Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências

Transcrição

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Estudos Sociais e Políticos
Vinícius Werneck Barbosa Diniz
Evangélicos e a representação política descritiva
no Congresso brasileiro: uma agenda de pesquisas
Rio de Janeiro
2011
Viníciuss Werneck Barbosa Diniz
Evangélicos e a representa
ação política descritivaa
ngresso braasileiro: um
ma agenda de pesquisaas
no Con
Dissertação apreesentada, como requissito
parciaal para obteenção do títu
ulo de Mestre,
ao Pro
ograma de Pós Graduaação em Ciiência Po
olítica, da U
Universidadee do Estadoo do
Rio de Janeiro.
Orienntador: Proff. Dr. Jairo Marconi Niicolau
Rio de Jan
neiro
2011
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA IESP
D585
Diniz, Vinícius Werneck Barbosa.
Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso
brasileiro: uma agenda de pesquisas / Vinícius Werneck Barbosa
Diniz. – 2011.
79 f.
Orientador: Jairo Marconi Nicolau.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos.
1. Governo representativo e representação - Teses.
2.
Evangelismos – Brasil - Teses. 3. Brasil. Congresso Nacional –
Câmara dos Deputados – Teses. 4. Ciência Política - Teses. I.
Nicolau, Jairo Marconi. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Estudos Sociais e Políticos. III. Título.
CDU 378(043.2)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
_____________________________________________
Assinatura
_____________________
Data
Vinícius Werneck Barbosa Diniz
Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso brasileiro: uma agenda
de pesquisas
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós Graduação em Ciência Política, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
Aprovado em 12 de janeiro de 2012.
Banca Examinadora:
______________________________________________________
Prof. Dr. Jairo Marconi Nicolau (Orientador)
Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Diana Nogueira de Lima
Instituto de Estudos Sociais e Políticos - UERJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Figueira Leal
Universidade Federal de Juiz de Fora
Rio de Janeiro
2011
DEDICATÓRIA
Esta vai para os loucos.
Os lunáticos. Os idealistas. Os incansáveis.
Para aqueles que gritam, quando mais fácil é calar.
Esta vai para os que assoviam, como Emmett Till,
Para os que, sem perceber, arrombam a porta do preconceito.
Esta vai para os que sonham a igualdade, como King,
E, fatigados de apenas sonhar, trabalham incansavelmente.
Esta vai para os que lutam pela liberdade, como Milk,
E combatem a monocromia das ideias.
Eles ousam. Silenciam. Gritam. Choram.
Podemos esquecê-los; ignorá-los, talvez.
Não é preciso conhecê-los ou admirá-los.
Não esperam gratidão ou reverência.
Como muitos outros, Till, King e Milk sonharam demais.
Foram vítimas do inconformismo com o status quo.
O preconceito marcou seus corpos, mas não abalou suas palavras.
Sejamos vítimas, nós também.
Vítimas de nosso sonho de igualdade
Vítimas de nossa crença na liberdade
Vítimas de nosso assovio.
Esta vai para esses loucos inconformados:
A Till
A King
A Milk
por mudarem o mundo.
AGRADECIMENTOS
À minha família: mãe, pai e irmã, pelo carinho e apoio constantes. Vocês que me ensinaram tanto e nunca estiveram em outro lugar a não ser a meu lado. Minha mãe e sua dedicação incansável e seu coração maior que o mundo; meu pai e sua força de vontade que tanto
me motiva; minha irmã e seu carinho e companheirismo insubstituíveis.
Ao Jairo, que soube balancear a compreensão dos meus desafios e dificuldades com as
exigências acadêmicas que me fizeram crescer tanto no mestrado. Obrigado por ter feito desses corridos dois anos uma janela tão grande de oportunidade e de aprendizado com bom humor e cortesia. Um exemplo de ser humano e professor.
Ao amigo e mestre, Paulo Roberto, a quem não consigo expressar minha inteira gratidão, por simples ausência de palavras. A você, querido irmão, que me ensinou sobre a ciência
política e sobre a vida, sobre companheirismo e sobre profissionalismo. Com imensa admiração, muito obrigado por esses 8 anos de amizade e aprendizado!
À Diana, que jamais poupou esforços para colaborar com minha formação, e acreditou
e apostou em mim desde a primeira conversa. Jamais poderei explicar o quanto sua colaboração, sua paciência e suas palavras foram valiosas durante os dois anos de mestrado. Obrigado!
Sem você, sem o Paulo e sem o Jairo, certamente tudo teria sido bastante diferente (e não para
melhor).
Ao professor Gláucio Soares, que completa esse grande time de mestres que não tem
medo de ensinar, que são generosos tutores e, às vezes, pacientes conselheiros, muito obrigado!
Aos professores com quem cursei disciplinas durante essa importante fase, Renato
Lessa, Jairo, Marcus Figueiredo, César Guimarães, Gláucio Soares, Thamy e João Feres, obrigado!
Aos funcionários do Iuperj e, posteriormente, do Iesp, pela acolhida e ajuda sempre eficiente. São muitos e indispensáveis os funcionários que participaram no processo que completo agora. Em vez de citar nomes, conto uma história que me emocionou, e deixo como
exemplo de ser humano que o Iesp agrega: uma noite, enquanto eu ligava para todos os albergues e hotéis mais em conta da cidade, um funcionário (que percebeu minha disfarçada aflição), insistiu que eu fosse dormir em sua casa, que era humilde mas estava à disposição. Ele
dormiria na sala e cederia-me a cama. Não precisei, na ocasião, abusar da generosidade, mas
certamente jamais esquecerei esse gesto. Obrigado a todos vocês, por terem me dado suporte
durante esses dois anos, por vezes muito além do que a função original de cada um de vocês.
Aos meus amigos e às minhas amigas pela paciência de me ouvir dizer não para tantas
propostas tentadoras, de filmes, passeios e hambúrgueres nas praças, obrigado! Ao Lhot pelo
apoio absolutamente inestimável, verdadeiro e constante. À Mari pela amizade tão bonita e
ilimitada. À Agna pelo carinho e por tudo que já fez por mim nesse nosso planetinha. Isaac,
Nicks, Cleiton, Nina, Lucas Baptista, L.Heitor, Tico, Beca, Nan, Beto, Fabrício Port., Waldyr
e tantos outros... obrigado! Sem vocês pouco dessa dissertação sairia. Acreditem!
Aos meus colegas e às minhas colegas de Iesp pela rica e constante conversação, que
me ajudou a crescer. Admiro muito todos vocês pela vontade de aprender, de produzir, de
pesquisar e de compartilhar. Aos meus amigos da Turma 2010 do Iuperj (Débora, Sheila, Dani, Marcelo, Paulo, Tássia, Pedro, Rodrigo, Jean e Emiliano), junto aos quais trilhei alguns
dos mais importantes momentos da minha vida, obrigado!
Aos meus queridos parentes – nos dois planos da vida: avôs e avós, tios e tias, primos
e primas. Pela família tão abençoada: obrigado! Obrigado também aos parentes por adoção
voluntária: Tia Carmen, Tio Marquinhos, Francisco, Giovane, João Pedro, Michel e Passini.
Ao Chico, pelos fundamentais anos de tutoria no Programa de Educação Tutorial da
Faculdade de Comunicação da UFJF.
À FAPERJ pelo fomento proporcionado com a Bolsa Nota 10 durante o segundo ano
do mestrado e à CAPES pela Bolsa durante os primeiros doze meses, obrigado! Foi uma oportunidade inestimável de crescer e de me tornar um estudante mais completo.
Obrigado a todos/as vocês por fazerem parte da minha vida e pelo tanto que deixam de
vocês em mim.
Vinícius
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
Ferreira Gullar,
Poema Sujo (fragmento)
Se nos perguntarmos de maneira imparcial como a ciência assumiu a forma que tem hoje em
dia — o que em si é importante, pois ela nos domina, e nem mesmo um analfabeto está a
salvo dela, pois aprende a conviver com incontáveis coisas de origem científica —, já temos
dela outra imagem.
Robert Musil,
O homem sem qualidades
Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te
diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem,
Cegos que, vendo, não vêem.
José Saramago,
Ensaio sobre a cegueira
RESUMO
WERNECK, V. Evangélicos e a representação política descritiva no Congresso brasileiro:
uma agenda de pesquisas. 2011. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto
de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
2011.
A dissertação lança seu olhar para o clássico tema da representação política e o relaciona à bastante publicizada participação evangélica na política partidária nacional. Ao analisar
o quadro traçado pela literatura, bem como os mais recentes acontecimentos da cena política
brasileira, a pesquisa identifica na dinâmica existente entre um grupo específico de políticos
evangélicos e seus eleitores uma forma particular de representação: a descritiva. Embora já
estudada por diversos autores, sugere-se que na relação acima a representação descritiva tenha
se transformado de maneira relevante; essas transformações e suas possíveis consequências
são os outros pontos também explorados. Seria a capacidade de o eleitor identificar-se com o
representante, baseado em sua fé, transformador em alguma medida da sua relação com o
mesmo, da sua visão do Congresso enquanto instituição ou de sua percepção do governo representativo? Acaso os representantes que mobilizam a fé evangélica de forma prioritária
compreendem, por conta desse pertencimento religioso, seu papel de representante de forma
diferente? A pesquisa investiga, portanto, uma possibilidade específica de enquadramento
desse conceito de representação descritiva quando o grupo representado é religioso, e, mais
especificamente, evangélico.
Palavras-chave: Representação política descritiva. Evangélicos. Congresso Nacional.
ABSTRACT
WERNECK, V. Evangelicals and the descriptive political representation in the Brazilian
Congress: a research agenda. 2011. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
2011.
This thesis looks at the classic subject of the political representation and relates it to
the overly publicized evangelical participation in the domestic politics. Analyzing what was
pictured by authors within the field, as well as the most recent facts in Brazilian political scene, this research identifies in the existing dynamic between a specific group of evangelical
politics and theirs constituents a very particular form of representation: the descriptive one.
Although already studied by other authors, it is argued that in the dynamic above, the descriptive representation have been consistently transformed; these transformations and their possible consequences are also explored. Does a constituent’s ability to identify, based on religious
beliefs, with her representative at Brazilian National Congress affect somehow her perception
of that representative, of the Brazilian Congress itself as an institution, and of the representative government? Do the representatives that mobilize support on the grounds of a shared
faith understand differently, because of that, their role as representatives? This thesis investigates, therefore, a specific framing of that classic topic of the descriptive representation, when
the groups being represented are religious, and, more specifically, evangelical.
Keywords: Descriptive political representation. Evangelicals. National Congress (Brazil).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…
14
1
A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA…..…..…..…..…..…..…..…..…..……
16
1.1
A representação política: conceituação e desenvolvimento…..…..…..…..
17
1.1.1
Um conceito …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…
17
1.1.2
Burke, Sieyès e Madison …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..……
18
1.1.3
Do cânone às novas proposições …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..……
23
1.2
A presença do partido e sua influência …..…..…..…..…..…..…..…..…..
25
1.3
Representação descritiva: do sim contingente à prática cotidiana …….
30
2
RELIGIÃO E POLÍTICA …..…..…..…..…..…..…..…..…..…..…..……
34
2.1
Política e Religião: uma interface e uma realidade .…..…..…..…..…….
34
2.2
Estado e Religião .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…...
37
2.3
Quem são os evangélicos .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..…
42
2.3.1
O esforço classificatório .…..…..…..…..………..…..…..…..…...…..…..…..
42
2.3.2
Entre pentecostais e históricos .…..…..…..…..………..…..…..…..…………
43
2.3.3
As três ondas pentecostais .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..…
46
2.3.3.1
Assembleia de Deus .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..….
48
2.3.3.2
Congregação Cristã do Brasil .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..….
49
2.3.3.3
Igreja Universal do Reino de Deus .…..…..…..…..………..…..…..…..…….
51
2.3.3.4
Batistas .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..…...…..…...
53
3
56
3.1
EVANGÉLICOS E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DESCRITIVA
…
A demanda evangélica na política .…..…..…..…..………..…..…..…..…….
3.2
Deputados evangélicos e partidos políticos .…..…..…..…..………………..
61
3.3
Evangélicos e política partidária .…..…..…..…..………..…..…..…..……..
63
3.3.1
Assembleia de Deus (AD) .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..….
67
3.3.2
Congregação Cristã do Brasil (CC) .…..…..…..…..………..…..…..…..…….
69
3.3.3
Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) .…..…..…..…..…...…..…..…..…..
70
3.3.4
Igreja Batista .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..………
72
CONCLUSÃO .…..…..…..…..………..…..…..…..………..…..…..…..…....
75
REFERÊNCIAS .…..…..…..…..…...…..…..…..…..…...…..…..…..…..…..
81
56
INTRODUÇÃO
Um ditado popular sugere que “futebol, política e religião não se discutem”. Para que
a atual pesquisa fizesse uma combinação mais propensa a soltar faíscas, portanto, só faltou
adicionar o futebol. Mas o que move a dissertação não é um desejo normativo nem organizacional: não investigamos a adequação (ou não) da presença religiosa na política eleitoral. A
pesquisa olha para um dado da realidade - eleitores evangélicos que preferem eleger candidatos de mesma fé e igrejas evangélicas que se organizam para eleger candidatos oficialmente
lançados por elas - e a partir disso formula suas perguntas: como se relacionam esses eleitores
e seus representantes? O que o fato de ambos pertencerem à mesma denominação religiosa
modifica nas expectativas mútuas, na prática do accountability, na forma como o eleitor decide seu voto? Como as diferenças teológicas e organizacionais dentro das denominações evangélicas modificam a prática representativa e a conexão eleitoral de seus candidatos eleitos?
A dissertação debruça-se, portanto, sobre o tema da representação política descritiva
mobilizada por grande parte dos evangélicos eleitos para a Câmara dos Deputados. A relação
entre política e religião não se iniciou com o fenômeno para o qual olhamos; mesmo no Brasil, pode ser vinculada ao período colonial. Entretanto, mesmo após a laicização do estado
brasileiro, efetuada na Constituição republicana de 1891, movimentos como os da Liga Eleitoral Católica (LEC) ou das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram marcantes no século XX. De inédito, entretanto, está o fenômeno dos candidatos oficiais evangélicos, escolhidos pelas Igrejas e apoiados institucionalmente, inaugurado com a entrada na política eleitoral de importantes Igrejas pentecostais - como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do
Reino de Deus.
Esse fenômeno trouxe consigo o par candidato evangélico-eleitor evangélico; a figura
de um fiel de uma igreja específica candidatando-se para representar um fiel da mesma igreja.
É, portanto, um caso de representação política descritiva. Por conta do crescimento numérico
de evangélicos na população brasileira e do grande sucesso eleitoral alcançado desde a última
Constituinte, muito passou a ser pesquisado e estudado sobre evangélicos e política pela Academia. Entretanto, o que não se perguntou - e essa dissertação procura abordar - é justamente
como a representação descritiva, ou seja, como a possibilidade de identificar-se em matéria de
fé com seu representante no Congresso Nacional modifica as percepções de um eleitor sobre
o seu representante, sobre o Congresso enquanto instituição e sobre o governo representativo.
Para dar conta de seus objetivos, a dissertação se compõe de 3 capítulos, cada um deles acompanhado de uma pequena introdução e conclusão. Por conta disso, seremos mais sucintos nessa introdução preliminar. A dissertação discute acerca da questão formulada ao fim
do parágrafo anterior, ampliando o debate e proporcionando um ponto de partida para uma
investigação posterior, para o qual sugerimos o uso de uma abordagem empírica e quantitativa.
No primeiro capítulo, a dissertação se inicia tratando do conceito da representação política em sua generalidade, passa pela discussão acerca da cada vez menor relevância dos partidos e termina, de forma mais específica, na representação descritiva. No capítulo seguinte,
discute-se a relação entre a religião e a política, a laicidade do Estado e, este que é um dos
pontos mais relevantes, quem são os evangélicos, os protestantes, os pentecostais, enfim: qual
o significado de todos esses nomes tão comentados, seja na imprensa ou no diálogo cotidiano.
No último capítulo, estabelecemos relações entre os capítulos 1 e 2: qual demanda política de
quais evangélicos estamos debatendo? Qual a relação entre deputados federais evangélicos e
partidos políticos? E quais os possíveis questionamentos sobre a representação política entre
deputados evangélicos e eleitores evangélicos podem ser investigados com base na teoria da
representação e na prática religiosa das denominações pesquisadas? Esses são, de forma resumida, alguns dos pontos tratados ao longo dos 3 capítulos que seguem.
A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Introdução
O debate da representação política, muitas vezes visitado e revisitado, pode ser considerado um tema clássico na ciência política contemporânea. O objetivo deste capítulo é justamente percorrer esse debate, comentando, de um lado, as clássicas contribuições sobre o
tema e, de outro, aquelas formuladas entre os séculos XX e XXI. Para tanto, o capítulo se
divide em três partes principais.
Na primeira, é contemplado o conceito da representação política, iniciando pelas contribuições de Burke, Sieyès e Madison. Fala-se dos clássicos, mas também dos contemporâneos. Por ser um debate já maduro, possibilita que caminhemos de forma mais célere pelos
seus pontos basilares, que servem para ativar alguns conceitos básicos a serem utilizados mais
à frente no trabalho.
Na segunda parte, entram em cena os partidos políticos, instituições cuja importância
não deve ser ignorada nem no debate da representação, nem ao longo dos pontos sustentados
no trabalho.
Na terceira e última parte, revisamos as características, as consequências e as funções
de uma das formas de representação, a descritiva, cuja importância para nossas discussões é
evidenciada desde o título da dissertação.
O debate da representação, a importância e a influência dos partidos e, por fim, a figura da representação descritiva são fundamentais para formar o quadro da representação de um
grupo específico de evangélicos na política partidária brasileira, o qual sugerimos ao fim da
dissertação.
1.1 - A representação política: conceituação e desenvolvimento
1.1.1 - Um conceito
Definir a representação não é de maneira alguma uma tarefa simples: “todos parecem
saber o que é, mas poucos conseguem concordar com uma definição em particular” (DOVI,
2011*)1. Orbitam em torno dessa tentativa diversas correntes teóricas e posicionamentos, com
também diversas consequências para o fazer político.
Pitkin aponta que o termo representação tem origem no século XVI, momento a partir
do qual o termo representar passa a ser utilizado com o significado de “tomar ou ocupar o
lugar de outra pessoa, substituir” (PITKIN, 2006, p.20). Até este momento, não apenas o uso
do termo não ocorria nesse significado, como também não estava impresso na sociedade esse
sentido do conceito. Afinal, a “representação é, em grande medida, um fenômeno cultural e
político, um fenômeno humano” (PITKIN. 2006, p.16).
A utilização do conceito de representação para o campo da atividade política se dá pari passu com o “o desenvolvimento histórico de instituições, o desenvolvimento correspondente no pensamento interpretativo sobre aquelas instituições e o desenvolvimento etimológico dessa família de palavras”. (PITKIN, 2006, p.21). E é o desenvolvimento do Parlamento
inglês e o papel, em constante mutação, desempenhado por cavaleiros e burgueses que iam à
presença do Rei o evento escolhido por Pitkin para explorar a metamorfose do instituto da
representação (PITKIN, 1967, p.3).
Em um primeiro momento, a ida dos cavaleiros e burgueses ao Parlamento tinha por
objetivo “dar consentimento à cobrança de tributos”, prestar informações, “trazer o registro
dos tribunais locais em casos de disputa judicial, e para levar informações de volta às suas
comunidades”. (PITKIN, 2006, p.21). Nesse primeiro momento, eles retornavam às suas comunidades com autoridade de obrigá-los a pagar os tributos; em um momento posterior, passaram a ser utilizados na via oposta, pela comunidade, para apresentar queixas e cobrar soluções. “Os cavaleiros e burgueses que iam ao Parlamento começaram a ser vistos como servidores ou agentes de suas comunidades. Eles eram pagos pelas comunidades [...] e podiam ser
solicitados a prestar contas do que haviam feito no Parlamento” (PITKIN, 2006, p.22).
1.1.2 - Burke, Sieyès e Madison
E é servindo nesse mesmo Parlamento, já no século XVIII, que encontramos um importante nome no debate sobre a representação: Edmund Burke. Considerado o fundador do
1
Todos as citações marcadas com um asterisco ao longo da dissertação são traduções minhas.
conservadorismo moderno, por sua extensa defesa das liberdades e do constitucionalismo
ingleses e de seu forte discurso contra os revolucionários franceses e “suas ideias destrutivas”.
(AVRITZER, 2007, p.450) Nosso interesse reside, no entanto, em uma das mais famosas peças deste debate sobre representação: o famoso discurso de Burke ao eleitores de Bristol, de
1774. Nesse texto, considerado a matriz intelectual do debate mandato-independência
(THOMASSEN, 1994, p.238), Burke defende que
o parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros
deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados, mas uma assembleia deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e
preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo (BURKE apud KINZO, 2004, p. 29).
Apesar de elegerem um deputado seguindo uma regra majoritária em um distrito de
um representante, o deputado escolhido por Bristol, após eleito, desvincula-se do âmbito local
e torna-se um membro do Parlamento. Seu dever é com a nação, não com o local. Seu senhor
é a razão e o juízo e não a vontade, sua ou alheia:
Se o governo fosse, em qualquer lugar, questão de vontade, a vossa
deveria, sem nenhum gênero de dúvidas, ser superior. Mas o governo
e a legislação são problemas de razão e juízo e não de inclinação, e
que tipo de razão é esta em que a decisão precede a discussão, em que
um grupo de homens delibera e outro decide e na qual aqueles que assumem as decisões estão talvez a trezentas milhas daqueles que ouvem os argumentos? (BURKE apud KINZO, 2004, p.29).
Para Burke, o processo era deliberativo e os eleitos tinham não apenas o direito, mas o
dever de seguir a própria consciência enquanto levavam a nação ao bem comum. Interesses,
para ele, não eram pessoais e mutáveis, mas “relativamente pouco numerosos [...], fixos e
objetivos” (PITKIN, 2006:33). Apesar de um representante de Bristol poder ser um porta-voz
do interesse mercantil, isso “não significa que ele precisa consultar o povo de Bristol, nem
que seus votos precisam favorecer Bristol em detrimento da Grã-Bretanha” (PITKIN, 2006,
p.33). Interesse e opinião são distintos, e a devoção devida pelo representante é ao primeiro,
não ao segundo. A sinceridade de Burke revelou-se impopular e sua defesa de outras causas
também pouco apreciadas levaram-no a não reelerger-se por Bristol na eleição posterior, de
1780.
Thomassen (1994, p.238) propõe que as ideias de Burke começaram a dominar a pesquisa sobre representação política a partir de 1959, quando Heinz Eulau e seus pesquisadores
associados publicaram um relevante livro2 sobre o tema. (Eulau et al., 1959). Mais do que o
próprio Burke, Eulau distinguiu duas variáveis: o foco e o estilo da representação política.
