Uanhenga Xitu Jorge de Sena
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Uanhenga Xitu Jorge de Sena
Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro/Março 2014 | Director: Jacques Arlindo dos Santos | Kz. 200,00 | € 1,60 Eusébio 1942-2014 “Um mensageiro de povos enganados” Ensaio de Luis Alberto Ferreira Pgs. 7-9 Uanhenga Xitu Jorge de Sena Desapareceu o Homem da Quijinga Vida e obra revisitada por Fernando Pereira Pg. 18 Pg. 14-15 2* NOTAS DE CULTURA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Intervenção da Procuradora Francisca Van Dunem por ocasião da apresentação do livro “Angola Sonho e Pesadelo” da autoria de Adolfo Maria Universidade Lusófona, Lisboa, 19 de Março de 2014 No dia 20 de Fevereiro recebi um email do Adolfo. Pedia-me que lhe desse um contacto mais directo porque queria falar-me. Conheço o Adolfo há muitos anos. Mais de 25. Tenho por ele uma estima irrevogável. Aqui fica, por isso, a minha declaração de interesses. Posso dizer que os nossos itinerários de vida se cruzaram em Lisboa, na errância dos nossos destinos. Eu não teria ainda 30 anos feitos quando fui catapultada para o “Grupo de Reflexão para a Paz em Angola”, onde pontificavam, como grandes referências de pensamento e acção o Adolfo, o Mário de Andrade, o Gentil Viana, a Maria do Céu Carmo Reis... Foi um período muito intenso. Intenso na esperança, intenso na seriedade dos propósitos, intenso no rigor da acção. Encontravamo-nos e debatíamos as questões sob todos os ângulos possíveis. E eles que eram mais velhos, tinham uma grande sabedoria e conheciam o mundo, tratavam-me como igual. Trabalhávamos em propostas de entendimento, propostas de reencontro, propostas de paz. Esse foi para mim um tempo de grande aprendizagem. Depois dessa aventura fomos perdendo o contacto. Ficámos, por vezes, anos sem nos vermos, mas mantivemos sempre a amizade. Quero contudo afirmar que não é um julgamento de amizade o que faço quando digo que: Se me pedirem o exemplo de um homem probo, eu indico o Adolfo. Se me pedirem que aponte um homem recto no caráter é também o Adolfo que eu vou procurar. Se me falarem de um homem bom, o meu itinerário cruza se sempre com o Adolfo; Se me instarem a indicar nacionalistas angolanos cujo percurso me tenha marcado, o Adolfo tem inscrição nas primeiras linhas de qualquer lista que eu possa elaborar. Por essas razões respondi imediatamente ao pedido de contacto do Adolfo. O Adolfo ligou-me, disse que me queria falar. Eu sei que há pessoas que só me procuram em contextos de absoluta necessidade. Que sendo embora meus amigos e mesmo sabendo da irrefragável estima que lhes tenho, se relacionam comigo num modelo em que perpassa sempre a ideia de me poupar. É o que se passa com o Adolfo, que veio jantar comigo, sem que eu soubesse ao que vinha e que, com um ar entre o encabulado e o solene, me convidou para fazer a apresentação deste seu livro. Ao Adolfo eu não digo que não, mesmo se me interrogo ainda sobre as razões da escolha. Eu não sou historiadora, não produzo análises no campo das ciências sociais, mesmo sendo jurista; eu não escrevo; visito o menos possível o espaço público. Confesso mesmo que vejo pouca televisão e nunca ouço rádio, talvez porque as notícias más nos entram pela porta todos os dias e as primaveras sempre tardam a chegar. Tenho uma dívida de gratidão histórica para com todos aqueles que podendo fazer uma escolha diferente optaram por sacrificar a sua juventude, a sua vida, um destino pacato e sem sobressaltos trocando tudo pela luta de libertação dos seus povos. Porque a libertação dos povos colonizados – essa luta de que muitos não tomaram sequer conhecimento e que tantos outros esqueceram – teve como motor essa acção inicial e ímpar. Essa condição sem a qual nenhum progresso se faria. Os protagonistas desse processo rasgaram os caminhos do futuro. De um futuro que queriam colectivamente melhor. É essa a minha convicção. E porque assim é, na precaridade e incerteza das nossas vidas entendo ser meu dever assumir uma postura de comprometimento com a justiça e a verdade. O Adolfo utiliza a escrita como repositório da memória. De uma memória que é autêntica, porque vivida e presente porque ele nunca a perdeu. Na sua serenidade - uma serenidade que nos interpela – ele foi carre- Mas não posso dizer não a quem carrega o passado e tem as virtudes humanas do Adolfo Maria. Opus-lhe apenas uma dificuldade de data, que ele com a ajuda do prof Adelino Torres resolveu. Porém, não podia revelar-lhe a minha dificuldade maior: o horror com que hoje lido com estes temas. Com os destinos desbaratados, com as almas feridas, com a gratuitidade do sofrimento infligido ao outro em nome de uma razão única. De uma razão total... gando o desassossego existencial de ser, a final, depositário da narrativa de muitas vidas dramaticamente devoradas pela crueldade da história. A Rute Magalhães, presente no livro que o Adolfo agora dá à estampa, esteve no Chile no ano passado e com a sensibilidade e a gentileza que a caracterizam, trouxe-me uma publicação sobre o museu da Memória. E eu penso quão libertador será, apesar de tudo, os homens e os povos puderem ter um espaço de con- frontação com a sua história, mesmo aquela que não corresponda aos seus melhores momentos... Porque a história dos povos se faz de convulsões, em que há violência e sangue e sofrimento e perdas de vidas; em que há o eu e o outro e em que há momentos em que o outro pode passar de companheiro a adversário e de adversário a inimigo. Mas é preciso que o tempo e a distância ajudem a explicitar e a desfazer as razões desse momento em que eu esmaguei o outro – que foi meu companheiro, aquele companheiro ao lado de quem enfrentei todos os perigos ou a quem ensinei as razões, a justiça e os métodos da luta, mas que passei a considerar inimigo – e a seguir conjurei-me para apagar o seu traço da memória comum e da vida. A história é pródiga em exemplos de revoluções que devoram os seus próprios símbolos ou os seus mentores. Ao escrever “Angola Sonho e Pesadelo” o Adolfo Maria dá um passo em defesa da memória, da integralidade da história, ele que dela é fonte privilegiada. Ao fazê-lo ele vive a sua condição e prossegue a sua acção de nacionalista angolano, sem concessões nem acomodação. A contemporaneidade despertanos para sociedades fragmentadas por uma multiplicidade de valores, com racionalidades por vezes contraditórias, em que a aparência supera toda a substância e as representações do presente tendem à deslegitimação do valor do facto, da experiência histórica e das qualidades em que todos reconhecíamos o valor intrínseco do homem. Essa ligeireza do tempo que passa reclama de nós um estado de vigilância permanente que impeça a contaminação; a reafirmação constante do valor único da substância das coisas e da dignidade humana como referência e marca de decência dos comportamentos sociais. Número 9 - 2ª série Só seremos inteiros se nos libertarmos dos preconceitos forjados na ligeireza das simplificações. As nações serão sempre diminuídas enquanto não puderem ser integralidade. Enquanto não puderem contar com todos e não acordarem à vida de todos os seus filhos o estatuto que tiveram na concertação de esforços em que se forjam o desenvolvimento e a independência nacionais. Recuperar a capacidade de falar com o outro; de falarmos todos, preservando as nossas singularidades e diferenças é uma das interpelações maiores do nosso tempo. E é isso que o Adolfo faz ao escrever este livro. A leitura de “Angola Sonho e Pesadelo” produz em nós um enorme sobressalto cívico. Angola, Sonho e Pesadelo é um grande confronto entre expectativas acalentadas e uma realidade desprovida da virtude esperada. Este livro, poderia ser apenas a história do exílio interior de um homem. Mas é muito mais do que isso. É uma parte da história das organizações que lutaram pela independência de Angola, vista de dentro, através da narrativa dramática de um combatente da liberdade que se isola do mundo para escapar à repressão dos seus companheiros de armas e que nos fala de como chegou a esse momento e como dele saiu. É uma reflexão lúcida tributária dos factos, na forma como o autor deles fez parte, vendo, sentindo, vivendo. Na torturada sucessão de dias longos e iguais o autor resiste pela disciplina férrea, domando o corpo, exercitando a mente. Recordando, registando, compondo. Mesmo não concordando com alguns pressupostos de partida ou pontos de chegada, não hesito em afirmar que o personagem central da obra – o Adolfo Maria - é alguém que, no quadro de uma experiência de injustiça nos indica uma certa norma. Traçanos um caminho marcado por uma enorme exigência cívica e moral. Ao escrever sobre esta experiência o Adolfo mostra-se-nos inteiro, sem disfarces nem recomposições: é um homem. Um homem que sofre, que sente tudo intensamente; que tem receios e angústias, que se desfaz e se recompõe; que é forte e fraco a um só tempo, porque só pode ver o mundo através do buraco de uma fechadura pela qual lhe é interdito espreitar. Mas este livro é também um tributo à cadeia de solidariedade humana que | EDITORIAL * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 se gerou em torno dele. Porque hoje pode falar de nomes e revelar identidades, sem correr o risco de pôr em perigo a liberdade ou a vida de quem generosamente o acolheu e resguardou. Depois, Angola Sonho e Pesadelo é também a história de um grande amor. De um amor infinito. É uma ode à Lena. A luz dos seus olhos. A dado momento quase a fonte primária da sua energia vital. Ela está sempre presente. Com a sua força, a sua abnegação, a sua inesgotável capacidade de dádiva e irredutível determinação de partilha de um destino que começou por trilhar por amor. Na narrativa a Lena é a mátria. A mulher salvadora, aquela que nunca o larga quando a pátria parece tê-lo abandonado. A heroína que veste magistralmente a máscara da mulher que busca desesperada e incessantemente o marido preso ou abatido pela repressão. Escrito com uma linguagem elegante, seca e depurada, o livro lê-se de um fôlego e dá-nos a conhecer as qualidade literárias e poéticas do autor, espelhadas por vezes em trechos de uma desesperança radical. Alguns desses trechos são poemas de uma intensidade e um realismo tão vivos, que nos rasgam a alma. Permito ler-lhes um que escolhi: Loucamente Lúcido, na página 120: Loucamente Lúcido Quando o corpo está dorido por a alma estar partida Quando a mente é povoada pelo vazio circundante Quando o presente tanto se afoga no passado tão desentranhado Quando a angústia cresce em futuro no desespero da solidão de agora Quando o tempo perdido se chora nos homens e mitos em cacos pelo chão Quando esperança e criação me estiolam no húmus feito deserto pela alheia malvadez Quando a vida não vivida me é sepultada assim tão viva É a dúvida ao infinito é a loucura extra-lúcida é o mundo feito zero é a vida feita nada Ardo no fogo das ilusões queimadas broto verde na lucidez renovada renasço em mim para não morrer quando morro devagar para sobreviver Luanda 26/8/77 EDITORIAL JACQUES ARLINDO DOS SANTOS Para lá dos vários acontecimentos que fazem do início de 2014 um dos anos mais férteis em tragédias, ele fica para mim, indelevelmente marcado por quatro episódios, nesse quadro de tristezas: dois no âmbito da liberdade e da democracia e outros dois no campo desportivo. No primeiro caso, Angola perdeu duas figuras activas do exercício da cidadania, personagens incontornáveis da cena política nacional. Foram cidadãos que sendo bastante conhecidos enquanto vivos, não deixarão nunca, tenho a certeza, de o ser pela sua morte. Trágica ironia para duas pessoas que caminharam lado a lado na vida e na morte. Finaram-se quase no mesmo dia e provaram com muita coragem, cada um no seu domínio, que eram dignos do povo por quem lutavam na conquista da sua independência. Ele travando combate duro contra a injustiça, ela defendendo esse combate. Ele era um político perspicaz, ela uma advogada excepcionalmente dotada. Morreram por Angola e o país deve-lhes eterna gratidão. Falo, obviamente, de Agostinho André Mendes de Carvalho e da Dra. Maria do Carmo Medina. No segundo caso, o de âmbito desportivo, os amantes do futebol em todo o mundo choram ainda a perda de duas enormes referências. Dois atletas de excepção que preencheram os sonhos de milhões de jovens e não apenas desses, multidões onde me incluo en- 3 quanto admirador confesso destes moçambicanos que considero intérpretes maiores na história do jogo, heróis de jornadas de glória e de magia. Com Eusébio da Silva Ferreira e Mário Esteves Coluna – é deles que estou falando – tive o previlégio de contactar, algumas vezes com o “Rei” com quem abordei para além da arte do seu futebol as suas raízes angolanas, uma única vez com o “Monstro Sagrado”. Face ao que atrás fica dito, não poderia de modo nenhum deixar escapar a oportunidade de, nas páginas do nosso jornal, referenciar estas quatro personagens. É assim que, buscando um texto inserido na abertura do livro “O Homem da Quijinga” editado em 2007 pela Chá de Caxinde, lembramos o escritor Uanhenga Xitu, o mesmo Mendes de Carvalho. Uma decisão da Associação Chá de Caxinde também dada à estampa revela o alto apreço que nos merecia Maria do Carmo Medina. Através dum notável ensaio de cariz sociológico que resulta de histórias vividas, o renomado jornalista e nosso ilustre colaborador Luís Alberto Ferreira faz revelações que vão surpreender os leitores de “O Chá”. Trata de Eusébio, “um mensageiro de povos enganados” e da coluna vertebral de Mário Esteves Coluna. Fecho este editorial com a máxima de Mestre Eduardo Lourenço, utilizada por Luís Alberto Ferreira neste trabalho: “Os passados estão sempre presentes”. Lisboa, Março de 2014 4* LÍNGUA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 SABER PORTUGUÊS Luisa Dolbeth S aber Português entende que em muitas situações “parece” que o Acordo Ortográfico complicou um pouco mais, não só com a questão dos hífens mas ainda em outras, tal como esta da homografia, homofonia e homonímia. Como? Vamos contrariar um pouco um dos argumentos a favor do Novo Acordo Ortográfico, que aponta o contexto como prova da não ambiguidade de interpretação. Mas será que em casos como os que se seguem as palavras no contexto da frase se interpretam claramente? - “Levo o fato comigo” – sem ambiguidades. - “Considero que foi um fato importante para mim” - foi o “fato” que foi importante ou foi o “facto”? - “O João para o carro azul e o Fernando para o carro vermelho” - será que se trata de os encaminhar para os automóveis ou querer-se-á dizer “pára”, para agirem mandando parar os carros? (e aqui temos “para, para”, sendo notória a utilidade do acento) Claro que o código da escrita ajuda a clarificar a intenção comunicativa, como já provámos em “Chegou à uma hora” e “Chegou há uma hora”. Se na oralidade há o recurso a outros elementos da comunicação não linguística, como por exemplo os gestuais, as entoações, na expressão escrita a existência de alguns segmentos, ainda que mudos, tornam mais rigorosa a interpretação e remetem claramente para o significado certo ou para o sentido adequado. - Lembrar ainda uma lista de palavras que, apesar de não sofrerem alteração fonética na sua pronúncia, como os casos que iremos ver a seguir, contribuem para o aumento do fenómeno da homonímia, sem a consoante (pronunciada ou não). A homonímia não deixa de ser um empobrecimento da língua, pelo menos em termos de escrita: acto, facto, cacto, pacto, acta, captar, rapto. Assim teremos o ato e eu ato (verbo), o fato e vesti o fato, o pato e comi pato, a ata e ele ata o saco (verbo) catar e catar (dois diferentes verbos - captar e catar), eu rato e o rato (do verbo raptar e o nome de um animal, também já homónimo do verbo ratar). A nível fónico, “concepção” deve-se pronunciar diferente de “concessão”. Contudo, mesmo em situação de leitura, é evidente a tendência para a homofonia, ou seja, pronunciar-se “conceção” da mesma maneira que “concessão”, assim como “receção” e“recessão”. Estamos a falar do “nosso caso”, por isso bem-haja não termos ainda retirado o “p” mudo, visto que nos parece surgir uma espécie de “inconsciência do contexto” que pode acontecer na oralidade, mas na escrita, pelo menos ao nível da aprendizagem, a consoante ajuda a ensinar a diferença das pronúncias. Saber Português tem registado pronúncias fechadas do “e” ou “o” quando antecedem a consoante muda e vem alertar para a sua abertura em palavras como: - “espectador” pronunciada com “e” fechado vira espetador (alguém que espeta?); - “sector” pronunciada “setor” (fechada). Ele trabalha no sector/sétor/ dos transportes; - “intersecção” também pronunciada “interseção” (fechada). Ex – há uma intersecção de ideias; - A lista aumenta com “excepção”, “receptor”, “interceptar”, “adoptar”“arquitectar”,“detectar”,“colectividade””coleccionador”,“colectânea”, “direcção”,“inspector”, “trajectória”, entre outras. Mas, na realidade, já não acontece com arquitecto, factura,fractura, actor, factor fracção, acção, adjectivo, aspecto, colecção, compacto,efectuar, jacto, trajecto. No nosso caso, numa situação de multilinguismo, ocorrem frequentemente as interferências e desvios a uma norma pré-existente, as quais, como fenómeno social, provocam alterações na dita norma, até que se fixem como “nova” norma, após o seu uso comum ou colectivo. Até que ponto, ao longo dos tempos, este princípio para a alteração e fixação de normas foi respeitado na transição para novas normas de escrita, hoje mais modernas e aceites na língua portuguesa e de que damos alguns exemplos – anno, difficílimo, differença, apparecidosquasi, preoccupei, ella, d’elle, quiz, assumpto, geográphicas, e muito mais, incluindo o “h”,como no caso de hontem, sahi ou do futuro do indicativo “eu estudar hei”! Também os franceses poderão, se quiserem, optar por acabar com as duplas consoantes mm, ll,nn, cc, pp, etc. Porque não fazem falta à compreensão e simplifica a língua? Seria uma opção, e a escrita é uma convenção e ponto final. Mas provocaria ou não uma certa descaracterização da língua? Com certeza, se a mudança for repentina e abrupta. Também, para nós, acontece e acontecerá com algumas palavras sem a consoante muda, em que nem sempre é prejudicado o entendimento mas causa alguma estranheza, sendo mais complicado o caso do “h”, já sobejamente referido. Talvez, por isso, o “critério fonético” do Acordo Ortográfico, em contraste com a etimologia, iria “bulir” com a escrita de “homem”, “hoje” ou “há”, complicando ainda mais, no último caso, o entendimento ou desentendimento causado pela homofonia. Referir ainda que, “no nosso caso”, algumas alterações não se verificam apenas na pronúncia fechada da vogal. Outras pronúncias ou outros fenómenos fonéticos acontecem. Quais? Continua no próximo número! FICHA TÉCNICA Propriedade: Editora e Livraria Chá de Caxinde, SARL s Registo: 191/B/97 s Contribuinte: 