SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO NA LEI 11.441/07
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SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO NA LEI 11.441/07
SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO NA LEI 11.441/07 Pedro Pontes de Azevêdo1 SUMÁRIO 1. Introdução 2. Separação e divórcio no ordenamento pátrio 3. A separação e o divórcio na lei nº 11.441/07 4 Questões controversas na nova Lei 4.1 A prova da separação no divórcio direto 4.2 filhos de apenas um dos cônjuges e menores emancipados 4.3 Alimentos. 4.4 O estado civil dos separados por escritura pública 4.5 Outras questões polêmicas 5 Considerações finais. 6 Referências RESUMO O presente texto aborda a recente lei que autoriza os procedimentos de separação e divórcio em cartório extrajudicial sem a necessidade de interveniência do Poder Judiciário. Cuida-se de importante medida para promover uma diminuição do número de ações que tramitam na justiça. Todavia, as hipóteses em que cabe tal procedimento devem ser interpretadas com cautela, de modo que não se cometam equívocos de difícil reparo posterior. A mens legis deve ser observada com critério, no sentido de que apenas os interesses de pessoas maiores e capazes podem ser objeto de acordo por escritura pública, não se dando uma exegese extensiva aos ditames da norma em tela. PALAVRAS-CHAVE: Separação; divórcio; Escritura pública. 1 Advogado e jornalista; professor do Instituto Superior de Educação da Paraíba – IESP e das Faculdades de Ensino Superior da Paraíba – FESP; Mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba - PPGCJ/UFPB. Endereço de email: [email protected] 1 ABSTRACT The present text approaches the recent law which authorizes the procedures of separation and divorce in notary's office without the participation of the Judiciary Power. It’s an important step to promote a reduction in the number of process that move in justice. However, the hypotheses where such procedure fits must be interpreted with caution, in way that does not commit mistakes of difficult posterior repair. Mens legis must be observed with criterion, in the direction of that only the interests of bigger and capable people can be object of agreement for public writing, not giving one extensive interpretation to the rules of the norm in screen KEY-WORDS: Separation; Divorce; Public writing. INTRODUÇÃO O presente artigo analisa a recente possibilidade de se promover a separação e o divórcio em cartório de registro público, de acordo com os ditames da recém aprovada Lei nº 11.441/07. A intenção do legislador foi possibilitar que os procedimentos de jurisdição voluntária não sejam levados ao Judiciário, de modo a promover uma diminuição no número de feitos em tramitação. Ocorre que a lei não teve previsão de vacatio legis, entrando em vigor na data da sua publicação, o que provocou uma série de questionamentos acerca das suas regras. Ressalta daí, inclusive, o caráter prospectivo do estudo ora apresentado, posto não haver extensa produção doutrinária acerca do tema pesquisado. O primeiro item deste estudo aborda a separação e o divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Procurou-se demonstrar de forma sucinta os requisitos formais para a consecução destes institutos. 2 No segundo momento foi feita uma análise da Lei nº 11.441/07, que alterou e inseriu novos dispositivos no Código de Processo Civil, mormente no que toca à separação e divórcio por escritura pública. As questões controversas advindas da entrada em vigor da supracitada lei foram abordadas no terceiro momento da pesquisa. Dentre elas destacam-se a possibilidade de requerimento de divórcio direto por escritura pública, os alimentos e o estado civil dos separados pela via administrativa. O objetivo deste trabalho é propiciar aos que lidam com as questões normatizadas pela Lei nº 11.441/07 uma melhor interpretação dos seus comandos normativos, de modo a possibilitar o atingimento dos fins pretendidos quando da sua aprovação e entrada em vigor. 