me lembrá
Veio os home c’as ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemo toda as nossas coisa
E fumo pro meio da rua
Preciá a demolição
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Que tristeza que eu sentia
Cada táuba que caía
Duia no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi istá co’a razão
Nóis arranja outro lugá
Só se conformemos quando o Joca
falou:
“Deus dá o frio conforme o cobertô”
E hoje nóis pega a páia nas grama do
jardim
E prá esquecê nóis cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos dias
feliz de nossa vida
Introdução
Aula 02
A construção da cidade e seus
agentes: um breve panorama
Numa primeira aproximação, a transformação das cidades pode ser
associada a dois fatores principais: o desenvolvimento econômico e o crescimento demográfico. Com eles, incorporam-se novas áreas à malha urbana e intensifica-se o uso das já ocupadas (BORRERO, 2000).
Desenvolvimento econômico implica maior demanda de terrenos centrais para a construção de escritórios e lojas; de terrenos adequadamente
urbanizados e próximos a comércios e serviços para a construção de moradias; e de terrenos estrategicamente localizados, geralmente ao longo das
rotas terrestres, marítimas e aéreas de acesso à cidade, para a construção de
fábricas, garagens e armazéns. E implica, por outro lado, novos empregos,
e com eles a atração de mão-de-obra imigrante, que por sua vez demandará terras ou casas acabadas para morar ao alcance de suas possibilidades.
Combinado ao desenvolvimento econômico, o crescimento demográfico vegetativo e migratório empurra para cima o valor dos aluguéis e o
preço da terra. Quanto mais “bem localizado” o imóvel, mais alto o seu
preço – independentemente do custo de construção – e maior sua probabilidade de valorização. Nessas circunstâncias, as pessoas que têm maior
capacidade de pagamento geralmente optam por adquirir um imóvel. Em
países com desenvolvimento relativamente fraco do mercado de capitais,
a propriedade imóvel tende a ser considerada a maneira mais segura de
progresso patrimonial em longo prazo.
Pessoas que não têm poupança ou capacidade de endividamento podem passar toda a sua vida morando “de aluguel”, isto é, pagando ao proprietário da moradia uma renda mensal – no limite de suas possibilidades
– pelo direito de usá-la. No entanto, somente uma ínfima parte do aluguel
se refere ao consumo da benfeitoria. A parte “do leão” provém do direito
exclusivo que tem o proprietário de dispor de seu terreno ou fração ideal –
vale dizer, de sua localização na cidade – impondo ao locatário o máximo
preço que ele possa pagar. A renda paga pelo locatário absorve a maior
parte, senão a totalidade, do que sobra de seu rendimento mensal depois
de descontados os gastos essenciais com consumo de bens (alimentação,
vestuário, etc.) e serviços de transporte (acesso ao local de trabalho).
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Uma vez instalado na terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mínimo de segurança de posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança
de sua vida à construção da moradia – sua, de seus filhos e agregados.
O proprietário, por sua vez, é obrigado a repartir essa renda com o governo sob a forma do imposto predial e territorial urbano, cujo principal
componente é o preço do terreno. Pouco imposto sobre a terra implica
maiores preços, maior concentração de riqueza privada e maior pressão
pela concentração espacial do investimento público, que é um poderoso
fator de impulso às espirais de riqueza e pobreza urbana.
Somente uma parte da demanda por produtos imobiliários acabados
– moradia, principalmente – é satisfeita pelos construtores e incorporadores, que só operam acima de parâmetros mínimos de rentabilidade,
determinados, em última instância, pelas taxas de juros bancários. Essa
rentabilidade mínima se defronta, nos países da América Latina, com
três fatores restritivos principais:
•• altas taxas de juros;
•• baixa capacidade de pagamento e acesso ao crédito por parte da população de baixa renda e
•• preços da terra inflacionados pelas expectativas e comportamentos especulativos dos proprietários de terrenos (alto preço).
A expectativa que move os proprietários de solo é a de máxima valorização de seus terrenos, resultante principalmente dos investimentos públicos
– mas também dos privados – que fazem deles localizações desejada por potenciais compradores e usuários. A possibilidade de obtenção de ganhos extraordinários em forma de renda do solo transforma construtores em incorporadores e faz dos bancos sócios destes últimos nos negócios imobiliários.
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Para o trabalhador pouco qualificado, é praticamente impossível pagar
o aluguel de um imóvel no mercado formal, que dirá comprar moradia,
ou mesmo um simples terreno, adequadamente localizado e urbanizado.
Ao mesmo tempo em que convive com uma relativa estabilização e até
com baixas significativas de preços de produtos industrializados – do celular com que se mantém conectado às oportunidades de trabalho ao tijolo
com que constrói a própria casa –, esse trabalhador nunca vê baixar o preço
do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda que distante. Instalar-se,
então, na terra por quaisquer meios à sua disposição, e por pior que sejam a
localização e os serviços urbanos, torna-se uma necessidade imperiosa.
O trabalhador convive com uma relativa estabilização e até com baixas significativas de preços de produtos industrializados, mas nunca
vê baixar o preço do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda
que distante.
Aula 02
É neste cenário que surgem as ocupações ilegais e as favelas, assim
como os loteamentos e os loteadores clandestinos. Uma vez instalado na
terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mínimo de segurança de
posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança de sua vida à construção
da moradia – sua, de seus filhos e agregados. A continuada pressão da
demanda leva, por sua vez, a que dentro das próprias comunidades informais – particularmente naquelas mais bem localizadas dentro do tecido
urbano – surja uma pequena indústria de produtos imobiliários – sub-moradias de aluguel, por exemplo –, que pouco a pouco pode vir a se transformar, como se vê nas grandes favelas das principais cidades brasileiras,
num verdadeiro mercado imobiliário de produtos precários, à margem da
regulação urbanística e econômica estatal.
