Programa de Jorge Sampaio traz mais 40 estudantes em

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Programa de Jorge Sampaio traz mais 40 estudantes em
ID: 61142322
27-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 14
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,32 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
REFUGIADOS
Programa de Jorge
Sampaio traz mais
40 estudantes
em fuga da Síria
Plataforma do ex-Presidente associa-se ao Estado para integrar
futuros alunos do superior que cheguem a Portugal como
refugiados vindos da Grécia e Itália. Entretanto, tenta que
os “seus sírios” possam trazer as famílias, antes que seja tarde
Sofia Lorena
M
ais 40 bolseiros sírios
chegam este domingo a
Portugal para concluir
estudos superiores. Dois
terços vêm directamente
da Síria, quase todos
chegam para continuar mestrados
interrompidos pela violência, três
vão fazer doutoramentos, não há
caloiros. Para a Plataforma Global
de Assistência a Estudantes Sírios,
lançada por Jorge Sampaio em 2013,
isto significa “um grande esforço”
e um “significativo aumento” do
número de estudantes sírios nas
universidades portuguesas. Até
agora, eram 63.
“É sempre uma ínfima parte
de um mar de necessidades”, diz
Helena Barroco, assessora do exPresidente, o mesmo que em Julho
recebeu, na sua primeira edição, o
Prémio Nelson Mandela, atribuído
pelas Nações Unidas. Contudo, os
apoios ainda são poucos e chegam
a conta-gotas para responder a uma
tragédia que já ninguém pode fingir que desconhece. O conjunto de
desgraças sírias provocou a maior
crise de refugiados de que há registo e, como se temia, a tragédia (com
mais de 11 milhões de refugiados e
deslocados internos) transbordou
da região para os mares em redor
da Europa e para dentro das fronteiras europeias.
O aumento em mais de 50% do
número de estudantes (há mais raparigas do que nos grupos anteriores) em Portugal só foi possível por
causa de novos parceiros; alguns
particulares, mais a Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa (dez jovens,
dez bolsas), o Banco Santander (cinco bolsas), duas da FLAD (Fundação Luso-Americana), outras duas
tornadas possíveis pela Rede Aga
Khan para o Desenvolvimento.
Já em Outubro, deverá chegar um
segundo grupo, mais pequeno, de
jovens quase médicos. Até agora,
a burocracia e a natureza do programa tornava complicada a vinda
de estudantes de Medicina. Havia
apenas uma, Hala, de 32 anos, a ter-
minar Ginecologia em Santa Maria;
fugiu da Síria antes dos exames finais e dois países árabes recusaram
admiti-la nas suas universidades —
“Esta bolsa foi um milagre”.
Batalhas a travar
Este novo grupo vai obrigar a “uma
angariação de fundos especial” e a
um esforço extra em cima de todos
os esforços extras. “Mas é uma batalha que vale a pena travar”, diz Helena Barrocos. Mesmo sem a confirmação da chegada deste “grupinho
de futuros médicos” (a ideia é que
façam estudos intensivos de português e que iniciem o que lhes falta
de Medicina no segundo semestre
deste ano lectivo, “os últimos anos
são muito práticos e a língua é fundamental), quase fechada, o número de alunos apoiados pela plataforma dentro e fora de Portugal chega
assim aos 140 — a organização apoia
bolseiros no Líbano e no Curdistão
iraquiano.
A mesma plataforma, que luta
contra a escassez de apoios, já se
disponibilizou junto do Estado para
“receber e tratar de todos os potenciais alunos do ensino superior que
integrem as famílias de refugiados
que Portugal deve acolher” nos próximos meses (o que só é possível
porque haverá fundos específicos
para esta empreitada). “Temos os
mecanismos oleados e é a melhor
maneira de contribuirmos”, diz Helena Barroco, numa conversa a poucas horas de embarcar para Beirute,
onde aterraria, pela terceira vez,
para trazer estudantes sírios.
Súplicas e donativos
A plataforma de Sampaio é, assim,
uma das dezenas de organizações
que integram a Plataforma de Apoio
aos Refugiados, formada para coordenar o acolhimento e a acompanhamento dos refugiados que virão
da Grécia e da Itália, espera-se que
nos próximos meses.