2 SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO NO ORDENAMENTO PÁTRIO O ordenamento jurídico brasileiro adota em regra dois momentos para o desfazimento da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial. A separação judicial, em um primeiro instante, acaba com a sociedade conjugal. Assim, terminam por conseguinte os deveres matrimoniais da fidelidade recíproca, coabitação e o regime de bens. Já o divórcio, que possui duas espécies (conversão e direto), rompe o vínculo matrimonial, possibilitando inclusive, que os ex-cônjuges contraiam novas núpcias, se assim desejarem. Para que se compreenda os novos regramentos impostos pelo legislador quando da aprovação da Lei nº 11.441/07, faz-se necessária uma rápida explanação acerca desses dois institutos do Direito de Família. A separação, em primeiro lugar, pode ser feita de duas formas: por mútuo consenso entre os cônjuges ou a pedido de apenas um deles. É o que se convencionou denominar, na prática, como separação consensual, a primeira, e litigiosa, a segunda. Na separação consensual, os cônjuges dirigem uma pretensão conjunta ao Poder Judiciário, qual seja, a de terminar a sociedade conjugal. Além da própria separação, ambos têm que entrar em consenso acerca das questões elencadas no art. 1.121, do 3 Código de Processo Civil. Assim, devem constar da petição inicial cláusulas que versem sobre os alimentos, a guarda dos filhos menores, se houverem, o direito de visitas, o uso do nome do outro cônjuge, bem como a partilha dos bens.2 Ressalte-se que a necessidade de partilha dos bens não é imperativa. Apesar de uma imprecisão do legislador ter causado dúvidas quando do início da vigência do Código Civil de 2002, o entendimento pacífico hodiernamente é nesse sentido. Isto porque o art. 1.5813 possibilita a concessão de divórcio sem prévia partilha dos bens, prevalecendo ante o art. 1.575, que prevê: “Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.” Logo, é indubitável que se o divórcio pode ser concedido sem prévia partilha dos bens, deve ser observada a mesma regra na separação, quando houver impossibilidade de divisão do patrimônio, ou mesmo quando os separandos não quiserem ou não puderem promover tal divisão. Nesta hipótese, estabelecer-se-á um condomínio quanto aos bens do casal, que poderão ser partilhados em outro momento. No dizer de VENOSA4: “Embora não seja conveniente, os bens do casal mantêm-se em comum, ainda que os cônjuges estejam judicialmente separados”. Na separação consensual, pois, o acordo de vontades é pressuposto fundamental para a sua homologação. Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, que depende apenas da chancela do Estado-juiz. Não há contraditório, não existe coisa julgada material, bem como não há que se falar em recurso para anulação de acordo desta natureza. Já a separação litigiosa ocorre quando os cônjuges não se entendem acerca das cláusulas obrigatórias, ou mesmo quanto ao próprio término da sociedade conjugal. Neste caso, um deles ajuíza o pedido de separação, sendo o outro citado para responder à ação. Registre-se que o Código Civil normatiza três espécies de separação: a separação-sanção, separação-falência e a separação-remédio. Como não se trata do objeto do presente estudo, permite-se apenas o elenco essas hipóteses. 2 CPC, Art. 1.121: “A petição, instruída coma certidão de casamento e o contrato antenupcial, se houver, conterá: I – a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha; II – o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas; III – o valor da contribuição para criar e educar os filhos; IV – a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter.“ 3 CC, Art. 1.518. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens. 4 VENOSA, Sílvio De Salvo. Direito Civil: direito de família. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. P. 182. 4 O procedimento adotado na separação litigiosa é o comum ordinário, com apenas uma alteração, que é a audiência de tentativa de reconciliação, prevista na Lei nº 968/46 e ainda vigente. O procedimento é de jurisdição contenciosa, formando-se, portanto, o contraditório e podendo as partes utilizar-se de todas as prerrogativas processuais a elas inerentes, como a possibilidade de recorrer das decisões e provar as suas alegações por todos os meios admitidos pela lei. O divórcio, por seu turno, também tem duas espécies, o divórcio-conversão e o divórcio direto. No primeiro, há uma prévia separação judicial que, seja qual for a sua forma, será convertida em divórcio. A conversão pode ser consensual ou litigiosa. Porém, o único requisito a ser observado é o decurso do prazo de um 01 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial, ou da decisão concessiva da liminar de separação de corpos. Portanto cuida-se de uma lide restrita a um requisito, que se provará somente por meio documental, não dando margem a interpretações ou ilações dos ex-cônjuges. O divorcio direto, por fim, é aquele em que não existiu prévia separação judicial, mas que os cônjuges estão separados de fato há mais de 02 (dois) anos. Está