Uanhenga Xitu Jorge de Sena

Transcrição

Uanhenga Xitu Jorge de Sena
Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro/Março 2014 | Director: Jacques Arlindo dos Santos | Kz. 200,00 | € 1,60
Eusébio 1942-2014
“Um mensageiro de povos enganados”
Ensaio de Luis Alberto Ferreira
Pgs. 7-9
Uanhenga Xitu
Jorge de Sena
Desapareceu o Homem da Quijinga
Vida e obra revisitada por Fernando Pereira
Pg. 18
Pg. 14-15
2*
NOTAS DE CULTURA
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Intervenção da Procuradora
Francisca Van Dunem por ocasião da
apresentação do livro “Angola Sonho
e Pesadelo” da autoria de Adolfo Maria
Universidade Lusófona, Lisboa, 19 de Março de 2014
No dia 20 de Fevereiro recebi um
email do Adolfo. Pedia-me que lhe
desse um contacto mais directo porque queria falar-me.
Conheço o Adolfo há muitos anos.
Mais de 25. Tenho por ele uma estima irrevogável. Aqui fica, por isso, a
minha declaração de interesses.
Posso dizer que os nossos itinerários de vida se cruzaram em Lisboa,
na errância dos nossos destinos.
Eu não teria ainda 30 anos feitos
quando fui catapultada para o “Grupo de Reflexão para a Paz em Angola”,
onde pontificavam, como grandes
referências de pensamento e acção o
Adolfo, o Mário de Andrade, o Gentil
Viana, a Maria do Céu Carmo Reis...
Foi um período muito intenso. Intenso na esperança, intenso na seriedade dos propósitos, intenso no
rigor da acção. Encontravamo-nos e
debatíamos as questões sob todos os
ângulos possíveis.
E eles que eram mais velhos, tinham uma grande sabedoria e conheciam o mundo, tratavam-me
como igual. Trabalhávamos em propostas de entendimento, propostas
de reencontro, propostas de paz.
Esse foi para mim um tempo de
grande aprendizagem.
Depois dessa aventura fomos perdendo o contacto. Ficámos, por
vezes, anos sem nos vermos, mas
mantivemos sempre a amizade.
Quero contudo afirmar que não é
um julgamento de amizade o que
faço quando digo que:
Se me pedirem o exemplo de um
homem probo, eu indico o Adolfo.
Se me pedirem que aponte um
homem recto no caráter é também o
Adolfo que eu vou procurar.
Se me falarem de um homem
bom, o meu itinerário cruza se sempre com o Adolfo;
Se me instarem a indicar nacionalistas angolanos cujo percurso me
tenha marcado, o Adolfo tem inscrição nas primeiras linhas de qualquer
lista que eu possa elaborar.
Por essas razões respondi imediatamente ao pedido de contacto do Adolfo.
O Adolfo ligou-me, disse que me queria falar. Eu sei que há pessoas que só
me procuram em contextos de absoluta
necessidade. Que sendo embora meus
amigos e mesmo sabendo da irrefragável estima que lhes tenho, se relacionam
comigo num modelo em que perpassa
sempre a ideia de me poupar.
É o que se passa com o Adolfo, que
veio jantar comigo, sem que eu soubesse ao que vinha e que, com um ar entre
o encabulado e o solene, me convidou
para fazer a apresentação deste seu livro.
Ao Adolfo eu não digo que não,
mesmo se me interrogo ainda sobre
as razões da escolha.
Eu não sou historiadora, não produzo análises no campo das ciências
sociais, mesmo sendo jurista; eu não
escrevo; visito o menos possível o espaço público. Confesso mesmo que
vejo pouca televisão e nunca ouço rádio, talvez porque as notícias más nos
entram pela porta todos os dias e as
primaveras sempre tardam a chegar.
Tenho uma dívida de gratidão histórica para com todos aqueles que
podendo fazer uma escolha diferente optaram por sacrificar a sua juventude, a sua vida, um destino pacato e
sem sobressaltos trocando tudo pela
luta de libertação dos seus povos.
Porque a libertação dos povos colonizados – essa luta de que muitos
não tomaram sequer conhecimento
e que tantos outros esqueceram –
teve como motor essa acção inicial e
ímpar. Essa condição sem a qual nenhum progresso se faria.
Os protagonistas desse processo rasgaram os caminhos do futuro. De um futuro
que queriam colectivamente melhor.
É essa a minha convicção. E porque
assim é, na precaridade e incerteza das
nossas vidas entendo ser meu dever
assumir uma postura de comprometimento com a justiça e a verdade.
O Adolfo utiliza a escrita como repositório da memória. De uma memória que é autêntica, porque vivida
e presente porque ele nunca a perdeu.
Na sua serenidade - uma serenidade que nos interpela – ele foi carre-
Mas não posso dizer não a quem
carrega o passado e tem as virtudes
humanas do Adolfo Maria.
Opus-lhe apenas uma dificuldade
de data, que ele com a ajuda do prof
Adelino Torres resolveu.
Porém, não podia revelar-lhe a minha dificuldade maior: o horror com
que hoje lido com estes temas. Com os
destinos desbaratados, com as almas
feridas, com a gratuitidade do sofrimento infligido ao outro em nome de
uma razão única. De uma razão total...
gando o desassossego existencial de
ser, a final, depositário da narrativa
de muitas vidas dramaticamente devoradas pela crueldade da história.
A Rute Magalhães, presente no livro que o Adolfo agora dá à estampa,
esteve no Chile no ano passado e com
a sensibilidade e a gentileza que a caracterizam, trouxe-me uma publicação sobre o museu da Memória.
E eu penso quão libertador será,
apesar de tudo, os homens e os povos puderem ter um espaço de con-
frontação com a sua história, mesmo aquela que não corresponda aos
seus melhores momentos...
Porque a história dos povos se faz
de convulsões, em que há violência e
sangue e sofrimento e perdas de vidas; em que há o eu e o outro e em
que há momentos em que o outro
pode passar de companheiro a adversário e de adversário a inimigo.
Mas é preciso que o tempo e a distância ajudem a explicitar e a desfazer as razões desse momento em
que eu esmaguei o outro – que foi
meu companheiro, aquele companheiro ao lado de quem enfrentei
todos os perigos ou a quem ensinei
as razões, a justiça e os métodos da
luta, mas que passei a considerar
inimigo – e a seguir conjurei-me
para apagar o seu traço da memória
comum e da vida.
A história é pródiga em exemplos de
revoluções que devoram os seus próprios símbolos ou os seus mentores.
Ao escrever “Angola Sonho e Pesadelo” o Adolfo Maria dá um passo em
defesa da memória, da integralidade
da história, ele que dela é fonte privilegiada.
Ao fazê-lo ele vive a sua condição e
prossegue a sua acção de nacionalista angolano, sem concessões nem
acomodação.
A contemporaneidade despertanos para sociedades fragmentadas
por uma multiplicidade de valores, com racionalidades por vezes
contraditórias, em que a aparência
supera toda a substância e as representações do presente tendem à deslegitimação do valor do facto, da experiência histórica e das qualidades
em que todos reconhecíamos o valor
intrínseco do homem.
Essa ligeireza do tempo que passa
reclama de nós um estado de vigilância permanente que impeça a contaminação; a reafirmação constante do
valor único da substância das coisas
e da dignidade humana como referência e marca de decência dos comportamentos sociais.
Número 9 - 2ª série
Só seremos inteiros se nos libertarmos dos preconceitos forjados na
ligeireza das simplificações.
As nações serão sempre diminuídas enquanto não puderem ser integralidade. Enquanto não puderem
contar com todos e não acordarem
à vida de todos os seus filhos o estatuto que tiveram na concertação
de esforços em que se forjam o desenvolvimento e a independência
nacionais.
Recuperar a capacidade de falar
com o outro; de falarmos todos, preservando as nossas singularidades e
diferenças é uma das interpelações
maiores do nosso tempo. E é isso que
o Adolfo faz ao escrever este livro.
A leitura de “Angola Sonho e Pesadelo” produz em nós um enorme
sobressalto cívico.
Angola, Sonho e Pesadelo é um
grande confronto entre expectativas
acalentadas e uma realidade desprovida da virtude esperada.
Este livro, poderia ser apenas a história do exílio interior de um homem.
Mas é muito mais do que isso.
É uma parte da história das organizações que lutaram pela independência de Angola, vista de dentro, através
da narrativa dramática de um combatente da liberdade que se isola do
mundo para escapar à repressão dos
seus companheiros de armas e que
nos fala de como chegou a esse momento e como dele saiu.
É uma reflexão lúcida tributária dos
factos, na forma como o autor deles
fez parte, vendo, sentindo, vivendo.
Na torturada sucessão de dias longos e iguais o autor resiste pela disciplina férrea, domando o corpo,
exercitando a mente. Recordando, registando, compondo.
Mesmo não concordando com alguns pressupostos de partida ou pontos de chegada, não hesito em afirmar
que o personagem central da obra – o
Adolfo Maria - é alguém que, no quadro de uma experiência de injustiça
nos indica uma certa norma. Traçanos um caminho marcado por uma
enorme exigência cívica e moral.
Ao escrever sobre esta experiência
o Adolfo mostra-se-nos inteiro, sem
disfarces nem recomposições: é um
homem. Um homem que sofre, que
sente tudo intensamente; que tem
receios e angústias, que se desfaz e se
recompõe; que é forte e fraco a um só
tempo, porque só pode ver o mundo
através do buraco de uma fechadura
pela qual lhe é interdito espreitar.
Mas este livro é também um tributo
à cadeia de solidariedade humana que
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EDITORIAL *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
se gerou em torno dele. Porque hoje
pode falar de nomes e revelar identidades, sem correr o risco de pôr em perigo
a liberdade ou a vida de quem generosamente o acolheu e resguardou.
Depois, Angola Sonho e Pesadelo é
também a história de um grande amor. De
um amor infinito. É uma ode à Lena. A luz
dos seus olhos. A dado momento quase a
fonte primária da sua energia vital.
Ela está sempre presente.
Com a sua força, a sua abnegação,
a sua inesgotável capacidade de dádiva e irredutível determinação de
partilha de um destino que começou
por trilhar por amor.
Na narrativa a Lena é a mátria. A mulher salvadora, aquela que nunca o
larga quando a pátria parece tê-lo
abandonado. A heroína que veste magistralmente a máscara da mulher que
busca desesperada e incessantemente o
marido preso ou abatido pela repressão.
Escrito com uma linguagem elegante, seca e depurada, o livro lê-se
de um fôlego e dá-nos a conhecer as
qualidade literárias e poéticas do autor, espelhadas por vezes em trechos
de uma desesperança radical. Alguns
desses trechos são poemas de uma
intensidade e um realismo tão vivos,
que nos rasgam a alma.
Permito ler-lhes um que escolhi:
Loucamente Lúcido, na página 120:
Loucamente Lúcido
Quando o corpo está dorido
por a alma estar partida
Quando a mente é povoada
pelo vazio circundante
Quando o presente tanto se afoga
no passado tão desentranhado
Quando a angústia cresce em futuro
no desespero da solidão de agora
Quando o tempo perdido se chora
nos homens e mitos em cacos pelo chão
Quando esperança e criação me estiolam
no húmus feito deserto pela alheia
malvadez
Quando a vida não vivida
me é sepultada assim tão viva
É a dúvida ao infinito
é a loucura extra-lúcida
é o mundo feito zero
é a vida feita nada
Ardo no fogo das ilusões queimadas
broto verde na lucidez renovada
renasço em mim para não morrer
quando morro devagar para sobreviver
Luanda 26/8/77
EDITORIAL
JACQUES ARLINDO DOS SANTOS
Para lá dos vários acontecimentos que fazem do início de 2014 um
dos anos mais férteis em tragédias,
ele fica para mim, indelevelmente marcado por quatro episódios,
nesse quadro de tristezas: dois
no âmbito da liberdade e da democracia e outros dois no campo
desportivo. No primeiro caso, Angola perdeu duas figuras activas
do exercício da cidadania, personagens incontornáveis da cena
política nacional. Foram cidadãos
que sendo bastante conhecidos
enquanto vivos, não deixarão nunca, tenho a certeza, de o ser pela
sua morte. Trágica ironia
para duas pessoas que caminharam lado a lado na
vida e na morte. Finaram-se
quase no mesmo dia e provaram com muita coragem,
cada um no seu domínio,
que eram dignos do povo
por quem lutavam na conquista da sua independência. Ele travando combate
duro contra a injustiça, ela
defendendo esse combate.
Ele era um político perspicaz, ela uma advogada
excepcionalmente dotada.
Morreram por Angola e o
país deve-lhes eterna gratidão. Falo, obviamente, de
Agostinho André Mendes
de Carvalho e da Dra. Maria
do Carmo Medina.
No segundo caso, o de âmbito
desportivo, os amantes do futebol
em todo o mundo choram ainda
a perda de duas enormes referências. Dois atletas de excepção que
preencheram os sonhos de milhões de jovens e não apenas desses, multidões onde me incluo en-
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quanto admirador confesso destes
moçambicanos que considero intérpretes maiores na história do
jogo, heróis de jornadas de glória
e de magia. Com Eusébio da Silva
Ferreira e Mário Esteves Coluna –
é deles que estou falando – tive o
previlégio de contactar, algumas
vezes com o “Rei” com quem abordei para além da arte do seu futebol as suas raízes angolanas, uma
única vez com o “Monstro Sagrado”.
Face ao que atrás fica dito, não
poderia de modo nenhum deixar
escapar a oportunidade de, nas
páginas do nosso jornal, referenciar estas quatro personagens. É
assim que, buscando um texto inserido na abertura do livro “O Homem da Quijinga” editado em 2007
pela Chá de Caxinde, lembramos o
escritor Uanhenga Xitu, o mesmo
Mendes de Carvalho. Uma decisão da Associação Chá de Caxinde
também dada à estampa revela o
alto apreço que nos merecia Maria do Carmo Medina. Através dum
notável ensaio de cariz sociológico
que resulta de histórias vividas, o
renomado jornalista e nosso ilustre colaborador Luís Alberto Ferreira faz revelações que vão surpreender os leitores de “O Chá”.
Trata de Eusébio, “um mensageiro
de povos enganados” e da coluna
vertebral de Mário Esteves Coluna.
Fecho este editorial com a máxima de Mestre Eduardo Lourenço,
utilizada por Luís Alberto Ferreira
neste trabalho: “Os passados estão
sempre presentes”.
Lisboa, Março de 2014
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LÍNGUA
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SABER PORTUGUÊS
Luisa Dolbeth
S
aber Português entende que em muitas situações “parece” que o Acordo Ortográfico complicou um pouco mais, não só com
a questão dos hífens mas ainda em outras, tal
como esta da homografia, homofonia e homonímia. Como?
Vamos contrariar um pouco um dos argumentos a favor do Novo Acordo Ortográfico, que
aponta o contexto como prova da não ambiguidade de interpretação. Mas será que em casos
como os que se seguem as palavras no contexto
da frase se interpretam claramente?
- “Levo o fato comigo” – sem ambiguidades.
- “Considero que foi um fato importante para
mim” - foi o “fato” que foi importante ou foi o
“facto”?
- “O João para o carro azul e o Fernando para o
carro vermelho” - será que se trata de os encaminhar para os automóveis ou querer-se-á dizer
“pára”, para agirem mandando parar os carros? (e
aqui temos “para, para”, sendo notória a utilidade
do acento)
Claro que o código da escrita ajuda a clarificar
a intenção comunicativa, como já provámos em
“Chegou à uma hora” e “Chegou há uma hora”. Se
na oralidade há o recurso a outros elementos da
comunicação não linguística, como por exemplo
os gestuais, as entoações, na expressão escrita a
existência de alguns segmentos, ainda que mudos, tornam mais rigorosa a interpretação e remetem claramente para o significado certo ou
para o sentido adequado.
- Lembrar ainda uma lista de palavras que,
apesar de não sofrerem alteração fonética na sua
pronúncia, como os casos que iremos ver a seguir, contribuem para o aumento do fenómeno
da homonímia, sem a consoante (pronunciada
ou não). A homonímia não deixa de ser um empobrecimento da língua, pelo menos em termos
de escrita: acto, facto, cacto, pacto, acta, captar,
rapto. Assim teremos o ato e eu ato (verbo), o fato
e vesti o fato, o pato e comi pato, a ata e ele ata o
saco (verbo) catar e catar (dois diferentes verbos
- captar e catar), eu rato e o rato (do verbo raptar
e o nome de um animal, também já homónimo
do verbo ratar).
A nível fónico, “concepção” deve-se pronunciar diferente de “concessão”. Contudo, mesmo
em situação de leitura, é evidente a tendência
para a homofonia, ou seja, pronunciar-se “conceção” da mesma maneira que “concessão”, assim
como “receção” e“recessão”. Estamos a falar do
“nosso caso”, por isso bem-haja não termos ainda
retirado o “p” mudo, visto que nos parece surgir
uma espécie de “inconsciência do contexto” que
pode acontecer na oralidade, mas na escrita, pelo
menos ao nível da aprendizagem, a consoante
ajuda a ensinar a diferença das pronúncias.
Saber Português tem registado pronúncias fechadas do “e” ou “o” quando antecedem a consoante muda e vem alertar para a sua abertura
em palavras como:
- “espectador” pronunciada com “e” fechado vira
espetador (alguém que espeta?);
- “sector” pronunciada “setor” (fechada). Ele trabalha no sector/sétor/ dos transportes;
- “intersecção” também pronunciada “interseção” (fechada). Ex – há uma intersecção de ideias;
- A lista aumenta com “excepção”, “receptor”, “interceptar”, “adoptar”“arquitectar”,“detectar”,“colectividade””coleccionador”,“colectânea”, “direcção”,“inspector”, “trajectória”, entre outras.
Mas, na realidade, já não acontece com arquitecto, factura,fractura, actor, factor fracção, acção, adjectivo, aspecto, colecção, compacto,efectuar, jacto, trajecto.
No nosso caso, numa situação de multilinguismo, ocorrem frequentemente as interferências
e desvios a uma norma pré-existente, as quais,
como fenómeno social, provocam alterações na
dita norma, até que se fixem como “nova” norma, após o seu uso comum ou colectivo. Até que
ponto, ao longo dos tempos, este princípio para
a alteração e fixação de normas foi respeitado na
transição para novas normas de escrita, hoje mais
modernas e aceites na língua portuguesa e de que
damos alguns exemplos – anno, difficílimo, differença, apparecidosquasi, preoccupei, ella, d’elle,
quiz, assumpto, geográphicas, e muito mais, incluindo o “h”,como no caso de hontem, sahi ou
do futuro do indicativo “eu estudar hei”! Também
os franceses poderão, se quiserem, optar por
acabar com as duplas consoantes mm, ll,nn, cc,
pp, etc. Porque não fazem falta à compreensão e
simplifica a língua? Seria uma opção, e a escrita é
uma convenção e ponto final. Mas provocaria ou
não uma certa descaracterização da língua? Com
certeza, se a mudança for repentina e abrupta.
Também, para nós, acontece e acontecerá com
algumas palavras sem a consoante muda, em
que nem sempre é prejudicado o entendimento
mas causa alguma estranheza, sendo mais complicado o caso do “h”, já sobejamente referido.
Talvez, por isso, o “critério fonético” do Acordo
Ortográfico, em contraste com a etimologia, iria
“bulir” com a escrita de “homem”, “hoje” ou “há”,
complicando ainda mais, no último caso, o entendimento ou desentendimento causado pela
homofonia.
Referir ainda que, “no nosso caso”, algumas alterações não se verificam apenas na pronúncia
fechada da vogal. Outras pronúncias ou outros
fenómenos fonéticos acontecem. Quais?
Continua no próximo número!
