História Geral da Arte II

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História Geral da Arte II
- História da Arte II -
História Geral da Arte II
Apontamentos de: António Guedes
E-mail: [email protected]
Data: 13-11-2006
Livro:
Nota:
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- História da Arte II -
TERCEIRA
PARTE
O
RENASCIMENTO
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- História da Arte II -
-3-
- História da Arte II -
1
A PINTURA, ESCULTURA
E AS ARTES GRÁFICAS DO
“GÓTICO FINAL”
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- História da Arte II -
renascentista italiana pouca impressão causou nas regiões
ao Norte dos Alpes durante aquele século.
O RENASCIMENTO
PERANTE O GÓTICO FINAL
Sabemos que a consciência de um Renascimento teve
origem italiana e não há dúvida que a Itália desempenhou
um papel directivo no desenvolvimento da arte
renascentista, pelo menos até começos do século XVI.
Pelo que toca à escultura e à arquitectura, o Renascimento
começou pouco depois de 1400. Quanto à pintura, porém, a
nova era principiou com Giotto que (nas palavras de
Boccaccio, de 1350) trouxe à luz esta arte que estivera
sepultada por muitos séculos. Não podemos desprezar um
testemunho destes; todavia hesitamos em aceitá-lo sem
reservas, porque deveríamos então admitir que o
Renascimento alvoreceu no campo da pintura em 1300,
uma geração antes de Petrarca.
BOCCACCIO. É preciso compreender que este, ardente
discípulo de Petrarca, se interessava sobretudo pelo
progresso do humanismo na literatura. Na sua defesa da
poesia, achou útil estabelecer analogias com a pintura e
atribuir a Giotto o papel de “Petrarca da pintura”. A opinião
de Boccaccio, ao considerar Giotto como um artista do
Renascimento, é um acto de estratégia intelectual. Contudo,
a sua opinião tem interesse porque foi o primeiro a aplicar o
conceito petrarquiano de “renascimento depois da idade das
trevas” a uma das artes plásticas. Assim dá a subentender
que o ressurgimento da Antiguidade representa para os
pintores um realismo sem compromissos. E isso iria ser um
tema constante do pensamento renascentista.
A Pintura Flamenga
Para ir além do realismo da pintura gótica tornou-se
necessária uma segunda revolução, que começou
simultânea e independentemente em Florença e nos Países
Baixos, em 1420. A revolução florentina foi a mais
sistemática e a de carácter fundamental, pois abarcou a
escultura e a arquitectura, além da pintura: é designada por
Proto-Renascimento, termo que não se aplica geralmente ao
novo estilo que surgiu na Flandres.
O GÓTICO FINAL, A denominação de Gótico Final, não
corresponde ao carácter próprio desta pintura flamenga do
século XV. Indica que os pioneiros desta nova arte, bem ao
contrário dos seus contemporâneos da Itália, não puseram à
margem o Estilo Internacional, antes o utilizaram como
ponto de partida, de modo que a ruptura com o passado foi
menos brusca no Norte que no Sul. A expressão “TardoGótico” também nos faz lembrar que, fora da Itália, a
arquitectura do século XV permaneceu firmemente
enraízada na tradição gótica.
O ambiente artístico em que viveram foi nitidamente o de
um Gótico Final. Os grandes mestres flamengos exerceram
uma influência que se alargou muito além da sua pátria. Na
Itália foram tão admirados como os maiores artistas locais
dessa época, e o seu intenso realismo influi notoriamente na
pintura do Proto-Renascimento. Ao invés, a arte
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O MESTRE DE FLÊMALLE. A primeira fase da revolução
pictural na Flandres está representada pelo Mestre de
Flémalle (Robert Campin), o principal pintor de Tournai,
cuja carreira podemos seguir desde 1406 até à sua morte,
em 1444. Entre as suas melhores obras avulta o Retábulo de
Mérode.
Pela primeira vez o contemplador tinha a sensação de estar
a ver, através da superfície do painel, um mundo espacial
com todas as qualidades essenciais da realidade quotidiana:
profundidade ilimitada, estabilidade, continuidade e
plenitude. Os pintores do Estilo Internacional nunca tinham
aspirado a uma tal coerência: o seu empenho em reproduzir
a realidade estava longe de ser absoluto. Os quadros que
eles criaram têm a encantadora qualidade de contos de
fadas, onde a escala e a relação das coisas podem ser
alteradas à vontade, onde o mundo real e as fantasias de
imaginação se misturam sem conflito. O Mestre de
Flémalle, pelo contrário, resolveu contar a verdade. Com
uma determinação quase obsessiva, dá a cada mínimo
pormenor a máxima realidade concreta definindo-o em
todos os aspectos: forma e tamanho próprios; cor, matéria e
textura da superfície e modo peculiar de reflectir a
iluminação.
O Retábulo de Mérode leva-nos do mundo aristocrático do
Estilo Internacional ao lar de um burguês flamengo. O
Mestre de Flémalle não era um pintor da corte, mas um
burguês servindo os gostos dos concidadãos abastados
como os doadores piedosamente ajoelhados à porta da casa
da Virgem. Este é o primeiro painel da Anunciação que tem
por cenário um interior doméstico completamente
mobilado.
Este audaz abandono da tradição levantou ao artista um
problema que ninguém afrontara antes: o de transpor
acontecimentos sobrenaturais de um cenário simbólico para
um ambiente vulgar sem os fazer parecer triviais ou
incongruentes.
Somos levados a pensar que o Retábulo de Mérode e outros
quadros semelhantes constituem uma espécie de charada
para o contemplador actual, embora este os possa apreciar
sem lhes conhecer o conteúdo simbólico. É de crer que
fosse o Mestre de Flémalle quem introduziu estes símbolos
nas artes plásticas, mas apesar da sua grande influência
pouquíssimos artistas os adoptaram.
O Mestre de Flémalle ou era um homem de invulgar cultura
ou estava em contacto com teólogos e outros eruditos que
podiam informá-lo acerca da significação simbólica dos
objectos. O artista não se limitou a continuar a tradição
simbólica da arte medieval, dentro do contexto do novo
estilo realista, mas enriqueceu-a e alargou-a.
Nos painéis de Mérode, até os pormenores ínfimos são
reproduzidos com a mesma aplicação que as figuras
sagradas. A pintura do Mestre de Flémalle distingue-se de
todas as outras pelo colorido peculiar.
AS TÉCNICAS DA TÊMPERA E DO ÓLEO. Na idade
Média, a técnica da pintura em madeira tinha sido
fundamentalmente a têmpera, na qual os pigmentos
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finamente moídos eram diluídos (temperados) em água, a
que se adicionava uma substância aglutinante, gema de ovo,
etc. Obtinha-se uma camada de pintura fina que endurecia
depressa e podia ser retocada a seco, satisfazendo
admiravelmente o gosto medieval pelas superfícies de cores
lisas e tons vivos. Contudo, não era possível realizar uma
fusão ou transição suave das cores; além disso os escuros
tendiam a ganhar um aspecto baço e a confundir-se. O
Mestre de Flémalle dominou estes sérios inconvenientes,
empregando o óleo como diluente, em vez da mistura de
água e gema de ovo. Foram o Mestre de Flémalle e os seus
contemporâneos que descobriram as possibilidades
artísticas do óleo. Substância viscosa e lenta a secar,
permitia obter uma larga variedade de efeitos. Sem o óleo, a
conquista da realidade visível pelos mestres flamengos
ficaria assaz limitada. Sob o aspecto técnico, também
merecem ser chamados os pais da pintura moderna, porque
desde então o óleo seria o meio basilar da pintura.
profundamente impressionante, da Virgem Maria e dos seus
companheiros. No painel do Juízo Final, este duplo aspecto
do estilo “eyckiano” revela-se nos dois extremos: acima do
horizonte, tudo é ordem, simetria e calma, enquanto abaixo
dele – na terra e no reino subterrâneo de Satanás –
prevalece a condição oposta. As duas situações
correspondem assim ao Céu e ao Inferno.
JAN (E HUBERT) VAN EYCK. O Mestre de Flémalle não
foi tão longe como Jan van Eyck, um artista de menos idade
e maior fama, a quem se atribuiu durante longo tempo a
invenção da pintura a óleo propriamente dita. Foi, ao
mesmo tempo, um pintor burguês e um pintor da corte.
Podemos seguir a sua obra desde 1432, através de
numerosos quadros assinados e datados. A legenda do
Retábulo de Gand – ou Retábulo do Cordeiro Místico – diznos que ele terminara nesse ano o trabalho começado pelo
seu irmão mais velho, Hubert, que morreu em 1426.
Apenas as duas tábuas, longas e estreitas, com as figuras de
Adão e Eva se poderiam atribuir a Jan. São decerto as mais
audaciosas do conjunto e os primeiros nus monumentais da
pintura setentrional em madeira.
A evolução anterior de Jan é ainda discutida: há vários
quadros “eyckianos”, manifestamente anteriores ao
Retábulo do Cordeiro Místico e que podem ter sido
pintados por qualquer dos irmãos. Os mais impressionantes
são os painéis do Calvário e do Juízo Final. Os eruditos
estão de acordo em situa-los entre 1420 e 1425, quer o autor
fosse um ou outro dos irmãos.
O estilo dos dois painéis tem muitas qualidades comuns ao
Retábulo de Mérode: o fundo interesse pelo mundo visível,
a profundidade espacial ilimitada, as pregas angulosas dos
panejamentos. Ao mesmo tempo as formas individuais
parecem menos isoladas, menos esculturais; o vigoroso
sentido do espaço deve-se às subtis gradações de luz e de
cor. Uma análise atenta do painel do Calvário, desde as
figuras do primeiro plano até à distante Jerusalém, e aos
cumes nevados do fundo, mostra-nos um decrescimento
gradual na intensidade das cores locais e no contraste do
claro-escuro.
O Retábulo do Cordeiro Místico, o monumento supremo da
pintura flamenga primitiva, suscita problemas complexos.
A obra, iniciada por Hubert, fora acabada por Jan em 1432.
Como o primeiro falecera em 1426, o retábulo foi
provavelmente executado entre 1425 e 1432. Embora tenha
essencialmente a configuração de um trípico, cada um dos
três elementos é composto por quatro painéis separados.
Reconstruir esta sequência de acontecimentos e determinar
a parte respectiva de cada irmão é um jogo fascinante mas
eriçado de incertezas.
Os retratos dos doadores, de esplêndida individualidade,
têm um lugar importante em qualquer dos retábulos. Só
com o Mestre de Flémalle, o primeiro artista desde a
Antiguidade capaz de reproduzir um rosto humano em
primeiro plano e a três quartos, começou o retrato a
desempenhar um papel preponderante na pintura
setentrional.
Além dos retratos dos doadores, aparecem agora outros,
independentes e mais pequenos, cujo carácter de intimidade
faz supor que fossem estimadas lembranças, imagem
presente da pessoa ausente. Um dos mais fascinantes é o
Homem do Turbante Vermelho, de Jan van Eyck, pintado
em 1433, que pode muito bem ser um auto-retrato.
As cidades flamengas onde floresceu o novo estilo de
pintura – Tournai, Gand, Bruges – rivalizavam com as da
Itália como centros da banca e do comércio internacionais.
Entre os seus residentes estrangeiros contavam-se muitos
negociantes italianos. Para um deles, Jan van Eyck
executou uma das maiores obras-primas dessa época, o
Retrato de Casamento. O jovem casal foi representado no
momento de fazer a troca solene dos votos matrimoniais, na
intimidade da câmara nupcial.
Este fenómeno óptico que os Van Eyck foram os primeiros
a utilizar plena e sistematicamente é o da perspectiva
atmosférica devida à limitada transparência da atmosfera. A
perspectiva atmosférica é fundamental para a percepção da
profundidade do espaço. Não há dúvida que utilizaram o
óleo com extraordinário requinte. Alternando as camadas
opacas e translúcidas de tinta conseguiram uma tonalidade
de brilho suave e ardente que nunca foi igualada.
ROGIER VAN DER WEYDEN. Rogier van der Weyden
(1400-1464), o terceiro grande mestre da pintura flamenga
deste período, dedicou-se a uma tarefa importante:
reencontrar, dentro do quadro do novo estilo criado pelos
seus antecessores, o drama emocional do Gótico. Sentimolo imediatamente na mais antiga das suas obras-primas, A
Descida (1435). Aqui o modelado é de uma precisão
escultural. Os acontecimentos exteriores (neste caso o
desprendimento do corpo de Cristo) importam-lhe menos
que o mundo dos sentimentos humanos.
Em conjunto, o Calvário parece singularmente desprovido
de dramatismo, como se uma doce serenidade o envolvesse
magicamente. Só quando nos concentramos nos
pormenores, notamos as violentas emoções reflectidas nos
rostos da gente apinhada sob a cruz e na dor, contida mas
Nada espanta que a arte de Rogier, que foi definida como
sendo ao mesmo tempo, fisicamente mais nua e
espiritualmente mais rica que a de Jan van Eyck, tenha
servido de exemplo a tantos artistas. Quando morreu, em
1464, a sua influência já era decisiva na pintura europeia ao
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Norte dos Alpes. Tal foi a autoridade de um estilo cujos
ecos se fizeram sentir em quase toda a Europa, com
excepção da Itália, até ao fim do século XV.
O que é verdade nas obras religiosas de Rogier também se
aplica aos seus retratos. O de Francesco d’Este, um nobre
italiano residente na corte de Borgonha, talvez nos pareça
menos vivo que os de Jan van Eyck. Em vez de buscar a
serenidade psicologicamente neutra dos retratos de Jan,
Rogier interpreta a personalidade humana, suprimindo
alguns traços e acentuando outros. Por consequência, diznos mais da vida íntima e menos da aparência exterior.
HUGO VAN DER GOES. Entre os pintores seguintes,
raros escaparam à sombra do grande mestre. O mais
dinâmico de todos eles foi Hugo van der Goes (1440-1482),
um génio infeliz cujo trágico fim nos evoca uma
personalidade instável.
A sua obra mais ambiciosa, o imenso retábulo que terminou
em 1476 é uma realização impressionante. Nos volantes,
por exemplo, os membros ajoelhados da família Portinari
parecem anões, ao pé dos santos patronos, cuja estatura
gigantesca os caracteriza como seres de ordem superior.
Esta variação de escala, embora seja clara a sua intenção
simbólica e expressiva, afasta-se da lógica de experiência
quotidiana.
GEERTGEN TOT SINT JANS. Durante o último quartel
do século XV não houve na Flandres pintores comparáveis
a Hugo van der Goes e os artistas mais originais apareceram
mais ao Norte, na Holanda. A um deles, Geertgen Tot Sint
Jans, de Haarlem, que morreu em 1495, devemos o
encantador Nascimento. A ideia de um Nascimento
nocturno, iluminado apenas pelo clarão que irradia do
Menino, remonta ao Estilo Internacional, mas Geertgen Tot
Sint Jans, aplicando as descobertas picturais de Jan van
Eyck, deu nova e intensa realidade ao tema.
BOSCH. Hieronymus Bosch, solicita o nosso interesse pelo
mundo dos sonhos. A sua obra, plena de imagens
fantásticas e aparentemente irracionais, mostrou-se tão
difícil de interpretar que grande parte dela se mantém
indecifrável.
Podemos constatá-lo se analisarmos o trípico conhecido por
Jardim das Delícias, a mais rica e a mais enigmática das
pinturas de Bosch. Dos três painéis, apenas o da esquerda
representa um tema claramente identificável: o Jardim do
Paraíso. No postigo da direita, uma cena de pesadelo, com
ruínas em chamas e fantásticos instrumentos de tortura,
representa com certeza o Inferno.
No painel central vê-se uma paisagem muito parecida à do
Paraíso, povoada de uma multidão de homens e mulheres
nuas, em variadíssimas atitudes. Raros se entregam
abertamente a actividades eróticas, mas não há dúvida de
que as delícias neste jardim são as do desejo carnal. As
aves, frutos, etc., são símbolos ou metáforas que Bosch
emprega para descrever a vida na terra como uma
interminável repetição do pecado original de Adão e Eva.
Bosch foi um severo moralista que concebia as suas
pinturas como sermões visuais em que cada pormenor
estava encarregado de significação instrutiva.
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A Pintura na França, Suíça e Alemanha
Devemos agora passar os olhos pela arte do século XV no
resto da Europa do Norte. Depois de 1430, o novo realismo
dos mestres flamengos começou a alastrar pela França e
pela Alemanha até que, em meados do século, a sua
influência se tornou suprema, desde a Espanha até ao
Báltico. Entre os numerosos artistas a quem se devem
adaptações locais da pintura flamenga, apenas alguns
possuíram talento bastante para se nos imporem pela
vincada personalidade.
WITZ. Um dos mais antigos e originais foi Conrad Witz de
Basileia (1400-1446), a cujo retábulo para a catedral de
Genebra, pintado em 1444, pertence um notável painel.
Witz não se limitou, porém, a seguir as pisadas desses
grandes percursores: conseguiu traduzir os efeitos ópticos
aquáticos como nenhum outro pintor do seu tempo.
FOUQUET. Na França, o pintor Jean Fouquet (1420-1481),
logo pouco depois de aprender o ofício teve a rara fortuna
de realizar uma longa visita à Itália, em 1445. Daí que a sua
obra represente uma combinação única de elementos
flamengos e do Proto-Renascimento, sem deixar de
permanecer tipicamente setentrional. No painel esquerdo de
um díptico, pintado em 1450, em que representou Étienne
Chevalier e Santo Estêvão, revela superior mestria como
retratista; a influência italiana pode ver-se no estilo da
arquitectura e na solidez e no peso estatuários das duas
figuras.
A PIETÀ DE AVINHÃO. Um estilo flamengo,
influenciado pela arte italiana, caracteriza também a mais
famosa de todas as pinturas do século XV, a Pietà de
Avinhão. Como o seu título indica, o painel vem do extremo
sul de França, executado provavelmente por um artista da
região, que deve ter conhecido a arte de Rogier van der
Weyden, porque o tipo das figuras e o conteúdo expressivo
desta Pietà não podiam derivar de outra fonte. Ao mesmo
tempo, o traçado, magnificamente simples e estável, é mais
italiano que flamengo.
A Escultura do Gótico Final
Se tivéssemos que definir a arte ao Norte dos Alpes numa
só frase, poderíamos chamá-la o primeiro século da pintura
de painel, pois esta exerceu tão acentuado domínio no
período de 1420 a 1500 que os seus cânones se aplicaram à
iluminura, ao vitral e até à escultura. Lembremos que no
fim do século XIII a escultura arquitectónica cedera a vez a
obras de uma escala mais familiar: imagens de devoção,
sepulcros, púlpitos, etc.
O que pôs termo ao Estilo Internacional na escultura da
Europa foi a influência do Mestre de Flémalle e de Rogier
van der Weyden, evidente nas obras de numerosos
escultores, até 1500. Os objectivos da escultura do Gótico
Final identificaram-se com os da pintura. O Anjo Voando de
um quadro do Mestre de Flémalle, (1420), contém já todos
os traços principais de um anjo talhado por um excelente
escultor alemão quase cem anos depois.
MICHAEL PACHER. As obras mais características do
Gótico Final são os retábulos de altar, por vezes de enorme
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tamanho e de pormenores incrivelmente complicados, peças
especialmente apreciadas nos países germânicos. Um dos
mais belos é o da Coroação da Virgem, devido ao escultor e
pintor tirolês Michael Pacher (1435-1498). As suas formas
profusamente douradas e coloridas oferecem um
espectáculo deslumbrante, surgindo da profundidade
sombria do fundo. As figuras e o cenário parecem fundir-se
numa configuração de linhas agitadas e retorcidas onde
apenas as cabeças sobressaem com autonomia.
gravuras em madeira ou xilografias – são alemães, outros
flamengos e alguns franceses; todos apresentam as
características do Estilo Internacional. É provável que os
desenhos fossem devidos a pintores ou escultores, mas as
pranchas de madeira eram talhadas pelos artífices
especializados. Por consequência, as primeiras gravuras de
madeira, como a Santa Doroteia, têm um traçado plano e
ornamental; as formas são definidas por linhas simples e
grossas, com pouca preocupação pelos efeitos
tridimensionais. Como as formas contornadas deviam ser
coloridas, essas estampas lembram muitas vezes os vitrais.
As gravuras em madeira do século XV foram trabalhos da
arte popular, de um nível que não atraía mestres de grande
talento até 1500. Uma só prancha fornecia milhares de
cópias, vendidas por alguns centavos cada, o que, pela
primeira vez na nossa história, punha ao alcance de toda a
gente a posse de imagens.
O RENASCIMENTO
PERANTE O GÓTICO FINAL
A Tipografia
Neste ponto, devemos tomar nota de um outro facto
importante ao Norte dos Alpes: o desenvolvimento das
técnicas de impressão, tanto de imagens como de livros. A
nova técnica espalhou-se por toda a Europa e converteu-se
numa indústria do mais profundo alcance na civilização
ocidental. As imagens impressas tiveram quase a mesma
importância: sem elas, o livro impresso não poderia
substituir a obra do copista e do iluminador medievais tão
rápida e completamente.
A IMPRENSA E O OCIDENTE: O papel e o processo de
imprimir com blocos de madeira foram conhecidos no
Ocidente durante a Baixa Idade Média, mas o papel, como
sucedâneo barato do pergaminho, foi ganhando terreno
muito devagar, enquanto a impressão só era empregada na
estampagem de padrões ornamentais em tecidos. Espantoso
foi o desenvolvimento desde 1400 de uma técnica de
impressão superior à do Extremo Oriente e de uma
importância cultural imensamente maior. Técnica que se
manteve desde 1500 até à Revolução Industrial sem
modificações essenciais.
A Gravura em Madeira
A ideia de imprimir ilustrações em papel, mediante
pranchas de madeira gravadas, parece ter surgido na Europa
setentrional já no fim do século XIV. Muitos dos exemplos
mais antigos destes desenhos impressos – chamados
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A Gravura
Quem teve a ideia de fazer tipos metálicos buscou
certamente a colaboração de algum ourives para resolver os
problemas técnicos do fabrico. As pranchas de metal são
gravadas com um instrumento de aço. A técnica de
embelezar superfícies de metal com imagens gravadas já
era conhecida na Antiguidade e continuo a ser praticada
durante a Idade Média. Assim, nem foi preciso inventar
qualquer processo novo para gravar as placas que serviam
de matrizes na impressão em papel. Depois de dar tinta nos
traços abertos na placa, limpava-se a superfície desta,
colocava-se-lhe em cima uma folha de papel humedecido e
metia-se na prensa.
A ideia de gravar em cobre nasceu aparentemente do desejo
de se encontrar um processo mais requintado e flexível que
o da xilogravura (numa prancha de madeira, as linhas são
protuberantes: quanto mais finas, mais difíceis de talhar).
As gravuras em metal logo gozaram do favor de um público
escolhido e de maior requinte. As primeiras que
conhecemos datam de 1430, e revelam já a influência dos
grandes pintores flamengos. Quase logo de início circulam
estampas datadas e assinadas. Por isso conhecemos os
nomes da maioria dos gravadores importantes do último
terço do século XV. Especialmente na região do Alto Reno
há uma tradição contínua de bons gravadores.
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O PROTO-RENASCIMENTO
EM ITÁLIA
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Por volta de 1400, o Estado florentino enfrentava uma séria
ameaça à sua independência. O poderoso duque de Milão
tentava dominar toda a Itália e já tinha subjugado a maior
parte das cidades-estados da zona central. Florença
constituía o único obstáculo sério à sua ambição: a cidade
opôs-lhe uma rigorosa e bem sucedida resistência em três
frentes, militar, diplomática e intelectual. Florença
conseguiu ter por si a opinião pública, ao proclamar-se
defensora da liberdade contra a tirania.
Esta guerra de propaganda era chefiada, de ambos os lados,
por humanistas, mas os florentinos deram melhor conta de
si. Os seus escritos, tais como o “Louvor da cidade de
Florença” (1402), de Leonardo Bruni, vieram pôr de novo
em foco o ideal petrarquiano dum renascimento dos
Clássicos.
O orgulho patriótico e o apelo à grandeza implícitos nesta
imagem de Florença como a Nova Atenas devem ter
despertado um profundo entusiasmo na cidade, porque os
Florentinos lançaram-se numa ambiciosa campanha para
levar a termo os grandes empreendimentos artísticos
começados um século antes, na época de Giotto. Um
extenso programa de decoração escultórica foi prosseguido
em diversas igrejas, enquanto se dava andamento aos
planos para a construção da cúpula da Catedral, o maior e
mais difícil de todos os projectos.
Desde logo, as artes plásticas foram tidas por essenciais
para o ressurgimento da alma florentina. Não foi por acaso
que a primeira declaração explícita a reclamar para elas a
honra de serem incluídas entre as artes liberais se deveu a
um cronista florentino, em 1400. Um século mais tarde, já
esta promoção dos artistas se tornara corrente em toda a
Europa Ocidental. Que importância tinha esta valorização
social? Desde Platão, as artes liberais compreendiam
tradicionalmente as disciplinas julgadas necessárias à
educação do homem culto, como a Matemática (incluindo a
Teoria da Música), a Dialéctica, a Gramática, a Retórica e a
Filosofia: as Belas-Artes ficavam excluídas do grupo
porque eram trabalho manual, a que faltava uma base
teórica. Em breve, tudo o que saísse das mãos de um grande
mestre seria avidamente coleccionado.
FLORENÇA: 1400-1450
A Escultura
A primeira metade do século XV (o Quattrocento) foi a
idade heróica do Proto-Renascimento. A campanha artística
a que dera início o concurso para as portas do Baptistério
ficou limitada por algum tempo, aos projectos escultóricos.
O baixo-relevo apresentado por Ghiberti não se afasta
significativamente do Gótico Internacional, e o mesmo
sucede com as portas do Baptistério.
NANNI DI BANCO. Uma dezena de anos após o concurso,
este classicismo medieval e limitado foi transposto por um
artista mais novo, Nanni di Banco (1384-1421). Os quatro
santos, chamados os Quattro Coronati que ele executou em
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1410-14 devem ser comparados à Visitação de Reims. As
figuras de ambos os grupos são quase de tamanho natural,
mas as de Nanni parecem maiores que as de Reims; pela
massa e pela monumentalidade revelam-se fora do alcance
da escultura medieval. Apenas o segundo e o terceiro
Coronati fazem lembrar obras características da escultura
romana.
Morreu em 1421, deixando quase acabado o enorme relevo
da Assunção da Virgem que encima o segundo portal Norte
da Catedral de Florença. O estilo desta figura está tão longe
do classicismo dos Coronati como do Gótico Internacional.
Antes faz lembrar os anjos alados do Gótico Final, como os
do Mestre de Flémalle. Ambos tinham descoberto como
representar, de maneira convincente, figuras em voo:
envolvendo-as em roupagens leves e soltas, cujo desenho e
formas demonstram a força sustentadora do vento. O anjo
de Nanni preenche as roupagens com o seu vigoroso
movimento. Esta figura parece impelir-se a si própria,
enquanto o seu equivalente setentrional, imóvel, apenas fica
pairando no espaço.
O PRIMEIRO PERÍODO DE DONATELLO. Se
compararmos os dois anjos, notamos que a arte do ProtoRenascimento, em contraste com o Gótico-Final, procura
encarar o corpo humano de um modo semelhante ao da
Antiguidade Clássica. O homem que mais contribuiu para
reafirmar esta atitude foi Donatello, o maior escultor do seu
tempo. Nascido em 1386, foi, entre os fundadores do novo
estilo, o único que ultrapassou os meados do século XV.
Juntamente com Nanni, Donatello passou a primeira parte
da sua carreira trabalhando em encomendas para a Catedral
e para Or San Michele.
São Marcos de Donatello é a primeira estátua, desde a
Antiguidade, que consegue captar de novo o pleno
significado do contraposto clássico. Nesta obra que marca
verdadeiramente uma época, o jovem Donatello dominou o
que constitui a realização principal da escultura antiga.
Poucos anos mais tarde (1415-17), Donatello esculpiu outra
estátua para Or San Michele, o famoso S. Jorge. É o
Soldado Cristão, tal como o viu o Proto-Renascimento.
Donatello produziu aqui outra obra revolucionária, ao criar
um novo tipo de baixo-relevo pouco saliente (daí ser
chamado schiacciato, “achatado”), mas que dá uma ilusão
de infinita profundidade pictórica. A impressionante
paisagem, atrás das figuras, compõe-se inteiramente de
brandas modulações da superfície do mármore onde a luz é
captada sob muitos ângulos diferentes.