Em todos os países latino-americanos, décadas de políticas habitacionais e de urbanização de assentamentos informais, mais ou menos intensas
dependendo da época, têm tido pouco ou nenhum sucesso em impedir o
contínuo crescimento da produção informal de urbanizações e moradias,
vale dizer, de assentamentos urbanos desprovidos de condições mínimas de
habitabilidade e serviços, mais ou meComo texto de apoio à aula, sugerimos a leitura,
nos adequadamente refletidas nas norna Biblioteca Virtual, do artigo Mercado de terras,
mas urbanísticas. A razão fundamental
formação de preços e recuperação de custos de
infra-estrutura básica no Brasil, de Fernanda Furtado
desse insucesso pode estar associada
e Pedro Jorgensen. É uma adaptação do artigo desses autores
não tanto aos custos de produção da
“Land Markets in Brazil: Capturing Land Values to Finance
moradia, mas à implacável tendência
Infrastructure Improvement”. In: Brazil – Inputs for a Strataltista dos preços do solo, que, dentre
egy for Cities – A Contribution with a Focus on Cities and
Municipalities, Vol. II. The World Bank, Novembro de 2006.
outros efeitos, pode levar ao bolso dos
proprietários políticas inteiras de subsídio direto à demanda.
Veremos, pois, em seguida, de um modo bastante sintético, como funcionam e se comportam esses mecanismos de formação do mercado e dos
preços do solo urbano.
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Os principais fatores determinantes do preço do solo
Os especialistas costumam dizer que os principais fatores determinantes
dos preços do solo são a localização, a localização e a localização, o que parece suficiente para expressar a sua primazia. Convém, no entanto, acrescentar
o grau de escassez, a expectativa dos proprietários por usos mais rentáveis e
a legislação municipal que define o uso e a edificabilidade legais.
A idéia central desta
metáfora me foi ensinada pelo prof. Carlos
Morales Schechinger,
em palestra proferida
no seminário da ACIUR
(Asociación Colombiana de Investigadores
Urbano-Regionales) de
março de 2008.
O solo urbano é um bem escasso “por definição” econômica, muito
mais que natural, fundada nas vantagens relativas das localizações para os
diversos usos. A metáfora do teatro de ópera sugere o porquê dos diferentes valores das localizações, mesmo que inexista um mercado privado.
Na ópera, os mais abastados costumam pagar caro pela exclusividade dos camarotes. Os acomodados, por sua vez, preferem os assentos mais centrais e próximos ao palco, onde podem, também, se
sentir entre os “seus”. Há quem prefira pagar um pouco menos para
ficar relativamente próximo ao palco, porém no alto e lateralmente,
para poder apreciar o trabalho da orquestra. Quem não pode, ou
não está disposto, a pagar mais, deve ser contentar em desfrutar o
espetáculo sentado nas galerias distantes. Quem chega atrasado só
consegue ingresso, muito mais caro, com o cambista. E em teatros
com pouco zelo pela segurança, os retardatários podem dar um “jeitinho” de assistir ao espetáculo em pé, nos corredores – vale dizer,
em situação de risco.
Por se tratar de um bem escasso, o solo urbano tem seu preço formado num vasto leilão social, de caráter permanente, em que os demandantes com maior capacidade de pagamento têm o “poder de preempção” na
escolha da localização mais adequada ao seu uso – no marco da regulação
urbanística vigente, mas também fora dela.
Por serem mais rentáveis, os usos comerciais (lato senso) podem pagar
aluguéis mais caros e assim se estabelecer nas localizações mais “centrais”,
onde desfrutam de vantagens de aglomeração, comunicações, serviços especializados, etc. Um terreno localizado num grande centro de comércio
popular pode valer, por sua rentabilidade, quase tanto quanto um terreno
situado numa zona de alto padrão.
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A tendência contemporânea de localização de shopping centers muda a
configuração espacial dessa tendência, mas não a sua essência. Ao contrário, os próprios shopping centers tendem a atrair condomínios residenciais
de classe média e se tornar, eles próprios, novos pólos de centralidade
e valorização urbana baseados no deslocamento por automóvel. A terra
periférica barata proporciona aos primeiros empreendedores de uma nova
“localização” altíssimos ganhos, pressionando, como era de se esperar, o
setor público a prover de serviços as novas áreas, processo que redesenha
a estrutura da centralidade urbana e o próprio mapa de preços e da correspondente apropriação social do solo.
A competição dos serviços comerciais e financeiros (às vezes incluídas
as famílias de altos rendimentos) pelas localizações centrais mais importantes determina a intensificação do uso do solo escasso disponível, que se
manifesta como verticalização das edificações (com o superfracionamento jurídico do solo). A redução da área util com encarecineto unitário do
solo natural implica aumento de densidade de ocupação e coresponde ao
encarecimento relativo do solo construido.
Aula 02
Por centralidade se entende, pois, não apenas
o centro comercial-financeiro da cidade, mas
toda a rede de subcentros construída ao longo
das décadas e de novas
centralidades criadas
pelo investimento público e/ou privado.
O escasseamento dos terrenos mais bem localizados torna o solo o
insumo de maior incidência no preço dos novos empreendimentos, empurrando a demanda solvável para a área de influência de centralidades
secundárias e a demanda não solvável para outras zonas, periféricas à cidade urbanizada (no caso dos países latino-americanos), onde geralmente
faltam infra-estruturas e serviços.