FICHA TÉCNICA
Propriedade: Editora e Livraria Chá de Caxinde, SARL s Registo: 191/B/97 s Contribuinte: 0.130.210/00 s Editor: João Armando Neves s Director: Jacques Arlindo dos Santos s Produção: Paula Nhone s Redacção e revisão:
José de Almeida e Silva, Maria Sá Fernandes e Paula Nhone s Administração: Bernardino António s Concepção Gráfica: Rodrigo Moreira s Impressão: Publicações, Ciência e Vida, Lda. s Tiragem: 5.000 exemplares s
Fotografia: Sidimbali Vaz Neto s Publicidade: Cristina Garcez s Colaboradores: Adolfo Maria, Luisa Dolbeth, Luis Alberto Ferreira, Maria Sá Fernandes, Isabel Fontes, José Carlos Venâncio, Jacques Arlindo dos Santos,
Paula Nhone, Sérgio Piçarra, Carlos Duarte, Fernando Pereira, Joana Ramiro, Jorge Arrimar, Rodrigues Vaz s
Morada: Avenida do 1º. Congresso do MPLA, nº. 20/24 - Luanda s Telefax: 222322876 s E-mail: [email protected]
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HISTÓRIA *
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A informação em Angola nos anos
1960-74: A festa era da rádio
Rodrigues Vaz
N
os anos sessenta e setenta do passado século, a rádio era o grande meio de comunicação social em Angola, como aliás continua
a ser. Pode até dizer-se que a própria televisão que
aqui se faz atualmente continua a revelar o dinamismo muito próprio do tipo de rádio que então
se fazia, o que acaba, paradoxalmente, por lhe dar
alguma qualidade, que as estações portuguesas não
conseguem, tão preocupadas que estão na sua tabloidização.
Não será difícil perceber porque é que se passava
isto em Angola. Por um lado, a rádio começou a ser
feita por pura carolice, nos chamados rádios-clubes
que foram aparecendo pelo menos nas capitais distritais, hoje capitais provinciais, onde os mais interessados na cultura começaram a dar os sinais da
sua graça. Por outro
lado, contou também
muito a influência
brasileira que sempre
se fez sentir, quer ao
nível de livros – era
fácil, por exemplo,
arranjar em Luanda
os livros proibidos do
Jorge Amado – quer de
revistas - a Manchette e o Cruzeiro eram
as mais vendidas, até
chegava a Luanda a grande revista Realidade, que
foi uma das experiências mais estimulantes da resistência brasileira. E não podemos esquecer que
mesmo noutros campos da cultura havia um inter
-relacionamento mais desenvolvido do que aquele
que acontecia entre a então chamada erradamente
Metrópole e o Brasil.
Depois, e talvez seja o mais importante, nos anos
cinquenta passaram pelo Huambo, então denominada Nova Lisboa, homens como o Fernando
Curado Ribeiro, um profissional de reconhecida
qualidade cultural, que teve no Sebastião Coelho
um digno seguidor, o qual fez a rádio angolana alcandorar-se a um grande nível, com o seu programa
Café da Noite. Não esquecer, entretanto, o papel de
pioneiros como Mesquita Lemos, Sara Chaves, Cremilda de Figueiredo, Maria do Carmo Mascarenhas,
Joaquim Berenguel e Norberto Franco, nem de outros profissionais como Alexandre Caratão, Santos e
Sousa, Carlos Meleiro, Arlete Pereira, Joana Campinos, José Manuel Frota, Cecília Victor, Carlos Moutinho, Adriano Parreira, Rodrigues Costa, Augusto
Pita Grós Dias, Fernando Marques, Teixeira Júnior,
Gioconda Ferreira, Norberto de Castro, Maria Dinah
e Ferreira Arouca. Nos últimos anos da presença
portuguesa, vale a pena citar o Manuel Berenguel, o
Francisco Simmons, a Luisa Fançony, hoje a grande
animadora da LAC, a Wanda Maria, e evidentemente o José Maria de Almeida, do Luanda 74, e o Emídio Rangel, que revolucionaram ainda mais a rádio
angolana com o seu profissionalismo e competência, qualidades que depois estenderam à rádio portuguesa depois do regresso, inovando e renovando a
maior parte das estações, onde alcançaram lugares
ímpares, como é o caso de Fernando Alves e de Alberto Ramos, entre muitos outros.
Já agora convém lembrar que a radiodifusão em
Angola, cujos expoentes além dos rádios-clubes,
foram a Emissora Oficial de Angola, hoje Rádio Nacional de Angola, a Rádio
Eclésia, Emissora Católica de Angola e a Rádio
Comercial, foi iniciada
por um amador devidamente autorizado em 28
de Fevereiro de 1931, Álvaro Nunes de Carvalho,
o CR6AA, motivo porque
é considerado como o pai
da rádio angolana. Está
claro que a primeira emissão em circuito aberto foi
feita em Benguela, a cidade que queria ser pioneira
em tudo, até foi lá que se realizou igualmente a primeira emissão de televisão em Angola, pela mão do
conhecido fotógrafo Luís de Camões. Acrescentese ainda o aparecimento de a Voz de Angola, criada
em 1968, que utilizava um emissor de Onda Curta
de 10 KW e outro de Onda Média, com 100 Kw de
potência. Na realidade, a Voz de Angola não chegou
a existir como emissora autónoma, uma vez que
emanava da Emissora Oficial de Angola, EOA, constituindo como que um desdobramento de emissão.
No entanto, funcionava nas instalações da EOA, se
bem que com estúdios e pessoal de produção próprios. Assumidamente dirigida à população autóctone, privilegiava as línguas nacionais mais usadas
e a música angolana. Por isso chegou a ter bons níveis de audiência, sobretudo na capital, embora os
ouvintes se apercebessem claramente que era um
órgão político por excelência, com o controlo direto
da PIDE.
Intencionalmente, só agora refiro a presença de
outro profissional brilhante que muito fez avançar
a rádio em Angola: Paulo Cardoso. Autor do famo-
so slogan “Se não quer que noticie, não deixe que
aconteça”, Paulo Cardoso estaria à frente do primeiro projecto de televisão comercial em Angola,
a TVA, a qual, apesar de não autorizada pelas autoridades, chegou a ser “inaugurada”, em 1973, pelo
General Costa Gomes, antes de abandonar o cargo
de Comandante em Chefe das Forças Armadas em
Angola. Convidado a visitar oficialmente as instalações da estação, na então Rua Luís de Camões, hoje
Rua da Missão, ao lado do Hotel Trópico, Costa Gomes só aceitou fazer uma visita “clandestina”, mas
as coisas estavam de tal maneira preparadas e de
tal modo formalizadas, que no final da visita foi-lhe
ofertada uma bobine com a reportagem da sua visita, devidamente montada e registada. De qualquer
modo, foi o primeiro reconhecimento “oficial”.
No entanto, o braço de ferro que a PIDE opunha a
qualquer tentativa de instalação de TV em Angola,
só vem a ser amainado em 27 de Junho de 1973,
com a autorização da constituição de uma sociedade anónima para a exploração desses serviços
em Angola, que criaria a Radiotelevisão Portuguesa
de Angola, cuja sigla, RPA, para não ser confundida
com a da proclamada República Popular de Angola,
mudará para TPA, Televisão Popular de Angola.
No tocante à imprensa, nos últimos anos da presença portuguesa, excetuando a revista Notícia, um
projeto profissionalizado com pessoal competente,
mas defendendo, antes de tudo, uma Angola portuguesa, mesmo com independência, o panorama
não era muito animador.
A Província de Angola, embora jornal privado, podia ser considerado, se não oficial, o diário oficioso,
raramente ousando questionar os problemas reais.
É preciso termos em conta, por exemplo, que quando um dos seus colaboradores, o António Pires, se
meteu a denunciar a poderosa Diamang, a direção
do jornal foi obrigada a despedi-lo, para poder continuar a ter os anúncios daquele potentado. Este
jornalista, que também se armava por vezes em literato, viria a fundar o semanário Atualidade Económica, que conheceu algum êxito. Nos últimos anos,
6*
HISTÓRIA
a Província de Angola tinha como fundista um tal
Humberto Lopes, que vivia em Benguela, onde aliás
a delegada Maria Virgínia de Aguiar se via às aranhas
para conter os vários interesses contraditórios dos
empresários locais.
O oásis era ao domingo, com um suplemento
cultural coordenado pelo Carlos Ervedosa, filho de
um dos proprietários, que conseguia fazer conhecer
a pouca literatura que se ia fazendo, apesar de ter de
aguentar os folhetins do Reis Ventura, por sinal vastamente lidos. De salientar que Carlos Ervedosa foi
o autor da primeira sinopse de literatura angolana,
intitulada Roteiro da Literatura Angolana, editado
pela Sociedade Cultural de Angola, 1972.
O Comércio de Luanda, cuja publicação foi várias
vezes suspensa, era mais bem feito, primeiro pela
acção de um profissional como Ferreira da Costa,
comprometidíssimo com o regime colonial, e depois pela acção do secretário-geral, José Maria Araújo, que fez muito bem a ponte com o último proprietário, António Champallimaud. Ficaram célebres
neste jornal as crónicas de Alfredo Bobela-Mota, tão
sarcásticas quão certeiras. Depois de ter reaparecido
em Maio de 1974 com um certo equilíbrio, o apoio
editorial à tentativa de golpe de Estado em Moçambique, em Setembro daquele ano, ser-lhe-ia fatal.
Havia também dois diários vespertinos: o Diário
de Luanda, da União Nacional, e o ABC, fundado e
dirigido por Machado Saldanha, republicano da velha cepa. Ambos cumpriam o seu papel, a seu modo
e como a férrea censura da época os deixava, isto
é, o primeiro sem ser muito agressivo, e o segundo
com muitos entraves. Como o Estado deixou de publicar anúncios no ABC, por vingança de algumas
ferroadas que conseguia ir dando, este começou
a debater-se com dificuldades financeiras, que já
não eram cobertas pelo lucro proveniente da Livraria ABC na Baixa, próximo da Versailles. Por isso, o
ABC acabaria por desaparecer enquanto o seu antigo suplemento, a Tribuna dos Musseques, que se
emancipara ainda na década de 60, continuou em
circulação.
A Tribuna dos Musseques, na fase de suplemento
do ABC, era dirigida por Teófilo José da Costa, vulgo Cu de Palha, que foi um personagem que esteve
na base do desenvolvimento do Carnaval de Luanda. Era irmão de Carlos Lamartine, uma das figuras
principais da música angolana e que chegou a ser
deputado pelo MPLA e é hoje adido cultural numa
embaixada angolana. Depois, autonomizou-se e ficou com uma redação perto da Estrada da Cuca em
Número 9 - 2ª série
pleno musseque Marçal e o Centro de Informação
e Turismo de Angola, CITA colocou lá um branco,
Albuquerque Cardoso, para controlar e como redatores Maria Eduarda e Jerónimo Ramos, ambos conhecidos como muito «mussequeiros» até porque
eram casados com angolanos.
Fora de Luanda o único diário era O Lobito, dirigido
por Mimoso Moreira, onde a extrema-direita campeava com uma incompetência de bradar aos céus.
Quanto aos semanários, fora o Jornal de Angola,
uma interessante experiência da Associação dos
Naturais de Angola, ANANGOLA, há que recordar o
papel importante que teve o Intransigente, em Benguela, depressa debelado pela censura, e uns anos
(poucos) do Jornal do Congo, dirigido pelo Acácio
Barradas, que conseguia fazer verdadeiras diabruras
aos accionistas.
O Jornal de Benguela e o Jornal da Huila limitavam-se a funcionar, embora este fosse mais a voz do
dono, o poderoso Venâncio Guimarães Sobrinho,
sogro do conhecido Eng. Cardoso e Cunha, que foi
ministro de Cavaco Silva, célebre nos últimos anos
pelas grandes confusões que arranjou à volta dos
seus negócios em vários países africanos. Lembrese que este Venâncio Guimarães Sobrinho, que era
deputado e membro do Conselho Legislativo de Angola, subsidiava sozinho uma curiosa publicação, a
Revista de Angola, dirigida pelo fundador do Comércio de Luanda, Araújo Rodrigues.
E são ainda de referir a revista Trópico, pré-tablóide, do célebre eng. Pompílio da Cruz, fundador da
FRA, Frente de Resistência Angolana, em 1974, e que
chegou a ser candidato à presidência da República
em Portugal, assim como uma coisa que dava pelo
nome de Semana Ilustrada, de Borges de Melo, vindo do semanário O Planalto, do Huambo, que pelo
menos tinha uma boa “saúde comercial”. É curioso
analisar as capas da Trópico – eram só “belezas” europeias, como se Luanda não fosse a capital de um
país africano onde as suas naturais “não pediam
meças” às mais elegantes parisienses!
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Além do Notícia, propriedade da Neográfica, que
pertencia ao Grupo Vinhas, da CUCA, esta editou
ainda uma revista de cultura e espetáculos, a Noite
e Dia, onde colaborava o conhecido Domingos Van
-Dúnem, ultimamente coordenada pelo Rogério
Beltrão Coelho, que tem andado por Macau, e um
semanário humorístico quase todo feito pelo crítico
de teatro Angerino de Sousa, natural de Moçâmedes, que era diretor de uma companhia de seguros,
e pelo Xico Orta, que ainda continua a ser um excelente gráfico – é ele que anima graficamente os
Roteiros do TT Kwanza-Sul - irmão do conhecido
encenador português Filipe La Féria.
Ainda no que concerne às revistas não pode ser
esquecida a Prisma, ligada a católicos progressistas
e que teve como diretor e principal animador António Palha, que foi casado com Joana Campinos, que
pertencia a uma família que viria a estar ligada ao
Partido Socialista. Antes, Joana Campinos fora casada com o radialista e ator Fernando Curado Ribeiro
e ainda viria a casar com Sebastião Coelho, uma das
personalidades da rádio mais marcantes em Angola. Um dos acionistas principais da Prisma era Mota
Veiga, um grande empresário de Angola, originário
da região de Viseu. Foi para evocar a mãe, que foi
instituído o Prémio Maria José Abrantes Mota Veiga,
cuja primeira edição foi ganha pelo livro Luuanda,
da autoria de Luandino Vieira, que a seguir viria dar
grande polémica ao vencer também o Prémio da
Sociedade Portuguesa de Escritores, originando o
seu encerramento compulsivo decretado pelo regime salazarista.
Evocamos, por último, os vários boletins que algumas instituições mantinham mensalmente, sendo os mais notáveis, pela sua qualidade, o Boletim
do Museu de Angola, o Boletim do Instituto de Angola, o Boletim do Grupo “Amigos de Luanda”, e, claro,
o Boletim da Sociedade Cultural de Angola, que se
viria a transformar na revista Cultura, antepassada
do quinzanário atual.
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Eusébio
DESTAQUE *
7
EUSÉBIO
Um mensageiro de povos enganados
“Os passados estão sempre presentes”
Eduardo Lourenço**
Luis Alberto Ferreira*
[email protected]
A longa fila dos barriguistas
A banalidade do mal, cuja credível radiografia
sempre agradeceremos à prelúcida Hannah Arendt,
varreu a praça pública portuguesa com os ventos da
embricação de uma tragicomédia: as várias morfologias emocional-mercantilistas da choradeira pelo
falecimento de Eusébio da Silva Ferreira.
Para a lavagem da honra do convento, salvaguarda da dignidade das pessoas e do valor da sinceridade — em seus ângulos precisos — no amor, na
admiração, no respeito, na idolatria, no sentimento
da perda, valeram-nos as manifestações de espontaneidade estuante de milhões de portugueses e
outros seres de costas voltadas para o acordo ortográfico.
Enfim, a expectável e fatal cozinhada de amoralidades que, por sorte, contou com dois diluentes de
avassaladora envolvência afectiva:
Eusébio morreu e os abutres semeadores da apolitização e modus faciendi algo caótico, do moçambicano de Mafalala, logo correram, numa afoiteza
descaradíssima, para o estádio dos benfiquistas. Primeiro-ministro “africanista” e capitão de naufragosas aldrabices “reformistas”, vice-primeiro-ministro
de ar tresloucado e “fraca desenvoltura no andar” *,
Presidente da República com a sorumbática solenidade prestativa dos cangalheiros — assim começou
a lúgubre e fatídica romaria. Inclusiva, até, de antigos predadores — pais e filhos — engordados pela
alfarroba das ex-colónias ou evangelizados pela
conjectânea e prática do apartheid em Moçambique.
O desfile de “notáveis” — notabilizados por toda
a espécie de tóxicos não notabilizantes — chegou a
ameaçar não ter fim, tal a teórica impossibilidade
de fechar a torneira. Não vimos, não demos por Catroga. Esse, esse mesmo. Catroga, cuja carranca de
argentário devorista é, hoje, oficialmente, reconhecida em Portugal como não aconselhável biberão
imagético para as criancinhas à hora de fazer oó.
E houve mais lances póstero-superiores de aproveitacionismo. O cortejo, com partida no estádio das
águias, foi até à câmara municipal de Lisboa para
gáudio particular do autarca-mor, “socialista” de
postergações obscuras no próprio partido, comentador político-televisivo e pescador de amores opor-
tunos no mar das cantigas e dos fervores “kolturais”.
Desejar-se-ia, sim, o percurso até ao Rossio, e daqui
para a necrópole que acolheu o corpo de Eusébio.
Fica a melhor das subjacências, seguramente
memorável: o povo nas ruas e avenidas de Lisboa.
O mesmo povo sem o qual não teria vingado (até
finais de Novembro de 1975), o 25 de Abril. Aí, sim,
ocorreu a suprema consagração de Eusébio da Silva
Ferreira.
“O Triunfo dos Imbecis” (Papini)
Eusébio em carne e osso livra-se destas chusmas de cacaracá responsáveis pelo absurdo de
famílias sem dinheiro para levarem as crianças
a uma consulta médica — e consegue, espiritualmente, o prodígio de permanecer na linha da
frente anatemática da Organização da Crueldade.
A humildade de Eusébio não se avalia apenas
no quadro das bondades culturais de Portugal e
do resto do mundo. Eusébio é uma valiosa fonte
ponderativa. Tanto assim que ele, na sua quase
pueril franqueza — básica essência da humildade
natural — suscita reflexões que passam por uma
exigente separação de águas. Em vários escalões
da coabitação perseverada, do direito ao espaço
grupal e individual.
Há muita gente, agora, a reflectir, a pensar a
vida — a partir de Eusébio. Como que trave de
um novo aprendizado. Numa altura em que a pedagogia dos valores fulcrais — em sede da condição humana — sucumbe à impante ovulação de
todos os despautérios.
Não fosse a morte tão incontornável e seria
este o preâmbulo da entrada em cena de quem
escreveu “O Triunfo dos Imbecis”, o espartano
Giovanni Papini, florentino sem floreios no olhar
sobre a paisagem da improbidade.
As luzes sentimentais semeadas pelo valor mítico de Eusébio conjugam o ressurgimento da
morte como premonição e chamada à realidade
terrenal: a pequenez do homem, a sua fome de
compensações, estímulos e ressarcimentos. Vivo,
vivíssimo, na fruição plena de suas possanças e
heterodoxias, Eusébio encantou-nos e comoveunos ao longo de todas essas ribaltas planetárias
em que soube ser ele próprio — sem subterfúgios,
sem traficâncias ou pseudónimos cosmopolitas.
Bem poderá a RDP-Antena 1, ancoradouro de
revanchismos pós coloniais e caixa de propaganda selectiva de cantadeiras e cantadeiros, insistir
na prática de vários jogos do Obscurantismo Estratégico-Ideológico. Um dos quais consiste no já
impudicamente declarado negócio da mercantilização do futebol como pagadoria de favores e
facilidades dos políticos. Dos idiotas da política
que à tarde são comenteiros de futebol na RDP-1
e à noite são comenteiros políticos na SIC...
Alguns, viram a barriga crescer, ex-abrupto,
por ocasião dos altos rendimentos da negociata-barraca-de-bifanas do desaparecimento de
Eusébio. Choldra vergonhosa — que insultou os
sentimentos de uma população lisboeta sinceramente tocada pela defunção do extraordinário e
cativante jogador de futebol.