disciplinado na Constituição Federal e no Código Civil5. Neste caso, um ou ambos os cônjuges requerem diretamente o divórcio, provando o rompimento da vida em comum pelo prazo legal de dois anos. No caso de acordo, promoverão em conjunto o divórcio. Havendo discordância, será litigioso o divórcio direto, com a especificidade de que todas as questões atinentes aos filhos, bens e alimentos deverão ser decididas pelo juiz neste momento, já que não houve separação judicial anterior. Cumpre salientar, por fim, que em todos os casos acima explanados a ação é personalíssima, cabendo apenas aos cônjuges a legitimidade ativa. Apenas em hipóteses excepcionais, como no caso de incapacidade superveniente, admite-se a interposição das ações de separação ou divórcio mediante representação.6 3 DISCIPLINA DA SEPARAÇÃO E DO DIVÓRCIO NA LEI Nº 11.441/07 5 Art. 226, §6º, Constituição Federal; e Art. 1580, §2º, Código Civil. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 193/194 6 5 A Lei em debate alterou a legislação adjetiva pátria, retirando do Poder Judiciário a exclusividade de recebimento no tocante aos procedimentos de jurisdição voluntária ali elencados. A separação e o divórcio, quando consensuais, não necessitam de uma atividade judicante a conferir-lhes eficácia, posto não haver conflito de interesses, ou seja, não existir lide. Ocorre que alguns requisitos devem ser observados pelo tabelião, quando os cônjuges intentarem a separação ou o divórcio por escritura pública. Essas exigências se justificam, pois não havendo observância pelos requerentes tornar-se-á nulo o ato praticado pelo tabelião. Em primeiro lugar, seja na separação ou no divórcio, só podem ser feitos por escritura aqueles atos que envolvam interesse de maiores e capazes. Em outras palavras, se houver filhos menores ou incapazes, a única forma de se intentar o rompimento da sociedade e do vínculo conjugal é a ação judicial. Não existindo interesse de menores ou incapazes, os requerentes poderão se utilizar da escritura pública, desde que cheguem a uma acordo acerca das questões que envolvem a separação ou o divórcio pretendido. Em cada um dos procedimentos – separação, divórcio conversão e divórcio direto, sempre deverão ser observados os imperativos legais, somados aos requisitos específicos para a feitura pr escritura pública. Na separação, prima facie, deve ser respeitado o requisito temporal, qual seja, os cônjuges têm que estar casados há pelo menos um ano. Demais disso, os cônjuges deverão acordar sobre a continuidade do uso do nome do outro, os alimentos que um prestará ao outro, em caso de necessidade, bem como a partilha de bens, se houver possibilidade. No tocante aos bens, os cônjuges podem deixar a partilha para um momento posterior, com base na exegese dos arts. 1575 e 1581, ambos do Código Civil. O divórcio-conversão, por seu turno, é indubitavelmente o procedimento que envolve menos dificuldade para a sua execução administrativa. Esta modalidade de rompimento do vínculo matrimonial pressupõe a existência de uma separação, seja consensual ou litigiosa. Desta forma, ao requerente cumpre apenas demonstrar a prévia separação, cabendo ao notário apenas promover a escritura de conversão. A 6 separação, conforme explanado, pode ter sido a pedido de um ou de ambos os cônjuges, posto que a única questão aventada na conversão é o transcurso do prazo de um ano da separação. Pode acontecer, ainda, de a separação ter sido feita administrativamente, hipótese na qual os requerentes deverão aguardar um ano da sua escrituração, quando poderão pleitear a sua conversão em divórcio. Apenas nesta hipótese entendemos que deverá ser admitida a escritura pública de divórcio, ainda que haja o interesse de menores ou incapazes, mesmo tendo a lei explicitado a sua impossibilidade. Isto porque deve se levar em conta o princípio segundo o qual: “Na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”7 Destarte, em se tratando de conversão de separação judicial em divórcio, o Poder Judiciário já terá dado a sua chancela no ato anterior, garantindo assim a não ocorrência de prejuízos para os menores ou incapazes, que é o fim buscado pela novel legislação. No divórcio direto, por fim, os cônjuges deverão comprovar a separação de fato por um período maior que dois anos, para que o tabelião possa lavrar a escritura pública. A questão da prova é que levanta celeuma, cuja discussão enfrentar-se-á no item seguinte. O último requisito criado pela Lei nº 11.441/07 é o que prevê que as partes deverão ser assistidas por advogado, conforme prevê