Thomassen esclarece que o “foco da representação se refere ao interesse que representantes
devem defender: interesses locais de seus eleitores ou aqueles da nação.” (THOMASSEN,
1994, p.239*). O estilo, por outro lado, refere-se à “questão de se os representantes devem
agir como agentes que recebem instruções de seus eleitores ou de acordo com seu próprio e
maduro jugamento”. (THOMASSEN, 1994, p.239*). A posição de Burke é clara: seu foco é
nacional e seu estilo é a independência em relação à vontade do eleitor. Outros autores, como
Miller e Stokes, propuseram outro modelo na década de 1960, ao que se sucederam uma série
de trabalhos em um amplo debate - como aponta Thomassen (1994, p.244 e 246) para os trabalhos de Achen, Cnudde e McCrone, Erikson, Converse e Pierce e Farah.
***
Outro importante nome no debate da representação é o do abade francês EmmanuelJoseph Sieyès, que escrevera seus mais importantes trabalhos no contexto da convocação, por
parte de Etienne-Charles de Loménie de Brienne, dos Estados-Gerais franceses. Nascido em
Fréjus e educado em Saint Sulpice e Sorbonne, seus escritos tornaram-se cruciais para os percursos da Revolução e ecoam ainda hoje nos conceitos de constitucionalismo e de representação.
Um dos importantes conceitos de Sieyès é o de nação: ela não seria seus associados
nem a soma deles. Uma nação é um corpo de associados, vivendo sob uma lei comum, representados sob uma mesma legislatura (SIEYÈS, 2003, p.97). Para Sieyès, acreditar que primeiro havia uma nação e depois surgiram seus representantes é uma noção “obscura e falsa” (SIEYÈS, 2003, p. xix), visto que a associação teria se formado pela representação (e não esta se
formado por conta de uma associação preexistente). Essa associação pela representação
comporta o estado, seus membros e seu governo - em vez da relação mais simples governantes/governados. Para Sieyès, ressalta Sonenscher, tradutor e autor do prefácio da edição em
língua inglesa dos livros do abade,
a nação era uma, embora seus membros fossem muitos. O governo representaria os interesses comuns da nação, não os diversos interesses
de seus muitos membros. O interesse comum pode, de tempo em tem2
“The Role of the Representative: Some Empirical Observations on the Theory of Edmund Burke”
po, modificar-se. Mas mudá-lo deve evitar interferir com os interesses
que outros indivíduos possam ter (SIEYÈS, 2003, p. xix*)
Sieyès concebia uma teoria da associação humana baseada em um sistema representativo duplo, no qual coexistiam as dimensões política e não-política. Essas dimensões eram
fundamentalmente distintas, visto que a representação relacionada à vida cotidiana era essencialmente plural, enquanto aquela ligada à vida política era essencialmente singular. Esta era
feita dos meios utilizados para atingir o bem comum; aquela, pelos meios que os indivíduos se
utilizavam para atender suas necessidades individuais. Ambas, no entanto, estavam ligadas ao
mesmo sistema e serviam ao mesmo propósito.
Aplicar o princípio da maioria ao sistema representativo - em outras palavras, unir um
sistema puramente democrático à ideia de representação - levaria ao que Sieyès considerava
um caos de contradições. O fato de o caminho eleitoral ser o único disponível desaguaria em
uma situação peculiar: tanto a nação - o singular - quanto seus indivíduos - o plural - teriam o
mesmo conjunto de representantes, cuja escolha teria procedido de maneira semelhante e sem
aparatos institucionais diferenciados em seus processos. Para Sieyès esse resultado seria uma
aberração. Apesar de ser uma associação de muitos membros, a nação era apenas uma. Os
representantes da nação deveriam cuidar apenas dos interesses comuns da nação, e não dos
variáveis e plurais interesses dos indivíduos, que deveriam ter seus próprios representantes,
escolhidos especificamente para esta função. Para dar conta desse ideal, a sugestão teórica de
Sieyès implicava existência de um sistema monárquico constitucional (SIEYÈS, 2003, p.
170).
A sinceridade de Sieyès faz-se presente também em diversos momentos nos quais ele
ressalta que seria “um grave erro de compreensão da natureza humana, confiar o destino da
sociedade aos esforços da virtude” (SIEYÈS, 2003, p. 154*). Por isso o desenho constitucional importava para Sieyès, bem como o aparato institucional por ele formulado em torno da
representação política. Para ele, a superioridade do sistema representativo estava não tanto no
fato produzir “decisões menos parciais e menos apaixonadas”, embora isso também seja claro
nos filtros criados em sua proposta constitucional, mas principalmente “no fato de constituir a
forma de governo mais apropriada para a condição de moderna ‘sociedade comercial’, na qual
indivíduos estão primordialmente ocupados na economia da produção e troca” (MANIN,
1997, p. 3*).
Para o abade, no entanto, a representação política não é uma consequência do aumento
numérico ou da maior complexidade social. Conforme Manin, “para Sieyès, bem como para
Madison, o governo representativo não era um tipo de democracia; ele era não apenas essencialmente diferente, como além disso, uma forma preferível de governo” (1997, p. 3*).
Comentando sobre o progresso social, Sieyès percorre uma argumentação cuja relevância para as discussões sobre representação continua cristalina: “Quanto mais progride a
sociedade nas artes do comércio e da produção”, argumenta em um de seus panfletos, “mais
claro se torna que o trabalho relacionado às funções públicas deve, como os trabalhos particulares, ser executado menos penosamente e mais eficientemente por homens que fazem dele
sua única ocupação” (SIEYÈS, 2003, p. 48*). De maneira ainda mais clara, resumiu o abade
este ponto em um relatório para a Assembleia Nacional: “O interesse comum, a melhoria do
estado da própria sociedade clama para que nós façamos do governo uma profissão especial”
(SIEYÈS, 1789, p. 35 apud MANIN, 1997, p. 3*).
Para o abade, nem a nação como um corpo nem cada cidadão individualmente produzia tudo necessário para atender às necessidades comuns e individuais. Dessa forma, todo o
trabalho em uma sociedade era representativo. Sonenscher resume, utilizando-se de uma metáfora empregada pelo próprio abade: “O indivíduo que confeccionou os sapatos usados pela
rica e delicada madame na mais luxuosa das cidades foi seu representante praticamente da
mesma forma que o indivíduo que fez suas leis” (SIEYÈS, 2003, p. xxix*).
***
O terceiro importante autor que trazemos para esse debate é Madison, que, escrevendo
do outro lado do Atlântico, pode ser considerado ao lado de Sieyès como um dos pais do governo representativo. Esse termo foi, inclusive, utilizado de forma recorrente nas discussões
sobre a constituição americana e pode ser visto no ensaio 63 dos Artigos Federalistas (MADISON et al., 2008, p. 313). Publicados pela imprensa de Nova Iorque em 1788, os ensaios
tinham objetivo de colaborar nas discussões para a ratificação de uma constituição para os
Estados americanos.
Esse conjunto de textos, de acordo com Lawrence Goldman, autor da introdução da
edição da Oxford University de “Os Federalistas”,
merece seu lugar no cânone de textos que compreende a história do pensamento político ocidental, fazendo presente em seus argumentos basilares uma transição na
tradição política do Ocidente de uma dependência na virtude humana como fundação da sociedade política para uma nova confiança depositada agora na capacidade
das leis e das instituições de fazerem os homens viverem dentro de suas obrigações
e de assegurar estabilidade política (MADISON, 2008, p. x*)
Dessa forma, é importante compreender que a representação entra, para Madison, como um dos mecanismos institucionais capaz de empreender estabilidade, bem comum e cumprimento coletivo das obrigações. Para Madison, bem como para Sieyès, não deveria um sistema político confiar na boa vontade ou na bondade dos homens. De acordo com o proposto
nos artigos federalistas, a melhor abordagem seria em verdade aproveitar-se dos interesses
dos homens para o bem comum: “A ambição deve ser utilizada para neutralizar a ambição. Os
interesses pessoais serão associados aos direitos constitucionais”, diz Madison (apud LIMONGI, 2008, p. 273 - Art. 51)3. A necessidade do aparato institucional e da representação
em si - um dos mais importantes, senão o mais, de seus componentes -, é axiomática: “Mas
afinal”, diz Madison, “o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governo. Se os homens
fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos do governo”
(MADISON apud LIMONGI, p. 273 - Art. 51).
É no mesmo artigo que Madison estabelece as bases de sua teoria dos freios e contrapesos (checks and balances), parte de uma teoria maior cujo esforça era “equacionar o poder
das maiorias e o das minorias; a igualdade política dos cidadãos adultos de um lado e o desejo
de limitar sua soberania por outro” (DAHL, 2003, p. 207).
Para Madison, assim como para o abade Sieyès, o artifício da representação não entra
como um segundo-melhor, como um substituto para uma impossibilidade de implantar a democracia direta. Para ele, há duas grandes diferenças da república (por meio da representação)
em relação à democracia, que engendram duas grandes vantagens: primeiro, “há a delegação
do governo para um pequeno número de cidadãos eleitos pelo resto”; em segundo, há o
“grande número de cidadãos e a grande esfera do país para os quais [a república] por ser estendida” (MADISON, 2008, p. 52 - Art. 10*). Daí decorrem duas vantagens, sendo a primeira, de um lado, a de
refinar e ampliar a compreensão pública, filtrando-a pela mediação de um corpo escolhido de cidadãos, cuja sabedoria pode melhor discernir o verdadeiro interesse de
seu país e cujo patriotismo e amor pela justiça tornarão menos provável o sacrifício,
para considerações parciais e temporárias, desse verdadeiro interesse (MADISON,
2008:53*).
Pela representação, o bem comum poderia ser aferido de maneira mais competente do
que pela democracia direta, conforme diz Madison: “Sob tais regras, pode muito bem acontecer de a opinião pública, expressa pelos representantes do povo, seja muito mais próxima do
3
Além da referência bibliográfica recomendada pela ABNT, estará relacionado o número do artigo federalista
em que consta a citação, quando for o caso.
bem público do que se houvesse sido pronunciada pelo próprio povo, reunido para tal” (MADISON, 2008, p. 53*). A outra vantagem seria a dissolução das facções, por conta da grande
extensão populacional e territorial que uma república pode congregar, diferente do que pode
acontecer em uma democracia direta (MADISON, 2008, p. 54).
É a representação o instrumento desse desenho institucional, alcançada por meio de
eleições frequentes, para lembrarem constantemente aos eleitos sua dependência em relação
ao povo (LIMONGI, 2004, p. 280 - Art. 57). No artigo federalista de número 63 Madison
afirma: “A diferença mais acentuada entre a república americana e as outras está no princípio
da representação, que constitui o eixo em torno do qual aquela se move e que, segundo se
supõe, era desconhecido por estas ou, pelo menos, pelas mais antigas entre elas” (LIMONGI,
2004, p. 286 - Art. 63).
1.1.3 - Do cânone às novas proposições
Desses três clássicos pensadores da representação, cuja importância permanece ainda
nos debates atuais sobre representação política, chega-se às contribuições mais recentes ao
tema. Para além das contribuições de Manin, Eulau, Milles e Stokes, bem como a de Hanna
Pitkin, autora do seminal “The Concept of Representation”, todos já citados, apresenta-se a
seguir o debate diretamente mais relevante para a questão que pretende-se trabalhar: os quatro
grandes tipos de representação e, entre eles, a descritiva.
Na base de todos eles está um paradoxo que reside em Burke e perpassa Sieyès e Madison: a já citada questão mandato-independência. É a dúvida se os representantes devem
seguir sua consciência, numa relação em que o eleitor confia (trusteeship) em sua capacidade
decisória ou se, enquanto delegados (delegation), eles devem seguir as preferências dos eleitores. Burke se posicionou como um claro defensor da primeira possibilidade, enquanto Madison argumentava pela segunda. Pitkin, entretanto sugeria que os teóricos não deveriam tentar reconciliar a natureza paradoxal da representação, tanto por ser um “daqueles debates teóricos infindáveis que nunca parecem se resolver, não importa quantos pensadores tomem posição” (PITKIN, 2006, p. 30), quanto por ser mais interessante que os eleitores “salvaguardem
a autonomia tanto dos representantes quanto dos representados” (DOVI, 2011). Apesar de
considerar os interesses objetivos como a chave para determinar se essa mútua autonomia está
mantida, Pitkin não chegou a especificar adequadamente como identificar esses interesses
objetivos:
em alguns pontos a autora sugere que os eleitores deviam ter alguma voz para expressar seus interesses objetivos, mas ao fim ela simplesmente transfere seu foco para longe desse paradoxo e recomenda que representantes devem ser avaliados com
base nas razões que dão para contrariar as preferências de seus eleitores (DOVI,
2011*).
Prosseguindo no debate, Pitkin sugere a existência de quatro formas de conceber a representação política, quais sejam: (1) representação formalística; (2) representação simbólica;
(3) representação descritiva; (4) representação subjetiva. Em essência, essa divisão é coerente
com a abordagem austiniana4 da linguagem adotada por Pitkin (Castiglione; Warren, 2006:5),
que considera a representação como um objeto de três dimensões em um ambiente escuro,
que a cada “fotografia” feita por um teorista, tratada como um mundo à parte, obviamente
aparenta não coincidir com as outras tiradas de ângulos diferentes do mesmo objeto (PITKIN,
1967, p. 10).
Em todas as quatro formas de entender a representação, em comum está a percepção
de que há um “elemento relacional entre a entidade que representa e a entidade que é representada” (CASTIGLIONE; WARREN, 2006, p. 6*). Apesar de parecer óbvio, esse ponto é
importante, visto que esse elemento relacional é fundamental para a atividade representativa e
para a qualidade da representação (Plotke, 1997). Essa divisão é, também, em grande medida,
a base “da discussão contemporânea sobre o conceito de representação política” (DOVI,
2011*).
A primeira distinção reside naquela que separa em dois grupos a representação: a formalística, de um lado, a substantiva, de outro. O entendimento formalístico foca-se na presença de características de autorização (por parte dos eleitores) e de accountability (dos agentes,
para os eleitores). Teorias de representação substantiva, ao contrário, estão preocupadas com
a forma pela qual a representação ocorre. Subdividindo a representação substantiva, Pitkin
sugere as categorias standing for - encorpando as representações descritiva e simbólica - e
acting for.5
Quanto à definição dessas duas formas de conceber a representação, abarcadas pela
ideia de standing for, assim resume Suzanne Dovi (2011*): a representação simbólica se preocupa com “as formas pelas quais os representantes se colocam para os representados - isto é,
o significado que um representante tem para aqueles representados”; já a representação descritiva se caracteriza “pela extensão com que o representante se parece com aqueles sendo
representados”.
4
Relativo às ideias de J. L. Austin, em seu Philosophical Papers.
5
Castiglione; Warren (2006, p. 6); Dovi (2011); Pitkin (1967, p. 38; p. 60; p. 92; p. 112)
1.2 - A presença do Partido e sua influência
Outro importante elemento para a discussão que propomos são os partidos políticos,
cuja história se mistura de muitas formas com aquela das modernas democracias. Surgidos de
forma mais próxima à que conhecemos hoje a partir do século XIX - embora o termo já houvesse sido utilizado em sentido político após o século XVI -, os partidos modernos tiveram
como um dos marcos de sua constituição o Reform Act de 1832, na Inglaterra (SARTORI,
1982, p. 87). A política baseada em partidos é considerada uma das importantes e transformadoras invenções do século XIX (SCARROW, 2006, p. 16).
Conceitualmente, entretanto, a história dos modernos partidos políticos teve três importantes contribuições anteriores ao Reform Act inglês. A primeira delas defendida de forma
vigorosa e analítica por Bolingbroke (1678-1751), em sua “Dissertação sobre os Partidos”,
sustentava que os partidos eram formados da paixão e do interesse e enfraqueciam o governo
constitucional, o preferido do autor. Sartori (1982, p. 27) aponta também que fora Bolingbroke quem estabelecera “mais do que qualquer outro antes, uma distinção entre facções e partidos”. A constância com que opinava sobre o tema também foi importante para colocar o tema
dos partidos em destaque e por atrair a atenção do escocês David Hume (1711-1776).
Hume teve seus primeiros ensaios sobre os partidos publicados menos de 10 anos após
a “Dissertação sobre os Partidos”, mas suas opiniões sobre o tema são consideradas intermediárias entre as de Bolingbroke e aquelas publicadas cerca de 20 anos depois por Edmund
Burke (SARTORI, 1982). Hume também considerava as facções essencialmente destrutivas,
mas avançava de forma importante ao questionar se era praticável ou desejável “abolir todas
as distinções de partidos” (SARTORI, 1982, p. 27). Outra contribuição de Hume reside em
uma tipologia dos partidos, de 1742, na qual divide os partidos entre “grupos pessoais” e
“grupos reais” - e esse último entre três classes: de interesse, de princípio e de afeição (SARTORI, 1982, p. 28).
Burke (1729-1797), por outro lado, foi o primeiro importante debatedor da cena pública inglesa a defender de forma veemente a respeitabilidade e a utilidade dos partidos em um
governo livre. A partir dele “o eixo de argumentação deu uma volta. Bolingbroke justificara o
‘partido’ apenas como a oposição (quando necessária) do país ao soberano inconstitucional.
Burke, em lugar disso, colocou o ‘partido’ dentro do âmbito de governo, reconcebendo-o como uma (…) divisão entre soberanos” (SARTORI, 1982, p. 31). A compreensão de Burke
acerca dos partidos formou-se ex-ante, visto que ele os concebera antes de sua existência:
“somente cerca de 50 anos depois de seu Discourse é que os partidos, tais como ele os havia
definido, suplantaram as facções e começaram a existir no mundo de língua inglesa” (SARTORI, 1982, p. 33).
Embora o partido moderno encontre-se enraizado no debate intelectual do século
XVIII e sua existência concreta remonte ao início do século XIX, seu papel modificou-se de
forma compreensiva entre o século XX e o início do XXI. São três importantes movimentos
comumente identificados nessa relação entre partidos e modernas democracias, tendo em conta o que ocorreu na Europa: o primeiro deles foi a transformação do Parlamento em uma arena
fundamental de deliberação política tendo o partido como intermediário em relação à sociedade; o segundo foi a expansão do sufrágio para praticamente todos os adultos, com o súbito
ingresso de tantos eleitores alterando inevitavelmente a natureza dos partidos; o terceiro movimento apontado pelo autor foi uma modificação interna dos partidos, que, de organizações
estritamente legislativas, se transformaram em “estruturas de coleta de votos capazes de canalizar os interesses de milhares de eleitores recém incluídos no sistema” (NICOLAU, 2010, p.
101*).
Tal síntese do desenvolvimento partidário é mais próxima do que ocorreu na Europa na verdade, em certos países europeus - do que em outros pontos fora do velho continente. A
existência de partidos e a presença do governo representativo são apontados como um caso de
afinidade eletiva, que pode ser resultado de processos históricos de evolução simultânea das
instituições representativas e das organizações (partidos) criadas para atuar em tal ambiente.
Um dos modelos existentes para explicar a relação entre partidos políticos e governos democráticos contemporâneos, o responsible party model, embora seja o mais difundido, não parece refletir de forma adequada o panorama brasileiro. O modelo defende que há apenas dois
atores relevantes para o processo de representação política: eleitores e partidos; que partidos
são disciplinados - ou internamente coesos - o bastante para que tenham capacidade de implementar seu programa partidário; que eleitores têm sua escolha em eleições competitivas,
significando que podem escolher pelo menos entre dois partidos com programas distintos; que
eleitores têm preferências políticas; que eleitores estão cientes das diferenças entre os programas dos partidos; e, finalmente, que eleitores votam de acordo com as suas preferências
políticas (THOMASSEN; SCHMITT, 1997, p. 168)
Essa lista de condições, entretanto, já é suficiente para levantar suspeitas quanto à sua
viabilidade no caso brasileiro, mesmo antes de buscarmos evidências que possam contradizêlas. É perceptível, por exemplo, que no Brasil - e não apenas - o partido tem tido uma influên-
cia decrescente na política e não tem sido, em grande medida, responsável por vertebrar a
decisão do eleitor quanto a seu voto. Pesquisa6 realizada pelo antigo Iuperj em 2002 soma-se
a outras evidências da crescente personalização das campanhas eleitorais, em detrimento da
identificação partidária. Focando na eleição para a Câmara dos Deputados, a pesquisa do Iuperj apontou, entre outras coisas, a altíssima proporção de eleitores que consideram o candidato mais importante (83%) na decisão do voto, com partidos atingindo 17% e, ambos, 9%.
Apontou, também, que apenas 18% de todos os eleitores votaram no candidato pertencente ao
partido pelo qual disseram ter simpatia.
Entretanto, é importante ressaltar que a relativização da importância partidária na escolha do voto por parte do eleitor não tem por derivação lógica a eliminação do partido enquanto importante elemento no governo representativo no caso brasileiro. Partidos são indispensáveis para qualquer cidadão que deseje se candidatar - visto que não há a figura do candidato sem partido no Brasil - e, por mais que se esqueça desse detalhe no diálogo cotidiano
sobre a política, são os partidos também que apresentam a lista de candidatos entre os quais os
eleitores podem optar. Há, portanto, uma definição prévia à arena eleitoral, que ocorre internamente em cada um dos partidos. O sistema eleitoral de um país em suas múltiplas possíveis
configurações pode, portanto, aumentar ou diminuir a importância do partido no xadrez da
política institucional. No Brasil, por exemplo, embora seja permitido também o voto em legenda (no qual o eleitor pode escolher um partido em vez de um candidato), o próprio “procedimento do voto dá a sensação de que, no lugar de um sistema representativo de lista proporcional, eleições funcionam como uma grande competição entre candidatos” (NICOLAU,
2010, p. 115*).
Essa relação entre eleitores e candidatos (alguns dos quais tornam-se representantes) é
relevante, portanto, visto que na ausência do partido como mobilizador da decisão do voto, os
candidatos têm buscado outras formas de apelo. Além do pertencimento territorial, de características física, de atributos subjetivos e do compartilhamento de identidades profissionais ou
de associação, uma outra forma de apelo tem profunda relação com nosso trabalho: o pertencimento religioso. O comportamento de eleitores brasileiros encontra-se, portanto, pelo menos
na corrida para a Câmara dos Deputados, longe do que espera o responsible party model.
“Em realidade, a decisão do voto ocorre mais frequentemente por fatores como os atributos
6
Mais detalhes sobre a pesquisa podem ser encontrados em Nicolau (2010, p. 117)
do candidato ou de sua performance do que por conta dos partidos aos quais esses candidatos
pertencem.” (NICOLAU, 2010, p. 118*).
Esse modelo é considerado, portanto, inapto para descrever a realidade política brasileira. No cômputo geral, os partidos políticos brasileiros “não enfatizam sua agenda de governo durante suas campanhas, que poucos eleitores decidem seus votos baseados nos partidos
aos qual os candidatos são filiados e que partidos estão longe de se comportarem de forma
coerente na arena legislativa” (NICOLAU, 2010, p. 125*). Não apenas os partidos modificaram a prática política, em conjunto com outros processos históricos, como também outros
tantos processos são apontados por Bernard Manin como responsáveis, a seu turno, por modificarem o papel dos partidos. O autor identifica quatro princípios do governo representativo,
cujas interações com outros processos histórico-sociais (sufrágio, surgimento da mídia de
massas etc) deram origem às três formas básicas do citado governo representativo: o tipo parlamentar, a democracia de partido e a democracia de público (MANIN, 1997, p. 193).