Jornais desportivos, jornais generalistas, televisões
e rádios nacionais e privadas são pau-para-toda-a
-obra na oferta da manjedoura do futebol aos políticos arvorados em comentadores, em comenteiros
derivados da incessante vadiação político-partidária.
8*
DESTAQUE
Eusébio
Trata-se de um dos cabarés intelectuais de mais
reles reputação no pobre Portugal de hoje: crianças
com fome, crianças violadas e pedófilos em liberdade, cancerosos em listas de espera-da-morte, falanges de noviços boys dos partidos políticos assaltando
uma função pública que despede aos milhares quem
por lá deixou anos de sangue, suores e lágrimas.
Uma horda de comenteiros mais ou menos bacocos, quando não imbecilóides, invadiu os curvilíneos territórios mediáticos ligados ao futebol. Esta
enorme manjedoura à mercê dos telmos, dos searas,
dos viegas e de outros abencerragens da épica barriguista, não possui tábua ética a que ater-se.
No passado, um intelectual da praça, Artur Portela Filho, aventurou-se numa infantil atrabílis contra Eusébio. Quando, na Luz, o jogador “pôs o pé à
frente” para proteger-se de uma multidão que sobre
ele desabava, ululante, desvairada pelos fogaréus de
uma apoteose pela “conquista do título nacional”.
No presente, temos um cérebro caduco — da lusitanidade — a fosforejar raivas etnocêntricas: o sr.
Mário Soares, penduricalho já esmalmado na letargia de avô do chuchialismo democrático. Diz ele que
Eusébio era “inculto” e “bebia muito whisky”. Dito
no preciso momento em que o corpo de Eusébio
baixava à cova escura. Isto é: perder la cuenta ou,
tardiamente, energizar o célebre título de Giovanni
Papini: “O Triunfo dos Imbecis”.
Também, numa sadia conversa da Mutamba, poderíamos propor: pior seria se Eusébio, em vez da
garrafa de whisky, preferisse antes o garrafão de
kaporroto. E bem pior que o falsífico kaporroto é a
vigarice do chuchialismo de Mário Soares. O mesmo
que, tendo desfeiteado e, depois, insultado a memória do guineense Nino Vieira, subtrai nos gavetões da
Fundação imagens dos cálidos abraços a Mobutu, o
selvícola troglodita, assassino de Patrice Lumumba,
que em Kinshasa ocupava o palácio quando, na realidade, o seu lugar deveria ser, na capital congolesa,
o estridulante mercado dos ladrões.
Manjedoura para uma ideologia
Em suma: trapaceiros escapados à mentirosa
manápula da “justiça” maltratam microfones, estorcegam-nos a paciência e embolsam dinheirama
pública e privada à custa de blasonar: “Eusébio ao
panteão nacional!”. Recurso, evidentemente, de
extracção mais recente. Porque a lengalenga de tipos como Telmo Correia, filofascista, ou Fernando
Seara, tapioca enjoativa e marca de enganosos licores democráticos, é antiquíssima, vem do tempo
dos combates nas Termópilas... Mas vai acabar por
sucumbir à força do deslastre da grande farsa que
é a magnificação post mortem de Eusébio da Silva
Ferreira.
Porque existe a grande alcáçova da Memória Popular. A lengalenga comenteira desses oportunistas
de partidos como o CDS e o PSD — só lá falta o medonho Catroga — deflui como ácido degenerante
das aptidões éticas e cognitivas de milhares de portugueses, angolanos, guineenses, moçambicanos,
cabo-verdianos, são-tomenses, timorenses. A rancidez intelectual de tais opinantes passa por um
combóio de marcha monocórdica... o penalty que
foi, não foi, mas foi, mas não foi, aquele cruzamen-
Número 9 - 2ª série
Eusébio despediu-se
da vida em plena
época de aviltamento
político-mercantilista
do futebol
to da direita, o rapaz imprudente no carrinho que
por um triz amputava a perna ao Zé da Moina, todo
um lacerante cortejo de baboseiras... remunerado
com dinheiros que fazem falta à saúde maltratada,
à educação pontapeada, à segurança social esventrada dos portugueses.
Eusébio, em carne e osso, foi bolsa de víveres
para muita resma parasitária enfronhada nos futebóis. E nem mesmo na glacial perpetuidade do seu
sono poderá, Eusébio da Silva Ferreira, livrar-se do
escalavramento golpista de toda essa Ndaghetta de
charlatães parasitários e sem polícia por perto.
A graçola obscena de Soares deixou no silêncio
cúmplice os comenteiros de serviço. O próprio Pacheco Pereira, homem ajuizado e intelectual largamente prestimoso — logo, não comenteiro do
futebolês barriguista — contorceu-se, desnecessariamente, ao ser exposta a matemática político-cultural desembocada no Panteão. Ideia que, de pronto, me remeteu para o verosímil de um panteão
nacional em Moçambique, aglutinador de Mondlane, Machel, Craveirinha, Malangatana... e Eusébio,
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
naturalmente. Mas esta é uma ideia requisitante de
mais repousadas análises, mais cordame para, também, rarefacções “construtivas”.
O especulativo adeus a Eusébio — classe política
e comenteiros do futebolês a tripudiar com desmesura — colocou-nos diante da mais ominosa manjedoura ideológica que abandeira austeridades
cruentas para as maiorias — e empanturra de fogos o neofascismo da “austeridade”. E da corrupção
multipétala. Uma farândola estratégica para tapar
montureiras.
Eusébio, agora, despoleta, origina, suscita. Manuel Alegre, vero socialista, construiu para ele e por
ele um poema de rara pulcritude. E, na esteira da
onda reflexiva que Eusébio e seu passamento propõem, o poeta de Águeda, animicamente conimbricense, estende a factura moral inesperada: “O
capitão Salgueiro Maia ao Panteão!”.
Perdido nas cogitações de cúmplice de desditas,
fracassos e escatologias várias, Cavaco Silva estrebucha. “O capitão Salgueiro Maia ao Panteão!”.
Pontifical demanda. Cavaco obsequiou pides sanguinários com pensões consoladoras — “por serviços à nação”. A tirania da malvadez e a genealogia
do que se vai dissipando em Portugal: a sensibilidade ao mal.
Imaginem o que Eusébio da Silva Ferreira, na flor
da ausência física, conseguiu, já, erigir. Mensageiro
de povos enganados, lá vai a memória rútila de Eusébio, por entre galerias siderais, satirizando os hipócritas, à moda do sadino Bocage: “... Subir, subir,
subir. E, depois de me achar lá bem no alto, desatar
os calções sobre este mundo!”
*Jornalista e investigador
** Eminente pensador
Número 9 - 2ª série
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Eusébio
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Aquele “senhor Coluna” era a coluna vertebral
Eu, dois anos mais velho que Mário Esteves Coluna, tinha 23. Ele teria, pois, 21 anos, quando, em
Madrid, no Hotel Zurbarán, iniciámos uma conversa de rapazes africanos a desbravar caminhos...
Primeiro, Coluna chamou, respeitoso, o seu treinador, Otto Glória. E disse-lhe: “Ó senhor Otto, este moço
angolano é o correspondente, em Espanha, do “Mun-
S
NOVOÇOS
PRE
do Desportivo”. Está a ver, senhor Otto? E ainda me perguntam, em Lisboa, se eu serei capaz de me afirmar em
Portugal!...”.
Otto Glória, virando-se para mim:
- Então foi você que fez aquela entrevista com o Alfredo
Di Stéfano?
- Sim, senhor Otto Glória, publicada no “Mundo Desportivo”...
O futuro “senhor Coluna” continuou na dele:
- Ó senhor Otto, ele diz que vai mesmo ser jornalista
aqui em Espanha!
DESTAQUE *
9
Otto Glória e seu bigode sorriram com prazer:
- Assim, com esta confiança nele próprio, vai chegar lá!
Não havia Eusébio, ainda. E Mário Esteves Coluna, jovem, jovem, jovem, estava no meio de um
Benfica repleto de veteranos.
De forma paulatina, Coluna foi enunciando
princípios e forjando estatuto. Face à ardósia do
jogo, pegou no giz e ele mesmo traçou para si um
desígnio posicional.
Pelo futebol de um Benfica em mudança —
com Otto Glória — passaram vários carregadores
de piano. Um dos quais, Neto, espartanamente
raçudo. Coluna iria fazer a diferença ao carregar o
piano com as subtilezas do pianista.
Mário Esteves Coluna poliu com sábio esmero o
lado introspectivo da sua forte personalidade.
Grande foi a sua cordura nas relações humanas,
como versátil foi a sua interpretação do envoltório físico e mental do jogo. O atleta Mário Coluna
jamais se demitiu de ser o geómetra Mário Coluna.
O “senhor Coluna” da máxima urbanidade e do
máximo rigor soube, também, ser o “senhor Coluna” coriáceo nas divididas e no artilhamento para
proteger Eusébio.
Vi o “senhor Coluna”, no Torneio de Badajoz, em
Espanha, adiantar-se, raposinamente, no campo,
para ir lá adiante meter na ordem um caceteiro que
sarrafava Eusébio. Tudo com chave de parafuso limpamente ortodoxa. Eusébio choramingava junto
do “senhor Coluna” e o “senhor Coluna”, que era a
coluna vertebral, tomava nota e tratava do assunto.
Alguma reclamação?
E, por fim, a elucubração e o mistério que a
morte não dispensa. O “senhor Coluna”, o magnânimo e estóico Mário Esteves Coluna, deixou-nos
para ir proteger Eusébio.
L.A.F.
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DESIGNAÇÃO
LARGURA
ALTURA
PREÇO (USD)
3 MESES (-15%)
Página dupla
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303 mm
1 540,00
3 927,00
6 MESES (-20%)
7.392,00
1 ANO (-30%)
12.936,00
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248 mm
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595,00
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1/2 Página par vertical
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2.205,00
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840,00
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2.940,00
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Rodapé página par
248 mm
71 mm
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1.160,25
2.184,00
3.822,00
Orelha 1ª página superior
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1.050,00
2.677,50
5.040,00
8.820,00
Orelha 1ª página inferior
77 mm
71 mm
700,00
1.785,00
3.360,00
5.880,00
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HISTÓRIA
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Carlos Duarte
Os potentados
sangrentos de África
A
história de África é escrita com letras de sangue, morte e destruição, que modelaram nos
povos em geral um determinismo fatalista
incomparável. Foram muitos os potentados alicerçados no terror e na crueldade.
Em Angola, em época anterior à ocupação Portuguesa, os Régulos M’Bangu eh Muzungu e N’Gola
Kiluangi kiá Samba -- ambos deram nome a regiões
atuais -- movimentando sistematicamente uma máquina de guerra que se nutria de sangue, gado e apreensão de escravos de grupos tribais de menor potencial
bélico, tinham por costume, um e outro, se apoiarem a
cajados com terminais em aguilhão, que espetavam no
coração de escravos prostrados em cada lado de suas
Benza (tronos). Assim, sacrificavam diariamente e sem
qualquer propósito que não fosse o de demonstrar
total desprezo pela vida, tanto adultos ou crianças -eram ecléticos na maldade -- quanto o dobro de vezes
que ocupavam ou deixavam o assento régio.
Na África do Sul, dois grandes chefes se tornaram
notáveis pela crueza com que demonstravam esse
mesmo desprezo pela vida humana: Shaka dos Zulus e Mzilikazi dos Matabelês.
Em 1453 da Era Cristã, começa a história efetiva
da África do Sul, no Cabo de São Vicente, no extremo sudoeste da Europa.
Lá, um Príncipe monástico de Portugal, o Infante
D.Henrique, “O Navegador”, no Promontório de Sagres, numa época em que o mundo era dominado
pelo medo e ignorância, ele olhava além dos limites
da Europa, imaginando mundos que aguardavam
ser descobertos e salvos.
Conhecia os relatos de Marco Pólo e sabia da
existência de civilizações no Oriente, mas acreditava
que, até que homens brancos da Europa, batizados
e professando a fé católica, cristianizassem essas e
outras terras, elas e seus habitantes permaneceriam
pagãos e inaceitáveis como civilização.
Seu objetivo imediato era África, que visitara
duas vezes. A primeira aos vinte e um anos, numa
grande vitória do exército Português em Celta, e a
segunda aos quarenta e três, numa estrondosa derrota em Tanger.
Era fascinado pelo Continente Africano, e com os
seus estudos sobre navegação acreditava que os
seus navios podiam navegar para o sul, ao longo da
Costa Ocidental de África, dobrar o Cabo do extremo sul e subir pela Costa Oriental, até às Índias e
suas especiarias, China e Japão. Perseguiu este objetivo sem sucesso até à sua morte, em 1460.
O ano de 1453 foi marcante para o Infante D.Hen-
rique porque, profundamente Cristão, teve conhecimento de que os Muçulmanos -- eternos rivais
religiosos dos Cristãos -- haviam atacado e conquistado Constantinopla, fechando as rotas do Mar Vermelho para o rico Oriente.
Nunca chegou a ver qualquer mercadoria Oriental; só anos após a sua morte, os navegadores Bartolomeu Dias e Vasco da Gama concretizaram os
sonhos do Infante de Sagres, vencendo o primeiro
o Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança e o segundo chegando às Índias pela Costa Oriental do
Continente Africano.
O potentado Zulu tem início com o reinado de
Shaka, filho de um régulo Senzanga Khoma, de um dos
clãs mais fortes dos Zulu, que engravidara Nandi, uma
mulher Lengani, que se tornou por isso sua terceira esposa, mas, desagradável e pouco dócil, acabou sendo
rejeitada junto com o filho, e voltou para os Lenganis,
onde Shaka cresceu acalentando o sonho de se tornar
Rei dos Zulu, e expandir o império até nem onde ele tinha ideia; cresceu arrogante e antipático como a mãe,
e foi por isso marginalizado pelos outros meninos Langani, mas cresceu forte e se preparando para ser um
guerreiro, o melhor entre todos.
Shaka era o nome que os Zulu davam a um parasita intestinal; quando Nandi engravidou, de desagradável que era, na tribo diziam que ela não estava
grávida, apenas tinha um shaka na barriga. Vindo ao
mundo, o parasita shaka, continuou sendo Shaka.
Foi com alívio que o rei e a tribo, viram partir Nadia
com o seu pequeno parasita.
O ano de 1802 foi um ano de seca e fome. O Rio
Umfolozi, secou e a fartura que trazia ao vale que o
abrigava e às margens, desapareceu. Com a escassez
de alimentos o chefe Longani decidiu expulsar do
Kraal todas as pessoas indesejáveis, entre as quais se
encontravam Nandi e o filho Shaka, de quem ninguém gostava no clã.
Exilados partiram para as terras do sul, onde chegaram ao reino de Dingiswayo, o mais importante
dos chefes do sul que, ao ver Shaka e N’Xumalo, um
xilado voluntário do clã Sixolobo, e o único companheiro de Shaka entre os Langanis, adivinhou neles
grandes guerreiros; eram fortes e mostravam destreza no uso das Azagaias. Considerou-os bem vindos
ao seu regimento.
Nos anos seguintes, Shaka e N’Xumalo ganharam
grande experiência em guerras e campanhas que
ampliaram o território de Dingiswayo, e Shaka começou a desenvolver técnicas pessoais de Guerra e
Teoria de Combate!
Discordava dos grandes agregados -- mulheres e
crianças -- que acompanhavam o destacamento,
denunciando à distância a aproximação, e dando a
conhecer aos inimigos a disposição das tropas a todos os momentos, aguardando apenas o momento
mais propício para o confronto. Discordava dos rituais que antecediam as batalhas e dos lugares escolhidos -- com encostas suaves, em anfiteatro, para
melhor apreciação dos espectadores -- discordava
dos arremessos das azagaias à distância, que permitiam a esquiva dos adversários. Discordava dos
embates pouco contundentes, quando os dois exércitos estavam já desarmados, e da benevolência do
vencedor, capturando apenas algum gado e umas
quantas mulheres. Discordava do uso de sandálias
de couro de vaca pelos guerreiros, artefato que, no
seu entender só tolhia a mobilidade em combate.
Achava inclusive as azagaias impróprias para a luta.
Preferia o uso de adagas para o corpo a corpo.
Shaka treinou com N’Xumalo ataque e defesa,
força e destreza, luta corpo a corpo. Quebrou uma
lança e encomendou ao forjador da tribo uma arma
com o tamanho da metade da lança e o dobro do
tamanho de parte cortante: uma Adaga!
Em 1815, num confronto banal com os Butelezi,
Shaka demonstrou o que e como queria que fosse
uma guerra. No ritual inicial em que um ou dois
guerreiros se adiantam para trocar insultos, Shaka
levantou-se e correu descalço para o adversário.
Com o seu escudo enganchado no do outro, expôs-lhe o peito e mergulhou nele a adaga curta.
Arremeteu depois para as fileiras de vanguarda dos
Butelezi, e junto com ele, todo o regimento Izicwe.
Foi um massacre. Dezenas de inimigos mortos e de
mulheres capturadas, centenas de cabeças de gado
apreendidas.
Em 1816 o pai de Shaka, chefe dos Zulu morreu.
Shaka removeu o filho destinado à sucessão e assumiu o comando do clã que tinha cerca de 1.300 pessoas e 300 guerreiros.
Era um clã inexpressivo, menor que a maioria dos
outros clãs, como os Sixolobo e os Lengeni, e que
não expandira o seu território nos últimos cem anos.
Tão logo assumiu o comando, uma das suas primeiras providências foi mandar os guerreiros jogar fora as azagaias tradicionais substituindo-as
por adagas, proibiu o uso de sandálias e treinou as
tropas no endurecimento das solas dos pés, fazendo-os dançar sobre espinhos e pedras batendo os
pés com força no chão, até que as solas dos pés estivessem mais duras do que couro. Os guerreiros que
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não agüentavam e fraquejavam neste treinamento,
eram mortos.
Aumentou o tamanho dos escudos quase à altura
de um homem, e treinou com os guerreiros defesa e
ataque corpo a corpo, com as técnicas que aperfeiçoara com N’Xumalo.
Instituiu a técnica de combate “corpo-braços-cabeça”, em que o corpo era a grande concentração
de tropas central, e a única que os inimigos podiam
ver, os braços eram dois grupos de
envolvimento rápido que atacavam
pelos flancos, e a cabeça, um regimento que, nos dois primeiros estágios de qualquer batalha -- início
com o embate frontal do corpo e o
segundo que era o ataque dos braços pelos flancos -- ficava escondido por uma colina e de costas para
a luta, sem poderem saber o que se
passava na batalha. No momento adequado recebiam a ordem de
ataque, que cumpriam sem pensar
e sem tentar adequar-se à situação.
Velocidade, rapidez na comunicação e acurácia eram os outros
trunfos da estratégia de Shaka.
Shaka e N’Xumalo formavam
uma dupla fantástica; Shaka era um
planejador criativo e N’Xumalo um
executor implacável.
Uma manhã de 1816, Shaka reuniu os seus quatro esquadrões numa formação de quadrado oco.
Inflamou os ânimos dos guerreiros com palavras
de incentivo, enquanto estes batiam os pés no chão
com violência -- a dança que caracterizaria para
sempre os Zulu. Cada esquadrão era distinguido por
diferentes cores dos panos de cabeça e pelos couros
de gado dos escudos.
Contra os Langani, Shaka ordenou uma marcha
silenciosa. Na manhã seguinte o clã acordou cercado por guerreiros Zulu. Foi a vingança de Shaka
contra o clã que expulsara a mãe e a ele anos atrás.
Todos os desafetos pessoais foram empalados por
estacas de bambu, e depois de horas de sofrimento,
queimados ainda vivos. Os chefes apenas tinham o
pescoço quebrado, numa morte rápida e sem sofrimento, e no final, Shaka absorveu os regimentos
Langani no seu exército.