No campanário da Catedral de Florença, construído de 1334
a 1357, erguia-se uma fila de altos nichos góticos
destinados a albergar estátuas. Só metade estavam
preenchidos quando, entre 1416 e 1435, Donatello executou
cinco estátuas para os outros. A obra mais notável desta
série é a imagem do profeta não identificado que recebeu a
alcunha de Zuccone, e que goza de fama especial como
exemplo marcante do realismo do Mestre.
PERSPECTIVA: DONATELLO E GHIBERTI. Donatello
aprendera a técnica de esculpir em bronze quando, ainda
jovem, trabalhara sob a direcção de Ghiberti nas portas do
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Baptistério. Mas em 1420 já rivalizava nessa arte com o
antigo mestre.
equestre de Gattamelata, comandante dos exércitos
venezianos, que morrera havia pouco.
Embora os métodos empíricos também pudessem dar
resultados impressionantes, a perspectiva matemática
tornou possível a representação de um espaço
tridimensional numa superfície plana.
Quando Donatello voltou a Florença, depois de dez anos de
ausência, deve ter-se sentido como um estranho. O clima,
político e espiritual tinha mudado, o gosto dos artistas e do
público também. As suas obras seguintes, entre 1453 e
1466, não se integram na tendência predominante. O
individualismo extremo do seu último estilo confirma a
reputação de Donatello como o primeiro génio solitário
entre os artistas renascentistas.
Donatello executava o Festim de Herodes quando Ghiberti
foi encarregado de fazer outras duas portas de bronze para o
Baptistério de Florença. Estas mostram bem como o artista,
sob a influência de Donatello e dos outros pioneiros do
novo estilo, se converteu às concepções do ProtoRenascimento.
O NU CLÁSSICO: JACOPO DELLA QUERCIA E
DONATELLO. Fora de Florença, o único grande escultor
deste período foi Jacopo della Quercia, de Siena (13741438). Como Ghiberti, também mudou de estilo, do Gótico
para o Proto-Renascimento, a meio da sua carreira, em
especial por influência de Donatello. Não teve qualquer
influência na arte florentina até ao final do século, altura em
que fascinou o jovem Miguel Ângelo, cuja admiração foi
suscitada pelas cenas do Génesis que enquadravam a porta
principal da igreja de S. Petrónio em Bolonha, entre elas a
Criação de Adão.
O estilo destes relevos é conservador mas as figuras são
arrojadas e profundamente impressionantes. Aqui, o corpo
nu exprime outra vez a dignidade e o poder do homem,
como na Antiguidade Clássica.
Vale a pena compará-lo à obra que muito provavelmente o
inspirou, um Adão no Paraíso, de um díptico de marfim,
dos primeiros séculos do Cristianismo. E foi nesta condição
ressequida que o nu clássico entrou na tradição medieval.
Sempre que nos aparece o corpo despido entre 800 e 1400,
podemos ter a certeza de que ele deriva, directa ou
indirectamente, de uma fonte clássica. Para a mentalidade
medieval, a beleza física dos ídolos antigos, em especial a
das estátuas nuas, incarnava a atracção insidiosa do
paganismo que era preciso evitar.
O século XV redescobriu a beleza sensual do corpo nu, mas
por duas vias diferentes. O Adão e Eva de Jan van Eyck ou
os nus de Bosch não têm precedentes quer na arte antiga,
quer na medieval. Na verdade, não estão nus mas despidos
– são pessoas que normalmente andam vestidas e que por
quaisquer razões aparecem despojadas das suas roupas. Por
outro lado, o Adão de Jacopo della Quercia está claramente
nu, no pleno sentido clássico, tal como o David de
Donatello, uma realização ainda mais revolucionária da
escultura proto-renascentista – a primeira estátua nua de
tamanho natural, desde a Antiguidade, dotada de verdadeira
autonomia. A Idade Média não vacilaria em condená-la
como um ídolo, e os contemporâneos de Donatello também
não deviam ter-se sentido à vontade diante dela. Durante
muitos anos, foi única no seu género.
A Arquitectura
BRUNELLESCHI. Donatello não criou sozinho o estilo
escultórico do Proto-Renascimento. Pelo contrário, a nova
arquitectura ficou a dever a sua existência a um só homem,
Filippo Brunelleschi (1377-1446), que começou a sua
carreira como escultor. Esteve em Roma com Donatello. Aí
estudou monumentos da arquitectura antiga e parece que foi
o primeiro a medi-los com rigor. Em 1417-19 encontramolo de novo a competir com Ghiberti, desta vez para a
construção da cúpula da Catedral.
A grande realização de Brunelleschi foi ter construído a
cúpula em dois grandes cascos separados (um dentro do
outro), engenhosamente ligados de forma a reforçarem-se
mutuamente.
San Lorenzo. Em 1419, quando estava a trabalhar nos
planos finais para a cúpula, Brunelleschi teve a primeira
oportunidade de criar edifícios integralmente concebidos
por ele, graças ao chefe da família Médici, um dos
principais mercadores e banqueiros de Florença, que lhe
encomendou uma sacristia nova para a Igreja românica de
San Lorenzo. Os planos que traçou impressionaram de tal
maneira o seu cliente que este lhe pediu um projecto para
refazer a igreja toda.
À primeira vista, a planta chega a parecer pouco original. A
originalidade reside na acentuação da simetria e da
regularidade. O traçado é inteiramente composto de
unidades quadradas.
Brunelleschi concebeu San Lorenzo como um agrupamento
de blocos espaciais abstractos, sendo os maiores simples
múltiplos da unidade padrão. Compreendido isto, já
faremos uma ideia de quanto ele foi revolucionário, pois
tais compartimentos claramente definidos e separados
representam um afastamento total relativamente às
concepções dos arquitectos do Gótico.
O interior confirma a nossa expectativa. Uma ordem fria e
estática substituiu agora o calor emocional e o contínuo
movimento espacial dos interiores das igrejas góticas.
Assim, a estátua deve ser entendida como um monumento
público cívico-patriótico, que identifica David com
Florença, e Golias com Milão.
Proporções Arquitecturais. Brunelleschi estava convencido
de que o segredo da boa arquitectura residia em dar as
proporções exactas a todas as medidas principais de um
edifício. Acreditava que os Antigos conheciam este segredo
e tentou redescobri-lo.
DONATELLO: PÁDUA E DEPOIS. Donatello foi
chamado a Pádua em 1443 para fazer o monumento
Podemos dizer que a razão principal que nos impõe San
Lorenzo como produto de um espírito superior único é o
- 13 -
- História da Arte II -
sentido das proporções de Brunelleschi, afirmado em cada
pormenor.
apenas vinte e um anos (nasceu em 1401) e que morreu aos
vinte sete.
No ressurgimento das formas clássicas, a arquitectura do
Renascimento encontrou um vocabulário padrão. A teoria
das proporções harmónicas deu-lhe uma espécie de sintaxe,
quase sempre ausente da arquitectura medieval. O
ressurgimento das formas e proporções clássicas deu azo a
que Brunelleschi transformasse o vernáculo arquitectónico
da sua região num sistema estável, preciso e articulado. A
nova racionalidade das suas concepções difundiu-se logo
pela Itália e a pouco e pouco por todo o Norte da Europa.
A mais antiga das suas obras que pode ser datada com certa
segurança é um fresco de 1425 em Sta. Maria Novella,
representando a Santíssima Trindade com Nossa Senhora e
S. João Evangelista com os donatários. O mundo de
Masaccio é um reino de grandeza monumental e não a
realidade concreta de cada dia do Mestre de Flémalle. O
que o fresco da Trindade traz à mente não é o estilo do
passado imediato, mas a arte de Giotto, no sentido de
grande escala, na severidade da composição, no volume
escultural. Para Giotto, o corpo e as roupagens formam um
todo único, como se fossem ambos da mesma substância; as
figuras de Masaccio, como as de Donatello, são “nus
vestidos”, pois as roupas pendem como verdadeiro tecido.
O cenário, igualmente moderno, revela um perfeito domínio
da nova arquitectura de Brunelleschi e da perspectiva
científica.
A Capela dos Pazzi. Entre os edifícios de Brunelleschi que
perduraram, nem uma única fachada conserva o seu traçado
original, sem alterações posteriores de outras mãos. A
própria fachada da capela dos Pazzi já não pode ser
considerada uma excepção. A capela foi começada em
1430, mas Brunelleschi (que morreu em 1446) não pode ter
planeado a fachada actual, que data de 1460. Não obstante,
é uma criação assaz original, em tudo diferente de qualquer
frontaria de Idade Média.
S. Spirito e Sta. Maria degli Angeli. Ao principiar a década
de 1430, quando a cúpula da Catedral estava quase pronta, a
evolução de Brunelleschi como arquitecto entrou em nova e
decisiva fase. O traçado da igreja de S. Spirito pode ser tido
por uma versão aperfeiçoada de San Lorenzo: os quatro
braços do cruzeiro são iguais, a nave principal distingue-se
das colaterais apenas pelo seu maior comprimento e toda a
estrutura parece envolvida pela sequência ininterrupta de
naves e capelas. Estas constituem o traço mais
surpreendente de S. Spirito.
Na Igreja de Sta. Maria degli Angeli, a que Brunelleschi
deu início quase na mesma data da obra de S. Spirito, esta
nova tendência atinge o ponto culminante: uma igreja de
cúpula e planta centradas – a primeira do Renascimento –
inspirada nas estruturas circulares e poligonais dos tempos
romanos e do primeiro período do Cristianismo.
MICHELOZZO. O maciço estilo de Sta. Maria degli Angeli
permite explicar a grande desilusão dos últimos anos de
Brunelleschi, quando o projecto para o palácio dos seus
patronos, os Medici, foi rejeitado. Esta família ascendera a
tal poderio que desde 1420 lhe pertencia o governo de
Florença. Por esse motivo era de boa prudência evitar
qualquer ostentação que, por excessiva, caísse mal na
opinião pública. Se o projecto de Brunelleschi seguisse o
estilo de Sta. Maria degli Angeli, ficaria provavelmente
com tal magnificência, inspirada na arte imperial romana,
que os Medici não poderiam arriscar-se a um
empreendimento tão grandioso. A encomenda foi dada a
um arquitecto mais novo e menos notável, Michelozzo
(1396-1472). O traçado recorda os velhos paláciosfortalezas florentinos, com modificações que seguem os
princípios de Brunelleschi.
A Pintura
MASACCIO. A pintura do Proto-Renascimento apenas se
manifestou a partir de 1420. Este novo estilo foi lançado
por um jovem génio chamado Masaccio, que tinha então
- 14 -
O maior conjunto de obras de Masaccio que chegou até nós
é constituído pelos frescos da Capela Brancacci em Sta.
Maria del Carmine. O Pagamento do Tributo é o mais
famoso dentre eles. Ilustra, pelo velho método conhecido
como narrativa contínua, a história do Evangelho Segundo
S. Mateus. Masaccio utiliza aqui os mesmos processos
empregados pelo Mestre de Flémalle e pelos van Eyck –
regula o afluxo da luz e usa a perspectiva atmosférica nos
tons subtilmente cambiantes da paisagem.
As figuras em O Pagamento do Tributo patenteiam, ainda
mais do que as do fresco da Trindade, a capacidade de
Masaccio para combinar o peso e o volume das figuras de
Giotto com a nova visão funcional do corpo e das
roupagens. A narrativa é-nos transmitida mais pelos olhares
intensos do que pelo movimento físico. Mas num outro
fresco da Capela Brancacci, A Expulsão do Paraíso,
Masaccio prova decisivamente a sua capacidade de
representar o corpo humano em movimento.
Embora possuísse um temperamento de pintor mural,
Masaccio era igualmente versado na pintura de painel. O
seu grande políptico, feito em 1426 para a Igreja das
Carmelitas de Pisa, veio a dispersar-se por várias colecções.
Não constitui surpresa, depois do fresco da Trindade, que
Masaccio substitua o trono gótico ornamentado mas frágil
de Giotto por um sólido e austero assento de pedra, no
estilo de Brunelleschi.
FRA FILIPPO LIPPI. A morte prematura de Masaccio
deixou um vazio que não foi preenchido durante bastante
tempo. Entre os seus contemporâneos mais jovens, apenas
Fra Filippo Lippi (1406-69) parece ter tido um contacto
mais chegado com ele. O primeiro trabalho datado de Fra
Filippo, a Nossa Senhora no Trono de 1437, evoca, em
vários aspectos importantes, a Virgem de Masaccio – a luz,
o trono pesado, as maciças figuras tridimensionais, as
pregas tombantes do manto. Mas faltam-lhe a
monumentalidade e a austeridade de Masaccio.
Temos de salientar um aspecto novo desta Virgem: o
interesse do pintor pelo movimento, evidente nas figuras e
no drapeado do manto. Estes efeitos já se encontravam nos
baixos-relevos de Donatello e de Ghiberti. Não é de
- História da Arte II -
estranhar que estes dois artistas tenham exercido uma
influência tão forte na pintura florentina na década a seguir
à morte de Masaccio. A idade, a experiência e o prestígio
deram-lhes uma autoridade que nenhum outro pintor
florentino de então conseguiu igualar.
Ucello, a perspectiva produz efeitos estranhamente
perturbadores e fantásticos. O que dá unidade à sua pintura
não é a construção espacial, mas os efeitos de superfícies,
decorativamente reforçados por manchas de cor brilhante e
pelo uso abundante do ouro.
FRA ANGELICO. Se Fra Filippo dependeu mais de
Donatello que de Ghiberti, sucedeu o contrário ao seu
contemporâneo, um pouco mais velho, Fra Angelico (14001455). Quando o Mosteiro de São Marcos em Florença foi
reconstruído (1437-1452), Fra Angelico embelezou-o com
numerosos frescos. À grande Anunciação deste ciclo tem
sido atribuída a data de 1440. Fra Angelico conserva
aqueles aspectos de Masaccio – a sua dignidade, franqueza
e ordem espacial – que Fra Filippo tinha rejeitado. Mas as
suas figuras jamais alcançaram a segurança física e
psicológica que caracterizava a imagem do homem no
Proto- Renascimento.
Nascido em 1397, Ucello tinha sido formado no estilo
gótico da pintura, e só nos anos de 1430 se deixou
converter, pela nova ciência da perspectiva, às concepções
proto-renascentistas.
DOMENICO VENEZIANO. Em 1439, instalou-se em
Florença um talentoso pintor de Veneza, Domenico
Veneziano. Deve ter simpatizado com o espírito da arte
proto-renascentista, porque cedo se tornou um Florentino de
adopção e um mestre de grande importância na sua nova
pátria. A Virgem com o Menino e Santos, é um dos
primeiros exemplos de um novo tipo de painel de altar que
veio a ser popularíssimo a partir dos meados do século – a
chamada Sacra Conversazione (“Conversa Sagrada”). O
esquema inclui uma Virgem no Trono, enquadrada por
elementos arquitectónicos e ladeada por santos que parecem
conversar com ela, com o contemplador ou entre si. A
Sacra Conversazione é notável tanto pelo esquema de cores
como pela composição.
PIERO DELLA FRANCESCA. Quando Domenico
Veneziano se estabeleceu em Florença teve como ajudante
um rapaz do Sudoeste da Toscana, chamado Piero della
Francesca (1420-1492), depois o seu discípulo mais
importante e um dos artistas verdadeiramente grandes do
Proto-Renascimento. O estilo de Piero reflectia, ainda mais
fortemente que o de Domenico, os objectivos de Masaccio.
Durante uma longa carreira manteve-se na mesma senda do
fundador da pintura do Renascimento italiano, enquanto o
gosto florentino evoluía, após 1450, num sentido diferente.
A obra mais importante de Piero é o ciclo de frescos na
capela-mor da igreja de S. Francisco, em Arezzo, que ele
pintou entre 1452 e 1459. Os numerosos episódios
representam a Lenda da Vera Cruz (a origem e história da
cruz em que Cristo foi pregado).
Os laços de Piero com Domenico Veneziano estão bem
patentes nas cores que usa. A tonalidade deste fresco,
embora menos luminosa que na Sacra Conversazione, é
igualmente dourada, evocando, de forma muito semelhante,
a luz do Sol pela manhã. Mas as figuras de Piero têm uma
grandeza austera que faz recordar Masaccio ou até Giotto,
mais que Domenico.
UCELLO. Na Florença dos meados do século XV havia
apenas um pintor que partilhava a devoção de Piero pela
perspectiva: Paolo Ucello (1397-1475). A sua Batalha de
San Romano, pintada aproximadamente ao mesmo tempo
que os frescos de Piero em Arezzo, revela uma extrema
preocupação com as formas estereométricas. Nas mãos de
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CASTAGNO. A terceira dimensão não apresentava
qualquer dificuldade para Andrea del Castagno (14231457), o mais dotado pintor florentino da geração de Piero
della Francesca. Menos subtil mas mais vigoroso que
Domenico, Castagno consegue captar um pouco da
monumentalidade de Masaccio, na sua Última Ceia, um dos
frescos que pintou no refeitório do Convento de Sta.
Apollonia. Uns cinco anos depois da Última Ceia, entre
1450 e 1457, Castagno executou o admirável David.
O CENTRO E O NORTE
DA ITÁLIA: 1450-1500
À medida que os fundadores do Proto-Renascimento e seus
sucessores imediatos, foram desaparecendo, começou a
afirmar-se nos meados do século uma geração mais jovem.
Ao mesmo tempo, as sementes lançadas pelos mestres
florentinos noutras regiões da Itália começaram a dar fruto.
Quando algumas destas regiões, especialmente o Nordeste,
produziram versões distintas do novo estilo, a Toscana
perdeu a posição privilegiada de que gozara até então.
A Arquitectura
ALBERTI. A morte de Brunelleschi, em 1446, trouxe ao
primeiro plano da arquitectura Leone Battista Albert (140472), que tal como Brunelleschi só muito tarde começou a
exercer a sua actividade como arquitecto. Até perfazer
quarenta anos, Alberti parece ter estado interessado nas
Belas-Artes unicamente como arqueólogo e teorizador.
Estudou os monumentos da antiga Roma, compôs os
primeiros tratados do Renascimento sobre escultura e
pintura.
O Palácio Rucellai. O projecto para o Palácio Rucellai
parece uma crítica de Alberti ao Palácio Medici. Alberti
resolveu aqui um problema que se tornou fundamental na
arquitectura do Renascimento: como aplicar um sistema
clássico de articulação ao exterior duma estrutura nãoclássica.
S. Francesco, Rimini. Para o seu primeiro exterior de igreja,
Alberti tentou uma alternativa radicalmente diversa. O
senhor de Rimini contratou-o em 1450, para transformar a
igreja gótica de S. Francesco num Templo da Fama. Alberti
revestiu o velho edifício com um invólucro renascentista.
- História da Arte II -
O sistema clássico de S. Francesco conserva em demasia o
seu carácter romano antigo para se adaptar à forma de uma
fachada de basílica.
Sto. André, Mântua. Só para o fim da sua carreira, Alberti
encontrou a solução adequada. Na majestosa fachada de
Sto. André de Mântua, desenhada em 1470, sobrepôs uma
frontaria de templo clássico no motivo do arco triunfal,
agora com um enorme nicho ao centro. Tão empenhado
estava Alberti em sublinhar a coesão interior da fachada
que lhe deu largura igual à altura.
A IGREJA DE PLANTA CENTRADA. O Tratado de
arquitectura de Alberti explica que a planta das igrejas
deveria ser circular, ou de forma derivada do círculo,
porque o círculo é a forma mais perfeita e a mais natural, e
por isso uma imagem directa da razão divina.
Este argumento assenta na crença de Alberti na validade
divina das proporções matematicamente determinadas; mas
como podia ele concilia-la com a evidência histórica? Com
efeito, a planta típica dos templos antigos e das primitivas
igrejas cristãs era longitudinal.
A igreja de Alberti requer um traçado harmonioso como
uma revelação divina e que suscite a piedosa contemplação
dos fiéis. Erguendo-se isolada, acima do mundo quotidiano
que a envolve, deveria ser iluminada por aberturas situadas
na parte superior, para que, através dela, apenas se pudesse
ver o céu.
Quando Alberti formulou estas ideias no seu Tratado de
1450, apenas poderia ter citado a revolucionária Sta. Maria
degli Angeli, de Brunelleschi, como exemplo moderno de
uma igreja de planta centrada. Mas, para o fim do século
XV, depois de o seu Tratado se tornar largamente
conhecido, esta planta ganhou aceitação geral. Enter 1500 e
1525 esteve em voga na arquitectura do Renascimento
Pleno.
GIULIANO DA SANGALLO. Santa Maria delle Carceri,
em Prato, um dos primeiros e mais distintos exemplos desta
tendência, foi começada em 1485. O seu arquitecto,
Giuliano da Sangallo (1443-1516), deve ter sido um
admirador de Brunelleschi mas a configuração essencial do
edifício aproxima-se muito do ideal de Alberti.
Exceptuando a cúpula, toda a igreja poderia encaixar-se
dentro de um cubo, já que a altura é igual à largura e ao
comprimento. Giuliano formou uma cruz grega. Não pode
haver dúvidas de que Giuliano a desenhou conforme a
velha tradição da Cúpula do Céu. A abertura central ao alto
e as doze no perímetro referem-se claramente a Cristo e aos
Apóstolos. Brunelleschi já tinha encontrado esta solução na
Capela Pazzi, mas a cúpula de Giuliano, a coroar uma
estrutura perfeitamente simétrica, transmite de um modo
bem mais impressionante o seu valor simbólico.
LUCA DELLA ROBBIA. À parte Ghiberti, o único
escultor de nota em Florença depois da partida de Donatello
foi Luca della Robbia (1400-82). Ganhara reputação desde
os anos de 1430, com os relevos de mármore da Cantoria
ou “púlpito dos cantores”, na Catedral.
Até ao fim da sua longa carreira, dedicou-se quase
exclusivamente à escultura de terracota – um material mais
barato e menos exigente que o mármore – que revestia de
vidrados, semelhantes a esmalte, para esconder a superfície
do barro e lhe aumentar a resistência. Os seus melhores
trabalhos nesta técnica têm o encanto dos painéis da
Cantoria. O vidrado branco das figuras e da moldura dá a
impressão de mármore, destacado sobre o azul forte do
fundo. Mais tarde, a qualidade do modelado deteriorou-se e
à simples harmonia de branco e azul sucedeu uma
variedade de tons mais vivos. Ao findar o século, a oficina
de della Robbia tornara-se numa fábrica, produzindo às
dúzias pequenos painéis da Virgem e retábulos de cores
berrantes para igrejas de aldeia.
Porque Luca abandonou quase totalmente o trabalho do
mármore, houve uma notória falta de bons escultores neste
material na Florença em 1440 e anos seguintes. Quando
Donatello regressou a carência já fora suprimida por um
grupo de artistas, quase todos com pouco mais de vinte
anos, oriundos das povoações dos montes de Norte e Leste
da cidade.
BERNARDO ROSSELLINO. O mais velho de todos eles,
Bernardo Rossellino (1409-64), parece ter começado a
carreira como escultor e arquitecto em Arezzo. Estabeleceuse em Florença em 1436 mas só oito anos mais tarde
receberia encomendas de importância, quando lhe
confiaram a execução do túmulo de Leonardo Bruni. Este
grande humanista e homem de Estado havia desempenhado
um papel vital na cidade desde o começo do século. Por sua
morte, em 1444, fizeram-lhe um solene funeral à maneira
dos Antigos e o seu monumento funerário deve ter sido
encomendado pelas autoridades.
O estilo escultórico do túmulo de Bruni não se define com
facilidade, porque é composto de partes de qualidade muito
variada. De maneira geral, reflecte o classicismo de
Ghiberti e de Luca della Robbia. Os ecos de Donatello são
poucos e indirectos.
O BUSTO-RETRATO. A grande tradição romana de
escultura realista de retratos tinha desaparecido no final da
Antiguidade. O seu ressurgimento foi durante muito tempo
atribuído a Donatello, mas os primeiros exemplos que
conhecemos pertencem aos anos de 1450 e nenhum deles é
de Donatello. Parece mais provável que o retrato-busto do
Renascimento deva as suas origens aos jovens escultores do
círculo de Bernardo Rossellino.
Um belo exemplo foi esculpido em 1456 por António
Rossellino (1427-1479). Representa um médico florentino
muito considerado, cujo carácter está definido com
extraordinária precisão.
A Escultura
Donatello trocara Florença por Pádua em 1443. Nenhum
jovem escultor foi capaz de preencher a vaga deixada por
Donatello. Em resultado da sua ausência subiram ao
primeiro plano os outros escultores que permaneciam na
cidade.
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POLLAIUOLO. A popularidade dos bustos-retratos, depois
de 1450, corresponde a uma procura de obras para
colecções particulares. Humanistas e artistas foram os
primeiros a juntar estátuas, bustos e baixos-relevos. Não
- História da Arte II -
tardaria que muitos escultores prestassem atenção a esta
voga crescente, e se dedicassem a executar bustos e
estatuetas de bronze, à maneira dos Antigos, solicitados
pelos amadores.
Uma peça excepcional deste género é da autoria de António
Pollaiuolo (1431-98). Representa um estilo escultórico
muito diferente do que então se manifesta na escultura de
mármore. Formado como ourives, recebeu funda influência
do último estilo de Donatello e de Castagno, bem como da
Arte Antiga. A partir daí, desenvolveu um estilo muito
pessoal, como se pode ver no Hércules e Anteu.
NICCOLO DELL’ARCA. A importância desta integração
de movimentos e acção é flagrante: a Lamentação, de
Niccolo dell’Arca, de 1485-90. Não conhecemos qualquer
ligação directa entre esta obra e Pollaiuolo, mas não é de
crer que fosse criada sem a influência dele.
VERROCCHIO. Palliauolo nunca teve oportunidade de
fazer uma estátua de grande tamanho. Para obras de tal
vulto, temos de nos voltar para um seu contemporâneo,
Andrea del Verrochio (1435-88), o maior escultor desse
tempo e o único que, de algum modo, podemos comparar a
Donatello pela versatilidade e ambição. Modelador e
cinzelador, combinou elementos de António Rossellino e
António del Pollaiuolo numa síntese única.
A sua obra mais popular em Florença é o Cupido ou Putto
com Golfinho. Foi desenhada para o centro de uma fonte
para uma das vilas dos Medici, próximo de Florença. O
termo putti designa os meninos alados e nus que
frequentemente aparecem representados na Arte Antiga.
Foram reintroduzidos na arte do Proto-Renascimento, com
o seu carácter original ou na qualidade de anjos-meninos.
Por estranha coincidência, a realização suprema da carreira
de Verrochio, tal como sucedera a Donatello, foi um
monumento equestre de bronze, desta vez em honra do
comandante dos exércitos venezianos. Verrochio deve ter
considerado a obra de Donatello como um protótipo, não se
contentando todavia em imitar simplesmente o ilustre
modelo. O cavalo, gracioso e vivo, em vez de robusto e
plácido, foi modelado com o mesmo sentido da anatomia
em movimento que vimos nos nus de Pollaiuolo.
A Pintura
Antes de considerarmos de novo a pintura florentina, é
preciso analisar o desenvolvimento da arte do ProtoRenascimento do Norte da Itália. O Estilo Internacional
prolongou-se na pintura e na escultura até meados do
século, e a arquitectura manteve um forte sabor gótico
muito depois de adoptado um vocabulário clássico. Nesta
região, entre 1450 e 1500, só a pintura sobressai, porque
faltaram realizações de monta em qualquer dos outros dois
campos. Mas em Veneza e nos seus territórios, durante
esses mesmos anos, nasceu uma tradição que iria florescer
nos três séculos seguintes. Não é por isso de estranhar que
lhe coubesse tornar-se o principal centro artístico da Itália
setentrional no Proto-Renascimento.
PÁDUA: MANTEGNA. Com os mestres florentinos o
novo estilo penetrava em Veneza e na vizinha cidade de
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Pádua logo após 1420. Pouco antes de 1450, o jovem
Andrea Mantegna (1431-1506) surgiu como mestre
independente. Iniciou a sua aprendizagem com um pintor
menor de Pádua, mas logo na primeira fase da sua criação
se nota a influência decisiva das obras florentinas que
pudera ver, impressões reforçadas talvez por um contacto
pessoal com Donatello. A seguir a Masaccio, Mantegna foi
o pintor mais importante do Proto-Renascimento.
A sua maior realização dessa época (nos anos de 1450)
foram os frescos da Igreja dos Eremitani em Pádua.
A veneração de Mantegna pelos restos visíveis da
Antiguidade mostra a sua estreita relação com os sábios
humanistas da Universidade de Pádua. O desejo de
autenticidade arqueológica pode ver-se nos trajes dos
soldados romanos. Mas as figuras tensas, delgadas e
firmemente construídas, e especialmente a sua dramática
interacção, derivam claramente de Donatello.