É sempre interessante, quando se fala de modelos, ressaltar seu caráter inevitavelmente simplificador, parte de sua essência. Portanto, as considerações de Manin devem ser lidas
como o são: parte de um modelo, de uma tipologia do governo representativo. Nesse sentido,
os quatro princípios identificados - eleição de representantes por governados, independência
parcial dos representantes diante das preferências dos eleitores, liberdade de manifestação de
opinião pública e tomada de decisões políticas após debate - perpassariam toda a história do
governo representativo. Na primeira parte dessa história, o modelo parlamentar reforçaria
laços de confiança, nobilidade e a importância das relações locais; o deputado padrão vota
segundo sua consciência; o debate ocorre no Parlamento, onde o povo só chega até as portas.
Logo após, a democracia de partido evocaria um relacionamento de fidelidade partidária, de
influência de ativistas, num ambiente em que pertencimento a uma classe é relevante; os líderes partidários são os responsáveis por eleger as prioridades do programa; a discussão prioritária ocorre no interior dos partidos, que posteriormente negociam com a recém incorporada
oposição. No último e mais recente período, o partido perde espaço para a democracia do
público. Este período conta com a figura do comunicador e com a escolha por parte do eleitor
de pessoas confiáveis, não mais organizações (partidos); imagens ganham importância na
escolha dos líderes e cresce a relevância das pesquisas de opinião; as decisões levam em conta
a presença da mídia e o governo realiza negociações com grupos de interesse (MANIN, 1997,
p. 193).
Nesse breve resumo do modelo desenhado por Manin é possível perceber, independente da precisão com que ele nomeia os períodos, uma tendência firme já percebida por di-
versos outros autores, que Leal (2002) chama de “nova ambiência eleitoral”: personalização
das campanhas, forte presença da mídia (inclusive do recente fenômeno das redes sociais),
enfraquecimento do partido, importância da imagem, existência de grupos de interesse extrapartidários, influência do sistema eleitoral, racionalidade do eleitor, etc. Visto que o trabalho
olha para a representação política em um grupo específico da população brasileira, compreender de forma geral a relação dos eleitores, dos candidatos, dos eleitos e dos partidos no processo da representação é de extrema importância. À frente - mais precisamente no terceiro
capítulo - retomaremos alguns dos argumentos ao analisarmos a relação entre evangélicos e a
representação descritiva.
1.3 - Representação descritiva: do sim contingente à prática cotidiana
Entre os avanços no debate da representação estão alguns provenientes da própria
transformação da realidade na qual a representação acontece. Cada vez mais intensamente,
por exemplo, organismos internacionais, transnacionais e não governamentais (Castiglione;
Warren, 2004:5) participam do processo decisório nas sociedades modernas, tornando necessário revisitar os conceitos clássicos da representação. Por conta desse poder mais difuso de
traçar políticas públicas, “eleições no contexto de estado-nações são insuficientes para se entender como políticas públicas tem sido criadas e implementadas” (DOVI, 2011*).
Lavalle, Houtzager e Castello (2006) defenderam uma concepção de representação
virtual baseada em Burke; outra contribuição veio de Nadia Urbinati (2008, p. 3): primeiro,
ela sugere que o discurso é uma das principais características da política democrática, antiga
ou moderna, direta ou representativa; depois, a autora argumenta que a indirectness (e representação seria o tipo mais importante de indirectness) “tem um papel fundamental para criar o
caráter discursivo-democrático da política”, e que isso ajuda, em vez de frear a participação
(URBINATI, 2008, p. 5*); em último lugar, Urbinati sustenta que a representação “destaca a
natureza idealizadora e crítica da política, uma arte pela qual indivíduos transcendem a imediatez de sua experiência biográfica e social, e seu pertencimento cultural e seus interesses, e se
educam e expandem seu julgamento político a partir das opiniões próprias e alheias” (URBINATI, 2008, p. 5*).
Outro acréscimo à discussão veio nas contribuições de “John Dryzek e Simon Niemayer, que propõem uma concepção alternativa de representação que chamam de discursiva,
para refletir o fato de que atores transnacionais representam discursos, não pessoas reais”
(DOVI, 2011*). Mark Warren (2008, p. 69) também revisitou o conceito de representação, ao
escrever sobre a experiência da província canadense da Colúmbia Britânica e de seus corpo de
cidadãos representantes.
Vê-se que fica cada vez mais inadequado resumir-se a representação à clássica abordagem eleitoral - e os muitos estudos, dos quais alguns relatados acima, servem de indicativo.
Apesar disso, o peso da variante eleitoral continua importante para entender diversos processos a ocorrerem dentro da sociedade. Por conta disso, Mansbridge (1999) propõe uma interessante abordagem normativa do conceito de representação descritiva. O conceito altera-se levemente quando comparado com aquele esboçado por Pitkin (1967), tornando-se mais propenso a ser utilizado em discussões sobre minorias e grupos em desvantagem.
Esse uso, no entanto, não está restrito ao artigo de Mansbridge, mas aparece difundido
pela literatura contemporânea de representação descritiva: Bentran (2010) estuda latinos;
Sway (1993), David (1999), Fenno (2003) debatem raça; Thomas (1991), Weldon (2002),
Htun (2004), Celis Karen, Childs, Kantola e Krook (2008), a questão da mulher; Dovi (2002)
debate ao mesmo tempo sobre mulheres, negros e latinos, depois (2009) fala sobre exclusão;
além desses e muitos outros, há os trabalhos de Young (1986, 1990 e 2000), Melissa Williams
(1998) e Anne Phillips (1995 e 1998)7, sobre a temática da representação e da inclusão de
grupos minoritários e de vozes ao debate público.
Como se vê, grande parte dos trabalhos trata da representação descritiva como um tipo
crucial para os estudos de grupos em desvantagem ou minorias políticas, sociais, econômicas
- ou alguma permutação dessas características. Nesse sentido, conforme defende Mansbridge,
a representação descritiva é importante para grupos em desvantagem em pelo menos quatro
contextos diferentes: (1) desconfiança no grupo, (2) interesses não cristalizados, (3) subordinação ao longo da história política e (4) legitimidade de facto baixa (MANSBRIDGE, 1999,
p. 628-629)
O conceito de representação descritiva foi cunhado em um artigo da década de 19608 e
logo após foi adotado por Pitkin (1967). Mansbridge (1999, p. 629) utiliza o conceito com o
sentido de que, na representação descritiva, os representantes são, de alguma forma, típicos de
uma grande classe que eles representam. Logo, mulheres representam mulheres, negros representam negros e - visto que a descrição pode ser de experiências compartilhadas - agricultores
representam agricultores, artistas representam artistas, etc. “Ser um de nós, um igual”, é uma
7
Esses trabalhos estão relacionado na referência bibliográfica de Dovi (2011).
8
Griffiths e Wollheim (1960)
característica identitária comumente ativada pelos próprios concorrentes ao posto de representantes, o que evidencia a importância que possui no cálculo de uma parte do eleitorado. É
como se “ser um dos nossos” fosse assumido como promotor de lealdade aos “nossos interesses” (MANSBRIDGE, 1999, p. 629).
Em relação à representação descritiva, há inúmeros contra-argumentos, visto que ela
não é muito popular entre os teóricos normativos. As críticas orbitam geralmente em torno de
alguma versão de um mordaz comentário de Pennock, que Mansbridge traz à tona: “Ninguém
argumentaria que idiotas deveriam ser representados por idiotas”. Também é regularmente
defendido que a existência de representação descritiva não garante necessariamente vantagens
para os grupos minoritários ou em desvantagem.
Em resposta a este último ponto, Mansbridge diz que, por vezes, a existência de um
representante que partilhe de uma característica reprimida ou silenciada é uma etapa importante na ressignificação daquele grupo e na equalização da relação desse grupo alijado com o
resto da sociedade. Sobre Pennock, Mansbridge argumenta que se deve perguntar se a “razão
a justificar a baixa proporção de uma dada característica é funcionalmente relacionada à habilidade de realizar a tarefa da representação. Essa menor habilidade pode ser a razão pela qual
no existente sistema essa característica” é subrepresentada (1999, p. 633*). Em todos os casos
em que a resposta for não, o aparente paradoxo de Pennock perde força e a representação descritiva volta a ser uma possibilidade, a depender de alguns fatores.
A conclusão de Mansbridge já estava no título de seu artigo9, e a abordagem proposta
é a de utilizar a representação descritiva de forma contextual e contingente:
Pode-se também abordar a contingência de outro ângulo, perguntando primeiro
quais características do processo eleitoral existente resultaram em menor proporção
de certos grupos descritivos na legislatura, quando comparado à proporção presente
na população geral - um resultado que não se esperaria pelo acaso e que sugere a
possibilidade de que “certas vozes estão sendo silenciadas ou suprimidas” (Phillips
1992, 88; also 1995, 53, 63). A próxima questão na triagem deveria ser se os membros de tal grupo consideram-se adequados para representarem a si mesmos. Se a
resposta é positiva, a terceira questão, que se relaciona à responsabilidade normativa, poderia ser se há qualquer evidência de que grupos dominantes na sociedade tenham intencionalmente tornado difícil ou ilegal para membros daqueles grupos representarem a si mesmos. Uma história de forte preconceito proveria tal evidência.
Se a resposta para essa terceira questão é também positiva, o grupo aparenta ser um
bom candidato para representação afimativa seletiva (MANSBRIDGE, 1999, p.
639*).
Essa abordagem de Mansbridge classifica-se como contingente, visto que se “as barreiras sistêmicas à participação forem eliminadas através de reforma e evolução da sociedade,
9
O título: Should Blacks Represent Blacks and Women Represent Women? A contingent ‘Yes’.
a necessidade de passos afirmativos para garantir a representação descritiva desaparecem.”
(MANSBRIDGE, 1999, p. 639*). A própria representação descritiva é vista como um instrumento contingente para dar voz e poder político a grupos silenciados - de alguma forma - no
processo de construção da democracia.
Conclusão
Esse capítulo realizou uma revisão bibliográfica a respeito da representação política e
procurou demonstrar a riqueza da literatura sobre o conceito, com entendimentos pouco consensuais a respeito do papel mais adequado da representação política nas modernas democracias. Duas perguntas são comumente realizadas sobre o tema: como interagem os representantes e os representados e em que extensão esses dois elementos da equação se assemelham?
A primeira pergunta está relacionada à representação substantiva, da prática representativa per se, enquanto a segunda se liga à representação descritiva, foco de nossos questionamentos. Quando candidatos a cargos eletivos são escolhidos pelos eleitores por conta de
serem iguais, é a abordagem descritiva aquela que ganha destaque. Como relacionaremos
durante o terceiro capítulo, é justamente esse o caso de uma parcela significativa dos representantes eleitos sob a alcunha de evangélicos.
Se vivemos em um governo representativo, no qual não apenas policies são definidas,
mas diversas outras decisões também são tomadas por meio de instituições políticas representativas, certamente é relevante compreender a representação política e suas imbricações. O
capítulo, baseando-se nos estudos de Mansbridge (1999), sugere que a representação descritiva participa com um relevante papel na construção de uma sociedade plural e democrática,
quando ocorre de maneira contextual, de forma a trazer ao debate uma minoria silenciada ou
oprimida. Entretanto, essa forma de representação, normativamente sugerida como estratégia
pontual de grupos minoritários, encontra-se em efetiva utilização por parte dos evangélicos
envolvidos na política eleitoral.
Para responder à sua pergunta original, portanto, a dissertação parte da revisão conceitual dos estudos acerca da representação política e da representação política descritiva. Os
partidos, a seu termo, são relativizados em sua importância no processo a ser descrito. Embora devam ser levados em conta, sua relevância na política eleitoral brasileira tem sido cada
vez menor. Parte significativa da literatura concorda, também, que a filiação partidária não é,
atualmente, um elemento fundamental na decisão do voto.
No capítulo 2, lançaremos nosso olhar para o tema da religião e da política.
RELIGIÃO E POLÍTICA
Introdução
O objetivo desse capítulo é relacionar religião e política, como uma forma de facilitar
a posterior pesquisa de outra relação, entre os evangélicos eleitores e seus representantes
também evangélicos. Dessa forma, iniciaremos com uma abordagem acerca das interações
desses dois temas, que consideramos serem mais do que uma importante interface para debates acadêmicos: religião e política tocam-se ao longo da história produzindo eventos históricos, formas de pensar o mundo, o indivíduo, a política, entre outros variados temas.
Posteriormente, o capítulo investiga a relação entre um elemento específico na política, o Estado, e um aspecto específico da religião, as instituições religiosas. A interação desses
dois relevantes atores é um dos assuntos aos quais o capítulo se dedica. Um dos objetivo é
demonstrar que o fenômeno que investigamos - chamado, por vezes, de “irrupção evangélica
na política” - está longe de ser uma das únicas intervenções da religião no mundo da política.
Não é novo, mas é relevante e possui características inéditas no cenário brasileiro, que serão
também tratadas no início do capítulo 3.
O terceiro ponto do Capítulo 2 é resumido em uma pergunta: quem são os evangélicos? É com base nessa questão que são discutidos os esforços classificatórios desse grande
grupo que é o evangélico, recheado de diferenças internas. A pesquisa utiliza-se da separação
entre históricos e pentecostais - e de uma subdivisão deste segundo grupo proposta por Freston (1994) - e a considera apropriada para o debate a ser realizado no terceiro capítulo.
Por último, o capítulo que se segue sintetiza a história e os principais pontos da teologia das quatro Igrejas com maior número de representantes eleitos para a Câmara dos deputados: Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino de Deus e
Igreja Batista.
2.1 - Política e Religião: uma interface e uma realidade
O estudo conjunto dos temas da religião e da política traz contribuições importantes
para toda a grande área das ciências sociais. Sua importância reside não apenas na imensa
quantidade de perguntas em busca de respostas, mas também na frequência cada vez maior
com que religião e política foram alçadas ao centro do debate público, seja na Academia ou
na imprensa. O fato de que ainda há muito a ser pesquisado sobre religião e política no Brasil
poderia levar à incorreta conclusão de que essa é uma interface nova.
Religião e política se relacionam há um longo tempo, e não apenas enquanto debates
teóricos: também não é novidade as imbricações desses dois temas na vida brasileira, em seu
dia-a-dia. Da mesma forma, pode o senso comum acreditar que a irrupção evangélica na política institucional é um evento símbolo de uma nova era. Mas não é. Embora esse evento seja
significativo e guarde especificidades em relação a outros que o antecederam, não foi ele que
iniciou o movimento de aproximação da religião e da política no Brasil.
Há uma discussão possível sobre como e quando surgiu esse vínculo entre religião e
política no Ocidente, mas seguimos a formulação de Burity (2001, p. 29) de que o mais importante é perceber, simplesmente, que tal vínculo existe e que foi historicamente construído.
Se essa é uma ligação construída a partir de algum momento do passado e está atualmente
ativa, duas alternativas se colocam naturais: ou o intervalo entre esses dois momentos no tempo são preenchidos por uma continuada e perene ligação da religião e da política ou essa ligação desfez-se e refez-se um número n de vezes. Por conta de diversas contribuições de cientistas sociais, sugerimos que tal relação nunca se rompeu, mas sofreu continuada transformação,
“sem obedecer a uma lógica linear ou ao ditame de leis irresistíveis do desenvolvimento histórico”, conforme defende Burity (2011, p. 30). Não é difícil apontar contribuições que demonstram que essas duas áreas, em atrito, modificam-se e influenciam-se de formas diversas.
Ao longo da história europeia, provavelmente desde os concílios católicos de Niceia I
e Constantinopla I, ambos no século IV, foi bastante forte a relação entre religião e política.
Esses são os concílios nos quais a Igreja de Roma estruturou a trindade, a partir da figura do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Para conciliar essas três pessoas com o monoteísmo, essa
coexistência do uno e do trino, Giorgio Agamben (2011:65) sugere que a trindade foi apresentada como um problema de economia, um desafio de gestão e de governo. Começa nesse ponto uma relação entre interpretações do divino e do profano por parte da teologia católica, cujas
implicações desaguam em uma parcela bastante significativa da prática política ocidental.10
10
Agamben sugere que a relação entre economia e religião tem reflexos significativos em conceitos importantes
da política moderna: a mão invisível de Adam Smith (Agamben, 2011, p. 306), a ideia de “ordem” (Agamben,
2011, p. 303) e o Estado moderno (Agamben, 2011, p. 159).
Muitos dos conceitos tratados como eminentemente secularizados ou modernos têm
suas raízes, portanto, alcançando discussões claramente religiosas. Em uma das possíveis interpretações, por exemplo, o individualismo teria assumido sua feição moderna e generalizada
a partir da ética protestante, com suas raízes remontando a “ideias delineadas pelo cristianismo de Santo Agostinho” (Domingues, 2002, p. 56). Esses apontamentos realizados têm por
objetivo relativizar a ideia de que é possível uma separação purista de religião e política; têm
como razão sustentar o argumento de que a relação entre política e religião é um fato histórico
e perene, mesmo que em graus e em modalidades em permanente transformação. A relação
desses dois temas é mais do que uma intrigante interface de estudo: é uma realidade vivida
cotidianamente.
No Brasil, um encontro relevante dos dois temas, ocorrido após a laicização do Estado
com a constituição republicana, deu-se de forma paradigmática no período a partir de 1932,
ano em que é fundada a primeira de três importantes organizações (CARNEIRO JUNIOR,
2000). Fundada pelo cardeal Leme, a Liga Eleitoral Católica (LEC) tinha a intenção de mobilizar o eleitor católico e “endossar, dentre os candidatos à Assembleia Constituinte de 1933 e
ao Congresso Nacional de 1934, somente aqueles que apoiassem o programa mínimo da hierarquia (inicialmente impresso em abril de 1931, tendo circulado em forma de panfleto e,
mais tarde, naquele memorável Outubro, submetido formalmente a Vargas pela hierarquia)”
(DELLA CAVA, 1975, p. 16). Até as décadas de 40 e 50 ainda era possível perceber a atuação da LEC, embora ao fim desse período com menos intensidade. A segunda instituição é a
Ação Católica Brasileira (ACB), surgida em 1935, que em dois anos já havia superado todas
as organizações leigas que lhe eram anteriores. Apesar dessa intensa participação católica, o
fundador da LEC recusava a ideia de refundar o Partido Católico Brasileiro, dizendo que não
queria dividir os fiéis. Diz o cardeal Leme: “perderíamos o apoio certo de muitos, perderíamos o provável apoio de outros e… o que ganharíamos?” (LEME apud DELLA CAVA,
1975, p. 17 - grifo no original). Della Cava sugere que a diferença entre essas organizações e
os tradicionais partidos é que tais organizações eram vistas como grupos de interesse.
Outra forma de organização que se mostrou fundamental no panorama político brasileiro foi aquela estruturada pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A formação de
CEBs não é um fenômeno brasileiro, mas sua forma de ocorrência no país chamou a atenção
não apenas de pesquisadores nacionais, mas também daqueles de outros países, como Hewitt
(1990). Configura-se como um pequeno grupo formado em torno da paróquia (urbana ou rural), por iniciativa não apenas de padres ou bispos, mas também de leigos. No Brasil, as CEBs
catalisaram demandas sociais de camadas populares e, conforme Frei Betto (1985), a partir de
uma opção da Igreja pelos pobres, buscava dar “voz ao sem voz”. Essas comunidades são
obra de seu momento histórico, conectadas a decisões institucionais da Igreja Católica: “a
renovação da Igreja, iniciada com o Concílio Vaticano II e levada a efeito na América Latina
a partir da reunião de Medellín, em 1968, fez com que a hierarquia eclesial se aproximasse
sempre mais das classes populares, das quais o Estado se encontrava cada vez mais distanciado” (BETTO, 1985, p. 22). Era, afinal, uma inflexão oficial do foco da Igreja para as classes
mais pobres e de uma intencional politização de suas bases de atuação.
Esses dois últimos parágrafos servem para enfatizar a importante ideia de que o encontro desses temas no Brasil não é uma novidade introduzida pela entrada substancial de
evangélicos na política partidária a partir da constituinte. Além disso, é importante também
notarmos que algumas das discussões resumidas acima são também relevantes para o terceiro
capítulo, quando será inevitável questionar - como já se fez na literatura: e por qual motivo
não há um Partido Evangélico? Conhecer, mesmo que brevemente, um fragmento da relação
entre catolicismo e política no país permitirá uma leitura mais completa do fenômeno da interação evangélicos-política no Brasil, ao qual lançaremos nosso olhar.
2.2 - Estado e Religião
Mas para além do aspecto teórico e simbólico, para além das heranças e das imbricações entre a política e a religião, há uma configuração objetiva dessas relações, de certa forma
institucional, que se dá entre o Estado e a religião. Por um tempo, no Ocidente, essa frase
poderia ser facilmente lida terminando com o Estado e a Igreja. Apesar de não haver uma
separação completa desses mundos quando se observa a história das ideias e as influências
mútuas, o ideal moderno chegou perto de uma separação total entre as instituições do Estado e
da Igreja. A episteme liberal, sugere Burity, prescreveu
três grandes linhas normativas: (i) primeiramente, a de que os assuntos e convicções
religiosas (ou a expressão de valores últimos) dizem respeito à esfera privada
dos grupos e indivíduos, mantendo aí sua legitimidade ainda quando envolvendo
práticas exóticas ou repulsivas a uma mentalidade moderna e letrada. Em seguida,
sendo a religião um assunto privado, e em vista de assegurar a liberdade necessária
para que decisões e ações de caráter público sejam implementadas visando a justiça
ou o bem estar do maior número, duas outras linhas normativas são requeridas: (ii) a
neutralidade do estado (tomado como sinônimo do espaço público) diante das disputas pela verdade das questões religiosas e das demandas por proteção ou favorecimento feitos por grupos e instituições religiosas ao estado; e (iii) a separação entre igreja e estado, no sentido da autonomia institucional de um domínio em relação ao outro, sob o amparo de algumas garantias constitucionais como liberdade de
consciência e culto, e independência das autoridades civis e políticas em relação à
autoridade eclesiástica (BURITY, 2001, p. 28 - grifos no original).