O modelo de base da economia espacial
Com base em parâmetros típicos como distância do centro urbano,
custo de transporte, quantidade e uso de solo demandado e fatores de
produção imobiliária, a economia urbana desenvolveu, ao longo do último século, modelos de imensa utilidade – embora sustentados por visões mais ou menos simplificadas do comportamento dos agentes – para
a compreensão tanto do funcionamento do mercado como da estrutura
espacial urbana. Na base de todos esses modelos, está a renda ofertada pelos diversos agentes aos proprietários do solo urbano.
Transpondo o modelo de excedente de renda agrícola de Von Thünen
para o ambiente urbano, William Alonso estabeleceu um modelo de estrutura espacial do continuum cidade-campo com base na demanda (concorrencial) de três categorias de uso – agrícola, residencial, comercial
– disputando a oferta (racionada) de localizações.
Sendo a renda ofertada pelo solo (aluguel) o resíduo do rendimento dos agentes depois de descontadas as despesas de transporte e demais
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gastos essenciais à sua atividade, resultam três curvas de oferta de renda (aluguel) que se interceptam, formando uma curva de renda de mercado
(“curva-envelope”) tal que os “lances” mais altos exercem o seu “poder de
preempção” na ocupação das distintas regiões-distância ao centro urbano
(fig. 3a). A estrutura espacial resultante desse continuum urbano-rural ideal
monocêntrico e homogêneo sob todos os demais aspectos se apresenta
como uma sucessão de círculos concêntricos de uso comercial, residencial
e agrícola (fig. 3b).
r
r
empresas
residências
agricultores
Centro d1
d2
d3
Centro d1
d2
d3
Figuras 3a e 3b – Fonte: ABRAMO 2001
Podemos aplicar o mesmo modelo considerando uma multiplicidade
de agentes com distintas capacidades de oferta de renda e uma multiplicidade de “centros”, formando uma cidade muito mais parecida com aquelas em que vivemos.
Desenvolvimentos posteriores da economia espacial baseados em hipóteses mais detalhadas a respeito das opções dos demandantes (os chamados
trade-offs acessibilidade x espaço x densidade) permitiram a construção de
modelos mais refinados, que explicam, por exemplo, a presença dos pobres
no coração das cidades norte-americanas. Por valorizar mais o espaço consumido e andar de automóvel com gasolina barata, as classes rica e média
buscaram as localizações mais afastadas do centro, ao passo que os trabalhadores pobres, que dão mais valor ao custo e ao tempo de transporte
(acessibilidade) do que à quantidade de espaço, tenderam a elevar a oferta
de renda por metro quadrado ocupado nas localizações mais centrais.
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No “terceiro mundo”, a precariedade dos sistemas de transporte e a
distribuição espacial marcadamente desigual das infra-estruturas levaram
os ricos e a classe média – que valorizam mais o tempo e a acessibilidade,
respectivamente – para as localizações mais centrais, restando aos pobres
se instalarem na periferia, apesar do elevado custo-tempo de viagem aos
locais de trabalho. (ABRAMO, 2001)
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O mapa da escassez do solo urbano baseado nos parâmetros econômicos típicos (acessibilidade, quantidade e densidade do solo demandado)
pode ser afetado, no entanto, pelo lado da demanda, por comportamentos
coletivos (preconceito étnico e racial, valorização do “verde”), estratégias
de progresso familiar e outros aspectos, nem sempre levados devidamente
em conta pela ciência econômica clássica e neoclássica. Isso torna a modelagem do mercado um problema bastante complexo.
Pelo lado da oferta, o mapa da escassez é também afetado pelo comportamento dos proprietários de solo, que não são neVocê consegue identificar, no mucessariamente coletores passivos e, em certo sentido,
nicípio em que vive ou trabalha,
áreas onde existe retenção especula“neutros”, de rendas de localização. Ao contrário, motiva de imóveis? Que conseqüências isto
vidos pela permanente expectativa de valorização de seus
tem para o planejamento urbano local?
terrenos com usos mais rentáveis que o atual – quer pelo
Discuta este problema com seus colegas
benefício das obras públicas quer pela vantagem de norno tópico específico para a atividade no
Fórum do AVEA.
mas urbanísticas menos restritivas –, os proprietários
tendem a se comportar como agentes ativos da regulação do nível de escassez.
O preço da terra está dado, pois, pelas vantagens relativas da localização,
em um ambiente de escassez, para usos potenciais. Um terreno ocupado por
uma residência vale por seu uso potencial no mercado – que não é um resultado instantâneo. A pretensão dos proprietários de dar aos terrenos urbanos
seu maior e melhor uso está na raiz de alguns dos mais relevantes problemas
do planejamento e do financiamento das cidades, como a retenção especulativa e o custo das desapropriações para fins de utilidade pública – que,
como manda a Constituição, devem ser pagas não pelo valor de uso efetivo do
terreno, mas pelo valor de mercado, isto é, por seu “valor de expectativa”.
Legislação urbanística e preços
As normas urbanísticas exercem efeitos significativos na configuração
do “mapa da escassez” e, portanto, no funcionamento do mercado. As
normas de limitação de uso e edificabilidade, por exemplo, que até certo
ponto protegem o ambiente urbano de efeitos negativos da hiperdensificação, implicam a acomodação do excesso de demanda das localizações
mais centrais em seu entorno, ou em centralidades secundárias, com o
respectivo balanço em termos de redução e aumento de preços do solo.