VENEZA: BELLINI. Na pintura de Giovanni Bellini (c.
1431-1516) podemos seguir o desenvolvimento da tradição
flamenga. Os seus melhores quadros, tais como S.
Francisco em Êxtase, datam das últimas décadas do século.
A figura do santo é tão pequena, em relação ao cenário, que
ele parece estar ali por acaso. Os contornos de Bellini são
menos secos que os de Mantegna, as cores mais suaves e a
luz mais brilhante. E, como os grandes flamengos, encara
com ternura cada pormenor da Natureza.
Considerado então o mais excelente pintor da cidade de
Veneza, Bellini produziu vários retábulos de altar do tipo da
Sacra Conversazione. A sua construção não é a de uma
verdadeira igreja, porque os lados são abertos e toda a cena
é inundada pela luz suave do Sol.
O que de imediato diferencia o seu altar dos seus
antecessores florentinos é não só a amplitude do desenho
mas a sua atmosfera calma e meditativa. É uma qualidade
que encontraremos vezes sem fim na pintura veneziana. É
neste momento mágico que Giovanni Bellini se torna
verdadeiramente no herdeiro dos dois grandes pintores do
século XV, unindo a grandiosidade florentina de Masaccio
com a intimidade poética do setentrional Jan van Eyck.
FLORENÇA: BOTTICELLI. A tendência anunciada pelo
David de Castagno substitui a monumentalidade estática de
Masaccio por um movimento enérgico e gracioso. Atinge o
ponto culminante no último quartel do século, com a arte de
Sandro Botticelli (1444-1510). Aluno de Fra Filippo Lippi e
fortemente influenciado por Pollauiuolo, Botticelli em
breve se tornou o pintor preferido do chamado círculo
Medici.
Foi para um membro deste grupo que Botticelli pintou o
Nascimento de Vénus, talvez o mais famoso dos seus
quadros, cujo parentesco com o Combate dos Dez Homens
Nus de Pollaiuolo é inconfundível. Manifestamente
Botticelli não participa da paixão de Pollaiuolo pela
anatomia. Os seus corpos são mais esguios e desprovidos de
peso e força muscular, como se flutuassem, mesmo quando
tocam o chão. Tudo isto parece negar os valores
fundamentais da arte do Proto-Renascimento e, no entanto,
o quadro nada tem de medieval.
- História da Arte II -
O NEO-PLATONISMO. Durante a Idade Média, as formas
clássicas tinham-se divorciado dos temas clássicos. Os
artistas utilizavam o repertório antigo de atitudes, gestos,
expressões, etc., mas trocaram a identidade das figuras: os
filósofos transformaram-se em Apóstolos. Quando havia
oportunidade de representar deuses pagãos, os artistas
baseavam-se nas fontes literárias em vez de se inspirarem
nas obras de arte antigas. Esta foi, de um modo geral, a
situação até meados do século XV. Só com Pollaiuolo – e
Mantegna no Norte da Itália – a forma e o conteúdo
clássico começaram a associar-se de novo. As pinturas
perdidas dos Trabalhos de Hércules de Pollaiuolo (1465)
assinalam o primeiro caso de assuntos da mitologia clássica
tratados em ponto grande num estilo inspirado nos antigos
monumentos. E o Nascimento de Vénus contém a primeira
imagem monumental, desde os tempos romanos, da deusa
nua, numa atitude derivada das suas estátuas clássicas.
Como se podiam justificar tais imagens numa civilização
cristã, sem expor o artista e o seu patrono à acusação de
neo-paganismo? Na Idade Média, os mitos clássicos foram
por vezes interpretados didacticamente. Fundir a fé cristã
com a mitologia antiga exigia uma argumentação
sofisticada, que ficaria a dever-se aos filósofos neoplatónicos, cujo representante principal, Marsílio Ficino,
gozou de formidável prestígio a partir dos últimos anos do
século XV. O pensamento de Ficino representava a antítese
do sistema escolástico medieval. Para Ficino, a vida do
Universo, incluindo a do homem, estava ligada a Deus por
um circuito espiritual, de modo que toda a revelação, quer
da Bíblia, quer de Platão, quer ainda dos mitos clássicos,
era só uma.
A filosofia neo-Platónica e a sua manifestação na arte eram,
evidentemente, demasiado complexas para se tornarem
populares fora do círculo restrito e intelectualmente
superior dos seus admiradores.
FLORENÇA: PIERO DI COSIMO. Um painel de Piero di
Cosimo (1462-1521), contemporâneo de Botticelli, ilustra
uma visão da mitologia pagã que é oposta à dos neoplatónicos. Em vez de espiritualizar os deuses pagãos, faz
que desçam à terra, como seres de carne e osso. Segundo
esta teoria, o homem teria ascendido lentamente do
primitivo estado selvagem, mediante as descobertas e
invenções de alguns indivíduos excepcionalmente dotados;
a estes homens acabara por ser reconhecida a condição de
deuses.
FLORENÇA: GHIRLANDAIO. Como Piero, também foi
sensível ao realismo dos Flamengos o pintor Domenico
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Ghirlandaio (1449-1494), outro contemporâneo de
Botticelli. Os ciclos de frescos de Ghirlandaio encontram-se
tão cheios de retratos que mais parecem crónicas de família
dos ricos patrícios que lhos encomendaram. Um dos seus
painéis mais comovedores é o do velho com o neto.
Nenhum pintor do Norte poderia transmitir, como
Ghirlandaio, a terna relação humana entre o rapazinho e o
seu avô. Sob o aspecto psicológico, o painel revela uma
clara origem italiana.
URBINO: PERUGINO. Roma, muito tempo posta à
margem, durante o exílio papal em Avinhão, tornou-se de
novo um importante centro de arte nos finais do século XV.
À medida que o Papado foi retomando o seu poder político
na Itália, os ocupantes do trono de S. Pedro começaram a
embelezar tanto o Vaticano como a cidade, na convicção de
que os monumentos da Roma Cristã deviam ofuscar os do
passado pagão. O projecto pictural mais ambicioso desse
período foi a decoração das paredes da Capela Sistina, em
1482. Entre os artistas que executaram este grande ciclo de
cenas do Antigo e do Novo Testamento, encontramos a
maioria dos pintores importantes da Itália central, incluindo
Botticelli e Ghirlandaio.
A Entrega das Chaves, de Pietro Perugino (1450-1523),
sem dúvida pode ser tida pela melhor das suas obras.
Nascido na Umbria, Perugino manteve estreitos laços com
Florença. Logo na primeira fase da sua vida artística sofreu
a influência decisiva de Verrocchio.
CORTONA: SIGNORELLI. Luca Signorelli (1445-1523)
anda associado a Perugino por um passado semelhante, se
bem que a sua personalidade seja infinitamente mais
dramática. De origem toscana, foi discípulo de Piero della
Francesca antes de ir para Florença nos anos de 1470.
Como Perugino, Signorelli não escapou à funda influência
de Verrocchio, mas admirava também a energia,
expressividade e precisão anatómica dos nus de Pollaiuolo.
Atingiu o apogeu da sua carreira, um pouco antes de 1500,
nos quatro frescos monumentais que representam o fim do
mundo, das paredes da Capela de S. Brizio, na Catedral de
Orvieto. O que mais nos impressiona é o profundo
sentimento trágico que impregna toda a cena. O Inferno de
Signorelli, diametralmente oposto ao de Bosch, tem a luz
do dia pleno, sem o pesadelo das máquinas de tortura ou os
monstros grotescos. Os condenados conservam a dignidade
humana e até os próprios demónios estão humanizados.
- História da Arte II -
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- História da Arte II -
3
O RENASCIMENTO
PLENO
NA ITÁLIA
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- História da Arte II -
O Renascimento Pleno era continuação do ProtoRenascimento. Supunha-se que os grandes mestres do
século XVI – Leonardo, Bramante, Miguel Ângelo, Rafael,
Giorgione, Ticiano – haviam partilhado os ideais dos seus
predecessores, mas dando-lhes expressão tão completa que
os seus nomes se tornaram sinónimo de perfeição.
Representavam o apogeu, a fase suprema do Renascimento.
A ÚLTIMA CEIA. A Última Ceia de Leonardo, composta
uns doze anos mais tarde, tem sido sempre reconhecida
como a primeira afirmação clássica dos ideais da pintura do
Renascimento Pleno. Infelizmente o fresco começou a
deteriorar-se poucos anos depois de ter sido acabado.
Olhando a composição como um todo, salta desde logo à
vista a sua estabilidade equilibrada como nenhum artista
jamais tentara.
O Renascimento Pleno, se nalguns aspectos fundamentais
nos parece a culminação do Proto-Renascimento, quanto a
outros terá representado um ponto de partida. É certo que a
tendência para ver no artista um génio soberano, e não um
artífice dedicado, nunca foi mais forte que durante a
primeira metade do século XVI.
Leonardo começou pela composição das figuras e a
arquitectura desempenhou, desde o primeiro momento, o
papel de simples apoio. Este quadro exemplifica o que o
artista escreveu num dos seus livros de apontamentos: que o
objectivo último da pintura, mas também o mais difícil de
alcançar, é retratar a intenção da alma humana.
Este culto do génio exerceu um efeito profundo sobre os
artistas do Renascimento Pleno, acicatando-os para
objectivos vastos e ambiciosos. A crença do artista na
origem divina da inspiração levava-o a firmar-se em
critérios subjectivos de verdade e beleza, e não em critérios
objectivos. Se os artistas do Proto-Renascimento se sentiam
vinculados àquilo que acreditavam serem regras de validade
universal, tais como as leis de perspectiva científica, os seus
sucessores do Renascimento Pleno preocupavam-se menos
com a ordem racional que com a efectividade visual.
Desenvolveram um novo drama e uma nova retórica para
cativar as emoções do espectador. As obras dos grandes
mestres do Renascimento Pleno tornaram-se logo clássicas
por direito próprio e a sua autoridade veio a ser igual à dos
monumentos mais famosos da Antiguidade.
A MONA LISA. Em 1500 ia executando o famosíssimo
retrato de Mona Lisa. O delicado sfumato alcançou um tal
grau de perfeição que pareceu um milagre aos
contemporâneos do artista. A fama deste óleo não vem
apenas de uma subtileza pictórica; mais intrigante ainda é o
fascínio psicológico da personalidade do modelo. Porque
nenhum outro sorriso foi considerado tão misterioso?
Leonardo da Vinci
Um dos aspectos mais estranhos do Renascimento Pleno é o
facto de todos os seus monumentos fundamentais terem
sido produzidos entre 1495 e 1520, apesar da grande
diferença de idades entre os seus criadores.
Nascido em 1452 na pequena cidade toscana de Vinci,
Leonardo praticou com Verrocchio. Aos trinta anos entrou
ao serviço do Duque de Milão – na qualidade de engenheiro
militar, e acessoriamente na de arquitecto, escultor e pintor.
A ADORAÇÃO DOS MAGOS. Leonardo deixou
inacabada a obra mais ambiciosa que tinha encetado, uma
grande Adoração dos Reis Magos para a qual já executara
muitos estudos preliminares. O aspecto mais surpreendente
– e verdadeiramente revolucionário – deste painel é o modo
como está pintado.
As formas parecem materializar-se de modo suave e
gradual, nunca chegando a destacar-se completamente da
penumbra envolvente. Leonardo não pensa em termos de
contornos, mas sim de corpos tridimensionais tornados
visíveis pela incidência da luz. Nas sombras, estas formas
permanecem incompletas, os seus contornos estão
meramente implícitos.
A VIRGEM DOS ROCHEDOS. Pouco tempo depois de
chegar a Milão, Leonardo executou a Virgem dos Rochedos,
também um painel de altar. Aqui as figuras emergem da
gruta envoltas por uma atmosfera carregada de humidade
que lhes vela delicadamente as formas.
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OS DESENHOS. Na idade avançada, Leonardo dedicou-se
cada vez mais aos seus interesses científicos. O alcance
extraordinário das suas investigações pessoais está presente
nas centenas de desenhos e notas que esperava incorporar
numa série de tratados enciclopédicos. Os testemunhos dos
contemporâneos mostram que Leonardo gozava de
reputação como arquitecto. Estes esboços possuem uma
grande importância histórica, pois através deles se consegue
estabelecer a transição do Proto-Renascimento para o
Renascimento Pleno na arquitectura.
Bramante
O TEMPIETTO. Bramante seria o criador da arquitectura
do Renascimento Pleno. O novo estilo já se define no
Tempietto de S. Pietro in Montorio, de Bramante,
projectado pouco depois de 1500.
A BASÍLICA DE S. PEDRO. O Tempietto é a primeira das
grandes realizações que fizeram de Roma o centro da arte
italiana durante o primeiro quartel do século XVI. Coube a
Bramante a tarefa de substituir a velha basílica de S. Pedro,
por uma igreja tão magnificente que ofuscasse todos os
monumentos da antiga Roma imperial. O plano de
Bramante obedecia a todos os requisitos estabelecidos por
Alberti para a arquitectura religiosa, baseado inteiramente
no círculo e no quadrado.
Como é que ele se propunha construir um edifício de
tamanho tão imponente? A pedra talhada ou tijolo, os
materiais preferidos pelos arquitectos medievais não
serviam, por razões de ordem técnica e económica; só a
construção em betão, tal como a usada pelos romanos, mas
depois caída em esquecimento durante a Idade Média, era
suficientemente forte e barata para responder às
necessidades de Bramante. Ao dar vida nova a esta técnica
antiga, abriu uma nova era na história da arquitectura, uma
vez que o betão permitia realizar traçados de muito maior
flexibilidade que os métodos de construção dos pedreiros
medievais.
- História da Arte II -
Miguel Ângelo
Miguel Ângelo foi escultor e abraçava uma fé na imagem
humana como supremo veículo de expressão conferindo-lhe
afinidade com a escultura clássica. Assim como concebia as
suas estátuas como corpos humanos libertados da sua prisão
de mármore, também o corpo era para ele a prisão terrena
da alma. Este dualismo entre corpo e espírito confere às
suas figuras um “pathos” extraordinário; calma no exterior,
parecem ser agitadas por uma energia psíquica irresistível.
DAVID. As qualidades únicas da arte de Miguel Ângelo
estão integralmente presentes no David, a primeira estátua
monumental do Renascimento Pleno, encomendada em
1501. A escala heróica, a beleza e poder sobre-humanos e o
volume dilatado das suas formas tornaram-se parte do
próprio estilo de Miguel Ângelo e, através dele, da arte do
Renascimento em geral.
O TÚMULO DE JÚLIO II. Este traço persiste no Moisés e
nos dois escravos esculpidos cerca de uma década mais
tarde.
A CAPELA SISTINA. O sepulcro de Júlio II ficou por
acabar quando o papa interrompeu a actividade de Miguel
Ângelo na fase inicial do projecto, para que ele fosse
decorar a fresco o tecto da Capela Sistina. Miguel Ângelo
realizou o trabalho em quatro anos (1508-12), produzindo
uma obra-prima que fez época. É um imenso organismo
com centenas de figuras distribuídas ritmicamente dentro da
moldura arquitectónica pintada. Na área central,
subdividida por cinco pares de traves, encontram-se nove
cenas do Génesis, desde a criação do Mundo até à
Embriaguez de Noé.
O JUÍZO FINAL. Quando Miguel Ângelo voltou à Capela
em 1534, mais de vinte anos depois, o mundo ocidental
sofria a crise espiritual e política da Reforma. É com crua
nitidez que nos apercebemos da mudança de atmosfera
quando passamos da vitalidade radiante dos frescos do
tecto, para a visão sombria do Juízo Final.
A CAPELA DOS MÉDICIS. O intervalo entre a realização
do tecto da Capela Sistina e a do Juízo Final, a família
Médici preferiu empregar Miguel Ângelo em Florença. As
actividades deste centraram-se em San Lorenzo, a igreja dos
Médicis.
A BIBLIOTECA LAURENTINA. Miguel Ângelo
construiu a Biblioteca Laurentina, anexa a San Lorenzo,
para aí instalar para o público a vasta colecção de livros e
manuscritos pertencentes à família Médici.
O CAPITÓLIO. Durante os últimos trinta anos da sua vida,
a arquitectura tornou-se a principal preocupação de Miguel
Ângelo. Em 1537-39 recebeu o encargo mais ambicioso da
sua carreira: transformar o Capitólio numa praça com um
enquadramento monumental digno deste local venerado,
outrora o centro simbólico da Roma Antiga. Tinha,
finalmente, oportunidade de planear em grande escala e
tirou todo o partido dela.
S. PEDRO. Com o Capitólio, a ordem colossal ficou
firmemente estabelecida no repertório da arquitectura
monumental. O próprio Miguel Ângelo voltou a utiliza-la
- 23 -
no exterior da igreja de S. Pedro, com resultados
igualmente impressionantes.
A PIETÁ DE MILÃO. A segurança magnífica com que
Miguel Ângelo tratou projectos como os do Capitólio, ou o
da igreja de S. Pedro, parece desmentir o seu auto-retrato,
sob a forma de uma pele engelhada, no Juízo Final. Na sua
última peça escultórica, a Pietá de Milão, há uma busca de
novas formas.
Rafael
Se Miguel Ângelo é o génio solitário, Rafael pertence com
a mesma certeza ao tipo oposto: o do artista-homem de
sociedade. Ele é o pintor central do Renascimento Pleno, a
nossa concepção global desse estilo assenta mais na sua
obra que na de qualquer outro mestre.
O génio de Rafael consistiu num poder de síntese único,
que lhe permitiu fundir as qualidades de Leonardo e de
Miguel Ângelo, criando uma arte ao mesmo tempo lírica e
dramática, unindo a riqueza da pintura à solidez da
escultura.
A ESCOLA DE ATENAS. A influência de Miguel Ângelo
sobre Rafael afirmar-se-ia com toda a plenitude nas pinturas
que este fez em Roma. Na altura em que Miguel Ângelo
iniciava a pintura do tecto da Capela Sistina, Júlio II fez vir
de Florença o jovem artista e encarregou-o de decorar um
conjunto de salas do Palácio do Vaticano.
A Escola de Atenas de há muito reconhecida como a obraprima de Rafael é a corporização perfeita do espírito
clássico do Renascimento Pleno. O tema é “a escola
ateniense de pensamento”, um grupo de filósofos gregos
famosos, reunidos à volta de Platão e Aristóteles, cada qual
numa actividade ou atitude característica. É evidente que
deve a Miguel Ângelo a energia expressiva, o poder físico.
A impressionante composição das personagens.
A GALATEIA. Rafael jamais voltou a montar um fundo
arquitectural tão esplêndido. A criação do espaço pictural
confiou-o cada vez mais ao movimento das figuras
humanas. Na Galateia, de 1513, o tema é outra vez clássico
– a bela ninfa Galateia, perseguida em vão por Polifemo,
pertence à mitologia grega.
OS RETRATOS. Já numa primeira fase da sua carreira
Rafael dera mostras de talento especial como retratista. A
sua genial capacidade de síntese revela-se na combinação
do realismo dos retratos do século XV com o ideal humano
do Renascimento Pleno. Rafael não favorecia os retratados,
nem seguia as convenções.
Giorgione
A distinção entre o Proto-Renascimento e o Renascimento
Pleno, tão marcada em Florença e em Roma, é muito menos
acentuada em Veneza. Giorgione (1478-1510), o primeiro
pintor veneziano a pertencer ao século XVI, apenas saiu da
órbita de Bellini durante os últimos anos da sua breve
carreira.
- História da Arte II -
A TEMPESTADE. Entre as raras obras da sua plenitude, A
Tempestade é ao mesmo tempo a mais individual e a mais
enigmática. As figuras de Giorgione não nos explicam a
cena; pertencem à Natureza, são testemunhas passivas da
tormenta prestes a desabar sobre elas.
Ticiano
Giorgione morreu antes de poder explorar por completo o
mundo sensual e lírico criado em A Tempestade. Legou essa
tarefa a Ticiano (1488-1576), um artista de dotes
comparáveis, influenciado decisivamente por Giorgione,
que dominou a pintura veneziana durante o meio século
seguinte.
A BACANAL. A Bacanal, de 1518, é abertamente pagã,
inspirada na descrição de um autor antigo. Ticiano
familiarizou-se com a arte do Renascimento Pleno e alguns
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dos participantes da Bacanal também reflectem a influência
da arte clássica. Ele vê o reino dos mitos clássicos como
parte do mundo natural, habitado por seres de carne e osso e
não por estátuas animadas.
A VIRGEM DE PESARO. A mesma qualidade de
animação festiva reaparece em muitas das suas pinturas
religiosas, como sucede em Virgem com Pessoas da
Família Pesaro.
OS RETRATOS. Depois da morte de Rafael, Ticiano
tornou-se o retratista mais procurado da época. Os seus
dotes prodigiosos são ainda mais notáveis no Homem da
Luva.
OBRAS DO ÚLTIMO PERÍODO. A correspondência entre
forma e técnica é clara em Cristo Coroado de Espinhos,
uma obra-prima de Ticiano na velhice.
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- História da Arte II -
4
O MANEIRISMO
E OUTRAS
TENDÊNCIAS
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
O que aconteceu depois do Renascimento Pleno? Falta-nos
ainda encontrar um nome para os setenta e cinco anos que
medeiam entre o Renascimento Pleno e o Barroco. Tal
período é um tempo de crise que deu origem a diversas
tendências antagónicas, mais que a um ideal predominante.
A PINTURA
O Maneirismo: Florença e Roma
Entre as várias tendências artísticas que se manifestaram a
seguir ao Renascimento Pleno, a do Maneirismo é a mais
discutida. O termo, no sentido original, é limitado e
pejorativo, e designava o estilo de um grupo de pintores dos
meados do século XVI, activos em Roma e Florença, que
cultivavam uma arte conscientemente artificial e
amaneirada, derivada de algumas concepções de Rafael e
Miguel Ângelo.
ROSSO. Os primeiros indícios de inquietação no
Renascimento Pleno aparecem pouco antes de 1520, na
obra de alguns jovens pintores de Florença. Em 1521,
Rosso Fiorentino (1495-1540), o mais excêntrico membro
deste grupo, exprimiu a nova atitude com firme convicção
em A Descida da Cruz. As figuras agitam-se mas são
rígidas. Há aqui uma revolta contra o equilíbrio clássico da
arte do Renascimento Pleno.
PONTORMO. Pontormo (1494-1557), um amigo de Rosso,
tinha uma personalidade igualmente estranha. Introvertido e
tímido, os seus desenhos, de uma sensibilidade
maravilhosa, tais como Estudo de uma Jovem, reflectem
bem estas facetas do seu carácter.
PARMIGIANINO. Esta primeira fase do Maneirismo, o
estilo “anti-clássico” de Rosso e Pontormo, cedo deu lugar
a um outro aspecto do movimento, menos abertamente anticlássico, menos carregado de emoção subjectiva, mas
igualmente afastado do mundo confiante e estável do
Renascimento Pleno. O Auto-retrato de Parmigianino
(1503-1540) não denuncia qualquer perturbação
psicológica. A pintura regista o que ele via ao olhar-se num
espelho convexo.
BRONZINO. Vinculada a um gosto sofisticado e até subtil,
a fase elegante do Maneirismo italiano atraiu especialmente
patronos aristocráticos como o Grão Duque da Toscana e o
Rei de França, cedo se tornando internacional. O estilo
produziu esplêndidos retratos, como o de Eleanora de
Toledo, pelo pintor da corte dos Médici, Agnolo Bronzino
(1503-1572).
principais de Tintoretto, a Última Ceia, tela em que foram
postos de lado os valores clássicos da versão de Leonardo,
pintada havia quase um século. Ele procurou dar ao
acontecimento um ambiente de todos os dias, atravancando
a cena com criados, louça, pratos de fruta, garrafões e
animais domésticos. Tudo isto serve para estabelecer um
contraste dramático entre o natural e o sobrenatural.
EL GRECO. O último – e talvez o maior – pintor
maneirista formou-se também na Escola Veneziana.
Domenico Theotocopoulos (1541-1614), alcunhado de El
Greco, chegou pouco depois de 1560 a Veneza e assimilou
rapidamente as lições de Ticiano, Tintoretto e outros
mestres. Uma década mais tarde, em Roma, travou
conhecimento com a arte de Rafael, Miguel Ângelo e os
Maneiristas da Itália Central. A maior e mais
resplandecente das encomendas que executou é O Enterro
do Conde de Orgaz. Da formação veneziana de El Greco
advém a sua mestria na arte do retrato.
O Proto-Barroco
Uma outra tendência, que também surgiu cerca de 1520, é
uma antecipação de tantos aspectos do estilo Barroco que
pode ser apelidada de Proto-Barroco.
CORREGGIO. Correggio (1489-1534), o representante
principal desta corrente, foi um pintor excepcionalmente
dotado do Norte de Itália. Ainda jovem assimilou a pintura
de Leonardo e dos Venezianos, depois a de Miguel Ângelo
e Rafael, mas não sentiu, como eles, a atracção do ideal de
equilíbrio clássico. A sua maior obra, o fresco da Assunção
da Virgem, na cúpula da Catedral de Parma, é uma obraprima de perspectiva ilusionista, um vasto espaço luminoso,
preenchido por figuras esvoaçantes.
Realismo
Uma terceira tendência da pintura italiana do século XVI
anda associada às cidades ao longo da faixa Norte da
planície lombarda. Alguns artistas dessa região trabalharam
num estilo muito influenciado por Giorgione e Ticiano, mas
com maior interesse pela realidade de todos os dias.
SAVOLDO. Um dos primeiros e mais interessantes destes
realistas da Itália setentrional foi Girolamo Savoldo (14801550), de Bréscia. Em São Mateus o estilo fluído e de
pincelada larga reflecte a influência dominante de Ticiano.
VERONESE. Na obra de Paolo Veronese (1528-88), o
Realismo do Norte da Itália ganha o esplendor de um
grande espectáculo. Nascido e formado em Verona,
Veronese tornou-se, depois de Tintoretto, o pintor mais
importante de Veneza. Em Cristo na Casa de Levi, ele evita
toda a alusão ao sobrenatural.
O Maneirismo: Veneza
TINTORETTO. O Maneirismo só apareceu em Veneza nos
meados do século. O seu expoente principal, Tintoretto
(1518-94), foi um artista de prodigiosa energia,
combinando qualidades de ambas as fases – anticlássica e
elegante- do novo gosto. Espectacular é a última das obras
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A ESCULTURA
Os escultores italianos do fim do século XVI não
conseguem igualar as realizações dos pintores. Os melhores
- História da Arte II -
trabalhos foram produzidos fora da Itália, e o maior escultor
em Florença, a seguir ao falecimento de Miguel Ângelo em
1564, foi nortenho.
Primeira e Segunda Fases do Maneirismo
BERRUGUETE. A fase anticlássica do Maneirismo não
tem paralelo na escultura. A obra do espanhol Alonso
Berruguete (1489-1561) é a que mais se lhe aproxima.
Berruguete tivera contactos com os iniciadores da corrente
anticlássica em Florença, por volta de 1520. O seu S. João
Baptista reflecte essa experiência.
CELLINI. A segunda fase do Maneirismo, a fase elegante,
aparece em inúmeros exemplares escultóricos na Itália e no
estrangeiro. O mais conhecido representante do estilo é
Benvenuto Cellini (1500-71). O saleiro de ouro feito para o
rei Francisco I da França, a principal obra de Cellini em
metal precioso, constitui um bom exemplo das virtudes e
limitações da sua arte.
PRIMATICCIO. Homem de muitos talentos, Francesco
Primaticcio (1504-1570) é responsável pela decoração
interior de algumas das salas principais do castelo real de
Fontainebleau.
GIOVANNI BOLOGNA. Cellini, Primaticcio e os outros
italianos contratados por Francisco I fizeram do
Maneirismo o estilo dominante na França dos meados do
século XVI, e a sua influência fez-se sentir muito para além
da corte. Deve ter alcançado um jovem escultor muito
dotado, Jean de Boulogne (1529-1608). O seu grupo de
mármore, O Rapto das Sabinas foi especialmente admirado,
sendo o assunto tirado das lendas da Roma Antiga. Uma
composição escultórica destinada a ser vista não apenas de
um, mas de todos os lados.
A ARQUITECTURA
O Maneirismo
O conceito de Maneirismo servirá também para a
arquitectura? Alguns edifícios seriam hoje considerados
maneiristas por quase toda a gente. Mas isso não constitui
uma definição aceitável de Maneirismo como estilo
arquitectónico.