No Brasil, essa separação institucional entre igreja e estado ascendeu ao corpo das leis
com a constituição republicana de 1891, sucessora daquela outorgada por Dom Pedro I em
1824. Enquanto esta evocava a Santíssima Trindade já no preâmbulo e definia o catolicismo
apostólico romano como a religião do Império, aquela sequer mencionava Deus. A constituição republicana também veda aos Estados e à União o direito de “estabelecer, subvencionar
ou embaraçar o exercício de cultos religiosos” (Art. 11, Inc. 2º); garante o exercício de culto
livre e público (Art. 72, § 3º); reconhece apenas o casamento civil (Art. 72, §4º); seculariza os
cemitérios, torna pública sua administração e livre todos os cultos religiosos e ritos durante as
cerimônias fúnebres (Art. 72, § 5º); torna leigo o ensino ministrado em estabelecimentos públicos (Art. 72, § 6º); exclui as possibilidades de subvenção oficial ou relações de dependência/aliança a quaisquer cultos ou igrejas (Art. 72, § 7º); impede que qualquer direito seja negado a um cidadão brasileiro ou que esse se exima de cumprir um dever cívico por motivo de
crença ou de função religiosa (Art. 72, § 28 e 29).
A constituição seguinte, de 1934 - bem como a atual, de 1988 - cita novamente Deus
em seu preâmbulo, além de afrouxar o processo de laicização institucionalizado 4 décadas
antes. O ensino religioso facultativo retornou em 34 e foi mantido em 88 (Art. 210, §1º); também na constituição cidadã o casamento religioso passou a ter o efeito civil (Art. 226, §2º) e
as instituições religiosas obtiveram imunidade tributária quanto aos impostos incidentes sobre
os templos religiosos.11
Entretanto, mencionar Deus no preâmbulo da constituição não é a única relação ainda
existente entre as democracias do mundo contemporâneo e formas de religiosidade. Na América Latina, três países (Costa Rica, Bolívia e Argentina) ainda consideram o catolicismo a
religião oficial do Estado. Outros cultos entretanto, não são impedidos. Na Europa, enquanto
isso, em nenhum dos quatro países nos quais vigora uma religião de Estado a escolha recaiu
no catolicismo. Inglaterra, Grécia, Finlândia e Dinamarca têm todos como religião oficial o
protestantismo (seja na figura do luteranismo, do anglicanismo ou da Igreja cristã ortodoxa).12
A presença de uma religião do Estado, entretanto, não pode ter como inferência imediata que
causas caras à religião oficial serão defendidas com mais afinco pelo executivo, legislativo ou
judiciário. Ano passado, por exemplo, o senado argentino aprovou o casamento gay por 33
votos a 27, se tornando o décimo país do mundo a permitir o casamento entre pessoas do
11
Para consultar as constituições citadas, prosseguir para o endereço
http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-historica/constituicoes-anteriores-1#content.
12
Dados podem ser encontrados de forma sistematizada em Oro e Ureta (2007)
mesmo sexo (G1, 2010). Certamente uma aprovação cujos motivos são bem diversos, mas
que serve para apontar que não há um alinhamento automático nos países com religião oficial,
da mesma forma que não há no Brasil de hoje, mesmo sem religião de Estado, qualquer esperança que um tal projeto fosse aprovado nas duas casas do legislativo. Não haver uma religião
oficial não significa que não há adesão dos representantes às causas defendidas por grupos
religiosos.
Além dessa separação institucional, ligada a textos de leis e a pressupostos jurídicos,
as outras duas linhas normativas identificadas por Burity (2001) também enfrentaram a nunca
simples necessidade de lidar com o mundo real. As convicções religiosas, escaladas pelo estado racional e moderno para uma atuação na vida privada apenas, desprivatizaram-se em um
segundo momento, em um retorno à esfera pública como força social e política. A noção de
público e privado, entretanto, não é em si simples ou consensual. Casanova (1994, p. 42) sugere que, pelo menos desde que Hegel propôs uma modernidade tripartite - família/sociedade
civil/estado -, tem sido um grande desafio configurá-la a partir de um modelo binário entre
público e privado, em grande medida derivado da dualidade oikos e polis, da antiguidade grega.
Não é relevante para o trabalho aprofundar-se no rico debate sobre a secularização ou
sobre seu possível fracasso (WEBER, 2004; TAYLOR, 2007; CANNELL, 2010). O que aqui
importa ressaltar é que a existência de eleitores e deputados evangélicos é um fato objetivo e
inescapável do cenário político brasileiro. Ou seja, o tema da secularização e a relação entre a
religião e a política possuem muitas faces, que demandam de maneira geral posturas normativas e subjetivas. Nossa dúvida, entretanto, quanto à representação política de evangélicos no
Brasil, foge das pretensões da norma e se propõe analítica: pretende olhar para fatos objetivos
da vida política nacional (a existência de candidatos, eleitores, eleitos) e propor interpretações
e caminhos de pesquisa para responder às perguntas que serão esboçadas no terceiro capítulo.
Apesar dessa constatação, o tema da secularização não pode ser desconsiderado, visto que
“como qualquer outra ideia poderosa, ele possui muitos efeitos materiais importantes”
(CANNELL, 2010, p. 84). Entre os significados do secularismo - ou laicismo - é possível
detalhar a existência anterior ao Estado leigo, que era de uma cultura leiga. Cultura cuja decantação se dera entre as correntes de pensamentos filosóficos, morais e científicos e que defendia a emancipação dessas áreas do pensamento em relação à religião. O Estado leigo (ou
laico, ou secular) é aquele que, inspirado nesse fluxo de novas ideias e concepções de mundo,
separou-se institucionalmente da religião.
A existência de um estado laico não significa, na prática, uma sociedade política absolutamente emancipada de valores ou de demandas religiosas. Visto que, inevitavelmente, o
Estado é gerido por homens e mulheres, com ideologias, visões de mundo, preconceitos, valores, etc., há que se perceber que não há tal coisa como um absoluto “Estado neutro”. Seria
como solicitar que todos os gestores públicos, todos os envolvidos no governo representativo,
conseguissem seccionar suas múltiplas identidades e desnudarem-se de todos os seus pertencimentos identitários. Uma demanda ilusória. Essa percepção não impede, entretanto, que
defenda-se a ideia de que o Estado deve buscar a neutralidade, mesmo que esta não exista de
forma absoluta. No Brasil, as confissões religiosas, desvinculadas institucionalmente do Estado, podem exercer influência na esfera pública, da mesma forma que o podem ateus, indígenas, liberais, marxistas, sindicalistas, acadêmicos, etc.
E as influências de quaisquer dos grupos podem dar-se de maneira variada, visto que
não há apenas um locus de atuação política. Para Casanova (1993, p. 218), ao olhar-se o
mundo político no Ocidente, pode-se pensar em três simples divisões: sociedade civil, sociedade política e estado. Religiões que atuassem em algum desses níveis, que são públicos,
seriam por consequência religiões presentes na esfera pública. A “religião pública”, para utilizar o conceito de Casanova, poderia portanto variar sua atuação de acordo com o nível em
que esta ocorresse. Religiões cuja atuação se desse no nível estatal seriam as igrejas de Estado
(como a católica da Espanha) ou religiões em busca de um Estado (como a polonesa). Aquelas que atuassem na sociedade civil poderiam fazê-lo discursivamente (defesa de ideias na
imprensa, por exemplo) ou por meio de movimentos como o anti-aborto. Por último estão as
religiões que resolveram participar da sociedade política, forma de atuação que nos interessa
de maneira especial neste trabalho. São exemplos os partidos confessionais, as mobilizações
eleitorais, as participações organizadas no governo representativo e inclusive as já citadas
Ligas Eleitorais Católicas.
A participação na arena política - ou, a depender do cientista social, na esfera ou praça
pública - é organizada institucionalmente pelas leis de cada um dos países (no Brasil, a Constituição de 1988 trata dos direitos políticos em seu capítulo quarto), nas quais se determina
não apenas quem participa do alistamento eleitoral mas também quem pode ser considerado
elegível. Esse e todos os demais arranjos que regulam a participação geral no espaço público e por conseguinte regulam a inserção da religião nesse espaço - não parecem ter sofrido modificação significativa a partir da entrada organizada da religião na política. Giumbelli (2008, p.
90) sugere que fala-se sempre ou em inadequação (quando se trata de como os evangélicos
não deveriam participar do processo) ou de adequação (quando se defende a participação de-
les). Não se argumenta, entretanto, com base em percepções de transformação do processo
democrático:
Tomemos, por exemplo, a política: às acusações de teocratismo, de intromissão do
religioso, os evangélicos retrucam com a obediência às regras do jogo democrático.
Quando são reprovados pela prática de uma espécie de estelionato espiritual, replicam com a demonstração da liberdade que acompanha as doações dos fiéis. Quando
são criticados pela sua intolerância, objetam que estão apenas manifestando a sua
opinião. Não se trata apenas de registrar esse diálogo dissonante, mas de constatar
que não temos modificações legais em resposta a esses pontos de conflito (GIUMBELLI, 2008, p. 90 e 91).
A participação de grupos religiosos na esfera pública não é consenso entre os cientistas sociais, e tampouco o é entre os religiosos. Richard John Neuhaus, que fora pastor luterano e posteriormente padre da Igreja de Roma, sugere que a participação da direita religiosa e
fundamentalista nos Estados Unidos enfrenta conflitos teológicos e políticos. Para o autor, o
dilema é simples:
[A nova direita religiosa] quer entrar na arena política fazendo assertivas públicas
com base em fé privada. A integridade da política requer que se resista à tal proposta. Decisões públicas precisam ser feitas a partir de argumentos que são públicos em
essência. Um argumento público é transubjetivo. Ele não deriva de fontes de revelação ou disposições que são essencialmente privadas com arbitrárias. (…) Certamente esse procedimento pode obter grande força em resultados públicos, se aqueles que
concordam puderem angariar uma maioria para seu lado e impor esses resultados
àqueles que não concordam (NEUHAUS, 1986, p. 36 e 37 - grifo no original*).
Neuhaus, em seguida, defende a busca de uma ética pública, que seja publicamente
discutível e que seja factível com “nosso tempo”. Cada vez que um grupo obtém sucesso na
arena pública a partir da mobilização de uma moral essencialmente privada, a construção dessa nova ética pública torna-se mais distante no horizonte (NEUHAUS, 1986, p. 37). Voltando
ao caso brasileiro, a incursão evangélica na política é um fenômeno que, embora conflituoso,
efetivou-se dentro das regras institucionais do jogo democrático. Não está no escopo da dissertação, entretanto, resolver normativamente as muitas contradições ou pacificar os muitos
possíveis argumentos contra e a favor da participação evangélica organizada na política nacional. Tal participação está dada. Sua existência nos possibilita formular perguntas que não
dialogam com o debate normativo, mas que questionam tanto a imagem dos representantes
evangélicos quanto da própria instituição da representação política, por parte de todos os
elementos da estrutura eleitoral criada a cada eleição. Como, portanto, evangélicos veem representantes evangélicos? Como os representantes evangélicos eleitos com apoio oficial veem
seu papel de representante? As perguntas serão formuladas posteriormente de forma mais
concreta, visto que antes delas outra pergunta precisa ser respondida: quem são, afinal, os
evangélicos?
2.3 - Quem são os evangélicos
2.3.1 - O esforço classificatório
Há, quando se observa o panorama dos evangélicos no Brasil, uma percepção coletiva
de crescimento e multiplicação. E isso não é de se surpreender, visto que a diversidade interna
e o crescimento numérico foram apontados como faces do fenômeno evangélico no país. Mafra (2001, p. 22) argumenta que esse grupo inaugura “uma dinâmica de multiplicação por
segmentariedade”13, característica cuja tendência é apenas crescer no campo evangélico brasileiro.
O percentual de evangélicos no Brasil apresentou, desde o fim do século XIX, um avanço exponencial: contavam com apenas 1% de presença detectada pelo censo de 1890 e, em
1991, passados 101 anos, alcançaram 9% da população brasileira. Depois, durante a década
de 90, uma década em que o número de católicos caiu quase 10 pontos percentuais e pessoas
sem religião subiram de 4,7% para 7,3% da população, os evangélicos cresceram para 15,5%.
Em números absolutos, o Censo de 2000 capturou o dobro dos fiéis de uma década antes: um
contingente de 26 milhões de pessoas. (IBGE, 2000)14.
Por conta dessa expansão e visibilidade, o movimento pentecostal é considerado por
muitos como o mais significativo fenômeno religioso da contemporânea sociedade brasileira
(GIUMBELLi, 2000, p. 87). Um dos reflexos disso é o número cada vez maior de estudos
sobre os evangélicos, dos quais a maior parte foca-se em um esforço classificatório. Tal preocupação, que inicialmente destinara-se aos evangélicos de missão, foi posteriormente estendida para a classificação de pentecostais, tanto entre si quanto em relação aos demais grupos
protestantes (GIUMBELLI, 2000, p. 90).
É bastante relevante esse debate tipológico, visto que o termo evangélico engloba uma
miríade de possibilidades e sentidos que vão muito além do que a cultura popular tende a conferir-lhe. Ele foi, conforme uma excelente metáfora proposta por Mafra (2001, p. 7), construído historicamente enquanto um guarda-chuva conceitual, que abarca uma diversificada gama
de igrejas constituídas a partir da Reforma Protestante, iniciada no século XVI. Seus fiéis se
13
O processo denominado por Mafra (2002) de “multiplicação por segmentariedade” foi inaugurado por Miguel
Vieira, um dos 28 expulsos da Igreja Presbiteriana na década de 1880. Miguel Vieira fundou a Igreja Evangélica
Brasileira e iniciou assim tal processo, caracterizado pela multiplicação do alcance do protestantismo por meio
da segmentação da oferta denominacional, não apenas por conta da expansão de poucas Igrejas históricas consolidadas. Apesar de existirem grandes Igrejas evangélicas, quando se analisa o número de fieis, há também um
crescimento significativo entre pequenas e dispersas Igrejas evangélicas das mais variadas denominações.
14
Embora todos os indicadores sugiram que o crescimento não tenha sido interrompido, os resultados do Censo
2010 relativos à religião ainda não foram divulgados.
destacam “recorrentemente no campo religioso por adotarem uma atitude de ‘evangelizadores’, de ‘propagadores e difusores’ de uma leitura da Bíblia centrada no Novo Testamento, daí
uma certa adequação entre o termo e a identificação da religiosidade [=evangélicos]” (MAFRA, 2001:8).
Os frutos desses exercícios de classificação remontam a um trabalho do fim da década
de 1960, publicado por Souza (1969), que desenvolve uma tipologia a partir de Weber,
Troeltsch e Niebuhr. Souza sugere então um gradiente seita-igreja para dar conta da diversidade interna dos evangélicos. Essa abordagem, no entanto, tem perdido a força, ao mesmo
tempo em que os estudos mais recentes têm proposto outras soluções para a classificação dos
protestantes.15
2.3.2 - Entre pentecostais e históricos
O protestantismo surgiu a partir do rompimento de uma parte da Igreja Católica em
sua relação com a Santa Sé. Estabelecida a Bíblia como instância máxima, a reforma luterana
deságua nos calvinistas e anglicanos; mais à frente decanta nos presbiterianos, metodistas,
pietistas. Também pode ser vinculada à ela as raízes do movimento pentecostal, surgido no
século XX. Essa multiplicidade de igrejas e de denominações, fundadas sob o nome de evangélicos, explicita um grande desafio conceitual. Como abarcar esse terreno teologicamente
fluido quando comparado àquele de matriz católica? A sugestão de D’Epinay, numa tentativa
de definir certas fronteiras, segue nesses termos: “[protestantismo é] o conjunto de pessoas e
grupos que, além da confissão do Deus trino, se apropriam de um dos grandes princípios da
Reforma: a sola scriptura” (1975, p. 17 apud FRESTON, 1993:36).
Essa centralidade na Bíblia exclui da equação, portanto, aqueles que reivindicam uma
autoridade alternativa, como os mórmons e as Testemunhas de Jeová. Numa das definições do
fenômeno evangélico, que apesar de simples serve ao propósito do trabalho, divide-se esse
numeroso campo em outros dois. De um lado estão as igrejas históricas (por vezes divididas
entre as de imigração e as de missão); de outro, as igrejas pentecostais. Esse processo de singularização do pentecostalismo do conjunto das igrejas históricas deu-se em 1987, um ano
após uma palestra de Mendonça (1986)16 que tratava dos pentecostais. Essa multiplicidade de
igrejas deve-se, sobretudo, a uma tendência ao cisma que não surgiu com os pentecostais,
15
Para uma história detalhada do processo classificatório no protestantismo brasileiro, consultar Giumbelli
(2000)
16
Citado por Giumbelli (2000:92)
entretanto; ela iniciou-se com os missionários e “alimenta-se agora da enorme expansão de
um público flutuante” (FRESTON, 1993, p. 36). Um fiel que abandona sua igreja e cria uma
outra mantém-se no mundo evangélico. Esse divisionismo tem, no contexto pentecostal, um
componente funcional: “a flexibilidade o torna capaz de continuar alcançando as massas e
criar vertentes apropriadas para os que estão ascendendo socialmente” (FRESTON, 1993, p.
36). Mas a segmentação, apesar de bastante intensa, não é infinita. Mesmo com a centena de
denominações ou de igrejas de âmbito local, um número relativamente reduzido de grupos
reúne uma parte substancialmente grande do público evangélico. Com mais de 90 anos, o pentecostalismo já foi capaz de fomentar alguns grupos bastante estruturados e com força popular
(como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã), da mesma forma que foi capaz de
permitir a entrada de novos atores, como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Um dos pontos de cisão entre os pentecostais e as igrejas históricas reside na “adoção
de uma teologia baseada na ideia de um ‘segundo batismo’ e um estilo mais emocional de
culto” (GIUMBELLI, 2000, p. 92). Outra característica do grupo pentecostal está presente em
seu próprio nome - o que já denota sua importância -, que toma para si o evento ocorrido nos
primórdios da igreja cristã e “se vê como um retorno às origens” (FRESTON, 1996, p. 69).
Em Atos (2; 1-4), o Pentecostes foi relatado como o dia em que o Espírito Santo desceu do
céu, pousou sobre os apóstolos com línguas de fogo e lhes concedeu que falassem outras línguas. “O fenômeno glossolálico não era a novidade do movimento, mas sim a elaboração doutrinária que lhe dava uma centralidade teológica e litúrgica”, diz Freston (1996, p. 75). O fenômeno das “línguas estranhas” é substancial também na história do pentecostalismo brasileiro. É a glossolalia que dá o tom na fundação da Assembleia de Deus, igreja evangélica com
maior número de fieis no Brasil:
Em 13 de junho, quando um irmão leigo dirigia o culto, outros perceberam que a liturgia se desenvolvia de forma pouco usual: várias das pessoas presentes estavam
orando em ‘línguas estranhas’, o que ‘provocava um vozerio forte e irreverente dentro do templo, e prejudicava quem orava em silêncio’. Um dos irmãos incomodados
convocou uma reunião em seguida, pedindo que os membros da ‘seita’ se manifestassem e que fossem ‘cortados da igreja’. O rigor foi grande e a expulsão resoluta,
ainda que dos 13 (em outra versão, 18) membros expulsos quatro tivessem posição
de autoridade: secretário, tesoureiro, moderador e diácono. Mas nesse caso, ao contrário de muitas outras cismas batistas, a ruptura se relacionará a uma questão teológica de peso, que inclusive irá transformar o campo evangélico em todo o Brasil e
América Latina: a nova igreja que se formava, a Assembleia de Deus, vaticinava que
‘os homens devem deixar lugar para o Espírito Santo se afirmar’ (MAFRA, 2001, p.
30).
O pentecostalismo chegou rápido ao Brasil, o que contribuiu para sua feição autóctone. Entretanto, suas origens remontam à primeira década do século XX, nos Estados Unidos.
Uma de suas características, como já se viu, é a forte tendência a fragmentar-se. Além da difi-
culdade conceitual que decorre dessa fragmentação (como definir as fronteiras do que não é
protestantismo?), há uma dificuldade secundária que é a de criar as delimitações internas.
Como dividem-se os grupos dentro do pentecostalismo? Quanto e em que distam teológica e
institucionalmente? Há subdivisões dentro do que convencionou-se a chamar de pentecostal?
Essas questões são importantes, pois os pentecostais respondiam, de acordo com o Censo de
2001, por 67% de todos os evangélicos; sua presença na política institucional é numericamente superior à dos históricos; e seu modus operandi corresponde ao que há de realmente novo
na interação entre religião e política partidária no Brasil.
Essa proporção de pentecostais entre os evangélicos, de praticamente de 2:3, é uma
média nacional que mascara uma relação que não é uniforme. Mas embora a média nacional
não corresponda à proporção de pentecostais e históricos em cada um dos estados, a força dos
pentecostais é certamente uma tendência seguida nacionalmente, em uns estados de forma
mais intensa, em outros menos, com exceção de um. O estado do Rio Grande do Sul era o
único, em 2001, com mais históricos do que pentecostais. Já entre os estados com mais sucesso do convercionismo pentecostal, o Amapá chega a significativos 85% de evangélicos pentecostais. Outra situação relevante é a profunda diferença entre os extremos: de um lado, Rondônia, com 27% de evangélicos em sua população; de outro, Piauí, com 6%. O fenômeno de
multiplicação evangélico não se deu da mesma forma em todos os estados; como qualquer
processo social, não é homogêneo.
A divisão entre as denominações pesquisadas pelo censo do IBGE é um tópico adicional. Há uma grande vantagem da Assembleia de Deus (AD) em relação a todas as demais
igrejas. Ela tem mais de 2,5 vezes o percentual de fieis da segunda colocada, a Igreja Batista.
Essa força, aliada a uma organização institucional voltada para eleger representantes, faz com
que a AD seja a maior força eleitoral para os evangélicos desde a última Constituinte (atualmente, 22 de 63 deputados federais evangélicos são assembleianos17). Entre as cinco denominações com o maior número de fieis, apenas a Batista, com seu segundo lugar, pertence ao
grupo dos evangélicos históricos. Terceiro, quarto e quinto lugar comportam, respectivamente, Congregação Cristã do Brasil (CC), Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e Igreja do
Evangelho Quadrangular (IEQ).
2.3.3 - As três ondas pentecostais
17
DIAP, 2010.
A divisão interna do pentecostalismo que usaremos no trabalho surgiu das contribuições de um padre jesuíta, Jesús Hortal Sánchez (apud GIUMBELLI, 2000, p. 96), bastante
interessado nos debates ecumênicos e nas discussões para classificação do protestantismo. J.
H. Sánchez (1994) propõe a existência de três gerações a dividirem o pentecostalismo brasileiro. A solução é interessante tanto por classificar internamente o pentecostalismo quanto por
fazê-lo levando em conta tanto fatores internos quanto aspectos históricos.
Freston, que substituiu gerações por ondas, sumariza essa definição e suas principais
representantes. O autor inicia pela primeira onda, que começa em 1910,
com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911). Estas duas igrejas têm o campo para si durante 40 anos, pois suas rivais são inexpressivas. A Congregação, após grande êxito inicial, permanece mais acanhada, mas a
AD se expande geograficamente como a igreja protestante nacional por excelência,
firmando presença nos pontos de saída do futuro fluxo migratório (FRESTON,
1993, p. 66).
São as igrejas do pentecostalismo clássico, “derivadas diretamente do pentecostalismo
americano, cuja cisão com o protestantismo ocorreu com base na doutrina do segundo batismo.” Elas conservariam também sua matriz puritana e uma teologia arminiana18 e objetivavam construir verdadeiras comunidades (GIUMBELLI, 2000, p. 96).