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Normas inclusivas como as Zonas de Especial Interesse Social e as cotas obrigatórias de habitação de interesse social em grandes empreendimentos garantem a permanência e o acesso dos pobres a áreas sujeitas
à pressão de usos mais rentáveis. A delimitação da “zona urbana”, se por
um lado protege as finanças públicas dos altos custos do espraiamento
excessivo da urbanização, por outro tende a fazer aumentar a pressão da
demanda sobre as áreas urbanizadas, elevando os seus preços (fig. 4a); já
o seu recíproco, a passagem de áreas de rurais à categoria de urbanizáveis,
gera fortes taxas de valorização, que podem tornar a periferia um poderoso atrativo para os investidores, efeito similar à mudança do uso permitido
dentro de uma zona já urbanizada, de um menos rentável para um mais
rentável – tipicamente, de residencial a comercial (fig. 4b).
$
Alta de preços por pressão
da demanda
Limite legal da
zona urbana
Baixa de preços por não ser
urbanizável
Centro
Zona rural
uso comercial
valorização por
mudança de uso legal
uso residencial
Centro
60
Bairro A
Figuras 4a e 4b
Fonte: SMOLKA 2006
Os direitos de uso e edificabilidade são, pois, assim como o IPTU, elementos de que dispõe o governo urbano para atuar no mercado de solo de
modo a satisfazer o que hoje chamamos de função social da propriedade.
A prerrogativa de fixar esses direitos pode e deve ser uma forma de a municipalidade recuperar, ao menos em parte, os custos da urbanização que
dá à propriedade o seu valor.
Aula 02
O preço do solo e o financiamento das cidades
O preço de um terreno equivale à capitalização da renda bruta periódica que o proprietário pode exigir para permitir seu uso (MORALES,
2007). Se investido pelo proprietário no mercado de capitais, esse montante deveria render um juro periódico equivalente à renda bruta que recebia
pelo imóvel em forma de aluguel.
Um proprietário geralmente busca adquirir um terreno a outro proprietário pagando um preço equivalente à renda capitalizada do uso atual,
na expectativa de vendê-lo a um preço equivalente à renda capitalizada do
uso futuro – assim ganhando com a valorização não antecipada pelo vendedor. Dado, porém, que o solo não é criado pelo trabalho humano, esta
operação é a mesma que se realiza desde que o terreno entrou no mercado pelas mãos de seu proprietário original, que o obteve gratuitamente
por conquista, grilagem ou cessão para fins de colonização. Independentemente, portanto, de que cada proprietário só visualize como valorização a
diferença entre o preço de compra e o preço de venda, a totalidade do preço da terra urbana é pura valorização propiciada por fatores alheios à sua
ação, tal como representado na figura 1, página 62 (FURTADO, 2006).
Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se
tornar, ou abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio
da renda do solo em prol da coletividade.
A escassez da oferta de solo que permite ao proprietário extrair da
demanda a máxima renda que ela possa pagar o obriga, por essa mesma
razão, a arcar integralmente com o pagamento do imposto sobre a terra
(inserido no IPTU), ao contrário do que sucede com os impostos dos produtos industrializados (mercado competitivo), que tendem a ser repartidos entre produtores e consumidores.
Embora o locatário geralmente não se dê conta, o proprietário sabe que,
quanto mais alto o imposto, mais baixo terá de ser o aluguel, uma vez que
a soma de ambos esgota a capacidade de pagamento do inquilino. Por essa
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mesma razão, o imposto sobre a terra não tem como encarecer ainda mais
o aluguel do imóvel. Ele é pago pelo proprietário (ainda que desembolsado
pelo inquilino) com parte da renda do solo. A figura 2 introduz o conceito
de curva de renda (aluguel) ofertada por um agente econômico qualquer,
aqui acompanhada de um imposto com alíquota espacialmente diferenciada, mostrando como a renda de um metro quadrado de terreno localizado à distância d1 do centro da cidade se reparte em aluguel e imposto.
COMPONENTES DO VALOR DO SOLO URBANO
(A+B+C+D)
Valorização apropiada pelo
proprietário anterior
Ações de outros individuos
“Esforço” do proprietário anterior
Investimento públicos
Ao
Bo
Co
Do
A
B
C
D
“Esforço” do proprietário
Figura 1- O Preço do solo é 100% “mais valia”
Fonte: FURTADO, 2006
$
renda
imposto
blicos
imposto
Centro
62
d1
Prof. Fernanda Furtado
i1
aluguel
distância
Figura 2 - A renda se divide entre imposto e aluguel
A conseqüência fundamental dessa relação é: tudo o que o proprietário
deixa de pagar ao governo como IPTU se converte em renda de aluguel.
E isto, como se pode imaginar, é crucial para o financiamento da cidade.
Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se tornar, ou
abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio da renda do solo
em prol da coletividade.
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Teoricamente, todo o valor do solo pode converter-se em fonte de
financiamento da cidade. Embora excepcional, é ilustrativo o exemplo de
Hong-Kong, onde, por determinação do governo britânico, toda a terra
foi estatizada, aplicando-se as rendas obtidas ao financiamento da infraestrutura e dos serviços urbanos. Além das pesadas obrigações de urbanização impostas aos empreendedores, Canadá, Estados Unidos, Reino
Unido e demais países industrializados taxam significativamente a terra
urbana, com o que cobrem, por exemplo, parte significativa do custo do
ensino fundamental.
Processos de valorização e
desvalorização do solo urbano
Por valorização entende-se o aumento de preços imobiliários acima da
inflação. Para saber se um imóvel, ou uma área urbana, se valorizou, é necessário compará-los em termos de preços constantes, isto é, descontado
o efeito da inflação (BORRERO 2000).