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VASARI. Um desses edifícios é o dos Uffizi em Florença,
da autoria de Giorgio Vasari (1511-1574). Ao seu projecto
faltam força escultórica e qualidade expressiva. Os
componentes arquitectónicos parecem tão esvaziados de
energia como as figuras humanas da segunda fase do
Maneirismo.
AMMANATI. O mesmo se pode dizer do pátio do Palácio
Pitti, de Bartolomeu Ammanati (1511-1592). O carácter
maciço da construção fica escondido.
PALLADIO. Se isto é Maneirismo em arquitectura,
podemos encontrá-lo na obra de Andrea Palladio (1518-80),
o maior arquitecto do final do século XVI. Palladio
continua a tradição do humanista e pensador Alberti..
Palladio sustentava que a arquitectura deve reger-se pela
razão e por certas regras universais, exemplarmente
demonstradas nas edificações dos antigos. Comungava
assim da perspectiva fundamental de Alberti, bem como da
sua firme convicção quanto ao significado cósmico das
proporções aritméticas. O seu tratado de arquitectura tem
um carácter mais prático que o de Albertini e as construções
que ergueu correspondiam às teorias.
A Villa Rotonda uma das mais belas edificações de
Palladio, ilustra perfeitamente a significação do
classicismo. Uma residência de campo aristocrática perto de
Vicenza. Alberti dera à igreja ideal uma planta centrada e
perfeitamente simétrica. É evidente que Palladio alicerçou
nos mesmos princípios a sua casa de campo ideal.
IL GESÙ: VIGNOLA E DELLA PORTA. A imensa
autoridade de Palladio como arquitecto evita que os
elementos contraditórios da fachada e da planta de S.
Giorgio colidam entre si. Uma outra solução, mais fácil, foi
encontrada em Roma e deve-se a Giacomo Vignola (15071573) e Giacomo della Porta (1540-1602), dois arquitectos
que tinham trabalhado com Miguel Ângelo em S. Pedro e
continuavam a usar o seu vocabulário arquitectónico. A
igreja de Il Gesù (Jesus), edifício cuja importância para a
arquitectura religiosa posterior nunca é demais salientar, é a
igreja-mãe dos Jesuítas. Podemos encara-la como a
incarnação arquitectónica do espírito da Contra-Reforma. O
que há aqui de novo é a integração harmoniosa de todas as
partes num todo. O projecto de Il Gesù virá a tornar-se
fundamental na arquitectura barroca. Ao chamar-lhe prébarroco, sugerimos a um tempo a importância para o futuro
e o lugar especial quanto ao passado.
- História da Arte II -
5
O RENASCIMENTO
SETENTRIONAL
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
Ao Norte dos Alpes, a maioria dos artistas do século XV
ficaram indiferentes às ideias e às formas italianas. Desde o
tempo do Mestre de Flémalle e dos van Eycks passaram a
buscar orientação mais na Flandres que na Toscana. Este
relativo isolamento termina bruscamente ao redor de 1500.
A influência italiana derrama-se para o Norte numa torrente
cada vez mais caudalosa e a arte do Renascimento
Setentrional começa a substituir a do Gótico Final. A
variedade das correntes é ainda maior que na Itália durante
o século XVI.
A tradição do Gótico Final manteve-se muito viva e do seu
encontro com a arte italiana resultou uma espécie de Guerra
dos Cem Anos entre estilos, que só veio a terminar quando,
no começo do século XVII, o Barroco emergiu como um
movimento internacional.
A ALEMANHA
A Pintura e as Artes Gráficas
Na Alemanha, o berço da Reforma, deram-se as batalhas
principais desta “guerra de estilos”, logo no primeiro
quartel do século XVI. A gama das realizações deste
período pode medir-se pelas personalidades contrastantes
dos seus maiores artistas: Mathias Grünewald e Albrecht
Dürer.
GRÜNEWALD. A fama de Grünewald cresceu quase
inteiramente no nosso próprio século. Na arte setentrional
do seu tempo, apenas ele, com a sua obra-prima, o Retábulo
de Isenheim, nos assombra com uma criação de força
comparável à do tecto da Capela Sistina.
O que é mais evidente, quando se comparam à pintura do
“Gótico Final”, é o sentido de movimento difundido nestes
painéis – tudo se anima e gira como se tivesse vida própria.
Esta energia vibrante deu uma forma totalmente nova aos
contornos duros e pontiagudos e aos angulosos
panejamentos do Gótico Final. As formas de Grünewald
são suaves, flexíveis, carnudas. A luz e a cor revelam uma
mudança correspondente: dominando todos os recursos dos
grandes mestres flamengos, emprega-os com inédita
audácia e flexibilidade.
Grünewald algo deve ter aprendido com o Renascimento: o
seu conhecimento da perspectiva e o vigor físico de
algumas das figuras não podem ser explicadas apenas pelas
últimas tradições do Gótico, além de haver num ou noutro
quadro pormenores arquitectónicos de origem meridional.
Grünewald parece ter partilhado o espírito livre e
individualista dos artistas renascentistas italianos.
DÜRER. Para Dürer (1471-1528) o Renascimento continha
um sentido mais profundo. Atraído pela arte italiana desde a
juventude, esteve em Veneza e regressou a Nuremberga
com uma nova concepção do Mundo e do lugar que nele
cabe ao artista. Entendendo, como vira na Itália, que as
belas-artes se contam entre as artes liberais, também fez seu
o ideal do artista superior, ao mesmo tempo homem de
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sociedade e culto humanista. Alimentando afincadamente
os seus interesses intelectuais conseguiu abranger uma
grande variedade de técnicas e assuntos. E como foi o
maior gravador do seu tempo, exerceu larga influência na
arte do século XVI, através das suas gravuras em madeira e
em metal, que se disseminaram por toda a Europa
Ocidental.
Surpreendentes são as aguarelas, feitas quando regressava
de Veneza, como a denominada Montanhas da Itália.
Depois da amplitude e lirismo desta obra, a violência
expressiva das gravuras em madeira que ilustram o
Apocalipse, a mais ambiciosa obra gráfica de Dürer nos
anos seguintes à vinda de Itália, confunde-nos. A visão
horrenda dos Quatro Cavaleiros parece, à primeira vista,
um regresso ao mundo do Gótico Final. Ele criou um
padrão que em breve transformaria a técnica da gravura em
toda a Europa.
Foi Dürer o primeiro artista que se deixou fascinar pela sua
própria imagem e, sob esse respeito, uma personalidade
típica do Renascimento, mais que nenhum artista italiano. O
seu primeiro desenho conhecido, feito aos treze anos, é um
auto-retrato, e outros continuaria a executar ao longo da sua
vida. O mais impressionante e particularmente revelador é o
do painel de 1500. Como pintura pertence à tradição
flamenga, mas a pose frontal e solene e a idealização das
próprias feições semelhantes às de Cristo, afirmam uma
segurança que ultrapassa a esfera dos retratos vulgares.
O aspecto didáctico da obra de Dürer talvez seja mais claro
na gravura Adão e Eva, de 1504, onde o assunto bíblico lhe
serve de pretexto para apresentar dois nus ideais.
As convicções de Dürer eram, no fundo, as do Humanismo
Cristão, e por essa via se tornou um dos primeiros e mais
entusiásticos adeptos de Martinho Lutero. O novo rumo da
sua fé pode sentir-se na crescente austeridade de estilo e na
preferência por determinados temas religiosos a partir de
1520. A obra culminante desta fase representa Os Quatro
Apóstolos.
CRANACH. Uma arte monumental que traduzisse, sob
uma forma visível, a crença protestante foi um sonho de
Dürer que ficou por realizar. Outros pintores alemães, como
Lucas Cramach, o Velho (1472-1553), também procuraram
dar corpo às doutrinas de Lutero, sem que firmassem uma
tradição viável. Tais esforços eram baldados, pois os chefes
espirituais da Reforma nunca deixaram de encará-los com
indiferença ou até com aberta hostilidade. Da obra de Lucas
Cranach são lembrados hoje os retratos e algumas
deliciosas e incongruentes cenas mitológicas. No Juízo de
Páris nada poderia ser menos clássico.
ALTDORFER. Não menos afastada do ideal clássico, mas
muito mais impressionante, é a Batalha de Issus de
Albrecht Altdorfer (1480-1538), um pintor bávaro um
pouco mais novo que Cranach. Ele revela a mesma
imaginação desregrada patente na obra do mestre mais
velho, do qual, todavia, se distingue: a figura humana
parece meramente acidental nos cenários, naturais ou
artificiais, em que aparece.
- História da Arte II -
O Retrato
HOLBEIN. Hans Holbein, o Jovem (1497-1543), nascido e
educado em Augsburgo, um centro de comércio
internacional no Sul da Alemanha, especialmente aberto às
ideias Renascimento, partiu aos dezoito anos para a Suíça.
Cerca de 1520 já estava firmemente estabelecido em
Basileia como desenhador de gravuras em madeira,
esplêndido decorador e retratista incisivo. O retrato de
Erasmo de Roterdão, pintado pouco depois de o famoso
escritor se ter fixado em Basileia, dá-nos uma imagem
verdadeiramente memorável do homem do Renascimento.
Em 1526, Basileia era atingida pela crise da Reforma e ele
partiu para Inglaterra, na esperança de obter encomendas na
corte de Henrique VIII.
Apesar de os quadros de Holbein terem moldado o gosto
inglês em matéria de retratos aristocráticos durante décadas,
ele não teve discípulos ingleses de verdadeiro talento.
1600. Tornaram-se independentes, ou tão predominantes
que o assunto religioso podia ser relegado para segundo
plano.
AERTSEN. A Tenda da Carne de Pieter Aertsen (15081575) é um desses quadros essencialmente seculares. Ele é
recordado hoje principalmente como um dos pioneiros da
natureza-morta independente.
BRUEGEL. Pieter Brugel, o Velho (1525-1569), o único
génio entre estes pintores dos Países Baixos, explorou a
paisagem e a vida dos camponeses. O Casamento de
Camponeses é a mais notável das cenas da vida rural.
A FRANÇA
A Arquitectura e a Escultura
A França começou a assimilar a arte italiana mais cedo que
os outros países e foi a primeira a conseguir um estilo
renascentista integrado.
OS PAÍSES BAIXOS
A Pintura
Os Países Baixos tiveram, no século XVI, a mais turbulenta
e atribulada história de todos os países a norte dos Alpes.
Quando a Reforma começou, faziam parte do vastíssimo
império dos Habsburgos. O Protestantismo cedo ganhou
força nos Países Baixos, e as tentativas da Corte para o
suprimir conduziram a uma revolta aberta contra o domínio
estrangeiro. Depois de uma luta sangrenta, as províncias do
Norte emergiram no final do século como um Estado
independente, enquanto as do Sul continuaram em mãos
espanholas.
A pintura dos Países Baixos no século XVI não igualou em
brilho a do século XV. Esta região assimilou os elementos
italianos mais lentamente do que a Alemanha, mas de uma
forma mais segura e sistemática. Entre 1550 e 1600, na sua
fase mais agitada, os Países Baixos produziram os melhores
pintores do norte da Europa, que abriram caminho aos
grandes mestres holandeses e flamengos do século seguinte.
Duas grandes preocupações caracterizam a pintura dos
Países Baixos no século XVI; assimilar a arte italiana de
Rafael e Tintoretto, e criar um repertório capaz de
suplantar, e eventualmente substituir, os assuntos religiosos
tradicionais. Todos os temas seculares que tão largamente
figuram na pintura holandesa e flamenga do período
barroco – paisagem, natureza-morta e género (cenas da vida
diária) – foram definidos pela primeira vez entre 1500 e
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SOHIER. Um simples olhar para a capela-mor de St. Pierre
de Caen, construída por Hector Sohier, mostra que ele
seguiu o esquema básico da capela-mor da igreja gótica
francesa, limitando-se a traduzir a decoração flamejante
para o vocabulário da nova língua.
LESCOT. Francisco I, decidiu substituir o Louvre por outro
palácio no mesmo local. Pierre Lescot (1515-1578)
construiu a metade sul da ala ocidental, o mais belo
monumento do Renascimento Francês, na sua fase clássica.
GOUJON. Igualmente não-italiana é a rica decoração
escultórica que cobre quase toda a superfície da parede do
terceiro andar. Estes relevos, admiravelmente adaptados à
arquitectura, são de Jean Goujon (1510-1565), o melhor
escultor francês dos meados do século. Estas graciosas
figuras lembram o Maneirismo de Cellini e, mais ainda, as
decorações de Primaticcio em Fontainebleau.
PILON. Um escultor mais poderoso – na realidade o maior
dos finais do século XVI – foi Germain Pilon (1535-1590).
Cedo desenvolveu o seu próprio idioma, combinando o
Maneirismo de Fontainebleau com elementos colhidos da
escultura antiga, de Miguel Ângelo e da tradição gótica. As
suas obras mais importantes são túmulos monumentais dos
quais o maior e mais antigo foi o de Henrique II e Catarina
de Médici.
- História da Arte II -
6
O BARROCO
NA ITÁLIA
E NA ALEMANHA
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
Barroco tem sido o termo usado pelos historiadores da arte
durante quase um século para designar o estilo dominante
no período 1600-1750. O novo estilo nasceu em Roma nos
últimos anos do século XVI, sendo a última fase do
Renascimento.
Para uns o Barroco exprime o espírito da Contra-Reforma;
contudo, este movimento dinâmico de auto-renovação
dentro da Igreja Católica já alcançara o seu propósito em
1600. O novo estilo penetrou tão rapidamente no Norte
protestante que devemos guardar-nos de sublinhar
excessivamente o seu aspecto anti-reformista.
Igualmente problemática é a afirmação de que o Barroco é
o estilo do Absolutismo, reflectindo o Estado centralizado,
governado por um autocrata com poderes ilimitados. A Arte
Barroca tanto floresceu na burguesa Holanda, como nas
monarquias absolutas.
Deparamos com dificuldades semelhantes quando tentamos
relacionar a arte barroca com a ciência e a filosofia do
período. Durante o século XVII o pensamento científico e
filosófico tornou-se demasiado complexo, abstracto e
sistemático para que os artistas o pudessem acompanhar.
ROMA
que em breve se tornou quase tão famoso como os frescos
de Miguel Ângelo e Rafael.
Annibale Carracci foi um reformador que sentiu que a arte
tinha de regressar à Natureza, combinando estudos do vivo
com um ressurgimento dos clássicos (que para ele eram a
arte da Antiguidade e a de Rafael, Miguel Ângelo, Ticiano
e Correggio).
A Arquitectura e a Escultura
SÃO PEDRO DE ROMA. Na arquitectura, os começos do
estilo barroco não podem ser definidos com tanta precisão
como na pintura. No vasto programa eclesiástico de
construção iniciado em Roma por volta dos finais do século
XVI, distinguiu-se o jovem arquitecto Carlo Maderno
(1556-1629). Em 1603 foi-lhe confiada a tarefa de acabar a
igreja de S. Pedro. O Papa decidira acrescentar uma nave ao
edifício de Miguel Ângelo, convertendo-o numa basílica. A
alteração do projecto tornou possível ligar São Pedro ao
Palácio do Vaticano
BERNINI. A dimensão ingente de S. Pedro tornou a
decoração interior uma tarefa singularmente difícil. Que o
problema tenha sido resolvido, deve-se em grande parte ao
mérito de Gianlorenzo Bernini (1598-1680), o maior
arquitecto-escultor do século. A Basílica de S. Pedro
ocupou, com algumas interrupções, a maior parte da sua
longa e prolífera carreira. Começou por desenhar o enorme
dorsel de bronze para o altar-mor sob a cúpula.
Por volta de 1600, Roma tornou-se a fonte principal do
Barroco, chamando a si artistas de outras regiões para a
realização de novas e ousadas tarefas. O Papado
patrocinava a arte em larga escala, com vista a fazer de
Roma a mais bela cidade do mundo cristão.
A sua obra-prima é a Capela Cornaro, que contém o famoso
grupo O êxtase de Santa Teresa, na Igreja de Santa Maria
della Vittoria.
A Pintura
Bernini criaria outro conjunto, numa escala ainda mais
grandiosa, na ábside de S. Pedro, sem dúvida o ponto
culminante da visita à Igreja.
CARAVAGGIO. A todos excedeu um pintor de génio,
Caravaggio, do nome da sua terra natal, perto de Milão
(1571-1610), o qual pintou em 1599-1610 várias telas
monumentais para a capela da Igreja de S. Luigi dei
Francesi, entre elas A Vocação de S. Mateus, obra
extraordinária. O realismo de Caravaggio é de tal espécie
que se tornou necessário um novo termo, “naturalismo”,
para o distinguir. Nunca se vira antes um tema sagrado
tratado assim, como um acontecimento contemporâneo
entre gente humilde.
BORROMI. O grande rival de Bernini na arquitectura foi
Francesco Borromini (1599-1667), era do tipo oposto:
génio reservado e emocionalmente instável, acabou por
suicidar-se. Ambas as obras representam o apogeu da
arquitectura barroca em Roma, mas enquanto o projecto de
Bernini para a colunata de São Pedro é de uma unidade
impressionantemente simples, as estruturas de Borromini
são extravagantemente complexas. O primeiro grande
projecto de Borromini, a Igreja de S. Carlo alle Quatro
Fontane fez a sua reputação local e internacional.
ARTEMÍSIA GENTILESCHI. As mulheres começaram a
surgir enquanto personalidades artísticas distintas por volta
de 1550. A primeira artista a ocupar uma posição
importante foi Artemísia Gentileschi (1593-1653). Filha do
discípulo de Caravaggio, nasceu em Roma e tornou-se
numa das personalidades artísticas de maior destaque do
seu tempo. Temas característicos da sua pintura são
Betsabé, o desventurado objecto da paixão obsessiva do Rei
David.
ANNIBALE CARRACCI. Annibale Carracci (1560-1609)
era de Bolonha, onde criou um estilo antimaneirista por
volta de 1580. Entre 1597 e 1604, produziu a sua obra mais
ambiciosa, o tecto a fresco na galeria do Palácio Farnese,
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TURIM
A Arquitectura
GUARINI. A riqueza das ideias novas introduzidas por
Borromini viria a ser explorada não em Roma mas em
Turim, que se tornou o centro criador da arquitectura
barroca na Itália, nos finais do século XVII. Em 1666, a
cidade atraiu a si o mais brilhante sucessor de Borromini,
Guarino Guarini (1624-1683), um frade teatino, cujo génio
arquitectónico tinha sólidas bases filosóficas e matemáticas.
- História da Arte II -
O seu traçado para a fachada do Palácio Carignano repete
em maior escala o movimento ondulante de S. Carlo alle
Quattro Fontane, com um vocabulário altamente pessoal.
Mais extraordinária ainda é a cúpula de Guarini para a
capela do Santo Sudário.
A Arquitectura
Não é de admirar que o estilo criado por Borromi e
desenvolvido por Guarini viesse a alcançar o apogeu a
Norte dos Alpes, na Áustria e no Sul da Alemanha, onde
uma tal síntese de Gótico e Renascimento podia contar com
uma recepção particularmente calorosa. Nestes países,
assolados pela Guerra dos Trinta Anos, e onde pouco se
construiu quase até ao fim do século XVII, o Barroco foi
um estilo importado, trazido principalmente por visitantes
italianos. Os arquitectos nacionais apenas ganhariam
evidência na década de 1690.
FISCHER VON ERLACH. Johann Fischer von Erlach
(1656-1723), o primeiro grande arquitecto do Barroco Final
no centro da Europa, está directamente ligado à tradição
italiana, como no traçado para a Igreja de S. Carlos
Borromeu em Viena.
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PRANDTAUER. Mais monumental ainda graças à soberba
situação, é o Mosteiro de Melk, de Jakob Prandtauer (16601726) cujos vários edifícios se ligam numa estreita unidade
tendo por centro a igreja. As paredes e as abóbadas parecem
delgadas e maleáveis.
NEUMANN; TIEPOLO. É uma tendência que levarão ao
máximo os arquitectos da geração seguinte, como Balthasar
Neumann (1687-1753), o mais importante de todos. O seu
maior projecto, o Palácio Episcopal de Wurzburgo, inclui a
belíssima Kaisersaal, um grande salão elíptico, decorado a
branco, ouro e outros tons pastel.
A última e mais requintada fase da decoração ilusionística
de tectos está representada pelo seu maior mestre, Giovanni
Battista Tiepolo (1696-1770). Tiepolo combinou a tradição
ilusionística do Barroco Pleno com a pompa de Veronese.
ZIMMERMANN. Um contemporâneo de Balthasar
Neumann, Dominikus Zimmermann (1685-1766), criou o
que talvez seja o melhor traçado espacial dos meados do
século XVIII, a igreja bávara popularmente chamada Die
Wies. escultura antiga, de Miguel Ângelo e da tradição
gótica. As suas obras mais importantes são túmulos
monumentais dos quais o maior e mais antigo foi o de
Henrique II e Catarina de Médici.
- História da Arte II -
7
O BARROCO
NA FLANDRES,
NA HOLANDA
E NA ESPANHA
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
A HOLANDA
A FLANDRES
A Pintura e a Água-Forte
A Pintura
RUBENS. Embora nascido em Roma, o Barroco logo se
tornou um estilo internacional. Enter os artistas que para tal
contribuíram, o grande pintor flamengo Peter Paul Rubens
(1577-1640) detém um lugar de importância única. Rubens
foi educado na fé católica. Ensinado por pintores locais,
Rubens tornou-se mestre em 1598, mas apenas criou um
estilo pessoal quando, dois anos mais tarde, foi para Itália.
Durante os oito anos que passou no Sul estudou as obrasprimas do Renascimento Pleno e a obra de Caravaggio e
Annibale Carraci, absorvendo a tradição italiana mais
profundamente que nenhum outro setentrional antes dele.
Quando, em 1608, regressou à Flandres, foi nomeado pintor
da corte do regente espanhol, o que lhe permitiu abrir uma
oficina em Antuérpia, isenta das taxas locais e dos
regulamentos das corporações. Rubens era apreciado na
corte não só como artista, mas também como conselheiro e
emissário especial.
O Levantamento da Cruz, o primeiro grande retábulo
pintado por Rubens depois do seu regresso, mostra
flagrantemente quanto ele deve à arte italiana.
Na década de 1620, o estilo dinâmico de Rubens atingiu o
auge nos enormes conjuntos decorativos que fez para
igrejas e palácios. O mais famoso talvez seja o ciclo do
Palácio do Luxemburgo em Paris.
Por volta de 1630, o carácter turbulento e dramático das
obras precedentes de Rubens transforma-se num estilo
amadurecido de lírica ternura, inspirado em Ticiano, que
Rubens redescobriu no Palácio Real durante uma estadia
em Madrid. O Jardim do Amor é um belo resultado deste
encontro.
O quadro deve ter tido um significado especial para ele
porque acabara de casar com uma linda rapariga de 16 anos.
Havia também comprado uma casa de campo e gozava a
vida folgada de um grande senhor. Esta mudança levou-o a
um renovado interesse pela pintura de paisagem, que até aí
só praticara de quando em vez. Como paisagista, Rubens é
o herdeiro tanto de Pieter Bruegel como de Annibale
Carraci, uma vez mais criando uma síntese das suas fontes
nortenhas e meridionais.
VAN DYCK. Além de Rubens, apenas um outro artista do
Barroco Flamengo alcançou renome internacional. Anthony
van Dyck (1599-1641) foi essa raridade entre pintores, um
menino-prodígio. Antes dos vinte anos, tornara-se já o
ajudante preferido de Rubens. A sua fama veio-lhe
sobretudo dos retratos, especialmente os que executou em
Inglaterra, como pintor da corte de Carlos I, entre 1632 e
1641. Entre os mais belos conta-se o de Carlos I na Caça.
Van Dyck renovou o retrato de corte maneirista, segundo a
linguagem pictural de Rubens e Ticiano. Criou uma nova
tradição do retrato aristocrático que perdurou na Inglaterra
até aos finais do século XVIII e teve uma influência
considerável também no continente.
Em contraste com a Flandres, onde toda a arte foi posta na
sombra pela personalidade majestosa de Rubens, a Holanda
produziu uma espantosa variedade de mestres e de estilos.
Embora os laços culturais com a Flandres permanecessem
fortes,
vários
factores
estimularam
o
rápido
desenvolvimento de tradições artísticas holandesas. Ao
invés da Flandres, onde toda a actividade artística irradiou
de Antuérpia, a Holanda teve várias escolas locais
florescentes. Além de Amesterdão, capital do comércio,
encontramos grupos importantes em Haarlem, Utrecht,
Leyden, Delft e outras cidades. A Holanda era uma nação
de mercadores, lavradores e marinheiros, e a sua religião a
fé protestante reformada; por isso os artistas holandeses não
beneficiaram das grandes encomendas públicas do Estado e
da Igreja que eram correntes em todo o mundo católico. O
coleccionador particular tornou-se o suporte principal do
pintor.
A mania de coleccionar na Holanda do século XVII
provocou uma onda de talento só comparável à do ProtoRenascimento em Florença. Até os grandes mestres se
viram algumas vezes em dificuldades financeiras.
A ESCOLA DE UTRECHT. O estilo barroco veio de
Antuérpia para a Holanda, através da obra de Rubens, e de
Roma pelo contacto directo com Caravaggio e os seus
discípulos. Embora a maioria dos pintores holandeses não
tenha visitado a Itália, houve alguns, no princípio do século,
que por lá andaram, idos sobretudo de Utrecht, cidade com
fortes tradições católicas. Não constitui surpresa que esses
artistas fossem mais atraídos pelo realismo e “cristianismo
laico” de Caravaggio do que pelo classicismo de Carracci.
Embora a Escola de Utrecht não tenha dado origem a
grandes artistas, os seus membros foram importantes
porque transmitiram o estilo Caravaggio a outros mestres
holandeses que bom uso fizeram destas novas ideias
italianas.
FRANS HALS. Um dos primeiros a aproveitar desta
experiência foi Frans Hals (1580-1666), o grande retratista
de Haarlem. Nasceu em Antuérpia e o pouco que sabemos
das suas primeiras obras sugere a influência de Rubens.
Mas o estilo que veio a desenvolver, patente em quadros
como O Alegre Beberrão, combina a robustez e a amplidão
de Rubens com uma concentração no momento dramático
que só pode ter vindo de Caravaggio, via Antuérpia.
O seu retrato de grupo As Regentes do Asilo de Velhos de
Haarlem, demonstra uma penetração do carácter humano
apenas igualada no estilo final de Rembrandt.
REMBRANDT. Rembrandt (1606-1669), o maior génio da
arte holandesa, sofreu também nos começos da sua carreira
a influência indirecta de Caravaggio. Os seus primeiros
quadros, do período de Leyden (1625-1631), são pequenos,
fortemente iluminados e intensamente realísticos; muitos
deles, como Tobias e Ana com o Cabrito, tratam de
assuntos do Antigo Testamento.
Dez anos mais tarde, em A Cegueira de Sansão, Rembrandt
tinha desenvolvido um estilo de Barroco Pleno
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- História da Arte II -
perfeitamente amadurecido. Tornou-se o mais procurado
pintor de retratos de Amesterdão e homem de considerável
fortuna.
Esta prosperidade foi diminuindo gradualmente na década
de 1640; o ponto de viragem pode ter sido o seu famoso
retrato-grupo, a Ronda da Noite.
Os anos que se seguiram a 1642 foram efectivamente um
período de crise, de incertezas interiores e problemas
exteriores.
O
estilo
de
Rembrandt
alterou-se
profundamente: a partir de 1650 substitui a retórica do
Barroco Pleno por uma lírica subtileza e amplidão pictural.
Quadros como Jacob Abençoando os Filhos de José
mostram esta nova profundidade de sentimento.
Nos seus últimos anos, Rembrandt adaptou muitas vezes, de
um modo vincadamente seu, composições ou ideias
pictóricas do Renascimento setentrional, como acontece,
por exemplo, no Cavaleiro Polaco. O Regresso do Filho
Pródigo, pintado alguns anos antes da sua morte, é talvez a
mais comovente pintura religiosa de Rembrandt. É também
a sua obra mais serena.
A GRAVURA A ÁGUA-FORTE. Mas não podemos deixar
de acrescentar algo sobre a nova gravura a água-forte. No
século XVII as técnicas de gravura em madeira e em metal
serviam essencialmente para a reprodução de outras obras.
Os gravadores originais do tempo, incluindo Rembrandt,
preferiam a água-forte, muitas vezes combinada com a
técnica de ponta-seca. Uma placa gravada a água-forte é
bastante duradoira, permitindo tirar muito maior número de
estampas que uma placa a ponta-seca. Mas a sua maior
virtude reside na ampla gama de tonalidades que
proporciona, incluindo as aveludadas sombras escuras
impossíveis de obter pelos outros processos gráficos.