0.130.210/00 s Editor: João Armando Neves s Director: Jacques Arlindo dos Santos s Produção: Paula Nhone s Redacção e revisão: José de Almeida e Silva, Maria Sá Fernandes e Paula Nhone s Administração: Bernardino António s Concepção Gráfica: Rodrigo Moreira s Impressão: Publicações, Ciência e Vida, Lda. s Tiragem: 5.000 exemplares s Fotografia: Sidimbali Vaz Neto s Publicidade: Cristina Garcez s Colaboradores: Adolfo Maria, Luisa Dolbeth, Luis Alberto Ferreira, Maria Sá Fernandes, Isabel Fontes, José Carlos Venâncio, Jacques Arlindo dos Santos, Paula Nhone, Sérgio Piçarra, Carlos Duarte, Fernando Pereira, Joana Ramiro, Jorge Arrimar, Rodrigues Vaz s Morada: Avenida do 1º. Congresso do MPLA, nº. 20/24 - Luanda s Telefax: 222322876 s E-mail: [email protected] Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 HISTÓRIA * 5 A informação em Angola nos anos 1960-74: A festa era da rádio Rodrigues Vaz N os anos sessenta e setenta do passado século, a rádio era o grande meio de comunicação social em Angola, como aliás continua a ser. Pode até dizer-se que a própria televisão que aqui se faz atualmente continua a revelar o dinamismo muito próprio do tipo de rádio que então se fazia, o que acaba, paradoxalmente, por lhe dar alguma qualidade, que as estações portuguesas não conseguem, tão preocupadas que estão na sua tabloidização. Não será difícil perceber porque é que se passava isto em Angola. Por um lado, a rádio começou a ser feita por pura carolice, nos chamados rádios-clubes que foram aparecendo pelo menos nas capitais distritais, hoje capitais provinciais, onde os mais interessados na cultura começaram a dar os sinais da sua graça. Por outro lado, contou também muito a influência brasileira que sempre se fez sentir, quer ao nível de livros – era fácil, por exemplo, arranjar em Luanda os livros proibidos do Jorge Amado – quer de revistas - a Manchette e o Cruzeiro eram as mais vendidas, até chegava a Luanda a grande revista Realidade, que foi uma das experiências mais estimulantes da resistência brasileira. E não podemos esquecer que mesmo noutros campos da cultura havia um inter -relacionamento mais desenvolvido do que aquele que acontecia entre a então chamada erradamente Metrópole e o Brasil. Depois, e talvez seja o mais importante, nos anos cinquenta passaram pelo Huambo, então denominada Nova Lisboa, homens como o Fernando Curado Ribeiro, um profissional de reconhecida qualidade cultural, que teve no Sebastião Coelho um digno seguidor, o qual fez a rádio angolana alcandorar-se a um grande nível, com o seu programa Café da Noite. Não esquecer, entretanto, o papel de pioneiros como Mesquita Lemos, Sara Chaves, Cremilda de Figueiredo, Maria do Carmo Mascarenhas, Joaquim Berenguel e Norberto Franco, nem de outros profissionais como Alexandre Caratão, Santos e Sousa, Carlos Meleiro, Arlete Pereira, Joana Campinos, José Manuel Frota, Cecília Victor, Carlos Moutinho, Adriano Parreira, Rodrigues Costa, Augusto Pita Grós Dias, Fernando Marques, Teixeira Júnior, Gioconda Ferreira, Norberto de Castro, Maria Dinah e Ferreira Arouca. Nos últimos anos da presença portuguesa, vale a pena citar o Manuel Berenguel, o Francisco Simmons, a Luisa Fançony, hoje a grande animadora da LAC, a Wanda Maria, e evidentemente o José Maria de Almeida, do Luanda 74, e o Emídio Rangel, que revolucionaram ainda mais a rádio angolana com o seu profissionalismo e competência, qualidades que depois estenderam à rádio portuguesa depois do regresso, inovando e renovando a maior parte das estações, onde alcançaram lugares ímpares, como é o caso de Fernando Alves e de Alberto Ramos, entre muitos outros. Já agora convém lembrar que a radiodifusão em Angola, cujos expoentes além dos rádios-clubes, foram a Emissora Oficial de Angola, hoje Rádio Nacional de Angola, a Rádio Eclésia, Emissora Católica de Angola e a Rádio Comercial, foi iniciada por um amador devidamente autorizado em 28 de Fevereiro de 1931, Álvaro Nunes de Carvalho, o CR6AA, motivo porque é considerado como o pai da rádio angolana. Está claro que a primeira emissão em circuito aberto foi feita em Benguela, a cidade que queria ser pioneira em tudo, até foi lá que se realizou igualmente a primeira emissão de televisão em Angola, pela mão do conhecido fotógrafo Luís de Camões. Acrescentese ainda o aparecimento de a Voz de Angola, criada em 1968, que utilizava um emissor de Onda Curta de 10 KW e outro de Onda Média, com 100 Kw de potência. Na realidade, a Voz de Angola não chegou a existir como emissora autónoma, uma vez que emanava da Emissora Oficial de Angola, EOA, constituindo como que um desdobramento de emissão. No entanto, funcionava nas instalações da EOA, se bem que com estúdios e pessoal de produção próprios. Assumidamente dirigida à população autóctone, privilegiava as línguas nacionais mais usadas e a música angolana. Por isso chegou a ter bons níveis de audiência, sobretudo na capital, embora os ouvintes se apercebessem claramente que era um órgão político por excelência, com o controlo direto da PIDE. Intencionalmente, só agora refiro a presença de outro profissional brilhante que muito fez avançar a rádio em Angola: Paulo Cardoso. Autor do famo- so slogan “Se não quer que noticie, não deixe que aconteça”, Paulo Cardoso estaria à frente do primeiro projecto de televisão comercial em Angola, a TVA, a qual, apesar de não autorizada pelas autoridades, chegou a ser “inaugurada”, em 1973, pelo General Costa Gomes, antes de abandonar o cargo de Comandante em Chefe das Forças Armadas em Angola. Convidado a visitar oficialmente as instalações da estação, na então Rua Luís de Camões, hoje Rua da Missão, ao lado do Hotel Trópico, Costa Gomes só aceitou fazer uma visita “clandestina”, mas as coisas estavam de tal maneira preparadas e de tal modo formalizadas, que no final da visita foi-lhe ofertada uma bobine com a reportagem da sua visita, devidamente montada e registada. De qualquer modo, foi o primeiro reconhecimento “oficial”. No entanto, o braço de ferro que a PIDE opunha a qualquer tentativa de instalação de TV em Angola, só vem a ser amainado em 27 de Junho de 1973, com a autorização da constituição de uma sociedade anónima para a exploração desses serviços em Angola, que criaria a Radiotelevisão Portuguesa de Angola, cuja sigla, RPA, para não ser confundida com a da proclamada República Popular de Angola, mudará para TPA, Televisão Popular de Angola. No tocante à imprensa, nos últimos anos da presença portuguesa, excetuando a revista Notícia, um projeto profissionalizado com pessoal competente, mas defendendo, antes de tudo, uma Angola portuguesa, mesmo com independência, o panorama não era muito animador. A Província de Angola, embora jornal privado, podia ser considerado, se não oficial, o diário oficioso, raramente ousando questionar os problemas reais. É preciso termos em conta, por exemplo, que quando um dos seus colaboradores, o António Pires, se meteu a denunciar a poderosa Diamang, a direção do jornal foi obrigada a despedi-lo, para poder continuar a ter os anúncios daquele potentado. Este jornalista, que também se armava por vezes em literato, viria a fundar o semanário Atualidade Económica, que conheceu algum êxito. Nos últimos anos, 6* HISTÓRIA a Província de Angola tinha como fundista um tal Humberto Lopes, que vivia em Benguela, onde aliás a delegada Maria Virgínia de Aguiar se via às aranhas para conter os vários interesses contraditórios dos empresários locais. O oásis era ao domingo, com um suplemento cultural coordenado pelo Carlos Ervedosa, filho de um dos proprietários, que conseguia fazer conhecer a pouca literatura que se ia fazendo, apesar de ter de aguentar os folhetins do Reis Ventura, por sinal vastamente lidos. De salientar que Carlos Ervedosa foi o autor da primeira sinopse de literatura angolana, intitulada Roteiro da Literatura Angolana, editado pela Sociedade Cultural de Angola, 1972. O Comércio de Luanda, cuja publicação foi várias vezes suspensa, era mais bem feito, primeiro pela acção de um profissional como Ferreira da Costa, comprometidíssimo com o regime colonial, e depois pela acção do secretário-geral, José Maria Araújo, que fez muito bem a ponte com o último proprietário, António Champallimaud. Ficaram célebres neste jornal as crónicas de Alfredo Bobela-Mota, tão sarcásticas quão certeiras. Depois de ter reaparecido em Maio de 1974 com um certo equilíbrio, o apoio editorial à tentativa de golpe de Estado em Moçambique, em Setembro daquele ano, ser-lhe-ia fatal. Havia também dois diários vespertinos: o Diário de Luanda, da União Nacional, e o ABC, fundado e dirigido por Machado Saldanha, republicano da velha cepa. Ambos cumpriam o seu papel, a seu modo e como a férrea censura da época os deixava, isto é, o primeiro sem ser muito agressivo, e o segundo com muitos entraves. Como o Estado deixou de publicar anúncios no ABC, por vingança de algumas ferroadas que conseguia ir dando, este começou a debater-se com dificuldades financeiras, que já não eram cobertas pelo lucro proveniente da Livraria ABC na Baixa, próximo da Versailles. Por isso, o ABC acabaria por desaparecer enquanto o seu antigo suplemento, a Tribuna dos Musseques, que se emancipara ainda na década de 60, continuou em circulação. A Tribuna dos Musseques, na fase de suplemento do ABC, era dirigida por Teófilo José da Costa, vulgo Cu de Palha, que foi um personagem que esteve na base do desenvolvimento do Carnaval de Luanda. Era irmão de Carlos Lamartine, uma das figuras principais da música angolana e que chegou a ser deputado pelo MPLA e é hoje adido cultural numa embaixada angolana. Depois, autonomizou-se e ficou com uma redação perto da Estrada da Cuca em Número 9 - 2ª série pleno musseque Marçal e o Centro de Informação e Turismo de Angola, CITA colocou lá um branco, Albuquerque Cardoso, para controlar e como redatores Maria Eduarda e Jerónimo Ramos, ambos conhecidos como muito «mussequeiros» até porque eram casados com angolanos. Fora de Luanda o único diário era O Lobito, dirigido por Mimoso Moreira, onde a extrema-direita campeava com uma incompetência de bradar aos céus. Quanto aos semanários, fora o Jornal de Angola, uma interessante experiência da Associação dos Naturais de Angola, ANANGOLA, há que recordar o papel importante que teve o Intransigente, em Benguela, depressa debelado pela censura, e uns anos (poucos) do Jornal do Congo, dirigido pelo Acácio Barradas, que conseguia fazer verdadeiras diabruras aos accionistas. O Jornal de Benguela e o Jornal da Huila limitavam-se a funcionar, embora este fosse mais a voz do dono, o poderoso Venâncio Guimarães Sobrinho, sogro do conhecido Eng. Cardoso e Cunha, que foi ministro de Cavaco Silva, célebre nos últimos anos pelas grandes confusões que arranjou à volta dos seus negócios em vários países africanos. Lembrese que este Venâncio Guimarães Sobrinho, que era deputado e membro do Conselho Legislativo de Angola, subsidiava sozinho uma curiosa publicação, a Revista de Angola, dirigida pelo fundador do Comércio de Luanda, Araújo Rodrigues. E são ainda de referir a revista Trópico, pré-tablóide, do célebre eng. Pompílio da Cruz, fundador da FRA, Frente de Resistência Angolana, em 1974, e que chegou a ser candidato à presidência da República em Portugal, assim como uma coisa que dava pelo nome de Semana Ilustrada, de Borges de Melo, vindo do semanário O Planalto, do Huambo, que pelo menos tinha uma boa “saúde comercial”. É curioso analisar as capas da Trópico – eram só “belezas” europeias, como se Luanda não fosse a capital de um país africano onde as suas naturais “não pediam meças” às mais elegantes parisienses! | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Além do Notícia, propriedade da Neográfica, que pertencia ao Grupo Vinhas, da CUCA, esta editou ainda uma revista de cultura e espetáculos, a Noite e Dia, onde colaborava o conhecido Domingos Van -Dúnem, ultimamente coordenada pelo Rogério Beltrão Coelho, que tem andado por Macau, e um semanário humorístico quase todo feito pelo crítico de teatro Angerino de Sousa, natural de Moçâmedes, que era diretor de uma companhia de seguros, e pelo Xico Orta, que ainda continua a ser um excelente gráfico – é ele que anima graficamente os Roteiros do TT Kwanza-Sul - irmão do conhecido encenador português Filipe La Féria. Ainda no que concerne às revistas não pode ser esquecida a Prisma, ligada a católicos progressistas e que teve como diretor e principal animador António Palha, que foi casado com Joana Campinos, que pertencia a uma família que viria a estar ligada ao Partido Socialista. Antes, Joana Campinos fora casada com o radialista e ator Fernando Curado Ribeiro e ainda viria a casar com Sebastião Coelho, uma das personalidades da rádio mais marcantes em Angola. Um dos acionistas principais da Prisma era Mota Veiga, um grande empresário de Angola, originário da região de Viseu. Foi para evocar a mãe, que foi instituído o Prémio Maria José Abrantes Mota Veiga, cuja primeira edição foi ganha pelo livro Luuanda, da autoria de Luandino Vieira, que a seguir viria dar grande polémica ao vencer também o Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores, originando o seu encerramento compulsivo decretado pelo regime salazarista. Evocamos, por último, os vários boletins que algumas instituições mantinham mensalmente, sendo os mais notáveis, pela sua qualidade, o Boletim do Museu de Angola, o Boletim do Instituto de Angola, o Boletim do Grupo “Amigos de Luanda”, e, claro, o Boletim da Sociedade Cultural de Angola, que se viria a transformar na revista Cultura, antepassada do quinzanário atual. Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Eusébio DESTAQUE * 7 EUSÉBIO Um mensageiro de povos enganados “Os passados estão sempre presentes” Eduardo Lourenço** Luis Alberto Ferreira* [email protected] A longa fila dos barriguistas A banalidade do mal, cuja credível radiografia sempre agradeceremos à prelúcida Hannah Arendt, varreu a praça pública portuguesa com os ventos da embricação de uma tragicomédia: as várias morfologias emocional-mercantilistas da choradeira pelo falecimento de Eusébio da Silva Ferreira. Para a lavagem da honra do convento, salvaguarda da dignidade das pessoas e do valor da sinceridade — em seus ângulos precisos — no amor, na admiração, no respeito, na idolatria, no sentimento da perda, valeram-nos as manifestações de espontaneidade estuante de milhões de portugueses e outros seres de costas voltadas para o acordo ortográfico. Enfim, a expectável e fatal cozinhada de amoralidades que, por sorte, contou com dois diluentes de avassaladora envolvência afectiva: Eusébio morreu e os abutres semeadores da apolitização e modus faciendi algo caótico, do moçambicano de Mafalala, logo correram, numa afoiteza descaradíssima, para o estádio dos benfiquistas. Primeiro-ministro “africanista” e capitão de naufragosas aldrabices “reformistas”, vice-primeiro-ministro de ar tresloucado e “fraca desenvoltura no andar” *, Presidente da República com a sorumbática solenidade prestativa dos cangalheiros — assim começou a lúgubre e fatídica romaria. Inclusiva, até, de antigos predadores — pais e filhos — engordados pela alfarroba das ex-colónias ou evangelizados pela conjectânea e prática do apartheid em Moçambique. O desfile de “notáveis” — notabilizados por toda a espécie de tóxicos não notabilizantes — chegou a ameaçar não ter fim, tal a teórica impossibilidade de fechar a torneira. Não vimos, não demos por Catroga. Esse, esse mesmo. Catroga, cuja carranca de argentário devorista é, hoje, oficialmente, reconhecida em Portugal como não aconselhável biberão imagético para as criancinhas à hora de fazer oó. E houve mais lances póstero-superiores de aproveitacionismo. O cortejo, com partida no estádio das águias, foi até à câmara municipal de Lisboa para gáudio particular do autarca-mor, “socialista” de postergações obscuras no próprio partido, comentador político-televisivo e pescador de amores opor- tunos no mar das cantigas e dos fervores “kolturais”. Desejar-se-ia, sim, o percurso até ao Rossio, e daqui para a necrópole que acolheu o corpo de Eusébio. Fica a melhor das subjacências, seguramente memorável: o povo nas ruas e avenidas de Lisboa. O mesmo povo sem o qual não teria vingado (até finais de Novembro de 1975), o 25 de Abril. Aí, sim, ocorreu a suprema consagração de Eusébio da Silva Ferreira. “O Triunfo dos Imbecis” (Papini) Eusébio em carne e osso livra-se destas chusmas de cacaracá responsáveis pelo absurdo de famílias sem dinheiro para levarem as crianças a uma consulta médica — e consegue, espiritualmente, o prodígio de permanecer na linha da frente anatemática da Organização da Crueldade. A humildade de Eusébio não se avalia apenas no quadro das bondades culturais de Portugal e do resto do mundo. Eusébio é uma valiosa fonte ponderativa. Tanto assim que ele, na sua quase pueril franqueza — básica essência da humildade natural — suscita reflexões que passam por uma exigente separação de águas. Em vários escalões da coabitação perseverada, do direito ao espaço grupal e individual. Há muita gente, agora, a reflectir, a pensar a vida — a partir de Eusébio. Como que trave de um novo aprendizado. Numa altura em que a pedagogia dos valores fulcrais — em sede da condição humana — sucumbe à impante ovulação de todos os despautérios. Não fosse a morte tão incontornável e seria este o preâmbulo da entrada em cena de quem escreveu “O Triunfo dos Imbecis”, o espartano Giovanni Papini, florentino sem floreios no olhar sobre a paisagem da improbidade. As luzes sentimentais semeadas pelo valor mítico de Eusébio conjugam o ressurgimento da morte como premonição e chamada à realidade terrenal: a pequenez do homem, a sua fome de compensações, estímulos e ressarcimentos. Vivo, vivíssimo, na fruição plena de suas possanças e heterodoxias, Eusébio encantou-nos e comoveunos ao longo de todas essas ribaltas planetárias em que soube ser ele próprio — sem subterfúgios, sem traficâncias ou pseudónimos cosmopolitas. Bem poderá a RDP-Antena 1, ancoradouro de revanchismos pós coloniais e caixa de propaganda selectiva de cantadeiras e cantadeiros, insistir na prática de vários jogos do Obscurantismo Estratégico-Ideológico. Um dos quais consiste no já impudicamente declarado negócio da mercantilização do futebol como pagadoria de favores e facilidades dos políticos. Dos idiotas da política que à tarde são comenteiros de futebol na RDP-1 e à noite são comenteiros políticos na SIC... Alguns, viram a barriga crescer, ex-abrupto, por ocasião dos altos rendimentos da negociata-barraca-de-bifanas do desaparecimento de Eusébio. Choldra vergonhosa — que insultou os sentimentos de uma população lisboeta sinceramente tocada pela defunção do extraordinário e cativante jogador de futebol. Jornais desportivos, jornais generalistas, televisões e rádios nacionais e privadas são pau-para-toda-a -obra na oferta da manjedoura do futebol aos políticos arvorados em comentadores, em comenteiros derivados da incessante vadiação político-partidária. 