Selecção de Plantas Aquáticas com potencial para Fitofiltração de

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Selecção de Plantas Aquáticas com potencial para Fitofiltração de
Livro de
actas do
XI Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente
Certificação Ambiental e Responsabilização Social nas Organizações
20 e 21 de Maio de 2011
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Campo Grande, 376
Lisboa
Organização
20 e 21 de Maio de 2011
ULHT, Lisboa
Paulo J. C. Favas1; João M. S. Pratas2
1
Escola de Ciências da Vida e do Ambiente
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Apartado 1013, 5001-801 Vila Real; Tel.: 259350220
2
Departamento de Ciências da Terra
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Universidade de Coimbra
3
Email: [email protected]
Artigo apresentado no XI CNEA – Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente, subordinado ao tema
“Certificação Ambiental e Responsabilização Social nas Organizações”, que decorreu na Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologia (Lisboa), nos dias 20 e 21 de Maio de 2011.
Citar como:
Favas, P. e Pratas, J. (2011). Selecção de Plantas Aquáticas com potencial para Fitofiltração de Águas
Contaminadas com Urânio. XI CNEA – Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente. Lisboa.
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Favas, P. & Pratas, J.
SUMÁRIO
O presente trabalho engloba-se num estudo mais vasto, que se encontra em desenvolvimento na província
uranífera das Beiras, e constitui uma descrição geral dos resultados obtidos em espécies aquáticas que
constituem potenciais candidatas a bioindicação de contaminações e a técnicas de fitorremediação de
efluentes derivados de minas de urânio. Verificou-se que as espécies Callitriche stagnalis, Potamogeton
natans, Potamogeton pectinatus e Lemna minor acumulam maiores quantidades de urânio (42 a 1948 mg/kg).
A espécie C. stagnalis revela um grande potencial para aplicação em fitorremediação de efluentes
contaminados.
PALAVRAS-CHAVE: Biogeoquímica, bioacumulação, bioindicação, fitorremediação.
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INTRODUÇÃO
Com este trabalho pretende-se contribuir para a avaliação do potencial de utilização da vegetação aquática,
endémica de áreas uraníferas, na bioindicação de contaminações de urânio (U) e/ou na fitorremediação de
águas contaminadas com este metal. Assim, analisaram-se 71 espécies de plantas aquáticas de uma vasta
área, correspondente à região uranífera das Beiras, seleccionando-se as mais representativas, cujos
resultados se apresentam nesta comunicação.
ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO
A área estudada insere-se na província uranífera das Beiras. Esta região situa-se na parte central de
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Portugal, ocupando uma área de cerca de 10 000 km e pertence à zona geotectónica Centro Ibérica. Nela
ocorrem extensivamente os granitos hercínicos com diversas fases, intruindo as formações do Super Grupo
Dúrico-Beirão, sobre as quais assentam, de forma discordante, as formações epicontinentais do Ordovícico –
Silúrico (Ponte & Pereira, 1991). Referem-se ainda nesta região, retalhos da cobertura terrígena arcósica
terciária.
Os jazigos uraníferos localizam-se nos granitos hercínicos, nos encraves de metassedimentos e nas orlas de
metamorfismo de contacto, sendo que as ocorrências de U definem um arco que se dispões como que
bordejando o extremo NE do horst da Serra da Estrela (fig.1). A província uranífera portuguesa é constituída,
fundamentalmente, por jazigos de tipo filoniano e disseminados, sendo estes últimos normalmente
perigraníticos. Os principais minerais uraníferos presentes nestes jazigos são a pechblenda, autunite,
torbernite, uranocircite e subugalite (Ferreira, 1971). Grande parte destes jazigos foram objecto de
exploração tendo sido privilegiado o processo de lixiviação como principal método de beneficiação do
minério, fundamentalmente na fase final de laboração.
Figura 1 – Localização geográfica da província uranífera das Beiras e enquadramento dos depósitos de urânio relativamente aos
granitos hercínicos (adaptado de Paulo & Pratas, 2008).
