Painéis _ Sarah Quintão Machado da Silva Pereira

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Painéis _ Sarah Quintão Machado da Silva Pereira
KIBUTZ: UMA EXPERIÊNCIA DE ECONOMIA COMUNISTA OU
COOPERATIVA NO ÂMBITO DE ECONOMIA DE MERCADO?
Sarah Quintão Machado da Silva Pereira 1
RESUMO: Esta pesquisa, ainda em andamento, tem por objetivo geral a comparação
entre a evolução dos kibutzim no tempo, antes e depois da formação do Estado de
Israel. O objetivo específico desta pesquisa é fazer uma comparação entre o processo
social de estruturação dos kibutzim e a proposta de organização social da teoria
política do materialismo histórico. O estudo se dará em três momentos, a saber: antes
da formação do Estado de Israel, no período da Segunda Guerra Mundial e, por
último, após a declaração de independência do Estado israelense. Assim, procura-se
descobrir qual a natureza do conflito de classes, presente na formação deste Estado,
que culminou na dissipação da idealização original dos kibutzniks. A partir da
conclusão encontrada, buscar-se-á fazer a comparação entre os kibutzim.
PALAVRAS-CHAVE: kibutz, Israel, materialismo histórico.
INTRODUÇÃO
Em 1909, impulsionado pelo movimento sionista, o primeiro kibutz foi fundado
em Israel. Por volta dos anos 1910-1920, outros kibutzim, de caráter religioso, foram
sendo formados e assim, avançando no tempo, demais kibutzim, com características
diversas, foram se estabelecendo. O objeto desta pesquisa são os kibutzim, modelo
sui generis de propriedade coletiva de organização social e voluntária, de caráter
igualitário e comunitário. Na verdade, tem por objetivo geral a comparação entre a
evolução dos kibutzim no tempo, antes e depois da formação do Estado de Israel. O
objetivo específico desta pesquisa é fazer uma comparação entre o processo social de
estruturação dos kibutzim e a proposta de organização social da teoria política do
materialismo histórico. Pretende-se estudar o movimento “kibutziano” em três
momentos, a saber: antes da formação do Estado de Israel, no período da Segunda
Guerra Mundial (sendo este uma transição entre os dois momentos) e, por último,
após a declaração de independência do Estado israelense. Considerar-se-á como
hipóteses, primeiramente, que os kibutzim começaram com a proposta de formação
fragmentada e paulatina do Estado de Israel, através do movimento sionista, para,
depois, declará-lo independente, o que proporcionaria a geração do Estado por
caminho diverso do historicamente ocorrido. Para isso, procura-se descobrir qual a
1
Sarah Quintão Machado da Silva Pereira: Graduanda em Economia pela Universidade
Federal de Alfenas (UNIFAL). E-mail: [email protected]
natureza do conflito de classes presente no momento da aceitação da delimitação
geográfica feita pela ONU e, consequente a isso, a declaração de independência do
Estado de Israel, em 14 de maio de 1948. Isso culminou na dissipação da idealização
original dos “kibutzianos”. A partir da conclusão encontrada, buscar-se-á fazer a
comparação entre os kibutzim e descobrir se tal formação comunitária pode ser
entendida como uma prática de economia comunista, tal como vislumbrada na história
do pensamento político pelo materialismo histórico. Outra questão a ser verificada é se
a economia dos kibutzim, principalmente após a formação do Estado de Israel, pode
ser, alternativamente, caracterizada como uma cooperativa inserida numa economia
de mercado. Pretende-se ainda, averiguar os momentos de aumento populacional nos
kibutzim, assim como a multiplicação dos próprios kibutzim. Tomando por premissa
que tais fenômenos de fato ocorreram, mais especificamente a partir da Segunda
Guerra Mundial, com a tragédia do holocausto, examinar-se-á a continuidade de seu
movimento após a declaração do Estado de Israel. Em decorrência disso, investigarse-á se, durante o período da guerra, os kibutzim se tornaram um “refúgio” para a
comunidade judaica, reforçando o ideal do tão almejado Estado e contribuindo para a
posterior “declaração”. Pretende-se mostrar, assim, um paralelo entre a evolução da
formação populacional e a dinâmica econômica dos kibutzim durante os três
momentos da pesquisa, procurando as variáveis que possam descrever as
modificações ocorridas nos kibutzim após o surgimento de Israel. Para tal pesquisa,
mobilizaremos recursos tais como entrevistas, documentos históricos, fontes
secundárias, bibliografia sobre a história de Israel, fundamentação histórica do
funcionamento dos kibutzim e fundamentação teórica do materialismo histórico.