8* DESTAQUE Eusébio Trata-se de um dos cabarés intelectuais de mais reles reputação no pobre Portugal de hoje: crianças com fome, crianças violadas e pedófilos em liberdade, cancerosos em listas de espera-da-morte, falanges de noviços boys dos partidos políticos assaltando uma função pública que despede aos milhares quem por lá deixou anos de sangue, suores e lágrimas. Uma horda de comenteiros mais ou menos bacocos, quando não imbecilóides, invadiu os curvilíneos territórios mediáticos ligados ao futebol. Esta enorme manjedoura à mercê dos telmos, dos searas, dos viegas e de outros abencerragens da épica barriguista, não possui tábua ética a que ater-se. No passado, um intelectual da praça, Artur Portela Filho, aventurou-se numa infantil atrabílis contra Eusébio. Quando, na Luz, o jogador “pôs o pé à frente” para proteger-se de uma multidão que sobre ele desabava, ululante, desvairada pelos fogaréus de uma apoteose pela “conquista do título nacional”. No presente, temos um cérebro caduco — da lusitanidade — a fosforejar raivas etnocêntricas: o sr. Mário Soares, penduricalho já esmalmado na letargia de avô do chuchialismo democrático. Diz ele que Eusébio era “inculto” e “bebia muito whisky”. Dito no preciso momento em que o corpo de Eusébio baixava à cova escura. Isto é: perder la cuenta ou, tardiamente, energizar o célebre título de Giovanni Papini: “O Triunfo dos Imbecis”. Também, numa sadia conversa da Mutamba, poderíamos propor: pior seria se Eusébio, em vez da garrafa de whisky, preferisse antes o garrafão de kaporroto. E bem pior que o falsífico kaporroto é a vigarice do chuchialismo de Mário Soares. O mesmo que, tendo desfeiteado e, depois, insultado a memória do guineense Nino Vieira, subtrai nos gavetões da Fundação imagens dos cálidos abraços a Mobutu, o selvícola troglodita, assassino de Patrice Lumumba, que em Kinshasa ocupava o palácio quando, na realidade, o seu lugar deveria ser, na capital congolesa, o estridulante mercado dos ladrões. Manjedoura para uma ideologia Em suma: trapaceiros escapados à mentirosa manápula da “justiça” maltratam microfones, estorcegam-nos a paciência e embolsam dinheirama pública e privada à custa de blasonar: “Eusébio ao panteão nacional!”. Recurso, evidentemente, de extracção mais recente. Porque a lengalenga de tipos como Telmo Correia, filofascista, ou Fernando Seara, tapioca enjoativa e marca de enganosos licores democráticos, é antiquíssima, vem do tempo dos combates nas Termópilas... Mas vai acabar por sucumbir à força do deslastre da grande farsa que é a magnificação post mortem de Eusébio da Silva Ferreira. Porque existe a grande alcáçova da Memória Popular. A lengalenga comenteira desses oportunistas de partidos como o CDS e o PSD — só lá falta o medonho Catroga — deflui como ácido degenerante das aptidões éticas e cognitivas de milhares de portugueses, angolanos, guineenses, moçambicanos, cabo-verdianos, são-tomenses, timorenses. A rancidez intelectual de tais opinantes passa por um combóio de marcha monocórdica... o penalty que foi, não foi, mas foi, mas não foi, aquele cruzamen- Número 9 - 2ª série Eusébio despediu-se da vida em plena época de aviltamento político-mercantilista do futebol to da direita, o rapaz imprudente no carrinho que por um triz amputava a perna ao Zé da Moina, todo um lacerante cortejo de baboseiras... remunerado com dinheiros que fazem falta à saúde maltratada, à educação pontapeada, à segurança social esventrada dos portugueses. Eusébio, em carne e osso, foi bolsa de víveres para muita resma parasitária enfronhada nos futebóis. E nem mesmo na glacial perpetuidade do seu sono poderá, Eusébio da Silva Ferreira, livrar-se do escalavramento golpista de toda essa Ndaghetta de charlatães parasitários e sem polícia por perto. A graçola obscena de Soares deixou no silêncio cúmplice os comenteiros de serviço. O próprio Pacheco Pereira, homem ajuizado e intelectual largamente prestimoso — logo, não comenteiro do futebolês barriguista — contorceu-se, desnecessariamente, ao ser exposta a matemática político-cultural desembocada no Panteão. Ideia que, de pronto, me remeteu para o verosímil de um panteão nacional em Moçambique, aglutinador de Mondlane, Machel, Craveirinha, Malangatana... e Eusébio, | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 naturalmente. Mas esta é uma ideia requisitante de mais repousadas análises, mais cordame para, também, rarefacções “construtivas”. O especulativo adeus a Eusébio — classe política e comenteiros do futebolês a tripudiar com desmesura — colocou-nos diante da mais ominosa manjedoura ideológica que abandeira austeridades cruentas para as maiorias — e empanturra de fogos o neofascismo da “austeridade”. E da corrupção multipétala. Uma farândola estratégica para tapar montureiras. Eusébio, agora, despoleta, origina, suscita. Manuel Alegre, vero socialista, construiu para ele e por ele um poema de rara pulcritude. E, na esteira da onda reflexiva que Eusébio e seu passamento propõem, o poeta de Águeda, animicamente conimbricense, estende a factura moral inesperada: “O capitão Salgueiro Maia ao Panteão!”. Perdido nas cogitações de cúmplice de desditas, fracassos e escatologias várias, Cavaco Silva estrebucha. “O capitão Salgueiro Maia ao Panteão!”. Pontifical demanda. Cavaco obsequiou pides sanguinários com pensões consoladoras — “por serviços à nação”. A tirania da malvadez e a genealogia do que se vai dissipando em Portugal: a sensibilidade ao mal. Imaginem o que Eusébio da Silva Ferreira, na flor da ausência física, conseguiu, já, erigir. Mensageiro de povos enganados, lá vai a memória rútila de Eusébio, por entre galerias siderais, satirizando os hipócritas, à moda do sadino Bocage: “... Subir, subir, subir. E, depois de me achar lá bem no alto, desatar os calções sobre este mundo!” *Jornalista e investigador ** Eminente pensador Número 9 - 2ª série | Eusébio Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Aquele “senhor Coluna” era a coluna vertebral Eu, dois anos mais velho que Mário Esteves Coluna, tinha 23. Ele teria, pois, 21 anos, quando, em Madrid, no Hotel Zurbarán, iniciámos uma conversa de rapazes africanos a desbravar caminhos... Primeiro, Coluna chamou, respeitoso, o seu treinador, Otto Glória. E disse-lhe: “Ó senhor Otto, este moço angolano é o correspondente, em Espanha, do “Mun- S NOVOÇOS PRE do Desportivo”. Está a ver, senhor Otto? E ainda me perguntam, em Lisboa, se eu serei capaz de me afirmar em Portugal!...”. Otto Glória, virando-se para mim: - Então foi você que fez aquela entrevista com o Alfredo Di Stéfano? - Sim, senhor Otto Glória, publicada no “Mundo Desportivo”... O futuro “senhor Coluna” continuou na dele: - Ó senhor Otto, ele diz que vai mesmo ser jornalista aqui em Espanha! DESTAQUE * 9 Otto Glória e seu bigode sorriram com prazer: - Assim, com esta confiança nele próprio, vai chegar lá! Não havia Eusébio, ainda. E Mário Esteves Coluna, jovem, jovem, jovem, estava no meio de um Benfica repleto de veteranos. De forma paulatina, Coluna foi enunciando princípios e forjando estatuto. Face à ardósia do jogo, pegou no giz e ele mesmo traçou para si um desígnio posicional. Pelo futebol de um Benfica em mudança — com Otto Glória — passaram vários carregadores de piano. Um dos quais, Neto, espartanamente raçudo. Coluna iria fazer a diferença ao carregar o piano com as subtilezas do pianista. Mário Esteves Coluna poliu com sábio esmero o lado introspectivo da sua forte personalidade. Grande foi a sua cordura nas relações humanas, como versátil foi a sua interpretação do envoltório físico e mental do jogo. O atleta Mário Coluna jamais se demitiu de ser o geómetra Mário Coluna. O “senhor Coluna” da máxima urbanidade e do máximo rigor soube, também, ser o “senhor Coluna” coriáceo nas divididas e no artilhamento para proteger Eusébio. Vi o “senhor Coluna”, no Torneio de Badajoz, em Espanha, adiantar-se, raposinamente, no campo, para ir lá adiante meter na ordem um caceteiro que sarrafava Eusébio. Tudo com chave de parafuso limpamente ortodoxa. Eusébio choramingava junto do “senhor Coluna” e o “senhor Coluna”, que era a coluna vertebral, tomava nota e tratava do assunto. Alguma reclamação? E, por fim, a elucubração e o mistério que a morte não dispensa. O “senhor Coluna”, o magnânimo e estóico Mário Esteves Coluna, deixou-nos para ir proteger Eusébio. L.A.F. TABELA de PUBLICIDADE do JORNAL “O CHÁ” DESIGNAÇÃO LARGURA ALTURA PREÇO (USD) 3 MESES (-15%) Página dupla 526 mm 303 mm 1 540,00 3 927,00 6 MESES (-20%) 7.392,00 1 ANO (-30%) 12.936,00 Página ímpar 248 mm 303 mm 875,00 2.231,25 4.200,00 7.350,00 Página par 248 mm 303 mm 612,50 1.286,25 2.940,00 5.145,00 1/2 Página ímpar 248 mm 148 mm 525,00 1.338,75 2.520,00 4.410,00 1/2 Página par 248 mm 150 mm 350,00 1.067,50 1.680,00 2.940,00 1/2 Página ímpar vertical 121 mm 303 mm 595,00 1.517,25 2.856,00 4.998,00 1/2 Página par vertical 121 mm 303 mm 455,00 1.160,25 2.184,00 3.822,00 1/4 Página 121 mm 148 mm 262,50 669,38 1.260,00 2.205,00 1/8 Página 121 mm 71 mm 175,00 446,25 840,00 1.470,00 Rodapé 1ª página 248 mm 71 mm 875,00 2.231,25 4.200,00 7.350,00 Rodapé pág. ímpar 248 mm 71 mm 612,50 1.561,88 2.940,00 5.145,00 Rodapé página par 248 mm 71 mm 227,50 1.160,25 2.184,00 3.822,00 Orelha 1ª página superior 77 mm 71 mm 1.050,00 2.677,50 5.040,00 8.820,00 Orelha 1ª página inferior 77 mm 71 mm 700,00 1.785,00 3.360,00 5.880,00 10 * HISTÓRIA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Carlos Duarte Os potentados sangrentos de África A história de África é escrita com letras de sangue, morte e destruição, que modelaram nos povos em geral um determinismo fatalista incomparável. Foram muitos os potentados alicerçados no terror e na crueldade. Em Angola, em época anterior à ocupação Portuguesa, os Régulos M’Bangu eh Muzungu e N’Gola Kiluangi kiá Samba -- ambos deram nome a regiões atuais -- movimentando sistematicamente uma máquina de guerra que se nutria de sangue, gado e apreensão de escravos de grupos tribais de menor potencial bélico, tinham por costume, um e outro, se apoiarem a cajados com terminais em aguilhão, que espetavam no coração de escravos prostrados em cada lado de suas Benza (tronos). Assim, sacrificavam diariamente e sem qualquer propósito que não fosse o de demonstrar total desprezo pela vida, tanto adultos ou crianças -eram ecléticos na maldade -- quanto o dobro de vezes que ocupavam ou deixavam o assento régio. Na África do Sul, dois grandes chefes se tornaram notáveis pela crueza com que demonstravam esse mesmo desprezo pela vida humana: Shaka dos Zulus e Mzilikazi dos Matabelês. Em 1453 da Era Cristã, começa a história efetiva da África do Sul, no Cabo de São Vicente, no extremo sudoeste da Europa. Lá, um Príncipe monástico de Portugal, o Infante D.Henrique, “O Navegador”, no Promontório de Sagres, numa época em que o mundo era dominado pelo medo e ignorância, ele olhava além dos limites da Europa, imaginando mundos que aguardavam ser descobertos e salvos. Conhecia os relatos de Marco Pólo e sabia da existência de civilizações no Oriente, mas acreditava que, até que homens brancos da Europa, batizados e professando a fé católica, cristianizassem essas e outras terras, elas e seus habitantes permaneceriam pagãos e inaceitáveis como civilização. Seu objetivo imediato era África, que visitara duas vezes. A primeira aos vinte e um anos, numa grande vitória do exército Português em Celta, e a segunda aos quarenta e três, numa estrondosa derrota em Tanger. Era fascinado pelo Continente Africano, e com os seus estudos sobre navegação acreditava que os seus navios podiam navegar para o sul, ao longo da Costa Ocidental de África, dobrar o Cabo do extremo sul e subir pela Costa Oriental, até às Índias e suas especiarias, China e Japão. Perseguiu este objetivo sem sucesso até à sua morte, em 1460. O ano de 1453 foi marcante para o Infante D.Hen- rique porque, profundamente Cristão, teve conhecimento de que os Muçulmanos -- eternos rivais religiosos dos Cristãos -- haviam atacado e conquistado Constantinopla, fechando as rotas do Mar Vermelho para o rico Oriente. Nunca chegou a ver qualquer mercadoria Oriental; só anos após a sua morte, os navegadores Bartolomeu Dias e Vasco da Gama concretizaram os sonhos do Infante de Sagres, vencendo o primeiro o Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança e o segundo chegando às Índias pela Costa Oriental do Continente Africano. O potentado Zulu tem início com o reinado de Shaka, filho de um régulo Senzanga Khoma, de um dos clãs mais fortes dos Zulu, que engravidara Nandi, uma mulher Lengani, que se tornou por isso sua terceira esposa, mas, desagradável e pouco dócil, acabou sendo rejeitada junto com o filho, e voltou para os Lenganis, onde Shaka cresceu acalentando o sonho de se tornar Rei dos Zulu, e expandir o império até nem onde ele tinha ideia; cresceu arrogante e antipático como a mãe, e foi por isso marginalizado pelos outros meninos Langani, mas cresceu forte e se preparando para ser um guerreiro, o melhor entre todos. Shaka era o nome que os Zulu davam a um parasita intestinal; quando Nandi engravidou, de desagradável que era, na tribo diziam que ela não estava grávida, apenas tinha um shaka na barriga. Vindo ao mundo, o parasita shaka, continuou sendo Shaka. Foi com alívio que o rei e a tribo, viram partir Nadia com o seu pequeno parasita. O ano de 1802 foi um ano de seca e fome. O Rio Umfolozi, secou e a fartura que trazia ao vale que o abrigava e às margens, desapareceu. Com a escassez de alimentos o chefe Longani decidiu expulsar do Kraal todas as pessoas indesejáveis, entre as quais se encontravam Nandi e o filho Shaka, de quem ninguém gostava no clã. Exilados partiram para as terras do sul, onde chegaram ao reino de Dingiswayo, o mais importante dos chefes do sul que, ao ver Shaka e N’Xumalo, um xilado voluntário do clã Sixolobo, e o único companheiro de Shaka entre os Langanis, adivinhou neles grandes guerreiros; eram fortes e mostravam destreza no uso das Azagaias. Considerou-os bem vindos ao seu regimento. Nos anos seguintes, Shaka e N’Xumalo ganharam grande experiência em guerras e campanhas que ampliaram o território de Dingiswayo, e Shaka começou a desenvolver técnicas pessoais de Guerra e Teoria de Combate! Discordava dos grandes agregados -- mulheres e crianças -- que acompanhavam o destacamento, denunciando à distância a aproximação, e dando a conhecer aos inimigos a disposição das tropas a todos os momentos, aguardando apenas o momento mais propício para o confronto. Discordava dos rituais que antecediam as batalhas e dos lugares escolhidos -- com encostas suaves, em anfiteatro, para melhor apreciação dos espectadores -- discordava dos arremessos das azagaias à distância, que permitiam a esquiva dos adversários. Discordava dos embates pouco contundentes, quando os dois exércitos estavam já desarmados, e da benevolência do vencedor, capturando apenas algum gado e umas quantas mulheres. Discordava do uso de sandálias de couro de vaca pelos guerreiros, artefato que, no seu entender só tolhia a mobilidade em combate. Achava inclusive as azagaias impróprias para a luta. Preferia o uso de adagas para o corpo a corpo. Shaka treinou com N’Xumalo ataque e defesa, força e destreza, luta corpo a corpo. Quebrou uma lança e encomendou ao forjador da tribo uma arma com o tamanho da metade da lança e o dobro do tamanho de parte cortante: uma Adaga! Em 1815, num confronto banal com os Butelezi, Shaka demonstrou o que e como queria que fosse uma guerra. No ritual inicial em que um ou dois guerreiros se adiantam para trocar insultos, Shaka levantou-se e correu descalço para o adversário. Com o seu escudo enganchado no do outro, expôs-lhe o peito e mergulhou nele a adaga curta. Arremeteu depois para as fileiras de vanguarda dos Butelezi, e junto com ele, todo o regimento Izicwe. Foi um massacre. Dezenas de inimigos mortos e de mulheres capturadas, centenas de cabeças de gado apreendidas. Em 1816 o pai de Shaka, chefe dos Zulu morreu. Shaka removeu o filho destinado à sucessão e assumiu o comando do clã que tinha cerca de 1.300 pessoas e 300 guerreiros. Era um clã inexpressivo, menor que a maioria dos outros clãs, como os Sixolobo e os Lengeni, e que não expandira o seu território nos últimos cem anos. Tão logo assumiu o comando, uma das suas primeiras providências foi mandar os guerreiros jogar fora as azagaias tradicionais substituindo-as por adagas, proibiu o uso de sandálias e treinou as tropas no endurecimento das solas dos pés, fazendo-os dançar sobre espinhos e pedras batendo os pés com força no chão, até que as solas dos pés estivessem mais duras do que couro. Os guerreiros que Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 não agüentavam e fraquejavam neste treinamento, eram mortos. Aumentou o tamanho dos escudos quase à altura de um homem, e treinou com os guerreiros defesa e ataque corpo a corpo, com as técnicas que aperfeiçoara com N’Xumalo. Instituiu a técnica de combate “corpo-braços-cabeça”, em que o corpo era a grande concentração de tropas central, e a única que os inimigos podiam ver, os braços eram dois grupos de envolvimento rápido que atacavam pelos flancos, e a cabeça, um regimento que, nos dois primeiros estágios de qualquer batalha -- início com o embate frontal do corpo e o segundo que era o ataque dos braços pelos flancos -- ficava escondido por uma colina e de costas para a luta, sem poderem saber o que se passava na batalha. No momento adequado recebiam a ordem de ataque, que cumpriam sem pensar e sem tentar adequar-se à situação. Velocidade, rapidez na comunicação e acurácia eram os outros trunfos da estratégia de Shaka. Shaka e N’Xumalo formavam uma dupla fantástica; Shaka era um planejador criativo e N’Xumalo um executor implacável. Uma manhã de 1816, Shaka reuniu os seus quatro esquadrões numa formação de quadrado oco. Inflamou os ânimos dos guerreiros com palavras de incentivo, enquanto estes batiam os pés no chão com violência -- a dança que caracterizaria para sempre os Zulu. Cada esquadrão era distinguido por diferentes cores dos panos de cabeça e pelos couros de gado dos escudos. Contra os Langani, Shaka ordenou uma marcha silenciosa. Na manhã seguinte o clã acordou cercado por guerreiros Zulu. Foi a vingança de Shaka contra o clã que expulsara a mãe e a ele anos atrás. Todos os desafetos pessoais foram empalados por estacas de bambu, e depois de horas de sofrimento, queimados ainda vivos. Os chefes apenas tinham o pescoço quebrado, numa morte rápida e sem sofrimento, e no final, Shaka absorveu os regimentos Langani no seu exército. Quando Dingiswayo morreu, numa batalha contra uma tribo do norte, todo o contingente Izicwé se uniu aos Zulu. Shaka se movimentava com uma velocidade devastadora, dominando os pequenos clãs, cujos chefes eliminava e cujas forças militares agregava às suas. A incursão contra os N’Gwane, os apagou do cenário