a nova redação dos arts. 982, parágrafo único e 1124-A, §2º. Assim, torna-se indispensável o acompanhamento de um profissional que tem o conhecimento técnico e que poderá proceder, em conjunto com o notário, a uma fiscalização dos atos extrajudiciais empreendidos nesta seara. Não entraremos no mérito acerca da razão pela qual o advogado foi elencado como indispensável à feitura do ato, por fugir tal debate ao propósito deste estudo. Entendemos tão-somente que a presença do advogado traz segurança jurídica ao ato. Apesar de se tratar de procedimento consensual, isto não quer significar que todas as questões serão solucionadas sem qualquer conflito. Ainda que os separandos ou divorciandos estejam concordes em relação à maioria dos itens constantes do ato, pode haver algum desacordo em alguns deles. É nesta hipótese que sobreleva a importância da mediação. Para SERPA8: 7 8 Art. 5º, Lei de Introdução ao Código Civil. SERPA, Maria de Nazareth. Mediação de família. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. P. 26. 7 Mediação é, antes de mais nada e sobretudo, um processo que enfatiza a responsabilidade dos cônjuges de tomar decisões, que dizem respeito às suas próprias vidas. Através da autodeterminação, isolar pontos de acordo e desacordo e desenvolver opções que levem àquelas decisões, mediante a utilização de um terceiro, com função de conduzir as partes a esses objetivos, facilitando a comunicação, e assistindo à negociação. O papel do advogado como mediador, pois, exsurge como relevante. Vale destacar que no direito de família, a mediação envolve sempre questões delicadas, razão pela qual não poderia se deixar tal mister a cargo do tabelião, que em regra não possui vivência prática nessas questões. A lei permite que os pretendentes possuam advogado comum, ou mesmo que cada um se faça assistir por um causídico próprio. O advogado pode, como não podia deixar de ser, atuar em causa própria. Nos próximos itens procurar-se-á debater as questões controversas advindas da alteração promovida pela nova lei. Em face do curto espaço de eficácia da lei em tela, há escassa produção doutrinária acerca do tema, motivo pelo qual as análises são fruto da nossa pesquisa direta no texto recém positivado. 4 QUESTÕES CONTROVERSAS NA NOVA LEI Um dos maiores problemas na temática pesquisada foi a imediata entrada em vigor da Lei 11.441/07. Não se previu a necessidade de vacatio legis, o que impossibilitou uma preparação adequada do notariado e um debate doutrinário acerca do tema. Por este motivo, a vigência imediata da lei deu azo a questões polêmicas, já levadas aos tabeliães, que deverão ser dirimidas ao concomitantemente com a sua aplicação efetiva. Nos tópicos que se seguem procuramos analisar essas questões, com o fito de auxiliar na ultrapassagem das dificuldades porventura encontradas pelos próprios requerentes, bem como por advogados, tabeliães e estudantes de Direito. 4.1 A Prova da separação no Divórcio direto 8 A primeira questão que enseja polêmica é a relativa à prova da separação de fato por mais de dois anos, para concessão de divórcio direto. Conforme já explanado, o lapso temporal é requisito essencial para o divórcio direto, sendo normalmente comprovado tal interstício pelo depoimento de testemunhas. Ocorre que o notário não possui competência para presidir dilação probatória, tampouco para sopesar o valor probante das declarações empreendidas por essas. Assim, separados de fato por mais de dois anos podem intentar o divórcio direto em cartório? Como serão produzidas as provas? Entendemos ser possível tal concessão, sendo que a declaração das testemunhas deverá ser feita por escrito, anexa ao pedido dos requerentes, pois não deve haver dilação probatória no cartório extrajudicial. Deve se conferir presunção de veracidade às alegações dos requerentes e das testemunhas convocadas por eles. Admitindo-se, pois, o divórcio direto por escritura pública, e fazendo-se necessária a presença de testemunhas, quem pode cumprir esse mister? Dever-se-á seguir a sistemática do Código de Processo Civil, mormente em seu art 405, que versa sobre impedimentos e suspeições. Assim, poderão ser testemunhas do ato as mesmas pessoas elencadas no rol do comando normativo supracitado. Ressalte-se que não há impedimento para que o analfabeto seja testemunha em juízo, razão pela qual aplica-se a mesma lógica ao procedimento extrajudicial. 