1. SINTESE HISTÓRICA
Em 70 d.C, após a destruição de Jerusalém, ocorreu a segunda diáspora
judaica. Com a ruína do templo e o severo domínio romano, os judeus perseguidos se
espalham pelo mundo. Desde então, alguns judeus, apesar do longo tempo passado,
de geração em geração, sonhavam com o retorno à Eretz Israel. Em 1897, após um
debate público na cidade de Viena, o termo sionismo ganhou forma. A partir de então,
passou a designar um movimento político de regresso à Eretz Israel. Em 1909,
inaugurando o século XX, o primeiro kibutz, denominado “Degania Alef”, foi fundado e
manifestamente impregnado de uma carga ideológica de cunho comunista-sionista e
avolumado com os preceitos da religião judaica. A partir de então, vários kibutzim
foram se formando, criando uma oscilação dos seus elementos constitutivos.
Tais kibutzim foram adquirindo novas características e reformando ou
rompendo com algumas antigas.
Em meio a esta crescente movimentação dos kibutzim, após o fim da SegundaGuerra Mundial, em 19 de novembro de 1947, a assembleia geral da ONU, presidida
pelo brasileiro Oswaldo Aranha, aprova o estabelecimento de um Estado para o povo
judeu, na região do Oriente Médio, que estava sob o domínio britânico e, em 14 de
maio de 1948, após a retirada do exército britânico, o nascente povo israelense
proclama aos quatro ventos a Declaração de Independência do Estado de Israel.
2. DO SIONISMO AO ESTADO DE ISRAEL
Em meados de 1848-1870, os Estados se constituíam nações. Sobre esse
período, Hobsbawn observava que “o primeiro estágio desse ‘renascimento nacional’
era invariavelmente o de encontrar, recuperar e sentir orgulho dessa herança de
folclore. Mas isso não era propriamente político”. (HOBSBAWN, 2009, p. 142). Nesse
período a Europa já apresentava uma discrepância que segmentava a comunidade
judaica, a saber: os judeus que foram assimilados e os que ainda preservavam o
desejo de retorno a Eretz Israel e a esperança da era messiânica. Esses judeus que
eram assimilados se tornavam cidadãos dos países em que viviam, mas, também, se
colocavam em processo de dissolução da identidade.
O sionismo ganha forma como movimento após a redação, em 1896, de um
livro entitulado “Der Judenstaat” – O Estado Judeu, de autoria do grande nome
sionista, Theodor Herzl. O movimento sionista, enquanto enroupado de nacionalismo,
trazia consigo uma causa e um sentimento único que gerava um vínculo entre os
judeus europeus, pobres e ricos. Por outro lado, sua motivação era desuniforme. A
[motivação] de Herzl era clara. Vinha do penoso antissemitismo que estava crescendo
na Europa e que havia se tornado explícito e reacionário após o famoso “Caso
Dreyfus”. No citado caso, o capitão do exército francês e também judeu, Alfred
Dreyfus, foi iniquamente acusado de traição. Após um julgamento arbitrário e
fraudulento, o oficial francês foi expulso, vexado e, por fim, exilado na ilha do Diabo.
Isso tudo demonstrava a frustrada assimilação dos judeus na Europa. No entanto,
essa observação da falha assimilação judaica já era possível décadas pretéritas
quando, ao confrontar os meados dos anos 1848-1870, Hobsbawn afirmava que “...
os judeus nesse momento não eram nacionalistas, e seu fracasso em dar importância
a uma língua ‘nacional’, assim como o fracasso em possuir território nacional levou
muitos a duvidar se realmente deveriam se constituir como nação”. (HOBSBAWN,
2009, p. 158). Mostrava que os judeus não se vinculavam ao nacionalismo europeu,
tudo isso porque sempre estiveram ocupados de um comprometimento com o
[naquele momento um por vir] Estado de Israel, exibindo a passividade com que
acerva os judeus pela Europa, momento em que o nacionalismo pintava o quadro
Europeu na formação dos Estados-nações. Os judeus, nesse momento, não
assumiam uma nacionalidade clara. Por isso, não era nítido para eles, se deveriam
fazer parte de um Estado europeu, enquanto nação, na dada situação em que não
eram capazes de retribuir o sentimento nacionalista.