Nenhum artista subsequente explorou as possibilidades
desta qualidade tonal com tanta subtileza como Rembrandt.
PINTORES DE PAISAGENS E DE NATUREZASMORTAS. Os quadros religiosos de Rembrandt exigem
uma sensibilidade que raros coleccionadores possuíam. A
maior parte dos compradores de arte na Holanda preferiam
assuntos mais próximos da sua própria experiência –
paisagens, vistas arquitectónicas, naturezas-mortas, cenas
do dia-a-dia. Todos estes géneros surgiram na última
metade do século XVI. O movimento não se confinou à
Holanda. Encontramo-lo um pouco por toda a parte, mas a
pintura holandesa foi a sua fonte principal. O Forte na
Margem de um Rio, de Jan van Goyen (1596-1656),
representa um novo tipo de paisagem que gozou de grande
popularidade, porque os seus elementos eram assaz
familiares: a cidade distante, sob um pesado céu cinzento,
visto através de uma atmosfera carregada de humidade,
para lá da vastidão aquática – vista que ainda é
característica da paisagem holandesa.
O quadro de Willem Heda, Natureza-Morta, pertence a um
tipo muito corrente, a cena do pequeno almoço, mostrando
os restos de uma refeição. Outros tipos de natureza-morta,
tais como os arranjos de flores, remontam directamente às
suas origens simbólicas.
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STEEN. A vasta classe de pinturas chamadas de género é
tão variada como a das paisagens e naturezas-mortas; vai
desde as brigas de taberna aos interiores domésticos mais
requintados. A Véspera de S. Nicolau de Jan Steen (16251679) está a meio caminho entre estes extremos.
VERMEER. Nas cenas de género de Jan Vermeer, pelo
contrário, praticamente não há narrativa. Figuras isoladas,
geralmente de mulheres, ocupam-se de simples tarefas
quotidianas; quando há duas figuras, como na Carta, não
fazem mais que trocar olhares.
A ESPANHA
A Pintura
Durante o século XVI, no auge do seu poder político e
económico, a Espanha produziu grandes santos e escritores,
mas nenhum artista plástico de primeira grandeza. O
estímulo veio de Caravaggio e da pintura flamenga. Pouco
depois de Aertsen e os seus contemporâneos terem
estabelecido o género da natureza-morta, os mestres
espanhóis começaram a desenvolver as suas próprias
versões.
SANCHEZ COTÁN. No quadro de Sanchez Cotán (15611627), um dos primeiros e mais notáveis pintores espanhóis
de naturezas-mortas, vemos o carácter distintivo desta
tradição. Em contraste com os exuberantes arranjos de
alimentos e objectos de luxo da pintura setentrional,
encontramos aqui uma ordem e uma austera simplicidade
que dão a estes legumes um novo contexto.
ZURBARÁN. A influência de Caravaggio firmou-se,
durante a segunda década do século, especialmente em
Sevilha, a pátria dos mais importantes pintores do Barroco
espanhol. Entre eles, Francisco de Zurbarán (1598-1664)
destaca-se pela calma intensidade dos seus quadros
religiosos, tais como S. Serapião.
VELÁSQUEZ. Também Velásquez (1599-1660) pintou à
maneira de Caravaggio, durante os seus primeiros anos,
mas interessou-se mais pela pintura de género e pela
natureza-morta que por temas religiosos. O Aguadeiro de
Sevilha, que ele pintou aos vinte anos, mostra já o seu
génio. Alguns anos mais tarde, Velásquez foi nomeado
pintor da corte e mudou-se para Madrid, onde passou o
resto da sua vida, executando principalmente retratos da
família real.
Las Meninas exibe o estilo amadurecido de Velásquez no
seu máximo esplendor. Trata-se ao mesmo tempo de um
retrato de grupo e de uma cena de género. Poderia ter como
subtítulo “o artista no seu atelier”, pois Velásquez
representa-se a si mesmo a trabalhar numa enorme tela. As
variedades de luz directa e reflectida em Las Meninas são
quase ilimitadas.
- História da Arte II -
8
O BARROCO
NA FRANÇA
E NA INGLATERRA
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- História da Arte II -
- 43 -
- História da Arte II -
A Arquitectura
A FRANÇA
A Pintura
Sob Luís XIV a França tornou-se a nação mais poderosa da
Europa, militar e culturalmente: nos fins do século XVII,
Paris rivalizava com Roma como capital do mundo das
artes plásticas, posição que conservou durante séculos.
Como se verificou esta surpreendente mudança? Por causa
do Palácio de Versalhes e de outros projectos igualmente
grandiosos, glorificando o Rei de França, somos tentados a
pensar na arte francesa da época de Luís XIV como a
expressão do absolutismo. Isto é verdade quanto ao apogeu
do reinado de Luís XIV (1660-1685), mas nessa altura já a
arte francesa do século XVII atingira um estilo próprio, ao
qual os franceses se mostram relutantes em denominar
Barroco; para eles, é o Estilo de Luís XIV; muitas vezes,
também, designam a arte e a literatura do período como
clássicas.
Aqui o termo clássico adquiriu três sentidos: sugere que o
Estilo de Luís XIV corresponde ao Renascimento Pleno na
Itália ou à Idade de Péricles na Grécia Antiga; em segundo
lugar, designa a imitação das formas e temas da
Antiguidade Clássica; finalmente, sublinha a existência de
qualidades de equilíbrio e moderação, como as dos estilos
clássicos do Renascimento Pleno e da Arte Antiga. Mas
como o Estilo de Luís XIV reflecte a influência da arte
barroca italiana, embora modificada, melhor é chamar-lhe
“Barroco classicista” ou “Classicismo barroco”.
GEOGES DE LA TOUR. Alguns destes pintores seguiram
a orientação de Caravaggio e desenvolveram estilos
surpreendentemente originais; a importância de um deles,
George de La Tour (1593-1652), só há pouco foi
reconhecida. O seu S. José Carpinteiro poderia ser tomado
por uma cena de género.
POUSSIN. A partir de 1640 o classicismo reinou supremo
na França. O artista que mais contribuiu para isso foi
Nicolas Poussin (1593-1665), o maior pintor francês do
século e o primeiro, entre os seus compatriotas, a ganhar
fama internacional; Poussin passou, no entanto, quase toda
a sua carreira em Roma.
Cephalus e Aurora inspira-se na cor quente e rica de
Ticiano e na sua atitude para com a mitologia clássica. Por
contraste, no Rapto das Sabinas o movimento das figuras,
fortemente modeladas, parece congelado, como o das
estátuas, e muitas derivam da escultura helenística. Ao
fundo, Poussin fez reconstituições de edifícios romanos que
julgava arqueologicamente correctas.
CLAUDE LORRAINE. Se Poussin desenvolveu as
qualidades heróicas da paisagem ideal, o grande paisagista
francês Claude Lorraine (1600-1682) acentuou os seus
aspectos suaves. Também viveu longo tempo em Roma,
explorando os campos dos arredores. Desenhos sem conta,
cheios de frescura e sensibilidade, dão testemunho dos seus
extraordinários poderes de observação. Estes esboços
procuram evocar a essência poética de uma paisagem plena
de ecos da Antiguidade.
- 44 -
FRANÇOIS MANSART. Entretanto, as bases de um
Classicismo Barroco eram lançadas na arquitectura francesa
por um grupo de arquitectos em que avultava François
Mansart (1598-1666). Segundo parece, nunca foi à Itália,
mas já conhecia o novo estilo através dos trabalhos de
alguns franceses que tinham importado e adaptado vários
elementos do Proto-Barroco romano, em especial traçados
de igrejas. As suas construções mais importantes foram
solares ou grandes residências (châteaux) e neste domínio
as tradições do Renascimento francês sobrepunham-se a
quaisquer influências directas do Barroco italiano. O
Château de Maisons, próximo de Paris, construído para um
alto funcionário administrativo, mostra o estilo de Mansart
na sua plenitude.
LUÍS XIV, COLBERT E O LOUVRE. Mansart faleceu
demasiado cedo para ter parte na fase culminante do
Classicismo Barroco, que principiou pouco depois de o
jovem Luís XIV tomar as rédeas do governo (1661).
Colbert, o principal conselheiro do rei, montou a estrutura
administrativa em que assentava o poder do monarca
absoluto. Incumbia às artes plásticas a tarefa de glorificar o
rei: esse estilo “real” e oficial, na teoria e na prática, foi o
Classicismo. O primeiro grande projecto que Colbert dirigiu
foi a conclusão do Louvre. A sua Fachada Oriental
assinalou a vitória do Classicismo francês sobre o Barroco
italiano, como estilo “real”.
O PALÁCIO DE VERSALHES. As características barrocas
reapareceram no maior empreendimento do rei, o Palácio
de Versalhes. A mudança correspondia ao gosto do próprio
Luís XIV, menos interessado em teorias arquitectónicas e
exteriores monumentais que em interiores luxuosos que
proporcionassem um quadro adequado a si próprio e à sua
corte.
O Palácio de Versalhes, a pouco mais de 18 km do centro
de Paris, foi começado em 1669 por Le Vau, que desenhou
o plano para a Fachada do Jardim e morreu pouco depois.
Sob a direcção de Jules Hardouin-Mansart (1646-1708), um
sobrinho-neto de François Mansart, o projecto sofreu
enorme ampliação, para albergar a sempre crescente casa
real.
OS JARDINS DE VERSALHES. À parte o seu
magnificiente interior, o aspecto mais fascinante de
Versalhes é o parque que se estende por vários quilómetros
a ocidente da Fachada do Jardim. O seu traçado, de André
Le Nôtre (1613-1700), relaciona-se tão intimamente com o
plano do palácio que se torna o prolongamento natural do
espaço arquitectónico.
JULES
HARDOUIN-MANSART.
Em
Versalhes,
Hardouin-Mansart trabalhou como membro de uma equipa
e subordinado ao traçado de Le Vau. O seu estilo
arquitectónico próprio vê-se melhor na Igreja dos Inválidos.
A planta, em cruz grega com quatro capelas de canto,
baseia-se, em última análise no Plano de Miguel Ângelo
para S. Pedro; o seu único elemento barroco é a capela-mor
elíptica. A cúpula é o aspecto mais original e mais barroco
do traçado de Hardouin-Mansart.
- História da Arte II -
A Escultura
Também na escultura um “estilo real” oficializado se
desenvolveu por um processo muito semelhante ao da
arquitectura. Bernini, quando em Paris, tinha talhado um
busto em mármore de Luís XIV e fora também encarregado
de fazer uma estátua equestre do rei. Mais tarde erigiram-se
por toda a França estátuas equestres dos reis como símbolo
da autoridade real.
GIRARDON. Sistematicamente destruídos na Revolução
Francesa, só os conhecemos através de gravuras,
reproduções e modelos, como o de François Girardon, que
também executou muitas esculturas para os jardins de
Versalhes.
COYSEVOX. Antoine Coysevox, escultor menos
convictamente clássico que Girardon, foi também
empregado por Lebrun em Versalhes. No seu grande baixorelevo de estuque no Salão da Guerra, o vitorioso Luís XIV
retém a pose da estátua equestre de Bernini.
PUGET. Pierre Puget, o maior dos escultores franceses do
século XVII, só teve êxito na corte depois da morte de
Colbert, quando o poder de Lebrun começou a declinar.
Milo de Crotona, a sua melhor estátua, pode à vontade ser
comparada a qualquer das de Bernini.
A Academia Real
A fiscalização centralizada das artes plásticas incluiu
também um plano de educação dos artistas segundo as
normas do estilo oficialmente aprovado. Na Antiguidade e
na Idade Média, os artistas formavam-se pela aprendizagem
nas oficinas, prática consagrada que prevalecia ainda no
Renascimento. Mas à medida que a pintura, a escultura e a
arquitectura foram alcançando o prestígio de artes liberais,
muitos artistas ambicionaram acrescentar à sua preparação
artesanal uma formação teórica. Com esse propósito, seriam
fundadas “academias de arte”, segundo o modelo das
academias de humanistas. As primeiras academias de arte
surgiram na Itália, nos fins do século XVI; eram
associações particulares de artistas, que se reuniam
periodicamente para desenhar do modelo vivo e discutir
questões de teoria da arte. Estas academias tomaram mais
tarde carácter oficial, mas o seu ensino era limitado e estava
longe de ser sistemático.
Assim foi a Academia Real de Pintura e de Escultura, de
Paris, fundada em 1648; mas quando Lebrun se tornou seu
director, em 1663, estabeleceu um rígido curriculum
obrigatório de instrução prática e teórica, baseado num
sistema de regras, que se tornou um padrão para todas as
academias seguintes.
OS “POUSSINISTAS” E OS “RUBENISTAS”. A rigidez
absurda da doutrina oficial gerou uma reacção de sinal
contrário que se manifestou logo que a autoridade de
Lebrun começou a declinar. Cerca do fim do século, os
membros da Academia dividiram-se em duas facções
batalhadoras, a partir da oposição entre desenho e cor: os
conservadores (ou “Poussinistas”) contra os “Rubenistas”.
Os conservadores defendiam a posição de Pussin de que o
desenho, que se dirigia à inteligência, era superior à cor,
- 45 -
que se dirigia aos sentidos; os “Rubenistas” advogavam a
cor, de preferência ao desenho, por ser mais fiel à Natureza.
Sustentavam ainda que o desenho, reconhecidamente
baseado na razão, só era acessível a raros conhecedores,
enquanto a cor falava a toda a gente.
WATTEAU. Em 1717, os “Rubenistas” obtiveram o triunfo
definitivo, quando o pintor Antoine Watteau (1684-1721),
foi aceite na Academia com o seu Um Passeio a Cítera.
O Rococó Francês
A obra de Watteau deu o sinal para uma mudança na arte e
na sociedade francesas. A seguir à morte de Luís XIV,
emperrou a máquina administrativa que Colbert criara. E
uma vez que as construções custeadas pelo Estado
começaram a rarear, os projectos para residências
particulares ganharam uma nova importância: os hôtels
exigiram um estilo de decoração interior menos grandioso e
pesado que o de Lebrun. Em resposta a esta necessidade, os
decoradores franceses criaram o Rococó (ou estilo de Luís
XV, como é frequentemente chamado em França). O
Rococó corresponde a um requinte em tom menor do
Barroco curvilíneo e elástico de Borromini e Guarini.
FRAGONARD. Muita da pintura do Rococó é intima na
escala e deliciosamente sensual pelo estilo e pelo assunto,
falta-lhe a profundidade emocional que distingue a arte de
Watteau. Tendência em que se distinguiu Jean-Honoré
Fragonard (1732-1806), cujas Banhistas nos servirão de
exemplo representativo. Um “Rubenista” mais franco que
Watteau, Fragonard pinta com uma fluidez e
espontaneidade que lembram os esboços a óleo de Rubens.
Contudo, o estilo que praticou com tanta mestria não foi a
única alternativa que se lhe abriu e aos restantes pintores
franceses desta geração.
CHARDIN. Outro rumo tomaria se lhe aproveitasse o
exemplo do seu primeiro mestre, Jean-Baptiste Siméon
Chardin (1699-1779), cujo estilo só pode chamar-se Rococó
sob muitas reservas. Os “Rubenistas”, por seu lado, abriram
caminho para um renovado interesse pelos mestres
holandeses, corrente em que Chardin se tornou o melhor
pintor de naturezas-mortas e de cenas de género, como De
Regresso do Mercado, onde apresenta a vida da classe
média parisiense.
A INGLATERRA
A Arquitectura
O estilo Perpendicular, forma insular do Gótico Final,
revelou-se extraordinariamente persistente: os edifícios
ingleses ainda conservavam em 1600 uma sintaxe
perpendicular.
INIGO JONES. O primeiro arquitecto do Renascimento
inglês foi Inigo Jones (1573-1652). Apesar de ter estado na
Itália cerca de 1600 e novamente em 1613, não trouxe
consigo o Proto-Barroco: convertera-se num ferrenho
palladiano. O Palácio dos Banquetes no Whitehall, em
- História da Arte II -
Londres, obedece sob todos os aspectos aos princípios
estabelecidos no Tratado de Palladio. Simétrico e autosuficiente, o edifício aproxima-se mais do Palazzo
renascentista que qualquer outro da mesma época a norte
dos Alpes. O estilo de Jones, apoiado na autoridade de
Palladio como teorizador, foi o farol da ortodoxia
classicista na Inglaterra durante dois séculos.
WREN. Este classicismo está patente nalgumas partes da
Catedral de S. Paulo de Sir Cristopher Wren (1632-1723), o
grande arquitecto inglês dos finais do século XVII, que não
ficou indiferente às realizações do Barroco Romano.
A Pintura
A evolução da arquitectura inglesa do século XVII seguiu o
padrão francês; por volta de 1700 o Barroco Pleno
destronou a tradição classicista. Mas a Inglaterra nunca
aceitou o Rococó. O segundo quartel do século XVIII
produziu um Palladianismo ainda mais racionalista que o de
Inigo Jones, e único na Europa do seu tempo. Em
contrapartida, a pintura rococó francesa, de Watteau a
Fragonard, teve uma influência decisiva no outro lado do
Canal da Mancha, e contribuiu para a formação da primeira
escola de pintura inglesa que, desde a Idade Média, só
merecera interesse limitado e local.
HOGARTH. De entre os novos pintores, William Hogarth
(1697-1764) tornou-se famoso na década de 1730 com um
novo género de quadro, que ele descreveu como temas
morais modernos semelhantes a representações teatrais. Na
Orgia, o jovem devasso entrega-se à luxúria e ao vinho. É
talvez o primeiro artista na história a tornar-se crítico social
por direito próprio.
GAINSBOROUGH. O retrato continuou a ser a única fonte
de rendimento constante para os pintores ingleses, que
criariam no século XVIII um estilo muito diferente da
- 46 -
tradição europeia do género. Acima de todos distinguiu-se
Thomas Gainsborough (1727-1788), que, de pintor de
paisagens, acabou como retratista preferido da alta
sociedade britânica. Há nos seus primeiros retratos, como o
de Robert Andrews e sua Mulher, um encanto lírico que
falta nalguns quadros mais tardios.
REYNOLDS. Sir Joshua Reynolds (1723-1792), presidente
da Academia Real (Royal Academy) desde a sua fundação
em 1768, era o expoente da posição académica perante a
arte, empenhamento que foi consequência de dois anos de
estadia em Roma. Apesar de preferir a pintura histórica em
grande escala, a esmagadora maioria das suas obras são
retratos, enobrecidos, sempre que possível, por alusões
alegóricas ou disfarces como o de Mrs. Siddons. Reynolds
quase conseguiu dar à pintura, na Inglaterra, a
respeitabilidade de uma arte liberal.
A Escultura
Durante a Reforma procedeu-se a uma destruição
sistemática da escultura em Inglaterra. Com o surto da
vigorosa escola inglesa de pintura, também cresceu o
interesse pela escultura, e durante o século XVIII a
Inglaterra deu um exemplo ao resto da Europa, ao criar um
tipo de monumento ao génio – estátuas de grandes vultos da
cultura, como Shakespeare, homenagem pública até então
reservada a chefes de Estado.
ROUBILIAC. Uma das primeiras e mais insinuantes é a
estátua do compositor George Frederick Handel pelo
escultor de origem francesa Louis-François Roubiliac
(1702-1762). Handel foi o primeiro grande êxito de
Roubiliac na sua pátria adoptiva, e tornou-se o verdadeiro
antepassado de inúmeras estátuas erguidas em louvor de
homens ilustres, um pouco por toda a parte.
- História da Arte II -
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- História da Arte II -
QUARTA
PARTE
O
MUNDO
MODERNO
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- História da Arte II -
1
O NEO-CLASSICISMO
EO
ROMANTISMO
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
A história destes movimentos cobre aproximadamente um
século, de 1750 a 1850. Considerados durante muito tempo
como opostos, parecem hoje tão interdependentes que de
bom grado preferiríamos uma denominação comum, se ela
existisse. A dificuldade está em que os dois termos
assentam em critérios diferentes de classificação. O NeoClassicismo é um ressurgimento da arte da Antiguidade
Clássica mais coerente que os primeiros classicismos,
enquanto o Romantismo, referindo-se a uma atitude de
espírito que pode revelar-se sob muitos aspectos, é um
conceito mais lato e portanto mais difícil de definir.
A palavra vem dos “romances”, histórias de aventuras
medievais (como as lendas do Rei Artur ou do Santo
Graal), tão em voga nos finais do século XVIII, e assim
chamados por serem escritos em língua “romântica”, e não
em latim.
Mas o propósito declarado dos Românticos era o de
derrubar os artifícios que barravam o caminho a um
regresso à Natureza, a Natureza desmedida, selvagem e
variável, sublime ou pitoresca.
O Romantismo favoreceu a revivência não de um só estilo,
mas de um número potencialmente ilimitado de estilos. E,
de facto, as revivências tornaram-se um princípio estilístico:
o “estilo” do Romantismo nas artes plásticas.
Nesse contexto, o Neo-Clássicismo é apenas um aspecto do
Romantismo e foi incluído no título deste capítulo somente
porque, até cerca de 1800, desempenhou um papel mais
importante do que os outros revivalismos Românticos.
A ARQUITECTURA
Os pintores e escultores não conseguiram abandonar os
hábitos de representação herdados do Renascimento e
nunca voltaram à Idade Média ou à Antiguidade préclássica. Os arquitectos, no entanto, não estavam sujeitos a
esta limitação, e os estilos revivalistas prolongaram-se por
mais tempo na arquitectura do que nas outras artes.
tão rico de surpresas e variedade como a própria Natureza.
O jardim à inglesa é uma obra de arte disfarçada.
O Racionalismo em França
SOUFFLOT. O movimento racionalista contra o Barroco
surgiu mais tarde em França. O seu primeiro grande
monumento, o Panteão de Jacques Germain Soufflot (17131780), em Paris, foi construído como igreja sob a invocação
de Sta. Genoveva, mas secularizado durante a Revolução.
BOULLÉE. Étienne-Louis Boullée (1728-1799) era meia
geração mais novo que Soufflot e muito mais ousado.
Construiu pouco, mas as suas lições na Academia ajudaram
a criar uma tradição arquitectónica visionária, que floresceu
durante o último terço do século e os primeiros anos do
seguinte. O ideal de Boullée era uma arquitectura de
nobreza majestosa, um efeito que ele procurou conseguir
através da combinação de grandes massas simples.
As Escavações Arqueológicas
Os meados do século XVIII foram profundamente agitados
por dois acontecimentos: o redescobrimento da arte grega
como a fonte original do estilo clássico, e as escavações em
Herculano e Pompeia, que revelaram pela primeira vez a
vida diária dos Antigos, e toda a dimensão das suas artes e
ofícios. Livros ricamente ilustrados sobre a Acrópole de
Atenas e os achados de Herculano e Pompeia foram
publicados na Inglaterra e na França. Daí brotou um novo
estilo de decoração interior.
JEFFERSON. Entretanto, o Palladianismo lançado por Lord
Burlington espalhou-se além-mar até às colónias
americanas, onde se tornou conhecido sob o nome de estilo
Georgiano. Um dos melhores exemplos deste estilo é a casa
de Thomas Jefferson (1743-1826), Monticello.
Esta fase de Revivência Grega do Neo-Classicismo
começou, em pequena escala, na Inglaterra, mas foi
rapidamente adoptada em toda a parte.
O Clássico contra o Gótico; alternativas
O Movimento Paladiano
em Inglaterra
Foi na Inglaterra que nasceu a arquitectura romântica, com
o ressurgimento Palladiano, nos anos de 1720, patrocinado
por um rico amador, Lord Burlington. Chiswick House,
adaptada da Villa Rotonda, é um edifício compacto, simples
e geométrico – a antítese da pompa barroca do Palácio de
Blenheim.
OS JARDINS INGLESES. Que jardim lhe conviria? Lord
Burlington e o seu grupo entenderam que o tipo
convencional e geométrico, como o de Le Nôtre em
Versalhes não era natural. E assim criaram o chamado
“jardim à inglesa”. Cuidadosamente planeado, com
caminhos serpenteados, arbustos e árvores irregularmente
dispostos, e pequenos lagos e ribeiros, em vez de tanques e
canais de traçado geométrico, o jardim racional devia ser
- 52 -
Enquanto a Revivência Clássica de 1750 a 1800 se tornava
cada vez mais arqueológica, a do Gótico dava também os
primeiros passos, novamente impulsionada pelos Ingleses.
A arquitectura gótica nunca desaparecera de todo na
Inglaterra. O seu ressurgimento consciente estava ligado ao
culto do pitoresco e à moda dos romances medievais.
WALPOLE. Foi dentro deste espírito que Horace Walpole
(1717-1797), no terceiro quartel do século, aumentou e
goticizou a sua casa de campo, Strawberry Hill, dando-lhe
um carácter gótico. Apesar da sua deliberada irregularidade,
o edifício tem superfícies lisas e delicadas. O interior parece
decorado com renda de papel, possuindo um alegre encanto
especial, livre de qualquer dogma estilístico. Aqui, o Gótico
é ainda um estilo exótico – agrada porque é estranho, mas
por isso mesmo tem de ser traduzido, tal como um romance
medieval.
- História da Arte II -
Depois de 1800, a escolha entre as modas clássica e gótica
pendeu para a última. O sentimento nacionalista, fortalecido
pelas guerras napoleónicas, tornou-se um factor importante,
pois tanto para a Inglaterra como para a França e a
Alemanha o Gótico representava o génio nacional.
BARRY E PUGIN. Todas estas considerações se
conjugaram no projecto de Sir Charles Barry e A. Welby
Pugin para o Parlamento de Londres, o maior monumento
da Revivência Gótica. Como sede de uma vasta e complexa
organização governamental, mas ao mesmo tempo ponto
fulcral do sentimento patriótico, apresenta uma curiosa
mistura – uma simetria repetitiva domina o corpo central do
palácio, enquanto uma irregularidade pitoresca caracteriza o
seu perfil.
A Arquitectura Industrial
sempre da sua nação e isso permitiu-lhe dar uma
contribuição pessoal para o desenvolvimento do
Romantismo, sintetizada no quadro Morte do General
Wolfe.
COPLEY. Um talentoso compatriota de West, John
Singleton Copley, de Boston (1738-1815), mudou-se para
Londres seis anos antes da Revolução Americana. Como
excepcional pintor de retratos, tinha adaptado ao ambiente
cultural da Nova Inglaterra as fórmulas da tradição inglesa.
Na Europa, Copley voltou-se para a pintura histórica à
maneira de West, perdendo assim as suas virtudes
provincianas. Mais memorável como obra de arte, e
também como modelo de imagística romântica, é o seu
Watson e o Tubarão.
A Inglaterra
Esta arquitectura de ostentação estava divorciada das
necessidades práticas da era industrial – quando as fábricas,
armazéns, lojas e apartamentos urbanos constituíam o
grosso da construção civil. É justamente no mundo da
arquitectura comercial que vamos encontrar, a partir de
1800, a introdução progressiva de novos materiais e
técnicas, que viriam a ter profunda influência no estilo de
arquitectura “fim de século”. Foi decisiva a utilização do
ferro, nunca usado anteriormente como material de
construção. Algumas décadas depois do seu aparecimento,
as colunas e arcos de ferro tinham-se tornado o meio de
suporte habitual para a cobertura de grandes espaços como
as estações de caminho de ferro, salas de exposição e
bibliotecas públicas.
A PINTURA
A grande realização do Romantismo no campo das artes
plásticas encontra-se na pintura. Dependendo menos da
aceitação pública, acomodava-se mais ao individualismo do
artista romântico e também às ideias e aos temas literários
dominantes. A literatura do passado e do presente tornou-se
mais que nunca uma importante fonte de inspiração para os
pintores, proporcionando-lhes uma nova gama de assuntos,
emoções e atitudes. Os poetas românticos, por sua vez,
viram muitas vezes a natureza com os olhos de um pintor.
Dentro do movimento romântico, a arte e a literatura
estabelecem uma relação complexa e subtil.
A pintura romântica, tal como a arquitectura, começou
como uma reacção, em nome da Razão e da Natureza,
contra a artificialidade barroca.
A América
WEST. Pode parecer surpreendente que um dos primeiros a
sofrer a influência destes pintores tenha sido Benjamin
West (1738-1820), que chegou a Roma, vindo da
Pensilvânia, em 1760, causando certa sensação, por ter sido
o primeiro pintor americano a vir à Europa. A sua carreira
foi mais europeia que americana. No entanto, orgulhou-se
- 53 -
FUSELI. O afã romântico de buscar experiências
aterradoras não se quedava pela violência física; podia
mergulhar nas sombrias profundezas do espírito humano,
como acontece no Pesadelo de John Henry Fuseli (17411825). Este pintor, suíço de nascimento e originalmente
chamado Fussli, teve um extraordinário papel no seu tempo.