A seguir, a segunda onda inicia na década de 1950, com a fragmentação do campo
pentecostal e uma maior dinamicidade na relação com a sociedade proveniente, entre outras
coisas, dos processos de urbanização e do intenso uso dos meios de comunicação de massa.
Três grupos se destacam nesse momento: a Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e
Deus é Amor (1962). Inauguram o “movimento de cura divina, conjugando a ênfase no evento com o esforço de formação de igreja” (GIUMBELLI, 2000, p. 96).
Já a terceira onda
começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça
de Deus (1980). Novamente, essas igrejas trazem uma atualização inovadora da inserção social e do leque de possibilidades teológicas, litúrgicas, éticas e estéticas do
pentecostalismo (FRESTON, 1993, p. 66).
São as igrejas cujo movimento é, desde o fim da década de 80, designado “neopentecostalismo ou pentecostalismo autônomo, que teriam perdido qualquer senso eclesial e adotado o modo de atuação de agências de prestação de serviços para uma clientela flutuante”
(GIUMBELLI, 2000, p. 96). Em algumas haveria a ênfase na cura e no exorcismo; em outras
18
A teologia arminiana postula “que parte da transformação sofrida pelo homem na conversão vem de Deus,
parte depende do seu livre arbítrio [... abrindo] a possibilidade para a aceitação da conversão como um processo”
(MAFRA, 2001, p. 19).
a ênfase seria na prosperidade material. É uma onda que começa e se consolida no Rio de
Janeiro, cidade em que, em 1977, Edir Macedo fundou a Igreja Universal.
Por não ser um trabalho cujo foco esteja nessa extensa literatura tipológica, adotaremos sans phrase a proposta de Paul Freston quanto à classificação das igrejas pentecostais em
suas três ondas de implantação, atualizada a partir das contribuições iniciais de J. H. Sánchez
(1994). Freston (1993) defende também que a simplificação empreendida pela imprensa em
relação à terminologia evangélicos, protestantes, neopentecostais, etc, também chegou à Academia. Desta forma, e por não haver um trabalho de campo que permita responder às dúvidas
do trabalho em relação à cada denominação, não nos apegaremos sobremaneira a uma tipologia mais sofisticada: bastará, muitas vezes, a dual definição histórico/pentecostal, bem como
as três ondas nas quais o pentecostalismo é subdividido.
Entre as denominações pentecostais, três delas serão detalhadas abaixo (Assembleia de
Deus, Universal e Congregação Cristã), que além de serem as três maiores, são também as
mais relevantes para compreensão do fenômeno (poderia juntar-se a elas a Quadrangular, a
Brasil para Cristo e a Deus é Amor). Das históricas, a Igreja Batista será o nosso objeto de
análise.
2.3.3.1 - Assembleia de Deus
A Assembleia de Deus, ao contrário da maioria das outras cismas batistas, justificouse por bases teológicas. Sua fundação é considerada um divisor de águas no protestantismo
brasileiro, não apenas institucionalmente, mas doutrinariamente. Desde o início, a Assembleia
chamou atenção das elites católica e evangélica. A sobriedade das mulheres, com seus vestidos e cabelos longos, e dos homens e seus ternos, contrastava com as “línguas estranhas” que
causavam o já citado “vozerio forte e irreverente”. Era “um misto de ordem e intensidade
mística incompreensível para muitos” (MAFRA, 2001, p. 30). Outra característica da Assembleia que a destacava do protestantismo histórico era uma abertura maior para a improvisação
e para a irreverência, com menos daquele rigor e formalismo excessivo que ela percebia nas
igrejas tradicionais. Esse é um dos motivos para a multiplicação das igrejinhas19 da Assembleia, que chegaram bem rápido inclusive a cidades do interior do país.
19
As igrejinhas da Assembleia foram assim chamadas por conta da proliferação de pequenos e simples templos
fundados por todo o país desde os primeiros anos. Esse processo, como explicou Mafra (2000, p. 30), deve-se
em parte ao menor formalismo e ao grande incentivo institucional para fundação de novas igrejas.
Fundada em 1911 no Pará, por dois missionários suecos (Gunnar Vingren e Daniel
Berg), a Assembleia de Deus desvinculou-se da Missão Sueca quase 20 anos depois. Nacionaliza-se a obra e a sede transfere-se de Belém para o Rio de Janeiro. Em relação à teologia dessa igreja, que viria a se tornar a principal força evangélica no Brasil, algumas das características têm um peso significativo. Entre elas, destaca-se a versão assembleiana da via da santificação, que
conjuga imersão no Espírito e leitura da palavra. Isso produziu ao menos três transformações importantes na reprodução do universo evangélico. Em primeiro lugar,
suas Escolas Dominicais muito facilmente se tornaram verdadeiros centros de alfabetização de adultos para uma população de balconistas, trabalhadores rurais, ferreiros (…). O não elogio da cultura culta, a ênfase na capacitação pura e simples da escrita e leitura, alargou a porta de entrada na igreja da reduzida camada média baixa
para as camadas populares. Em segundo lugar, uma concepção mais solta da agência
do Espírito Santo permitiu a maximização da tendência batista de fazer cada membro da igreja um missionário. (…) [Nesse sentido,] todo novo converso pode se sentir chamado par a abertura de uma nova Assembleia de Deus. (…) No ethos assembleiano, ‘organizar demais a obra missionária é uma heresia’ (MAFRA, 2001, p. 31
e 32).
Como terceiro ponto, Mafra (2001, p. 32) sugere uma nova forma de relação entre liderança e membros das igrejas. Há disciplina na vestimenta, na proibição de dança, fumo,
bebida e as vezes do futebol, mas não nos aspectos teológicos. Para os Assembleianos, a inspiração divina é constante. Essa relação de menos disciplina teológica não concorre, entretanto, para a diminuição da importância do pastor no gerenciamento da vida comunitária. Sua
autoridade é mais forte do que na mais impessoal estrutura da Igreja Batista, por exemplo; seu
cargo, geralmente vitalício. São considerados os monitores, os elementos que equilibram a
comunidade em uma busca coletiva e individual da santificação.
A Assembleia enfrenta muitos desafios, alguns deles provenientes de seu crescimento
e de sua diversificação. Há, desde os anos 80, uma maior preocupação com a produção de
uma historiografia institucional; aumentou-se, em 1979, a burocracia institucional, com a reestruturação da Convenção Geral (esse evento colaborou para o sucesso eleitoral assembleiano para a Constituinte); percebe-se, também, uma “tensão entre o desejo de aderir explicitamente a valores burgueses e a tradição assembleiana de um certo populismo religioso que
gloria-se na escolha dos humildes” (FRESTON, 1993, p. 75). A relação entre essa gigante
pentecostal e a política deixa muitas questões em aberto. Retomaremos a elas mais tarde.
2.3.3.2 - Congregação Cristã do Brasil
A Congregação Cristã (CC) foi fundada um ano antes da Assembleia de Deus, o que
confere a ela o título de igreja pentecostal mais antiga do Brasil. Criada por Louis Francescon,
em São Paulo, a força do Espírito não foi interpretada como um convite à informalidade e ao
improviso, como na AD. “Ao contrário”, diz Mafra, “nesse caso o anúncio do Espírito só fez
sobressair a força da convenção e da reposição da autoridade dos mais velhos, numa atualização para a nova religião de um traço cultural presente na comunidade de migrantes italianos
que congrega” (2001, p. 34). A junção dessas duas características (um certo conservadorismo
e um reforço da autoridade dos anciãos) tornou-se de extrema importância para a teologia
professada pela CC e marca distintiva em relação a todas as outras principais denominações
evangélicas, inclusive a Assembleia, também da primeira onda pentecostal.
Diferente da Iurd, a Congregação é uma igreja esmagadoramente interiorana e majoritariamente paulista20. Também se distancia da Iurd - e de outras, como a Igreja do Evangelho
quadrangular, por exemplo - no quesito “métodos modernos de divulgação”. A CC não utiliza
“rádio ou televisão, pregações em lugares públicos, ou literatura. O proselitismo é feito exclusivamente dentro dos templos e nos contatos pessoais. (…) A convicção de que Deus vai trazer para o seu convívio as pessoas que ele deseja salvar tem um efeito importante sobre a relação da CC com a modernidade” (FRESTON, 1996, p. 103). Certamente, também, com a
política.
Nesse ponto, a CC é a mais apolítica entre as denominações evangélicas brasileiras de
relevo. Não são admitidos partidos, candidatos não são convidados a saudar a igreja, relacionamentos de quaisquer ordens são evitados com o mundo da política. “O ocupante de cargos
na igreja é proibido de aceitar posições políticas, e o simples membro é aconselhado a não
fazê-lo” (FRESTON, 1996, p. 107). Não são recomendados candidatos, mas recomenda-se
que não se vote em partidos que tenham em sua base uma rejeição da existência de Deus (ou
uma defesa do umbandismo). A cultura da predestinação, muito forte dentro da CC, impede
também que se dê relevância ao fenômeno eleitoral, visto que o futuro ocupante do cargo
eletivo já estaria predestinado por Deus (FRESTON, 1996, p. 108). Amiga íntima da tese da
predestinação, outra crença forte dentro da CC é na existência cotidiana da revelação pessoal
de Deus. Seja para decidir casamentos, negócios, viagens, tudo é confirmado pelo fiel no contato com Deus. Por isso, a Bíblia possui um papel pequeno, “sendo mais um livro de oráculos
do que uma revelação a ser meditada sistematicamente” (FRESTON, 1996, p. 104).
Outro fator que favorece esse afastamento da política é o afastamento do mundo. Há
um forte sectarismo dentro da CC, que separa, em seus cultos, homens e mulheres, que che-
20
Dados em Freston (1996, p. 102 e 103).
gam a usar véus. Ao mesmo tempo em que não praticam o legalismo de igrejas como a Assembleia, e não regulam vestimentas, dízimo, ou sobre guardar o sábado, punem pecados considerados graves e cometidos após a conversão com a permanente exclusão diversas atividades da igreja. A Congregação Cristã, como se vê, é um excelente exemplo de como as denominações incluídas na alcunha evangélicas são diversas em suas teologias e cosmologias, bem
como em sua relação com o mundo moderno. Ao mesmo tempo em que não se pode estudar
os candidatos oficiais da CC, visto que eles não existem, é viável e intelectualmente intrigante
imaginar como os fieis da Congregação interagem com representantes e decidem seus votos,
visto que ao mesmo tempo em que contra-indica qualquer participação na política, a CC sugere que todos os seus fieis cumpram a lei e votem. Apesar de sua apoliticidade - ou, em verdade, por conta disso - a Congregação Cristã enseja interessantes questionamentos na relação de
seus fieis com as estruturas do governo representativo.
2.3.3.3 - Igreja Universal do Reino de Deus
Em 1977, após se desvincular da Igreja de Nova Vida, Edir Macedo alugou um galpão
na Avenida Suburbana21, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Esse foi o primeiro templo
daquela que, alguns anos depois, se tornaria a Igreja Universal do Reino de Deus, o exemplo
mais paradigmático da terceira onda pentecostal. A Universal se apresenta desde a fundação
como uma Igreja especialmente preparada para receber um público urbano (muitos recémchegados do campo), para mobilizar os modernos meios de comunicação de massa, para lidar
com a estagnação econômica dos anos 80 e com o crescimento da umbanda (FRESTON,
1993, p. 95). Macedo, bem como os fundadores de duas outras igrejas da terceira onda (a Internacional da Graça de Deus e a Cristo Vive), fora membro da Nova Vida, igreja considerada
“pioneira de um carismatismo de classe média” (FRESTON, 1993, p. 96).
Mas a transformação da IURD num ícone do que viria a se chamar neopentecostalismo não foi súbita. No início, “a questão do sofrimento e da cura pela fé se destacava. O estilo
agonístico, de luta, que a religiosidade ganhou, que garante uma capacidade de interlocução
inusitada para uma religião, foi se consolidando aos poucos” (MAFRA, 2001, p. 38). Ao utilizar-se dos meios de comunicação - a princípio um programa de rádio -, Macedo apresentava
21
Essa avenida, que liga bairros populares na cidade do Rio de Janeiro, teve seu nome, posteriormente, modificado para Av. Dom Hélder Câmara, em homenagem ao líder católico de mesmo nome. Nas comunicações oficiais, entretanto, a Universal continua a chamá-la de Avenida Suburbana.
aos ouvintes uma alternativa religiosa focada em resultados, ao mesmo tempo em que demonizava religiosidades afro e considerava idólatras os católicos. Ele transferia, assim, “em um
só movimento, o público de uma religiosidade tradicional, acostumado à dinâmica das promessas para o santo (seja aqui o orixá ou o santo católico), para uma religiosidade que continuava essa lógica adicionando-lhe maior maior intensidade e agonismo” (MAFRA, 2001, p.
38).
Nos anos que circundaram as eleições para a Constituinte, a Universal, que crescera
praticamente sem atrair atenção da mídia convencional, explodiu em referências no noticiário
laico. Esse período parece coincidir com um projeto de maior inserção em arenas sociais diversificadas, o que pode justificar a maior atenção da mídia secular: uma das inflexões foi a
compra da Rede Record; outra, a eleição de três deputados federais para a Constituinte. No
Rio, “o voto Universal foi dividido por computador para garantir uma distribuição capaz de
eleger dois deputados federais. Um deles residia em São Paulo e quase não precisou ir ao Rio,
tal a eficiência dos pastores como cabos eleitorais” (FRESTON, 1993, p. 97). Essa disciplina
eleitoral talvez fosse, à época, a mais significativa entre as igrejas evangélicas.
Em contraste com a Asembleia de Deus, o pastor iurdiano se constrói alheio à uma lógica localista e autônoma. Não apenas eles, mas também os “obreiros” e as “obreiras” são
“selecionados segundo seu carisma e seu dom de oratória, num reconhecimento da graça dada
ao indivíduo, mas que só ganhará valor se aceita pela lógica institucional” (MAFRA, 2001, p.
44). Além de frequentes treinamentos, a estrutura institucional fornece uma possibilidade
crescimento na carreira missionária, com alguns pastores presidentes chegando a assumir um
estilo de vida burguês, muitas vezes de classe média alta, como aponta Mafra (2001, p. 44).
Longe de estar descolado da cosmologia iurdiana, tanto o treinamento quanto a existência de
um plano de carreira estão em consonância com uma das principais teses abraçadas pela Universal, a teologia da prosperidade.
Inspirada na health and wealth gospel, de origem americana, a Teologia da Prosperidade (TP) se baseia na concepção de que a prosperidade não é apenas possível, mas natural,
desde que se obedeça a alguns pressupostos. De um lado, o fiel deve assumir uma atitude de
“confissão positiva”, pois a pobreza é consequência da falta de fé ou da ignorância (FRESTON, 1996, p. 147). De outro há a necessidade de que o fiel se torne sócio de Deus. A relação
entre o fiel da Universal e seu deus, conforme aponta Lima, “é contratual e se mantém nos
termos da obrigação recíproca: para receber a graça divina de modo a ser capaz de modificar
seu destino no mundo, ele deve ‘viver de acordo com a fé’, entregar regularmente o dízimo,
fazer suas ofertas, e ‘tomar uma atitude’” (LIMA, 2010, p. 352). Todos esses elementos soli-
citados ao fiel que busca a “plenitude” são encarados como a contrapartida que dão à bondade
divina.
A Universal é, de longe, o alvo preferencial da imprensa laica e dos cientistas sociais.
Tanto um quanto outro, muitas vezes, despreocupados até de revestir suas opiniões de certa
dose de sofisticação ou de zelo analítico. A Iurd, ao mesmo tempo em que atrai furiosos inimigos, conquista milhões de fieis. Essa dualidade, que abarca críticos ferozes e fieis engajados, aliada às diversas novidades teológicas disseminadas no Brasil de forma intensa pela
Universal, a tornam um excelente manancial analítico, que os cientistas sociais deveriam passar a observar com menos preconceito e com mais curiosidade intelectual. As relações entre a
Iurd, a mais midiática das Igrejas, e a política partidária, talvez seja aquela que contribuirá
com mais informações e que apontará as transformações mais intensas.
2.3.3.4 - Batistas
A doutrina do segundo batismo não é exclusiva aos batistas, mas certamente o deslocamento dos fieis até os rios em busca do batismo por submersão marcou bastante, a ponto de
dar o nome à igreja com maior número de fieis entre as históricas (MAFRA, 2001, p. 18). Sua
ascensão numérica deu-se sobretudo nos primeiros 40 anos após sua fundação (1882), período
após o qual começou a perder um pouco de espaço para as pentecostais. Esse crescimento é
explicado por uma uma postura ativa dos batistas, desde o início, em relação à evangelização,
numa busca proselitista que apesar de a distanciar da futura Congregação Cristã, a aproxima
de grande parte das igrejas evangélicas. Cada novo membro, para os batistas, é um novo evangelista.
Esse relaxamento em relação à exigência de uma formação específica do missionário
levou a Igreja Batista a perder prestígio frente às demais igrejas históricas, e fez com que seus
evangelistas fossem apelidados de “sapateiros inspirados” (MAFRA, 2001, p. 28). Outro ponto se refere à organização da estrutura eclesiástica batista, que é congregacional, o que dificulta a unificação e a posterior tomada de posições políticas. A novidade batista, no entanto, não
é apenas interna. A separação do fiel e do não fiel, do crente e dos “de fora”, tornou-se mais
fluida, com menor foco na hierarquia e na diferenciação entre aqueles em posição de autoridade e os demais. Somando a essa volatilidade, os batistas contam “com muito poucos mecanismos burocráticos rotineiros para aparar arestas e reverter processos de divisão em nome da
unidade da instituição, como tende a acontecer nas denominações históricas de missão” (MAFRA, 2001, p. 29). Vale lembrar que é após uma expulsão de um grupo batista que se fundou
a maior igreja pentecostal brasileira, a Assembleia de Deus.
Na atualidade, a Igreja Batista reúne majoritariamente as classes média e média baixa,
“reproduzindo um ethos bastante consistente de ‘diferenciação do mundo’, no intuito de transformar ‘o mundo pelo exemplo’” (MAFRA, 2001, p. 63). Uma das formas como esse ethos
batista se desenvolve é extremamente relevante para as relações entre representação política e
eleitores evangélicos, com suas implicações chegando ao papel do voto, à cultura cívica e ao
papel da educação:
A estrutura institucional dos batistas é bastante complexa e participativa. Já nos
primeiros anos, na faixa dos 7 aos 10 anos, tanto meninos quanto meninas são incentivados a organizar reuniões, discutir propostas, solucionar impasses através do
voto, participar de encontros municipais, estaduais, nacionais. (…) Além desta socialização democrática, a autonomia local e um funcionamento por assembleia
chamam todo membro batista para uma formação cívica intensa em que o sentido
da representação é valorizado. (…) [Na 1a Igreja Batista de Niterói], um deputado
federal, um desembargador e um pedreiro morador de uma favela próxima, todos
membros [da] igreja, sentam-se para decidir os rumos da igreja em pé de igualdade
na assembleia a cada final de mês, pois ali aprendem que ‘um voto é igual ao outro’ (MAFRA, 2001, p. 64 - grifos nossos).
Colocar em perspectiva a Igreja Batista, a Universal, a Assembleia e a Congregação
Cristã é uma forma de demonstrar a diversidade do campo evangélico no Brasil. Além disso,
há evidências subjetivas de que esses grupos, mesmo se apelidados de bancada evangélica
por vozes internas e externas, podem mobilizar a política de formas bem diferenciadas. São
grupos que enxergam seu papel no mundo - e o próprio mundo. Por que a política e a representação política estariam de fora?
Conclusão
O Capítulo 2 tratou da religião e da política, argumentando já de início que essa não é
uma relação estabelecida recentemente. Esses temas se encontraram de forma substancial ao
longo da história ocidental, principalmente europeia. A partir desse ponto, inclusive conceitos
como o individualismo moderno têm parte de seu significado construído a partir de diálogos
com a religião e com conceitos de origem religiosa.
Mas não foi apenas na Europa. Também no Brasil houve significativo encontro entre
religião e política eleitoral, exemplificado no capítulo através da Liga Eleitoral Católica, da
Ação Católica Brasileira e das Comunidades Eclesiais de Base. A entrada organizada e institucional dos evangélicos na política, ocorrida no entorno da última constituinte, não foi, portanto, o início da interface entre esses temas na história brasileira.
Sustenta-se, também, que nosso questionamento não é quanto à norma, visto que não
interessa à pesquisa um dever ser. A pergunta da dissertação surge de um dado exterior e objetivo, que é a presença de candidatos oficiais evangélicos e de eleitores evangélicos que neles
votam de forma preferencial. A dúvida é como se estabelece essa relação e não se ela deveria
ser estabelecida.
Para tanto, percorremos o protestantismo brasileiro, ressaltando o importante debate
tipológico que perpassa o tema - realizado internamente, por fiéis, e externamente, por estudiosos. A relevância dessa discussão se deve, principalmente, à extensa e diversa matriz protestante, que, ao mesmo tempo que guarda semelhanças, possui muitas diferenças internas. Adota-se a divisão Históricos e Pentecostais, com o segundo grande-grupo subdivido em três ondas de implantação. Fez-se, ainda, uma síntese histórica e teológica das quatro denominações
protestantes com maior número de fieis de acordo com o último Censo do IBGE (2000).
EVANGÉLICOS E A REPRESENTAÇÃO DESCRITIVA
Introdução
O principal objetivo do Capítulo 3 é interrelacionar os tópicos tratados nos dois capítulos anteriores. Se no primeiro debateu-se temas caros à política, entre eles a importância do
partido político, o ambiente eleitoral e a representação política, no segundo capítulo nos dedicamos a conhecer melhor quem são os evangélicos, fundamental, certamente, para compreender a representação política descritiva e os evangélicos brasileiros.
A primeira parte do capítulo discute a demanda evangélica na política, o que leva a
duas questões e suas respostas: quais evangélicos? Qual demanda política? Em seguida, procura-se demonstrar a modificação ocorrida pós-1987, quando algumas igrejas pentecostais
passaram a se articular institucionalmente para eleger candidatos oficialmente lançados. Tal
prática era inédita na relação entre evangélicos e política eleitoral no Brasil.
A inexistência de um partido político evangélico também é discutida e contextualizada
no panorama político brasileiro. Após, é tratada a atuação dos políticos evangélicos na democracia brasileira contemporânea. Na mesma parte serão trabalhados alguns aspectos da representação política de candidatos, fieis e clero da Assembleia de Deus, da Congregação Cristã,
da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Batista - as três primeiras pentecostais e a
última histórica.