Quando Dingiswayo morreu, numa batalha contra uma tribo do norte, todo o contingente Izicwé
se uniu aos Zulu. Shaka se movimentava com uma
velocidade devastadora, dominando os pequenos
clãs, cujos chefes eliminava e cujas forças militares
agregava às suas. A incursão contra os N’Gwane, os
apagou do cenário africano como clã.
À vista do Corpo de Ataque Zulu, se posicionaram
em tosca formação de combate, acreditando tratarse apenas de mais uma investida por gado e mulheres, em que apenas alguns homens sairiam machucados. De repente descobriram com espanto que as
alas Zulu estavam abertas, como os chifres de um
touro. Os guerreiros Zulu caíram sobre os atordoados inimigos matando, e quando as forças N’Gwane
tentaram se reagrupar para resistir, do nada apareceu a cabeça do exército de Shaka, as adagas totalmente sem clemência.
Os guerreiros e os velhos foram mortos -- os Zulu
nada viam de errado em ajudar a morrer os que
eram idosos ou doentes -- as mulheres distribuídas
entre os Kraal Zulu, e os meninos recrutados para o
exército.
Com Shaka no poder, os homens combatiam dos
14 aos 60 anos, e nenhum guerreiro podia casar ou
procriar antes de lavar a adaga no sangue de inimigos, e somente por concessão de Shaka, o que
acontecia por volta dos
30 anos.
Shaka formou um batalhão só de mulheres,
que devia seguir na retaguarda para cuidar da
comida, reparar as armas
danificadas e cuidar dos
feridos. A regra básica
para estes era: se um Zulu
está ferido, fale com ele.
Se ele conseguir compreender o que você disse, cure-o, se não mate-o
Formou um outro batalhão de idosos, que
recebiam apenas meia
ração e deviam trabalhar
constantemente. Quanto mais rápido morriam,
mais se fortalecia a nação
Zulu. Em 1832 Shaka já consolidara a maior parte da
sua nação, impondo uma ordem e uma disciplina
cuidadosamente definidas; através de punições brutais, transformara um amontoado de clãs num reino
unificado.
Praticava um governo tirânico mas não insano,
assegurando ao seu povo suprimentos de água permanentes e fontes estáveis de alimentos. Os resultados benéficos do governo de Shaka eram evidentes.
Uma área maior que muitos países europeus e que
estivera desorganizada até então, tornara-se coesa e
próspera. As centenas de tribos e clãs que viveram
até ali na base de cada um por si, se proclamavam
agora orgulhosamente de Zulu que era nesta altura uma temida nação de meio milhão de pessoas. A
cidadania dentro da nação atingia a todos por igual,
antigos ou novos integrantes.
Mas Shaka, um misógino sem descendentes, sobrinhos nem filhos que pudessem suceder-lhe, ficou obcecado com a idéia de envelhecer e morrer.
Feiticeiros e funantes brancos se aproveitaram desse início de loucura para o explorar com promessas
de óleos milagrosos que proporcionavam a imortalidade.
O aparecimento dos primeiros cabelos brancos,
detonou em Shaka um processo de loucura irreversível; a morte da mãe, desencadeou uma onda de
crueldade e perseguições terríveis, que abalaram
toda a estrutura ZULU.
Começou por ordenar a morte de todas as mulheres a serviço de Nandi, a “mulher elefante”, que
com ela compartilharam a tumba, e que, quase todas, eram mulheres de alguns dos seus melhores e
mais confiáveis generais.
A mortalidade gratuita espalhou-se pelo reino;
qualquer pessoa, por rir, espirrar, tossir, se coçar,
HISTÓRIA *
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sentar, dormir, amamentar ou mesmo comer e beber, podia ser decapitado, acusado de não demonstrar pesar pela morte da mãe de Shaka.
Turbas frenéticas e assassinas corriam por todo o
reino, para ver se alguém deixava de honrar Nandi.
Os últimos meses de 1827 ficaram conhecidos entre
os Zulu, como o tempo das trevas de Shaka.
Relatos feitos por Henry Francis Fynn, que visitou
Shaka nessa altura, falam de milhares de mortes e
de aldeias completamente arrasadas e incendiadas.
Em estado de loucura total, buscando uma explicação para o fenômeno da vida, Shaka pessoalmente abriu com a sua adaga, o ventre de todas as mulheres grávidas, em qualquer estágio, do seu Kraal.
Insatisfeito com a falta de uma resposta conclusiva,
mandava buscar as gestantes de todos os outros
Kraals, para o mesmo sacrifício.
Maridos, pais, filhos e sobrinhos que demonstrassem qualquer insatisfação ou contrariedade por mulher morta, eram empalados em estacas de bambu,
como traidores, para uma morte lenta e dolorosa.
Para os rituais de luto nacional, por um ano, nenhum homem podia tocar numa mulher -- mulher
que aparecesse grávida era morta junto com o filho,
depois de revelar o nome do traidor, que era empalado -- ninguém podia beber leite, nenhuma cultura
podia ser plantada. Um regimento de doze mil homens guardava dia e noite a sepultura.
Gado, o gado que Shaka tanto prezava, era sacrificado às centenas de cabeças, apenas para que os
mugidos de dor fossem escutados e para que até os
animais soubessem o que é sofrer.
Um adivinho disse a Shaka que a mãe morrera
porque um gato atravessou o caminho dela. Todos
os gatos e donos de gatos foram sacrificados.
Com o caos instituído no reino, M’Kabay -- Gata
Selvagem -- irmã do pai de Shaka e de dois meio irmãos dele, Dingane e M’Halangana, junto com alguns comandantes militares, conspiraram e planejaram o assassinato do grande chefe Zulu.
No dia 22 de Setembro de 1828, vários conspiradores se reuniram, foram ao Kraal de Shaka, e sem que
este pudesse esboçar um gesto de defesa, lhe espetaram fundo e por diversas vezes as mortais azagaias.
Terminava assim o homem que criou a Nação
Zulu.
O reino de M’Zilikazi, dos Matebelê -- os fugitivos
-- outro potentado sangrento -- certamente mais
sangrento que o Zulu, era em tudo diferente dos
rivais. Formado por clãs fugidos aos exércitos de
Shaka, e chefiados por M’Zilikazi, um rei auto proclamado, foram para o norte, onde fundaram uma
nação poderosa e rica.
M’Zilikazi era o inverso de Shaka. O rei Zulu era
alto, forte, autoritário, dominante, soberbo. O rei
Matabelê era baixo, gordo, gentil, cordato, sorridente e convincente, jamais autoritário. Mas, no seu
movimento migratório mais para o norte, afastando-se quanto possível dos confrontos com os Zulu,
os Matebelê praticaram a política da terra arrasada.
Por onde passava a horde de M’Zilikazi, tudo o que
não pudesse ser levado ou aproveitado, era destruído: milhares de vidas humanas, aldeias inteiras, manadas completas de animais selvagens eram massacrados, plantas arrancadas e árvores queimadas.
Por dezenas de quilômetros só deixavam destruição
12 *
HISTÓRIA
e morte, restos de cinzas e cadáveres humanos e de
animais insepultos, apodrecendo ao sol africano até
que apenas restassem as ossadas.
Os massacres brutais e indiscriminados não
transformaram M’Zilikazi pessoalmente. Um jovem
clérigo Inglês, Hilary Saltwood, que foi para a Missão
em Golan, em 1829, tornou-se amigo de M’Zilikazi
Mas não se deve supor que M’Zilikazi e Shaka foram os únicos responsáveis por todas as mortes
no M’Fekane -- movimento migratório. Em muitos
casos eles simplesmente iniciavam o movimento
de pessoas, ocorrendo o extermínio final das tribos
menores a grande distância da Zululândia.
Foi a teoria do dominó. Zulus em expansão foram
para o sul e perturbaram os Kwabe, que foram mais
para o sul e afetaram os Tembu, que se moveram
para deslocar os Tuli, que usurparam terras dos
Pondu, que pressionaram os Fingo, que avançaram
contra os T’Xoza.
Nesse momento da história, os
Trekboers em busca de terras, começaram a invadir o território de
pastagens dos T’Xoza que, pressionados entre duas forças, revidaram atacando os Kraals Boers.
Os Sotho consolidaram o seu
reino nas montanhas, inicialmente conhecido como Basutolândia, e depois como Lesoto.
Os Swazi fixaram-se no reino
conhecido como Swazilândia.
Várias tribos foram para Moçambique.
Ainda hoje, o efeito do M’Fekane é um dos estopins das rivalidades tribais na África do Sul.
Era uma época de crueldade sanguinária, e não
apenas por parte dos grupos tribais.Em 1502, quando Vasco da gama foi contrariado pelas autoridades
de Calicute, massacrou quatro dezenas de inofensivos pescadores indianos que se encontravam num
barco, mandou esquartejar os cadáveres e colocar
os pedaços no barco à deriva, para que fosse dar à
costa indiana, com a recomendação de que fossem
fervidos ao molho curry.
Antes do século XVII os Holandeses da Companhia das Índias Orientais resolveram estabelecer
uma estação de reabastecimento no caminho para
a Índia, na Província do Cabo. Com a chegada de
famílias camponesas da Holanda, ali nasceu o embrião da Colônia do Cabo, e uma nova espécie de
africanos, de origem européia, os Bôers. O contato
com o nativo deu lugar ao habitual e inevitável conflito de culturas.
Em 1806 a Grã Bretanha invade a África do Sul, e
muitos Holandeses -- Bôers -- por isso e também
atraídos por melhores pastagens, migram para o norte e fundaram duas repúblicas: Orange e Transvaal.
Descobrem diamantes em 1867 e ouro em 1886.
Em 1899, fortalecidos e ainda indignados pela invasão inglesa, os Bôers iniciam a guerra Anglo-Bôer,
que a Inglaterra acabou vencendo em 1902.
Em 1910 a Inglaterra cria a União Sul Africana, incorporando as Colônias do Cabo, Natal, Transvaal e
Orange. Em 1961, através de plebiscito o país passa
de União a República, e retira-se da Comunidade
Britânica.
Número 9 - 2ª série
Depois da eleição do Partido Nacional em 1968, a
política do “apartheid” -- separação de raças, com
áreas restritas às raças não brancas (colored) -- torna-se oficial; só os brancos votavam e concorriam a
cargos políticos.
As concessões a grupos não brancos começam a
acontecer. Dada a numerosa colônia de indianos,
um conselho consultivo de indianos é formado e
parcialmente nomeado. Os japoneses, com o aumento da influência financeira e tecnológica, passam a ser considerados brancos -- not colored. Em
1969, com muita polêmica é criado um conselho
representativo dos mestiços..
Em 1959 o governo branco aprovara uma legislação especial requerendo o estabelecimento de várias nações Banto, os “Bantustões”, contra a vontade
da maioria dos líderes dos movimentos negros.
O primeiro desses bantustões foi estabelecido em
1963, o Transkey, em fase de auto determinação
econômica e política, tornando-se independente
em 1976. Em 1977 foi a vez do Bophuthazwana e do
Ciskey, em 1979 o Wenda; mas internacionalmente
nenhum desses estados foi reconhecido.
Nas décadas de 70 e 80, começaram interna e externamente violentos protestos contra a política do
apartheid. Em 1983, por plebiscito, uma nova Carta
Constitucional foi aprovada, dando o direito de voto
a mestiços e indianos. Leis proibindo o sexo e casamento inter raciais foram revogadas em 1985.
Independentemente das mudanças e concessões
políticas, continua a perseguição e violência tribal,
principalmente os grupos políticos rivais negros; a
ANC e o INTAKA. A ANC, Congresso Nacional Africano, o movimento dos Zulu, presidido por Nelson Mandela ( preso pelos brancos durante 26 anos e 6 meses,
de Agosto de 1962 a Dezembro de 1990 ) e o INTAKA,
o movimento Tchoza – sedimentado em trabalhismo.
Após as duas grandes guerras mundiais, e estando a Holanda entre os perdedores, a Inglaterra se
viu, por partilha mundial entre os vencedores, dona
da Colônia do Cabo. As novas autoridades coloniais
se revelaram contrárias aos Bõers, com as suas pretenções de abolição de escravatura e os seus princípios de igualdade perante a lei, para todos os súditos
do império, brancos ou não.
Uma migração em massa, chamada de Grande
Treck, leva os Bôers sempre mais para o norte, na
tentativa de escapar do governo da colônia, para os
territórios de Natal.
Ali, através de drásticos combates, teve lugar o
encontro dos Bôers com os Zulu.
A Zululândia não era grande, mas havia alguns
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decênios tinha se desenvolvido como estado rigidamente organizado e com forte poder militar.
Como se falou atrás, todos os habitantes do sexo
masculino eram militares, dos 14 aos 60 anos. Divididos em IMPI -- Regimentos -- diferenciados pelas
cores dos escudos, obedeciam às ordens dos INDUMA -- Generais. Usavam como arma o Assegai -lança curta de ponta comprida e cortante nos dois
gumes, como uma adaga -- própria para o combate
corpo a corpo.
As táticas, organização militar e empenho em
combate, por parte dos Zulu, que desprezavam as
próprias baixas, não davam chance aos inimigos.
Somente os Bôers, entrincheirando-se por trás dos
Laager -- cerco formado pelos seus pesados carros de
bois -- encontraram antídoto contra essa tática.
E, 1879, depois de muitos e terríveis combates, a
Zululândia estava limitada ao norte pelos Bôers do
Transvaal, e ao sul pela Colônia do Natal, sobre a
qual os ingleses tinham estendido a sua jurisdição.
Os Zulu eram avessos até a
contatos comerciais, todos os
temiam pela tenacidade e inclemência.
O Chefe Zulu Chetswayo,
sentava-se num trono que havia conquistado ao preço de
mais de 20.000 mortes entre os
defensores de outros pretendentes.
Os Zulu não faziam prisioneiros; rasgavam com as Assagai o
ventre de todos os inimigos, por temerem que os espíritos malignos se aninhassem nos corpos dos mortos.
Tinham uma máquina de guerra constante, de
40.000 homens. Por estes motivos, os Zulu constituíram uma ameaça tão notável para os ingleses,
que nunca antes no vasto império que chegaram a
dominar, e onde o “sol nunca se punha”, haviam encontrado tanta belicosidade e bravura.
Mandaram um ultimato a Chetswayo, para dissolver o exército, mas nem resposta teve.
Em 1879 um grupo de expedicionários Inglês,
transpôs a fronteira entre Natal e a Zululândia, determinada pelo Rio Bufallo.
A 1ª expedição, sob as ordens do Comandante
em Chefe Lorde Chelmford, dividiu-se em colunas,
com o objetivo de atrair a atenção de todo o exército
Zulu, e impedi-lo de efetuar o ataque a Natal. Lorde
Chelmsford entrou na Zululândia pelo Rorke’s Drift,
e com as tropas divididas teve um primeiro contato
com os Zulu, após o que, estabeleceu um campo aos
pés do Pico Isandhlwana, deixando alguma tropa
como guarda das viaturas e material pesado, saindo
em seguida em perseguição dos Zulu.
Mas o exército de Chetswayo já estava em marcha contra os ingleses também, e os braços da tenaz
Zulu se fecharam de forma inclemente sobre a tropa
inglesa, vencendo toda a resistência e deixando por
terra 1.329 mortos.
A campanha terminaria meses mais tarde, com a
vitória dos ingleses em Ulundi, centro de comando
e resistência dos Zulu, com um ataque arrasador,
em que pereceu também Chetswayo, o último grande chefe dos Zulu.
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CRÓNICA *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Adolfo Maria
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MESO MA MESO
(OLHOS NOS OLHOS)
Intelectuais: Anjos, Demónios Ou…?
A
intelectualidade de um país - pela variedade e graus de saber que possui –
tem poderosa capacidade interventora
no processo social. Daí as expectativas e o escrutínio das diversas forças sociais e políticas
sobre o seu desempenho.
Dos intelectuais, umas forças esperam que
eles sejam a vanguarda nas ideias e participem nas acções de progresso, enquanto que
os poderes instalados desejam ou exigem dos
intelectuais que sejam seus porta-vozes ou
elementos associados às suas engrenagens e
práticas.
É evidente que qualquer poder instalado
olha de soslaio para os intelectuais que procuram e defendem um pensamento próprio,
pois a lógica existente é a utilização dos saberes ao serviço da projecção do poder. Esta
é uma condicionante universal que se torna
mais poderosa em países de débil democracia e que é absoluta em regimes ditatoriais.
Os intelectuais sabem isso, como sabem que
qualquer poder usa as mais diversas formas
de aliciamento para a ele os fazer aderirem ou
os porem ao seu serviço. Por outro lado, forças sociais e políticas, as mais diversas, procuram instrumentalizar os intelectuais para o
conseguimento de vários dos seus particulares objectivos.
Podemos também verificar que, em cada
época, aparecem intelectuais como solitárias vozes de contestação que, muitas vezes
incorrendo em perigos vários, até de vida,
conseguem que a contestação se generalize,
à medida que as ideias se vão difundindo na
população. Por outro lado, muitos desses intelectuais portadores de contestação transformam-se depois em coro de louvores e
servidões a novos poderes instalados que esmagam vozes contestatárias.
Assim sucedeu em Angola. Nos primórdios
da luta pela independência - quando esta se
desenvolvia no campo das ideias e da cultura, em geral - eram muito raros os intelectuais
angolanos que tinham o arrojo de desafiar as
concepções dominantes do colonial-fascismo
português e as suas medidas repressivas. Pouco a pouco o trabalho desenvolvido por esses
intelectuais deu frutos, cresceu o número de
vozes contestatárias da ordem estabelecida
que se fundiram nas aspirações populares de
liberdade, resultando na formação de grupos
políticos que partiram para a luta contra a
dominação colonial. Fechadas as saídas políticas para a causa angolana, devido à feroz repressão da PIDE (polícia política portuguesa),
o campo nacionalista recorreu à luta armada.
Para essa necessária e extrema forma de luta
não só contribuíram intelectuais como nela
participaram generosamente.
Mas nenhum percurso histórico é linear.
Por isso, nem todos os intelectuais de convicção nacionalista, entraram nesse combate
(não deixando de ser patriotas, é minha opinião). Também, nesse combate, pudemos ver
intelectuais servidores acríticos das chefias
dos movimentos nacionalistas e intelectuais
contestatários de estratégias, práticas e métodos das chefias.
Depois, na Angola tornada independente,
muitos intelectuais (ou quase todos?...) tornaram-se activos servidores do ditatorial poder que governou Angola durante anos. Ora,
bastantes desses intelectuais tinham sido vozes contestatárias contra o regime colonial,
foram depois participantes na luta armada
(alguns deles até contestando métodos das
chefias nacionalistas). Agora, no novo estado,
nada contestavam e, pior que isso, eram cúmplices e actuantes membros de um regime que
perseguia contestatários até às últimas consequências. Por fim, alguns desses intelectuais
começaram a distanciar-se paulatinamente
da acção política e até procuraram alcandorar-se à posição de reservas morais do colectivo nacional!...
Contudo, em todo o nosso processo de luta
de libertação nacional e no pós-independência – felizmente para o País (ao fim e ao cabo,
para todos nós) - havia intelectuais que se
mantiveram contestatários, lutando pela liberdade e dignidade humanas. Essa coerência foi um contributo importante para a preservação das referências éticas necessárias à
construção de uma plena cidadania.
Evoco tudo isto apenas para nos situarmos
e, com a experiência do passado, procurarmos
entender o papel dos intelectuais, as condicionantes do seu posicionamento e o exercício da cidadania, seja qual for a individual
posição na sociedade (ou talvez por isso) no
actual momento do País, o qual exige espírito
de abertura, convivência nacional, patriotismo.
Considero que uma reflexão se impõe nestes tempos em que a tomada de consciência
dos nossos problemas é transversal a toda
a sociedade (em graus diferentes, é claro).