Ele baseou o seu estilo em Miguel Ângelo e nos
Maneiristas, e não em Poussin ou nos Antigos. No Pesadelo
a mulher adormecida é neo-clássica, o diabo e o cavalo
luminoso provêm do mundo do folclore medieval.
BLAKE. Mais tarde, em Londres, Fuseli travou amizade
com o poeta-pintor William Blake (1757-1827), cuja
personalidade era ainda mais estranha que a sua. Blake
produzia e publicava ele mesmo os seus livros de poemas,
com o texto gravado e ilustrações pintadas à mão. Sentia
uma profunda admiração pela Idade Média e conseguiu,
mais que qualquer outro artista do Romantismo, ressuscitar
formas anteriores ao Renascimento. Todos estes elementos
estão presentes na memorável imagem de O Ancião dos
Dias.
COZENS. Seria possível imaginar um contraste maior que
entre o Ancião e a Paisagem, de Alexandre Cozens (17171786). Este tinha-se cansado das paisagens idílicas que
eram ao tempo tão admiradas.
Como professor, concebeu aquilo a que chamou um novo
método para estimular a invenção, mediante o desenho de
composições originais de paisagem. Em que consistia esse
método? Porque não amarrotar uma folha de papel, alisá-la
e enchê-la de borrões de tinta, enquanto se pensa vagamente
numa paisagem? Os borrões de Cozens não são obra da
Natureza, mas sim obras de arte.
O “Método” não foi esquecido em parte devido à sua
própria notoriedade. Os dois grandes mestres da paisagem
romântica na Inglaterra, John Constable e William Turner,
ambos beneficiaram dele.
CONSTABLE. John Constable (1776-1837) opunha-se
vivamente a todos os devaneios da fantasia. Segundo ele, a
pintura de paisagem devia basear-se em factos observáveis,
devia captar a perfeição de efeitos naturais puros. Todos os
seus quadros mostram vistas conhecidas do campo inglês.
- História da Arte II -
Interessavam-lhe mais as qualidades intangíveis – as
condições do céu, da luz e da atmosfera – que os
pormenores concretos da cena. Muitas vezes, como na
Charneca de Hampstead, a terra serve apenas para realçar o
drama cambiante do vento, da luz e das nuvens.
O céu para ele era a chave-mestra, a escala padrão e o
principal órgão do sentimento. Constable conseguiu uma
técnica muito ampla, livre e pessoal.
TURNER. O seu contemporâneo, William Turner (17731851), começou como aguarelista, e a utilização de tons
translúcidos sobre papel branco ajuda a explicar a sua
preocupação pela cor da luz. Como Constable, fez
numerosos estudos do natural, escolhendo cenários que
satisfaziam o gosto romântico, por tudo o que fosse
pitoresco ou sublime – as montanhas, o mar, ou os sítios
ligados a acontecimentos históricos.
O Navio Negreiro é uma das mais espectaculares visões de
Turner e mostra como ele transformava as suas fontes
literárias em vapor colorido.
A Alemanha
FRIEDRICH. Na Alemanha, como na Inglaterra, a
paisagem foi a mais bela realização da pintura romântica.
Quando Gaspar David Friedrich (1774-1840), o mais
importante artista alemão do Romantismo, pintou o Mar
Polar, é possível que conhecesse As Ilusões da Esperança
de Turner. Em todo o caso, partilhava a atitude de Turner
perante o destino humano. O quadro, como tantos outros,
fora inspirado por um acontecimento específico, a que ele
deu uma significação simbólica.
De uma tristeza desoladora, o quadro é um reflexo
angustiante da própria melancolia do artista. Não há aqui
qualquer sugestão de vapor colorido – o próprio ar parece
congelado.
Esta técnica impessoal e meticulosa é característica da
pintura romântica alemã. Por volta de 1800, os pintores
alemães redescobriram aquilo que consideraram a sua
herança pictórica nacional: os pintores medievais do século
XV e dos princípios do século XVI. Esta “Revivência
Gótica”, contudo, não foi além do assunto e da técnica.
Técnica que nas mãos de Friedrich deu efeitos
extraordinários, mas foi uma desvantagem para a maioria
dos seus compatriotas, menos ricos de imaginação.
A América
BINGHAM. Também o Novo Mundo teve os seus
paisagistas românticos, embora até 1825 os americanos
estivessem demasiado ocupados a construir casas para
prestarem atenção à qualidade poética da natureza.
Negociantes de Peles no Missouri, de George Caleb
Bingham (1811-1879), revela esta proximidade da terra. O
quadro é ao mesmo tempo uma paisagem e uma cena de
género. O quadro faz-nos lembrar as descrições de Mark
Twain da sua infância à beira-rio, e recorda-nos ao mesmo
tempo quanto o aventureirismo romântico teve a ver com a
expansão para Oeste nos Estados Unidos.
- 54 -
A França: Reforma e Revolução
GREUZE. Entretanto, na França, os pensadores do
Iluminismo, antepassados dos intelectuais da Revolução,
encorajaram a corrente anti-rococó na pintura. Esse espírito
explica a súbita fama, por volta de 1760, de Jean Baptiste
Greuze (1725-1805). A Noiva de Aldeia, como os seus
outros quadros desse período, é uma cena familiar da vida
do povo. Mas distinguiu-se da pintura de género anterior
pelo seu carácter teatral.
DAVID. Jacques-Louis David (1748-1825), um NeoPoussinista muito mais dotado e rigoroso, tinha
desenvolvido o seu estilo neo-clássico em Roma, durante os
anos de 1775-1781. Em A Morte de Sócrates, de 1787,
parece mais “Poussinista” que o próprio Poussin.
David tomou parte activa na Revolução Francesa e durante
alguns anos dispôs de um poder sobre todas as actividades
artísticas do país. Durante esse período, pintou o seu melhor
quadro, A Morte de Marat.
David compôs a cena com uma crueza verdadeiramente
impressionante. Nesta tela, concebida como um monumento
público ao herói-mártir, reúnem-se a imagem de devoção e
a narrativa histórica.
GROS. Quando, passados alguns anos, David conheceu
Napoleão, tornou-se um ardente bonapartista e pintou
vários grandes quadros, a glorificar o Imperador. Mas um
dos seus discípulos preferidos, Antoine-Jean Gros (17711835), veio a eclipsá-lo como o principal pintor do mito
napoleónico. O primeiro retrato que Gros pintou do grande
general exprime com um entusiasmo romântico que David
nunca poderia igualar, a magia de Napoleão como
irresistível “homem do destino”. Por muito que Gros
respeitasse as doutrinas do mestre, a sua natureza emotiva
impelia-o para a cor e dramatismo do Barroco.
INGRES. O manto de David veio a caber finalmente a um
outro discípulo, Jean-Auguste Dominiqe Ingres (17801867). Demasiado jovem para participar nas paixões da
Revolução, Ingres nunca foi um bonapartista convicto.
Ingres é habitualmente considerado como um neoclássicista e os seus opositores como românticos. Na
realidade, ambas as facções representam aspectos diferentes
do Romantismo: a fase neo-clássica, com Ingres como
último representante significativo, e a Neo-Barroca
primeiro esboçada no Napoleão em Arcole, de Gros. Estes
dois campos pareciam ressuscitar a velha querela entre
Poussinistas e Rubenistas. Ingres considerou sempre o
desenho superior à pintura e, no entanto, a Odalisca revela
um raro sentido de cor.
Se a ambição constante de Ingres era a pintura de história,
ao modo de Poussin, é certo que não lhe venceu as
dificuldades e que os seus dotes excepcionais o
encaminhavam para o retrato, género donde auferiu os seus
maiores proventos. O retrato de Louis Bertn é uma obraprima.
- História da Arte II -
A Espanha
GOYA. O grande pintor espanhol Francisco Goya (17461828) chegou pela primeira vez a Madrid em 1766. As suas
primeiras obras, num estilo deliciosamente Rococó tardio,
reflectem a influência de Tiepolo e dos mestres franceses.
Mas durante a década de 1780, Goya tornou-se um
libertário; simpatizava com o Iluminismo e a Revolução, e
não com o rei de Espanha, que se tinha aliado a outros reis
na guerra contra a jovem república francesa. Era, no
entanto, apreciado na corte, especialmente como pintor de
retratos. Abandonou então o Rococó por um estilo neobarroco inspirado em Velázquez e Rembrandt, os mestres
que mais admirava. A Família de Carlos IV apresenta ecos
deliberados de Las Meninas.
Quando os exércitos de Napoleão ocuparam a Espanha, em
1808, Goya e muitos dos seus compatriotas tiveram a
esperança de que os conquistadores trouxessem as reformas
liberais que tão necessárias eram. Mas o comportamento
selvagem das tropas francesas depressa desfez essas
esperanças e provocou uma onda de resistência popular
igualmente feroz. Muitas das obras de Goya do período
entre 1810 e 1815 reflectem essa amarga experiência. A
mais importante é o Três de Maio de 1808, comemorando a
execução de um grupo de revoltosos madrilenos.
Depois da derrota de Napoleão, a monarquia restaurada em
Espanha trouxe uma nova onda de repressão e Goya
retirou-se cada vez mais para um mundo interior, com
visões de pesadelo, como o Bobabilicon. Finalmente, em
1824, Goya exilou-se voluntariamente, instalou-se em
Bordéus, onde morreu. A sua influência no neo-barroco
Romântico francês é bem comprovada pelo seu maior
pintor, Eugéne Delacroix, o qual afirmava que o estilo ideal
seria uma combinação da arte de Miguel Ângelo com a de
Goya.
Delacroix (1798-1863) já expunha há alguns anos, mas o
Massacre fez a sua reputação. Esta obra foi inspirada num
acontecimento contemporâneo – a guerra de independência
da Grécia contra os Turcos.
Um céu igualmente escuro e tempestuoso aparece também
na última homenagem de Delacroix à causa grega, A Grécia
nas Ruínas de Missolonghi.
A simpatia de Delacroix pelos Gregos não o impediu de
comungar no entusiasmo geral dos Românticos pelo
Próximo Oriente. Uma visita ao Norte de África em 1832
deixou-o encantado. Os esboços feitos durante esta sua
viagem forneceram-lhe um vasto repertório de temas para o
resto da vida – interiores de harém, cenas de rua, caçadas ao
leão.
MILLET. François Millet (1814-1875) foi um dos artistas
da escola de Barbizon, que se tinham fixado nesta aldeia,
próximo de Paris, para pintar paisagens e cenas da vida
rural. O seu Semeador reflecte a concisão e a amplitude das
formas de Daumier, agora esbatidas pela atmosfera
brumosa.
BONHEUR. A revolução popular de 1848 elevou Millet e a
Escola de Barbizon a uma posição importante na arte
francesa. Nesse mesmo ano, Rosa Bonheur (1822-1899),
também uma pintora de exteriores, recebeu uma comissão
do governo francês que a levou ao seu primeiro êxito e a
ajudou a estabelecer-se como a mais proeminente pintora de
animais. O seu quadro Arando os Campos em Nivernais foi
exibido no ano seguinte.
COROT. Outro artista ligado à Escola de Barbizon, embora
não lhe pertencesse, foi Camille Corot (1796-1875). De
destacar as suas últimas paisagens, enevoadas e poéticas.
Em 1825 foi para Itália, por dois anos, e explorou o campo
à volta de Roma. Os seus quadros são análogos aos esboços
a óleo de Constable, mas remontam a uma tradição
diferente.
A França: A Pintura Romântica
GÉRICAULT. Mas a influência de Goya em França fez-se
sentir apenas depois da sua morte. A tendência neo-barroca
iniciada por Gros tinha então despertado a imaginação de
muitos e talentosos jovens. O Oficial da Guarda Imperial a
Cavalo, pintado por Theodore Géricault (1791-1824),
apresenta a concepção do herói romântico. Géricault veio a
interessar-se mais tarde pelos pintores ingleses de animais,
como George Stubbs. Mas os seus heróis cimeiros, além de
Gros e dos grandes mestres do Barroco, foram David e
Miguel Ângelo.
Um ano de estudo em Itália levou-o a uma compreensão
mais profunda do nu como imagem de poder expressivo;
estava agora apto a iniciar a sua obra mais ambiciosa, a
Jangada do Medusa.
DELACROIX. O ano de 1824 fo crucial para a pintura
francesa. Géricault morreu; Ingres regressou a França vindo
de Itália e obteve o primeiro êxito público; a exposição de
obras de Constable em Paris foi uma revelação para muitos
artistas franceses; e o Massacre de Chios consagrou Eugéne
Delacroix como principal pintor neo-barroco do
Romantismo. Grande admirador de Gros e de Géricault,
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A ESCULTURA
Os impulsos rebeldes e individualistas do Romantismo
podiam encontrar expressão em esboços toscos e em
pequena escala, mas raramente conseguiram sobreviver ao
laborioso processo de transpor o esboço para um
monumento acabado e permanente.
Os escultores sentiam-se esmagados pela autoridade
atribuída às estátuas antigas. Eis porque a escultura entrou
numa crise que só findou no último quartel do século XIX.
HOUDON. Como se pode deduzir, o retrato foi um campo
propício à escultura neo-clássica. O seu representante mais
importante, Jean Antoine Houdon (1741-1828), conserva
ainda o sentido agudo do carácter individual introduzido
por Coysevox. A bela estátua de Voltaire faz plena justiça à
sabedoria e ao humor céptico do modelo, e a roupagem
clássica do famoso escritor.
Houdon foi em seguida convidado a ir à América para
executar a estátua de G. Washington, de que fez duas
- História da Arte II -
versões, uma em trajes clássicos, a outra em vestuário
moderno.
CANOVA. Ainda assim, Washington conseguiu escapar ao
retrato nu heróico, tipo de representação muito do agrado
dos jovens escultores neo-clássicos. Avultava entre eles o
famoso António Canova (1757-1822) autor de uma estátua
nua de Napoleão, inspirada em retratos de imperadores
romanos divinizados.
A obra mais ambiciosa de Canova, O Túmulo da Condessa
Maria Cristina, em contraste com os túmulos anteriores,
não inclui a verdadeira sepultura – a pirâmide é falsa, uma
simples fachada sem profundidade, aposta à parede da
igreja. Qual a diferença entre a arquitectura verdadeira e a
simulada?
PRÉAULT. Este dilema poderia ter sido resolvido de duas
maneiras:
ressuscitando
um
estilo
pré-clássico
suficientemente abstracto para restituir à escultura a sua
realidade autónoma, ou regressando ao carácter
francamente teatral do Barroco. Foi esta a alternativa mais
viável nas condições da época, embora houvesse tentativas
isoladas para explorar a primeira. Auguste Préault (18091979), o mais ousado escultor do seu tempo e aquele cuja
personalidade mais se aproximou do ideal romântico, criou
obras que correspondem ora a uma ora a outra das
correntes. O baixo-relevo Massacre transborda de violência
física e emocional, muito para além da que se pode
encontrar na arte barroca, e, no entanto, as suas expressivas
distorções, o espaço irracional repleto de formas a
contorcerem-se, evocam a escultura gótica.
RUDE. Quando o Massacre foi exibido ao público em
1834, teve poucos admiradores. Um deles deve ter sido o
escultor François Rude (1784-1855), como sugere a sua
própria obra-prima, a esplêndida e retórica Marselhesa,
num dos pilares do Arco do Triunfo em Paris.
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CARPEAUX. O verdadeiro herdeiro de Rude foi JeanBaptiste Carpeaux (1827-1875), cujo famoso grupo para a
fachada da Ópera de Paris, A Dança, se adequa
perfeitamente à arquitectura neo-barroca de Garnier.
A FOTOGRAFIA
Será a fotografia uma arte? É claro que a fotografia em si
mesma é apenas um meio, como o óleo ou o pastel, usado
para criar arte, não podendo, só por si, reclamar-se como
tal. A fotografia, tal como a arte, implica criatividade,
porque, pela sua própria natureza, recorre à imaginação.
Os Inventores
A invenção da fotografia foi uma resposta às necessidades
artísticas e às forças históricas que subjazem ao
Romantismo.
Os Retratos
Os primórdios da fotografia reflectem a visão e o
temperamento românticos: na verdade, o século XIX tinha
uma curiosidade generalizada e a forte convicção de que
tudo podia ser descoberto. A fotografia teve um
extraordinário impacto na imaginação desta época,
tornando o resto do mundo acessível, ou simplesmente
revelando-o sob uma forma diferente.
O amor pelo exótico era parte integrante do escapismo
romântico, e em 1850 encontramos já fotógrafos que
carregaram o equipamento até lugares distantes.
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2
O REALISMO
E O IMPRESSIONISMO
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A PINTURA
A França
COURBET E O REALISMO. Orgulhoso da sua origem
camponesa e de convicções socialistas em política, Courbet
começara por ser um romântico neo-barroco no início da
década de 1840. Mas cerca de 1848, sob o choque das
convulsões revolucionárias que varriam a Europa,
convenceu-se de que a importância dada pelo Romantismo
ao sentimento e à imaginação não passava de uma fuga às
realidades da época. O artista moderno devia reger-se pela
sua experiência directa, devia ser um realista.
A tempestade rompeu em 1849, quando ele expôs Os
Britadores de Pedra, a primeira tela que exprime
plenamente o seu realismo programático.
Courbet deu a conhecer ao público os seus quadros, expôlos por sua conta num barracão e distribuiu um “Manifesto
do Realismo”. Como peça fundamental apresentava uma
tela enorme, a mais ambiciosa da sua carreira, intitulada
Interior do meu Atelier, uma Alegoria Real, Resumo de Sete
Anos da Minha Vida de Artista. A estrutura já é conhecida –
a composição de Courbet pertence claramente ao tio de Las
Meninas de Velásquez e de A Família de Carlos IV de
Goya. Agora, porém, o artista ocupa o centro.
MANET E A “REVOLUÇÃO DA MANCHA DE COR”.
Um quadro que causou ainda mais escândalo foi Le
Déjeuner sur l’herbe, que apresenta uma mulher nua, na
companhia de dois homens de sobrecasaca. O seu autor é
Édouard Manet (1832-1883), e foi o primeiro a
compreender toda a importância de Coubert. Ofendeu em
especial a moralidade contemporânea, pela justaposição do
nu e das figuras vestidas, numa composição ao ar livre.
A obra de Manet atesta uma dedicação de toda a vida à
pintura pura – a convicção de que as pinceladas e as
manchas de cor, e não o que elas representam, constituem a
primeira realidade do pintor. Muitas das telas de Manet são
na verdade pinturas de pinturas – traduzem em termos
modernos as obras mais antigas que particularmente o
atraíram.
Olhando para o Tocador de Pífaro, compreendemos o que
ele queria dizer. Pintado três anos depois do Déjauner, é um
quadro sem sombras. Manet rejeita todos os métodos
criados desde o tempo de Giotto para transmudar uma
superfície plana em espaço pictórico. A própria tela foi
repensada – é uma cortina constituída por manchas lisas de
cor.
MONET E O IMPRESSIONISMO. O que provocou esta
revolução da mancha de cor? Tudo leva a crer que ele
sentiu a urgência de criar um novo estilo como resposta ao
desafio da fotografia. Ao contrário de Courbet, não deu
qualquer nome ao estilo que criou. Quando os seus
discípulos começaram a chamar-se a si mesmos
Impressionistas, ele recusou-se a aceitar o termo para a sua
própria pintura.
A palavra tinha sido cunhada em 1874, depois de um crítico
hostil ter visto um quadro intitulado Impressão: Nascer do
Sol, de Claude Monet (1840-1926), e ajusta-se melhor a
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Monet do que a Manet. Monet tinha adoptado a concepção
da pintura da Manet e aplicou-a a paisagens realizadas ao ar
livre. O Rio de Monet, de 1868, é inundado por uma luz tão
brilhante que os críticos conservadores se queixaram de que
lhes feria a vista. A imagem espelhada serve aqui uma
finalidade oposta à das imagens-espelho anteriores; em vez
de aumentar a ilusão do espaço real, reforça a unidade da
superfície do próprio quadro.
MANET E O IMPRESSIONISMO. Estas qualidades foram
mais difíceis de conseguir para o austero e cuidadoso
Manet; aparecem na sua obra só a partir de 1870, sob a
influência de Monet. O último grande quadro de Manet, Um
Bar nas Folies-Bergères, de 1881, representa uma única
figura, tão calma como o Pífaro, mas o fundo já não é
neutro.
RENOIR. Cenas do mundo do espectáculo – salões de
dança, cafés, concertos, o teatro – foram assuntos preferidos
dos pintores impressionistas. Auguste Renoir (1841-1919),
um outro membro importante do grupo, encheu a sua obra
da joie de vivre de um temperamento singularmente feliz.
Os pares de namorados de O Moinho de la Galette, sob o
jogo multicor de luzes e sombras, irradiam um calor
humano de todo encantador.
DEGAS. Pelo contrário, Edgar Degas (1834-1917) obriganos a olhar atentamente para o casal desiludido da cena do
café. Composições de tanta ousadia situam Degas à parte
dos outros Impressionistas. O seu profundo sentido do
carácter humano dá substância até a cenas aparentemente
ocasionais como O Copo de Absinto.
Quando se juntou aos impressionistas, Degas não
abandonou a antiga fidelidade ao desenho. Muitas das suas
melhores obras foram executadas a pastel, de que é bom
testemunho a Prima Ballerina.
Uma década mais tarde, a Banheira está de novo numa
perspectiva oblíqua, mas a composição tornou-se severa,
quase geométrica.
A Banheira só é impressionista pela cor vibrante e
luminosa. As suas outras qualidades são mais características
da década de 1880, a primeira do pós-Impressionismo,
quando muitos artistas evidenciaram uma preocupação com
problemas de forma.
A ÚLTIMA FASE DE MONET. Entre as maiores figuras
do movimento, apenas Monet permaneceu fiel à visão
impressionista da natureza. Cerca de 1890, dedicou-se a
pintar séries de quadros representando o mesmo assunto em
diferentes condições de luz e atmosfera.
A Inglaterra
O REALISMO. Quando Monet sentiu o fascínio da obra de
Turner, a reputação deste na sua pátria estava na mó de
baixo. Cerca de 1850, quando Courbet lançou a sua
doutrina revolucionária do Realismo, certa preocupação
com o heroísmo da vida moderna afirmou-se na pintura
inglesa. Talvez a obra mais bem conhecida seja The Last of
England de Ford Madox Brown (1821-1893), um quadro
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que gozou de grande popularidade no mundo de língua
inglesa durante a última metade do século.
O pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), em
1848 contribuí para a fundação de uma sociedade de artistas
chamada Fraternidade Pré-Rafaelistas.
OS PRÉ-RAFAELISTAS. Brown nunca se lhes juntou, mas
participava da intenção fundamental dos Pré-Rafaelistas: a
de lutar contra a arte frívola desses anos. Como o nome da
Fraternidade indica, os seus membros beberam a inspiração
nos mestres primitivos do século XV, e nessa medida,
participavam na “Revivência Gótica”, desde longa data um
aspecto importante do movimento romântico. Mas os PréRafaelistas estavam separados do Romantismo puro e
simples pelo desejo de reformarem os males da civilização
moderna através da arte. Assim, os emigrantes de The Last
of England manifestam dramaticamente as condições que
obrigavam tantos a deixarem a pátria.
Rossetti, ao contrário de Brown, não estava interessado em
problemas sociais, antes se considerava um reformador da
sensibilidade estética. A obra-prima da primeira fase foi
Ecce Ancilla Domini.
MORRIS. William Morris (1834-1896), estreou-se como
pintor pré-Rafaelista, mas cedo transferiu o seu interesse
para a arte utilitária – arquitectura doméstica e decoração
interior, incluindo mobiliário, tapeçarias e papéis de parede.
Graças às numerosas iniciativas que patrocinou, Morris
tornou-se um educador do gosto, sem par no seu tempo. Ao
findar do século, a sua influência já se espalhara por toda a
Europa e pela América.
A América
WHISTLER. Durante os últimos anos da sua vida, Coubert
gozou de considerável fama e influência no estrangeiro; os
Impressionistas, porém, só a pouco e pouco ganharam fama
e estima. Surpreendentemente, os Americanos foram os
seus primeiros clientes, aceitando bem o novo estilo, e mais
depressa que os Europeus. Pintores americanos figuraram
entre os primeiros seguidores de Manet e do seu círculo.
James McNeill Whistler (1834-1903) veio para Paris em
1855, a fim de estudar pintura; quatro anos depois fixou-se
em Londres definitivamente, mas esteve em França na
década de 1860, e manteve um contacto estreito com o
crescente movimento impressionista.
O seu quadro mais conhecido, Composição em Negro e
Cinzento: a Mãe do Artista, reflecte a influência de Manet
na importância dada às superfícies planas, e o retrato tem a
precisão austera dos que Degas pintou.
EAKINS. Thomas Eakins (1844-1916) chegou a Paris,
vindo de Filadélfia. Voltara à América quatro anos mais
tarde, marcadamente influenciado por Courbet, Manet e
Velázquez, cuja influência combinada é inegável em A
Clínica de Gross, a mais imponente obra da pintura
americana do século passado.
CASSATT. Graças em grande medida à atitude esclarecida
de Eakins, Filadélfia tornou-se no maior centro de artistas
pertencentes a minorias dos Estados Unidos, mas as
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barreiras tradicionais não foram facilmente ultrapassadas. O
treino inicial que Mary Cassatt (1845-1926) aí teve foi
muito semelhante ao de Eakins, mas preferiu instalar-se em
Paris, onde se juntou aos Impressionistas em 1877.
Defensora incansável dos Impressionistas, Cassatt teve um
papel fundamental na aceitação destes nos Estados Unidos.
A maternidade é o tema e o centro formal da maior parte da
sua obra, que atingiu a maturidade por volta de 1890. O
Banho reflecte, na sua perspectiva oblíqua, formas
simplificadas de cor e uma composição plana, testemunhos
da sua dívida para com Degas e Manet, seus mentores. O
seu estilo individualizado faz dela, nas suas melhores obras,
uma das figuras mais proeminentes do Impressionismo
Americano.
A ESCULTURA
Rodin
Auguste Rodin (1840-1917), o primeiro escultor de génio
desde Bernini, redefiniu a escultura pela mesma altura em
que Manet e Monet redefiniram a pintura; ao fazê-lo,
porém, não seguiu o exemplo desses artistas. Na verdade,
como poderia o efeito de quadros como O Tocador de
Pífaro ou O Rio ser reproduzido em três dimensões e sem
cor?
O HOMEM DO NARIZ PARTIDO. O que Rodin
conseguiu realizar pode ver-se logo na primeira peça que
tentou expor, e que foi rejeitada, O Homem do Nariz
Partido, de 1864. Os críticos conservadores rejeitaram esta
obra pois consideravam-na inacabada, era um mero esboço.
Rodin foi o primeiro a fazer do inacabado um princípio
estético.
A revolução escultórica, proclamada como tal por audácia
de Rodin, aos vinte e quatro anos de idade, só atingiu a sua
força plena no fim da década de 1870. Para viver, o jovem
artista teve de colaborar com escultores oficialmente
reconhecidos na feitura de encomendas públicas,
principalmente monumentos e esculturas arquitectónicas.
Em 1879 confiaram-lhe, finalmente, uma tarefa importante,
a entrada para o Museu de Artes Decorativas em Paris.
AS PORTAS DO INFERNO. Roudin elaborou um conjunto
ambicioso a que chamou As Portas do Inferno, programa
simbólico inspirado no Inferno de Dante. Nunca as
terminou mas serviram-lhe de fonte de numerosas peças
menores de que fez obras independentes.
O mais famoso destes fragmentos autónomos é O
Pensador, concebido para o lintel das Portas. O Beijo, um
grupo de mármore acima do tamanho normal, deriva
igualmente das Portas.
O MONUMENTO A BALZAC. O Monumento a Balzac, a
sua mais ousada criação, ficou em gesso durante muitos
anos, rejeitada pela Comissão que a tinha encomendado.
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O PÓS-IMPRESSIONISMO
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A PINTURA
Em 1882, pouco antes de morrer, Manet recebeu o grau de
Cavaleiro da Legião de Honra. Quatro anos mais tarde, os
Impressionistas, que tinham vindo a expor juntos desde
1874, realizaram a sua última exposição colectiva. Estes
dois acontecimentos marcam uma viragem: o
Impressionismo havia conseguido uma larga aceitação entre
artistas e público; ao mesmo tempo, porém, deixara de ser
um movimento de vanguarda. O futuro pertencia agora aos
Pós-Impressionistas.