3.1 - A DEMANDA EVANGÉLICA NA POLÍTICA
O crescimento do percentual de evangélicos não ocorreu apenas na população brasileira. A bancada suprapartidária evangélica no Congresso, conforme denominação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar22 (DIAP, 2010), saiu dos 43 eleitos, na 53a
legislatura (2007-2011), para alcançar, na atual (2011-2015), relevantes 66 postos (63 na Câmara e 3 no Senado). Um crescimento de mais de 50%. Essa significativa participação de
evangélicos em cargos eletivos não para por aí. O estado do Rio, por exemplo, teve três governadores evangélicos entre os quatro últimos – Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha;
elegeu em 2003 ao Senado e reelegeu em 2010 com mais de 3 milhões de votos, o bispo da
Iurd e cantor gospel Marcelo Crivella; também em 2010, elegeu Garotinho o deputado federal
mais votado no estado e o segundo mais votado no país, com quase 700 mil votos.
Quando se fala, no entanto, em “demanda evangélica na política”, cabem duas perguntas: de um lado, quais evangélicos? De outro, qual demanda política? Uma simples conferência a respeito de quais igrejas possuem representação no Congresso é suficiente para demonstrar a diversidade de denominações com representantes. Há entre elas congressistas de igrejas
históricas e pentecostais (e dentro dessas, das três gerações classificadas no capítulo anterior).
22
O DIAP, em sua Radiografia 2011, divide o Congresso brasileiro em 9 bancadas suprapartidárias: Feminina,
Evangélica, Parentes, Empresarial, Sindical, Ruralista, Saúde, Educação e Comunicação.
Entre os representantes evangélicos encontramos membros das Igrejas Maranata, Batista,
Presbiteriana, Universal, Sara Nossa Terra, Assembleia de Deus, Cristã Evangélica, Internacional da Graça de Deus, Renascer, do Evangelho Quadrangular, Mundial do Poder de Deus e
Luterana. A partir dessa lista é possível perceber a presença das principais denominações evangélicas presentes no país; não apenas das igrejas históricas, mas também daquelas pertencentes às “três ondas” de implantação do pentecostalismo.
A pergunta que resta é “qual demanda política”. A dissertação olha para um tipo específico, que é a demanda por espaços na política partidária; não nos interessam as outras formas de participação política das igrejas ou dos fieis. Há, como foco, essa forma muito específica de participação, que embora presente desde a metade do século passado, irrompeu em
1987. Em 41 anos (1946-87), Freston (1993, p. 171) identifica 94 mandatos exercidos por
igrejas históricas e apenas cinco por pentecostais. A irrupção pós-1987 dá-se não apenas no
total de evangélicos eleitos, mas também no peso da presença pentecostal. De pouco mais de
5% entre 46 e 87, a parcela pentecostal sobe para 60% a partir do período constituinte. Uma
das características mais importantes dessa presença evangélica na política institucional é que
ela não se dá de forma desordenada. “Quase metade dos parlamentares protestantes pós-1987
são candidatos oficiais de igrejas pentecostais, uma modalidade praticamente inédita”
(FRESTON, 1993, p. 180).23
“O cristão não foi feito para estar em cima do muro”, disse Silas Malafaia em um vídeo divulgado ainda no primeiro turno das eleições de 2010. O pastor opinava sobre a também evangélica Marina Silva, candidata pelo PV à Presidência da República, que em diversas
ocasiões havia defendido uma postura plebiscitária em relação ao aborto:
Como é que uma pessoa que postula ser presidente da república e que diz que é cristã membro da Assembleia de Deus, vem dizer: ‘eu não quero satanizar os que são a
favor e eu não quero satanizar os que são contra o aborto, eu vou fazer um plebiscito
para o povo decidir’. Gente, um cristão só tem uma posição: eu sou contra e tá acabado (MALAFAIA, 2010).
Esse episódio do pastor Silas Malafaia, uma das lideranças mais midiáticas e influentes da Assembleia de Deus no país, foi apenas um entre os muitos em que pastores evangélicos pronunciaram-se publicamente a respeito das eleições presidenciais de 2010 no Brasil.
Tanto a ocorrência pública de tal demanda, quanto sua vigorosa visibilidade, são importantes
23
Freston (1993, p. 181) sugere três razões conexas para essa irrupção, que visa: primeiro, fortalecer lideranças
internas; após, proteger fronteiras da reprodução sectária; e, um terceiro e duplo motivo, captar recursos para a
expansão religiosa e disputar espaço na religião civil.
características da relação entre os líderes evangélicos das principais denominações e a política
partidária nas eleições brasileiras.
A opinião do pastor Malafaia (2010), transcrita do vídeo, é sintomática dessa forma de
participação evangélica na política. Quando exige da então candidata Marina Silva uma postura específica, condicionada ao fato de ser “cristã membro da Assembleia de Deus”, Malafaia exemplificava uma expectativa quanto aos candidatos evangélicos, no que concerne a
comportamento, opiniões, concepções quanto a temas clássicos: o evangélico eleito deveria
defender os interesses específicos daquela comunidade – e, por consequência, cada comunidade deveria eleger os seus representantes para poderem participar do processo decisório de
um país, ter acesso à proposição de políticas públicas, ter voz no debate público, etc.
Essa demanda não é, certamente, a única, assim como não são iguais as denominações
evangélicas. Entretanto, essa demanda específica, exemplificada na postura adotada por Silas
Malafaia, não é incomum entre os evangélicos - e é certamente uma característica na nova
onda de participação pós-1987, caracterizada pela entrada das principais denominações pentecostais. A partir dessa data, deputados evangélicos passaram a ser eleitos majoritariamente
por Igrejas pentecostais, o que fez com que os candidatos preferenciais da cúpula pentecostal
ganhassem relevância. Tal candidato preferencial é normalmente descrito como possuidor de
certas características: de um lado, é o evangelista itinerante com destaque religioso, o filho ou
genro de pastores-presidentes; de outro o cantor ou apresentador da mídia evangélica ou o
empresário pentecostal que faz acordos com a cúpula eclesiástica (FRESTON, 1993, p. 180).
Entre todos, as mesmas características: evangélicos, candidatos oficiais, indicados publicamente. A representação inaugurada pela entrada pentecostal na política eleitoral brasileira é,
afinal, uma representação política de “iguais”.
Outra narrativa acerca da participação evangélica na política, realizada por Leonildo
Silveira Campos (2005), divide cronologicamente o processo de forma similar àquela formulada por Freston (1993): posiciona-se o período das eleições, ocorrido em 1986 e com posse
em 1987, marcada pela presença da Constituinte, como um simbólico divisor de águas na prática política dos evangélicos brasileiros. Desde as primeira eleições de evangélicos, pouco
organizadas e institucionalizadas, passando por uma crescente presença de históricos, chegando a um momento em que pentecostais começam a se organizar de forma mais significativa:
eis, resumidamente, o primeiro momento. Da Constituinte, com demandas mais organizadas e
presença mais forte de evangélicos eleitos, passando pelo sucesso de uma nova forma de obter
sucesso eleitoral por parte das igrejas e alcançando um estágio em que diversas denominações
apresentam candidatos oficiais e trabalham para sua eleição: em síntese, este é o segundo período.
Freston dedicou-se de forma especial à participação evangélica na política partidária
brasileira após 1987, embora tenha reconstruído uma parte relevante da participação anterior a
esse evento. Essa era, afinal, a única forma de estabelecer as comparações entre os dois períodos e qualificar o segundo como amplamente distinto das décadas que lhe antecedem. Uma
das formas de entender essa modificação talvez seja compreender que o protestantismo também se modificou no Brasil desde sua fundação, na década de 1860. Nesta época, o protestantismo brasileiro era portador de um comportamento um tanto quanto ambíguo em relação ao
mundo da política. Campos sugere que isso se deve ao fato de que “a pregação da nova mensagem se fez à custa de se criar um comportamento ascético orientado para um misticismo
diferenciado do que até então existia em função da hegemonia cultural do catolicismo, que
imperava desde o século XVI” (2005, p. 29). O mesmo autor traz ao debate os conceitos de
Louis Dumont (1983, p. 33) do individu-hors-du-monde e do individu-dans-le-monde, e defende que o protestantismo brasileiro gerou, na segunda metade do século XIX, indivíduosfora-do-mundo, para, apenas décadas depois, “dar origem ao que o Calvinismo fez surgir na
Europa e nas colônias inglesas da América do Norte, o indivíduo-no-mundo” (Campos,
2005:31). Esse rompimento inicialmente mais intenso teve reflexos na forma como os primeiros evangélicos se envolveram na política. Durante o período que antecedia e acompanhava a
Constituinte de 1934, por exemplo, os exemplos de organização e debate no meio evangélico
se dava, sobretudo, para diminuir as chances de um retorno do catolicismo ao papel de religião oficial do Estado brasileiro.
Quando investigamos o histórico do protestantismo brasileiro, a ideia de um deputado
evangélico é crescentemente polêmica a medida que se caminha, retrospectivamente, para o
fim do século XIX. Entretanto, é possível, desde muito cedo, encontrar referência ao desejo
de uma representação evangélica no Congresso Nacional. João do Rio (2011), no curioso “As
religiões no Rio”, uma compilação de textos publicados em 1904 em um jornal carioca, relata
o momento em que Manuel Gonçalves dos Santos reflete sobre a relação do “evangelismo
cristão” com a política: “A única religião compatível com a nossa República é exatamente o
evangelismo cristão. Submete-se às leis, prega o casamento civil, obedece ao código e é, pela
sua pureza, um esteio moral. […] Os evangelistas serão muito brevemente uma força nacional, com chefes intelectuais, dispondo de uma grande massa.” Manuel Gonçalves, um dos
primeiros ministros evangélicos do Brasil, completou dizendo: “Havemos de ter muito breve
na representação nacional um deputado evangelista.”.
Como se vê, certa demanda - bastante localizada e longe de consensual - para participação evangélica na política partidária não é nova. Entretanto, é bastante distinta a forma como essa demanda se processa hoje e também são diferentes muitos dos elementos envolvidos
nessa participação eleitoral. Campos (2005) propõe dois tipos ideais a partir do comportamento majoritário dos políticos de filiação evangélica durante esses dois períodos históricos propostos na literatura: de um lado estão os políticos evangélicos; de outro, os políticos de Cristo. Os primeiros foram mais comuns durante o período inicial de implantação e consolidação
do protestantismo no Brasil, e, embora utilizassem da denominação evangélica em períodos
eleitorais, possuíam, de maneira geral, um vínculo menos intenso com a instituição. A maioria
era eleita a partir da transformação de capital econômico em político, visto que “não havia
ainda, no final dos primeiros 40 anos de Protestantismo no Brasil, estratégias corporativistas,
que, fundamentadas em condições objetivas, pudessem levar os evangélicos a transformarem
o capital religioso em capital político” (Campos, 2005, p. 37). Já os políticos de Cristo seriam
majoritários no segundo período histórico e pertencentes, de forma mais intensa, a denominações pentecostais. Sua “performance, atuação e discurso de legitimação passaram a se valer
de uma ‘escolha divina’ intermediada pela Igreja” (Campos, 2005, p. 36). O político de Cristo
é justamente aquele descrito por Silas Malafaia no vídeo: é um representante escolhido pela
denominação, que trabalha para sua eleição e em troca o utiliza como seu instrumento e seu
defensor na arena política.
Ao apontar uma possível agenda de pesquisas sobre o assunto e tecer relações baseadas na literatura, compreende-se ser fundamental fazê-lo de forma menos genérica. Já que
nossa intenção é investigar se o pertencimento religioso evangélico pode ser considerado uma
variável explicativa de formas alternativas de entendimentos da representação política, a imensa diversidade interna dos evangélicos contra-indica qualquer pretensão de concluir a
partir de generalizações. Grandes nomes muitas vezes escondem abismais diferenças internas.
Sob o guarda-chuva evangélicos, ou sob o grande grupo dos pentecostais e dos históricos, há
denominações com talvez tanto a separá-las quanto há a aproximá-las. Generalização que
consideramos inevitável, e certa generalização faz parte da própria ciência, é aquela que faremos ao tratar as quatro denominações como grupos, internamente, relativamente homogêneos. Antes, no entanto, uma pergunta que frequentemente se faz, merece atenção: qual o motivo da inexistência de um partido evangélico no cenário político brasileiro?
3.2 - DEPUTADOS EVANGÉLICOS E PARTIDOS POLÍTICOS
Em 2008, entretanto, o PNE teve seu pedido de registro indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Brasil continuou sem um partido nominalmente evangélico. A justificativa do Pastor João Rocha para a fundação do Partido Nacional Evangélico (PNE)24 era
modificar “esse modelo demoníaco de política” (Paraná Online, 2011) - embora não tenha
dito exatamente a que se referia. O partido não tornou-se realidade, mas apesar disso, candidatos evangélicos têm alcançado excelentes resultados nas eleições brasileiras, e não há qualquer indício de que haveriam migrado para o PNE caso ele fosse hoje uma realidade. O mais
provável é que houvessem permanecido onde estavam, visto que a inexistência de um partido
evangélico parece decorrer mais de uma escolha das lideranças políticas por uma estratégia de
participação política do que de qualquer outro motivo.
Atualmente há evangélicos eleitos por mais de uma dezena de partidos brasileiros, sejam grandes, médios ou pequenos. Mesmo assim, é possível notar uma clara concentração de
deputados federais evangélicos no Partido Republicano Brasileiro (PRB), no Partido da República (PR) e no Partido Social Cristão (PSC). A utilização dos partidos, no entanto, parece
secundária também para o candidato evangélico, e se repete o fenômeno da personalização
das campanhas descrito no Capítulo 1. Como para grande parte dos candidatos evangélicos a
religião é a principal variável mobilizada, é uma conclusão possível que o partido transfira
um pouco de sua remanescente relevância no processo para as denominações às quais se filiam os candidatos. Não estudaremos aqui a lógica partidária que subjaz a relação de deputados
evangélicos e suas legendas, mas ao dizermos que os partidos são secundários nas eleições de
candidatos evangélicos não sugerimos que são de todo irrelevantes. Essa relação deve ser estudada mais profundamente. Mesmo com importância reduzida, por exemplo, filiados a esses
partidos não se escusam de imprimir certa dose de suas convicções pessoais ao ideário das
legendas. Um dos casos é o PSC, que, de um lado, propõe uma filosofia em que o “cristianismo é professado sem neuroses e preconceitos […e o] Estado existe para servir o indivíduo, e não para oprimí-lo” (PSC, 2011, Palavra do…); de outro lado, repudia em nota pública
a decisão do STF acerca da união civil de pessoas do mesmo sexo, e diz ser uma “posição
contrária aos anseios da maioria”, uma “aberração” “que ofende os princípios constitucionais”
e “os valores da sociedade brasileira” (PSC, 2011, Nota oficial…).
Como já fora indicado nos capítulos anteriores, há diversos indícios de que a agenda
política dos evangélicos é construída com base em um conjunto de valores que devem ser
24
http://www.tse.gov.br/hotSites/CatalogoPublicacoes/pdf/tesauro/Tesauro_web_v2.pdf
defendidos. Não é por menos que Campos (2005, p. 47-48) consiga identificar diversos depoimentos bastante contundentes acerca da importância de eleger-se evangélicos: “Somente os
eleitos de Deus devem ocupar os postos-chave da nação”, defendeu um líder da Assembleia
de Deus; “Não basta ter um Presidente evangélico”, argumentou o Bispo Carlos Rodrigues
quando ainda era articulador político da Universal, “os evangélicos deveriam ocupar todos os
escalões do governo”. A única forma de “melhorar o país” seria colocando o Estado sob o
comando de um “homem de Deus”. São valores acerca de família, sexualidade, comportamento individual, presença da religião, etc, os que são especialmente relevantes para os deputados evangélicos. Não são a presença do estado na economia, as posturas repressivas do
estado ou o auto-posicionamento na escala direita-esquerda as variáveis que vertebram a
identidade dos políticos de Cristo.
Apesar de tantas evidências a sugerirem que essas três últimas variáveis não mobilizam o discurso das igrejas, nem dos eleitores, nem dos candidatos evangélicos, elas foram as
únicas estudadas por Borges (2007) para concluir que não há uma identidade partidária entre
os políticos evangélicos dispersos entre os partidos brasileiros. Ora, o primeiro problema reside em testar-se três variáveis que o próprio autor reconhece (BORGES, 2007, p. 73) não fazerem parte do que a literatura aponta como elo identitário dos políticos evangélicos e, a partir
disso, concluir que não há nada que os diferencie de outros deputados não evangélicos na
prática legislativa. O segundo problema está ligado à própria hipótese que o autor sintetiza
nos seguintes termos: “um partido político evangélico não foi formado devido à ausência de
uma identidade, tanto entre os representantes evangélicos, quanto entre os eleitores que declaram pertencer a alguma igreja” (BORGES, 2007, p. 75). Basta, entretanto, olhar para o panorama partidário brasileiro e surge uma dúvida pertinente: desde quando uma identidade compartilhada é exigência para a formação de partidos brasileiros? A hipótese do autor exige que
uma premissa anterior seja verdadeira, qual seja: a de que os partidos sejam formados apenas
por conta de identidades compartilhadas.
3.3 - EVANGÉLICOS E POLÍTICA PARTIDÁRIA
Observar a forma como evangélicos entram na política no Brasil é uma forma de perceber, rapidamente, algumas das características apontadas ao longo da dissertação. Conforme
relatado, a entrada de evangélicos na política partidária não é recente, datando da década de
30. Entretanto, o que Freston (1993) chama de “irrupção pentecostal na política” é sim um
fenômeno novo: possui a mesma idade de nossa atual fase democrática. Além de sua intensi-
dade, há de especial nessa incursão evangélica a existência dos candidatos oficiais e do uso da
estrutura das igrejas pentecostais para aumentar as chances de eleger representantes.
Trata-se de candidatos oficiais, obviamente, escolhidos entre iguais - ainda que iguais
selecionados entre os irmãos de fé no topo das hierarquias eclesiais. Não há uma escolha de
quais candidatos as igrejas pentecostais (como possíveis exemplos estão os procedimentos da
Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus) irão apoiar, de um todo previamente dado; ao contrário, as igrejas selecionam seus nomes, lançam-nos na corrida e os apoiam utilizando variados meios ao alcance25. Normativamente, essa escolha entre iguais é recomendada pela literatura para grupos em desvantagem; e, mais, para grupos em desvantagem
que preenchem requisitos quanto ao que são e a que contexto político e histórico se relacionam.
Independente de como se argumente acerca da história dos evangélicos (históricos e
pentecostais) no Brasil, dos esforços para sua institucionalização e de como são tratados pela
grande imprensa e pela elite brasileira, é possível afirmar que não há, atualmente, espaço para
defender a representação descritiva afirmativa (MANSBRIDGE, 1999) entre evangélicos. Um
grupo com 26% de presença na população total (pelo Censo de 2000), com 12% das cadeiras
na Câmara dos Deputados, com jornais de circulação nacional - e internacional - e tiragem na
casa de milhões, com redes de TV e repetidoras, com grandes empresas de comunicação certamente não pode ser considerado uma voz silenciada, um dos critérios para a utilização da
representação descritiva proposta por Mansbridge (1999). O histórico das eleições brasileiras
e de como os evangélicos pautaram, em 2010, um amplo debate de questões caras à sua moral
são outros indícios de que os evangélicos não se qualificariam para uma pergunta adaptada do
título de Mansbridge: devem evangélicos representar evangélicos? Pelo argumento esposado
pela autora, a resposta seria negativa.
A representação de evangélicos no Brasil tem caminhado, desde 1987, para um perfil
oficialmente descritivo: para uma parcela significativa do movimento protestante brasileiro
apenas outros evangélicos podem ser legítimos representantes de um eleitor evangélico. Um
dos problemas dessa situação fora apontado por Mansbridge (1999, p. 638), e responde pelo
nome de essencialismo: um descritivista radical diria que é impossível para um homem representar uma mulher. Se há uma essência de natureza inescapável, da qual deriva a capacidade
de representar seu igual, a simili uma mulher não seria capaz de representar um homem. O
25
Para entender um pouco mais sobre como a política apareceu nos meios de comunicação de duas das principais denominações pentecostais na disputa eleitoral de 2010, consultar Lima e Werneck (2011).
mesmo extremo descritivista deveria encarar outra consequência: desse corolário acima infere-se que um homem representa todos os homens, a despeito de crença, raça, etnia ou qualquer outra identidade que se queira nomear. Transferindo essa problematização para os evangélicos, quando eles discursivamente - e na prática da política institucional - ativam a ideia de
que apenas evangélicos podem representar evangélicos, forjam por consequência a impossibilidade de que eles representem os não evangélicos. Ao mesmo tempo, generaliza-se a chave
identitária evangélico/protestante em um procedimento temerário, dada a intensa diversidade
interna que esse termo abriga.
A proposta da dissertação é que olhar para a conceituação de representação política e
para representantes evangélicos é uma atividade intrigante - e importante. Primeiro, por conta
desse forte componente descritivo presente na relação representante-representado quando se
fala de evangélicos. Segundo, por conta da interessante característica dos candidatos oficiais,
que são maioria - pelo menos quando se foca nos eleitos. Se, ao olhar-se para uma casa legislativa, uma característica é escolhida ao acaso (como ser canhoto), é pouco razoável daí se
inferir que os possuidores desse mesmo atributo são representantes daqueles com os quais a
característica é compartilhada. Entretanto, quando candidatos são oficial e previamente escolhidos por conta de tal característica e são eleitos utilizando continuamente o discurso próprio
daquela marca distintiva, o terreno para o debate torna-se menos movediço. É improvável que
esses candidatos oficiais fossem eleitos na mesma medida se concorressem à margem do hoje
influente movimento protestante.
Depois de eleitos, os representantes permanecem ativamente ligados às suas comunidades, e normalmente só conseguem reeleição quando mantido o apoio oficial de suas denominações. A relação entre os representantes evangélicos e suas bases, as formas como se posicionam no eterno debate mandato-independência, bem como importantes questionamentos
acerca de autorização e accountability ainda precisam ser estudados de maneira mais compreensiva.
Já em relação à representação descritiva, pode-se sugerir outro importante desdobramento: longe de qualquer essencialismo, sugere-se agora uma especificidade acerca da representação descritiva para evangélicos. Se a representação é descritiva, ela descreve uma característica ou experiência ou filiação que age como amálgama, como o que chamaremos de eixo
identitário. Apesar de religião, nacionalidade, etnia, etc compartilharem no texto o nome “eixo identitário”, sugerimos que potencialmente levam a consequências distintas no processo de
representação política. Quando o eixo identitário é, portanto, o pertencimento religioso, ativase uma miríade de consequências - sem juízo de valor acerca delas - para a própria atividade
representativa. O argumento: a representação descritiva caracteriza-se pela representação de
uma determinada condição, de uma identidade em certo momento prevalente em um grupo de
pessoas; essa característica, utilizada para mobilizar a representação descritiva, pode ou não
incluir em si uma forma específica de ver o mundo a sua volta, uma cosmologia forte e compartilhada; quando inclui, o próprio eixo identitário a forjar a representação descritiva tem por
efeito modular a própria atividade representativa.