Sendo certo que há ainda muitas barreiras e
reflexos defensivos para um grande diálogo
nacional, também é verdade que já existem
as condições necessárias para que ele se inicie e se desenvolva. Todos - a nível das forças
do poder e das outras forças políticas, ou da
sociedade civil - sairão beneficiados com a
instauração de um vasto e profundo diálogo
nacional. E nele terão relevante papel os intelectuais, seja qual for a sua pertença política.
Perante as solicitações ou pressões contraditórias a que qualquer intelectualidade está
submetida, resta ao intelectual saber situar-se
como indivíduo e como membro da sociedade donde emergiu e à qual pertence. Em geral,
e muito particularmente no caso de Angola,
parece-me que, para o intelectual se situar,
o ponto de partida e o de chegada será o seu
questionamento sobre a cidadania. Equacionada e resolvida esta questão, o intelectual
terá bem menos «problemas de consciência»
e melhores ferramentas para enfrentar pressões, coacções e aliciamentos, dedicar-se à
sua actividade intelectual, pugnar pela liberdade de pensamento, procurar as vias de progresso do país e nele participar, e, com os seus
pares, contribuir para o avanço do pensamento humano.
Portanto, na minha opinião, o intelectual
não é anjo nem demónio (às vezes é isso tudo,
conforme a sua prática e o ponto de vista de
quem o avalia). Acima de tudo, o intelectual
é - ou devia ser - cidadão, no mais vasto e profundo significado do termo.
Homenageando
No número anterior de O CHÁ já não pôde
ser inserida a minha referência ao falecimento
de Maria do Carmo Medina e Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu). Associo-me
ao pesar colectivo e quero lembrar que Mendes de Carvalho, que foi valoroso combatente
pela independência, procurou depois pontes
e convivências políticas durante os primeiros
anos do regime implantado, o mais intolerante
período da história da Angola independente. A
minha homenagem e as condolências às famílias das duas personalidades desaparecidas.
14 *
CRÓNICA
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EU, KARIPANDE
Fernando Pereira
Saia de Sena
quem não é de Sena!
J
orge de Sena, escritor português nascido em
Lisboa em 1919 e falecido em 1978 em Santa
Bárbara, na Califórnia, é considerado um dos
mais acutilantes homens de letras portugueses, que
viveu eternamente em conflito com os poderes instalados em Portugal, e que, apesar de tudo, nunca
deixou de se fazer constante presença notada nas
suas múltiplas formas de expressão literária.
Tive o privilégio de o ter conhecido numa das suas
raras intervenções públicas em Portugal (1977), e não
me canso de dizer quanto me surpreendeu a sua forma ousada de ousar transformar os Lusíadas de Luis de
Camões num libelo anti fascista e anti colonial.
Jorge de Sena é herdeiro de gentes do Sul de Angola
como ele próprio o diz numa crónica feita para o Diário
Popular de Lisboa entre 4 e 20 de Agosto de 1972: “É certo que as Áfricas já eram e continuaram a ser uma presença viva na minha família, quando eu nasci – desde
que, há cerca de um século, minha avó materna, Isabel
dos Anjos Alves Rodrigues Teles Grilo, a “Senhora Grande” para os indígenas do Sul de Angola, a esta aportou
para lá viver décadas de orgulhosa “Professora Régia”,
que o rei D. Carlos nomeara e a República reconduziu
em pitorescas circunstâncias.
Desde a Madeira a Moçambique se espalha, como
na metrópole, a sua numerosa descendência que ela,
mais tarde aposentada em Lisboa onde morreu tão de
pé como sempre vivera, continuou a chefiar com mão
de ferro, contas correntes a partidas dobradas, e altissonantes cartas pastorais e encíclicas a que a dúzia de
filhos, as dezenas de netos, e o inefável belo homem
de barbas que o meu avô foi, todos se curvavam num
calafriado terror que era também respeito perante um
ardente coração. Alguém que pisasse o risco em dois
continentes, ou fizesse o que ela considerasse menos
digno – e lá seguia, por cópia, para todos, a carta de excomunhão, que isolava o pária, castigadoramente do
convívio da tribo matrilinear. E quem não cumprisse
o édito, levava outra. Não poderei esquecer nunca essa
mulher espantosa que foi, na sua esclarecida velhice,
a primeira pessoa a compreender e animar a minha
poesia modernista. Guardo, no meu primeiro livro de
poemas, há trinta anos publicado, o exemplar que foi
o dela.
Eu mesmo, na verdade, vim a nascer destas Áfricas
– sem elas, minha mãe, voltando dos metropolitanos
estudos para Angola, menina e moça e ruiva, não teria
conhecido a paixão romântica e brutal do capitão de
navios, jovem e de bigodes retorcidos, que foi o meu
pai. E por estas navegações que duraram a minha infância e adolescência (e evoquei num conto, “Homenagem ao Papagaio Verde”, publicado em “O Tempo
e o Modo”), a África continuou presente na minha
formação, par a par com as memórias e as idas e vindas de uma família inteira, extremamente tribal até
nas suas rivalidades e intrigas. De modo que as Áfricas
me não são, somado tudo, menos estranhas do que a
muita gente, e certamente do que aos “reinóis” (como
o Brasil dizia) que lá vão sacudir, altos funcionários, comerciantes de aventura, ou as duas coisas, a árvore das
patacas.”
Na sequência deste texto o poema de Jorge de Sena:
FOI HÁ CEM ANOS, EM ANGOLA
Minha avó subia de tipóia
de Mossâmedes para o planalto.
Dias e dias pela serra acima,
de acampamento a outro acampamento,
o esposo e os filhos dela noutras
tipóias pelos negros carregadas.
Ao lado dela, o chefe caminhava
de lança em punho. Conversavam ambos.
Uma figura estranha perpassou (quadrúpede?)
no mato poeirento e verdejante.
O que era aquilo? E o chefe respondeu
sorrindo levemente: – Aquilo é o diabo,
mas eu não tenho medo que não sou cristão – .
Enfim chegaram, professora régia
Como rainha se instalou. E o chefe,
tão agradado dela, não voltou
a comandar comboios de tipóias,
ficou vivendo co’a “senhora grande”,
Padre José da régia cardinala.
Caía a tarde um dia em rubros sóis
redondos no céu pardo. Minha avó,
sentada na varanda, conversava
com o chefe cachimbando acocorado.
Porque tão preguiçosos eram todos
os negros por ali? E o chefe disse:
- Senhora sabe que diferença que há
entre macaco e negro? Não? No tempo
em que chegou aqui primeiro branco,
macaco não falou, ficou calado.
Por isso não trabalha. Entende agora?
Sorriram-se entendidos um e outro.
Luanda, 5/8/1972
Continuando a “passagem” pelos artigos para o Diário Popular nesse longínquo Agosto de há 41 anos: “…a
Luanda, hoje muito maior, a atmosfera curiosíssima de
uma gigantesca cidade aventureira, aonde a maioria da
gente parece ter chegado ontem para enriquecer depressa, na tradição dos Brasis além defronte, do outro
lado do Atlântico. E isto, à face dos fortes e das igrejas
do século XVII (quão belas a da Sra. da Nazaré e a dos
jesuítas – e nesta última vi uma negra velha, sentada
no chão, em animada conversa particular com o Cristo
crucificado), e nas barbas consideradas respeitáveis do
Paulo Dias de Novais, do André Vidal de Negreiros e do
Salvador Correia de Sá e Benevides, que por ali andaram à ordem dos interesses brasílicos (deles mesmos
ou da Coroa portuguesa), e já me inspiraram poemas
publicados ou inéditos.
Não quero que me entendam mal. O direito à promoção social e à riqueza, considero-o inalienável e merece-me o maior respeito. E, sejamos francos, nunca
grande parte dos portugueses, em séculos de História,
nobres ou plebeus, saiu da sua mesquinharia lusitana
para ser herói ou santo, que alguns foram, mas para
encher a burra, se possível honestamente. E os outros
povos que atirem a primeira pedra, porque nunca
foram melhores. O que eu quero dizer é que se sente
em Luanda um frenesi de crescimento – subitamente
suspenso pelo problema das transferências(…), o qual
se existe também na costa oriental, não é análogo por
não ser lá um fenómeno de massas populares e da pequena burguesia metropolitana, acorridas à cavação
do Eldorado. Mas há muitas maneiras de os grandes
países se fazerem, como se diz que as há de matar pulgas. Tudo está em não confundir os seres humanos,
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
cujos direitos devem ser resguardados ou promovidos
em perfeita igualdade, com aqueles desagradáveis animais. Quanto digo é, porém, um misto de informação
e impressionismo; e não pretende ser um daqueles juízos ponderosamente definitivos que aliás, na situação
atual, tão extremamente fluida, prudente será que ninguém faça.”
Nesta sequência de crónicas iam saindo poemas
que justificavam a frase do espanhol António Machado
“Toda poesia es, en cierto modo, un palimpsesto” :
AVES NA BAÍA DE LUANDA
Cegonhas? São marinhas e se pousam
ora nas águas baixas, ou telhados
de cumeeira embranquecidas a pensamentos
de uma ave que medita intestinal
sobre as alfândegas da terra firme.
Pescoço curvo atrás de um longo bico
pairam-se lentas entre os seus dois pousos.
Água de espelho estanho sem reflexo.
Não creio que de imagens tão pernaltas
se adense por tranquila neste céu de névoas
que se concentram amarelas sobre
uma cidade agora boçalmente nova
onde não há lugar para cegonhas.
Cegonhas que não sejam – como podem
ficar nesta poeira de bancárias
e militares empresas que se espetam
em doze andares na névoa, em vez das casas
baixas e velhas, ao chão presas por
portas iguais de armazenar negócios
do patrão que por cima co’a família
tinha andar de sacadas em que recostar-se?
Cegonhas? São marinhas, e se pousam.
Luanda, 4/8/1972
Jorge de Sena utiliza no poema “Café cheio de militares em Luanda” um novo tipo de abordagem muito
comum na América onde vivia “exilado”, que é o poema-narrativo, introduzindo a figura do poeta-narrador.
Este poema releva mais de peripécia ou anedota, “the
simple and unelaborated narration of a single incidente” (Abrams, A Glossary 172), ou, se se quiser, do conto
anedótico, de feição satírica ou faceciosa, que Jorge de
Sena usa abundantemente, sendo que a sátira é uma
das mais notáveis veias da sua poesia.
CAFÉ CHEIO DE MILITARES EM LUANDA
O jovem Don Juan de braço ao peito
(por um dedo entrapado)
debruça as barbas para a mesa ao lado
numa insistência pública de macho
que teima em conversar a rapariga
(no dedo aliança, azul em torno dos olhos)
a escrever cartas e a enxotá-lo em fúria.
Um outro chega e senta-se de longe.
Cara rapada, pêlo curto, ombros erguidos,
é dos que o queixo pousam sobre as mãos,
e de entre o fumo lento do cigarro,
dardejam olhar fito para a presa
- é dele, é dele, os olhos dizem tesos.
Numa outra mesa, três outras fardas miram
de esguelha, enquanto falam vagamente atentos,
e os olhos ínvios de soslaio despem
a pouca roupa da que escreve à mesa.
Feito já seu papel para que conste,
oh ares de cavalão… outras à espera…
o Don Juan comenta pró criado a vítima,
saída num repente. Riem-se ambos.
Quando ela se ia embora, dois empatas
entraram e sentaram-se na mesa
do que ficara olhando o espaço aberto
pela partida dela. Conversam que ele não ouve.
Gingando a barba mais o braço ao peito,
vai-se o vencido (pagará uma puta,
para amanhã contar como dormiu com esta).
Os outros três, mais tarde, em casa, na retrete,
vão masturbar-se a pensar nela (e voltarão
amanhã ao café para contarem
de uma grande conquista que fizeram todos).
E aquele que – quem sabe – era a quem ela
acaso se daria (ou será que ele
é dos que só penetra com o olhar suspenso?)
foi quem não teve nada. Olhou demais,
e não saiu a tempo de escapar
à companhia idiota dos seus dois amigos.
Luanda, 4/8/1972
“Em Angola passei alguns dias de incógnito repouso
e calmo turismo solitário por Luanda e um pouco dos
arredores, e só no último dia encontrei um agradável
convívio e tive oportunidade de, trocar as queixas que
a portugalhada (ou sejam os filhos de uma cultura madrasta) sempre troca, quando se encontra nas voltas
do mundo. As ruas, os velhos monumentos, o museu
dito de Angola (notáveis algumas peças antigas ou
gentílicas, e excelente a coleção de pintura moderna)
preencheram em maior exclusividade o nosso tempo
que sempre acabava nos cafés da Arcada, a observar
os manejos da juventude ociosa. Claro que apresentei
os meus cumprimentos a Paulo Dias de Novais, André
Vidal de Negreiros, etc., ou àquele Álvaro de Carvalho
Matozo, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, que,
no ano de 1787, fundou, numa colina discretamente
dominando a beleza de baías e de ilhas ao sul de Luanda, uma capela que a gente desconfia que lhe servia
de capa para traficâncias impróprias, senão da Ordem
que tinha nisso antecedentes gloriosamente henriquinos qual Zurara descreve com humanística piedade,
pelo menos indignas daqueles tempos esclarecidos.
Tudo isto próceres felizmente falecidos há séculos”
CRÓNICA *
15
SENHORA DA NAZARÉ EM LUANDA
Em 1664, o governador destes reinos, André Vidal de
Negreiros (que nome, ao fim de dois séculos do negócio
em vão visível no seu escudo de armas) fundou esta capela. Os azulejos representam a patada de D. Fuasà beira do penhasco a que o demónio pensava que o levava
pra o deitar ao mar.
Ou do cavalo que estacou de espanto e não se sabe se
de susto ao ver o cervo a despenhar-se das alturas, se porque viu suspenso de entre as nuvens o virginal clarão da
mãe por obra e graça do Santo Sprito em Roma agora
banco. Era devoto dela André Vidal, embora este outro
nome cheire a esturro ardido noutros lumes. Branca e de
arcos, pousou-a aqui à beira da Baía.
Luanda, 5/8/1972
“A diáspora lusitana já deixa na sombra a do povo
judaico, de que tanto sangue nos corre nas veias de vagamundos. Daquele número me excluo: primeiro, porque não sou ilustre nem anónimo; e, segundo, porque,
como o grande poeta latino, prefiro pensar que “non
possidebis ossa mea” que o mesmo é dizer: não roereis
os meus ossos, depois de tanto me haverdes esfolado
para várias obras literárias e não literárias. A minha pátria são a literatura portuguesa e as culturas de língua
portuguesa, seja onde e como forem. Quanto ao mais,
eu não me quero dessa aldeia entalada entre o Terreiro
do Paço e o Bairro Alto,…”
Falar da passagem de Jorge de Sena por Angola mereceria muito mais que um pequeno artigo, pois estamos perante uma das maiores referências da literatura
contemporânea que se exprime em português. O último desses seus poemas escritos nesse distante Agosto é
sobre a Igreja dos Jesuítas, hoje Sé Patriarcal de Luanda.
NA IGREJA DOS JESUÍTAS EM LUANDA
Conversa a negra no recanto em sombra da
igreja tão de limpa restaurada.
No chão sentada e velha, se abre os braços em
frases de silêncio para o Cristo que pende morto
acima dela, imóvel e silencioso. Que dirão os dois?
Qual a confusa indecisão que passa angustia intimidade de sem línguas nessa cabeça antiga de outra
raça e sobretudo de outros deuses que falavam por sinais mas claras frases como as sibilas feiticeiros sabem?
Na solidão vazia de seu espaço em que de brancos Roma escureceu a luz embranquecida de cacimbo e ardor de longos rios, praias sinuosas, e de
planaltos as ravinas duras, que deus pode inventar-se que não seja dor de miséria de não ser-se, de
não ter de país a filhos a linguagem livre?
Que liberdade pede? Que morrer deseja?
Será que em frente do altar-mór não tremem
dentro da simples laje os ossos de um Paulo Dias
de Novais? Que de imbondeiros os frutos como ratos suspendidos ainda lhe roem um tutano seco no
fogo de queimadas e de incêndios em que de povos
só as cinzas ficam?
Porto, 24/8/1972
Só me apetece mesmo dizer alto e bom som:
SAIA DE SENA QUEM NÃO É DE SENA.
8/12/2013
16 *
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
UM LUGAR DE REFERÊNCIA NA BAIXA LUANDENSE
O conceito cai como uma luva a este espaço que se notabiliza, sobretudo pela sua localização.
O Espaço Verde Caxinde foi transformado num local moderno e aprazível, onde se poderá
aliar uma boa refeição a instantes de puro ócio, tendo como companhia a boa música,
criteriosamente seleccionada para cada ocasião.
oje, este espaço que se transH
formou numa ampla sala valorizada pelo estudo aprofundado das
suas reais potencialidades, está
preparado para servir vários
estratos da sociedade luandense
bem assim os visitantes da nossa
capital, oferecendo-lhes desde o
mais sofisticado cocktail ao
refinado jantar temático abrilhantado com espectáculo musical.
Um considerável número de
receitas consta do seu cardápio
que valoriza a comida tradicional
angolana, numa aposta de
tratamento qualificado e digno da
gastronomia nacional, e também o
melhor da cozinha internacional.
Uma interessante garrafeira e
pequenas boutiques completam o
quadro que se harmoniza numa
simbiose perfeita entre a qualidade e a beleza.
Os preços, garantem-nos, são
também interessantes a beneficiar
a bolsa da clientela.
É também um espaço de imensa
actividade cultural, onde se
organizam eventos como: conferências, lançamento de livros e
debates sobre os mais variados
temas (música, literatura, filosofia,
religião, teatro e cinema).
Número 9 - 2ª série
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CRÓNICA *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
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ESCRITURALIDADES
“Para que o mal triunfe,
basta que os bons não façam nada” 1
Considerações em torno do Holocausto (Shoah) e da condição humana
1
José Carlos Venâncio
Expressão de Denis Avey (2013)
[email protected]
N
os últimos tempos, vários têm sido os títulos
surgidos no mercado livreiro português sobre
a 2ª Guerra Mundial, mormente sobre a Shoah
(Holocausto em hebraico). A maioria deles são traduções de outras línguas, com clara preponderância da
língua inglesa, o que indicia que o hipotético interesse, por parte dos leitores, por tais temáticas é também
do mercado livreiro europeu. Várias são as explicações
que, a propósito, poderão ser aventadas. Os tempos
difíceis por que a Europa passa devido, por um lado, à
crise do Euro (vivida com maior acuidade nos países do
Sul) e, por outro, ao impasse, enquanto projecto político, em que a União Europeia parece estar mergulhada,
são possíveis explicações. Quando me refiro ao impasse do projecto político em questão, tenho em conta ,
por um lado, o protagonismo (eventualmente não desejado) que a Alemanha, face à crise, assumiu, desmerecendo as instituições e mecanismos democráticos
da União e, por outro, os fantasmas e os medos que tal
protagonismo suscita nos cidadãos europeus. No que
se refere a Portugal, tecem-se, a soldo desse medo, as
mais díspares insinuações sobre a hegemonia alemã e
sobre a incompreensão e as exigências dos seus governantes (mormente da chancelarina Merkel) em relação
às dívidas públicas dos países integrantes da moeda
única com economias mais frágeis.
Evidentemente que a Alemanha unificada, por razões que estarão mais plasmadas na obra de Max Weber do que na de Karl Marx, foi, de meados do século
XIX (com a Guerra Franco-Prussiana) até ao fim da 2ª
Guerra Mundial, em 1945, um factor de desequilíbrio
político na Europa e no mundo. Esteve, por disputa de
hegemonias e mercados, no centro das duas guerras
mundiais. Não me parece, contudo, ser actualmente o
caso. A conjuntura mundial é outra e a Alemanha, mormente o seu sector financeiro, que tão diabolizado tem
sido, acaba por estar, também ele, refém das dinâmicas
mundiais, da vigência de um paradigma neo-liberal
que, se por um lado, é criticável, não nos esqueçamos,
por outro lado, que, por ironia do destino ou não, tem
sido ao abrigo do mesmo que a velha dicotomia entre
países ricos, do Norte, e países pobres, do Sul, se tem (ligeiramente) esbatido com a emergência de economias
até há pouco tempo estigmatizadas como economias
subdesenvolvidas.
