entre Zulus e Xhosas

Transcrição

entre Zulus e Xhosas
USOS E COSTUMES
África do Sul
Circuncisão
entre Zulus e Xhosas
texto Carlos Domingos foto Mauro Monti
Em tempos idos, a circuncisão era uma
prática generalizada entre as tribos da
África do Sul. Obrigatório nos ritos de
iniciação dos jovens, era o elemento mais
característico e marcava a passagem da
adolescência para a idade adulta. Após a
iniciação, o jovem podia iniciar os prepa­
rativos para constituir família.
Retirados das suas famílias, os candi­
da­tos eram conduzidos a um lugar
isolado. Aí eram submetidos a várias
provas físicas para testar a sua força fí­
sica e mental. No momento oportuno,
o responsável pela iniciação procedia à
circuncisão, usando uma faca de casa
e pouco mais. Os jovens permaneciam
Jovens na dança
dos ritos
de passagem
da adolescência
à idade adulta
incapacitados durante três semanas
e eram frequentes as complicações.
Cultura adapta-se
Esta espera obrigatória forçou Shaka
Zulu a proceder à abolição desta prática.
Há 100 anos, o guerreiro Shaka tinha
pretensões expansionistas. Ambicionan­
do alargar o seu império, subalternizou
tudo à sua política. Três semanas de con­
valescença eram demasiado longas face
às campanhas de guerra, que não podiam
esperar, especialmente durante o Inver­
no, a época seca naquelas paragens.
Não tardou a resistência de alguns anciãos
que temiam pelo abandono das tradições
e da cultura. A abolição da circuncisão
era vista como uma afronta à identidade
da tribo. Porém, o carisma de Shaka era
enorme e a adequada execução sumária
de alguns oponentes, bem ao seu estilo,
fizeram esquecer esta prática ancestral.
Shaka não subverteu a “cultura”; “adap­
tou-a” às novas exigências sociais. Como
homem carismático que era, a sua visão
expansionista não tolerava empecilhos.
Xhosas mantêm-se fiéis
Hoje em dia, entre as grandes tribos sul-africanas só os Xhosas praticam a cir­
cuncisão. E não é por acaso. Ocupam
o Cabo Oriental, a zona mais remota e
abandonada da África do Sul. Pacíficos
como são, os Xhosa procuram manter as
suas tradições para garantir a coesão tri­
bal e a paz social. O seu território continua
imutável no tempo, com praias invejáveis
embelezadas pela floresta virgem e luxu­
riante ao longo da costa. As suas tradições
continuam vivas, inclusive a circuncisão.
Em 2008, mais de 90 jovens tiveram
de ser internados, mas as complicações
também persistem em hospitais. Alguns
deles sofreram amputações genitais e,
pelo menos, 22 morreram. As autorida­
des sanitárias da província ameaçam os
operadores ilegais e os pais dos jovens
podem ser condenados a seis meses de
prisão ou a pagar uma multa pesada.
Controvérsia e indiferença
Não falta quem sugira que a prática seja
realizada nos hospitais ou pelo menos
em lugares limpos, sob o controle médi­
co. Mas as sugestões caiem em ouvidos
moucos. Por outro lado, há quem acon­
selhe a circuncisão como meio de reduzir
a propagação da SIDA. Além disso, prati­
cado em geral durante o Inverno, o ritual
impede que os alunos façam os exames
invernais, causando graves prejuízos.
Curiosamente é do Cabo Oriental que
têm vindo grandes líderes, no passado
e no presente. Homens como Walter
Sisulu, Stephen Biko, Nelson Mandela,
Govan Mbeki, Thabo Mbeki e outros.
Contudo a sua presença nas altas esferas
da governação não tem trazido benefícios
tangíveis para a população, nem para
uma abordagem séria da situação.
22 FÁTIMA MISSIONÁRIA FEVEREIRO 2009