O site da Plataforma de Assistência a Estudantes Sírios já permite
candidaturas espontâneas, “que
afluem todos os dias”, a que se juntam pedidos de informação e “algumas súplicas de estudantes”. Na
mesma página também já é possível
fazer donativos directamente.
Demorou um bocadinho, as prioridades têm sido outras: assegurar,
— com parceiros internacionais de
peso, as portas que Sampaio abre
junto das autoridades, mas pouquíssimos apoios financeiros e o trabalho de voluntários (todo o dinheiro
vai para bolsas) — a integração e o
quotidiano de dezenas de jovens
Jorge Sampaio
lançou a
Plataforma
Global de
Assistência a
Estudantes Sírios
em 2013
espalhados da Guarda a Faro, por
exemplo. Agora também há mais
duas instituições académicas, a Universidade Europeia e o Politécnico
de Tomar, a juntarem-se às dezenas
que já recebiam estudantes.
Quem conhece estes bolseiros e
o que eles passaram para cá chegar
— tanto que muitos não acredita-
ID: 61142322
27-09-2015
Tiragem: 35268
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Área: 25,70 x 31,00 cm²
Âmbito: Informação Geral
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HEINZ-PETER BADER/REUTERS
Migrantes a
atravessarem
ontem a
fronteira da
Hungria com
a Áustria, em
Hegyeshalom,
em direcção à
Europa
É preciso pensar no dia seguinte e
nenhum vai ficar sozinho, entregue
à sua sorte. A ideia da plataforma
é que, entre os 4500 e 5000 refugiados que o Governo se disponibilizou para receber, não seja muito
difícil reunificar algumas das famílias destes jovens, espalhadas pelo
mundo ou ainda na Síria. Já houve
muitos contactos. À partida, é uma
questão “processual, não será um
problema”.
Protecção subsidiária
ram quando o C-130 da Força Aérea
Portuguesa foi buscar o primeiro
grupo, em Março do ano passado,
achavam que estavam a ser raptados ou recrutados à força para a
CIA — sabe que nem que fossem 13
em vez dos 103 que passarão agora
a estar por cá já valeria a pena. O
problema é que a situação não pára
de piorar. Em Outubro, houve um
aluno que veio de Alepo: a família
ficou lá. Ele nunca chegou a sair
até viajar para Lisboa e depois para Coimbra. Viviam entre as linhas
da frente da maior cidade da Síria.
Tímido e assustado quando chegou,
integrou-se bem e hoje tem óptimas
notas na faculdade.
Ofertas de trabalho
A maioria destes estudantes tem
um aproveitamento acima da média, todos estagiaram nas suas áreas
durante o Verão (o mesmo já acontecera o ano passado, com os do
primeiro grupo) e vários receberam
ofertas de trabalho. “É muito bom,
mostra que eles têm valências que
fazem sentido para as empresas e
que vamos nesse caminho, mais de
longo prazo”, afirma Helena Barroco.
Mostra também que a plataforma
é um sucesso e o que Sampaio e
Barroco têm trabalhado para fazer
dela: um mecanismo global permanente de resposta a situações de crise; não havia nada para alunos do
superior.
Esta segunda-feira, ambos desembarcam mais uma vez em Nova
Iorque para reuniões à margem da
Assembleia Geral das Nações Unidas e da Iniciativa Clinton (parceiro do programa há vários anos nos
Estados Unidos) e a ideia é precisamente insistir nesse objectivo. “O
momento é bom, as pessoas estão
suficientemente sensibilizadas, e o
ensino superior é suficientemente
autónomo para que isto faça sentido, tem a ver com o espírito da academia, também, receber estudantes
ou professores em risco.”
Dos 63 estudantes que já estão
em Portugal, muitos acabam os estudos daqui a nada. Alguns vão defender as teses até ao final de 2015.
103
Estudantes que a plataforma
lançada por Jorge Sampaio
passará a receber em Portugal
11 milhões
Refugiados e deslocados
internos sírios desde 2011
4500
a 5000 é o número de
refugiados que Portugal diz
estar disposto a acolher
“O que é certo é que, com os estudos acabados, eles têm de mudar de estatuto. A maior parte não
quer pedir estatuto de refugiado”,
ao qual teriam naturalmente direito. Mas “encaixam pelo menos no
direito ao estatuto de protecção
subsidiária”. À plataforma caberá continuar a apoiá-los “numa
espécie de regime de transição”.