Estas considerações vêm a propósito da leitura de algumas obras referentes ao holocausto, mormente do
livro A última testemunha de Auschwitz , de Denis Avey,
com o apoio do jornalista da BBC Rob Broomby. Tra-
ta-se de um livro de teor autobiográfico, escrito muitos
anos após a vivência dos acontecimentos nele relatados. Tudo se inicia com o alistamento voluntário do autor, pela aventura que esse acto, o da participação na 2ª
Guerra Mundial, poderia representar. É enviado para o
Norte de África, mais propriamente para o Egipto, onde
reforça o contingente militar britânico na luta que, então, travava contra as tropas de Mussolini em Cirinaica
(parte oriental da actual Líbia). Num primeiro momento, a disputa parecia tender favoravelmente para os britânicos, o que se altera com a chegada do contingente
alemão, o famoso Afrika Korps, comandado pelo não
menos famoso marechal Erwin Rommel, a Raposa do
Deserto. Acaba como prisioneiro dos alemães em condições humanas de modo algum comparáveis às que
irá experienciar em Auschwitz, o que vem corroborar
a imagem de Rommel, que, sendo de uma grande eficácia militar, é também de alguém que não perdeu a
sua humanidade. Aliás, associado, no fim da guerra, ao
atentado contra Hitler liderado pelo Conde de Stauffenberg, terá sido levado a suicidar-se pelos nazis com o
compromisso de nada acontecer à sua família.
Do Norte de África, Denis Avey é enviado para a Itália
num cargueiro que é torpedeado por um submarino
aliado e que se afunda. Consegue salvar-se, indo dar à
costa grega. Em terra, no caminho para norte, em direcção à Inglaterra, é preso e “levado para um campo apinhado de prisioneiros aliados” (p.118), donde é levado
para a Itália, para um campo de prisioneiros do qual
consegue fugir. Não vai longe. É apanhado e enviado,
de comboio, para Oswiecim, o nome polaco para Auschwitz. Fica alojado no campo destinado a prisioneiros
de guerra, com condições não tão más como as dos
campos de Auschwitz 1 e de Auschwitz-Birkenau, destinados aos judeus, aos “listinhas”, como são designados
no livro. Trabalham, contudo, todos juntos na construção de uma fábrica da empresa IG Farben, então um
dos expoentes máximos da indústria química alemã
que, depois da guerra, é, devido à associação com o regime nazi, desmantelada e dividida em três empresas:
a da Hoechst, a da Bayer e a da BASF, empresa esta que,
por sua vez, estivera na origem da IG Farben.
Os relatos que faz das atrocidades cometidas aos judeus, não trazendo nada de novo em relação aos inúmeros relatos que, desde o fim da guerra, foram produzidos, não deixam de ser confrangedores. Conhece, no
local de trabalho, um judeu holandês, Hans, cuja irmã
conseguira fugir para a Grã-Bretanha e que vivia em
Birmingham. Troca duas vezes com Hans a roupa e o
campo de concentração por uma noite e pede, numa
das cartas que, através da Cruz Vermelha, troca com a
mãe, que esta procure entrar em contacto com a irmã
de Hans para lhe dar notícias dele. O que, na verdade,
acaba por acontecer. Finda a guerra e depois de muito
tempo, após ter-se curado do stress de guerra (doença
então ainda não identificada), procura, com a ajuda
do jornalista que o apoiou na escrita do livro, a irmã de
Hans e consegue saber que este sobrevivera à guerra e
que emigrara para os Estados Unidos, mas que infelizmente, nessa altura, já havia falecido.
Este e outros relatos, em que se descreve a crueza e a
maldade que os homens supostamente racionais e
cultos são levados a cometer, levam-nos a pensar e a
repensar a condição humana, a suposta superioridade da civilização ocidental e o papel que a educação, a
chamada alta cultura, durante muito tempo tida como
apanágio desta civilização, desempenhou, e desempenha, na moldagem do ser humano. Os que protagonizaram o Holocausto não eram, na verdade, incultos.
Era gente saída de boas universidades que, por incorporação das ideias racistas e racialistas, por défice de
ética, subverteram o que de bom essas universidades
supostamente lhes haviam ensinado. Mais intrigante
ainda é pensar que grandes nomes das Ciências Sociais e Humanas da Alemanha apoiaram, pelo menos
a dado momento, o regime hitleriano. Como diz, e
bem, Esther Mucznik (2012), a “sofisticação, o requinte
e a eficácia da máquina de morte nazi (…) nunca seriam possíveis numa sociedade atrasada sem os meios
científicos e tecnológicos capazes de atingir tal ‘perfeição’ do mal” (p. 216). Esta constatação é, no mínimo,
intrigante. Como é possível que homens cultos (e também não cultos, claro!) tivessem sido capazes de tamanha crueldade, exercitando-a ao ponto de negarem a
sua própria humanidade? É uma pergunta que este e
muitos outros livros, as inúmeras explicações teóricas
produzidas a propósito, devidas algumas a pensadores da têmpera de Hannah Arendt, continuam a não
dar a devida resposta. É uma pergunta que fica no ar,
para utilizar palavras de um verso do poema de Luandino Vieira, “Canção para Luanda”, escrito, também ele,
num campo de concentração.
Referências bibliográficas:
AVEY, Denis, 2013 [2011], A última testemunha de Auschwitz,
Lisboa: Clube do Autor
MUCZNIK, Esther, 2012, Portugueses no Holocausto, Lisboa:
A Esfera dos Livros
18 *
HISTÓRIA
Número 9 - 2ª série
O que Uanhenga Xitu falou
E
u sou, na minha terra, um
“mais velho”, pessoa a quem a
idade permite, independentemente o saber das escolas, conhecer
a vida por a ter vivido, e conhecer a
vida por ter escutado de outros mais
velhos o relato das suas experiências.
Cada um de nós, “os mais velhos”
que na nossa terra existem, resume
em si a memória de centenas de
anos. Cada dia mais rica, porque vivemos hoje mais tempo do que viviam os nossos avós. Cada dia mais
rica, porque vivemos tempos mais
movimentados e de maior experiência. Cada dia mais rica, porque temos ao nosso dispôr as técnicas que
nos enriquecem com a experiência
sem fronteiras de outros povos.
Cada um de nós, os “mais velhos”
que na nossa terra existem, vão vendo definhar a importância da sua
experiência. Se somos mais ricos,
estam os cada dia mais pobres, porque a juventude não aprende já pela
nossa boca.
Se ficámos mais ricos, estamos
cada vez mais pobres, porque a juventude de tanto outro saber que
parece acumular, tem com o velho
que fala o ar condescendente de
quem ouve inutilidades, de quem
não precisa, de quem já sabe para lá
do que lhe dizemos.
Os “mais velhos” da nossa terra,
vão morrendo na importância. À
medida que nos urbanizamos, que
a memória dos avós vai perdendo
o interesse para os mais novos, que
a juventude deixa as nossas tradições para se apropriar da moda do
seu tempo e que não deixa de ser, de
certo modo, a tradição de outros povos. Não como a nossa, que era uma
tradiçâo para passar de pais para
filhos, sem custos nem interesses.
Mas com as regras que o mercado
impõe neste comércio de aliciamento em que a juventude se afoga.
Perguntem a um dos vossos jovens o que foi o vinte e cinco de
Abril; o que terão sido os “turras”;
contem-lhe dos sofrimentos da
guerra, dos outros tempos de medo
e desconfiança e eles não entenderão, porque acham estas histórias
sem piada, sem interesse e até são
capazes de pensar que nunca aconteceram. E escrevem-na com É e
sem Agá.
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Porque me disseram que agora
quando a história é história aconteci da leva Agá, quando é assim só
coisa de invenção escreve-se com É.
Quando eu era menino e aprendi a
ler e a escrever, as história tinham
sempre Agá. Fossem elas história
verdadeiras ou inventadas ... Já me
tentaram explicar porque é que
a história pode ter ou não Agá. O
Luandino Vieira bem me explicou,
e eu não aprendi. Veio este e aquele
- explicaram-me e eu continuei na
mesma, sem aprender. Porque, ou é
essa coisa que vocês dizem aqui em
Portugal que burro velho não aprende línguas, ou é mesmo que todas as
minhas estórias se escrevem com
Agá.
Porque, verdadeiramente, eu só
escrevo histórias com Agá. Quando
eu estava lá nas minhas cadeias, naquelas noites e dias que pareciam
ter comprimento de anos, eu começava a pensar nos tempos da minha
terra. Naquilo que eu tinha vivido
e naquilo que eu tinha escutado da
boca dos meus “mais velhos”. Às
vezes, conversando com os meus
companheiros, contava as minhas
histórias. Todas verdadeiras e com
Agá, mas acrescentadas de uma
coisinha aqui, acrescentadas de
qualquer facto que tinha acontecido noutra história, misturadas com
esta ou aquela figura que não vivera
nela, mais valia a pena recuperar.
Assim, eu contava aos meus colegas de cativeiro, porque contar aos
outros é um dever que a tradição
obriga a qualquer”mais velho”. Mas
contar aos outros dentro de uma
prisão limita: uns ficam fartos de
ouvir, outros estão mal dispostos e
não nos querem escutar, nós mesmos, muitas vezes, nos sentimos
sem apetite para falar, muito embora as histórias circulem dentro da
nossa cabeça no fogo sempre aceso
da memória. Há alturas em que o
desespero da solidão é tão grande
que só nos apetece estar sós: a palavra dos outros, o barulho dos outros, o próprio interesse dos outros,
a solidariedade de cada um é como
se fosse u~a afronta ao peso da nossa vida.
Foi então que resolvi, animado
por alguns dos meus companheiros, escrever. Escrever é de certo
modo uma forma de estar só comigo mesmo. Quando o desespero
te aperta, foge dos outros e escreve para todos. Foi assim, que do
Mendes de Carvalho que eu sou,
nasceu o escritor Uanhenga Xitu
que vos fala agora. É por isso que
eu vos digo e afirmo que todas as
minhas histórias se escreveram
todas com Agá.
É possível que haja escritores
que arranquem tudo da imaginação. São como Deus que do nada
fez tudo quanto existe. Eu não sei
escrever assim. Sou como o homem da terra que trabal as reita
o fruto velho para fazer crescer a
sementeira nova.
As has hi órías ê a vida verdadeira
daquilo que aconteceu. Eu sou, minhas senhoras e meus senhores,
um contador de histórias utilizando uma técnica nova - a escrita da
a1avra. Eu sou um “mais velho” que
sabe coisas e as transmite.
Reconhecendo que o que se ganha em memória, se perde em naturalidade.
Falta a palavra inventada no momento, quando se usa a palavra
pensada.
Falta o gesto, o das mãos e o dos
olhos. Porque os olhos também fazem gestos, quando se abrem ou
fecham, quando as sobrancelhas se
unem, quando a testa enruga ou a
tristeza os faz lagrimar.
Falta a entoação da voz, a imitação dos animais e das pessoas, a
suspensão da narrativa quando se
quer alimentar o interesse de ouvir.
Falta o canto que por vezes aparece, falta a pergunta que eu posso também fazer quando escrevo,
mas que não tem para me animar,
os olhos dos ouvintes que me ouvem, me respondem, ou não me
dizem nada e me aguardam.
Falta, enfim, contar à boa maneira africana, com o adorno de
tudo quanto atrás ficou dito e o
calor e o sentimento e o interesse
de uma comunidade inteira.
Falta, minhas senhoras e meus
senhores, contar (tal como escrevo) a minha história com Agá para
que cada um a oiça e nela se reconheça, para que cada um a escute
e nela ganhe e encontre o desejo
de a contar um dia quando a idade
se adiantar, os cabelos se embranquecerem e o coração vier impor
o dever de contar aos ais novos
os passos passados de uma outra
vida.
Uanhenga Xitu
Depoimento do escritor ao JL - Jornal
de Letras Artes e Ideias em Lisboa
aos12 de Agosto de 1998, sob o título:
Histórias de mais velho.
Número 9 - 2ª série
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CHAZADAS :: 25 ANOS *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
19
CHAZADAS DE CULTURA
Bodas de Prata da Chá de Caxinde
A
Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde
comemorou, a 28 de Janeiro, um quarto de século de existência, sob o lema: UNIR PELA CULTURA.
BADO NO CHÁ, a realizar no dia 19 do corrente, pelo contributo prestado à
cultura nacional e pela postura assumida na defesa de nacionalistas angolanos, designadamente no que ficou conhecido como o “Processo 50”.
Para além da homenagem a prestar na actividade, o Presidente da Associação sugeriu aos restantes membros do Conselho Directivo a apresentação à Assembleia Geral próxima duma proposta para a atribuição à Dra.
Maria do Carmo Medina da categoria de Membro honorário da Associação
Cultural e Recreativa CHA DE CAXINDE.
A proposta foi aceite por unanimidade.
E não havendo mais assuntos a tratar, foi dada por finda a reunião. »
Lançamento do Livro “A Lagoa Misteriosa”
A
Os festejos tiveram início a 25 de Janeiro por coincidir com mais um aniversário da cidade de Luanda, data em que se realizaram 3 homenagens: uma
romagem ao Memorial do 1º Presidente de Angola, o poeta maior Dr. António Agostinho Neto, uma segunda ao túmulo do poeta e patriota António
Jacinto, no cemitério do Alto das Cruzes, bem como aos sócios sepultados
naquele campo santo e, finalmente, a apresentação da nova lápide tumular
de outro lutador pela independência nacional, o poeta Viriato da Cruz.
À noite teve lugar o Jantar das Bodas de Prata para sócios, patrocinadores
e convidados, com um programa cultural animado pelos cantores Nelo de
Carvalho e Tony Jackson e o saxofonista Nanuto.
A jurista Maria do Carmo Medina recordada
P
or ocasião da morte da Dra. Maria do Carmo Medina, damos à estampa a acta que regista a atribuição, em Assembleia Geral, à jurista, a categoria de
Membro Honorário da Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde.
« AC
ACTA N° 4/2011
A
Aos 17 dias do mês de Março
de 2
2011, nesta cidade de Luanda e nas instalações
da sua sede social a Avenida do 1º Congresso do
MP
MPLA, Nos 19/24, reuniu-se o Conselho Directivo da Associação Cultural e Recreativa CHÁ DE
CA
CAXINDE, nos termos do que estabelece o nº1, do
ar
arto 35º dos seus estatutos, tendo comparecido todo
dos os seus membros, para analisarem a seguinte
O
ORDEM DE TRABALHOS:
Ponto único - Proposta para a concessão da
ccategoria de membro honorário da Associação à
D
Dra. Maria do Carmo Medina
A reunião decorreu como se relata:
O Presidente da Associação explicou os motivos da presente reunião que se consubstanciam
na intenção d
da Associação Cultural e Recreativa CHÁ DE CAXINDE, homenagear a Dra. Maria Carmo Medina, na próxima FUNJADA DE SÁ-
28 de Janeiro teve lugar no
Instituto Camões o lançamento do livro “A Lagoa Misteriosa”, da Dra. Celestina Fernandes, obra vencedora ex-aequo do
Concurso Caxinde do Conto Infantil, inspirada na cidade marroquina de Marraquexe, cuja beleza singular encanta quem por
lá passa e num mito que gira em
torno de uma lagoa angolana.
A ocasião foi aproveitada para aquele Instituto prestar homenagem à
Associação Chá de Caxinde pelas suas bodas de prata, tendo sido entregue ao seu Presidente, Jacques dos Santos, uma peça artística, encimada pelos logotipos das 2 instituições, onde se pode ler: “O Instituto Camões felicita o Chá de Caxinde pelos 25 anos a UNIR PELA CULTURA”.
Lançamento do Livro “Kalucinga”
E
m homenagem aos 25 anos da
Chá de Caxinde procedeu-se,
a 30 de Janeiro, ao Lançamento da
obra “Kalucinga”, da Dra. Alexandra
de Victória Pereira Simeão.
A autora é licenciada em Estudos
Artísticos (Literatura e Arte), com
um Minor em História Geral, desempenhou as funções de Vice-Ministra
da Educação para a Acção Social no
Governo de Unidade e Reconciliação Nacional e é comentarista e analista política e social no painel da LAC,
Luanda Antena Comercial, “Elas e o Mundo”.
A apresentação da obra esteve a cargo do jornalista Reginaldo Silva e as
receitas da autora da presente edição revertem a favor de Campanhas de
Educação sobre a Anemia Falciforme.
Lançamento do Livro
“A minha visão - Factos, ideias e opiniões”
O
s problemas da coabitação entre os homens
numa cidade em constante
mudança, como Luanda,
são o cerne do mais recente livro de José Guerreiro,
“A minha visão – Factos,
ideias e opiniões”, apresentado a 13 de Fevereiro, no
Espaço Verde Caxinde.
20 *
CHAZADAS / CRÓNICA
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Para o escritor Luís Fernando, que apresentou a obra, “A Minha Visão”,
de José Guerreiro, representa a reunião de um “espólio” valioso de textos,
escritos ao longo dos anos, sobre o desenvolvimento da capital angolana
e as peripécias dos seus habitantes para tentarem sobreviver.
Funjada de Sábado no Chá
N
o intuito de realizar mais um convívio entre sócios, familiares e
amigos, a Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde realizou,
no dia 22 de Fevereiro, a habitual Funjada de Sábado no Chá, desta feita
para homenagear o seu Grupo Carnavalesco “Os Unidos do Caxinde”.
A festa que contou com a participação especial do Agrupamento “Aché
Cuba” e o cantor Diabik, antigo comandante do grupo carnavalesco, tendo no final sido atribuídos diplomas de mérito aos integrantes mais antigos e assíduos.
Quartas de Cinema
D
epois de algum tempo de interregno, em razão das obras a que esteve sujeita a sala, regressou ao Nacional
Cine Teatro, no dia a2 de Março, a actividade Quartas de Cinema, em parceria com a Alliance Française.
Teve início o Ciclo 1, sobre o tema:
Rumos Africanos, com a apresentação
do documentário “Tango Negro, as
raízes africanas do Tango”.
O tango foi inventado nos meados
do século XIX por ex-escravos negros
que ficaram esquecidos pela história
nacional. O tango foi no princípio
uma música de rua, popular e festiva.
O documentário foi apresentado
pelo realizador Dom Pedro, seguindo-se um cocktail de lançamento.
“Jazz Mulher”, no Chá de Caxinde
I
nserido na iniciativa anual “Jazz Mulher”, de Jerónimo Belo, que celebra
este ano a 6ª edição, realizaram-se 2 concertos, a 14 e 15 de Março, da
“Diva” do Jazz afro-americano Dee Alexander, uma das mais talentosas e
respeitadas cantoras de Chicago.
Com a lotação praticamente esgotada os concertos de Dee Alexander,
em parceria com a Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde,
constituíram momentos significativos na vida cultural da cidade.
“Hoje o Jazz vocal é maioritariamente cantado no feminino” razão pela
qual o projecto “Jazz Mulher” é um tributo à presença feminina no Jazz,
disse o responsável pela iniciativa, o crítico de Jazz, Jerónimo Belo.
A graduação
dos mundos
Joana Ramiro
E
m 1997, quando visitou pela
primeira vez Angola, o que muito chocou a minha mãe foi o
constante assédio por parte de crianças e adultos pedindo “uma ajuda”.
Sentiu-se incomodada com a discrepância entre os vários mundos. Entre
o dela, o da burguesia Lisboeta, e o de
Luanda dos anos noventa; mas também entre os vários mundos Angolanos, dos que se podem dar ao luxo de
não mendigar e o de todos os outros.