No entanto, havia outras motivações para o sionismo e sua causa começava
nos domínios do Império Russo. Havia uma problemática vivida pelos judeus russos,
em sua maioria pobres, e em processo de fuga da opressão czarista. Nessa época, o
Império Russo abrigava mais de cinco milhões de judeus, a metade da população
judaica mundial, concentrados, mais especificadamente na Polônia e Ucrânia. Tal
contradição, explicitada no capitalismo russo que, nesse passo, estava rompendo com
o antigo regime, era um infortúnio para os judeus europeus e emancipados. Tudo
ocorria, justamente, pelo fato de a crise russa estimular o antissemitismo que atingia
judeus de todas as camadas. Daí uma díspar motivação sionista, não tão fraterna
quanto a de Herzl, o sionismo como resposta à vicissitude capitalista vivida pelos
judeus russos e que atingiam outros judeus na Europa, os judeus emancipados.
Nessa época, os judeus da Europa Central e Ocidental, pouco numerosos,
ocupavam posições de prestígio tanto no âmbito econômico quanto no intelectual.
Esses eram os judeus assimilados e que se comportavam como verdadeiros patriotas
dos países em que residiam. No entanto, as comunidades judaicas da Europa Oriental
respiravam um ar de nacionalismo judaico, sendo mal assimilados, e conservando-se
cultural, religiosa e linguisticamente, onde muitos judeus comunicavam entre si em
ídiche, língua falada pelas comunidades judaicas europeias, mistura do alemão
medieval com o hebraico e escrito em Alef-Beit. No entanto, a chaga judaica era
cutucada pelas leis da exceção e os pogroms. Montava-se um contraste entre os
judeus do Oriente e Ocidente.
Antes mesmo de Herzl, já havia a ideia de se criar colônias em outras terras
para abrigar os judeus pobres e fugidos da Rússia, sem que isso agitasse o prestígio
da emancipação dos judeus da Europa Ocidental. Esse “excedente judaico”, como
pontua Leon Pinsk, precursor de Herzl, seria mandado para a Síria, Palestina e
Estados Unidos. Era uma brilhante solução que seria liderada pela elite judaica e não
só representava uma porta para a inevitável expansão capitalista, como também o
caminha para solver a problemática judaica.
Mas Herzl propunha não uma solução para a assimilação dos judeus na
Europa, mas a criação de um Estado. O programa sionista de Herzl buscava, por um
lado, uma solução política, contando com o apoio das grandes potências, que por sua
vez ficaram hostis a tais ideias. De outro prisma, ele também precisava de apoio
econômico, buscando o financiamento dos judeus ricos. Estes, a seu turno, já
gastavam bilhões com o exílio dos judeus em outros lugares, mas ainda assim viam no
“Estado judeu” de Herzl uma utopia.
Apesar das divergências motivacionais, era explícito que a Europa estava
orquestrando um som, um preconceito e sofrimento para com os judeus. O palco para
o sionismo estava montado, sua motivação já não importava, seja ela em sua face
bela, ou mesmo em sua face fera.
O Primeiro Congresso Sionista, realizado em 29 de agosto de 1897, em
Basileia na Suíça, e que contou com o comovente discurso de abertura do então
sionista, Theodor Herzl, trazia como grande debate o retorno dos judeus a Israel, se
identificando, em tal discurso da fala de Herzl, que aquele era o primeiro passo para o
lar nacional judeu. Após o congresso sionista, um grupo de rabinos de Viena foi para a
região, hoje atual Israel, numa missão exploratória, para uma apuração de fatos na
busca do caminho para se processar as definições sionistas estabelecidas no
congresso e sua pedra fundamental, o retorno dos judeus para a tão sonhada Eretz
Israel. A conclusão dos emissários foi metafórica e clara. Nela se desdobra uma
história que circunda o conflito árabe-israelense, a saber, “A noiva é bela, mas está
casada com outro homem”. (apud SHALAIM, 2004, p. 40).