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METODOLOGIA
Atendendo aos resultados obtidos num estudo prévio, conduzido na região de Tábua, Nelas e Oliveira do
Hospital (PRATAS et al., 2011), resolveu realizar-se a amostragem em praticamente toda a área da província
uranífera, particularmente na proximidade dos locais de descarga de efluentes mineiros. Os pontos de
amostragem foram estabelecidos em cursos de água, nos locais onde foi possível observar a ocorrência de
espécies aquáticas. Nestes locais foram colhidas tanto amostras de água como de plantas aquáticas
flutuantes ou enraizadas. Toda a amostragem foi concluída num mês, num total de 185 locais, tendo sido
identificadas 71 espécies, pertencentes a 41 famílias diferentes.
O pré-tratamento das amostras e as análises químicas efectuaram-se no Laboratório Químico do
Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra. As águas foram filtradas e acidificadas
para a análise de U. As plantas foram lavadas primeiro em água corrente e depois em água destilada para
remover qualquer resíduo de solo ou outras impurezas e, posteriormente, secas em estufa a 60 ºC e moídas
para análise química. Para a determinação da concentração de U presente nas águas e nas plantas
recorreu-se ao fluorímetro (Fluorat-02-2M) fabricado pela Lumex. As águas foram analisadas de acordo com
a análise fluorimétrica padrão e certificada pela água de referência TMDA-62 do “National Water Research
Institute of Canada”. A metodologia adoptada para a determinação de U em plantas baseia-se no método
desenvolvido por Huffman & Riley (1970) e Van Loon & Barefoot (1989) e o controlo de qualidade dos
resultados analíticos obtidos foi assegurado pela análise de material de referência (Virginia tobacco leaves –
reference CTA-VTL-2, Polish certified reference material).
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RESULTADOS
Nas tabelas 1 e 2 apresenta-se, respectivamente, um sumário dos resultados analíticos das amostras de
águas e das amostras de plantas mais representativas da área estudada. Os resultados obtidos nos 185
pontos de amostragem mostram que o U é detectado nas águas superficiais num amplo intervalo de
variação, entre 0,23 – 1220 µg/L. O valor de fundo hidroquímico regional, determinado por Análise em
Componentes Principais (ACP), é 1,8 µg/L. Na maioria dos locais amostrados, a concentração de U
encontra-se abaixo deste valor. Nas linhas de água directamente receptoras das drenagens mineiras,
verifica-se uma concentração média de U de 139,4 µg/L. As amostras com as concentrações mais elevadas
correspondem a locais situados na vizinhança da Cunha Baixa e da Urgeiriça.
U (µg/L)
Média
Desvio
Máximo
Mínimo
Padrão
Linhas de água fora da
influência das minas (n = 170)
Linhas de água sob influência
das drenagens mineiras (n = 15)
1,76
1,31
9,39
0,23
139,4
311,66
1220,4
11,32
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Tabela 1 – Concentrações de urânio (µg/L ) nas amostras de águas (n = 185).
U (mg/kg)
Espécie
n
Média
D. padrão
Máximo
Callitriche stagnalis Scop.
31
34,51
196,32
Callitriche brutia Petagna
43
4,03
3,28
14,56
0,97
Callitriche hamulata Koch
26
2,67
1,43
6,35
0,28
Callitriche lusitanica Schotsman
21
4,56
11,28
52,23
0,23
Ranunculus trichophyllus Chaix
64
4,95
9,29
65,82
0,54
Ranunculus peltatus L.
5
5,11
6,03
15,11
0,76
1948,4
1
Mínimo
0,01
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Ranunculus penicilatus
3
1,71
1,41
3,13
0,31
Ranunculus tripartitus DC.
6
1,45
1,42
3,73
0,16
Potamogeton natans L.
11
15,33
33,60
94,50
0,17
Potamogeton pusillus L.
8
1,02
0,71
2,64
0,43
Potamogeton pectinatus L.
2
194,81
240,46
364,84
24,77
Lemna minor L.
92
2,71
5,05
42,46
0,08
Lemna minuta Kunth
6
2,03
0,86
3,23
0,85
Spirodella polyrizha L.
5
4,10
3,20
9,65
1,81
Apium nodiflorum (L.) Lag.
31
4,17
7,09
31,61
0,20
Oenanthe crocata L.
20
2,24
7,78
35,15
0,00
Typha latifolia L.