Compreenda-se que a minha mãe
não estava habituada a sair do que a elite neoliberal ocidental denomina por
Mundo Desenvolvido. Paris e Berlim,
onde a pobreza é colmatada em parte
pelo estado social universal e, além disso, desinfectada e escondida para que
não se estrague a experiência do turista,
eram-lhe familiares. A Luanda, não dos
postais ou dos filmes publicitários coloniais, mas do mercado de Benfica e das
ruas empoeiradas da Cidade do Asfalto,
a Luanda dos meninos de rua de pernitas bambas e dos polícias que pedem
um cigarro e uns dólares, era-lhe hostil.
No Primeiro Mundo não havia bananapão, mas também não havia o relembrar incessante de que as nossas vidas,
em comparação, são mesquinhas na
sua abundancia.
Passaram-se mais de quinze anos
desde que a minha mãe foi a Angola.
Na realidade, pós-crash de 2008, Luanda não é só uma cidade da África subsariana, é um centro financeiro onde o
capital internacional se encontra activo. A economia angolana ascende a um
ritmo tão acelerante quanto as alterações paisagísticas da cidade de Luanda.
A Marginal têm um quê de Calçadão.
O Kinaxixi não existe mais. Há mais
membros da classe média e alguns
menos “ajudantes” no Aeroporto 4 de
Fevereiro. E no entanto, duvido que a
muitos portugueses, habitantes desse
dito Mundo Desenvolvido, a Luanda
de hoje não seja tão alienante como foi
para a minha mãe em 1997.
Não que a realidade angolana seja,
se bem que segundo a UNICEF, mais
de 50% da população viva abaixo do
índice de pobreza (afinal de contas, a
Luanda do Chill Out é também ainda a
Luanda dos musseques), radicalmente
diferente de muitos países do Mundo
Desenvolvido. A grande hipocrisia internacional, principalmente portuguesa, está exactamente na exaltação dos
desenvolvimentos, quase unicamente
cosméticos, que o governo em Luanda
implementou em prol dos angolanos,
sem olhar para a deterioração dos direitos dos seus próprios habitantes. Em
Portugal passa-se fome nas escolas e
vive-se ao relento nas zonas mais caras
de Lisboa. Em Portugal desmantela-se
o estado social e silenciam-se as críticas
às políticas de austeridade implantadas
pela Troika com o conluio dos governos, primeiro de Sócrates e depois de
Passos Coelho.
Assim sendo, não será pertinente
perguntar onde acaba esse Mundo
Desenvolvido e onde começa o Subdesenvolvido? Quem tem legitimidade
para graduar Angola e quem tem o poder de recategorizar Portugal? Quem
estabelece os parâmetros sob os quais
se qualificam a desenvoltura de um
país, que claramente ignoram a fome,
a miséria, e, acima de tudo, a enorme
desigualdade entre aqueles que se
banqueteiam e os que não têm nada
para comer? Indignam-se muitos das
disparidades socioeconómicas em
Angola, mas em Portugal, tal como em
Espanha, na França, até na Inglaterra
e nos Estados Unidos, depende-se de
bancos alimentares, de dois ou três
empregos e até da esmola alheia, sem
que isso choque muita gente.
Não sendo socióloga, não posso
deixar de me perguntar se esta sensibilidade social algo esquizofrénica
não será em muito permutada por
um sentimento pós-colonial. Como
se, para os que têm o privilégio de rotular os mundos, se considere que na
Europa ser-se pobre é excepcional,
mas nos países africanos faz parte
e é defeito de fabrico. Estas graduações dos mundos vêm dos cantos
mais negros da ideologia neoliberal e
estão prenhes de racismo e preconceito contra tudo aquilo que não for
ocidental ou Europeu. Para mim, enquanto houver desemprego em massa, gente a morrer de fome e silenciamento político, estamos todos muito
bem mas é no submundo.
Número 9 - 2ª série
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FOLHETIM *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
21
Memorias policiais do reporter Zimbro por AUGUSTO BASTOS
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“O representante da autoridade
coçou a cabeça, embaraçado e triste.
Com efeito.
O que o acusado alegava em sua
defeza constituia uma pura verdade;
isto é: no exame a que se procedeu
ao fato com que se mascarára, e ao
seu corpo, nada se encontrou que
indicasse que fôra ele o autor do duplo crime.
Mas então, se não fôra ele, quem
fôra?
Formidavel ponto de interrogação se apresentava ao espirito de
todos.
E a convicção, com o correr dos
dias e mantendo se de pé e inalteravies as provas que contra o acusado
se acumulavam e erguiam, não se
tendo ainda feito a luz sobre o caso,
de modo a poder ser arredada do
terrivel feito a pessoa de João de Lemos, começava a perder consistencia e terreno no espirito de alguns
que menos conheciam o caracter
do indigitado autor do crime, e até
então o consideravam inocente. Se
não conscientemente, pelo menos
juridicamente, ele – o Lemos – era
o criminoso que as justiças tinham
de empolgar e julgar, enquanto não
fosse apresentado outro.
1
CAPITULO V
O reporter Zimbro
Surgiu ostensivamente, nesta altura, no tablado em que se desenrolavam rapidamente os acontecimentos que estamos narrando,
tendo recorrido especialmente a ele
o parente do desventurado Jacinto
da Cunha e o Comendador Lagos, a
figura insinuante e simpatica, já conhecida na sociedade benguelense,
do reporter Zimbro, que, a pedido
daquelas duas pessoas, prometeu
encarregar-se do caso e dedicar lhe
a sua atenção e aptidões policiaes,
de que era dotado e de que em Lisboa já dêra exuberantes provas revelando-se um autentico e excepcional detective.
Surgiu ostensivamente – acabámos de dizer – nesta altura, porque
discreta e espontaneamente já o reporter Zimbro, desde a noute do assassinato do brazileiro, se interessára
pelo extraordinario caso, ficando a
velar, com outras pessoas, na camara
ardente improvisada, nessa noute.
Como enviado do grande jornal de
Lisboa, trouxêra o reporter Zimbro
importantes cartas de apresentação.
Repare-se em mais este erro ortográfico, hoje tão comum.
Em poucos mezes, relacionou se
com as autoridades e com as principaes figuras da sociedade de Benguela, o que lhe facultava obter
daquelas, sempre que lhe era necessario, as concessões convenientes,
para seguir qualquer pista tendente
a conduzi-lo á1 descoberta de algum
crime e do seu autor, como por mais
de uma vez sucedeu.
Nessa noute, em que velava na
camara ardente, tendo sabido que
Jacinto da Cunha declarára, apontando com a mão esquerda para o
seu leito, que o homem da mascara
azul, que estivêra no baile do Comendador Lagos, é que o ferira mortalmente, roubando-lhe primeiro as
moedas de ouro, pediu o reporter
Zimbro á autoridade, no acto de se
levantar o auto de noticia e de se
proceder ao exame do leito designado por Jacinto da Cunha, que lhe
permitisse que ele procedesse a um
exame particular ao mesmo leito e
ao cadaver, o que lhe foi permitido.
Procedeu-se, pois, aos exames
oficial e particular, a que nos referimos, tendo se constatado que a roupa da cama do brasileiro fôra revolvida e que o colchão de baixo fôra
rasgado com uma navalha (a mes-
ma com que provavelmente fôra ferido o dono da casa) sinal evidente
de que de dentro do colchão fôra
retirado qualquer objecto que ele
escondia; e, nesse caso, teria sido o
volume contendo as peças de ouro,
roubadas, segundo a declaração de
Jacinto da Cunha. Estava provado
que o mobil do crime fôra o roubo
das moedas de ouro, que naturalmente, o Cunha trouxera do Brazil,
e que, para maior segurança, havia
escondido dentro do colchão de
baixo, cosendo-o depois, para que
ninguem suspeitasse da existencia
daquele dinheiro em seu poder.
Mas, sendo assim, aparecia agora
um ponto ou circunstancia que
esclarecia alguma cousa: - é que o
criminoso tinha conhecimento de
que Jacinto da Cunha possuia
aquele dinheiro escondido no segundo colchão. Como o soubéra,
porêm? Pelo proprio Cunha ou por
outra via?
Misterio!
Como dissemos, o reporter Zimbro procedeu a um exame particular
aos colchões e á roupa da cama, e ao
cadaver do Cunha.”
(Continua)
22 *
HISTÓRIA
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
A Importância da Leitura
Jorge Arrimar
“Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura,
os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história.”
Bill Gates
A Leitura e o Domínio da escrita
A
leitura é um processo longo que começa
(ou deve começar) antes da aprendizagem
formal. A criança, durante a primeira infância goza o simples prazer de ouvir contar histórias, de ler e acompanhar a leitura através das
imagens dos livros, para depois ir, gradualmente,
percorrendo as várias etapas do itinerário do leitor. É durante esta progressão que se evidencia a
necessidade do acompanhamento, para que seja
possível uma constante motivação rumo ao leitor
completo. E é neste processo precoce, que decorre entre a emergência da leitura e o prazer de ler,
que se torna determinante a “cumplicidade, o diálogo e a convivência com o material impresso”.1
A leitura e o domínio da escrita têm sido objectivos muito acalentados nas últimas décadas.
Cada vez mais se tem consciência da importância
da leitura enquanto ferramenta que nos permite
o acesso ao saber e ao conhecimento. Ao conhecimento do Eu alargado ao Outro e ao Mundo.
Com o domínio da leitura, pretende-se, sobretudo, que haja acesso a informações difundidas das
mais distintas maneiras, quer em meio escolar,
em ambiente de trabalho ou tão-somente durante o processo natural da inserção na sociedade.
Percebe-se, assim, que a escola tenha um papel
fundamental neste processo: a de facultar/providenciar aos alunos, um tipo de formação que
os leve a compreender criticamente as realidades
sociais e com elas interagir de forma esclarecida.
Afinal, para que serve ler? Percebe-se que, entre o texto escrito e o leitor, a relação que se estabelece é diferente da que se estabelece entre
duas pessoas em conversa. “Na fala estão presentes, além das palavras, os gestos, as expressões
faciais, a entonação de voz, possíveis repetições e
a possibilidade de se perguntar quando não houver entendimento do que foi dito”.2 Ora, quanto à leitura, como quem lê se encontra perante
o texto que foi escrito por alguém não presente
1
Isabel Feliz Andrade Nina – Da leitura ao prazer de
ler: contributos da biblioteca escolar. Lisboa: Universidade Aberta, 2008. Tese de mestrado em Gestão de
Informação e Bibliotecas Escolares.
2
Maria de Lurdes de Souza Kriegl – Leitura - um
desafio sempre atual. Rev. PEC, Curitiba, v. 2, n. 1, p.
3-12, jul. 2001- jul. 2002. Disponível em: < http://
pt.scribd.com/doc/49635237/Leitura-Um-DesafioSempre-Atual >.
3
Id., ibid.
para completar as informações, é o próprio leitor a fornecê-las “ao texto” enquanto lê. Na verdade, durante a leitura, o leitor não é um sujeito
passivo, dado que o texto que ele lê também age
sobre a sua própria cognição. Durante a leitura,
ele vai activando o seu esquema cognitivo, num
processo de alteração e/ou de confirmação que o
conduz a uma maior apreensão das mensagens.
Ler permite a aquisição e ampliação de conhecimentos e, simultaneamente, vai “abrindo horizontes para a mente, aumentando o vocabulário,
permitindo melhor entendimento do conteúdo
das obras”.3 Mas há um tipo de leitura que decorre de “uma deficiência no raciocínio lógico
do leitor”, fruto do analfabetismo funcional que
são as “leituras tortas”, no dizer do conhecido
professor brasileiro, Cipro Neto, fundador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa,
transmitido pela Rádio Cultura AM de S. Paulo.
Ele não hesita em afirmar que só lendo, lendo,
lendo, e incluir na leitura “um pouco de filosofia,
de música, de poesia” se pode sanar tal lacuna. É
fundamental ler muito, “não qualquer texto, mal
e porcamente alinhavado”, mas aquele texto que
“desarma o espírito, eleva e enleva a alma”.4 Só
que, para se chegar a este estádio, a leitura deve
iniciar-se muito cedo, primeiro com as canções
de embalar, com o contar de histórias, depois
com um processo de alfabetização sustentável e
bem organizado, “com um contínuo estímulo à
leitura e à expressão das ideias”.5
A Leitura e os Novos Suportes da Escrita
Começaremos por lembrar que um inquérito
realizado pela Mobiles Republic, em seis países
do mundo, demonstrou que as aplicações móveis
(sobretudo dispositivos Android) são hoje a principal forma de acesso às notícias, muito à frente dos
jornais impressos, da rádio e da televisão. Os três
aspectos mais valorizados no acesso às notícias
são: informação clara e precisa (80%), actualizada
4
Cf. Cotidiano (Folha de São Paulo, 20/09/2012).
Pasquale Cipro Neto é, também, colunista dos jornais
“Folha de S. Paulo”, “O Globo” e “Diário do Grande
ABC”, entre outros, e da revista literária “Cult”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
pasquale/1156279-leituras-tortas.shtml >.
5
Shyrley Pimenta – Da urgência de ler. “Correio de
Uberlândia”. Dispon. em:<http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2012 /09/25/da-urgencia-de-ler/>.
(59%) e gratuita (58%). O tipo de sítio ou aplicação mais usados no acesso à informação são, em
primeiro lugar, as aplicações de notícias, seguidos
dos agregadores, do facebook e do twitter.6 Por isso,
não é de estranhar que muito se discuta e se escreva sobre sobre a leitura em sociedades que utilizam cada vez mais os novos suportes da escrita.
No contexto das redes sociais, vale a pena “ouvir”
o que nos diz um dos críticos mais exigentes do
facebook, o professor de Comunicação Digital da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de S. Paulo (Brasil) e consultor em inovação digital,
Luli Radfahrer. Para este estudioso, nem “o Narciso
mitológico seria tão autocentrado” como os obcecados utilizadores facebookianos, pois aquele “
que morreu afogado ao se apaixonar por sua figura
refletida em um espelho d’água poderia argumentar que não sabia que via um reflexo”. Mas como
muitos utilizadores das redes sociais, Narciso apaixonou-se “por uma tela e sucumbiu ao confundi-la
com a realidade”, uma confusão evidente entre o
real e o fictício publicado. Esta “é uma das faces
mais assustadoras do narcisismo digital”, pois há
quem tenha uma perspectiva da realidade “tão distorcida pela percepção alheia, tão fragmentada e
amplificada pelos perfis e grupos a que pertencem,
que geram especulações maiores do que pode supor sua vã fenomenologia”. E conclui o autor que
a “vida na vitrine da interface, livre da moderação
e da compostura que qualquer grupo social demanda, cria uma gigantesca câmara de eco, em
que mensagens são referências de referências de
referências, perdendo significado e substância no
processo”.7 Disto são exemplos recentes o sucesso
da trilogia Fifty Shades of Grey (Cinquenta Sombras
de Grey), da autoria de El James, transformado “no
maior best-seller do país que um dia foi de Shakespeare e Charles Dickens”,8 e de Crepúsculo, série
inspirada nas clássicas histórias de vampiros, em
grande parte devido aos seus fãs, que criaram uma
vasta cadeia de informação nas redes sociais, com
base nas indicações passadas de amigo a amigo.
6
Conf. < http://www.mobilesrepublic.com/the-change-in-news-reading-habits/ >.
7
Luli Radfahrer “Folha de São Paulo”, 10.09.2012. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
luliradfahrer/ >.
8
Id. ibid.
Número 9 - 2ª série
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HISTÓRIA *
Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
A Literacia entre Europeus
“Um em cada cinco europeus tem dificuldade
em ler o mundo.” Esta foi a frase escolhida para
título de um relatório sobre literacia na União Europeia, escrito por um grupo de peritos, liderados
pela princesa Laurentien da Holanda.9 Os europeus referidos têm 15 anos de idade e ler e escrever “não são apenas competências técnicas”, são
“a chave para os cidadãos sentirem que fazem
parte da sociedade”, afirma Laurentien van Orange. E vai mais longe, diz que na Holanda, 10% da
população têm problemas de iliteracia funcional,
o que quer dizer que o desempenho na leitura e
na escrita é baixo, impedindo, por isso, uma participação activa na sociedade. Este tipo de problemas num país como a Holanda, um dos países
mais desenvolvidos da Europa e do mundo, tem
sido uma surpresa, como constatou quem esteve
na VI Conferência Internacional do Plano Nacional de Leitura (PNL), que decorreu em Lisboa, em
Setembro de 2012.
Estamos, pois, perante a evidência de que a iliteracia não é “um exclusivo dos países em desenvolvimento”, mas também de países já considerados “desenvolvidos”. Para os países poderem
alcançar os seus objectivos de desenvolvimento,
é necessário resolver o problema da iliteracia e
para isso são avançados dois exemplos: o combate à pobreza (se não houver competência na leitura e na escrita, torna-se muito difícil sair dessa
condição) e o investimento no digital (dificilmente haverá pessoas “interligadas” se não souberem
dominar bem a leitura e a escrita).10
Em Portugal – país que contava, há três décadas apenas, com uma expressiva percentagem
de analfabetismo e de iliteracia – encontram-se
exemplos de um progresso evidente, com o alargamento, a partir de 1987, da Rede Nacional de
Bibliotecas Públicas (RNBP),11 a publicação do
relatório Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares12
e a consequente criação, em 1996, da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE),13 e a organização, em
2006, do Plano Nacional de Leitura (PNL).14 Em
2007 e 2009, o Barómetro da Opinião Pública, no
âmbito dos estudos de avaliação do PNL, dava
conta da importância que as bibliotecas escolares já demonstravam ter no desenvolvimento da
leitura em Portugal.15
A biblioteca escolar disponibiliza serviços
de aprendizagem, livros e recursos que per9
A princesa Laurentien van Orange, da Holanda, tem
uma grande influência na Europa, evidente no diverso
número actividades e instituições a que pertence ou
com as quais tem ligações de trabalho. Em 2004, criou
a Fundação Ler e Escrever dos Países Baixos. Em 2009,
tornou-se enviada especial da UNESCO da Literacia
para o Desenvolvimento e foi patrona de Amesterdão
Capital Mundial do Livro. É também presidente da
Fundação Cultural Europeia e foi importante na ajuda
a Portugal na fase de implantação do Plano Nacional
de Leitura neste país. (seg. Isabel Alçada, primeira comissária, substituída, entretanto, pelo poeta Fernando
Pinto do Amaral).
10
Conf. < http://www.mobilesrepublic.com/the-change-in-news-reading-habits/ >.
mitem a todos os membros da comunidade
escolar tornarem-se pensadores críticos e utilizadores efectivos da informação em todos os
suportes e meios de comunicação. As bibliotecas escolares articulam-se com as redes de
informação e de bibliotecas de acordo com os
princípios do “Manifesto da Biblioteca Escolar” da UNESCO. Hoje, em Portugal, mais de
duas mil escolas (do 1º ciclo ao ens. secundário) possuem biblioteca escolar com um acervo que se estima entre os três mil e os doze mil
títulos.
Com o objectivo de dar a conhecer as suas experiências e sucessos neste campo, a RBE, em
finais de 2008 concebeu, em articulação com o
PNL, um projeto que visava a integração da Biblioteca da Escola Portuguesa de Moçambique
na Rede e a “criação de bibliotecas e promoção
da leitura em escolas moçambicanas”.16 Dois
anos depois lançou em Timor-Leste um projeto
orientado para a integração na Rede da Escola
Portuguesa Ruy Cinatti, de Díli, assim como “a
criação e desenvolvimento de bibliotecas escolares e outras iniciativas de promoção da leitura em
escolas timorenses”.17 Sabe-se que, em relação a
Angola, está em curso um processo de entendimento semelhante.