É certo que o pertencimento religioso não pressupõe homogeneidade nem dentro das
próprias igrejas e que a existência de uma moral compartilhada não deságua na concretude
dos atos cotidianos; entretanto, a própria existência de uma moral compartilhada pressupõe
em grande medida uma expectativa em relação ao comportamento alheio. Independente de
quanto dessa forma de ver o mundo seja realizada na prática cotidiana dos fieis, a expectativa
em relação aos representantes é claramente compartilhada a partir dessa forma de ver o mundo. Charles Taylor, em uma discussão sobre os modernos imaginários sociais, comenta: “Nós
podemos falar de uma ordem moral aqui e não apenas em um ideal gratuito, porque ela é imaginada como um processo de realização completa, embora o tempo ainda não tenha chegado” (TAYLOR, 2007, p. 166*). Permanece, analogamente a uma Utopia em suas definições
modernas, como “um padrão pelo qual se guiar” (TAYLOR, 2007, p. 166*).
São muitas as possíveis relações que poderíamos traçar entre características compartilhadas por conta do pertencimento religioso e as possíveis consequências na forma de conceber o papel do representante político, mas nos restringiremos, inicialmente, a duas. Imaginemos um eleitor evangélico, embora genérico, respaldado pela descrição das igrejas (FRESTON, 1993 e 1996; MAFRA, 2001; GIUMBELLI, 2000) e pela fala de pastores e lideranças
das igrejas na arena pública (MALAFAIA, 2010).
1.
Por conta da representação descritiva envolver iguais, meu representante é,
antes de tudo, um evangélico. Um cristão. A expectativa coletiva em relação a
ele é semelhante àquela depositada sobre qualquer outro fiel.
2.
Ele é o candidato indicado pela minha igreja, portanto, tem o aval dos pastores. Ele foi eleito para ser o porta-voz do que acreditamos, baseado na fé que
compartilhamos.
Essas expectativas poderiam concorrer entre si: o representante é um igual (espelho)
ou é um melhor (filtro)? Ele é em alguma medida um igual numa dimensão horizontal, visto
que está na mesma área de pertencimento religioso enquanto ao mesmo tempo está verticalmente em uma posição diferenciada em relação à minha? Como essas duas possibilidades
funcionam para as diversas denominações é outro desafio.
Justamente por conta da imensa diversidade do que conceituamos evangélicos, é improdutivo ir muito além de forma genérica. Entretanto, alguns questionamentos são possíveis
e a dimensão especulativa deles é proposital. Não há respostas, ainda, mas o ato de perguntar
facilita a criação de uma agenda, é um passo necessário para as conclusões e facilita a compreensão da suspeita que essa pesquisa levanta quanto à representação descritiva de evangélicos. Cada uma das diversas configurações do que é ser evangélico guarda potencial para modificar a relação representante-representado e para transformar a concepção do papel da representação. Portanto, a pergunta é como esses pontos modificam essa relação e como eles
transformam a concepção? De quais formas, afinal, o eixo identitário a ativar a representação
descritiva - pertencimento religioso - dialoga com conceito da representação política?
São essas perguntas que a pesquisa procura responder a seguir, abordando, uma a uma,
as quatro denominações evangélicas com maior número de fiéis. A escolha de tratar das igrejas separadamente se deve às profundas diferenças internas do protestantismo brasileiro, cuja
diversidade foi descrita ao fim do capítulo anterior.
3.3.1 - Assembleia de Deus (AD)
A denominação evangélica com maior número de fieis também é aquela que atualmente conquista o maior número de cadeiras na Câmara dos Deputados. Esse sucesso eleitoral, entretanto, não é resultado exclusivo do significativo número de fieis, e não se pode perder de vista a mobilização institucional empreendida a cada pleito por parte das lideranças
assembleianas. A participação em eleições por parte da AD, a partir da década de 80, foi a
principal responsável pela nacionalização da irrupção evangélica no mundo da política e, consequentemente, uma das responsáveis pelo incremento substancial de cadeiras conquistadas.
Mais exatamente em 1985, a Convenção Geral das Assembleias de Deus decidiu lançar um
candidato de cada estado ao posto de deputado federal. Após realização de eleições internas,
18 candidatos foram apresentados26.
O papel da Assembleia de Deus no Congresso Nacional é especialmente relevante,
tanto pelo número de eleitos a cada eleição, quanto pela importância do apoio institucional no
sucesso das campanhas. O discurso oficial mobilizado para explicar o porquê de a AD ter
mudado de postura, após permanecer seus primeiros 75 anos se abstendo da política, não poderia ser menos surpreendente: defender interesses da Assembleia de Deus, manter valores
26
Freston (1993, p. 210)
familiares conservadores, impedir legalização das drogas, a ampliação das possibilidades de
aborto e o casamento gay (FRESTON, 2001, p. 22 e 23). Essa politização, defende Freston,
buscava “reforçar a liderança, proteger as fronteiras da reprodução sectária, granjear recursos
para a expansão religiosa e disputar espaços na religião civil” (FRESTON, 2001, p. 23*). Mas
afinal, que relações podem ser traçadas entre a representação política e as crenças compartilhadas por fiéis e Igreja?
Observemos primeiramente como se estrutura a hierarquia assembleiana, o que pode
fornecer importantes elementos para a forma como são selecionados os candidatos oficiais da
Igreja. A organização da AD se dá como “uma complexa teia de redes compostas de igrejasmães e igrejas e congregações dependentes. (...) O pastor-presidente da rede é, efetivamente,
um bispo, com talvez mais de cem igrejas e uma enorme concentração de poder” (FRESTON,
1996, p. 86). Na página seguinte Freston completa, comentando que a cultura é de que aqueles que rompem com a igreja-mãe estão se rebelando e não prosperarão. Rebelar-se é grave e
tornar-se um persona non grata provavelmente guarda efeitos complicados para aqueles com
pretensões eleitorais. Como esse conjunto de amarras - ausentes no desenho institucional mas
presentes no ethos assembleiano - transforma a relação do representante eleito com a cúpula
da Igreja e até que ponto isso torna o representante mais propenso a seguir em um mandato
delegado? Há, na ciência política, o índice de desobediência/obediência partidária. Até que
medida o índice que importa para representantes eleitos como oficiais pela Assembleia (e,
talvez, por outras igrejas) é um índice de obediência suprapartidário, que reside na percepção
da cúpula da igreja e/ou dos fieis?
Outro importante ponto, e que se conecta de forma direta às discussões de accountability, é como os representantes são vistos pelos representados. Se o fiel compreender que é
Deus - ou o Espírito Santo - Aquele que conduz a atuação de seu representante, como fica a
possibilidade de cobrar uma postura diferenciada ou um voto alternativo? Mesmo em questões não relacionadas a tradicionais demandas evangélicas, como um aumento salarial ou uma
nova legislação sobre o número de dias letivos no ano, como um fiel cobra retrospectivamente
um político de Cristo? A Assembleia de Deus possui um sistema de governo considerado restrito à poucas lideranças, normalmente regionais e que não respondem a um poder central
(FRESTON, 1996, p. 86). O pastor é aquele que chegou ao topo da escada, mas não se separa
clero e laicato por qualquer formação especializada. Exige-se “bastante respeito ao pastor,
pois é o ‘ungido do senhor’.” (FRESTON, 1996, p. 87). Por conta disso, pergunta-se: quando
pastores são eleitos representantes, eles permanecem nesse papel social de “ungidos do senhor”? Há, portanto, uma dupla caracterização dos representantes com a qual os eleitores pre-
cisam interagir: além de serem avalizados pela sua Igreja, os representantes são pastores ungidos pelo senhor aos quais deve-se respeito.
Ao mesmo tempo, entretanto, o clero da Assembleia de Deus não se diferencia dos fieis por uma formação especializada. “O pastor é apenas aquele que chegou ao topo da escada”, conforme a metáfora de Freston (1996, p. 73). Será que essa renúncia de uma formação
especializada ecoa na forma como os candidatos oficiais assembleianos são escolhidos? Será
que, quando comparado a outras denominações, o grupo de políticos de filiação assembleiana
será menos propenso a especialização? A Assembleia é profundamente marcada pela manifestação do Espírito Santo, sendo inclusive este o ponto que ocasionou a cisma da Igreja Batista. Nesse sentido, com que intensidade o Espírito Santo é utilizado como argumento de
autoridade na relação representantes-representados é outra questão interessante.
3.3.2 - Congregação Cristã do Brasil (CC)
Apesar de ter surgido apenas um ano antes da Assembleia de Deus, a Congregação
Cristão do Brasil (CC) se diferencia daquela de muitas formas no que diz respeito à política. E
diferencia-se também da Universal e da Batista, descritas nessa dissertação, e de outras denominações não cobertas. Isso se dá, pois a CC, que em 2000 reunia 2 milhões e meio de fieis
de acordo com o Censo (IBGE), é a “igreja que chega mais próxima do ideal apolítico. O ocupante de cargos na igreja é proibido de aceitar posições política, e o simples membro é aconselhado a não fazê-lo” (FRESTON, 1996, p. 104). A CC não admite partidos, não convida
políticos para suas reuniões, não recomenda candidatos. A única recomendação é votar, visto
que assim determina a lei, e em um candidato ou partido que não negue Deus ou sua moral. O
voto é - como viagens, negócios, casamentos -, uma decisão cuja ajuda deve vir diretamente
de Deus, por meio de revelação. A CC é, entre as igrejas protestantes, a mais afastada da política. Pode ser posicionada no extremo de um gradiente que caminhe de uma intensa participação na política e ou de uma extrema recusa. Os motivos dessa recusa estão bem marcados em
seu ethos (FRESTON, 1996, p. 108-109) e dificilmente se modificarão, a não ser que ocorra
um sem número de revelações provenientes dos principais anciãos. Tudo conspira para a manutenção desse apartamento da política.
Mas esse afastamento da política, em vez de diminuir a importância da CC para nossa
pesquisa, o que poderia ser uma das interpretações, a aumenta. Fieis dessa denominação devem votar, ao mesmo tempo em que recebem pouca ou nenhuma diretriz interna (no máximo
devem evitar candidatos que não acreditem em Deus ou que são favoráveis ao aborto, por
exemplo); eles devem votar, mesmo crendo em um conjunto de pontos que minam a impor-
tância do voto e da própria eleição e que posicionam a política como o reino a ser evitado.
Como veem seus representantes? Que relação estabelecem com os políticos no cotidiano legislativo? Como não recebem indicação de candidatos, nominalmente, como em outras igrejas
pentecostais cujos exemplos encontram-se presentes nas três ondas de implantação, em que
critérios se baseiam para decisão do voto?
São muitas as perguntas, que podem, inclusive, estar superestimando a relevância dessas variáveis subjetivas. Mas apesar de especulativas, apontam um questionamento importante: se essas variáveis são fortes a ponto de modificarem o comportamento cotidiano de milhões de fieis em relação a não se politizarem, é plausível questionar como isso transforma a
relação representante-representado. E da mesma forma que as características sociológicas e
antropológicas da CC por um lado favorecem seu posicionamento em um extremo do gradiente participação-apartamento e por outro modificam a própria concepção do voto, como essas
características socio-antropológicas interagem nas demais denominações a transformar o voto,
a possibilidade de participação e o papel próprio da representação?
3.3.3 - Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)
Um dos nomes mais fortes da breve história da relação entre Igreja Universal e política é Carlos Rodrigues. Antes conhecido por Bispo Rodrigues, foi afastado da Igreja e do papel de articulador de toda a estratégia política da Iurd. Considera a política culpada por tudo
de ruim que lhe ocorreu, incluindo seu divórcio, seu afastamento da igreja e seu desgosto da
vida: “Perdi a pureza de coração. […] A política mostra a crueza do que é o ser humano. Não
há honradez, palavra, honestidade. Perdi minha vida, o que tinha de mais importante: minha
santidade, a vida pura, limpa. Perdi a alegria” (FOLHA, 2011). Essa visão da política, no entanto, não é compartilhada pela Igreja Universal, que, assim como a Assembleia de Deus,
possui candidatos oficiais e articula-se para elegê-los.
E não é pouco o sucesso da Universal nesse quesito. Proporcionalmente, estudos
(FRESTON, 2001) sugerem que o voto corporativo na Iurd é mais eficiente do que o de qualquer outra igreja protestante. É também na Universal que política mais se entrelaça com a
comunicação de massa, principalmente desde 1989, quando a Igreja comprou a Rede Record.
A descrição mais comum da atividade de um representante evangélico é a de “pastor e apresentador” (seja na TV, em programação local ou nacional, seja em rádios espalhadas pelo
país) (FRESTON, 2001:53). Justamente por conta dessa relação com a mídia, a ideia de que a
Universal elegeria qualquer candidato, até aqueles sem vínculos com o eleitorado enfraquece
um pouco:
membros podem nem sempre estar votando em ‘postes’, mas em alguém com quem
estão familiarizados e reconhecem como ativo no ‘trabalho de Deus’. Na maioria
dos casos isso ocorreria através de uma iniciativa consciente da Igreja (por exemplo,
colocando um candidato futuro por alguns anos em sua programação [de televisão
ou rádio] ou como diretor estadual de seus trabalhos sociais); mas esse próprio fato é
um reconhecimento de que o voto corporativo não é automático, e deve ser maximizado em diversas formas (FRESTON, 2001, p. 54*).
Leonildo Silveira Campos sugere que a Igreja Universal, percebendo o cansaço generalizado dos eleitores em relação aos “políticos profissionais”, tem “explorado bem essa necessidade [de mais ética], e, de maneira prática, trabalha numa perspectiva de marketing religioso-político essa demanda” (CAMPOS, 2005, p. 52). Como disse o Bispo Célio Lopes, os
nomes escolhidos para serem candidatos devem ter “Jesus Cristo no coração”; quando assim
se procede, a política não é um problema. Campos (2005, p. 50 e 51) cita dois trechos de Edir
Macedo, principal nome dentro da hierarquia iurdiana, e J. Cabral, outro responsável pela
teologia da Igreja, que assim explicaram o envolvimento com a política: “A política é exercida por cidadãos, e estes compõem a Igreja. Não dá pra separar.” No segundo trecho:
Não existe neutralidade política. Todos os cidadãos estão diretamente envolvidos,
quer queiram, quer não (…). Por que a Igreja deveria se alienar do processo político,
quando está em jogo o poder que vai governar o seu destino?… [Os cristãos] têm
sua parcela de responsabilidade na construção de um País mais humano” (CAMPOS, 2005, p. 51).
Não há o sectarismo da Congregação Cristã; estamos no extremo oposto quando se
observa o pentecostalismo brasileiro. De um lado, o afastamento intencional e inexorável da
política; de outro, uma teologia que considera impossível viver sem ser individu-dans-lemonde. Outra característica da Igreja Universal que reflete em sua participação política é sua
estrutura organizacional, que é eclesial carismática, centralizada e não participativa. Por isso,
candidatos da Igreja não são escolhidos por meio debates ou através de consulta aos fieis: “a
escolha dos candidatos é prerrogativa única e exclusiva dos dirigentes regionais e nacionais
da Igreja, segundo os seus próprios cálculos e interesses” (ORO, 2005, p. 124). Assim, percebe-se que a estrutura fortemente hierarquizada da Universal tem reflexos diretos na forma
como ela escolhe, organiza e promove seus candidatos. Ainda outra característica forte na
teologia iurdiana, a presença de satanás, contra quem deveria-se lutar constantemente, decanta
na rotina eleitoral da Igreja. Oro (2005, p. 129) identifica dois trechos do jornal Folha Universal que ilustram esse posicionamento: “O diabo está alojado dentro do Congresso Nacional,
criando leis injustas e erradas” e “Não votem nos políticos que estão a serviço de satanás”.
Sugerimos, com base em nossa análise da relação da Universal com a política, um
conjunto específico de características que poderiam ser atribuídas a uma parte significativa
dos representantes iurdianos: milenarista - seu papel de representante é colocar o mundo “nos
eixos” e não permitir a vitória do diabo; midiático - e, portanto, midiatizado: em contraposição àquele candidato que vai de porta em porta, seu perfil midiático o distancia fisicamente do
representado; apocalíptico - se os políticos de Cristo não agirem sem demora e de forma eficaz, o diabo pode sair vencedor; ao mesmo tempo, portador de uma racionalidade moderna
que o leva a submeter-se a cálculos de computador e às regras eleitorais para garantir uma
melhor votação. O extremo, novamente, seria a Congregação Cristã, para quem os candidatos
vencedores já estão decididos de antemão por Deus, e não se pode alterar esse quadro. Outra
denominação que se diferencia, mas ao mesmo tempo participa da política, é a Igreja Batista.
3.3.4 - Igreja Batista
A Igreja Batista, a única das igrejas históricas aqui relacionada, possui a interessante
característica de diferenciar-se de pontos importantes de todas as denominações descritas acima: a Congregação Cristã é apolítica, a Igreja Batista não é; os assembleianos acreditam na
manifestação do Espírito Santo e em sua inspiração direta, os batistas não; na Igreja Universal
a organização é hierarquizada e os líderes têm a decisão final, na Batista há assembleias nas
quais o corpo da igreja toma decisões relevantes e há muitas consultas aos fieis.
Em relação à não-manifestação do Espírito Santo, que se contrapõe à Assembleia de
Deus, é possível perguntar: visto que a AD surgiu de uma cisma batista, e o Espírito Santo é o
principal motivo do rompimento, será que os deputados batistas e deputados assembleianos
utilizam-se de discursos diferenciados no púlpito da Câmara para defender suas posições? Na
relação de accountability é possível perceber uma utilização diferenciada em relação a ambas,
por conta desse importante rompimento teológico?
Cada novo membro batista é um novo evangelista e a Igreja não exige uma formação
específica de seus missionários. Isso evidencia, de um lado, a relevância do convite proselitista, do qual fiel algum deve se furtar; de outro, demonstra que uma das demandas mais importantes não exige formação especializada para ser executada. Fazendo um paralelo com outra
função social, a de representante, será também plausível que se repita o fenômeno e seja desnecessária uma formação especializada para ao candidato batista preferencial?
Em um trecho citado na terceira parte do capítulo dois, a Igreja Batista é descrita por
Mafra (2001, p. 64) como possuidora de uma estrutura institucional participativa. O voto é
valorizado e utilizado em diversas instâncias decisórias; várias dessas instâncias são coletivas,
como as assembleias, onde o voto do trabalhador braçal, do deputado, do desembargador,
todos contam com o mesmo peso. Quando se contrasta essa dinâmica que preza a autonomia
local e posturas mais democráticas com aquela da Universal, onde o superior tem a palavra
final - em último nível, o Bispo Edir Macedo - e o âmbito local tem pouca força decisória,
fica a dúvida se a diferença é espelhada ou não na representação política. É o deputado batista
mais afeito à consultar as bases em vez de ir à cúpula da Igreja?
E quanto ao eleitor batista, treinado desde os 7 anos (MAFRA, 2001, p. 64) para decidir impasses por meio de debates e de votações, estabeleceria com os representantes evangélicos uma relação distinta daquela estabelecida pelos fieis de outras denominações? Há muitas
possibilidades de investigação da representação política de batistas, fato este maximizado pela
menor quantidade de estudos que trabalhem diretamente com as relações dessa denominação
e a política partidária.
Conclusão
A eleição de evangélicos para o Congresso Nacional tem sido cada vez mais frequente
e bem sucedida. Principalmente após a última Constituinte, com a entrada pentecostal na política eleitoral, inaugurou-se um fenômeno inédito de apoio institucional de candidatos escolhidos pelas Igrejas. Assembleia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo,
estão entre as denominações pentecostais que atuam dessa forma específica na política brasileira.
O sucesso eleitoral evangélico tem sido bastante comentado pelos estudiosos, mas não
foram encontrados estudos que questionassem de que forma ser evangélico e votar em evangélico modifica aspectos da representação política. Essa é a pergunta que a dissertação busca
responder e é esse um dos focos do capítulo. A demanda evangélica na política é uma demanda essencialmente pela defesa de valores morais considerados relevantes para a sociedade
como um todo, e que não são considerados pelas lideranças ou pela maior parte dos fiéis como questão de moral privada.
De acordo com a postura dos candidatos oficiais, com o discurso de lideranças evangélicas e com a literatura existente, foi possível listar as principais preocupações para a atuação protestante na política: impedir a ampliação das possibilidades de aborto, o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, a adoção por casal homossexual, a legalização das drogas e a
deterioração de valores familiares.
A pesquisa sustentou também que a inexistência de um partido político evangélico no
Brasil não deve ser atribuído à ausência de identidade interna, e por não haverem evidências
suficientes sobre o tema, sugerimos que a filiação de candidatos evangélicos oficiais em vários partidos de certa forma tem importância estratégica em termos de cálculo eleitoral. Mes-
mo sem um partido único, PSC, PRB e PR agregam parte significativa dos deputados federais
evangélicos.
O capítulo tratou também, individualmente, de quatro denominações: (a) A Assembleia de Deus, que apresenta candidatos oficiais desde 1985, e tem uma estrutura de poder
regional e concentrado em pastores-presidentes também regionais; (b) A Congregação Cristã,
única apolítica entre as relacionadas; (c) A Igreja Universal, gerida de forma hierárquica e
centralizada na figura do Bispo Edir Macedo, possui a maior estrutura midiática e é aquela
fundada mais recentemente entre as quatro trabalhadas; (d) A Igreja Batista, única histórica
entre as quatro, possui uma ênfase em decisões locais e democráticas, normalmente por meio
de votos, ao mesmo tempo em que convive com uma restrição em termos de moral mais forte
do que a Igreja Universal, por exemplo.
Segue agora a conclusão, última parte da dissertação. Nesse segmento, serão retomados e aprofundados esses e outros pontos da relação desenhada ao longo dos três capítulos.
CONCLUSÃO
No ambiente já descrito, no qual partidos viram sua relevância no processo eleitoral
diminuída, candidatos tornaram-se o centro das campanhas - suas qualidades pessoais, inclusive, passaram a nortear estratégias de conquista do voto - e a política é encarada com profundo desencatamento, eleitores têm baixos incentivos para buscarem informações a partir das
quais decidiriam seus votos. Popkin (1994) sustenta que os custos envolvidos no processo de
acúmulo de informação são demasiado altos frente ao benefício que advém do ato de votar este último que seria, de acordo com a teoria econômica do voto, uma não-utilidade que também apresenta custo27. O que fazer então nesse contexto de altos custos para granjear informações e parco benefício para tal empreendimento? Como resposta, o eleitor tenderia a procurar atalhos que os permitiriam cortar grande parte dos custos envolvidos no processo de
decisão do voto. Embora hoje com menos força, a identificação partidária é um desses atalhos.