africano como clã. À vista do Corpo de Ataque Zulu, se posicionaram em tosca formação de combate, acreditando tratarse apenas de mais uma investida por gado e mulheres, em que apenas alguns homens sairiam machucados. De repente descobriram com espanto que as alas Zulu estavam abertas, como os chifres de um touro. Os guerreiros Zulu caíram sobre os atordoados inimigos matando, e quando as forças N’Gwane tentaram se reagrupar para resistir, do nada apareceu a cabeça do exército de Shaka, as adagas totalmente sem clemência. Os guerreiros e os velhos foram mortos -- os Zulu nada viam de errado em ajudar a morrer os que eram idosos ou doentes -- as mulheres distribuídas entre os Kraal Zulu, e os meninos recrutados para o exército. Com Shaka no poder, os homens combatiam dos 14 aos 60 anos, e nenhum guerreiro podia casar ou procriar antes de lavar a adaga no sangue de inimigos, e somente por concessão de Shaka, o que acontecia por volta dos 30 anos. Shaka formou um batalhão só de mulheres, que devia seguir na retaguarda para cuidar da comida, reparar as armas danificadas e cuidar dos feridos. A regra básica para estes era: se um Zulu está ferido, fale com ele. Se ele conseguir compreender o que você disse, cure-o, se não mate-o Formou um outro batalhão de idosos, que recebiam apenas meia ração e deviam trabalhar constantemente. Quanto mais rápido morriam, mais se fortalecia a nação Zulu. Em 1832 Shaka já consolidara a maior parte da sua nação, impondo uma ordem e uma disciplina cuidadosamente definidas; através de punições brutais, transformara um amontoado de clãs num reino unificado. Praticava um governo tirânico mas não insano, assegurando ao seu povo suprimentos de água permanentes e fontes estáveis de alimentos. Os resultados benéficos do governo de Shaka eram evidentes. Uma área maior que muitos países europeus e que estivera desorganizada até então, tornara-se coesa e próspera. As centenas de tribos e clãs que viveram até ali na base de cada um por si, se proclamavam agora orgulhosamente de Zulu que era nesta altura uma temida nação de meio milhão de pessoas. A cidadania dentro da nação atingia a todos por igual, antigos ou novos integrantes. Mas Shaka, um misógino sem descendentes, sobrinhos nem filhos que pudessem suceder-lhe, ficou obcecado com a idéia de envelhecer e morrer. Feiticeiros e funantes brancos se aproveitaram desse início de loucura para o explorar com promessas de óleos milagrosos que proporcionavam a imortalidade. O aparecimento dos primeiros cabelos brancos, detonou em Shaka um processo de loucura irreversível; a morte da mãe, desencadeou uma onda de crueldade e perseguições terríveis, que abalaram toda a estrutura ZULU. Começou por ordenar a morte de todas as mulheres a serviço de Nandi, a “mulher elefante”, que com ela compartilharam a tumba, e que, quase todas, eram mulheres de alguns dos seus melhores e mais confiáveis generais. A mortalidade gratuita espalhou-se pelo reino; qualquer pessoa, por rir, espirrar, tossir, se coçar, HISTÓRIA * 11 sentar, dormir, amamentar ou mesmo comer e beber, podia ser decapitado, acusado de não demonstrar pesar pela morte da mãe de Shaka. Turbas frenéticas e assassinas corriam por todo o reino, para ver se alguém deixava de honrar Nandi. Os últimos meses de 1827 ficaram conhecidos entre os Zulu, como o tempo das trevas de Shaka. Relatos feitos por Henry Francis Fynn, que visitou Shaka nessa altura, falam de milhares de mortes e de aldeias completamente arrasadas e incendiadas. Em estado de loucura total, buscando uma explicação para o fenômeno da vida, Shaka pessoalmente abriu com a sua adaga, o ventre de todas as mulheres grávidas, em qualquer estágio, do seu Kraal. Insatisfeito com a falta de uma resposta conclusiva, mandava buscar as gestantes de todos os outros Kraals, para o mesmo sacrifício. Maridos, pais, filhos e sobrinhos que demonstrassem qualquer insatisfação ou contrariedade por mulher morta, eram empalados em estacas de bambu, como traidores, para uma morte lenta e dolorosa. Para os rituais de luto nacional, por um ano, nenhum homem podia tocar numa mulher -- mulher que aparecesse grávida era morta junto com o filho, depois de revelar o nome do traidor, que era empalado -- ninguém podia beber leite, nenhuma cultura podia ser plantada. Um regimento de doze mil homens guardava dia e noite a sepultura. Gado, o gado que Shaka tanto prezava, era sacrificado às centenas de cabeças, apenas para que os mugidos de dor fossem escutados e para que até os animais soubessem o que é sofrer. Um adivinho disse a Shaka que a mãe morrera porque um gato atravessou o caminho dela. Todos os gatos e donos de gatos foram sacrificados. Com o caos instituído no reino, M’Kabay -- Gata Selvagem -- irmã do pai de Shaka e de dois meio irmãos dele, Dingane e M’Halangana, junto com alguns comandantes militares, conspiraram e planejaram o assassinato do grande chefe Zulu. No dia 22 de Setembro de 1828, vários conspiradores se reuniram, foram ao Kraal de Shaka, e sem que este pudesse esboçar um gesto de defesa, lhe espetaram fundo e por diversas vezes as mortais azagaias. Terminava assim o homem que criou a Nação Zulu. O reino de M’Zilikazi, dos Matebelê -- os fugitivos -- outro potentado sangrento -- certamente mais sangrento que o Zulu, era em tudo diferente dos rivais. Formado por clãs fugidos aos exércitos de Shaka, e chefiados por M’Zilikazi, um rei auto proclamado, foram para o norte, onde fundaram uma nação poderosa e rica. M’Zilikazi era o inverso de Shaka. O rei Zulu era alto, forte, autoritário, dominante, soberbo. O rei Matabelê era baixo, gordo, gentil, cordato, sorridente e convincente, jamais autoritário. Mas, no seu movimento migratório mais para o norte, afastando-se quanto possível dos confrontos com os Zulu, os Matebelê praticaram a política da terra arrasada. Por onde passava a horde de M’Zilikazi, tudo o que não pudesse ser levado ou aproveitado, era destruído: milhares de vidas humanas, aldeias inteiras, manadas completas de animais selvagens eram massacrados, plantas arrancadas e árvores queimadas. Por dezenas de quilômetros só deixavam destruição 12 * HISTÓRIA e morte, restos de cinzas e cadáveres humanos e de animais insepultos, apodrecendo ao sol africano até que apenas restassem as ossadas. Os massacres brutais e indiscriminados não transformaram M’Zilikazi pessoalmente. Um jovem clérigo Inglês, Hilary Saltwood, que foi para a Missão em Golan, em 1829, tornou-se amigo de M’Zilikazi Mas não se deve supor que M’Zilikazi e Shaka foram os únicos responsáveis por todas as mortes no M’Fekane -- movimento migratório. Em muitos casos eles simplesmente iniciavam o movimento de pessoas, ocorrendo o extermínio final das tribos menores a grande distância da Zululândia. Foi a teoria do dominó. Zulus em expansão foram para o sul e perturbaram os Kwabe, que foram mais para o sul e afetaram os Tembu, que se moveram para deslocar os Tuli, que usurparam terras dos Pondu, que pressionaram os Fingo, que avançaram contra os T’Xoza. Nesse momento da história, os Trekboers em busca de terras, começaram a invadir o território de pastagens dos T’Xoza que, pressionados entre duas forças, revidaram atacando os Kraals Boers. Os Sotho consolidaram o seu reino nas montanhas, inicialmente conhecido como Basutolândia, e depois como Lesoto. Os Swazi fixaram-se no reino conhecido como Swazilândia. Várias tribos foram para Moçambique. Ainda hoje, o efeito do M’Fekane é um dos estopins das rivalidades tribais na África do Sul. Era uma época de crueldade sanguinária, e não apenas por parte dos grupos tribais.Em 1502, quando Vasco da gama foi contrariado pelas autoridades de Calicute, massacrou quatro dezenas de inofensivos pescadores indianos que se encontravam num barco, mandou esquartejar os cadáveres e colocar os pedaços no barco à deriva, para que fosse dar à costa indiana, com a recomendação de que fossem fervidos ao molho curry. Antes do século XVII os Holandeses da Companhia das Índias Orientais resolveram estabelecer uma estação de reabastecimento no caminho para a Índia, na Província do Cabo. Com a chegada de famílias camponesas da Holanda, ali nasceu o embrião da Colônia do Cabo, e uma nova espécie de africanos, de origem européia, os Bôers. O contato com o nativo deu lugar ao habitual e inevitável conflito de culturas. Em 1806 a Grã Bretanha invade a África do Sul, e muitos Holandeses -- Bôers -- por isso e também atraídos por melhores pastagens, migram para o norte e fundaram duas repúblicas: Orange e Transvaal. Descobrem diamantes em 1867 e ouro em 1886. Em 1899, fortalecidos e ainda indignados pela invasão inglesa, os Bôers iniciam a guerra Anglo-Bôer, que a Inglaterra acabou vencendo em 1902. Em 1910 a Inglaterra cria a União Sul Africana, incorporando as Colônias do Cabo, Natal, Transvaal e Orange. Em 1961, através de plebiscito o país passa de União a República, e retira-se da Comunidade Britânica. Número 9 - 2ª série Depois da eleição do Partido Nacional em 1968, a política do “apartheid” -- separação de raças, com áreas restritas às raças não brancas (colored) -- torna-se oficial; só os brancos votavam e concorriam a cargos políticos. As concessões a grupos não brancos começam a acontecer. Dada a numerosa colônia de indianos, um conselho consultivo de indianos é formado e parcialmente nomeado. Os japoneses, com o aumento da influência financeira e tecnológica, passam a ser considerados brancos -- not colored. Em 1969, com muita polêmica é criado um conselho representativo dos mestiços.. Em 1959 o governo branco aprovara uma legislação especial requerendo o estabelecimento de várias nações Banto, os “Bantustões”, contra a vontade da maioria dos líderes dos movimentos negros. O primeiro desses bantustões foi estabelecido em 1963, o Transkey, em fase de auto determinação econômica e política, tornando-se independente em 1976. Em 1977 foi a vez do Bophuthazwana e do Ciskey, em 1979 o Wenda; mas internacionalmente nenhum desses estados foi reconhecido. Nas décadas de 70 e 80, começaram interna e externamente violentos protestos contra a política do apartheid. Em 1983, por plebiscito, uma nova Carta Constitucional foi aprovada, dando o direito de voto a mestiços e indianos. Leis proibindo o sexo e casamento inter raciais foram revogadas em 1985. Independentemente das mudanças e concessões políticas, continua a perseguição e violência tribal, principalmente os grupos políticos rivais negros; a ANC e o INTAKA. A ANC, Congresso Nacional Africano, o movimento dos Zulu, presidido por Nelson Mandela ( preso pelos brancos durante 26 anos e 6 meses, de Agosto de 1962 a Dezembro de 1990 ) e o INTAKA, o movimento Tchoza – sedimentado em trabalhismo. Após as duas grandes guerras mundiais, e estando a Holanda entre os perdedores, a Inglaterra se viu, por partilha mundial entre os vencedores, dona da Colônia do Cabo. As novas autoridades coloniais se revelaram contrárias aos Bõers, com as suas pretenções de abolição de escravatura e os seus princípios de igualdade perante a lei, para todos os súditos do império, brancos ou não. Uma migração em massa, chamada de Grande Treck, leva os Bôers sempre mais para o norte, na tentativa de escapar do governo da colônia, para os territórios de Natal. Ali, através de drásticos combates, teve lugar o encontro dos Bôers com os Zulu. A Zululândia não era grande, mas havia alguns | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 decênios tinha se desenvolvido como estado rigidamente organizado e com forte poder militar. Como se falou atrás, todos os habitantes do sexo masculino eram militares, dos 14 aos 60 anos. Divididos em IMPI -- Regimentos -- diferenciados pelas cores dos escudos, obedeciam às ordens dos INDUMA -- Generais. Usavam como arma o Assegai -lança curta de ponta comprida e cortante nos dois gumes, como uma adaga -- própria para o combate corpo a corpo. As táticas, organização militar e empenho em combate, por parte dos Zulu, que desprezavam as próprias baixas, não davam chance aos inimigos. Somente os Bôers, entrincheirando-se por trás dos Laager -- cerco formado pelos seus pesados carros de bois -- encontraram antídoto contra essa tática. E, 1879, depois de muitos e terríveis combates, a Zululândia estava limitada ao norte pelos Bôers do Transvaal, e ao sul pela Colônia do Natal, sobre a qual os ingleses tinham estendido a sua jurisdição. Os Zulu eram avessos até a contatos comerciais, todos os temiam pela tenacidade e inclemência. O Chefe Zulu Chetswayo, sentava-se num trono que havia conquistado ao preço de mais de 20.000 mortes entre os defensores de outros pretendentes. Os Zulu não faziam prisioneiros; rasgavam com as Assagai o ventre de todos os inimigos, por temerem que os espíritos malignos se aninhassem nos corpos dos mortos. Tinham uma máquina de guerra constante, de 40.000 homens. Por estes motivos, os Zulu constituíram uma ameaça tão notável para os ingleses, que nunca antes no vasto império que chegaram a dominar, e onde o “sol nunca se punha”, haviam encontrado tanta belicosidade e bravura. Mandaram um ultimato a Chetswayo, para dissolver o exército, mas nem resposta teve. Em 1879 um grupo de expedicionários Inglês, transpôs a fronteira entre Natal e a Zululândia, determinada pelo Rio Bufallo. A 1ª expedição, sob as ordens do Comandante em Chefe Lorde Chelmford, dividiu-se em colunas, com o objetivo de atrair a atenção de todo o exército Zulu, e impedi-lo de efetuar o ataque a Natal. Lorde Chelmsford entrou na Zululândia pelo Rorke’s Drift, e com as tropas divididas teve um primeiro contato com os Zulu, após o que, estabeleceu um campo aos pés do Pico Isandhlwana, deixando alguma tropa como guarda das viaturas e material pesado, saindo em seguida em perseguição dos Zulu. Mas o exército de Chetswayo já estava em marcha contra os ingleses também, e os braços da tenaz Zulu se fecharam de forma inclemente sobre a tropa inglesa, vencendo toda a resistência e deixando por terra 1.329 mortos. A campanha terminaria meses mais tarde, com a vitória dos ingleses em Ulundi, centro de comando e resistência dos Zulu, com um ataque arrasador, em que pereceu também Chetswayo, o último grande chefe dos Zulu. Número 9 - 2ª série | CRÓNICA * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Adolfo Maria 13 MESO MA MESO (OLHOS NOS OLHOS) Intelectuais: Anjos, Demónios Ou…? A intelectualidade de um país - pela variedade e graus de saber que possui – tem poderosa capacidade interventora no processo social. Daí as expectativas e o escrutínio das diversas forças sociais e políticas sobre o seu desempenho. Dos intelectuais, umas forças esperam que eles sejam a vanguarda nas ideias e participem nas acções de progresso, enquanto que os poderes instalados desejam ou exigem dos intelectuais que sejam seus porta-vozes ou elementos associados às suas engrenagens e práticas. É evidente que qualquer poder instalado olha de soslaio para os intelectuais que procuram e defendem um pensamento próprio, pois a lógica existente é a utilização dos saberes ao serviço da projecção do poder. Esta é uma condicionante universal que se torna mais poderosa em países de débil democracia e que é absoluta em regimes ditatoriais. Os intelectuais sabem isso, como sabem que qualquer poder usa as mais diversas formas de aliciamento para a ele os fazer aderirem ou os porem ao seu serviço. Por outro lado, forças sociais e políticas, as mais diversas, procuram instrumentalizar os intelectuais para o conseguimento de vários dos seus particulares objectivos. Podemos também verificar que, em cada época, aparecem intelectuais como solitárias vozes de contestação que, muitas vezes incorrendo em perigos vários, até de vida, conseguem que a contestação se generalize, à medida que as ideias se vão difundindo na população. Por outro lado, muitos desses intelectuais portadores de contestação transformam-se depois em coro de louvores e servidões a novos poderes instalados que esmagam vozes contestatárias. Assim sucedeu em Angola. Nos primórdios da luta pela independência - quando esta se desenvolvia no campo das ideias e da cultura, em geral - eram muito raros os intelectuais angolanos que tinham o arrojo de desafiar as concepções dominantes do colonial-fascismo português e as suas medidas repressivas. Pouco a pouco o trabalho desenvolvido por esses intelectuais deu frutos, cresceu o número de vozes contestatárias da ordem estabelecida que se fundiram nas aspirações populares de liberdade, resultando na formação de grupos políticos que partiram para a luta contra a dominação colonial. Fechadas as saídas políticas para a causa angolana, devido à feroz repressão da PIDE (polícia política portuguesa), o campo nacionalista recorreu à luta armada. Para essa necessária e extrema forma de luta não só contribuíram intelectuais como nela participaram generosamente. Mas nenhum percurso histórico é linear. Por isso, nem todos os intelectuais de convicção nacionalista, entraram nesse combate (não deixando de ser patriotas, é minha opinião). Também, nesse combate, pudemos ver intelectuais servidores acríticos das chefias dos movimentos nacionalistas e intelectuais contestatários de estratégias, práticas e métodos das chefias. Depois, na Angola tornada independente, muitos intelectuais (ou quase todos?...) tornaram-se activos servidores do ditatorial poder que governou Angola durante anos. Ora, bastantes desses intelectuais tinham sido vozes contestatárias contra o regime colonial, foram depois participantes na luta armada (alguns deles até contestando métodos das chefias nacionalistas). Agora, no novo estado, nada contestavam e, pior que isso, eram cúmplices e actuantes membros de um regime que perseguia contestatários até às últimas consequências. Por fim, alguns desses intelectuais começaram a distanciar-se paulatinamente da acção política e até procuraram alcandorar-se à posição de reservas morais do colectivo nacional!... Contudo, em todo o nosso processo de luta de libertação nacional e no pós-independência – felizmente para o País (ao fim e ao cabo, para todos nós) - havia intelectuais que se mantiveram contestatários, lutando pela liberdade e dignidade humanas. Essa coerência foi um contributo importante para a preservação das referências éticas necessárias à construção de uma plena cidadania. Evoco tudo isto apenas para nos situarmos e, com a experiência do passado, procurarmos entender o papel dos intelectuais, as condicionantes do seu posicionamento e o exercício da cidadania, seja qual for a individual posição na sociedade (ou talvez por isso) no actual momento do País, o qual exige espírito de abertura, convivência nacional, patriotismo. Considero que uma reflexão se impõe nestes tempos em que a tomada de consciência dos nossos problemas é transversal a toda a sociedade (em graus diferentes, é claro). Sendo certo que há ainda muitas barreiras e reflexos defensivos para um grande diálogo nacional, também é verdade que já existem as condições necessárias para que ele se inicie e se desenvolva. Todos - a nível das forças do poder e das outras forças políticas, ou da sociedade civil - sairão beneficiados com a instauração de um vasto e profundo diálogo nacional. E nele terão relevante papel os intelectuais, seja qual for a sua pertença política. Perante as solicitações ou pressões contraditórias a que qualquer intelectualidade está submetida, resta ao intelectual saber situar-se como indivíduo e como membro da sociedade donde emergiu e à qual pertence. Em geral, e muito particularmente no caso de Angola, parece-me que, para o intelectual se situar, o ponto de partida e o de chegada será o seu questionamento sobre a cidadania. Equacionada e resolvida esta questão, o intelectual terá bem menos «problemas de consciência» e melhores ferramentas para enfrentar pressões, coacções e aliciamentos, dedicar-se à sua actividade intelectual, pugnar pela liberdade de pensamento, procurar as vias de progresso do país e nele participar, e, com os seus pares, contribuir para o avanço do pensamento humano. Portanto, na minha opinião, o intelectual não é anjo nem demónio (às vezes é isso tudo, conforme a sua prática e o ponto de vista de quem o avalia). Acima de tudo, o intelectual é - ou devia ser - cidadão, no mais vasto e profundo significado do termo. Homenageando No número anterior de O CHÁ já não pôde ser inserida a minha referência ao falecimento de Maria do Carmo Medina e Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu). Associo-me ao pesar colectivo e quero lembrar que Mendes de Carvalho, que foi valoroso combatente pela independência, procurou depois pontes e convivências políticas durante os primeiros anos do regime implantado, o mais intolerante período da história da Angola independente. A minha homenagem e as condolências às famílias das duas personalidades desaparecidas. 