A Literacia entre Angolanos
Angola conta com uma população muito jovem (mais de 45% tem menos de 15 anos e mais
de 55% tem menos de 20 anos de idade), em que
muitas crianças crescem em ambientes familiares iletrados e onde uma percentagem elevada
de adultos não tem tempo para as crianças ou,
simplesmente, não sabe ler. Estas crianças transitam de ambientes familiares iletrados para o
primeiro ciclo escolar sem nunca terem ouvido
ler, sem serem detentoras de algumas capacidades básicas de leitura e escrita.18
Esta é uma realidade que Angola vive, fruto
das condições histórico-sociais que lhe são próprias. Investir na instrução pública e no livro são
passos essenciais para inverter esta situação. Em
primeiro lugar é preciso ensinar a ler e a escrever,
e para isso importa levar as crianças (e os adultos
também) à escola. Estas crianças serão, no futuro, os pais e avós que irão ler para os seus filhos
e netos antes destes próprios saberem ler, para
11
A Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP)
resulta do Programa iniciado em 1987, pelo então Instituto Português do Livro e da Leitura, com o objectivo de dotar todos os concelhos de Portugal de uma
biblioteca pública.
12
Cf. Isabel Veiga, e outros - Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares. Lisboa: Ministério da Educação, 1996.
[Consult. em 15 Jun. 2013]. Dispon. em: <http://www.
rbe.min-edu.pt/np4/file/94/ lancar_rbe.pdf >.
13
O Programa Rede de Bibliotecas Escolares (RBE),
iniciado em 1996, propôs que não houvesse apenas
“um modelo de biblioteca escolar mas, também, a
constituição de uma Rede de Bibliotecas Escolares,
abrangendo todo o sistema de ensino público, básico
e secundário.” (António Firmino da Costa, Coord. Avaliação do Programa Rede de Bibliotecas Escolares.
Lisboa: ME, 2009, p. 10).
23
que, assim, lhes seja despertada a curiosidade e
o interesse pelos livros e pelas histórias que eles
encerram.
O berço como início da viagem rumo à literacia é um aspecto muito importante. É fulcral o
papel da família na motivação para a leitura. Ela
é essencial, como um dos factores que contribui
para o posterior sucesso na aprendizagem, bem
como o acesso a livros e a outro tipo de material
escrito. Se a família não incutir no aluno o gosto
pela leitura, o trabalho do professor e da escola
torna-se mais difícil e árduo. Há, contudo, um
número grande de equívocos a ter em conta. Os
programas de leitura são quase sempre elaborados na presunção de que, com as crianças estará
sempre um adulto que lhes pode ler uma história, pelo menos ao deitar. Porém, sabe-se que há
uma percentagem muito elevada de adultos que,
ou não têm a noção da importância de o fazer ou,
simplesmente, não sabem ler. Por isso, quando
lemos na comunicação social que, em “Angola,
assiste-se actualmente a uma crise de leitura que
afecta a maioria da população, principalmente a
escolar, e particularmente a infanto-juvenil”, tal
faz-nos pensar que se faz referência a uma situação de crise de leitura ainda antes mesmo de a
leitura estar implantada. Quando se afirma que
há ainda tanto para fazer no campo da educação,
que há muitas escolas a construir, muitos professores a formar, muitas crianças a instruir, muitos
adultos a alfabetizar, é da falta de implantação
da leitura que se fala. E esta situação ainda mais
se agrava devido à falta de livros no mercado a
preços acessíveis, à baixa produção livreira e à
fraca promoção e distribuição do livro no todo
nacional. Denuncia-se, igualmente, a falta de
incentivo à leitura no universo escolar, situação
grave na medida em que é a escola o meio mais
apropriado ao incentivo da leitura nas crianças/
jovens e, consequentemente, a melhor forma de
divulgar o livro e os escritores, “forjando desse
modo um ciclo dinâmico de criação, produção,
leitura”, concorrendo, assim, para um maior dinamismo do próprio mercado livreiro. E mais
livros quer dizer mais bibliotecas, mais leitura e
também um maior sucesso da parte das editoras. Esta realidade só é dinâmica se houver interacção entre criação literária (autor), produção
livreira (editor) e promoção/venda do livro (livreiro).19
14
O PNL foi criado em Junho de 2006 pelo Ministério
da Educação de Portugal, visando promover o desenvolvimento de competências e o aprofundamento dos
hábitos de leitura dos portugueses, com incidência na
população escolar . (PNL – Relatório de actividades.
Lisboa: PNL, 2008).
15
António Firmino da Costa (Coord.) – Avaliação do
programa rede de bibliotecas escolares. Lisboa: ME,
2009.
16
[Cons. Ago.2013] Dispon. em: <http://www.rbe.
min-edu.pt/np4/77.html >.
17
[Cons. Ago.2013] Dispon. em: <http://www.rbe.
min-edu.pt/np4/79.html >.
18
Dados da UNICEF referidos em: < http://jornaldeangola.sapo.ao/19/46/literatura_e_educacao >,
consult. em 24 Out.2012.
24 *
HISTÓRIA
Formar leitores é, por conseguinte, a base de
toda esta dinâmica, pois sem eles não há leitura.
E para formar leitores, é universalmente entendido que se devem dar os seguintes passos:
s#ONTARADIVINHASPROV£RBIOSEHIST˜RIASAOSMAIS
novos sempre que, em casa, os mais velhos sejam
analfabetos. A literatura oral é uma tradição africana muito forte e pode predispor as crianças para
a aprendizagem da escrita da leitura;
s#RIAROHÕBITODELEVAROSlLHOSDESDEPEQUEnos, a passear em livrarias;
Número 9 - 2ª série
s,EVARASCRIAN½ASAEVENTOSONDESECONTEMHIStórias;
s$AREXEMPLOSDELEITURAEMCASALENDOJORNAIS
revistas, livros;
s,ERPARAOSlLHOSSEMPREQUEFORPOSS¤VELMESmo para as crianças mais pequenas;
s%VITARCOMPRARLIVROSAPENASPELABELEZADAEDI½áO
s )NVESTIR MAIS NA ESCOLHA DE NARRATIVAS QUE LEvantem questões que ajudem a lidar com sentimentos e ampliem as relações com a cultura;
s$ESCOBRIRSEAESCOLADOSlLHOSCONSIDERAALEITURA
19
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
uma modalidade de ensino e procurar colaborar
com as práticas de leitura ali desenvolvidas.
O prazer de ler e ouvir uma história e o ambiente
afectivo envolvente transfere-se para o gosto pelos
livros, fase importante no processo de formação
do gozo pela leitura, tão importante quando se faz,
principalmente, sobre bons textos. É a partir daí
que os valores surgem “nas relações que as próprias
crianças estabelecem entre essas histórias, sua cultura, casa e escola,”20 levando-as a pensar não só sobre elas próprias mas, também, sobre os outros.
20
José Luís Mendonça - Literatura e educação
[02Set.2009]. “Jornal de Angola online”, consult. em
24Out.2012.
Simone Sayegh – “Ler ajuda a criança a entender o
mundo; conheça maneiras de incentivar seu filho”.
Disponível em:
< in: http://tudosobreleitura.blogspot.pt/ >.
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Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
SAÚDE *
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VIVER COM QUALIDADE
Isabel Fontes
[email protected]
A
bril, águas mil, um mês bonito, de belezas várias conforme o continente
que o vê chegar… Muita chuva, Sol
quente ou ainda envergonhado, temperatura
amena ou de estorricar, vento controlado e o
desabrochar de flores de mil tons, os verdes
brilhantes e em profusão por todo o lado, enfim é a natureza a dizer um pouco do muito
que ela é importante para o nosso equilíbrio
físico, mental e espiritual…
Tudo brota da terra, é ela que nos mima,
nos dá odores fortes que nos estonteiam, nos
fazem sorrir e agradecer com um belo e sonoro OBRIGADA, quando, ao olhar para cima,
descobrimos a imensidão que nos cerca…
Hoje resolvi ler tudo o que escrevi para vos
informar, fazer refletir, mudar e acalentar e
dei conta que tenho muitas promessas ainda sem cumprir, por essa razão hoje vamos
falar da dieta do tipo sanguíneo B, do poder
do riso, do poder do toque e dar algumas informações, que vos agucem o desejo de saber
mais e usar diariamente a ração humana, a
chia, a linhaça, o gérmen de trigo e a levedura de cerveja…
Como sempre vamos terminar com uma
gostosa receita…
História da transformação do tipo sanguíneo
B que começou 10 a 15 mil anos AC…
Realmente os caminhos da evolução do ser
humano junto com a evolução biológica, são
fascinantes, assim como o tipo sanguíneo B,
que é fascinante, refinado e sofisticado, as
pessoas deste grupo são também resistentes,
equilibradas, flexíveis e criativas.
Foi difícil e terrível, com certeza, o período
que estes antepassados tiveram que passar,
saindo das terras quentes e férteis de África
para se embrenharem nas terras frias e vazias
dos montes do Himalaia. As planícies da Europa eram dominadas por tribos das estepes,
gente com o tipo sanguíneo B. Andaram pela
Índia e Ásia em tribos mestiças de mongóis
e caucasianos, pelo Japão e China até aos
Montes Morais. Alemanha e Áustria têm uma
forte representação do grupo B, acontece o
mesmo com os Judeus, já no oeste Europeu a
sua representação é mínima.
Têm um sistema imunológico forte, não se
altera com as mudanças, tem caraterísticas
únicas e às vezes camaleónicas, não são atreitos a doenças, mas o desequilíbrio causa tendências negativas, como as auto-viroses raras.
A sua saúde tem alguns riscos, a diabetes 1, o
síndroma de fadiga crónica, lúpus e esclerose
múltipla.
Qualquer pessoa precisa de suplementos
para ficar equilibrado e esses suplementos ingerem-se através dos alimentos adequados e
dos produtos naturais, os suplementos são um
regulador e servem para aperfeiçoar uma dieta
já equilibrada, aumentar a eficácia da insulina,
fortalecer a imunidade contra os vírus e aumentar a clareza e concentração cerebral.
O tipo B não tem necessidade de suplementos das vit. A, B, E e C, caso faça direitinho a sua
alimentação, este grupo é privilegiado, é mesmo um caso especial, sortudo, pode evitar as
doenças a que está sujeito só com os alimentos
recomendados, aproveite o seu bónus e siga
com vontade e lucidez a sua verdadeira forma
de vida. Os suplementos são apenas para dar
mais benefícios ao grupo B. Usem-nos sempre
com orientação, equilíbrio e contensão.
O magnésio é fundamental, pois o seu organismo é muito eficiente na absorção do cálcio… o descuido neste campo provoca fadiga,
depressão, doenças nervosas e diminui a imunidade, nas crianças pode provocar eczemas.
Seja equilibrado com os lacticínios e coma diariamente todas as verduras, legumes e grãos
recomendados…
O alcaçuz é bom para as ulceras estomacais,
o abacaxi deve ser usado após as refeições pois
contem bromelina, recomendado para a digestão, o ginko biloba em chá ou em cápsulas é
um hábito valioso para ajudar a microcirculação e o estímulo ao cérebro, é um ativador, o
ginseng amacia as veias e diminuí as dores nos
ossos e a lecitina de soja fortalece o sistema
imunológico.
Os primeiros seres do tipo B eram bárbaros e
agricultores, estavam entre dois fogos, faziam
parte de grupos enormes em evolução, que
lutavam por se estabelecer e pela conquista e
desenvolvimento da terra. Aprenderam a saber
lidar muito bem com o estresse.
O tipo B é menos agressivo que o tipo O mas
mais bem dotado fisicamente que o tipo A.
Os exercícios recomendados são a aeróbica,
artes marciais, ténis, ciclismo, caminhada, corrida, natação, golfe e musculação, ioga e tai chi.
Devem ser praticados três vezes por semana.
São flexíveis e criativos, por isso menos sujeitos a doenças. São a essência da sobrevivência, se viverem em harmonia com o exercício e
a alimentação correta…
Alguns alimentos benéficos recomendados:
Carneiro, cordeiro, coelho, veado, bacalhau,
garoupa, linguado, pargo, salmão, sardinha,
savelha, iogurte, queijo e leite de cabra, feta,
ricota, azeite de oliveira, amêndoas, nozes,
castanhas, feijão branco, soja e frade, arroz
integral, grãos germinados, batata doce, beringela, beterraba, brócolos, cenouras, cogumelos, couve flor e de bruxelas, couve e feijão
verde, inhame, salsa, pimentas, abacaxi, ameixa, banana, mamão, uvas, sumo de repolho,
caril, gengibre, pimenta de caiena, chá verde e
de folhas de framboesa, gengibre, hortelã, sálvia, fruto da roseira…
Todos os outros alimentos devem ser usados
muito esporadicamente… Principalmente os
que engordam o tipo B, como milho, lentilhas
e ginguba, trigo e gergelim, pois inibem a eficácia da insulina, prejudicam o ritmo metabólico, causam hipoglicemia, inibem a absorção
adequada dos alimentos, a digestão e o funcionamento do fígado, tornando mais lento o processo digestivo. O trigo é armazenado como
gordura e não como energia…
“A dieta do tipo B é equilibrada e saudável,
inclui uma ampla variedade de alimentos, segundo o meu pai, “ela aproveita o melhor do
reino vegetal e animal”, diz o Dr. Peter D,Adamo.
Os seus antepassados sobreviveram às novas
terras, aos climas desconhecidos e à mestiçagem racial, hoje eles estão preparados para se
relacionarem e viverem no melhor dos mundos…
Por sua natureza genética, são mais harmoniosos, têm menos apetência para o confronto
e o desafio, pois têm outros pontos de vista. O
verdadeiro remédio para o tipo B é o equilíbrio
e a harmonia.
“Na tradição judaica, a inteligência, a paz e a
espiritualidade vivem lado a lado com um físi-
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VIVER COM QUALIDADE
co forte e preparado para a luta. Para muitas
pessoas isso parece contraditório, mas na verdade são as energias harmoniosas do tipo B em
ação” diz o Dr. Peter D,Adamo.
Agora vamos falar sobre elementos que
deve usar diariamente, pesquize, procure saber mais, estude, apaixone-se pelo natural e
use sem medos e sempre com respeito e cerimónia…
O gérmen de trigo é apenas 2% do trigo, mas
é a parte mais rica, nutricionalmente poderosa, dos poucos alimentos onde se encontram
todas as vitaminas do complexo B, é também
fonte da vitamina E, proteínas, ferro, fósforo e
magnésio. Basta dizer que é o coração do trigo,
o seu embrião. Use nas sopas, iogurtes, batidos
e nos cereais.
Chia, o “ouro” dos Astecas, Maias e Incas e
da América Central. Eram usadas para os fortalecer nutricionalmente, também como fonte
de energia e bem-estar. São poderosas e ricas
em ácidos gordos, mucilagens, ómega 3, mais
que o salmão, contêm proteínas, fibras e é um
poderoso antioxidante. A chia é gelatinosa,
tenha o cuidado de mexer bem, sempre que
a use. Misture nos batidos, iogurtes, saladas,
também como complemento de bolos ou pão.
Faça uma saborosa bebida fresca, misture uma
colher de sopa a um quarto de litro de água,
junte sumo de limão e adoce a gosto com mel
ou agave.
Levedura de cerveja é uma fonte importante de nutrientes como as proteínas, ácido fólico, minerais e vitaminas C e E. É o resultado
da fermentação de açúcares complexos dos cereais. É um alimento de alto valor alimentar e
biodisponibilidade pela natureza da sua composição. Use em sopas, leite ou em água.
O princípio de uma boa absorção dos nutrientes, são o correto funcionamento do intestino. O mau funcionamento do intestino
contribui para a obesidade, problemas de coração e tensão alta.
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A Ração Humana é uma mistura equilibrada e nutritiva de vários elementos naturais ricos em fibras, hidratos de carbono, vitaminas e minerais. Como o farelo de aveia e
trigo, linhaça, quinoa, soja, sésamo, gérmen
de trigo e geleia de arroz, levedura de cerveja
e cacau. Aumenta a resistência, fortalece e
mantém a massa muscular, além de dar uma
sensação de saciedade. Use diariamente no
seu batido com iogurte e fruta.
Para usufruir em pleno de todos os benefícios destes maravilhosos elementos naturais, beba sempre, ao acordar, um grande
copo de água com uma colher de mel.
O Poder do Toque, o supremo bem, uma
terapia e um prazer barato sempre à mão,
que podemos usar e abusar duma forma
simples e descontaminada no crescimento e
na cura do corpo e da alma, visando o equilíbrio e a normalidade.
O meu coração dói quando penso nos milhares de seres humanos que são privados de
água, teto, alimentos e do toque, os elementos básicos da vida a que todos deviam ter
direito, ainda antes de nascer.
Os benefícios do poder do toque são uma
visão maravilhosa, contagiante, arrebatadora, verdadeira e cheia de esperança.
O contacto físico é complexo, significativo
e poderoso, pois mexe com emoções e sentimentos, as energias de que somos feitos.
Está provado cientificamente que algumas
doenças diminuem com o toque terapêutico,
como a arteriosclerose. Se os humanos se tocassem, se mimassem, acalentassem e conversassem mais, evitariam muitas doenças e
outros males.
“A estimulação tátil e as emoções podem
controlar a endorfina, um hormônio natural que alivia a dor e nos proporciona uma
sensação de bem estar”, diz a Dra. Phylliz K.
Davis.
O Dr. John Holt, pediatra, ordenou que as
crianças internadas fossem abraçadas, aca-
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rinhadas e aconchegadas cinco vezes por
dia, resultando em menos mortalidade e no
aumento da recuperação das crianças doentes.
As crianças que não são amadas, acarinhadas e abraçadas, definham, são apáticas,
retraídas, e muito lentas no desenvolvimento mental e físico.
Use as mãos, use muito, não só para pegar
na caneta, na batuta, na arma, na enxada, na
panela, nas drogas, para a violência, mas use
-as para a sua principal missão, que é tocar,
acarinhar, abraçar, curar, situar, apaziguar,
incentivar dar chão, raiz, segurança e prazer.
Isto é o PODER DO ABRAÇO e o PODER
DO TOQUE.
Hoje a nossa receita é docinha e com um aspeto maravilhoso, pois os olhos também comem. Receita simples e fácil de confecionar.
BANANA PÃO no forno com mel e canela.
Banana pão bem madura, descascada, vai ao
forno até ficar cozida, com um tom dourado.
Corte às rodelas e regue com mel e polvilhe
com canela. Sirva com umas folhinhas de hortelã.
Não envelhecemos enquanto crescemos,
mas sim quando paramos de crescer…
Bjs carinhosos
Isa Fontes
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PASSATEMPO *
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CHÁ COM TORRADAS
“O Censo visa conhecer o presente e preparar melhor o futuro”. Estas são palavras proferidas por Camilo Ceita, responsável principal pelo primeiro Censo Geral que o país irá organizar entre 16 e 31 de Maio
do ano corrente. Analisando-as, eu e qualquer cidadão é levado a concluir sem nenhuma dificuldade
que, conquistada a paz no país, o recenseamento da
população apresenta-se agora como a mais ingente
e importante tarefa que Angola vai enfrentar, já que
ela vai permitir saber quantos somos efectivamente,
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onde e como moramos, a que género pertencemos,
que tipo de trabalho desenvolvemos.
Sendo desnecessário referir a enorme utilidade desse cadastro, mais útil se tornaria ainda – esta é a minha
opinião –, se levasse ao apuramento das nossas reais
condições de vida, ou seja, sabermos com precisão o
salário de cada um, quem beneficia sem sobressaltos
de água e luz, de transporte e habitação, quem tem
acesso ao ensino de qualidade, aos livros e bibliotecas,
aos espectáculos e ao lazer e entretenimento, quem
tem elevador em prédio alto, quem tem acesso a exames clínicos e intervenções cirúrgicas, etc. Talvez assim
pudesse quem manda, aperceber-se melhor das inúmeras carências que se acentuam a cada dia e coloca
o povo em geral de Angola em situação de real incapacidade, sem poder usufruir plenamente de bens essenciais que possibilitem construir o dito futuro, risonho,
próspero e bom de se viver…
Luanda, Abril de 2014
J.A.S.
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