4.2 Filhos de apenas um dos cônjuges e menores emancipados Outra questão que propicia questionamentos é a relacionada aos filhos comuns ou de apenas um dos requerentes, como empecilho ao procedimento extrajudicial. Em outras palavras, havendo filhos menores que não sejam comuns do casal, pode ser feita a escritura de separação ou divórcio? Este questionamento decorre da dicção do art. 1.124-A, inserido no Código de Processo Civil pela novel lei, verbis: Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, 9 ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (grifamos) Entendemos que a melhor interpretação deste dispositivo, atendendo mais uma vez aos fins sociais a que a lei se destina, é aquela que restringe as escrituras de separação e divórcio aos casos em que não houver interesse de menor ou incapaz. Apesar de a redação do comando normativo falar em filhos comuns do casal, o prejuízo que se intentou evitar atingiria também os filhos de apenas um dos requerentes, razão pela qual não vislumbramos como se empreender ao ato administrativo quando da existência de qualquer menor ou incapaz envolvido, sob pena de se desvirtuar o propósito da lei. De outro lado, os filhos menores podem ser emancipados, pelas causas elencadas no art. 5º, parágrafo único, do Código Civil. Neste caso entendemos que também não é cabível a concessão de separação ou divórcio por escritura. Isto porque a lei aduz que estas só poderão ocorrer se todos forem maiores e capazes, conforme se depreende da exegese do comando acima transcrito, que prevê a impossibilidade em caso de haver filhos menores ou incapazes. A conjunção alternativa, in casu, põe termo a qualquer questionamento. 4.3 Alimentos Impende verificar-se a questão que envolve o estabelecimento de pensão por escritura pública. Em uma primeira análise, posto não se admitir interesse de menor nos procedimentos notariais, tende-se a responder negativamente a essa possibilidade. Entendemos, todavia, que em duas hipóteses esta seria compatível com o procedimento administrativo, em cartório de notas: a) para o cônjuge – é perfeitamente possível, pois se tratará de acordo, com maiores e capazes; b) para o filho maior e capaz – admite-se, pois não há óbice legal e os requisitos da nova lei estão sendo observados. No que diz respeito aos filhos menores, não vislumbramos tal condição de estipulação de verba alimentar, pois aí estará presente o interesse de menor, que é defeso em lei nos atos empreendidos por escritura pública. Por esta razão deve-se socorrer da ação judicial para resolver tal questão. 10 4.4 O estado civil dos separados por escritura pública Outro tema ainda passível de resolução é o referente ao estado civil daquele que se separou por escritura. É sabido que estes não poderão ser tidos como separados judicialmente, nem tampouco apenas estarão separados de fato. Urge que se estipule uma nova denominação, que pode ser qualquer uma dentre estas: separado notarialmente; separado juridicamente; separado legalmente; separado extrajudicialmente. Entendemos ser adequada qualquer uma das acima nominadas, que se moldam ao instituto em tela. Quanto aos divorciados não se faz necessária a menção à natureza do divórcio, posto que a sua concessão põe termo à sociedade conjugal e ao vínculo matrimonial, independentemente da forma que se revestir. 4.5 Outras questões polêmicas. Há ainda outras matérias a se debater no tocante ao novo disciplinamento. Vejamos algumas delas. Se a separação for judicial, o divórcio por conversão pode ser feito por escritura pública? Entendemos que não há óbice, desde que sejam atendidos os requisitos legais (todos serem maiores e capazes, e o consenso entre os requerentes). Indaga-se também se os cônjuges poderiam optar pelo retorno ao nome anterior (de solteiro), mediante escritura pública. Entendemos ser tal pleito possível. O que não pode ser feito é pugnar pela alteração do nome para um outro, diverso daquele que usava quando solteiro. Possível também é a reconciliação por escritura pública. Em caso de separação pela via administrativa, aos ex-cônjuges é facultada a opção de se reconciliarem perante o tabelião, que lavrará nova escritura pública, desta vez atestando a reconciliação dos requerentes. Diversamente ocorre se a separação foi judicial. Neste caso entendemos que os cônjuges necessitarão ingressar com pedido judicial, para terem o seu pleito atendido. Em admitindo-se, pois, a reconciliação por escritura, abre-se a nosso sentir a possibilidade de haver mudança do regime de bens, a pedido dos cônjuges. Nesta condição 11 entendemos caber ao tabelião fazer constar que se ressalvam os direitos de terceiros, apenas como forma de alertar aos requerentes acerca da impossibilidade