Seria a filiação religiosa também um atalho? É essa a sugestão de Lisa Sanchez
(2009), que defendeu que a religião é uma das características utilizadas como uma forma de
posicionar o candidato frente aos eleitores. Em seu artigo, ela oferece um modelo teórico em
que a religião é, portanto, um atalho informativo para o voto: “se a filiação religiosa de um
27
Informações sobre as teorias de decisão do voto em Figueiredo (2008).
candidato combina com aquela do eleitor, este tem mais probabilidade de votar em ‘um dos
seus’ quando todas as outras variáveis estão controladas” (SANCHEZ, L. 2009, p. 1*). A
hipótese é testada com a análise de um survey28 a partir da técnica de regressão logística. A
autora conclui - analisando apenas os Estados Unidos e no contexto da eleição de 2004 - que a
religião do candidato é sim “um atalho para o voto com implicações poderosas para a representação no Congresso. (…) Esses achados dão suporte à ideia de que eleitores talvez escolham propositalmente candidatos que espelhem suas filiações religiosas e que eles talvez esperem em retorno uma representação descritiva e substantiva” (SANCHEZ, L. 2009, p. 22*).
Uma das consequências levantadas por Sanchez para esse panorama é bem similar a um fragmento já citado: “eleitores podem esperar substantivos resultados em policies que envolvam
questões morais como aborto, direitos de gays, pena de morte, fundos para contracepção e
educação” (2009, p. 22*).
As relações possíveis entre os temas da representação política - e mais especificamente da representação descritiva - e da religião são variadas. O que esse trabalho sugere é que a
representação descritiva, numa análise empírica do panorama político brasileiro, tem sido
utilizada de forma continuada para além da experiência afirmativa analisada e estudada por
grande parte dos autores, e normativamente indicada por uma parcela deles. Entre os evangélicos brasileiros, a representação descritiva não é contingente; de alguma forma, tornou-se
uma prática cotidiana na política partidária nacional.
Não foi possível localizar qualquer estudo que dedicasse mais de poucas linhas a relacionar representação descritiva e evangélicos no Brasil. Justamente por ter sido um tema comumente relacionado à grupos minoritários ou em desvantagem, a literatura consultada diz
respeito justamente a conclusões e sugestões que partem da análise desses grupos. Em um
estudo de Claudine Gay (2002) publicado no American Journal of Political Science, por exemplo, o foco está na representação descritiva de negros. Uma das perguntas que o autor
tenta responder é parecida com a que nos perguntamos nesse trabalho: “A possibilidade de
um eleitor em identificar-se racialmente com seu representante no Congresso afeta suas percepções do legislador ou do Congresso como uma instituição?” (GAY, 2002, p. 717*). De
nossa parte, perguntaremos: o eleitor evangélico que escolhe seu representante com base na
identidade religiosa compartilhada percebe de formas distintas esse representante quando elei28
O survey utilizado a partir da base de dados do ANES (American National Election Studies) de 2004. No
Brasil publica-se a cada eleição desde 2002 o ESEB (Estudo do Eleitor Brasileiro). Assim como o ANES, a
pesquisa do ESEB é realizada após o período eleitoral.
to? Há percepções distintas que derivam do que é específico desse tipo de pertencimento religioso que discutiremos?
A resposta, tendo em vista o contexto estadunidense, é de que brancos são mais propensos a procurarem representantes com os quais se reconheçam racialmente do que os negros. Embora os identificados como negros também tenham mais probabilidade de procurem
seus iguais, há entre negros um foco em policies mais forte do que entre os eleitores brancos
(GAY, 2002).
Em um dos poucos estudos envolvendo diretamente os temas da representação e da religião, os autores corroboram a percepção esboçada acima acerca da parca produção na área:
“Apesar da crescente saliência do tema da religião na política norte-americana, a representação política substantiva de cunho religioso recebeu atenção empírica insuficiente e quase nenhum tratamento empírico mais profundo por parte da literatura” (Smith, et al, 2008:69*).
Um dos principais loci de produção acadêmica, desde os anos 80, envolvendo religião e política nos Estados Unidos tem sido a “emergência, a transformação e a relevância política do
Religious Right. O Religious Right é um movimento político desenhado para dar voz a preocupações políticas de - e em essência para alcançar a representação substantiva para - cristãos
conservadores, principalmente protestantes” (SMITH et al, 2008, p. 69*).
E quais são essas preocupações vinculadas à representação política de religiosos para
religiosos nos Estados Unidos? Quais são as policies requisitadas a essa especializada forma
de representação? As demandas coincidem bastante com aquelas apontadas no Brasil como
relevantes temas para alguns grupos evangélicos, como a Assembleia de Deus. A Religious
Right americana tem suas metas resumidas em “estrutura familiar e normas sexuais, principalmente aborto e direitos civis de gays” (SMITH et al, 2008, p. 70*). Vê-se facilmente as
semelhanças com as demandas esposadas publicamente pelos meios de comunicação oficiais
da Assembleia de Deus: fé, aborto, união civil homossexual, adoção de crianças, legalização
das drogas, degeneração da família (LIMA e WERNECK, 2010, p. 13). É clara a aproximação dos movimentos e das demandas.
Prosseguindo a análise sobre a representação política e a religião no Senado dos Estados Unidos os autores sugerem algumas hipóteses a serem testadas. Utilizando-se de seis anos
de votações (2001-2006) e relacionando-as com a agenda do mais importante grupo de interesse do movimento Religious Right (Direita Religiosa), o Family Research Council. Após
realizarem os procedimentos estatísticos e testarem as quatro hipóteses traçadas, o artigo conclui que tanto a filiação partidária quanto a religiosa afetam a votação dos senadores nas questões já citadas. “De maneira geral, nossos resultados demonstram que a representação subs-
tantiva é produto das características dos senadores e daquelas de seus eleitores. Especificamente, nós descobrimos que a afiliação religiosa dos senadores e dos eleitores são poderosos
determinantes do suporte aos interesses da direita religiosa no Congresso” (SMITH et al,
2008, p. 78*).
Assim como o estudo de Claudine Gay (2002) apontou para a maior propensão de que
brancos e negros procurem representantes com os quais se identifiquem racialmente, será
também que evangélicos procuram mais frequentemente outros evangélicos eleitos do que
não-evangélicos? Suspeitamos que sim - e alguns indícios corroboram. Há, por exemplo, uma
cobrança pública a ocorrer nos meios de comunicação oficiais de algumas denominações.
Seguida da indicação formal de voto em alguns nomes específicos, há cobrança a esses nomes
por um comportamento também específico.
Há, portanto, indícios na literatura, mesmo que não na brasileira, que justificam nossas
dúvidas e incentivam-nos a sugerir a necessidade posterior de um estudo empírico. A maioria
das respostas não podem ser dadas, infelizmente, sem essa análise posterior, fruto de uma
abordagem quantitativa.
São muitas as possibilidades que o estudo dos temas religião e política guarda para o
pesquisador. O fato de ser uma combinação menos estudada que os clássicos (partidos, comportamento eleitoral, escolha do voto, etc) temas da política traz vantagens e desvantagens,
mas não há dúvida que com elas há grandes oportunidades. O tema da representação, embora
clássico na política, possui muitas perguntas sem respostas quando se analisa sua relação com
evangélicos.
***
Um uso tão agressivo da abordagem descritiva da representação por um grupo não minoritário nem em desvantagem, como parece ocorrer com uma parcela significativa do movimento protestante, tem, certamente, consequências. Sugerimos que algumas delas são negativas, percepção que não decorre de ser um grupo religioso. (1) Esse grupo, por sua significativa coesão identitária para grandes questões da moral privada, tende a transformar sua atuação
em uma defesa irrestrita dessas mesmas questões. O possível problema é que a existência de
uma agenda sólida e pré-estabelecida e sem margem de manobra, elimina o importante caráter
deliberativo do governo representativo. (2) A existência desse grupo fortalece uma necessidade estratégica de que cada grupo que se sentir não (ou sub) representado encontre uma forma
de fazer-se presente de forma eleitoral - e provavelmente há um estímulo secundário de fazê-
lo à maneira descritiva. Um mecanismo que seria, portanto, útil como correção de distorções
históricas e empoderamento de minorias torna-se uma ferramenta na mão de importantes e
estruturados grupos. (3) Essa irrupção evangélica na política partidária coloca um demasiado
peso na arena eleitoral, ignorando outros possíveis locais de participação. Assim, contribui-se
para desincentivar participações não eleitorais. (4) Um peso muito grande na representação
descritiva de um só grupo (evangélicos) suprime outras vozes dentro do próprio grande grupo
de evangélicos. Por mais que haja certa coesão dentro do grupo, toda representação suprime
outras vozes internas, não apenas externas. Um representante evangélico pode, como consequência secundária não intencional, representar evangélicos de classe média, ou evangélicos
homens, ou evangélicos negros, às custas da supressão de vozes de evangélicos pobres, mulheres e brancos respectivamente (YOUNG, 1986, p. 350-351 apud DOVI, 2011). (5) A existência desse forte grupo evangélico eleito descritivamente torna a posição das minorias complexa, visto que não há como eleger uma quantidade de representantes suficiente para contrapor-se às práticas majoritárias dos grandes grupos - na função agregativa da democracia
(MANSBRIDGE, 1999, p. 634), bem como diminui-se a já pequena margem de manobra não
eleitoral para tais minorias. (6) Em um fenômeno tão forte como o relatado, o uso da representação descritiva torna o motivo próprio da representação um fator sobrevalorizado na dinâmica da democracia em seu aspecto deliberativo. Quando ser evangélico torna-se um motivo para a representação descritiva de 12% do Congresso, é plausível acreditar que essa representação modifica o caráter próprio da democracia representativa. Quando apenas um grupo é
integrado de uma forma tão forte e tão orgânica, é possível que esses 12% tenham um duplo
poder, relativamente forte: o de barganha e o de coesão em votações que lhe são caras. (7) Há
uma maior capacidade de produzir uma agenda legislativa também, por conta do relatado anteriormente.
Não há juízo de valor quanto a essa investida evangélica na política partidária, mas o
artigo defende haver um desequilíbrio sugerido pelas consequências listadas acima. Uma boa
aposta é fortalecer a participação popular por instâncias não eleitorais, inspirando-se nas diversas teorias que têm apontado uma maior superfície de contato entre os cidadãos e a prática
representativa.
Tendo tudo isso em vista a democracia pragmática defende que a representação política não deve encontrar limites nos mecanismos eleitorais, tampouco na aplicação
estrita da regra da maioria. Em outras palavras, a democracia pragmática vindica
abertura para experimentar modos de aferição de accountability da representação
diferentes da eleição, critérios de avaliação da democracia diferentes da regra da
maioria, e mecanismos de legitimação que transcendam a ambos ao deslocar-se pa-
ra um plano ex post (baseados nas consequências da decisão) e não ex ante (fundado nas escolhas do decisor) (POGREBINSCHI, 2005, p. 683).
Assim, uma intensificação das formas não eleitorais de representação, bem como as
novas experimentações que multiplicam os mecanismos de aferição do que é o bem comum,
diminuem a força da representação eleitoral e abrem novas arenas de participação e de expressão das vozes de grupos minoritários e em desvantagem. Esse empreendimento não apenas daria voz a mais grupos, mas potencialmente diminuiria o poder dos grandes na decisão
das políticas públicas. Um accountability mais forte também diminuiria uma parte das consequências acima expostas sem diminuir o caráter deliberativo da democracia - em verdade,
poderia incentivá-lo.
São muitas as perguntas e poucas as respostas. Há, portanto, uma realidade (a participação evangélica pela representação descritiva), um sintoma (a importância demasiada da arena
de participação eleitoral), algumas consequências (citadas acima), diversas perguntas e um
desafio: “tornar as experiências participativas e deliberativas constitutivas das instituições
representativas”. (POGREBINSCHI, 2005, p. 688).
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. (2011). O Reino e a Glória (1a ed.:327). São Paulo: Boitempo Editorial.
ALDÉ, Alessandra. (2004). A construção da política: democracia, cidadania e meios de
comunicação de massa. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.
AVRITZER, Leonardo. (2007). Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados, 50(3), 443-464. doi:10.1590/S001152582007000300001
BEAUCHAMP, Alph. de et al. (1811). Biographie moderne: Lives of remarkable characters,
who have distinguished themselves from the commencement of the French revolution,
to the present time. From the French. (Vol. 2:391). Londres: Longman, Hurst, Rees,
Orme, and Brown.
Betto (Frei). (1981). O que é comunidade eclesial de base (p. 115). Editora Brasiliense.
BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., & PASQUINO, G. (1998). Dicionário de Política (11st
ed.). Brasilia: Editora UnB.
BURITY, J. A. (2001). Religião e Política na Fronteira : desinstitucionalização e deslocamento numa relação historicamente polêmica. Revista de Estudos da Religião, (4), 2745.
CANNELL, Fenella. (2010). The Anthropology of Secularism. Annual Review of Anthropology, 39(1), 85-100. doi:10.1146/annurev.anthro.012809.105039
CARNEIRO JUNIOR, R. A. (2000). Religião e política: a Liga Eleitoral Católica e a participação da Igreja nas eleições 1932-1954. Opinião Pública. UFPR.
CASANOVA, J. (1994). Public religions in the modern world (p. 320). University of Chicago Press.
____________. What Is a Public Religion?. In: HECLO, H., & MCCLAY, W. M. (2003).
Religion returns to the public square: faith and policy in America (p. 382). Woodrow Wilson Center Press. Capítulo 4. P. 111-139.
CASTIGLIONE, Dario., WARREN, Mark. (2006). Rethinking Democratic Representation : Eight Theoretical Issues. Political Science.
____________. (2004). The Transformation of Democratic Representation. Democracy &
Society, 2(1).
DAHL, R., SHAPIRO, I., & CHEIBUB, J. A. (Eds.). (2003). The Democracy Sourcebook
(p. 569). Cambridge: MIT Press.
DELLA CAVA, R. (1975). Igreja e Estado no Brasil do século XX: sete monografias recentes sobre o catolicismo brasileiro, 1916/1964. Estudos CEBRAP, (12), 5-52.
DIAP. (2010). Nova bancada evangélica. Retirado de http://diap.org.br/index.php/eleicoes2010/bancada-evangelica-cresce-no-congresso.
DOMINGUES, José M. (2002). Reflexividade, individualismo e modernidade. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 17(49), 55-70. Retirado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092002000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
DUMONT, Louis. (1983). Essais sur l’individualisme: une perspective anthropologique sur
l'idéologie moderne (p. 267). Éditions du Seuil. Retirado de
http://books.google.com/books?ei=pkLHTp_SCurl0QHw7JXtDw&ct=result&sqi=2&i
d=Pk63AAAAIAAJ&pgis=1
DOVI, Suzanne. (2002). Preferable Descriptive Representatives: Will Just Any Woman,
Black, or Latino Do? American Political Science Review, 96(04), 729-743.
doi:10.1017/S0003055402000412
____________. (2011) Political Representation. The Stanford Encyclopedia of Philosophy
(Fall 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), forthcoming URL =
<http://plato.stanford.edu/archives/fall2011/entries/political-representation/>.
EULAU, H., WAHLKE, J. C., BUCHANAN, W., & FERGUSON, L. C. (1959). The Role of
the Representative: Some Empirical Observations on the Theory of Edmund Burke.
The American Political Science Review, 53(3), 742-756.
FIGUEIREDO, Marcus. (1998) A Decisão do Voto: Democracia e Racionalidade. (p. 240)
Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ.
FOLHA. (2011). Afastado da política, ex-bispo Rodrigues retoma atividades na rádio da
Universal. Acessado em: 01/11/2011. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u497996.shtml>.
FRESTON, Paul. (1993) Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment.
Unicamp: tese de doutorado. 303p.
____________. (1996). Breve história do pentecostalismo brasileiro. Nem Anjos Nem Demônios (pp. 67-159). Petrópolis: Vozes.
____________. (2001). Evangelicals and Politics in Asia, Africa and Latin America (p.
360). Cambridge University Press.
G1 (2010). Senado da argentina aprova o casamento gay. Acessado em: 01/11/2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/07/senado-da-argentina-aprovao-casamento-gay.html>.
GAY, Claudine. (2002). Spirals of Trust? The Effect of Descriptive Representation on the
Relationship between Citizens and Their Government. American Journal of Political
Science, 46(4), 717. doi:10.2307/3088429
GIUMBELLI, E. (2000). A vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo brasileiro. Religião & Sociedade, 1(21), 87-119.
____________. (2008). A Presença do Religioso no Espaço Público: modalidades no Brasil.
Religião & Sociedade, 28(2), 80-101.
GRIFFITHS, P., & WOLLHEIM, R. (1960). How Can One Person Represent Another?
Proceedings of the Aristotelian Society, 34, 187-224.
HEWITT, W. E. (1990). Religion and the Consolidation of Democracy in Brazil: The Role
of the Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Sociology of Religion, 51(2), 139.
doi:10.2307/3710811
IBGE. (2000). População de religião Evangélica (Percentual). Retirado de
http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/exibedados.php?idnivel=BR&idserie=POP1
13.
KINZO, Maria D´Alva Gil. (2004) Burke: A Continuidade Contra a Ruptura. In: WEFFORT,
Francisco C. (org.) Os Clássicos da Política. São Paulo, Editora Ática, vol. 2.
LAVALLE, Adrian Gurza., HOUTZAGER, Peter. P., & CASTELLO, Graziela. (2006). Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. Lua Nova, (67), 49-103.
LEAL, Paulo Roberto Figueira. (2002). A nova ambiência eleitoral e seus impactos na comunicação política. Lumina, 5(2), 67-77.
LIMA, Diana. (2010). Alguns Fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. Mana, 2(16),
351-373.
____________. & WERNECK, Vinícius. (2011). A Notícia Política na Mídia Evangélica.
IX Reunião Antropológica do Mercosul. Curitiba: UFPR.
LIMONGI, Fernando Papaterra. (2004) O Federalista: remédios republicanos para males
republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (org.) Os Clássicos da Política. São Paulo,
Editora Ática, vol. 1.
MADISON, James, HAMILTON, Alexander, & JAY, John. (2008). The Federalist Papers.
(L. Goldman, Ed.) History (p. 470). Oxford University Press.
MAFRA, C. (2001). Os Evangélicos (1st ed.:92). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
MALAFAIA. (2010). Silas Malafaia declara apoio a Serra. Retirado de
http://youtu.be/29mbrCYecDE.
MANIN, Bernard. (1997). The Principles of Representative Government. (J. Goody, J.
Dunn, & G. Hawthor, Eds.) (p. 243). Cambridge: Cambridge University Press.
MANSBRIDGE, Jane. (1999). Should Blacks Represent Blacks and Women Represent
Women? A Contingent “Yes.” The Journal of Politics, 61(03), 628-657.
doi:10.2307/2647821
NEUHAUS, R. J. (1986). The naked public square: religion and democracy in America
(2nd ed.:280). Wm. B. Eerdmans Publishing.
NICOLAU, Jairo. (2008). Sistemas Eleitorais (5a ed.:112). Rio de Janeiro: FGV.
____________. (2010). In: Parties and Democracy in Brazil, 1985-2006: Moving towards
Cartelization. In K. Lawson (Ed.), Political Parties and Democracy. Praeger. Capítulo
5. P. 101-126.
ORO, Ari P., & URETA, M. (2007). Religião e política na américa latina: uma análise da
legislação dos países. Horizontes Antropológicos, 13(27), 281-310.
PARANÁ ONLINE. (2011) Novo partido evangélico defende mudança. Acessado em:
01/11/2011. Disponível em: <http://www.paranaonline.com.br/editoria/politica/news/278401/?noticia=NOVO+PARTIDO+EVANGELICO
+DEFENDE+MUDANCA>.
PITKIN, Hanna F. (2006). Representação: palavras, instituições e ideias. Lua Nova, (67), 1547.
____________. (1967). The Concept of Representation (p. 323). Berkeley: University of
California Press.
PLOTKE, David. (1997). Representation is Democracy. Constellations, 4(1), 19-34.
doi:10.1111/1467-8675.00033
POGREBINSCHI, Thamy. (2005). Democracia Pragmática: Pressupostos de uma Teoria
Normativa Empiricamente Orientada. Dados, 53, 657-693.
POPKIN, S. L. (1994). The Reasoning Voter: Communication and Persuasion in Presidential
Campaigns (p. 332). University Of Chicago Press. Retirado de
http://www.amazon.com/Reasoning-Voter-Communication-PersuasionPresidential/dp/0226675459
PSC (2011). Nota oficial sobre decisão do STF. Acessado em: 01/11/2011. Disponível em:
<http://www.psc.org.br/noticias/todas-noticias/494-nota-oficial>.
____________ (2011). Palavra do presidente. Acessado em: 01/11/2011. Disponível em:
<http://www.psc.org.br/partido-psc-/palavra-do-presidente>.
RIO, João do. (n.d.). As Religiões no Rio (PDF). Domínio Público. Retirado de:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000185.pdf>. Acesso em:
15/11/2011.
SÁNCHEZ, J. H. (1994). Tendências religiosas: uma reflexão sobre suas causas e consequências. In: CNBB. (Org.). A Igreja Católica diante do Pluralismo Religioso no Brasil.
1a. ed. São Paulo: Paulus. v2. p. 203-224.
SANCHEZ, L. M. (2009). Religious Affiliation as a Descriptive Voting Cue. University of
New Mexico.
SARTORI, G. (1982). Partidos e sistemas partidários (p. 419). Rio de Janeiro: Zahar Editores.
SCARROW, Susan E. The nineteenth-century origins of modern political parties: The unwanted emergence of party-based politics. In: KATZ, R. S., & CROTTY, W. (2006).
Party Politics (p. 550). Londres: Sage Publications Ltd. Cap. 2. P. 16-24.
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. (1789a). Déclaration des droits de l homme en société (1st
ed.:14). Versailles: Baudouin/Assembée Nationale.
____________. (1789b). Vues sur les moyens d exécution dont les représentants de la
France pourront ... (p. 168).
____________. (2003). Political Writings. (M. Sonenscher, Ed.) (p. 190). Indianapolis:
Hackett.
____________. (1822). Qu est-ce que le tiers état? - Précédé de l'essai sur les priviléges (p.
224). A. Correard.
SMITH, L. E., OLSON, L. R., & FINE, J. a. (2008). Substantive Religious Representation
in the U.S. Senate: Voting Alignment with the Family Research Council. Political Research Quarterly, 63(1), 68-82. doi:10.1177/1065912908325080
SOUZA, B. M. (1969) A experiência da Salvação: Pentecostais em São Paulo. 1. ed. São
Paulo: Duas Cidades. p. 181.
TAYLOR, Charles. (2007). A Secular Age (p. 896). Belknap Press of Harvard University
Press.
THOMASSEN, J. (1994). Empirical Research into Political Representation: Failing Democracy or Failing Models?. In M. K. Jennings & T. E. Mann (Eds.), Elections at
Home and Abroad (pp. 237-264). University of Michigan Press.
____________ & SCHMITT, Hernann. (1997). Policy representation. European Journal of
Political Research, (32), 165-184.
URBINATI, Nadia. (2008). Representative democracy: principles & genealogy (p. 344).
University Of Chicago Press.
WARREN, M. (2008). Citizen Representatives. In M. Warren & H. Pearse (Eds.), Designing Deliberative Democracy: The British Columbia Citizens’ Assembly (pp. 50-69).
Cambridge University Press.
WEBER, Max. (2004). A ética protestante e o “espirito” do capitalismo. (p. 335). São Paulo: Companhia das Letras.