histórias à brasileira

Transcrição

histórias à brasileira
H ISTÓRIAS
À B RASILEIRA
O PAVÃO MISTERIOSO
E OUTRAS
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Recontadas por
Ana Maria Machado
Ilustradas por
Odilon Moraes
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O PA V Ã O M I S T E R I O S O
NÃO SEI SE FAZ MUITO TEMPO , mas foi bem longe daqui. Quer dizer, esta
história até começou aqui perto, numa fazendona enorme deste sertão. Mas
a maior parte dela aconteceu mesmo em outros reinos, lá pros lados do
Oriente, nas terras dos sultões e dos califas.
Dizem que havia aqui por perto um fazendeiro viúvo, muito rico e
muito poderoso, que tinha dois filhos chamados João. Nem ia dar para contar a história e distinguir um do outro se o mais velho não se chamasse
João Batista e o mais moço, João Evangelista. Mas o que importa é que o
pai, o tal ricaço, era dono de engenho de cana e também comerciante. Tinha uma fortuna enorme. Só que não era desses ricos que se acham melhores do que os outros. E educara os filhos muito bem, na amizade e na dedicação ao trabalho.
Quando ele morreu, os filhos receberam uma herança imensa — fazendas, engenhos, usinas, fábricas, um dinheirão. Fizeram sociedade em tudo,
porque eram bastante unidos, e trataram de se esforçar, de sol a sol, para
manter e aumentar aquela fortuna. E assim foram vivendo, até que João Batista um dia teve uma idéia:
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H
I S T Ó R I A S
À
B R A S I L E I R A
— Meu irmão, ando com vontade de viajar, conhecer o mundo, saber
como são as coisas em outras terras. Assim eu aproveito um pouco dessa dinheirama que a gente tem e ainda aprendo um bocado sobre os outros. Você
não quer vir comigo? A gente bem que podia ir passar um ano fora.
— Deus me livre! — respondeu João Evangelista. — Eu não quero sair
da nossa terra por nada deste mundo. Aqui eu já conheço tudo, sei como é,
não preciso de mais nada. Mas, já que você quer, pode ir viajar à vontade, que
eu fico aqui, tomando conta dos negócios.
— Não quer ir mesmo?
— Não. Só quero que você me traga de presente a coisa mais bonita
que encontrar no estrangeiro. Mesmo que custe um dinheirão.
João Batista prometeu. Entrou num navio e lá se foi, de viagem. Foi à
China e ao Japão, foi à Índia e ao Ceilão. Viajou pelas Turquias e pelas Arábias,
pelo Irã e pelo Iraque, e por um monte de países com nomes que acabam em
-istão: Paquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, sei lá quantos mais. Viu coisas
lindas, mas nunca conseguia descobrir qual era o presente mais bonito que
podia levar para João Evangelista.
Finalmente, ao chegar a um reino desses do Oriente, reparou que as
ruas e mercados estavam um alvoroço só, como se todos estivessem se preparando para uma festa. João Batista achou que talvez ali encontrasse algum
presente para o irmão. Afinal, já estava quase na hora de voltar para casa e
ainda não tinha resolvido o que iria levar para ele. Cerâmicas maravilhosas?
Jóias deslumbrantes? Tapetes macios? Sedas finíssimas bordadas de ouro?
Enquanto percorria as tendas e lojas, foi entendendo que no dia seguinte seria feriado. E acabou encontrando alguém que lhe explicou a razão. Morava naquela cidade um sultão ou conde muito orgulhoso e valente, que tinha
uma filha lindíssima chamada Creusa.
— É a moça mais bonita que existe hoje no mundo inteiro! — repetiam todos.
— A mais linda, sem igual… — concordavam, sem discussão.
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P A V Ã O
M I S T E R I O S O
Como o sultão tinha muito ciúme da filha, mantinha a moça trancada
o ano todo. Sem que ninguém a pudesse ver.
E, aos poucos, os mercadores reunidos iam contando os detalhes a João
Batista:
— A pobrezinha fica o tempo todo fechada num quarto, no sobrado
imenso onde eles moram.
— Um verdadeiro palácio.
— Ela não sai nunca, nem para tomar ar e passear.
— Nem mesmo foi à escola. Nem teve professor particular. Só o pai é
que deu aulas à coitada.
— Ninguém pode falar com ela, nem os criados.
— E, se algum dia o conde descobrir que alguém lhe dirigiu a palavra,
manda matar o atrevido.
Somente uma vez por ano, no dia do aniversário da condessa, o pai permitia
que ela abrisse as janelas do quarto e aparecesse na varanda durante uma hora.
— Vem gente de longe para ver.
— Por isso é que amanhã é feriado. É o dia. Fica todo mundo na praça,
adorando a moça por uma hora.
João Batista achou que valia a pena ficar para conhecer aquela maravilha.
E não se arrependeu. Ela era mesmo uma beleza. Embaixo, uma multidão aproveitava para olhar. E todos os fotógrafos do reino, com suas câmeras e lentes mais
poderosas, tratavam de procurar os melhores ângulos para fotografar a princesa.
No dia seguinte, pensando bem, João Batista achou que aquela moça
tinha sido a coisa mais linda que ele vira em toda a viagem. E, como não podia levar a própria donzela de presente para o irmão, resolveu que levaria um
retrato da jovem — fosse ela sultana, condessa ou princesa, coisa que não dava para entender direito. Procurou um retratista, pagou um dinheirão pela
foto e deu por encerrada a viagem. Agora podia voltar.
Quando chegou em casa, foi uma festa. João Evangelista ficou na maior
alegria, mandou fazer um banquete e chamar todo mundo para festejar.
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