O resultado dessa operação pode nos levar a concluir que um imóvel,
ou uma área da cidade, se desvalorizou. A desvalorização de uma área urbana por um período relativamente prolongado caracteriza um processo
de deterioração – geralmente uma espiral de caráter físico (má conservação
dos imóveis e do ambiente público), social (predominância de grupos sociais empobrecidos), fiscal (baixa arrecadação) e urbanístico (poucos investimentos públicos).
As praças centrais constituem o típico foco histórico de valorização,
substituídos pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de
amenidades (praias, parques) e, no urbanismo de fins do século XX,
pelas “novas centralidades”.
Os processos de valorização e desvalorização geralmente se desencadeiam a partir de “focos”. As praças centrais (governo, culto, mercado) constituem o típico foco histórico de valorização, substituídos na época moderna
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pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de amenidades (praias,
parques) e, no urbanismo de fins do século XX, pelas “novas centralidades”.
Numa cidade monocêntrica ideal, a tendência dos preços assumiria a forma
de um cone invertido centro-periferia-zona agrícola. Em cidades reais, multicêntricas, o “mapa de preços” tende a se apresentar como uma sucessão de
cones de diferentes alturas, parcialmente superpostos.
Processos de desvalorização podem ser desencadeados pela deterioração ambiental provocada por infra-estruturas de transporte, pelo espraiamento de uma favela próxima a um bairro de classe média e, muito importante, pela “obsolescência programada” intrínseca ao processo de criação
de novos desejos, característica da indústria de produtos imobiliários.
Dado que o preço da terra é estabelecido pela disposição da demanda
de pagar pelas melhores localizações e que esta é formada de um “pacote”
de vantagens objetivas e subjetivas, a valorização dos terrenos urbanos
apresenta uma clara tendência a se manifestar como agrupamento dos
usos mais valorizados em determinadas áreas urbanas, geralmente com
a forma de setores circulares formados a partir dos centros das cidades
(também chamados de “cones de valorização”).
Demanda sempre crescente e oferta sempre mais escassa, num ambiente de crescimento econômico sustentado, resulta em uma tendência
de valorização contínua do solo urbano. Essa tendência contém, no entanto, duas dimensões: estrutural e cíclica (BORRERO 2000). A dimensão
estrutural diz respeito ao comportamento dos preços do solo em face do
processo de urbanização – altas taxas iniciais de valorização real, até atingir um máximo, seguido de um período de queda até próximo de zero. O
ingresso de uma área no campo da valorização negativa pode ser detido
(ou não) por investimentos públicos e privados (reabilitação urbana), bem
como por medidas normativas que favoreçam usos mais rentáveis (renovação urbana). A dimensão cíclica diz respeito à flutuação de preços da
terra em face das conjunturas econômicas, mediada pelo comportamento
da indústria da construção civil. A tendência dos preços da terra num dado
lugar e momento aparecem, portanto, como a resultante de vetores estruturais (desenvolvimento/deterioração) e cíclicos (auge/recessão).
O cálculo do preço de um terreno
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A avaliação de imóveis constitui um campo especializado da engenharia. Cada um dos métodos existentes de avaliação dos preços dos terrenos
tem seu melhor campo ou circunstância de aplicação. Embora o mais difundido dentre eles seja o comparativo, baseado no tratamento estatístico
de dados empíricos de preços obtidos no campo, interessa-nos particularmente, para fins de nosso tema, o método residual dedutivo, porque sua
estrutura “espelha” o processo vivo pelo qual os empreendedores imobiliários estabelecem o máximo preço que se dispõem a pagar pelos terrenos urbanos. Enquanto o método comparativo extrai o padrão médio
dos preços já formados, o método residual expressa a própria mecânica da
geração dos preços do solo urbano.
Aula 02
Uma vantagem adicional do método residual para fins da discussão sobre o mercado e a formação dos preços é permitir a decomposição analítica das receitas, custos e ganhos envolvidos em um empreendimento imobiliário entre os três agentes privados que tipicamente dele participam – o
incorporador, o construtor e o proprietário do terreno (ainda que sejam, muitas
vezes, o mesmo agente) –, além do governo, que interfere na equação potencial do mercado com sua prerrogativa de definir os usos e quantidades
de bens imobiliários permitidos no lote e as obrigações que incidem sobre
o empreendimento – dotações de áreas para finalidades públicas, urbanização, potencial construtivo oneroso, etc. O residual é, portanto, o melhor
método para se calcular o valor das obrigações imputadas aos empreendimentos em benefício da coletividade.
O método residual dedutivo consiste em subtrair, do valor geral de
vendas (VGV) dos produtos imobiliários mais rentáveis que se podem alocar no terreno, o total das despesas necessárias para construí-los e vendêlos no mercado – incluindo as remunerações do construtor e do capital
incorporador. O resíduo dessa operação é o máximo preço que o incorporador se dispõe a pagar pelo terreno (fig. 5).
No “edifício” representado pela barra vertical da fig. 5, a receita oriunda
da venda dos “pavimentos” de cor cinza custeia a construção, os de cor preta
pagam o retorno do incorporador e os de cor laranja ficam para o proprietário do terreno. Mais comumente, o retorno do incorporador (Ri) e o valor
residual do terreno (Vr) se obtêm pela repartição do Retorno bruto (Rb) em
proporções que variam de 50-50 a 40-60, conforme as condições do mercado.
Essas proporções refletem a expectativa dos incorporadores quanto à taxa de
retorno do seu capital em condições de mercado já consolidadas. Em mercados menos estáveis e áreas hipervalorizadas, obtém-se o retorno do incorporador aplicando a taxa de retorno esperada sobre o VGV (relacionada à taxa
de retorno da economia), ficando o resíduo para a propriedade do solo.