14 * CRÓNICA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 EU, KARIPANDE Fernando Pereira Saia de Sena quem não é de Sena! J orge de Sena, escritor português nascido em Lisboa em 1919 e falecido em 1978 em Santa Bárbara, na Califórnia, é considerado um dos mais acutilantes homens de letras portugueses, que viveu eternamente em conflito com os poderes instalados em Portugal, e que, apesar de tudo, nunca deixou de se fazer constante presença notada nas suas múltiplas formas de expressão literária. Tive o privilégio de o ter conhecido numa das suas raras intervenções públicas em Portugal (1977), e não me canso de dizer quanto me surpreendeu a sua forma ousada de ousar transformar os Lusíadas de Luis de Camões num libelo anti fascista e anti colonial. Jorge de Sena é herdeiro de gentes do Sul de Angola como ele próprio o diz numa crónica feita para o Diário Popular de Lisboa entre 4 e 20 de Agosto de 1972: “É certo que as Áfricas já eram e continuaram a ser uma presença viva na minha família, quando eu nasci – desde que, há cerca de um século, minha avó materna, Isabel dos Anjos Alves Rodrigues Teles Grilo, a “Senhora Grande” para os indígenas do Sul de Angola, a esta aportou para lá viver décadas de orgulhosa “Professora Régia”, que o rei D. Carlos nomeara e a República reconduziu em pitorescas circunstâncias. Desde a Madeira a Moçambique se espalha, como na metrópole, a sua numerosa descendência que ela, mais tarde aposentada em Lisboa onde morreu tão de pé como sempre vivera, continuou a chefiar com mão de ferro, contas correntes a partidas dobradas, e altissonantes cartas pastorais e encíclicas a que a dúzia de filhos, as dezenas de netos, e o inefável belo homem de barbas que o meu avô foi, todos se curvavam num calafriado terror que era também respeito perante um ardente coração. Alguém que pisasse o risco em dois continentes, ou fizesse o que ela considerasse menos digno – e lá seguia, por cópia, para todos, a carta de excomunhão, que isolava o pária, castigadoramente do convívio da tribo matrilinear. E quem não cumprisse o édito, levava outra. Não poderei esquecer nunca essa mulher espantosa que foi, na sua esclarecida velhice, a primeira pessoa a compreender e animar a minha poesia modernista. Guardo, no meu primeiro livro de poemas, há trinta anos publicado, o exemplar que foi o dela. Eu mesmo, na verdade, vim a nascer destas Áfricas – sem elas, minha mãe, voltando dos metropolitanos estudos para Angola, menina e moça e ruiva, não teria conhecido a paixão romântica e brutal do capitão de navios, jovem e de bigodes retorcidos, que foi o meu pai. E por estas navegações que duraram a minha infância e adolescência (e evoquei num conto, “Homenagem ao Papagaio Verde”, publicado em “O Tempo e o Modo”), a África continuou presente na minha formação, par a par com as memórias e as idas e vindas de uma família inteira, extremamente tribal até nas suas rivalidades e intrigas. De modo que as Áfricas me não são, somado tudo, menos estranhas do que a muita gente, e certamente do que aos “reinóis” (como o Brasil dizia) que lá vão sacudir, altos funcionários, comerciantes de aventura, ou as duas coisas, a árvore das patacas.” Na sequência deste texto o poema de Jorge de Sena: FOI HÁ CEM ANOS, EM ANGOLA Minha avó subia de tipóia de Mossâmedes para o planalto. Dias e dias pela serra acima, de acampamento a outro acampamento, o esposo e os filhos dela noutras tipóias pelos negros carregadas. Ao lado dela, o chefe caminhava de lança em punho. Conversavam ambos. Uma figura estranha perpassou (quadrúpede?) no mato poeirento e verdejante. O que era aquilo? E o chefe respondeu sorrindo levemente: – Aquilo é o diabo, mas eu não tenho medo que não sou cristão – . Enfim chegaram, professora régia Como rainha se instalou. E o chefe, tão agradado dela, não voltou a comandar comboios de tipóias, ficou vivendo co’a “senhora grande”, Padre José da régia cardinala. Caía a tarde um dia em rubros sóis redondos no céu pardo. Minha avó, sentada na varanda, conversava com o chefe cachimbando acocorado. Porque tão preguiçosos eram todos os negros por ali? E o chefe disse: - Senhora sabe que diferença que há entre macaco e negro? Não? No tempo em que chegou aqui primeiro branco, macaco não falou, ficou calado. Por isso não trabalha. Entende agora? Sorriram-se entendidos um e outro. Luanda, 5/8/1972 Continuando a “passagem” pelos artigos para o Diário Popular nesse longínquo Agosto de há 41 anos: “…a Luanda, hoje muito maior, a atmosfera curiosíssima de uma gigantesca cidade aventureira, aonde a maioria da gente parece ter chegado ontem para enriquecer depressa, na tradição dos Brasis além defronte, do outro lado do Atlântico. E isto, à face dos fortes e das igrejas do século XVII (quão belas a da Sra. da Nazaré e a dos jesuítas – e nesta última vi uma negra velha, sentada no chão, em animada conversa particular com o Cristo crucificado), e nas barbas consideradas respeitáveis do Paulo Dias de Novais, do André Vidal de Negreiros e do Salvador Correia de Sá e Benevides, que por ali andaram à ordem dos interesses brasílicos (deles mesmos ou da Coroa portuguesa), e já me inspiraram poemas publicados ou inéditos. Não quero que me entendam mal. O direito à promoção social e à riqueza, considero-o inalienável e merece-me o maior respeito. E, sejamos francos, nunca grande parte dos portugueses, em séculos de História, nobres ou plebeus, saiu da sua mesquinharia lusitana para ser herói ou santo, que alguns foram, mas para encher a burra, se possível honestamente. E os outros povos que atirem a primeira pedra, porque nunca foram melhores. O que eu quero dizer é que se sente em Luanda um frenesi de crescimento – subitamente suspenso pelo problema das transferências(…), o qual se existe também na costa oriental, não é análogo por não ser lá um fenómeno de massas populares e da pequena burguesia metropolitana, acorridas à cavação do Eldorado. Mas há muitas maneiras de os grandes países se fazerem, como se diz que as há de matar pulgas. Tudo está em não confundir os seres humanos, Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 cujos direitos devem ser resguardados ou promovidos em perfeita igualdade, com aqueles desagradáveis animais. Quanto digo é, porém, um misto de informação e impressionismo; e não pretende ser um daqueles juízos ponderosamente definitivos que aliás, na situação atual, tão extremamente fluida, prudente será que ninguém faça.” Nesta sequência de crónicas iam saindo poemas que justificavam a frase do espanhol António Machado “Toda poesia es, en cierto modo, un palimpsesto” : AVES NA BAÍA DE LUANDA Cegonhas? São marinhas e se pousam ora nas águas baixas, ou telhados de cumeeira embranquecidas a pensamentos de uma ave que medita intestinal sobre as alfândegas da terra firme. Pescoço curvo atrás de um longo bico pairam-se lentas entre os seus dois pousos. Água de espelho estanho sem reflexo. Não creio que de imagens tão pernaltas se adense por tranquila neste céu de névoas que se concentram amarelas sobre uma cidade agora boçalmente nova onde não há lugar para cegonhas. Cegonhas que não sejam – como podem ficar nesta poeira de bancárias e militares empresas que se espetam em doze andares na névoa, em vez das casas baixas e velhas, ao chão presas por portas iguais de armazenar negócios do patrão que por cima co’a família tinha andar de sacadas em que recostar-se? Cegonhas? São marinhas, e se pousam. Luanda, 4/8/1972 Jorge de Sena utiliza no poema “Café cheio de militares em Luanda” um novo tipo de abordagem muito comum na América onde vivia “exilado”, que é o poema-narrativo, introduzindo a figura do poeta-narrador. Este poema releva mais de peripécia ou anedota, “the simple and unelaborated narration of a single incidente” (Abrams, A Glossary 172), ou, se se quiser, do conto anedótico, de feição satírica ou faceciosa, que Jorge de Sena usa abundantemente, sendo que a sátira é uma das mais notáveis veias da sua poesia. CAFÉ CHEIO DE MILITARES EM LUANDA O jovem Don Juan de braço ao peito (por um dedo entrapado) debruça as barbas para a mesa ao lado numa insistência pública de macho que teima em conversar a rapariga (no dedo aliança, azul em torno dos olhos) a escrever cartas e a enxotá-lo em fúria. Um outro chega e senta-se de longe. Cara rapada, pêlo curto, ombros erguidos, é dos que o queixo pousam sobre as mãos, e de entre o fumo lento do cigarro, dardejam olhar fito para a presa - é dele, é dele, os olhos dizem tesos. Numa outra mesa, três outras fardas miram de esguelha, enquanto falam vagamente atentos, e os olhos ínvios de soslaio despem a pouca roupa da que escreve à mesa. Feito já seu papel para que conste, oh ares de cavalão… outras à espera… o Don Juan comenta pró criado a vítima, saída num repente. Riem-se ambos. Quando ela se ia embora, dois empatas entraram e sentaram-se na mesa do que ficara olhando o espaço aberto pela partida dela. Conversam que ele não ouve. Gingando a barba mais o braço ao peito, vai-se o vencido (pagará uma puta, para amanhã contar como dormiu com esta). Os outros três, mais tarde, em casa, na retrete, vão masturbar-se a pensar nela (e voltarão amanhã ao café para contarem de uma grande conquista que fizeram todos). E aquele que – quem sabe – era a quem ela acaso se daria (ou será que ele é dos que só penetra com o olhar suspenso?) foi quem não teve nada. Olhou demais, e não saiu a tempo de escapar à companhia idiota dos seus dois amigos. Luanda, 4/8/1972 “Em Angola passei alguns dias de incógnito repouso e calmo turismo solitário por Luanda e um pouco dos arredores, e só no último dia encontrei um agradável convívio e tive oportunidade de, trocar as queixas que a portugalhada (ou sejam os filhos de uma cultura madrasta) sempre troca, quando se encontra nas voltas do mundo. As ruas, os velhos monumentos, o museu dito de Angola (notáveis algumas peças antigas ou gentílicas, e excelente a coleção de pintura moderna) preencheram em maior exclusividade o nosso tempo que sempre acabava nos cafés da Arcada, a observar os manejos da juventude ociosa. Claro que apresentei os meus cumprimentos a Paulo Dias de Novais, André Vidal de Negreiros, etc., ou àquele Álvaro de Carvalho Matozo, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, que, no ano de 1787, fundou, numa colina discretamente dominando a beleza de baías e de ilhas ao sul de Luanda, uma capela que a gente desconfia que lhe servia de capa para traficâncias impróprias, senão da Ordem que tinha nisso antecedentes gloriosamente henriquinos qual Zurara descreve com humanística piedade, pelo menos indignas daqueles tempos esclarecidos. Tudo isto próceres felizmente falecidos há séculos” CRÓNICA * 15 SENHORA DA NAZARÉ EM LUANDA Em 1664, o governador destes reinos, André Vidal de Negreiros (que nome, ao fim de dois séculos do negócio em vão visível no seu escudo de armas) fundou esta capela. Os azulejos representam a patada de D. Fuasà beira do penhasco a que o demónio pensava que o levava pra o deitar ao mar. Ou do cavalo que estacou de espanto e não se sabe se de susto ao ver o cervo a despenhar-se das alturas, se porque viu suspenso de entre as nuvens o virginal clarão da mãe por obra e graça do Santo Sprito em Roma agora banco. Era devoto dela André Vidal, embora este outro nome cheire a esturro ardido noutros lumes. Branca e de arcos, pousou-a aqui à beira da Baía. Luanda, 5/8/1972 “A diáspora lusitana já deixa na sombra a do povo judaico, de que tanto sangue nos corre nas veias de vagamundos. Daquele número me excluo: primeiro, porque não sou ilustre nem anónimo; e, segundo, porque, como o grande poeta latino, prefiro pensar que “non possidebis ossa mea” que o mesmo é dizer: não roereis os meus ossos, depois de tanto me haverdes esfolado para várias obras literárias e não literárias. A minha pátria são a literatura portuguesa e as culturas de língua portuguesa, seja onde e como forem. Quanto ao mais, eu não me quero dessa aldeia entalada entre o Terreiro do Paço e o Bairro Alto,…” Falar da passagem de Jorge de Sena por Angola mereceria muito mais que um pequeno artigo, pois estamos perante uma das maiores referências da literatura contemporânea que se exprime em português. O último desses seus poemas escritos nesse distante Agosto é sobre a Igreja dos Jesuítas, hoje Sé Patriarcal de Luanda. NA IGREJA DOS JESUÍTAS EM LUANDA Conversa a negra no recanto em sombra da igreja tão de limpa restaurada. No chão sentada e velha, se abre os braços em frases de silêncio para o Cristo que pende morto acima dela, imóvel e silencioso. Que dirão os dois? Qual a confusa indecisão que passa angustia intimidade de sem línguas nessa cabeça antiga de outra raça e sobretudo de outros deuses que falavam por sinais mas claras frases como as sibilas feiticeiros sabem? Na solidão vazia de seu espaço em que de brancos Roma escureceu a luz embranquecida de cacimbo e ardor de longos rios, praias sinuosas, e de planaltos as ravinas duras, que deus pode inventar-se que não seja dor de miséria de não ser-se, de não ter de país a filhos a linguagem livre? Que liberdade pede? Que morrer deseja? Será que em frente do altar-mór não tremem dentro da simples laje os ossos de um Paulo Dias de Novais? Que de imbondeiros os frutos como ratos suspendidos ainda lhe roem um tutano seco no fogo de queimadas e de incêndios em que de povos só as cinzas ficam? Porto, 24/8/1972 Só me apetece mesmo dizer alto e bom som: SAIA DE SENA QUEM NÃO É DE SENA. 8/12/2013 16 * Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 UM LUGAR DE REFERÊNCIA NA BAIXA LUANDENSE O conceito cai como uma luva a este espaço que se notabiliza, sobretudo pela sua localização. O Espaço Verde Caxinde foi transformado num local moderno e aprazível, onde se poderá aliar uma boa refeição a instantes de puro ócio, tendo como companhia a boa música, criteriosamente seleccionada para cada ocasião. oje, este espaço que se transH formou numa ampla sala valorizada pelo estudo aprofundado das suas reais potencialidades, está preparado para servir vários estratos da sociedade luandense bem assim os visitantes da nossa capital, oferecendo-lhes desde o mais sofisticado cocktail ao refinado jantar temático abrilhantado com espectáculo musical. Um considerável número de receitas consta do seu cardápio que valoriza a comida tradicional angolana, numa aposta de tratamento qualificado e digno da gastronomia nacional, e também o melhor da cozinha internacional. Uma interessante garrafeira e pequenas boutiques completam o quadro que se harmoniza numa simbiose perfeita entre a qualidade e a beleza. Os preços, garantem-nos, são também interessantes a beneficiar a bolsa da clientela. É também um espaço de imensa actividade cultural, onde se organizam eventos como: conferências, lançamento de livros e debates sobre os mais variados temas (música, literatura, filosofia, religião, teatro e cinema). Número 9 - 2ª série | CRÓNICA * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 17 ESCRITURALIDADES “Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada” 1 Considerações em torno do Holocausto (Shoah) e da condição humana 1 José Carlos Venâncio Expressão de Denis Avey (2013) [email protected] N os últimos tempos, vários têm sido os títulos surgidos no mercado livreiro português sobre a 2ª Guerra Mundial, mormente sobre a Shoah (Holocausto em hebraico). A maioria deles são traduções de outras línguas, com clara preponderância da língua inglesa, o que indicia que o hipotético interesse, por parte dos leitores, por tais temáticas é também do mercado livreiro europeu. Várias são as explicações que, a propósito, poderão ser aventadas. Os tempos difíceis por que a Europa passa devido, por um lado, à crise do Euro (vivida com maior acuidade nos países do Sul) e, por outro, ao impasse, enquanto projecto político, em que a União Europeia parece estar mergulhada, são possíveis explicações. Quando me refiro ao impasse do projecto político em questão, tenho em conta , por um lado, o protagonismo (eventualmente não desejado) que a Alemanha, face à crise, assumiu, desmerecendo as instituições e mecanismos democráticos da União e, por outro, os fantasmas e os medos que tal protagonismo suscita nos cidadãos europeus. No que se refere a Portugal, tecem-se, a soldo desse medo, as mais díspares insinuações sobre a hegemonia alemã e sobre a incompreensão e as exigências dos seus governantes (mormente da chancelarina Merkel) em relação às dívidas públicas dos países integrantes da moeda única com economias mais frágeis. Evidentemente que a Alemanha unificada, por razões que estarão mais plasmadas na obra de Max Weber do que na de Karl Marx, foi, de meados do século XIX (com a Guerra Franco-Prussiana) até ao fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, um factor de desequilíbrio político na Europa e no mundo. Esteve, por disputa de hegemonias e mercados, no centro das duas guerras mundiais. Não me parece, contudo, ser actualmente o caso. A conjuntura mundial é outra e a Alemanha, mormente o seu sector financeiro, que tão diabolizado tem sido, acaba por estar, também ele, refém das dinâmicas mundiais, da