14
Folhas
1,74
2,97
9,51
0,08
Rizomas/raízes
107,37
115,30
268,69
9,42
Folhas
10,38
29,77
99,93
0,04
Rizomas/raízes
38,02
51,37
132,26
0,54
(Durmot.) Bab.
Juncus effusus L.
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Tabela 2 – Concentrações de urânio (mg/kg peso seco) nas amostras das plantas aquáticas mais frequentes da área estudada.
Quanto às plantas, os resultados revelam que o U é fortemente acumulado em algumas espécies. As
concentrações mais elevadas foram encontradas nas espécies submersas Callitriche stagnalis (1948 mg/kg),
Potamogeton natans (94,50 mg/kg), Potamogeton pectinatus (364,84 mg/kg) e na espécie flutuante Lemna
minor (42,46 mg/kg). Em contraste, as determinações feitas em plantas emersas, como Apium nodiflorum,
Oenanthe crocata, Typha latifolia e Juncus effusus, são significativamente mais baixas, quando comparadas
com as espécies referidas anteriormente, mesmo tendo em consideração as raízes. Os resultados mostram
que diversas espécies exibem elevadas concentrações de U em contraste com as concentrações verificadas
nas águas. Assim, é possível sugerir a utilização destas espécies como bioindicadoras de contaminações de
U ou na fitorremediação de locais poluídos.
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Das espécies observadas, sugere-se como potencial candidata a utilização em metodologias de bioindicação
de contaminações de U a C. stagnalis e o A. nodiflorum. Ambas as espécies parecem funcionar como
excelentes indicadores de poluição, porque toleram um espectro alargado de concentrações de U e
apresentam correlações positivas muito significativas com as concentrações deste elemento nas águas. A
primeira espécie permite um bom enraizamento, quer em águas correntes quer em poços, enquanto a
segunda poderá ser mais indicada para zonas marginais. Em ambas as espécies a produção de biomassa é
relativamente elevada. Este facto, associado à capacidade de bioacumulação, confere à C. stagnalis um
elevado potencial para utilização em estratégias de fitorremediação.
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CONCLUSÕES
Das espécies mais representativas, C. stagnalis, P. natans, P. pectinatus e L. minor acumulam elevadas
quantidades de U comparativamente às concentrações existentes nas águas envolventes. Relativamente às
espécies C. stagnalis e A. nodiflorum, entre outras características, verificam-se coeficientes de correlação
muito significativos entre as concentrações de U bioacumuladas e as respectivas concentrações nas águas,
pelo que podem ser adequadas para utilização em metodologias de bioindicação de contaminações deste
metal. Adicionalmente, a espécie C. stagnalis revela uma significativa produção de biomassa e é de fácil
crescimento em condições naturais, pelo que esta espécie apresenta um grande potencial para aplicação em
fitorremediação. Outras espécies com grande capacidade de acumulação de U, como é o caso de P. natans,
P. pectinatus e L. minor, talvez também possam ser utilizadas em processos biológicos de descontaminação
de efluentes, quer em sistemas de monoculturas quer em sistemas combinados com C. stagnalis.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Portugal. I Congresso Hispano-Luso-Americano de Geologia Económica, Lisboa, 81 p.
HUFFMAN, JR. C. & RILEY, L.B. (1970) – The fluorimetric method – Its use and precision for determination of
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PAULO, C. & PRATAS, J. (2008) – Environmental contamination control of water drainage from uranium
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Consequences in Ecosystems and Human Health, John Wiley & Sons, Inc., pp. 623-651.
PONTE, M.J.B. & PEREIRA, L.C.G. (1991) – Aspectos litológicos e estruturais do complexo xistograuváquico no bordo sudoeste da faixa Ordovícica da região de S. Paio – Ázere. Memórias e Notícias,
12(A), pp. 135-146.
PRATAS, J., FAVAS, P.J.C., PAULO, C., RODRIGUES, N., PRASAD, M.N.V. (2011). Uranium accumulation
by aquatic plants from uranium-contaminated water in Central Portugal. International Journal of
Phytoremediation (in press).
VAN LOON, J.C & BAREFOOT, R.R. (1989) – Analytical Methods for Geochemical Exploration. Academic
Press, Inc. 344 p.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto PTDC/CTE-GEX/66710/2006, financiado pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
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