Entendido literalmente, este rótulo incolor aplica-se a todos
os pintores com alguma significação a partir da década de
1880; num sentido mais específico, designa um grupo de
indivíduos que, tendo passado por uma fase impressionista,
se sentiram insatisfeitos perante as limitações do estilo e
ultrapassaram em diferentes direcções.
CÉZANNE. Paul Cézanne (1839-1906), o mais velho dos
Pós-Impressionistas, nasceu em Aix-en-Provence, próximo
da costa do Mediterrâneo. Homem de temperamento
intensamente emocional, veio para Paris em 1861, imbuído
de entusiasmo pelos Românticos; Delacroix foi o seu
primeiro amor entre os pintores, e nunca perdeu a
admiração por ele. Cristo no Limbo tem o pesado empaste e
a pincelada extremamente pessoal e expressiva desta fase
neo-barroca da formação de Cézanne.
Cézanne começou cedo a pintar luminosas cenas ao ar livre
mas nunca partilhou o interesse dos outros Impressionistas
pelos assuntos tirados do natural, pelo movimento e pela
mudança. Cerca de 1879, quando pintou o Auto-retrato,
havia decidido fazer do Impressionismo qualquer coisa de
sólido e durável, como a arte dos museus. À sua
impulsividade romântica dos anos 1860 sucedeu agora uma
busca paciente e disciplinada da harmonia da forma e da
cor.
Nas naturezas-mortas de Cézanne, tais como Fruteiro,
Copo e Maçãs, esta busca do sólido e durável pode ver-se
ainda mais claramente. Nunca desde Chardin, simples
objectos quotidianos tinham assumido tanta importância aos
olhos de um pintor. A partir de 1882 viveu isolado, perto da
sua terra natal, explorando as cercanias.
SEURAT. Georges Seurat (1859-1891) partilhou o
propósito de Cézanne de tornar o Impressionismo sólido e
durável, mas fê-lo de modo assaz diferente. Seurat dedicou
os maiores esforços a um pequeno número de telas de
grande dimensão, gastando um ano ou mais com cada uma
delas; fez uma série infinita de estudos preliminares antes
de se sentir bastante seguro para empreender a versão
definitiva. Este método laborioso reflecte a sua convicção
de que a arte deve basear-se num sistema.
O assunto da sua primeira grande composição, Os
Banhistas (1883), é de um género há muito popular entre os
pintores impressionistas. Impressionistas também são as
cores brilhantes e o efeito de intensa luz solar. Todavia, o
quadro é a antítese de uma rápida “impressão”; os
contornos firmes e simples e as figuras descontraídas e
imóveis dão à cena uma estabilidade intemporal.
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Nos últimos trabalhos de Seurat, como em La Parade, as
pinceladas reduzem-se a minúsculos pontos de cor brilhante
que se deveriam fundir nos olhos do observador. Este
processo ficou a ser conhecido como Neo-Impressionismo,
Pointillisme ou Divisionismo (o termo preferido por
Seurat).
VAN GOGH. Enquanto Cézanne e Seurat tentavam
transformar o Impressionismo num estilo mais severo e
clássico, Vicente van Gogh (1853-1890) tomava caminho
oposto, por lhe parecer que o Impressionismo não oferecia
ao artista liberdade suficiente para exprimir as suas
emoções. Como esta era a sua maior preocupação, muitos o
consideraram um Expressionista, mas o termo deve ser
reservado para certos pintores mais tardios. Van Gogh, o
primeiro grande mestre holandês desde o século XVI,
apenas se dedicou à arte depois de 1880. O sentimento
profundo pelos pobres domina os quadros do período préImpressionista (1880-1885). Em Comendo Batatas, a última
e mais ambiciosa obra deste período, há ainda uma certa
ingenuidade tosca, devida à falta de formação
convencional, mas que aumenta a força expressiva do seu
estilo.
Quando pintou este quadro, Van Gogh não tinha ainda
descoberto a importância da cor. Um ano mais tarde, em
Paris, conheceu Degas, Seurat e outros artistas franceses
importantes. O efeito que nele produziram foi electrizante:
os seus quadros passaram a resplandecer de cor. Paris abriulhe os olhos para a beleza sensual do mundo visível e
ensinou-lhe a linguagem pictórica da mancha de cor, mas a
pintura continuou a ser um veículo para as suas emoções
pessoais. Para explorar esta realidade espiritual com os
novos meios à sua disposição, partiu para Arles, no Sul de
França. Foi aí, entre 1888 e 1890, que produziu os seus
quadros mais importantes.
Como Cézanne, Van Gogh dedicou então o máximo das
suas energias à pintura de paisagens, mas os campos
banhados de luz do Mediterrâneo provocaram nele uma
reacção bem diferente. Em Seara de Trigo com Ciprestes, a
terra e o céu apresentam uma turbulência avassaladora.
O missionário tornara-se profeta. Vemo-lo nesse papel no
Auto-retrato, quando já começara a sofrer os ataques de
uma doença mental, que cada vez mais o impedia de pintar.
Desesperando da cura, suicidou-se passado um ano, porque
sentia profundamente que só pela arte lhe valia a pena
viver.
GAUGUIN E O SIMBOLISMO. A busca da experiência
religiosa também teve um papel importante na obra de um
outro pós-impressionista, Paul Gauguin (1848-1903).
Próspero corrector da bolsa de Paris, pintor amador e
coleccionador de quadros modernos, convenceu-se aos
trinta e cinco anos de idade de que devia dedicar-se
inteiramente à arte; abandonou a carreira profissional,
separou-se da família e, em 1889, era a figura central de um
novo movimento chamado Sintetismo ou Simbolismo.
O seu estilo, ainda que menos intensamente pessoal que o
de Van Gogh, representou, sob alguns aspectos, um avanço
ainda mais ousado sobre o Impressionismo. Para
redescobrir para si mesmo esse mundo oculto do
sentimento, Gauguin trocou Paris pelo Oeste da França para
- História da Arte II -
viver entre os camponeses da Bretanha. Notou
particularmente que a religião continuava a fazer parte da
vida quotidiana da gente dos campos, e em quadros como A
Visão depois do Sermão, tentou representar aquela fé
simples e directa. Conseguira, finalmente, o que nenhum
pintor romântico alcançara – um estilo baseado em fontes
anteriores ao Renascimento. Inspirado na arte popular e nos
vitrais da Idade Média, é um estilo que pretende recriar ao
mesmo tempo a realidade imaginada da visão e o êxtase das
camponesas.
fisicamente um anão disforme, foi um artista de soberbo
talento, que levou uma vida dissoluta pelos locais nocturnos
de Paris e morreu de alcoolismo.
Dois anos volvidos, em busca de uma vida sem as taras da
civilização, Gauguin iria ainda mais longe. Foi para Taiti,
como uma espécie de “missionário ao invés”, não para
ensinar os indígenas, mas para aprender com eles. De maior
importância neste período são as gravuras em madeira:
Oferenda de Gratidão.
ENSOR; MUNCH. Na arte do pintor belga James Ensor
(1860-1949), esta visão pessimista da condição humana
atinge uma intensidade obsessiva. Intriga é um carnaval
grotesco.
O Simbolismo: Os Nabis
Os continuadores simbolistas de Gauguin, que a si mesmos
se apelidaram de Nabis (“profeta”, em hebraico), foram
menos notáveis pelo talento criador que pela capacidade de
exprimir e justificar os objectivos do Pós-Impressionismo
em termos teóricos. Os Simbolistas também descobriram
que havia alguns artistas mais velhos, descendentes dos
Românticos, cuja obra, como a deles próprios, colocava a
visão interior acima da observação da Natureza.
MOREAU. Um deles foi Gustave Moreau (1826-1898), um
estranho solitário que admirava Delacroix e apesar disso
criou um mundo de fantasia pessoal. A Aparição mostra um
dos seus temas preferidos: a cabeça de S. João Baptista,
numa ofuscante irradiação de luz.
Só tarde Moreau conseguiu ter alguma aceitação; de
repente, a sua arte coadunava-se com o espírito do tempo.
Nos últimos seis anos de vida, ocupou até um lugar de
professor na conservadora École des Beaux-Arts. Aí atraiu
os melhores alunos, entre os quais futuras figuras de
destaque como Matisse e Rouault.
REDON. Um outro artista solitário que os Simbolistas
descobriram e que reivindicaram para o seu grupo foi
Odilon Redon (1840-1916). Como Moreau, ele tinha uma
imaginação atormentada, mas o mundo das suas imagens
era ainda mais pessoal e perturbador. Mestre da gravura e
da litografia, bebeu inspiração nas visões fantásticas de
Goya, bem como na literatura romântica.
VUILLARD. Por muito estranho que pareça, o mais bem
dotado membro dos Nabis, Édouard Vuillard (1868-1940),
foi mais influenciado por Seurat que por Gauguin. Nos seus
quadros da década de 1890 conjuga as superfícies planas e
os contornos acentuados de Gauguin, o cintilante mosaico
de cor divisionista e o carácter geométrico das superfícies
de Seurat, numa síntese original e notável.
TOULOUSE-LAUTREC. A insatisfação de Van Gogh e
Gauguin perante os males espirituais da civilização
ocidental foi um sentimento largamente partilhado no final
do século XIX. Contudo, esta mesma consciência provou
ser uma fonte de vigor. O mais notável exemplo desse
espírito é Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901);
- 65 -
Foi um grande admirador de Degas e o seu No Moulin
Rouge recorda a forma em ziguezague de O Copo de
Absinto de Degas. Embora Toulouse-Lautrec não fosse um
simbolista, o Moulin Rouge que aqui mostra tem um
ambiente tão falho de alegria e tão deprimente que não
podemos senão olhá-lo como um lugar de corrupção.
Algo da mesma qualidade macabra permeia as primeiras
obras de Eduard Munch (1863-1944), um talentoso
norueguês que veio para Paris em 1889 e baseou o seu
estilo francamente expressivo em Toulouse-Lautrec, Van
Gogh e Gauguin. O Grito acusa a influência de todos eles; é
uma imagem do medo, aquele medo aterrador e irracional
que se sente num pesadelo.
PICASSO: O PERÍODO AZUL. O jovem Pablo Picasso
(1881-1974), ao chegar a Paris em 1900, sentiu a atracção
da mesma atmosfera artística que tinha gerado o estilo de
Munch. O seu chamado Período Azul (o termo refere-se
tanto à cor predominante nas suas telas como ao estado de
espírito nelas representado) consiste quase exclusivamente
em quadros de mendigos desamparados, tais como O Velho
Guitarrista – foras-de-lei ou vítimas da sociedade, cujo
pathos reflecte o sentido de isolamento do próprio artista.
Contudo, estas figuras transmitem uma melancolia poética,
mais que franco desespero.
ROUSSEAU. Alguns anos depois, Picasso e os seus amigos
descobriram um pintor que até então não atraíra as
atenções, embora viesse expondo as suas obras desde 1886.
Tratava-se de Henri Rousseau (1844-1910), um obscuro
guarda-fiscal reformado que começara a pintar já na meiaidade, sem ter qualquer espécie de aprendizagem. Rousseau
é o paradoxo de um artista popular de génio. Se assim não
fosse, como poderia ele ter realizado um quadro como O
Sonho? O que se passa no mundo encantado desta tela não
necessita de explicação, porque nenhuma é possível.
Eis aqui, finalmente, aquela inocente franqueza de
sentimentos que Gauguin julgava necessária aos tempos
modernos e que foi procurar tão longe. Picasso e os seus
amigos foram os primeiros a reconhecerem esta qualidade
na obra de Rousseau. Muito justificadamente, viram nele o
padrinho da pintura do século XX.
A ESCULTURA
A França
MAILLOL. Nenhuma tendência que possa ser equacionada
com o Pós-Impressionismo aparece na escultura até cerca
de 1900. Os escultores da geração mais nova tinham sido
formados sob a influência dominante de Rodin e estavam
prontos a seguir as suas próprias vias. O maior deles,
- História da Arte II -
Aristide Maillol (1861-1944), começou como pintor
simbolista. Ele pode ser chamado um primitivista clássico
admirando a força e a simplicidade da primeira escultura
grega. A Mulher Sentada evoca os estilos arcaico e severo.
A Alemanha
LEHMBRUCK. No Jovem de Pé, de Wilhelm Lehmbruck
(1881-1919), o alongamento e angulosidade góticas
conjugam-se com um fino equilíbrio derivado da arte de
Maillol, e ainda com algo da energia expressiva de Rodin.
O efeito global é o de uma figura monumental, ameaçadora,
mas que participa daquela melancolia poética que
observámos no Período Azul de Picasso.
BARLACH. Ernest Barlach (1870-1938), outro importante
escultor alemão que atingiu a maturidade nos anos
anteriores à Primeira Guerra Mundial, parece o perfeito
oposto de Lehmbruck; é um primitivista gótico e está mais
próximo de Munch que da tradição simbolista ocidental. As
suas figuras, como o Homem Puxando da Espada, incarnam
emoções primárias – ira, medo, aflição. O homem para
Barlach, é uma criatura humilde, à mercê de forças que
escapam à sua direcção.
A FOTOGRAFIA
REJLANDER. Os Dois Caminhos da Vida, de Oscar
Rejlander (1818-1875), preenche estes requisitos,
apresentando uma alegoria baseada claramente na Rake’s
Progress de Hogarth. A fotografia causou grande sensação
em 1857 e até a Rainha Vitória comprou um exemplar.
ROBINSON. Mas a honra de fazer fotografia artística
coube a Henry Peach Robinson (1830-1901), que veio a ser
o fotógrafo mais famoso do mundo. Ganhou fama com
Uma Vida que se Apaga.
CAMERON. O fotógrafo que mais procurou atingir o ideal
de beleza foi Julia Margaret Cameron (1815-1879). Amiga
de poetas famosos, cientistas e artistas, dedicou-se à
fotografia aos 48 anos, e produziu ainda uma obra notável.
Na sua época, Cameron foi famosa pelas suas fotografias
alegóricas e narrativas.
A Fotografia Naturalista
EMERSON. Mas quem mais se insurgiu contra a fotografia
artística foi Peter Henry Emerson (1856-1936), que se
tornou no maior inimigo de Robinson. Emerson era
apologista do que denominou Fotografia Naturalista,
baseada em princípios científicos e nas paisagens de
Constable. Grande parte da sua obra é dedicada a cenas da
vida rural e à beira-mar, que não se afastam muito das
primeiras fotografias documentais.
A natureza predomina nas suas melhores fotografias. As
suas fotografias são semelhantes à boa pintura inglesa de
paisagem existente na época.
A Fotografia Documental
Na segunda metade do século XIX, a imprensa
desempenhou um papel fulcral nos movimentos sociais que
chamaram a atenção do público para a realidade cruel da
pobreza. A fotografia tornou-se num importante veículo de
reformas, graças ao documentário fotográfico, que conta
histórias das vidas das pessoas em ensaios pictóricos. Esta
reportagem factual cabia também na tradição realista. Antes
disso, a fotografia tinha-se contentado em apresentar uma
imagem romântica da pobreza, tal como na pintura de
género da época.
O Pictorialismo
A crueza dos temas e o realismo da fotografia documental
tiveram pouco impacto na arte, e foram também rejeitados
pelos outros fotógrafos. A Inglaterra, graças a organizações
como a Sociedade Fotográfica de Londres, fundada em
1853, veio a encabeçar o movimento que pretendia
convencer os críticos mais cépticos de que a fotografia, ao
imitar a pintura e a gravura, podia ser considerada uma arte.
- 66 -
A Fotografia do Movimento
MUYBRIDGE. Uma orientação completamente nova foi
traçada por Eadweard Muybridge (1830-1904), o pai da
fotografia do movimento. Associando duas tecnologias
diferentes, inventou uma forma de fotografar o movimento
em pontos sucessivos. Depois de várias tentativas,
Muybridge conseguiu, em 1877, obter uma série de
fotografias de um cavalo a trote que mudou para todo o
sempre a representação de um cavalo em movimento.
MAREY. Foi Etienne-Jules Marey (1830-1904) que
transformou a fotografia do movimento numa arte. Tal
como Muybridge, com quem, aliás, tinha contactos, Marey
viu na máquina fotográfica um instrumento de análise dos
mecanismos do movimento do corpo. Em breve as suas
fotografias têm uma perfeição só igualada sessenta anos
mais tarde.
- História da Arte II -
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- História da Arte II -
4
A PINTURA
E A ESCULTURA
DO SÉCULO XX
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- História da Arte II -
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- História da Arte II -
A PINTURA
ANTES DA II GUERRA MUNDIAL
Desde o começo da Era Moderna podemos distinguir três
correntes principais que começaram entre os PósImpressionistas e alcançaram largo desenvolvimento no
nosso século: a da Expressão, a da Abstracção e a do
Fantástico.
A primeira preocupação do expressionista é a comunidade
humana; a do abstraccionista, a estrutura da realidade; e a
do artista da fantasia, o labirinto da mente individual.
Além disso, encontraremos também o Modernismo, um
conceito próprio do século XX. Para o artista é um toque de
alvorada que proclama a sua liberdade de criar num estilo
novo e lhe confere a missão de definir o sentido dos
tempos.
Os Fauves e o Expressionismo
Do século XX pode dizer-se, quanto à pintura, que
começou cinco anos atrasado. Entre 1901 e 1906 abriram-se
em Paris várias exposições de conjunto das obras de Van
Gogh, Gauguin e Cézanne.
Muitos jovens pintores, criados na atmosfera mórbida e
decadente de fin de siècle, sentiram-se profundamente
impressionados, e vários de entre eles desenvolveram um
estilo radicalmente novo, de cor violenta e ousadas
distorções. Na sua primeira apresentação pública, em 1905,
escandalizaram a opinião crítica de tal maneira que foram
apelidados de Fauves (feras), título que ostentaram com
orgulho. O Fauvismo englobava numerosos estilos
individuais, frouxamente ligados entre si, e o grupo
dissolveu-se poucos anos volvidos.
MATISSE. A figura dominante foi Henri Matisse (18691954), o decano dos fundadores da pintura do século XX. A
Alegria de Viver, porventura o quadro mais importante da
sua longa carreira, sintetiza o espírito do Fauvismo melhor
que qualquer outra obra isolada. Os planos de cor lisa, os
contornos grossos e ondulados, o sabor primitivo das
formas derivam, obviamente, de Gauguin. Encontrara um
novo e radical equilíbrio entre os aspectos bidimensionais e
tridimensionais da pintura, como se nota em especial na
Harmonia em Vermelho.
ROUAULT. Para um outro dos Fauves, George Rouault
(1871-1958), a expressão era outra coisa, incluindo, como
no passado, a paixão reflectida num rosto humano; bastará
ver a Cabeça de Cristo. Mas a expressividade não reside
apenas na qualidade de imagem do rosto. As pinceladas
selváticas e incisivas falam com igual eloquência do furor e
da compaixão do artista.
SOUTINE. O expressionismo de Rouault foi um caso
isolado entre os pintores franceses. O único artista em Paris
a seguir a sua orientação foi Chaim Soutine (1894-1943),
um emigrante da Europa Oriental. O rico impasto e a
pincelada tempestuosa e violenta de A Galinha Morta
reflectem a nítida influência do mestre.
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BACON. Pelo poder de transmudar a angústia total em
formas visuais, Soutine não teve par entre os artistas do
século XX, a não ser o inglês Francis Bacon (nascido em
1909). Figura com peças de Carne reflecte a obsessão de
Bacon com o Inocêncio de Velázquez, quadro que o
fascinou durante anos.
DIE BRÜCKE. Foi na Alemanha que o Fauvisme teve uma
influência maior e mais duradoura, especialmente entre os
membros de uma sociedade chamada Die Brücke (A Ponte),
um grupo de pintores da mesma tendência que viviam em
Dresden em 1905 e cujas primeiras obras, como a Rua de
Ernest Ludwig Kirchner, reflectem quer o traço
simplificado e rítmico e a cor forte de Matisse, quer a
influência clara e directa de Van Gogh e Gauguin. A Rua
apresenta também elementos derivados de Munch, que
vivia então em Berlim e marcou profundamente os
expressionistas alemães.
NOLDE. Um dos artistas da Brücke, Emil Nolde (18671956) destaca-se um pouco; mais velho que os outros,
partilhava da predilecção de Rouault pelos temas religiosos,
embora a sua pintura seja menos coerente.
KOKOSCHKA. Um outro artista de talento altamente
individual, ligado à Brücke, embora não fazendo parte dela,
é o austríaco Oskar Kokoscka (1886-1980). As suas obras
mais significativas são os retratos pintados antes da
Primeira Guerra Mundial, tais como o esplêndido AutoRetrato.
BECKMANN. Um descendente mais robusto dos artistas
da Brücke foi Max Beckmann (1884-1950), que se tornou
expressionista devido ao choque que lhe causou a guerra de
1914-1918, deixando-o com funda desesperança da
civilização moderna. O Sonho é um pesadelo sarcástico, um
mundo às avessas, atulhado de figuras como fantoches.
PINTURA NÃO-FIGURATIVA: KANDINSKY. Mas o
passo mais ousado e original para além do Fauvisme foi
dado na Alemanha por um russo, Wassili Kandisnky (18661944), membro importante de um grupo de artistas de
Munique chamado Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul). A
partir de 1910, Kandinsky abandonou completamente a
pintura figurativa. Usando as cores do arco-iris e as
pinceladas livres e dinâmicas dos Fauves de Paris, criou um
estilo inteiramente não-figurativo. Estas obras têm títulos
tão abstractos como as suas formas. Uma das mais
impressionantes, é do Esboço I para Composição VII.
Qualquer traço de representação nas suas obras é
inteiramente involuntário – a sua intenção era carregar a
forma e a cor de um sentido puramente espiritual,
eliminando toda a parecença com o mundo físico. Mas foi a
influência libertadora dos Fauves que permitiu a Kandinsky
pôr em prática a sua teoria.
A Abstracção
Outra das correntes principais, é a da Abstracção. Cézanne
e Seurat são os antepassados directos do movimento
abstracto na arte do século XX. Mas o seu verdadeiro
criador foi Pablo Picasso.
- História da Arte II -
“AS MENINAS DE AVIGNON” DE PICASSO. Cerca de
1905, estimulado tanto pelos Fauves como pelas exposições
retrospectivas dos grandes Pós-impressionistas, Picasso
abandonou gradualmente o lirismo melancólico do seu
Período Azul e adoptou um estilo mais vigoroso. Em 1906
produziu As Meninas de Avignon, que não se refere à
cidade do mesmo nome, mas sim à rua de Avignon, num
bairro mal-afamado de Barcelona. Os primeiros críticos,
apenas sensíveis ao predomínio das arestas vivas e dos
ângulos do novo estilo, chamaram-lhe Cubismo.
O CUBISMO FACETADO OU ANALÍTICO. Picasso
tinha estudado as últimas obras de Cézanne. A ligação
torna-se clara no retrato de Ambroise Volard.
AS COLAGENS CUBISTAS. Em 1910 o Cubismo estava
bem implantado como alternativa do Fauvisme e vários
artistas tinham-se juntado a Picasso, entre eles Georges
Braque (1882-1963), com quem colaborou tão intimamente
que é difícil separar as obras de ambos nesse período.
Ambos iniciaram a fase seguinte do Cubismo, ainda mais
ousada que a primeira, a partir da Natureza-Morta, de
Picasso, de 1911.
Em menos de um ano, Picasso e Braque começaram a
realizar naturezas-mortas compostas quase exclusivamente
de pedaços de materiais vários, recortados e colados, com
apenas algumas linhas a completar o traçado. A técnica
passou a ser conhecida por collage.
A diferença entre as duas fases do Cubismo pode também
ser definida em termos de espaço pictórico: o Cubismo
Facetado conserva uma certa profundidade. Embora
fragmentado e redefinido, este espaço estende-se para além
do plano do quadro e não tem limites visíveis;
potencialmente, pode conter objectos que não estão à vista.
No Cubismo de Colagens, pelo contrário, o espaço pictórico
está à frente do plano do tabuleiro, não é criado por nenhum
artifício ilusionista mas pela própria sobreposição de
camadas de materiais colados.
Picasso e Braque cedo descobriram que podiam manter este
novo espaço pictórico sem o recurso a materiais colados;
bastava pintar como se fizessem colagens. Em Os Três
Músicos, Picasso apresenta este estilo de papel recortado.
Trata-se de uma das grandes obras-primas do Cubismo de
Colagens, monumental pelo tamanho e pela concepção.
PICASSO NA FASE PÓS-CUBISTA. Por esta altura, já
Picasso era internacionalmente famoso. O Cubismo
espalhara-se por todo o mundo ocidental e influenciava não
só outros pintores como também escultores e até
arquitectos. Picasso, todavia, já se encaminhava noutra
direcção. Pouco depois da invenção do Cubismo de
Colagens, começou a fazer desenhos de um realismo tão
meticuloso que lembrava Ingres, e por volta de 1920 estava
a trabalhar simultaneamente em dois estilos perfeitamente
distintos: no dos Três Músicos e num outro, de feição neoclássica, de figuras pesadas e fortemente modeladas, como
a Mãe e Filho. Impaciente ante as limitações do Cubismo
de Colagens, precisa de retomar contacto com a tradição
clássica, com a arte dos museus.
Alguns anos mais tarde, os dois estilos paralelos de Picasso
iriam convergir numa extraordinária síntese que desde
- 71 -
então se tornou a base da sua arte. As Três Dançarinas de
1925 mostram como ele conseguiu esse milagre
aparentemente impossível. Estruturalmente, o quadro é puro
Cubismo de Colagens. Mas as figuras, numa extraordinária
e fantástica versão de um tema clássico são um ataque ainda
mais violento às convenções que As Meninas de Avignon.
GUERNICA. Que o novo estilo de Picasso pode alcançar
uma grandeza verdadeiramente monumental está bem
patente no seu painel Guernica, pintado em 1937. A Guerra
Civil de Espanha despertou nele uma viva solidariedade
com os Republicanos. O painel foi inspirado no terrível
bombardeamento de Guernica, a antiga capital dos Bascos.
Não representa o próprio acontecimento, mas evoca, por
uma série de poderosas imagens, a agonia da guerra total.
pondo em prática a sua teoria.
As Variantes do Cubismo
O FUTURISMO E O DINAMISMO. Tal como foi
concebido originalmente por Picasso e Braque, o Cubismo
era uma disciplina formal de equilibrio subtil, aplicada a
assuntos tradicionais – naturezas-mortas, retratos e nus. No
entanto, outros pintores encontraram-lhe uma afinidade
especial com a precisão geométrica da engenharia,
considerando-o especialmente adequado ao dinamismo da
vida moderna. O Movimento Futurista em Itália, de curta
duração, é um exemplo desta atitude.
Ao adoptar as visões simultâneas do Cubismo analítico no
seu O Dinamismo de um Ciclista, Umberto Boccioni (18821916), o Futurista mais original, conseguiu comunicar o
pedalar furioso no tempo e no espaço de uma forma muito
mais expressiva. Boccioni encontrou, no vocabulário
flexível do Cubismo, um meio de exprimir a nova
concepção de tempo, espaço e energia que Albert Einstein
tinha definido em 1905 na sua teoria da relatividade.
O Futurismo morreu, em sentido literal, na I Grande
Guerra. Há fortes ecos do Futurismo na Ponte de Brooklin,
do italo-americano Joseph Stella (1880-1946), com o seu
labirinto de cabos luminosos, vigorosos traços diagonais e
cristalinas células espaciais.
DE STIJL E MONDRIAN. O mais radical abstraccionista
do nosso tempo foi um pintor holandês, Piet Mondrian
(1872-1944). Expressionista amadurecido, na tradição de
Van Gogh e dos Fauves, foi para Paris em 1912. Aí, sob o
impacto do Cubismo Analítico, a sua obra sofreu uma
transformação radical, e na década seguinte Mondrian
desenvolveu um estilo completamente não-figurativo a que
chamou Neo-Plasticismo. Composição em Vermelho, Azul e
Amarelo mostra o estilo mais severo de Moundrian.
A Arte Fantástica
A corrente a que chamámos do Fantástico, teve uma
evolução menos clara porque depende mais dum estado de
espírito que de qualquer estilo específico. Entre os pintores
do Fantástico apenas há de comum a crença de que a
imaginação, a visão interior, é mais importante que o
mundo externo. E se a imaginação de cada artista é um
- História da Arte II -
reino privado, as imagens que ela proporcionar também
devem ser particulares.