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$
VGV
Valor Geral de Vendas
Custo da contrução
Despesas do
empreendimento
Publicidade e comercialização
Projeto e administração
Despesas financeiras
Rb
Retorno bruto
Remuneração do construtor
Retorno do incorporador
Valor residual do terreno
incorporador
Adquirentes potenciais
Produtos demandados
Legislação
Custos construção
Financiamento
Produto (cesta)
mais rentável
Empreendimento
Figura 5 e 6
Tenhamos em conta que o produto mais rentável – identificado na linguagem da economia urbana como maior e melhor uso – não é necessariamente aquele que gera a maior receita total (VGV), mas aquele no qual o
resultado da subtração valor geral de vendas menos preço de construção é máximo. Ou seja, dentre as diversas “cestas” de produtos (apartamentos de dois
e três quartos, por exemplo, de frente e de fundos, andar alto e andar baixo)
que a norma urbanística permite construir em um dado terreno, o incorporador deverá optar por aquela que lhe proporciona o maior retorno bruto, pois assim estará maximizando simultaneamente o lucro imobiliário e
o valor residual do terreno. Portanto, onde às vezes se diz “a terra vale pelo
que nela se pode construir”, o correto é ouvir “a terra vale por aquilo que
nela se pode construir e vender no mercado com o maior retorno possível”.
66
O dado crítico na montagem do empreendimento (fig. 6) é, pois, a
fixação do preço dos produtos (baseado no preço de venda do metro quadrado construído na localização em questão). Dado que ele contém a cota-parte do preço do solo, sua determinação supõe o conhecimento mais
perfeito possível, por um lado, dos preços vigentes na área (aplicação do
método comparativo) e, por outro, do interesse dos diversos segmentos
da demanda por aquela localização e suas respectivas capacidades de endividamento.
Aula 02
Há que considerar também que o valor residual é o preço mais provável,
não necessariamente o preço de transação do terreno. Se o empreendedor
tem informações sobre as aspirações da demanda que não são do conhecimento do proprietário do solo, poderá conseguir comprar o terreno por
um preço menor do que o valor que obterá como resíduo das vendas do seu
empreendimento, embolsando uma parte da renda (capitalizada como
preço) da terra. Sabedores do resultado desse primeiro empreendimento,
os proprietários dos lotes próximos tenderão a aumentar seus “preços de
oferta”, levando os preços de transação a um novo “patamar de equilíbrio”.
É essa instabilidade inerente ao processo de geração dos preços que o método
O negócio da terra costuma ser tão lucrativo que
comparativo de avaliação busca contormuitos empresários-construtores o convertem no
nar, por meio do tratamento estatístico
objeto principal de sua atividade.
dos dados da pesquisa empírica dos terrenos já transacionados no mercado ao
longo de um período de tempo.
i
O empreendimento, a legislação e o
preço provável do terreno
Para ilustrar a relação entre a quantidade de produto imobiliário construído, a norma urbanística e o valor residual do terreno, propomos um
diagrama focado na variação do retorno bruto (também chamado margem operacional) em função do coeficiente de aproveitamento do terreno
(quantidade construída).
Para a cesta de produtos mais rentáveis (“melhor uso” permitido pela
norma) e considerando-se como essencialmente linear a variação do VGV,
do retorno bruto e do valor residual em relação ao coeficiente de aproveitamento (construção em altura), a quantidade ótima a ser produzida no terreno
(do ponto de vista do incorporador e do proprietário) é aquela que maximiza
67
i
Na prática, a curva de retorno bruto da construção
em altura assume a forma de uma “escada”, dado
que o coeficiente de aproveitamento do terreno se
materializa em “plantas-tipo” construídas. Além
disso, o Custo Unitário da Construção civil (CUB)
muda ao atingir certos patamares de construção em
altura. Como recurso analítico, porém, constitui
uma simplificação válida, e útil, tomá-la como linear
em relação à variação da edificabilidade.
o retorno bruto. Acima dessa quantidade,
tendem a se manifestar os efeitos combinados do aumento dos custos de construção, da redução da área de vendas e da
queda do preço que paga a demanda pelo
metro quadrado construído (devido à percepção de menor qualidade do produto –
menos espaços comuns, maior densidade,
menor “exclusividade”, etc.).
Este ótimo do proprietário do terreno e do incorporador não é, porém, necessariamente, o ótimo da sociedade, que estabelece, por meio da
Lei de Uso e Ocupação do Solo, um coeficiente máximo legal de aproveitamento do terreno, tendo em vista a proteção das qualidades do ambiente
urbano, a mais importante delas a capacidade das infra-estruturas. Conseqüentemente, o empreendedor não poderá produzir toda a quantidade que lhe compraria a demanda. O efeito da norma urbanística sobre o
valor residual do terreno é, neste caso particular, impedir que ele atinja o
máximo valor gerado pela competição entre os potenciais compradores
daquele produto, naquela localização (fig. 7). A diferença no preço final
provável do terreno está expressa, no diagrama, por (d).
Efeito do máximo coeficiente de aproveitamento
legal sobre o retorno bruto e o valor do terreno
$
PGV
Retorno bruto (Rb) =
Receita (PGV) - Despesas (Dp)
Dp
Ri
d
VR
CA máx legal CA + máx rentável
CA
Figura 7
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Efeito da Outorga Onerosa do Direito de Consumir
sobre o preço de transação do terreno e a remuneração
do incorporador
PGV
$
A OODC não encarece o
produto porque este já é
o mais rentável possível
para aquela localização
Aula 02
Retorno bruto (Rb) =
Receita (PGV) - Despesas (Dp)
Dp
RB Produto P1
Ri
CA + rentável
OODC
Vr Líq.