vigência de um paradigma neo-liberal que, se por um lado, é criticável, não nos esqueçamos, por outro lado, que, por ironia do destino ou não, tem sido ao abrigo do mesmo que a velha dicotomia entre países ricos, do Norte, e países pobres, do Sul, se tem (ligeiramente) esbatido com a emergência de economias até há pouco tempo estigmatizadas como economias subdesenvolvidas. Estas considerações vêm a propósito da leitura de algumas obras referentes ao holocausto, mormente do livro A última testemunha de Auschwitz , de Denis Avey, com o apoio do jornalista da BBC Rob Broomby. Tra- ta-se de um livro de teor autobiográfico, escrito muitos anos após a vivência dos acontecimentos nele relatados. Tudo se inicia com o alistamento voluntário do autor, pela aventura que esse acto, o da participação na 2ª Guerra Mundial, poderia representar. É enviado para o Norte de África, mais propriamente para o Egipto, onde reforça o contingente militar britânico na luta que, então, travava contra as tropas de Mussolini em Cirinaica (parte oriental da actual Líbia). Num primeiro momento, a disputa parecia tender favoravelmente para os britânicos, o que se altera com a chegada do contingente alemão, o famoso Afrika Korps, comandado pelo não menos famoso marechal Erwin Rommel, a Raposa do Deserto. Acaba como prisioneiro dos alemães em condições humanas de modo algum comparáveis às que irá experienciar em Auschwitz, o que vem corroborar a imagem de Rommel, que, sendo de uma grande eficácia militar, é também de alguém que não perdeu a sua humanidade. Aliás, associado, no fim da guerra, ao atentado contra Hitler liderado pelo Conde de Stauffenberg, terá sido levado a suicidar-se pelos nazis com o compromisso de nada acontecer à sua família. Do Norte de África, Denis Avey é enviado para a Itália num cargueiro que é torpedeado por um submarino aliado e que se afunda. Consegue salvar-se, indo dar à costa grega. Em terra, no caminho para norte, em direcção à Inglaterra, é preso e “levado para um campo apinhado de prisioneiros aliados” (p.118), donde é levado para a Itália, para um campo de prisioneiros do qual consegue fugir. Não vai longe. É apanhado e enviado, de comboio, para Oswiecim, o nome polaco para Auschwitz. Fica alojado no campo destinado a prisioneiros de guerra, com condições não tão más como as dos campos de Auschwitz 1 e de Auschwitz-Birkenau, destinados aos judeus, aos “listinhas”, como são designados no livro. Trabalham, contudo, todos juntos na construção de uma fábrica da empresa IG Farben, então um dos expoentes máximos da indústria química alemã que, depois da guerra, é, devido à associação com o regime nazi, desmantelada e dividida em três empresas: a da Hoechst, a da Bayer e a da BASF, empresa esta que, por sua vez, estivera na origem da IG Farben. Os relatos que faz das atrocidades cometidas aos judeus, não trazendo nada de novo em relação aos inúmeros relatos que, desde o fim da guerra, foram produzidos, não deixam de ser confrangedores. Conhece, no local de trabalho, um judeu holandês, Hans, cuja irmã conseguira fugir para a Grã-Bretanha e que vivia em Birmingham. Troca duas vezes com Hans a roupa e o campo de concentração por uma noite e pede, numa das cartas que, através da Cruz Vermelha, troca com a mãe, que esta procure entrar em contacto com a irmã de Hans para lhe dar notícias dele. O que, na verdade, acaba por acontecer. Finda a guerra e depois de muito tempo, após ter-se curado do stress de guerra (doença então ainda não identificada), procura, com a ajuda do jornalista que o apoiou na escrita do livro, a irmã de Hans e consegue saber que este sobrevivera à guerra e que emigrara para os Estados Unidos, mas que infelizmente, nessa altura, já havia falecido. Este e outros relatos, em que se descreve a crueza e a maldade que os homens supostamente racionais e cultos são levados a cometer, levam-nos a pensar e a repensar a condição humana, a suposta superioridade da civilização ocidental e o papel que a educação, a chamada alta cultura, durante muito tempo tida como apanágio desta civilização, desempenhou, e desempenha, na moldagem do ser humano. Os que protagonizaram o Holocausto não eram, na verdade, incultos. Era gente saída de boas universidades que, por incorporação das ideias racistas e racialistas, por défice de ética, subverteram o que de bom essas universidades supostamente lhes haviam ensinado. Mais intrigante ainda é pensar que grandes nomes das Ciências Sociais e Humanas da Alemanha apoiaram, pelo menos a dado momento, o regime hitleriano. Como diz, e bem, Esther Mucznik (2012), a “sofisticação, o requinte e a eficácia da máquina de morte nazi (…) nunca seriam possíveis numa sociedade atrasada sem os meios científicos e tecnológicos capazes de atingir tal ‘perfeição’ do mal” (p. 216). Esta constatação é, no mínimo, intrigante. Como é possível que homens cultos (e também não cultos, claro!) tivessem sido capazes de tamanha crueldade, exercitando-a ao ponto de negarem a sua própria humanidade? É uma pergunta que este e muitos outros livros, as inúmeras explicações teóricas produzidas a propósito, devidas algumas a pensadores da têmpera de Hannah Arendt, continuam a não dar a devida resposta. É uma pergunta que fica no ar, para utilizar palavras de um verso do poema de Luandino Vieira, “Canção para Luanda”, escrito, também ele, num campo de concentração. Referências bibliográficas: AVEY, Denis, 2013 [2011], A última testemunha de Auschwitz, Lisboa: Clube do Autor MUCZNIK, Esther, 2012, Portugueses no Holocausto, Lisboa: A Esfera dos Livros 18 * HISTÓRIA Número 9 - 2ª série O que Uanhenga Xitu falou E u sou, na minha terra, um “mais velho”, pessoa a quem a idade permite, independentemente o saber das escolas, conhecer a vida por a ter vivido, e conhecer a vida por ter escutado de outros mais velhos o relato das suas experiências. Cada um de nós, “os mais velhos” que na nossa terra existem, resume em si a memória de centenas de anos. Cada dia mais rica, porque vivemos hoje mais tempo do que viviam os nossos avós. Cada dia mais rica, porque vivemos tempos mais movimentados e de maior experiência. Cada dia mais rica, porque temos ao nosso dispôr as técnicas que nos enriquecem com a experiência sem fronteiras de outros povos. Cada um de nós, os “mais velhos” que na nossa terra existem, vão vendo definhar a importância da sua experiência. Se somos mais ricos, estam os cada dia mais pobres, porque a juventude não aprende já pela nossa boca. Se ficámos mais ricos, estamos cada vez mais pobres, porque a juventude de tanto outro saber que parece acumular, tem com o velho que fala o ar condescendente de quem ouve inutilidades, de quem não precisa, de quem já sabe para lá do que lhe dizemos. Os “mais velhos” da nossa terra, vão morrendo na importância. À medida que nos urbanizamos, que a memória dos avós vai perdendo o interesse para os mais novos, que a juventude deixa as nossas tradições para se apropriar da moda do seu tempo e que não deixa de ser, de certo modo, a tradição de outros povos. Não como a nossa, que era uma tradiçâo para passar de pais para filhos, sem custos nem interesses. Mas com as regras que o mercado impõe neste comércio de aliciamento em que a juventude se afoga. Perguntem a um dos vossos jovens o que foi o vinte e cinco de Abril; o que terão sido os “turras”; contem-lhe dos sofrimentos da guerra, dos outros tempos de medo e desconfiança e eles não entenderão, porque acham estas histórias sem piada, sem interesse e até são capazes de pensar que nunca aconteceram. E escrevem-na com É e sem Agá. | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Porque me disseram que agora quando a história é história aconteci da leva Agá, quando é assim só coisa de invenção escreve-se com É. Quando eu era menino e aprendi a ler e a escrever, as história tinham sempre Agá. Fossem elas história verdadeiras ou inventadas ... Já me tentaram explicar porque é que a história pode ter ou não Agá. O Luandino Vieira bem me explicou, e eu não aprendi. Veio este e aquele - explicaram-me e eu continuei na mesma, sem aprender. Porque, ou é essa coisa que vocês dizem aqui em Portugal que burro velho não aprende línguas, ou é mesmo que todas as minhas estórias se escrevem com Agá. Porque, verdadeiramente, eu só escrevo histórias com Agá. Quando eu estava lá nas minhas cadeias, naquelas noites e dias que pareciam ter comprimento de anos, eu começava a pensar nos tempos da minha terra. Naquilo que eu tinha vivido e naquilo que eu tinha escutado da boca dos meus “mais velhos”. Às vezes, conversando com os meus companheiros, contava as minhas histórias. Todas verdadeiras e com Agá, mas acrescentadas de uma coisinha aqui, acrescentadas de qualquer facto que tinha acontecido noutra história, misturadas com esta ou aquela figura que não vivera nela, mais valia a pena recuperar. Assim, eu contava aos meus colegas de cativeiro, porque contar aos outros é um dever que a tradição obriga a qualquer”mais velho”. Mas contar aos outros dentro de uma prisão limita: uns ficam fartos de ouvir, outros estão mal dispostos e não nos querem escutar, nós mesmos, muitas vezes, nos sentimos sem apetite para falar, muito embora as histórias circulem dentro da nossa cabeça no fogo sempre aceso da memória. Há alturas em que o desespero da solidão é tão grande que só nos apetece estar sós: a palavra dos outros, o barulho dos outros, o próprio interesse dos outros, a solidariedade de cada um é como se fosse u~a afronta ao peso da nossa vida. Foi então que resolvi, animado por alguns dos meus companheiros, escrever. Escrever é de certo modo uma forma de estar só comigo mesmo. Quando o desespero te aperta, foge dos outros e escreve para todos. Foi assim, que do Mendes de Carvalho que eu sou, nasceu o escritor Uanhenga Xitu que vos fala agora. É por isso que eu vos digo e afirmo que todas as minhas histórias se escreveram todas com Agá. É possível que haja escritores que arranquem tudo da imaginação. São como Deus que do nada fez tudo quanto existe. Eu não sei escrever assim. Sou como o homem da terra que trabal as reita o fruto velho para fazer crescer a sementeira nova. As has hi órías ê a vida verdadeira daquilo que aconteceu. Eu sou, minhas senhoras e meus senhores, um contador de histórias utilizando uma técnica nova - a escrita da a1avra. Eu sou um “mais velho” que sabe coisas e as transmite. Reconhecendo que o que se ganha em memória, se perde em naturalidade. Falta a palavra inventada no momento, quando se usa a palavra pensada. Falta o gesto, o das mãos e o dos olhos. Porque os olhos também fazem gestos, quando se abrem ou fecham, quando as sobrancelhas se unem, quando a testa enruga ou a tristeza os faz lagrimar. Falta a entoação da voz, a imitação dos animais e das pessoas, a suspensão da narrativa quando se quer alimentar o interesse de ouvir. Falta o canto que por vezes aparece, falta a pergunta que eu posso também fazer quando escrevo, mas que não tem para me animar, os olhos dos ouvintes que me ouvem, me respondem, ou não me dizem nada e me aguardam. Falta, enfim, contar à boa maneira africana, com o adorno de tudo quanto atrás ficou dito e o calor e o sentimento e o interesse de uma comunidade inteira. Falta, minhas senhoras e meus senhores, contar (tal como escrevo) a minha história com Agá para que cada um a oiça e nela se reconheça, para que cada um a escute e nela ganhe e encontre o desejo de a contar um dia quando a idade se adiantar, os cabelos se embranquecerem e o coração vier impor o dever de contar aos ais novos os passos passados de uma outra vida. Uanhenga Xitu Depoimento do escritor ao JL - Jornal de Letras Artes e Ideias em Lisboa aos12 de Agosto de 1998, sob o título: Histórias de mais velho. Número 9 - 2ª série | CHAZADAS :: 25 ANOS * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 19 CHAZADAS DE CULTURA Bodas de Prata da Chá de Caxinde A Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde comemorou, a 28 de Janeiro, um quarto de século de existência, sob o lema: UNIR PELA CULTURA. BADO NO CHÁ, a realizar no dia 19 do corrente, pelo contributo prestado à cultura nacional e pela postura assumida na defesa de nacionalistas angolanos, designadamente no que ficou conhecido como o “Processo 50”. Para além da homenagem a prestar na actividade, o Presidente da Associação sugeriu aos restantes membros do Conselho Directivo a apresentação à Assembleia Geral próxima duma proposta para a atribuição à Dra. Maria do Carmo Medina da categoria de Membro honorário da Associação Cultural e Recreativa CHA DE CAXINDE. A proposta foi aceite por unanimidade. E não havendo mais assuntos a tratar, foi dada por finda a reunião. » Lançamento do Livro “A Lagoa Misteriosa” A Os festejos tiveram início a 25 de Janeiro por coincidir com mais um aniversário da cidade de Luanda, data em que se realizaram 3 homenagens: uma romagem ao Memorial do 1º Presidente de Angola, o poeta maior Dr. António Agostinho Neto, uma segunda ao túmulo do poeta e patriota António Jacinto, no cemitério do Alto das Cruzes, bem como aos sócios sepultados naquele campo santo e, finalmente, a apresentação da nova lápide tumular de outro lutador pela independência nacional, o poeta Viriato da Cruz. À noite teve lugar o Jantar das Bodas de Prata para sócios, patrocinadores e convidados, com um programa cultural animado pelos cantores Nelo de Carvalho e Tony Jackson e o saxofonista Nanuto. A jurista Maria do Carmo Medina recordada P or ocasião da morte da Dra. Maria do Carmo Medina, damos à estampa a acta que regista a atribuição, em Assembleia Geral, à jurista, a categoria de Membro Honorário da Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde. « AC ACTA N° 4/2011 A Aos 17 dias do mês de Março de 2 2011, nesta cidade de Luanda e nas instalações da sua sede social a Avenida do 1º Congresso do MP MPLA, Nos 19/24, reuniu-se o Conselho Directivo da Associação Cultural e Recreativa CHÁ DE CA CAXINDE, nos termos do que estabelece o nº1, do ar arto 35º dos seus estatutos, tendo comparecido todo dos os seus membros, para analisarem a seguinte O ORDEM DE TRABALHOS: Ponto único - Proposta para a concessão da ccategoria de membro honorário da Associação à D Dra. Maria do Carmo Medina A reunião decorreu como se relata: O Presidente da Associação explicou os motivos da presente reunião que se consubstanciam na intenção d da Associação Cultural e Recreativa CHÁ DE CAXINDE, homenagear a Dra. Maria Carmo Medina, na próxima FUNJADA DE SÁ- 28 de Janeiro teve lugar no Instituto Camões o lançamento do livro “A Lagoa Misteriosa”, da Dra. Celestina Fernandes, obra vencedora ex-aequo do Concurso Caxinde do Conto Infantil, inspirada na cidade marroquina de Marraquexe, cuja beleza singular encanta quem por lá passa e num mito que gira em torno de uma lagoa angolana. A ocasião foi aproveitada para aquele Instituto prestar homenagem à Associação Chá de Caxinde pelas suas bodas de prata, tendo sido entregue ao seu Presidente, Jacques dos Santos, uma peça artística, encimada pelos logotipos das 2 instituições, onde se pode ler: “O Instituto Camões felicita o Chá de Caxinde pelos 25 anos a UNIR PELA CULTURA”. Lançamento do Livro “Kalucinga” E m homenagem aos 25 anos da Chá de Caxinde procedeu-se, a 30 de Janeiro, ao Lançamento da obra “Kalucinga”, da Dra. Alexandra de Victória Pereira Simeão. A autora é licenciada em Estudos Artísticos (Literatura e Arte), com um Minor em História Geral, desempenhou as funções de Vice-Ministra da Educação para a Acção Social no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional e é comentarista e analista política e social no painel da LAC, Luanda Antena Comercial, “Elas e o Mundo”. A apresentação da obra esteve a cargo do jornalista Reginaldo Silva e as receitas da autora da presente edição revertem a favor de Campanhas de Educação sobre a Anemia Falciforme. Lançamento do Livro “A minha visão - Factos, ideias e opiniões” O s problemas da coabitação entre os homens numa cidade em constante mudança, como Luanda, são o cerne do mais recente livro de José Guerreiro, “A minha visão – Factos, ideias e opiniões”, apresentado a 13 de Fevereiro, no Espaço Verde Caxinde. 