de empreenderem fraude contra credores. Entendemos ainda que a escritura pública pode ser feita por procuração, ou seja, os requerentes podem nomear procurador com poderes específicos para a consecução do ato. Deve-se exigir documento público e específico, assim como nas hipóteses de representação na esfera judicial. Por fim, cumpre perscrutar o tema da gratuidade para os pobres na feitura das escrituras. A novel legislação prevê, na redação do art. 1124-A, §3º, a gratuidade para todos aqueles que se declararem pobres, sob as penas da lei. Mas quem arcará com o custo da escrituração e, principalmente, do registro? Este sem dúvida será um tema de grande importância para que se garanta uma maior eficácia aos novos ditames legais. Se por um lado os notários não poderão ser prejudicados, com a feitura de escrituras gratuitas sem qualquer controle judicial, por outro lado não se pode deixar tornar o procedimento mais célere do cartório extrajudicial exclusivo aos que por ele possam pagar. Nesse sentido, vislumbramos como solução a criação de um fundo de compensação, que receba recursos advindos de um percentual daquilo que for pago pelas escrituras públicas requeridas por quem tenha condições de arcar com os seus custos. Ademais, há outro óbice aos requerentes que não possuam condições de arcar com os custos do procedimento, que é a necessidade de assistência de advogado. A própria estrutura deficitária da defensoria pública não permitirá, em regra, que os defensores acompanhem os requerentes ao cartório para assistir ao ato de separação ou divórcio. Desta forma, quer parecer que aos hipossuficientes deverá restar a procura pelo Poder Judiciário, pois em juízo a simples alegação de que não pode arcar com as despesas do processo gera o benefício da justiça gratuita, inclusive com a obrigatória assistência de um defensor público previamente contactado, ou nomeado pelo juiz. Em suma, são essas as principais questões controversas após a aprovação da nova lei. O debate continuará ao passo em que se aplicam os novos dispositivos legais, haja vista não ter sido previsto um tempo de maturação dos regramentos por ela inseridos no arcabouço jurídico pátrio. 12 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A lei nº 11.441/07 foi festejada por muitos como grande solução para o acúmulo de feitos no Judiciário, especificamente nas Varas de Família. Cuida-se de medida que efetivamente poderá diminuir o número de processos nessas Varas, porém os procedimentos por ela previstos deverão ser acompanhados de cautela. A celeridade na prestação do serviço deve ser sempre acompanhada pela diligência e pelo bom senso, posto se tratar sempre de interesses que permeiam o seio da família, núcleo do Estado. No que tange à sua entrada em vigor, entendemos que deveria ter sido observada a vacatio legis para que os cartórios pudessem se estruturar para atender os requerentes e os advogados. É inegável a possibilidade de desafogamento do Judiciário – especificamente nas Varas de Família, em face do não ajuizamento de ações que versem sobre direitos disponíveis. A aprovação da referida lei pode ser um importante marco inicial, que inclusive poderá fomentar a edição de novos diplomas com o fito de permitir a resolução extrajudicial de conflitos que não necessitem da chancela do Poder Judiciário, melhorando a qualidade na prestação jurisdicional. Cumpre agora à toda a sociedade acompanhar a qualidade na efetivação dos ditames legais e na prestação do serviço pelos notários, para que se analise a possibilidade de adotar esse paradigma em outras áreas do Direito, como forma de garantir-se a busca pela justiça na resolução dos conflitos sociais. 6 REFERÊNCIAS CASSETARI, Cristiano. Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: Teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. COLTRO, Antônio Carlos Matias, DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. São Paulo: Método, 2007, pp 291. 13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005. PARIZATTO, João Roberto. Inventário e Partilha - Separação e Divórcio Consensual, Extrajudicial e Judicial. São Paulo: Edipa, 2007. SERPA, Maria de Nazareth. Mediação de família. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. SOARES, Flávio Romero Ferreira. Comentários à Lei nº 11.441/2007 . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1292, 14 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9386>. Acesso em: 16 mar. 2007 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006 14
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