Vr "liquido" = Preço de transação
CBás
CMáx
CA
Figura 8
Duas importantes noções podem se deduzidas das figuras 7 e 8. A primeira é que as normas reguladoras da edificabilidade dos terrenos urbanos não têm efeito sobre os preços do solo para coeficientes de aproveitamento situados além do coeficiente ótimo dos empreendimentos mais
rentáveis. Ou seja, em nada afetam os preços do solo as normas que concedem
coeficientes de aproveitamento de terreno maiores do que aqueles que o mercado
está interessado em comprar, nas condições em que o empreendedor está
interessado em construir e vender (rentabilidade mínima).
A segunda é que a imposição de obrigações à maior edificabilidade (como a
Outorga Onerosa do Direito de Construir – OODC – e a dotação obrigatória de equipamentos públicos) não pode afetar o preço do produto imobiliário pela simples razão de que ele já é, como vimos, o máximo que a demanda está disposta a pagar naquela localização. Lembremo-nos de que a
curva de retorno bruto da figura corresponde ao produto mais rentável que
o empreendedor pode realizar no mercado. Não podendo transferir ao
preço dos produtos imobiliários as obrigações que lhes são imputadas pela
coletividade (assim como o IPTU não pode ser “repassado” ao aluguel,
embora aparente sê-lo), resta-lhe fazê-los recair sobre o agente passivo da
operação, ou seja, o proprietário do solo (fig. 8).
69
Imaginemos que um proprietário e um empreendedor cheguem, cada
um pela via de seu próprio estudo de mercado, à conclusão de que um terreno alcança um valor residual de 500 mil. O empreendedor sabe, porém,
que, pelo Plano Diretor recém aprovado, parte da edificabilidade necessária para obter o valor residual de 500 mil terá de ser adquirida à prefeitura,
como Outorga Onerosa do Direito de Construir, pelo preço de 100 mil.
Quanto pagaria, pois, esse empreendedor pelo terreno? Obviamente, um
máximo de 400 mil. Quanto pagariam os demais empreendedores por terrenos vizinhos nas mesmas condições? Qual o valor de mercado provável
desses terrenos depois de instituída e consolidada a Outorga Onerosa?
A figura 8 ilustra o efeito da imposição de obrigações urbanísticas ao
empreendimento. A Outorga Onerosa do Direito de Construir (na figura,
cobrada integralmente pela diferença entre os coeficientes básico – Cb – e
máximo –Cm) subtrai do valor residual uma parcela que será destinada a
projetos de urbanização social via Fundos Municipais de Desenvolvimento
Urbano. Todo acréscimo de valor residual proporcionado pelo aumento de
edificabilidade acima do coeficiente básico (Cb) é transferido à coletividade.
Uma conclusão importante a ser sacada desta seção é: todo gasto do
incorporador que contribua para “sustentar” o preço de venda do incorporador que leva ao máximo retorno bruto é investimento. Todo gasto do
incorporador em obras públicas que não sirvam para fazer subir mais que
proporcionalmente a oferta de preço por metro quadrado construído constitui obrigação urbanística. Uma maneira típica do empreendedor “rentabilizar” uma obrigação urbanística é remodelar um parque público ao redor do
empreendimento e “vendê-lo” como vantagem de localização do produto.
Aplicação do método residual à
urbanização de uma gleba
Discutiremos aqui a concretização do preço do solo na produção de
lotes urbanizados em um ambiente estritamente formal com base no mesmo método utilizado para a construção em altura – o residual dedutivo de
avaliação – com foco no conceito de retorno bruto. A finalidade dessa abordagem é estabelecer com a maior clareza possível a natureza residual do
preço do solo, qualquer que seja o tipo de empreendimento imobiliário.
70
O preço máximo que o urbanizador pagará pela gleba é o resíduo do
valor geral de vendas (VGV) depois de descontadas as despesas totais de
urbanização e o retorno do seu capital.
Aula 02
De modo análogo ao que sucede na construção em altura, o produto de
um projeto de urbanização consiste em um lote “médio” representativo de
uma cesta de diferentes tamanhos e localizações dentro da gleba, servido
por uma urbanização de certo padrão. Há que se considerar, no entanto,
uma importante particularidade: dado que a terra é irreproduzível a cada
quantidade a ser produzida (número de subdivisões da gleba) corresponde,
para um mesmo padrão de urbanização, um produto diferente a ser valorado pela demanda – e um preço final de metro quadrado de terreno.
Também aqui utilizamos, para fins analítico-didáticos, uma simplificação quanto à variação de custos em relação à quantidade de lotes, que
admitimos como estritamente linear.
Essa quantidade de produto aparece aqui expressa como quantidade
de lotes. A uma dada quantidade de lotes-padrão corresponderá, portanto, o lote mínimo estabelecido pela norma.
Como expresso na figura 9, o urbanizador deverá optar pelo produto
padrão de urbanização + tamanho de lote (P1L1) que maximize o retorno
bruto, no marco das normas urbanísticas que estabelecem o padrão mínimo de urbanização e o tamanho mínimo do lote (opção A). No diagrama,
o lote mínimo legal (Lmín) impede que o urbanizador realize o máximo
potencial de mercado da gleba (opção B), assim determinando o valor residual Vr < Vr ótimo, sendo Vr o preço mais provável da transação.
Do parcelamento formal ao informal
Sem pretender minimizar a complexidade do mercado informal de
solo, usaremos, finalmente, o esquema residual para ilustrar a passagem
de um projeto de parcelamento do mercado formal ao informal.