20 * CHAZADAS / CRÓNICA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 Para o escritor Luís Fernando, que apresentou a obra, “A Minha Visão”, de José Guerreiro, representa a reunião de um “espólio” valioso de textos, escritos ao longo dos anos, sobre o desenvolvimento da capital angolana e as peripécias dos seus habitantes para tentarem sobreviver. Funjada de Sábado no Chá N o intuito de realizar mais um convívio entre sócios, familiares e amigos, a Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde realizou, no dia 22 de Fevereiro, a habitual Funjada de Sábado no Chá, desta feita para homenagear o seu Grupo Carnavalesco “Os Unidos do Caxinde”. A festa que contou com a participação especial do Agrupamento “Aché Cuba” e o cantor Diabik, antigo comandante do grupo carnavalesco, tendo no final sido atribuídos diplomas de mérito aos integrantes mais antigos e assíduos. Quartas de Cinema D epois de algum tempo de interregno, em razão das obras a que esteve sujeita a sala, regressou ao Nacional Cine Teatro, no dia a2 de Março, a actividade Quartas de Cinema, em parceria com a Alliance Française. Teve início o Ciclo 1, sobre o tema: Rumos Africanos, com a apresentação do documentário “Tango Negro, as raízes africanas do Tango”. O tango foi inventado nos meados do século XIX por ex-escravos negros que ficaram esquecidos pela história nacional. O tango foi no princípio uma música de rua, popular e festiva. O documentário foi apresentado pelo realizador Dom Pedro, seguindo-se um cocktail de lançamento. “Jazz Mulher”, no Chá de Caxinde I nserido na iniciativa anual “Jazz Mulher”, de Jerónimo Belo, que celebra este ano a 6ª edição, realizaram-se 2 concertos, a 14 e 15 de Março, da “Diva” do Jazz afro-americano Dee Alexander, uma das mais talentosas e respeitadas cantoras de Chicago. Com a lotação praticamente esgotada os concertos de Dee Alexander, em parceria com a Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde, constituíram momentos significativos na vida cultural da cidade. “Hoje o Jazz vocal é maioritariamente cantado no feminino” razão pela qual o projecto “Jazz Mulher” é um tributo à presença feminina no Jazz, disse o responsável pela iniciativa, o crítico de Jazz, Jerónimo Belo. A graduação dos mundos Joana Ramiro E m 1997, quando visitou pela primeira vez Angola, o que muito chocou a minha mãe foi o constante assédio por parte de crianças e adultos pedindo “uma ajuda”. Sentiu-se incomodada com a discrepância entre os vários mundos. Entre o dela, o da burguesia Lisboeta, e o de Luanda dos anos noventa; mas também entre os vários mundos Angolanos, dos que se podem dar ao luxo de não mendigar e o de todos os outros. Compreenda-se que a minha mãe não estava habituada a sair do que a elite neoliberal ocidental denomina por Mundo Desenvolvido. Paris e Berlim, onde a pobreza é colmatada em parte pelo estado social universal e, além disso, desinfectada e escondida para que não se estrague a experiência do turista, eram-lhe familiares. A Luanda, não dos postais ou dos filmes publicitários coloniais, mas do mercado de Benfica e das ruas empoeiradas da Cidade do Asfalto, a Luanda dos meninos de rua de pernitas bambas e dos polícias que pedem um cigarro e uns dólares, era-lhe hostil. No Primeiro Mundo não havia bananapão, mas também não havia o relembrar incessante de que as nossas vidas, em comparação, são mesquinhas na sua abundancia. Passaram-se mais de quinze anos desde que a minha mãe foi a Angola. Na realidade, pós-crash de 2008, Luanda não é só uma cidade da África subsariana, é um centro financeiro onde o capital internacional se encontra activo. A economia angolana ascende a um ritmo tão acelerante quanto as alterações paisagísticas da cidade de Luanda. A Marginal têm um quê de Calçadão. O Kinaxixi não existe mais. Há mais membros da classe média e alguns menos “ajudantes” no Aeroporto 4 de Fevereiro. E no entanto, duvido que a muitos portugueses, habitantes desse dito Mundo Desenvolvido, a Luanda de hoje não seja tão alienante como foi para a minha mãe em 1997. Não que a realidade angolana seja, se bem que segundo a UNICEF, mais de 50% da população viva abaixo do índice de pobreza (afinal de contas, a Luanda do Chill Out é também ainda a Luanda dos musseques), radicalmente diferente de muitos países do Mundo Desenvolvido. A grande hipocrisia internacional, principalmente portuguesa, está exactamente na exaltação dos desenvolvimentos, quase unicamente cosméticos, que o governo em Luanda implementou em prol dos angolanos, sem olhar para a deterioração dos direitos dos seus próprios habitantes. Em Portugal passa-se fome nas escolas e vive-se ao relento nas zonas mais caras de Lisboa. Em Portugal desmantela-se o estado social e silenciam-se as críticas às políticas de austeridade implantadas pela Troika com o conluio dos governos, primeiro de Sócrates e depois de Passos Coelho. Assim sendo, não será pertinente perguntar onde acaba esse Mundo Desenvolvido e onde começa o Subdesenvolvido? Quem tem legitimidade para graduar Angola e quem tem o poder de recategorizar Portugal? Quem estabelece os parâmetros sob os quais se qualificam a desenvoltura de um país, que claramente ignoram a fome, a miséria, e, acima de tudo, a enorme desigualdade entre aqueles que se banqueteiam e os que não têm nada para comer? Indignam-se muitos das disparidades socioeconómicas em Angola, mas em Portugal, tal como em Espanha, na França, até na Inglaterra e nos Estados Unidos, depende-se de bancos alimentares, de dois ou três empregos e até da esmola alheia, sem que isso choque muita gente. Não sendo socióloga, não posso deixar de me perguntar se esta sensibilidade social algo esquizofrénica não será em muito permutada por um sentimento pós-colonial. Como se, para os que têm o privilégio de rotular os mundos, se considere que na Europa ser-se pobre é excepcional, mas nos países africanos faz parte e é defeito de fabrico. Estas graduações dos mundos vêm dos cantos mais negros da ideologia neoliberal e estão prenhes de racismo e preconceito contra tudo aquilo que não for ocidental ou Europeu. Para mim, enquanto houver desemprego em massa, gente a morrer de fome e silenciamento político, estamos todos muito bem mas é no submundo. Número 9 - 2ª série | FOLHETIM * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 21 Memorias policiais do reporter Zimbro por AUGUSTO BASTOS [ Jor orna na al d dee Ben e gu uel ela a , 11 1-1 -111-19 19 931 3 , p. 4 ] [CON NTI TIN NUAÇ A ÃO O] “O representante da autoridade coçou a cabeça, embaraçado e triste. Com efeito. O que o acusado alegava em sua defeza constituia uma pura verdade; isto é: no exame a que se procedeu ao fato com que se mascarára, e ao seu corpo, nada se encontrou que indicasse que fôra ele o autor do duplo crime. Mas então, se não fôra ele, quem fôra? Formidavel ponto de interrogação se apresentava ao espirito de todos. E a convicção, com o correr dos dias e mantendo se de pé e inalteravies as provas que contra o acusado se acumulavam e erguiam, não se tendo ainda feito a luz sobre o caso, de modo a poder ser arredada do terrivel feito a pessoa de João de Lemos, começava a perder consistencia e terreno no espirito de alguns que menos conheciam o caracter do indigitado autor do crime, e até então o consideravam inocente. Se não conscientemente, pelo menos juridicamente, ele – o Lemos – era o criminoso que as justiças tinham de empolgar e julgar, enquanto não fosse apresentado outro. 1 CAPITULO V O reporter Zimbro Surgiu ostensivamente, nesta altura, no tablado em que se desenrolavam rapidamente os acontecimentos que estamos narrando, tendo recorrido especialmente a ele o parente do desventurado Jacinto da Cunha e o Comendador Lagos, a figura insinuante e simpatica, já conhecida na sociedade benguelense, do reporter Zimbro, que, a pedido daquelas duas pessoas, prometeu encarregar-se do caso e dedicar lhe a sua atenção e aptidões policiaes, de que era dotado e de que em Lisboa já dêra exuberantes provas revelando-se um autentico e excepcional detective. Surgiu ostensivamente – acabámos de dizer – nesta altura, porque discreta e espontaneamente já o reporter Zimbro, desde a noute do assassinato do brazileiro, se interessára pelo extraordinario caso, ficando a velar, com outras pessoas, na camara ardente improvisada, nessa noute. Como enviado do grande jornal de Lisboa, trouxêra o reporter Zimbro importantes cartas de apresentação. Repare-se em mais este erro ortográfico, hoje tão comum. Em poucos mezes, relacionou se com as autoridades e com as principaes figuras da sociedade de Benguela, o que lhe facultava obter daquelas, sempre que lhe era necessario, as concessões convenientes, para seguir qualquer pista tendente a conduzi-lo á1 descoberta de algum crime e do seu autor, como por mais de uma vez sucedeu. Nessa noute, em que velava na camara ardente, tendo sabido que Jacinto da Cunha declarára, apontando com a mão esquerda para o seu leito, que o homem da mascara azul, que estivêra no baile do Comendador Lagos, é que o ferira mortalmente, roubando-lhe primeiro as moedas de ouro, pediu o reporter Zimbro á autoridade, no acto de se levantar o auto de noticia e de se proceder ao exame do leito designado por Jacinto da Cunha, que lhe permitisse que ele procedesse a um exame particular ao mesmo leito e ao cadaver, o que lhe foi permitido. Procedeu-se, pois, aos exames oficial e particular, a que nos referimos, tendo se constatado que a roupa da cama do brasileiro fôra revolvida e que o colchão de baixo fôra rasgado com uma navalha (a mes- ma com que provavelmente fôra ferido o dono da casa) sinal evidente de que de dentro do colchão fôra retirado qualquer objecto que ele escondia; e, nesse caso, teria sido o volume contendo as peças de ouro, roubadas, segundo a declaração de Jacinto da Cunha. Estava provado que o mobil do crime fôra o roubo das moedas de ouro, que naturalmente, o Cunha trouxera do Brazil, e que, para maior segurança, havia escondido dentro do colchão de baixo, cosendo-o depois, para que ninguem suspeitasse da existencia daquele dinheiro em seu poder. Mas, sendo assim, aparecia agora um ponto ou circunstancia que esclarecia alguma cousa: - é que o criminoso tinha conhecimento de que Jacinto da Cunha possuia aquele dinheiro escondido no segundo colchão. Como o soubéra, porêm? Pelo proprio Cunha ou por outra via? Misterio! Como dissemos, o reporter Zimbro procedeu a um exame particular aos colchões e á roupa da cama, e ao cadaver do Cunha.” (Continua) 22 * HISTÓRIA Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 A Importância da Leitura Jorge Arrimar “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história.” Bill Gates A Leitura e o Domínio da escrita A leitura é um processo longo que começa (ou deve começar) antes da aprendizagem formal. A criança, durante a primeira infância goza o simples prazer de ouvir contar histórias, de ler e acompanhar a leitura através das imagens dos livros, para depois ir, gradualmente, percorrendo as várias etapas do itinerário do leitor. É durante esta progressão que se evidencia a necessidade do acompanhamento, para que seja possível uma constante motivação rumo ao leitor completo. E é neste processo precoce, que decorre entre a emergência da leitura e o prazer de ler, que se torna determinante a “cumplicidade, o diálogo e a convivência com o material impresso”.1 A leitura e o domínio da escrita têm sido objectivos muito acalentados nas últimas décadas. Cada vez mais se tem consciência da importância da leitura enquanto ferramenta que nos permite o acesso ao saber e ao conhecimento. Ao conhecimento do Eu alargado ao Outro e ao Mundo. Com o domínio da leitura, pretende-se, sobretudo, que haja acesso a informações difundidas das mais distintas maneiras, quer em meio escolar, em ambiente de trabalho ou tão-somente durante o processo natural da inserção na sociedade. Percebe-se, assim, que a escola tenha um papel fundamental neste processo: a de facultar/providenciar aos alunos, um tipo de formação que os leve a compreender criticamente as realidades sociais e com elas interagir de forma esclarecida. Afinal, para que serve ler? Percebe-se que, entre o texto escrito e o leitor, a relação que se estabelece é diferente da que se estabelece entre duas pessoas em conversa. “Na fala estão presentes, além das palavras, os gestos, as expressões faciais, a entonação de voz, possíveis repetições e a possibilidade de se perguntar quando não houver entendimento do que foi dito”.2 Ora, quanto à leitura, como quem lê se encontra perante o texto que foi escrito por alguém não presente 1 Isabel Feliz Andrade Nina – Da leitura ao prazer de ler: contributos da biblioteca escolar. Lisboa: Universidade Aberta, 2008. Tese de mestrado em Gestão de Informação e Bibliotecas Escolares. 2 Maria de Lurdes de Souza Kriegl – Leitura - um desafio sempre atual. Rev. PEC, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 3-12, jul. 2001- jul. 2002. Disponível em: < http:// pt.scribd.com/doc/49635237/Leitura-Um-DesafioSempre-Atual >. 3 Id., ibid. para completar as informações, é o próprio leitor a fornecê-las “ao texto” enquanto lê. Na verdade, durante a leitura, o leitor não é um sujeito passivo, dado que o texto que ele lê também age sobre a sua própria cognição. Durante a leitura, ele vai activando o seu esquema cognitivo, num processo de alteração e/ou de confirmação que o conduz a uma maior apreensão das mensagens. Ler permite a aquisição e ampliação de conhecimentos e, simultaneamente, vai “abrindo horizontes para a mente, aumentando o vocabulário, permitindo melhor entendimento do conteúdo das obras”.3 Mas há um tipo de leitura que decorre de “uma deficiência no raciocínio lógico do leitor”, fruto do analfabetismo funcional que são as “leituras tortas”, no dizer do conhecido professor brasileiro, Cipro Neto, fundador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, transmitido pela Rádio Cultura AM de S. Paulo. Ele não hesita em afirmar que só lendo, lendo, lendo, e incluir na leitura “um pouco de filosofia, de música, de poesia” se pode sanar tal lacuna. É fundamental ler muito, “não qualquer texto, mal e porcamente alinhavado”, mas aquele texto que “desarma o espírito, eleva e enleva a alma”.4 Só que, para se chegar a este estádio, a leitura deve iniciar-se muito cedo, primeiro com as canções de embalar, com o contar de histórias, depois com um processo de alfabetização sustentável e bem organizado, “com um contínuo estímulo à leitura e à expressão das ideias”.5 A Leitura e os Novos Suportes da Escrita Começaremos por lembrar que um inquérito realizado pela Mobiles Republic, em seis países do mundo, demonstrou que as aplicações móveis (sobretudo dispositivos Android) são hoje a principal forma de acesso às notícias, muito à frente dos jornais impressos, da rádio e da televisão. Os três aspectos mais valorizados no acesso às notícias são: informação clara e precisa (80%), actualizada 4 Cf. Cotidiano (Folha de São Paulo, 20/09/2012). Pasquale Cipro Neto é, também, colunista dos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Globo” e “Diário do Grande ABC”, entre outros, e da revista literária “Cult”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ pasquale/1156279-leituras-tortas.shtml >. 5 Shyrley Pimenta – Da urgência de ler. “Correio de Uberlândia”. Dispon. em:<http://www.correiodeuberlandia.com.br/pontodevista/2012 /09/25/da-urgencia-de-ler/>. (59%) e gratuita (58%). O tipo de sítio ou aplicação mais usados no acesso à informação são, em primeiro lugar, as aplicações de notícias, seguidos dos agregadores, do facebook e do twitter.6 Por isso, não é de estranhar que muito se discuta e se escreva sobre sobre a leitura em sociedades que utilizam cada vez mais os novos suportes da escrita. No contexto das redes sociais, vale a pena “ouvir” o que nos diz um dos críticos mais exigentes do facebook, o professor de Comunicação Digital da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de S. Paulo (Brasil) e consultor em inovação digital, Luli Radfahrer. Para este estudioso, nem “o Narciso mitológico seria tão autocentrado” como os obcecados utilizadores facebookianos, pois aquele “ que morreu afogado ao se apaixonar por sua figura refletida em um espelho d’água poderia argumentar que não sabia que via um reflexo”. Mas como muitos utilizadores das redes sociais, Narciso apaixonou-se “por uma tela e sucumbiu ao confundi-la com a realidade”, uma confusão evidente entre o real e o fictício publicado. Esta “é uma das faces mais assustadoras do narcisismo digital”, pois há quem tenha uma perspectiva da realidade “tão distorcida pela percepção alheia, tão fragmentada e amplificada pelos perfis e grupos a que pertencem, que geram especulações maiores do que pode supor sua vã fenomenologia”. E conclui o autor que a “vida na vitrine da interface, livre da moderação e da compostura que qualquer grupo social demanda, cria uma gigantesca câmara de eco, em que mensagens são referências de referências de referências, perdendo significado e substância no processo”.7 Disto são exemplos recentes o sucesso da trilogia Fifty Shades of Grey (Cinquenta Sombras de Grey), da autoria de El James, transformado “no maior best-seller do país que um dia foi de Shakespeare e Charles Dickens”,8 e de Crepúsculo, série inspirada nas clássicas histórias de vampiros, em grande parte devido aos seus fãs, que criaram uma vasta cadeia de informação nas redes sociais, com base nas indicações passadas de amigo a amigo. 6 Conf. < http://www.mobilesrepublic.com/the-change-in-news-reading-habits/ >. 7 Luli Radfahrer “Folha de São Paulo”, 10.09.2012. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ luliradfahrer/ >. 8 Id. ibid. Número 9 - 2ª série | HISTÓRIA * Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 A Literacia entre Europeus “Um em cada cinco europeus tem dificuldade em ler o mundo.” Esta foi a frase escolhida para título de um relatório sobre literacia na União Europeia, escrito por um grupo de peritos, liderados pela princesa Laurentien da Holanda.9 Os europeus referidos têm 15 anos de idade e ler e escrever “não são apenas competências técnicas”, são “a chave para os cidadãos sentirem que fazem parte da sociedade”, afirma Laurentien van Orange. E vai mais longe, diz que na Holanda, 10% da população têm problemas de iliteracia funcional, o que quer dizer que o desempenho na leitura e na escrita é baixo, impedindo, por isso, uma participação activa na sociedade. Este tipo de problemas num país como a Holanda, um dos países mais desenvolvidos da Europa e do mundo, tem sido uma surpresa, como constatou quem esteve na VI Conferência Internacional do Plano Nacional de Leitura (PNL), que decorreu em Lisboa, em Setembro de 2012. Estamos, pois, perante a evidência de que a iliteracia não é “um exclusivo dos países em desenvolvimento”, mas também de países já considerados “desenvolvidos”. Para os países poderem alcançar os seus objectivos de desenvolvimento, é necessário resolver o problema da iliteracia e para isso são avançados dois exemplos: o combate à pobreza (se não houver competência na leitura e na escrita, torna-se muito difícil sair dessa condição) e o investimento no digital (dificilmente haverá pessoas “interligadas” se não souberem dominar bem a leitura e a escrita).10 Em Portugal – país que contava, há três décadas apenas, com uma expressiva percentagem de analfabetismo e de iliteracia – encontram-se exemplos de um progresso evidente, com o alargamento, a partir de 1987, da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP),11 a publicação do relatório Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares12 e a consequente criação, em 1996, da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE),13 e a organização, em 2006, do Plano Nacional de Leitura (PNL).14 Em 2007 e 2009, o Barómetro da Opinião Pública, no âmbito dos estudos de avaliação do PNL, dava conta da importância que as bibliotecas escolares já demonstravam ter no desenvolvimento da leitura em Portugal.15 A biblioteca escolar disponibiliza serviços de aprendizagem, livros e recursos que per9 A princesa Laurentien van Orange, da Holanda, tem uma grande influência na Europa, evidente no diverso número actividades e instituições a que pertence ou com as quais tem ligações de trabalho. Em 2004, criou a Fundação Ler e Escrever dos Países Baixos. Em 2009, tornou-se enviada especial da UNESCO da Literacia para o Desenvolvimento e foi patrona de Amesterdão Capital Mundial do Livro. É também presidente da Fundação Cultural Europeia e foi importante na ajuda a Portugal na fase de implantação do Plano Nacional de Leitura neste país. (seg. Isabel Alçada, primeira comissária, substituída, entretanto, pelo poeta Fernando Pinto do Amaral). 