Quando eles tiverem condições de
subsistência, poderão avançar, sozinhos ou com ajuda, para o processo
de tentar trazer os seus familiares.
Isso se o desejarem — alguns têm
toda a família no Médio Oriente e
outros com um dos pais na Suíça,
por exemplo.
O problema de fundo que a plataforma enfrenta é o problema de
fundo que a Europa vive: inércia,
burocracia, negação, tudo o que
impediu os líderes europeus, na
iminência da chegada destas vagas de refugiados, de garantir que
chegavam vivas, sem morrer afogadas, esmagadas, ao frio, espancadas, atropeladas, sem serem atingidas por polícias ou jornalistas,
sem serem obrigadas a entrar em
comboios e logo a seguir enganadas
para os abandonarem e irem parar
a campos.
“A situação lá está a piorar de dia
para dia, e, para alguns, quando os
pudermos acolher, pode já ser tarde. Nós não conseguimos assegurar a subsistência das famílias. Se
tivéssemos essa capacidade, seria
mais fácil assumirmos a responsabilidade. Mas não temos”, afirma
Helena Barroco. Ponto final.
Ameer Shihabi é sírio, filho de
palestinianos, nascido por acaso
na Argélia, e chegou a Lisboa no
primeiro dia de Março de 2014,
com 25 anos. Falou com o PÚBLICO pouco depois, em Junho. Ameer
tem a família espalhada pela Síria,
por um país vizinho e pelo Norte
da Europa. Há uns meses, a mãe
de Ameer chegou a Portugal. Ele
continua a viver na Estefânia, com
outros estudantes; ela vive numa
residência no Restelo. “A pressão,
tanta pressão...”, dizia há tempos,
a propósito da chegada da mãe.
Ameer aguenta a pressão, estuda
no IADE (Instituto de Artes Visuais,
Design e Marketing) e é muito bom
aluno, apesar das dificuldades que
enfrentou no início.
Ameer e a mãe
Em Damasco, estudara Costura e
Design de Moda e abriu uma loja,
produzindo até fardas escolares
encomendadas pela ONU. Depois,
Março de 2011, a revolução, o regime a matar sírios, os sírios a matarem sírios, depois os estrangeiros,
que ainda matam melhor. Ameer
sabia que não queria pegar em armas e que, por isso, na sua idade, tinha de fugir. Foi para o Líbano, que
muitos destes bolseiros descrevem
como a mais dura das experiências
que tiveram depois de darem o salto. Ameer estava quase a desistir e
a voltar a casa quando recebeu o
e-mail a pedir-lhe que confirmasse a disponibilidade para vir para
Portugal. “Estás pronto a partir?”,
perguntavam-lhe. Foi daqueles que
não acreditaram. A mãe chorava e
chorava e dizia: “Vais ser como eu”.
Ela é arquitecta.
O jovem esguio e de sorriso doce
teve de estudar muito, desenhar,
desenhar, dez desenhos enquanto
os colegas acabam à segunda tentativa. Aulas em inglês ajudaram,
aquela que era em português ajudou o professor. O mais difícil: habituar-se à tranquilidade, ao silêncio,
às lojas que cumprem horários e às
ruas onde não se vende tudo em
todo o lado. Sim, quem conhece
Damasco percebe. Ameer perdeu
muita gente na Síria, como todos
os sírios, e não queria que os pais
o perdessem; por isso, veio. Agora, a mãe está cá. Para eles, não foi
tarde.
Ameer fica muito bem no fato
completo, gravata vermelha, que
usou há dias. Este domingo lá deverá estar de jeans e T-shirt para receber o novo grupo de 40 bolseiros;
quando os segundos aterraram, esteve lá, no Hotel Sana Metropolitan,
que oferece uma pequena recepção
antes de cada estudante se pôr a
caminho, em diferentes carrinhas
e autocarros, conforme o destino
final. Quando os novos estudantes
virem o sorriso doce de Ameer (ou
de Hala, ou de tantos outros e outras), vão acreditar um bocadinho
mais que estão longe de tudo mas
em casa e que, sim, às tantas, vai
mesmo correr tudo bem.
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Programa de Jorge
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integrar alunos do superior
que cheguem a Portugal
como refugiados vindos da
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