No projeto de urbanização representado na figura 9, opção A, o urbanizador e o proprietário dividiriam entre si o retorno bruto da venda do
produto mais rentável permitido pela norma.
Suponhamos, no entanto, que o proprietário deste terreno tenha sido
procurado por um urbanizador oportunista, dizendo-se intermediário de
uma demanda D2 que, por desinformação ou simples premência, estaria
71
disposta a pagar o mesmo preço por lotes de tamanho inferior ao permitido pela norma (ou seja, um preço mais caro por metro quadrado de solo).
Assim se configuraria um empreendimento com um produto P1L2 (mesmo padrão de urbanização e lote menor que o mínimo legal), gerando um
valor residual da gleba Vr2 > Vr (fig. 9, B).
O proprietário, neste caso, conclui que o aumento do preço da gleba
não compensa o risco de se envolver num empreendimento irregular.
Formação do valor residual do termo em
loteamento formal/informal
Mercado formal
Mercado informal
$
VGV
P2L3
Despezas de
urbanbanização
Ru3
Ru2
Retorno Bruto =
VGV - Dp urb
demanda
D3
D2
P1L2
D1
P1L1
Retorno
urbanizador
Vr gleba
Vr
A
Vr2
B
Vr3
C
L min L ótimo P1 L ótimo P2
1 10 20 30 40 50 60 70...
Q
Legenda figura 9a ,9b e 9c
Para deter o crescimento do mercado informal, é preciso ou uma redução significativa do preço da terra urbanizada ou um aumento mais que
proporcional dos rendimentos das camadas mais pobres da população.
72
O urbanizador pirata informa, então, que também é intermediário de
uma demanda D3 – ainda mais premida pela necessidade – que, convencida
de que o governo executará em breve um grande programa de urbanização
de assentamentos irregulares, se dispõe a pagar um preço algo mais baixo
por lotes bem menores do que o mínimo legal (provavelmente um metro
quadrado ainda mais caro, portanto) e um padrão de urbanização bastante
inferior ao estabelecido pela norma – e sem cumprimento das obrigações
legais de doação de terrenos para escola e posto de saúde. Assim se configuraria um empreendimento com um produto P2L3 (padrão muito inferior,
lote menor que o legal e sem cumprir obrigações), gerando, apesar da redução do valor geral de vendas, um valor residual da gleba Vr3 >>> Vr, sendo
este o máximo que o urbanizador pirata pode oferecer (fig. 9, C)
O proprietário, neste caso, calcula que o aumento do preço da gleba
mais que compensa o risco do empreendimento e fecha o negócio. O loteador pirata embolsa o seu retorno (Ru3) e o proprietário o seu preço
(Vr3), ambos consideravelmente aumentados. Embora muitos compradores venham a se tornar inadimplentes, a estratégia de vendas de altas
prestações iniciais assegura a manutenção do negócio dentro da margem
de risco calculada.
Aula 02
Aos compradores, resta esperar que o governo execute as obras prometidas. Ao governo, resta pagar a conta do prejuízo anunciado – a valorização a ser gerada pelas obras já foi embolsada, por antecipação, pelo
proprietário da gleba. Fica a sugestão de que, para deter o crescimento
do mercado informal, é preciso ou uma redução significativa do preço da
terra urbanizada ou um aumento mais que proporcional dos rendimentos
das camadas mais pobres da população.
Na próxima aula, você conhecerá uma série de instrumentos urbanísticos, tributários, financeiros, jurídicos e políticos para que a sociedade possa recuperar a valorização da terra produzida por investimentos ou ações do poder público ou da coletividade.
73
Bibliografia
ABRAMO, Pedro. Mercado e Ordem Urbana – do caos à teoria da localização. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil/Faperj, 2001
BORRERO, Oscar. “Formación de precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2000.
FURTADO, Fernanda. “Curso Instrumentos Fiscais e de Regulação do Espaço Urbano” (Apresentação). Ministério das Cidades/ CEF/ Lincoln Institute of Land Policy, Jaboatão dos Guararapes e Brasília, maio de 2006.
JORGENSEN, Pedro. “Contribución al estudio de la Outorga Onerosa do
Direito de Construir (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálculo”. Lincoln Institute of Land Policy, Curso Profundización en Políticas de
Suelo en América Latina Fev-Mai 2007 – Ciudad de Panama.
MORALES SCHECHINGER, Carlos. “Algunas reflexiones sobre el financiamiento de las ciudades con suelo urbano”. Lincoln Institute of Land
Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2007
SMOLKA, Martin. “Determinación de los precios – de Von Thünen a Alonso y
más allá” (Apresentação). Lincoln Institute of Land Policy, Outubro de 2006.
74
Nesta aula, você aprofundará o conhecimento sobre o Estatuto da
Cidade e particularmente de seus instrumentos, para recuperar,
para toda a sociedade, a valorização imobiliária obtida, de forma
privada, resultante de obras e outras ações do poder público, como
as mudanças de usos e dos indíces de ocupação dos imóveis.
Após a promulgação do Estatuto, passou a ser dever do Estado promover a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização e
reduzir as desigualdades e equalizar as oportunidades nas cidades.
O Estatuto lista uma série de instrumentos urbanísticos, tributários, financeiros, jurídicos e políticos para realizar as funções sociais
da cidade e da propriedade urbana. Nesta aula, serão tratados os
seguintes instrumentos tributários e urbanísticos: o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), a Outorga Onerosa do Direito de
Construir e de Alteração de Uso, a Operação Urbana Consorciada,
a Contribuição de Melhoria e os incentivos fiscais e financeiros.

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