10 Conf. < http://www.mobilesrepublic.com/the-change-in-news-reading-habits/ >. mitem a todos os membros da comunidade escolar tornarem-se pensadores críticos e utilizadores efectivos da informação em todos os suportes e meios de comunicação. As bibliotecas escolares articulam-se com as redes de informação e de bibliotecas de acordo com os princípios do “Manifesto da Biblioteca Escolar” da UNESCO. Hoje, em Portugal, mais de duas mil escolas (do 1º ciclo ao ens. secundário) possuem biblioteca escolar com um acervo que se estima entre os três mil e os doze mil títulos. Com o objectivo de dar a conhecer as suas experiências e sucessos neste campo, a RBE, em finais de 2008 concebeu, em articulação com o PNL, um projeto que visava a integração da Biblioteca da Escola Portuguesa de Moçambique na Rede e a “criação de bibliotecas e promoção da leitura em escolas moçambicanas”.16 Dois anos depois lançou em Timor-Leste um projeto orientado para a integração na Rede da Escola Portuguesa Ruy Cinatti, de Díli, assim como “a criação e desenvolvimento de bibliotecas escolares e outras iniciativas de promoção da leitura em escolas timorenses”.17 Sabe-se que, em relação a Angola, está em curso um processo de entendimento semelhante. A Literacia entre Angolanos Angola conta com uma população muito jovem (mais de 45% tem menos de 15 anos e mais de 55% tem menos de 20 anos de idade), em que muitas crianças crescem em ambientes familiares iletrados e onde uma percentagem elevada de adultos não tem tempo para as crianças ou, simplesmente, não sabe ler. Estas crianças transitam de ambientes familiares iletrados para o primeiro ciclo escolar sem nunca terem ouvido ler, sem serem detentoras de algumas capacidades básicas de leitura e escrita.18 Esta é uma realidade que Angola vive, fruto das condições histórico-sociais que lhe são próprias. Investir na instrução pública e no livro são passos essenciais para inverter esta situação. Em primeiro lugar é preciso ensinar a ler e a escrever, e para isso importa levar as crianças (e os adultos também) à escola. Estas crianças serão, no futuro, os pais e avós que irão ler para os seus filhos e netos antes destes próprios saberem ler, para 11 A Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP) resulta do Programa iniciado em 1987, pelo então Instituto Português do Livro e da Leitura, com o objectivo de dotar todos os concelhos de Portugal de uma biblioteca pública. 12 Cf. Isabel Veiga, e outros - Lançar a Rede de Bibliotecas Escolares. Lisboa: Ministério da Educação, 1996. [Consult. em 15 Jun. 2013]. Dispon. em: <http://www. rbe.min-edu.pt/np4/file/94/ lancar_rbe.pdf >. 13 O Programa Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), iniciado em 1996, propôs que não houvesse apenas “um modelo de biblioteca escolar mas, também, a constituição de uma Rede de Bibliotecas Escolares, abrangendo todo o sistema de ensino público, básico e secundário.” (António Firmino da Costa, Coord. Avaliação do Programa Rede de Bibliotecas Escolares. Lisboa: ME, 2009, p. 10). 23 que, assim, lhes seja despertada a curiosidade e o interesse pelos livros e pelas histórias que eles encerram. O berço como início da viagem rumo à literacia é um aspecto muito importante. É fulcral o papel da família na motivação para a leitura. Ela é essencial, como um dos factores que contribui para o posterior sucesso na aprendizagem, bem como o acesso a livros e a outro tipo de material escrito. Se a família não incutir no aluno o gosto pela leitura, o trabalho do professor e da escola torna-se mais difícil e árduo. Há, contudo, um número grande de equívocos a ter em conta. Os programas de leitura são quase sempre elaborados na presunção de que, com as crianças estará sempre um adulto que lhes pode ler uma história, pelo menos ao deitar. Porém, sabe-se que há uma percentagem muito elevada de adultos que, ou não têm a noção da importância de o fazer ou, simplesmente, não sabem ler. Por isso, quando lemos na comunicação social que, em “Angola, assiste-se actualmente a uma crise de leitura que afecta a maioria da população, principalmente a escolar, e particularmente a infanto-juvenil”, tal faz-nos pensar que se faz referência a uma situação de crise de leitura ainda antes mesmo de a leitura estar implantada. Quando se afirma que há ainda tanto para fazer no campo da educação, que há muitas escolas a construir, muitos professores a formar, muitas crianças a instruir, muitos adultos a alfabetizar, é da falta de implantação da leitura que se fala. E esta situação ainda mais se agrava devido à falta de livros no mercado a preços acessíveis, à baixa produção livreira e à fraca promoção e distribuição do livro no todo nacional. Denuncia-se, igualmente, a falta de incentivo à leitura no universo escolar, situação grave na medida em que é a escola o meio mais apropriado ao incentivo da leitura nas crianças/ jovens e, consequentemente, a melhor forma de divulgar o livro e os escritores, “forjando desse modo um ciclo dinâmico de criação, produção, leitura”, concorrendo, assim, para um maior dinamismo do próprio mercado livreiro. E mais livros quer dizer mais bibliotecas, mais leitura e também um maior sucesso da parte das editoras. Esta realidade só é dinâmica se houver interacção entre criação literária (autor), produção livreira (editor) e promoção/venda do livro (livreiro).19 14 O PNL foi criado em Junho de 2006 pelo Ministério da Educação de Portugal, visando promover o desenvolvimento de competências e o aprofundamento dos hábitos de leitura dos portugueses, com incidência na população escolar . (PNL – Relatório de actividades. Lisboa: PNL, 2008). 15 António Firmino da Costa (Coord.) – Avaliação do programa rede de bibliotecas escolares. Lisboa: ME, 2009. 16 [Cons. Ago.2013] Dispon. em: <http://www.rbe. min-edu.pt/np4/77.html >. 17 [Cons. Ago.2013] Dispon. em: <http://www.rbe. min-edu.pt/np4/79.html >. 18 Dados da UNICEF referidos em: < http://jornaldeangola.sapo.ao/19/46/literatura_e_educacao >, consult. em 24 Out.2012. 24 * HISTÓRIA Formar leitores é, por conseguinte, a base de toda esta dinâmica, pois sem eles não há leitura. E para formar leitores, é universalmente entendido que se devem dar os seguintes passos: s#ONTARADIVINHASPROV£RBIOSEHISTRIASAOSMAIS novos sempre que, em casa, os mais velhos sejam analfabetos. A literatura oral é uma tradição africana muito forte e pode predispor as crianças para a aprendizagem da escrita da leitura; s#RIAROHÕBITODELEVAROSlLHOSDESDEPEQUEnos, a passear em livrarias; Número 9 - 2ª série s,EVARASCRIAN½ASAEVENTOSONDESECONTEMHIStórias; s$AREXEMPLOSDELEITURAEMCASALENDOJORNAIS revistas, livros; s,ERPARAOSlLHOSSEMPREQUEFORPOSS¤VELMESmo para as crianças mais pequenas; s%VITARCOMPRARLIVROSAPENASPELABELEZADAEDI½áO s )NVESTIR MAIS NA ESCOLHA DE NARRATIVAS QUE LEvantem questões que ajudem a lidar com sentimentos e ampliem as relações com a cultura; s$ESCOBRIRSEAESCOLADOSlLHOSCONSIDERAALEITURA 19 | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 uma modalidade de ensino e procurar colaborar com as práticas de leitura ali desenvolvidas. O prazer de ler e ouvir uma história e o ambiente afectivo envolvente transfere-se para o gosto pelos livros, fase importante no processo de formação do gozo pela leitura, tão importante quando se faz, principalmente, sobre bons textos. É a partir daí que os valores surgem “nas relações que as próprias crianças estabelecem entre essas histórias, sua cultura, casa e escola,”20 levando-as a pensar não só sobre elas próprias mas, também, sobre os outros. 20 José Luís Mendonça - Literatura e educação [02Set.2009]. “Jornal de Angola online”, consult. em 24Out.2012. Simone Sayegh – “Ler ajuda a criança a entender o mundo; conheça maneiras de incentivar seu filho”. Disponível em: < in: http://tudosobreleitura.blogspot.pt/ >. A ENSA OFERECE-LHE AS SOLUÇÕES IDEAIS para viver a sua vida pessoal ou profissional em segurança Seguro de Vida ! Seguro de Saúde ! Fundo de Pensões Aberto ! Fundo de Pensões Fechado ! Seguro Multi-Risco Habitação ! Seguro de Incêndio ! Seguro de Acidentes de Trabalho ! Para mais informações contacte-nos: Call Center: 222 692 500/592 Seguro Automóvel ! Seguro de Responsabilidade Civil ! Seguro de Engenharia ! Seguro de Transporte Marítimo ! Seguro de Aviação ! 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Foi difícil e terrível, com certeza, o período que estes antepassados tiveram que passar, saindo das terras quentes e férteis de África para se embrenharem nas terras frias e vazias dos montes do Himalaia. As planícies da Europa eram dominadas por tribos das estepes, gente com o tipo sanguíneo B. Andaram pela Índia e Ásia em tribos mestiças de mongóis e caucasianos, pelo Japão e China até aos Montes Morais. Alemanha e Áustria têm uma forte representação do grupo B, acontece o mesmo com os Judeus, já no oeste Europeu a sua representação é mínima. Têm um sistema imunológico forte, não se altera com as mudanças, tem caraterísticas únicas e às vezes camaleónicas, não são atreitos a doenças, mas o desequilíbrio causa tendências negativas, como as auto-viroses raras. A sua saúde tem alguns riscos, a diabetes 1, o síndroma de fadiga crónica, lúpus e esclerose múltipla. Qualquer pessoa precisa de suplementos para ficar equilibrado e esses suplementos ingerem-se através dos alimentos adequados e dos produtos naturais, os suplementos são um regulador e servem para aperfeiçoar uma dieta já equilibrada, aumentar a eficácia da insulina, fortalecer a imunidade contra os vírus e aumentar a clareza e concentração cerebral. O tipo B não tem necessidade de suplementos das vit. A, B, E e C, caso faça direitinho a sua alimentação, este grupo é privilegiado, é mesmo um caso especial, sortudo, pode evitar as doenças a que está sujeito só com os alimentos recomendados, aproveite o seu bónus e siga com vontade e lucidez a sua verdadeira forma de vida. Os suplementos são apenas para dar mais benefícios ao grupo B. Usem-nos sempre com orientação, equilíbrio e contensão. O magnésio é fundamental, pois o seu organismo é muito eficiente na absorção do cálcio… o descuido neste campo provoca fadiga, depressão, doenças nervosas e diminui a imunidade, nas crianças pode provocar eczemas. Seja equilibrado com os lacticínios e coma diariamente todas as verduras, legumes e grãos recomendados… O alcaçuz é bom para as ulceras estomacais, o abacaxi deve ser usado após as refeições pois contem bromelina, recomendado para a digestão, o ginko biloba em chá ou em cápsulas é um hábito valioso para ajudar a microcirculação e o estímulo ao cérebro, é um ativador, o ginseng amacia as veias e diminuí as dores nos ossos e a lecitina de soja fortalece o sistema imunológico. Os primeiros seres do tipo B eram bárbaros e agricultores, estavam entre dois fogos, faziam parte de grupos enormes em evolução, que lutavam por se estabelecer e pela conquista e desenvolvimento da terra. Aprenderam a saber lidar muito bem com o estresse. O tipo B é menos agressivo que o tipo O mas mais bem dotado fisicamente que o tipo A. Os exercícios recomendados são a aeróbica, artes marciais, ténis, ciclismo, caminhada, corrida, natação, golfe e musculação, ioga e tai chi. Devem ser praticados três vezes por semana. São flexíveis e criativos, por isso menos sujeitos a doenças. São a essência da sobrevivência, se viverem em harmonia com o exercício e a alimentação correta… Alguns alimentos benéficos recomendados: Carneiro, cordeiro, coelho, veado, bacalhau, garoupa, linguado, pargo, salmão, sardinha, savelha, iogurte, queijo e leite de cabra, feta, ricota, azeite de oliveira, amêndoas, nozes, castanhas, feijão branco, soja e frade, arroz integral, grãos germinados, batata doce, beringela, beterraba, brócolos, cenouras, cogumelos, couve flor e de bruxelas, couve e feijão verde, inhame, salsa, pimentas, abacaxi, ameixa, banana, mamão, uvas, sumo de repolho, caril, gengibre, pimenta de caiena, chá verde e de folhas de framboesa, gengibre, hortelã, sálvia, fruto da roseira… Todos os outros alimentos devem ser usados muito esporadicamente… Principalmente os que engordam o tipo B, como milho, lentilhas e ginguba, trigo e gergelim, pois inibem a eficácia da insulina, prejudicam o ritmo metabólico, causam hipoglicemia, inibem a absorção adequada dos alimentos, a digestão e o funcionamento do fígado, tornando mais lento o processo digestivo. O trigo é armazenado como gordura e não como energia… “A dieta do tipo B é equilibrada e saudável, inclui uma ampla variedade de alimentos, segundo o meu pai, “ela aproveita o melhor do reino vegetal e animal”, diz o Dr. Peter D,Adamo. Os seus antepassados sobreviveram às novas terras, aos climas desconhecidos e à mestiçagem racial, hoje eles estão preparados para se relacionarem e viverem no melhor dos mundos… Por sua natureza genética, são mais harmoniosos, têm menos apetência para o confronto e o desafio, pois têm outros pontos de vista. O verdadeiro remédio para o tipo B é o equilíbrio e a harmonia. “Na tradição judaica, a inteligência, a paz e a espiritualidade vivem lado a lado com um físi- 26 * VIVER COM QUALIDADE co forte e preparado para a luta. Para muitas pessoas isso parece contraditório, mas na verdade são as energias harmoniosas do tipo B em ação” diz o Dr. Peter D,Adamo. Agora vamos falar sobre elementos que deve usar diariamente, pesquize, procure saber mais, estude, apaixone-se pelo natural e use sem medos e sempre com respeito e cerimónia… O gérmen de trigo é apenas 2% do trigo, mas é a parte mais rica, nutricionalmente poderosa, dos poucos alimentos onde se encontram todas as vitaminas do complexo B, é também fonte da vitamina E, proteínas, ferro, fósforo e magnésio. Basta dizer que é o coração do trigo, o seu embrião. Use nas sopas, iogurtes, batidos e nos cereais. Chia, o “ouro” dos Astecas, Maias e Incas e da América Central. Eram usadas para os fortalecer nutricionalmente, também como fonte de energia e bem-estar. São poderosas e ricas em ácidos gordos, mucilagens, ómega 3, mais que o salmão, contêm proteínas, fibras e é um poderoso antioxidante. A chia é gelatinosa, tenha o cuidado de mexer bem, sempre que a use. Misture nos batidos, iogurtes, saladas, também como complemento de bolos ou pão. Faça uma saborosa bebida fresca, misture uma colher de sopa a um quarto de litro de água, junte sumo de limão e adoce a gosto com mel ou agave. Levedura de cerveja é uma fonte importante de nutrientes como as proteínas, ácido fólico, minerais e vitaminas C e E. É o resultado da fermentação de açúcares complexos dos cereais. É um alimento de alto valor alimentar e biodisponibilidade pela natureza da sua composição. Use em sopas, leite ou em água. O princípio de uma boa absorção dos nutrientes, são o correto funcionamento do intestino. O mau funcionamento do intestino contribui para a obesidade, problemas de coração e tensão alta. Número 9 - 2ª série A Ração Humana é uma mistura equilibrada e nutritiva de vários elementos naturais ricos em fibras, hidratos de carbono, vitaminas e minerais. Como o farelo de aveia e trigo, linhaça, quinoa, soja, sésamo, gérmen de trigo e geleia de arroz, levedura de cerveja e cacau. Aumenta a resistência, fortalece e mantém a massa muscular, além de dar uma sensação de saciedade. Use diariamente no seu batido com iogurte e fruta. Para usufruir em pleno de todos os benefícios destes maravilhosos elementos naturais, beba sempre, ao acordar, um grande copo de água com uma colher de mel. O Poder do Toque, o supremo bem, uma terapia e um prazer barato sempre à mão, que podemos usar e abusar duma forma simples e descontaminada no crescimento e na cura do corpo e da alma, visando o equilíbrio e a normalidade. O meu coração dói quando penso nos milhares de seres humanos que são privados de água, teto, alimentos e do toque, os elementos básicos da vida a que todos deviam ter direito, ainda antes de nascer. Os benefícios do poder do toque são uma visão maravilhosa, contagiante, arrebatadora, verdadeira e cheia de esperança. O contacto físico é complexo, significativo e poderoso, pois mexe com emoções e sentimentos, as energias de que somos feitos. Está provado cientificamente que algumas doenças diminuem com o toque terapêutico, como a arteriosclerose. Se os humanos se tocassem, se mimassem, acalentassem e conversassem mais, evitariam muitas doenças e outros males. “A estimulação tátil e as emoções podem controlar a endorfina, um hormônio natural que alivia a dor e nos proporciona uma sensação de bem estar”, diz a Dra. Phylliz K. Davis. O Dr. John Holt, pediatra, ordenou que as crianças internadas fossem abraçadas, aca- | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 rinhadas e aconchegadas cinco vezes por dia, resultando em menos mortalidade e no aumento da recuperação das crianças doentes. As crianças que não são amadas, acarinhadas e abraçadas, definham, são apáticas, retraídas, e muito lentas no desenvolvimento mental e físico. Use as mãos, use muito, não só para pegar na caneta, na batuta, na arma, na enxada, na panela, nas drogas, para a violência, mas use -as para a sua principal missão, que é tocar, acarinhar, abraçar, curar, situar, apaziguar, incentivar dar chão, raiz, segurança e prazer. Isto é o PODER DO ABRAÇO e o PODER DO TOQUE. Hoje a nossa receita é docinha e com um aspeto maravilhoso, pois os olhos também comem. Receita simples e fácil de confecionar. BANANA PÃO no forno com mel e canela. Banana pão bem madura, descascada, vai ao forno até ficar cozida, com um tom dourado. Corte às rodelas e regue com mel e polvilhe com canela. Sirva com umas folhinhas de hortelã. Não envelhecemos enquanto crescemos, mas sim quando paramos de crescer… Bjs carinhosos Isa Fontes Assine o jornal O Chá online Assinatura semestral ou anual Sim, desejo assinar o Jornal O Chá por seis meses Angola Kz. 1.200 Europa € 9,75 Sim, desejo assinar o Jornal O Chá por um ano (12 meses) Angola Kz. 2.400 Nome Morada Europa € 19,49 Envie para o Jornal O Chá / Assinaturas: Código Postal ANGOLA: Av. 1º Congresso do MPLA, 20/24 - Cx P. 5731 - Luanda Tm: (+244) 925828791 s Email: [email protected] s Fax: (+244) 222322876 Localidade PORTUGAL: Av. Cidade de Luanda, Lote D - R/c - 1800-097 Lisboa Tm: (+351) 914861492 s Email: [email protected] E-mail Telefone Telemóvel Número 9 - 2ª série | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 PASSATEMPO * 27 28 * CHÁ COM TORRADAS “O Censo visa conhecer o presente e preparar melhor o futuro”. Estas são palavras proferidas por Camilo Ceita, responsável principal pelo primeiro Censo Geral que o país irá organizar entre 16 e 31 de Maio do ano corrente. Analisando-as, eu e qualquer cidadão é levado a concluir sem nenhuma dificuldade que, conquistada a paz no país, o recenseamento da população apresenta-se agora como a mais ingente e importante tarefa que Angola vai enfrentar, já que ela vai permitir saber quantos somos efectivamente, Número 9 - 2ª série onde e como moramos, a que género pertencemos, que tipo de trabalho desenvolvemos. Sendo desnecessário referir a enorme utilidade desse cadastro, mais útil se tornaria ainda – esta é a minha opinião –, se levasse ao apuramento das nossas reais condições de vida, ou seja, sabermos com precisão o salário de cada um, quem beneficia sem sobressaltos de água e luz, de transporte e habitação, quem tem acesso ao ensino de qualidade, aos livros e bibliotecas, aos espectáculos e ao lazer e entretenimento, quem tem elevador em prédio alto, quem tem acesso a exames clínicos e intervenções cirúrgicas, etc. Talvez assim pudesse quem manda, aperceber-se melhor das inúmeras carências que se acentuam a cada dia e coloca o povo em geral de Angola em situação de real incapacidade, sem poder usufruir plenamente de bens essenciais que possibilitem construir o dito futuro, risonho, próspero e bom de se viver… Luanda, Abril de 2014 J.A.S. | Ano 2 - Fevereiro / Março 2014 NOTA: Caro leitor, trate já da sua inscrição. Próximos números de O Chá com assinatura online obrigatória.