O culto romântico da emoção levou o artista a buscar
experiências subjectivas e a aceitar a sua validade. Se na
pintura do século XIX a fantasia pessoal era ainda uma
corrente menor, depois de 1900 tornou-se uma das
principais.
A NOSTALGIA: DE CHIRICO E CHAGALL. A herança
do Romantismo está bem patente nos espantosos quadros
pintados em Paris um pouco antes da Primeira Guerra
Mundial por Giorgio de Chirico (1888-1978) como
Mistério e Melancolia de uma Rua. Mais tarde, depois de
voltar para a Itália, adoptou um estilo conservador e
repudiou as primeiras obras, como se tivesse vergonha de
ter exibido em público o seu mundo de sonhos.
O poder da nostalgia domina também as fantasias de Marc
Chagall (1887-1985), um judeu russo que foi para Paris em
1910. Eu e a Aldeia é um conto de fadas cubista, tecido de
recordações fantasmagóricas de contos populares russos, de
provérbios judaicos e da imagem da própria Rússia, numa
visão cintilante.
KLEE. Os “Contos de Fadas” do pintor suíço-alemão Paul
Klee (1879-1940) são mais intencionais e elaborados que os
de Chagall, embora, de início nos pareçam mais infantis.
Klee também sofrera a influência do Cubismo, mas a arte
primitiva e os desenhos de crianças interessaram-no de um
modo vital. A Máquina Chilreante, um delicado desenho à
pena, colorido a aquarela, mostra bem o carácter único da
arte de Klee.
Já no fim da sua vida, mergulhou no estudo de ideogramas
de toda a espécie – hieróglifos, sinais cabalísticos e os
misteriosos traços das cavernas pré-históricas – imagens
representativas reduzidas ao mínimo.
O SURREALISMO. Em 1924, depois de Duchamp se ter
afastado do Dadaísmo, alguns dos seus amigos, igualmente
cultores do acaso, fundaram o sucessor do Dadaísmo – o
Surrealismo. Definiram os seus objectivos como “puro
automatismo psíquico para exprimir o verdadeiro processo
do pensamento liberto do exercício da Razão e de qualquer
finalidade estética ou moral”. A teoria surrealista estava
fortemente lardeada de conceitos psicanalíticos e a sua
retórica forçada nem sempre pode ser tomada a sério. A
noção de que era possível transpor um sonho directamente
do subconsciente para a tela, sem a intervenção consciente
do artista, não resultou na prática. No entanto, o
Surrealismo estimulou várias técnicas novas de provocar e
explorar efeitos de acaso.
Max Ernst, o mais imaginativo do grupo, combinou
frequentemente a colagem e a “frottage” (processo
semelhante ao do passatempo infantil de esfregar um lápis
num papel colocado sobre uma moeda). Em O Anjo do
Pântano conseguiu formas e texturas fascinantes por
decalcomania. O resultado final tem algumas das
características do sonho, mas de um sonho nascido de uma
imaginação fortemente romântica.
DALI. O mesmo se pode dizer em relação a A Persistência
da Memória de Salvador Dali. O mais notório dos
Surrealistas. Dali, usa o verismo meticuloso de De Chirico
para reproduzir um sonho paranóico, em que o tempo, as
formas e o espaço são distorcidos de forma
verdadeiramente assustadora.
MIRÓ. O Surrealismo tem um ramo ainda mais
ousadamente imaginativo: o seu maior expoente é um
espanhol, Joan Miró (1893-1943), que pintou a
impressionante Composição. A esse estilo chamaram
abstracção biomórfica, porque os desenhos são mais
curvilíneos e fluidos que geométricos.
DADA E DUCHAMP. É em Paris, na véspera da Primeira
Guerra Mundial, que vamos encontrar ainda um outro
pintor do fantástico, o francês Marcel Duchamp (18871968). Primeiramente influenciado por Cézanne, iniciou
depois uma versão dinâmica do Cubismo Facetado,
semelhante ao Futurismo.
DEPOIS DA II GUERRA MUNDIAL
Muito em breve, contudo, a evolução de Duchamp tomou
um caminho ainda mais perturbador. Em A Noiva,
procuramos em vão qualquer parecença, ainda que remota,
com a forma humana.
O Expressinismo Abstracto
(A Pintura Gestual)
Juntamente com vários outros que partilhavam a sua
atitude, lançou, como protesto, um movimento chamado
Dada (ou Dadaísmo). O termo, que em francês significava
“cavalo de pau”, foi, segundo consta, escolhido ao acaso
num dicionário, mas como palavra para tudo infantil
corresponde perfeitamente ao espírito do movimento.
Durante a sua curta existência (1916-1922), o Dadaísmo
pregou o “non-sense” e a antiarte com redobrado vigor.
Duchamp apunha a sua assinatura e um título sugestivo em
objectos como prateleiras para frascos ou pás para limpar a
neve, e expunha-os como obras de arte.
O Dadaísmo, porém, não foi um movimento totalmente
negativo. A única lei respeitada pelos dadaístas era a do
acaso, e a única realidade a das suas próprias imaginações.
- 72 -
A PINTURA
Igualmente enganador é o termo Expressionismo Abstracto,
muitas vezes aplicado ao estilo de pintura que predominou
durante cerca de uma dúzia de anos, logo após a Segunda
Guerra Mundial. Foi iniciado por artistas da escola de Nova
Iorque, como reacção à ansiedade criada pela era nuclear e
a Guerra Fria que dela resultou. Os Expressionistas
Abstractos, ou Pintores Gestuais, desenvolveram, a partir
do Surrealismo, uma nova concepção de arte.
GORKY. Arshile Gorky (1904-1948), um arménio que
chegou à América aos dezasseis anos, foi o pioneiro do
movimento e o mais influente dos seus membros. Levou
vinte anos para atingir o estilo amadurecido de O Vermelho
é a Crista de Galo.
- História da Arte II -
POLLOCK. O seu principal herdeiro foi Jackson Pollock
(1912-1956), que em 1950 pintou o quadro, enorme e
original, intitulado Um, entornando e esparrinhando as
tintas, em vez de aplicá-las com um pincel.
Pintura gestual (ou acção), foi o nome dado a este estilo e
exprime a sua essência muito melhor que o de
Expressionismo Abstracto.
DE KOONING. A obra de Kooning (1904-), outro membro
destacado do grupo e amigo íntimo de Gorky, mantém
sempre uma ligação com o mundo das imagens. Nalguns
quadros, tais como Mulher II, a imagem surge do torvelinho
de pinceladas esfarrapadas. O que De Kooning tem em
comum com Pollock é a furiosa energia do processo de
pintar.
ROTHKO. Na obra de Mark Rothko (1903-1973) o desafio
é do género oposto. Em menos de uma dezena de anos
dominara a tal ponto a agressividade da pintura gestual que
os seus quadros exalam a mais pura e contemplativa calma.
Terra e Verde consiste em dois rectângulos de contornos
pouco nítidos sobre um fundo azul arroxeado.
DUBUFFET. A Pintura Gestual assinalou a maioridade
internacional da arte americana. O movimento teve um
forte impacto na arte europeia, que, nesse período, nada
produziu de comparável em força e convicção. Um artista
francês, no entanto, foi duma originalidade tão grande que
constituiu sozinho um movimento. Jean Dubuffet (19011985), cuja primeira exposição electrizou – e indispôs – o
mundo artístico de Paris.
Artistas Negros
A herança de tendência Expressionista ainda se pode
encontrar num dos ramos mais significativos da arte
americana contemporânea mas que até hoje tem sido
descurado: a expansão da arte negra desde 1970.
Na década de 20, o “Renascimento de Harlem” criou um
ressurgimento cultural que infelizmente foi de pouca dura,
tendo as suas potencialidades sido cerceadas pela
Depressão. Depois da II Grande Guerra, no entanto, os
negros começaram a entrar em cada vez maior número para
as escolas de arte, precisamente na altura em que o
Expressionismo Abstracto anunciava a maioridade da arte
americana. Os movimentos a favor da igualdade de direitos
ajudaram-nos também a formar a sua identidade artística e a
procurar estilos apropriados para a exprimir. Os
assassinatos de Malcom X em 1965 e de Martin Luther
King Jr em 1968, constituíram um ponto de viragem que
deu origem a uma proliferação de obras de pintores negros.
A Arte Pop (Pop Art)
Outros artistas que ganharam nome nos meados do decénio
de 1950 redescobriram que um quadro não é essencialmente
uma superfície plana coberta de cores, mas uma imagem à
espera de ser reconhecida. Não seria altura de ceder à fome
da imagem assim acumulada?
Os artistas que sentiram isto lançaram-se sobre esses
produtos da arte comercial, dirigidos a um público nãointelectual e popular. Compreenderam que era esse um
aspecto essencial do ambiente visual moderno que merecia
ser examinado. Apenas Marcel Duchamp e alguns dos
outros Dadaístas, com o seu desprezo por todas as opiniões
ortodoxas, ousaram penetrar neste domínio. Foram eles os
santos padroeiros da Arte Pop, como o novo movimento
veio a ser chamado.
A Arte Pop começou, na realidade, em Londres, nos
meados da década de 1950, mas desde o início as suas
imagens foram extensamente baseadas nos meios de
comunicação social americanos, que vinham inundando a
Inglaterra desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não
surpreende, assim, que a nova arte tivesse uma atracção
especial para os Estados Unidos, nem que fosse aí que ela
atingiria o seu pleno desenvolvimento nos dez anos
seguintes. Ao contrário do Dadaísmo, a Arte Pop não é
motivada por qualquer desespero ou repulsa em relação à
civilização actual; considera a cultura comercial como
matéria-prima, uma fonte inesgotável de temas pictóricos e
não como um mal a ser atacado. A Arte Pop também não
compartilha da atitude agressiva do Dadaísmo em relação
aos valores estabelecidos da arte moderna. Assim, não é em
si anti-moderna, mas pós-moderna.
A ESCOLA DO “CAIXOTE DO LIXO”. Na América, a
Arte Pop soube também recorrer à tradição da “Escola do
Caixote do Lixo”, um grupo de pintores interessados pela
cena urbana diária. A escola floresceu nos anos que
antecederam imediatamente a Primeira Guerra Mundial.
Descobriram nas cenas do quotidiano citadino uma fonte
inesgotável de assuntos, e a sua experiência jornalística
conferia-lhes grande sensibilidade ao drama e à cor local.
Durante a Depressão, a maior parte dos artistas americanos
dividiu-se em dois campos opostos, os Regionalistas e os
Realistas Sociais. Os primeiros procuraram recrear o
Idealismo, modernizando o mito americano. Os segundos,
por outro lado, representavam nos seus quadros a convulsão
e o desespero da Depressão, e preocupavam-se muitas
vezes com reformas sociais. Mas qualquer dos movimentos,
embora radicalmente opostos, foi largamente influenciado
pela “Escola do Caixote do Lixo”.
HOPPER. O único artista que agradava a gregos e a
troianos foi um antigo estudante de Henri, Edward Hopper
(1882-1967), que se concentrou naquilo que veio a ficar
conhecido como a arquitectura vernácula das cidades
americanas – fachadas de lojas, salas de cinema,
restaurantes abertos toda a noite – que mais ninguém tinha
achado dignos da atenção de um artista. Domingo de
Manhã Cedo consegue destilar um sentimento opressivo de
solidão dos elementos mais que vulgares duma rua
qualquer.
RIVERS. A transição da Pintura Gestual para a Arte Pop,
em meados da década de 50, pode ver-se em Europa II, de
Larry Rivers (1923-). A pincelada enérgica, as formas
ousadamente abreviadas falam ainda uma linguagem
próxima de Kooning.
JOHNS. Entre os pioneiros da Arte Pop na América, talvez
o mais importante seja Jasper Johns (nascido em 1930), que
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- História da Arte II -
começou a pintar meticulosamente e com grande precisão
objectos tão vulgares como bandeiras, alvos, algarismos e
mapas.
A Pintura na Década de 1980
LICHTENSTEIN. Roy Lichtenstein (1923-) recorreu à
banda desenhada – ou, mais exactamente, às imagens
estandardizadas das histórias tradicionais de quadradinhos,
dedicadas à acção violenta e ao amor sentimental, e não
àquelas bandas que têm um cunho criador pessoal. Os seus
quadros, como Rapariga ao Piano são cópias muito
ampliadas de fotografias simples, e incluem os contornos a
negro, simplificados e impessoais, e os pontos
habitualmente usados na impressão a cores em papel
ordinário.
Desde 1980 que a nossa cultura tem vindo a sofrer
modificações muito rápidas. Revelador desta situação de
fluxo é o reaparecimento de muitos centros artísticos
tradicionais na Europa e de centros regionais na América.
Apesar da fermentação a que se assiste nos meios artísticos,
o caminho que a arte está a tomar ainda não está
suficientemente claro para que possamos prever-lhe o
futuro. A arte dos anos 80 tem simplesmente sido designada
como Pós-Moderna, o que é incongruente: a modernidade
nunca pode ser ultrapassada.
A Arte Conceptual
Uma tendência posterior, a Arte Conceptual, tem o mesmo
“santo protector” que a Arte Pop: Marcel Duchamp. Surgiu
nos anos 60. A Arte Conceptual põe em causa a nossa
definição de arte de forma mais radical do que a Arte Pop,
insistindo em que é no salto imaginativo, e não na
execução, que a arte reside. A obra de arte pode
perfeitamente ser dispensada, assim como as galerias de
arte e, por extensão, o próprio público. O processo criativo
só precisa de ser documentado de alguma forma,
geralmente verbal, ou pela fotografia ou pelo cinema.
É, no entanto, verdade que o modernismo, enquanto ideal
que define a arte do século XX tal como a conhecemos,
chegou a um momento de crise, cujos sintomas principais
são um eclectismo generalizado e uma variedade
inquietante de estilos que reflectem causas e preocupações
individuais.
A ESCULTURA
O Foto-Realismo
As principais correntes que observámos na pintura também
se definem na escultura, mas o paralelismo não deve ser
exagerado. A evolução da escultura fez-se, muitas vezes,
por caminhos próprios.
Uma outra corrente, mais moderna e igualmente decorrente
da Arte Pop, é a tendência chamada Foto-Realismo pela sua
fascinação com as imagens fotográficas aproveitadas,
melhor ou pior, por vários pintores do século passado.
Quando Larry Rivers utilizou uma velha fotografia de
família, traduziu livremente a imagem fotográfica para o
idioma pessoal do seu pincel. Pelo contrário, para os fotorealistas é a fotografia em si que constitui a realidade, e é
sobre ela que constróem os seus quadros. O Foto-Realismo
fez parte de uma tendência geral que marcou a pintura
americana na década de 1970: o reaparecimento do
realismo.
BRANCUSI. O Expressionismo, por exemplo, é uma
corrente muito menos importante na escultura que na
pintura – o que não deixa de surpreender, pois seria de
esperar que o redescobrimento pelos Fauves da escultura
primitiva representasse um poderoso estímulo para os
escultores. Ora só um, digno de nota, participou na
redescoberta: Constatin Brancusi (1876-1957), um romeno
que chegou a Paris em 1904. Estava, porém, mais
interessado na simplicidade formal e na coerência das
esculturas primitivas que na sua selvagem expressividade.
Isto é evidente no Beijo, executado em 1909 como
monumento funerário.
A Arte Op (Op Art)
A Arte Pop pode dizer-se que amadureceu logo nos
primeiros dez anos de existência. Um outro movimento que
ganhou força ao mesmo tempo, nos meados da década de
1950, levou mais tempo a atingir a maturidade: conhecida
como “Arte Op”, pela sua preocupação com a óptica. Há
várias razões para explicar a lentidão do seu
desenvolvimento. A Arte Op não tem a força temática, nem
a atracção emocional da Arte Pop. Por isso, tem atraído
menos atenção e apoio público.
A Arte Op concentra-se sobretudo nas ilusões feitas pelo
homem, mesmo se elas não nos conseguem enganar. O que
é novo na Arte Op é que ela é rigorosamente não-figurativa,
procurando alargar o reino das ilusões ópticas em todas as
direcções possíveis. Grande parte consiste em construções
ou ambientes, cujo efeito depende da luz e do movimento.
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MOORE. O primitivismo de Brancusi foi o ponto de partida
de uma tradição escultórica que se mantém viva. Atraiu,
sobretudo, escultores ingleses, como se vê nas primeiras
obras de Henry Moore (1898-): o seu majestoso grupo Duas
Formas (1936), é de certo modo o descendente, na segunda
geração, do Beijo de Brancusi. Mais abstractas e subtis na
forma, são, no entanto, pessoas embora apenas caiba
chamar-lhes imagens no sentido metafórico. A Figura
Reclinada mantém o mesmo tema, um tema clássico –
lembra um deus fluvial recostado – e um certo carácter
primitivo, como se as formas proviessem da lenta erosão de
milhares de anos.
A Escultura Cinética
Brancusi, entretanto, dera outro passo ousado. Cerca de
1910, começou a produzir obras não-figurativas de
- História da Arte II -
mármore ou metal, reservando o seu estilo para a madeira e
a pedra. As primeiras dividem-se em dois grupos: variações
sobre a forma do ovo, com títulos como o Recém-Nascido
ou o Começo do Mundo; e os motivos verticais, de
pássaros, como Ave no Espaço. Fascinava-o o carácter
antitético da vida como potencial e como energia cinética.
O Construtivismo
No Cubismo Facetado, todos os volumes, quer positivos,
quer negativos, eram bolsas de espaço. Um grupo de
artistas russos, os Construtivistas, encabeçados por
Vladimir Tatlin, aplicou esta concepção à escultura,
conseguindo o que se pode chamar colagem tridimensional.
A seu tempo, deu-se o último passo: a criação de formas de
vulto redondo. Segundo Tatlin e os seus seguidores, estas
construções eram de facto quadridimensionais: se
implicavam movimento, implicavam também o tempo.
Privado de contactos artísticos com a Europa durante a I
Grande Guerra, o Construtivismo evoluiu como uma arte
especificamente russa, pouco afectada pelo regresso ao país
de alguns dos seus melhores artistas, como Kandinsky e
Chagall. A revolução galvanizou os modernistas, que
celebraram a deposição do antigo regime com uma
explosão de criatividade por toda a Rússia.
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O Surrealismo
O Dadaísmo rejeitou por completo qualquer disciplina
formal na escultura, como o fez nas outras artes a escultura
do dadaísmo. Algumas obras de Duchamp reduzem-se a
uma combinação de objectos achados. Produziu obras tão
impressionantes como a Cabeça de Touro de Picasso. A
contribuição surrealista para a escultura custa mais a
definir: a difícil aplicação da teoria de puro automatismo
psíquico à pintura tornava-se dificílima em relação à
escultura. Como dar forma a materiais sólidos e duráveis
sem que o escultor tivesse consciência do processo? Assim,
poucos escultores estiveram ligados ao movimento, e os
efeitos conseguidos por alguns não podem comparar-se
directamente à pintura surrealista.
GIACOMETTI. Uma das excepções é O Palácio às Quatro
da Manhã, de Alberto Giacometti (1901-1966), um pintor e
escultor suíço que viveu em Paris. Os materiais – madeira,
vidro, arame e cordel – lembram o construtivismo, mas a
preocupação de Giacometti não gira em torno de problemas
esculturais. Esta gaiola delicada é o equivalente
tridimensional de um quadro surrealista; cria o seu próprio
ambiente espacial, que se lhe prende tão intimamente como
se este estranho mundo em miniatura estivesse protegido da
realidade diária por uma invisível campânula de vidro.
- História da Arte II -
5
A ARQUITECTURA
DO SÉCULO XX
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O sabor arquitectural do passado provou, com o correr dos
tempos, ser inadequado às necessidades do presente. A
autoridade das formas históricas tinha de ser quebrada para
que a era industrial pudesse criar um estilo verdadeiramente
contemporâneo.
A Inglaterra e a França
Foi unicamente em estruturas que nunca tinham merecido
ser consideradas como “arquitectura” que os novos
materiais e processos de construção puderam ser explorados
sem inibições.
O PALÁCIO DE CRISTAL. Um ano depois de concluída a
Bibliothèque Ste. Geneviève, foi construído em Londres o
Palácio de Cristal, uma realização pioneira muito mais
arrojada, concebida para alojar a primeira das grandes
exposições internacionais que se sucederam até aos nossos
dias. O seu autor, Sir Joseph Paxton (1801-1865), era um
engenheiro e construtor de estufas; e o Palácio de Cristal é,
na verdade, uma gigantesca estufa com o seu esqueleto de
ferro abertamente à vista.
OUTROS CAMPOS. Entre os primeiros precursores da
“estética da máquina”, figuram certos desenhos de joalharia
dos anos de 1860 em França e na Alemanha; compõem-se
de cabeças de parafusos, porcas, ferrolhos, chaves-inglesas
e outros símbolos da época.
Na Inglaterra as ideias reformadoras de William Morris
começaram a dar frutos na arquitectura doméstica e na
decoração. As inovações mais arrojadas, contudo, não
partiram de membros do seu círculo mais chegado, mas de
Edward William Godwin (1833-1886), um amigo de
Whistler, que desenhou um notável aparador.
Os Estados Unidos
A despeito destas incursões em território novo, a busca de
um estilo verdadeiramente moderno apenas se iniciou a
sério perto de 1880. Para tirar partido das qualidades
expressivas das novas técnicas e materiais de construção
que a engenharia lhe tinha proporcionado, o arquitecto
necessitava de uma nova filosofia. É significativo que o
movimento tivesse começado pela arquitectura comercial
(lojas, escritórios, apartamentos), fora do âmbito de
construção tradicional; que o seu símbolo tenha sido o
arranha-céus e que o seu primeiro centro tenha sido
Chicago, então uma vicejante metrópole, ainda não
contaminada por qualquer fidelidade aos estilos do passado.
RICHARDSON. O grande incêndio de Chicago em 1871
tinha proporcionado grandes oportunidades aos arquitectos
de cidades mais antigas como Boston e Nova Iorque. Entre
eles, contava-se Henry Hobson Richardson (1838-1886). A
maior parte da sua obra, ao longo da costa oriental dos
Estados Unidos, evidencia um pesado estilo neo-romântico,
de que há ainda traços no seu último grande projecto para
Chicago, os Armazéns Marshall Field, desenhados em
1885.
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SULLIVAN. Os Armazéns Field situam-se assim a meio
caminho entre o antigo e o moderno; incarnam, com
extrema severidade e lógica, o conceito de
monumentalidade herdado do passado, mas as suas paredes
abertas, dividindo-se em “vãos” verticais, antecipam a obra
de Louis Sullivan (1856-1924), indiscutivelmente o
primeiro arquitecto moderno. O Edifício Wainwright em St.
Louis, o primeiro arranha-céus de Sullivan, foi desenhado
apenas cinco anos depois dos Armazéns Field.
A “Arte Nova”
Entretanto, na Europa, a autoridade dos estilos reviventes
estava sendo minada por um movimento agora geralmente
conhecido pelo seu nome francês, Art Nouveau, embora
designado também Arte Nova. Era principalmente um novo
estilo de decoração, baseado em padrões lineares de curvas
sinuosas que frequentemente sugerem lírios aquáticos.
Durante os anos de 1890 e começos de 1900, a sua
influência infiltrou-se nas artes aplicadas, como se pode ver
nas obras de ferro forjado, mobiliário, joalharia, cristal,
tipografia e até na moda feminina; teve um efeito profundo
no gosto do público, mas não se prestava facilmente a
projectos arquitectónicos em grande escala.
GAUDÍ. O exemplo mais notável é a Casa Milá em
Barcelona, um grande edifício de apartamentos de Antoni
Gaudi (1852-1926). Mostra uma rejeição quase paranóica
de todas as superfícies planas e linha rectas, e de qualquer
espécie de simetria, de tal modo que o edifício parece ter
sido livremente moldado em alguma substância maleável.
As aberturas suavemente arredondadas antecipam-se às
formas gastas pela erosão da escultura de Henry Moore; o
telhado tem o movimento rítmico de uma onda e as
chaminés parecem ter formas saídas de um funil de
pasteleiro.
WRIGHT. Se Sullivan e Gaudí representam como que o
estádio pós.impressionista da arquitectura moderna, o
grande discípulo de Sullivan, Frank Lloyd Wright (18671959) foi o primeiro a atingir a sua fase cubista. Isto é sem
dúvida verdade no que diz respeito ao seu brilhante
primeiro estilo, entre 1900 e 1910, que teve larga influência
internacional. Durante essa primeira década, a principal
actividade de Wright foi o traçado de casas suburbanas na
área de Chicago; eram conhecidas por “Casas da Pradaria”,
porque as suas linhas baixas e horizontais foram concebidas
para se fundirem com a paisagem plana que as rodeava.
O último e o mais bem concebido exemplo desta série é a
Casa Robie, de 1909, cujo cubismo não resulta apenas dos
elementos rectangulares bem marcados que compõem a
estrutura, mas sim do tratamento dado ao espaço por
Wright.
RIETVELD. A obra de Frank Lloyd Wright tinha
despertado muitas atenções na Europa em 1914. Entre os
primeiros a reconhecerem a sua influência contam-se
alguns jovens arquitectos holandeses que, alguns anos mais
tarde, se juntaram a Mondrian no movimento De Stijl. Ao
terminar a Primeira Guerra Mundial, o grupo De Stijl
representava as ideias mais avançadas da arquitectura
europeia. Os seus traçados severamente geométricos
- História da Arte II -
tiveram uma influência decisiva em tantos arquitectos no
estrangeiro que o movimento cedo se tornou internacional.
O Estilo Internacional
A BAUHAUS. O maior e mais completo exemplo deste
Estilo Internacional dos Anos 1920 é o grupo de edifícios
criados em 1925 por Walter Gropius (1883-1969) para a
Bauhaus, transferida para Dessau, a famosa escola de arte
de que ele era director. O conjunto formado por três
grandes blocos, para salas de aula, oficinas e estúdios. O
mais impressionante é o bloco de oficinas, uma caixa de
quatro andares, com paredes que consistem numa
superfícies contínua de vidro.
Um quarto de século mais tarde, o mesmo princípio foi
usado, em escala muito maior, nas duas fachadas principais
do grande bloco que aloja a Organização das Nações
Unidas.
LE CORBUSIER: A PRIMEIRA FASE. Na França, o
representante mais distinto do Estilo Internacional na
década de 1920 foi o arquitecto, nascido na Suíça, Le
Corbusier (1886-1965). Por esse tempo, construía
unicamente casas particulares consideradas hoje tão
importantes como as “Casas da Pradaria” de Wright. A
Casa Savoye parece uma caixa quadrada, baixa, assente
sobre pilares.
AS ÚLTIMAS OBRAS DE LE CORBUSIER. Le
Corbusier abandonou o purismo geométrico do Estilo
Internacional. A sua obra posterior à Guerra acusa uma
preocupação crescente com efeitos escultóricos. Assim, a
Unité d’Habitation, um grande edifício de apartamentos em
Marselha, é uma caixa sobre estacas como a Casa Savoye,
mas os pilares não são hastes delgadas; a sua forma exprime
agora toda a sua força muscular, de um modo que nos faz
lembrar as colunas dóricas.
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O edifício mais revolucionário dos meados do século XX é
a igreja de Notre-Dame-du-Haut, de Lecorbusier, no leste
da França. Erguendo-se como uma fortaleza medieval no
cimo de uma montanha, o seu plano é tão irracional que
desafia a análise. O jogo de curvas e contracurvas é aqui tão
insistente como na Casa Milá de Gaudí, ainda que as
formas sejam agora mais simples e mais dinâmicas.
O Pós-Moderno
Incentivada por teorias sociais mais radicais, a arquitectura
pós-moderna, como sugere o seu nome enganador, procura
novas concepções, que repudiam a beleza formal do Estilo
Internacional. Entre os seus exemplos, o mais inovador, e
também o mais controverso, é o Centro Nacional de Arte e
Cultura Georges Pompidou, em Paris. Premiado num
concurso internacional, o projecto, da autoria de um grupo
de arquitectos ingleses e italianos, parece um edifício da
Bauhaus virado do avesso. Os arquitectos eliminaram toda
e qualquer reminiscência das fachadas elegantes de Le
Corbusier, pondo à mostra a mecânica interior do edifício,
mas escondendo ao mesmo tempo a estrutura subjacente. O
interior não tem paredes fixas, de modo que se podem usar,
em qualquer altura e para qualquer fim, divisórias
temporárias.
O Pós-Modernismo constitui também um repúdio ainda
mais vigoroso das principais correntes da arquitectura
moderna. Com o fim de construírem ambientes mais
humanos, os arquitectos pós-modernos voltaram-se para
uma arquitectura que só podemos designar como pósmodernista, e adoptaram estilos em voga antes do Estilo
Internacional.

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