Ainda sob as circunstâncias da Primeira Guerra Mundial, os sionistas vencem
uma grande guerra diplomática quando, em 2 de novembro de 1917, o Ministro das
Relações Exteriores da Inglaterra, Conde de Balfour, emite a Declaração de Balfour,
nela contendo a afirmação de que a edificação do lar nacional judeu na Palestina era
vista com bons olhos e, ainda demonstrando estratégia política, Sir Arthur James
Balfour, prossegue em sua declaração pautando que nada deve ser feito que
prejudique direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas.
Entretanto, antes mesmo da Declaração de Balfour, em 1909, o primeiro kibutz,
Degania Alef, já havia adquirido vida em Israel. Fundado ao norte próximo ao lago
Tiberíades, revestia-se da religiosidade judaica, mas, apesar disso, tinha o desejo de
esmagar o sistema de classes e cultivar a coletividade, mesmo ante aos desafios
climáticos e geográficos, tudo isso conquistado com alicerce sionista, independente da
motivação dos sionistas. Essa aquisição de terras engrenava com maior desejo a
Aliya, movimento de emigração dos judeus da diáspora. Vale informar: essa
movimentação é anterior ao sionismo e sempre foi contínua. O que muda é a
intensidade em diferentes momentos da história.
As ideias de criar colônias para abrigar os judeus já existia numa discussão
anterior, inclusive ao próprio Herzl. O movimento sionista só ajudou a definir o lugar e
a determinar uma estratégia apaziguadora. A Aliya dos sionistas e a criação e
proliferação dos kibutzim representava também benefícios econômicos para a região.
Essa foi a engenhosidade tática para abrandar a resistência árabe. O que funcionaria
de forma razoável por algumas décadas.
Nasce então o movimento kibutziano, uma ideia sionista de se comprar
propriedades e fundar comunidades coletivas nesse espaço e, por fim, criar um
Estado. O curioso é que, apesar dos momentos de organização social em acordo com
o materialismo histórico, os kibutzim trazem uma proposta de certa forma inversa.
Enquanto na proposta de organização social, feita por Marx e pelos marxistas, o fim da
antiga ordem e início da “história da humanidade” se dá com a extinção do conflito de
classes e definhamento do Estado, os kibutzim trazem consigo uma organização de
certos aspectos comunistas, mas com intuito não de extinguir e sim de fundar um
Estado.
A forma da fundação do Estado de Israel, por meio de kibutz, nasce de
premissas comunistas, mas seu conteúdo demostra uma nítida ideia dos escritores
jusnaturalistas, quando, em 14 de maio de 1948, os primeiros líderes judaicos
expressam na declaração de independência de Israel: “Esse direito é o direito natural
do povo judeu de serem mestres de seu próprio destino, como qualquer outra nação
em seu próprio Estado soberano”.2
2
Tradução própria. Documento retirado do site do Parlamento Israelense.
“This right is the natural right of the Jewish people to be masters of their own fate, like all other
nations, in their own sovereign State.”
Retomando a linha cronológica, após a Declaração de Balfour, e também após
a Primeira Guerra Mundial, em 1922, a Liga das Nações aprova o sistema de
mandatos, que não só garantia a posse administrativa do Reino Unido na região da
palestina, como também aceita a Declaração de Balfour para o estabelecimento do lar
judaico na região. O fato é que essa posição do Império Britânico de patrocinar o
projeto sionista não agradava em nada os árabes da região. Mas esse posicionamento
político, de não declarar a independência da Palestina, e de ainda ajudar os sionistas,
era só mais uma forma de o Reino Unido manter seu poderio na região.
Com a crise de 1929, o antissemitismo e o sentimento nacionalista na Europa
se intensificavam juntamente com a emigração judaica. Já em 1937, houve uma
proposta de divisão da palestina entre árabes e judeus, feita pelo Lord Peel e sua
comissão, proposta essa que foi rejeitada pelos dois lados. Entretanto, todo o
processo se incrementaria em 1939, por dois motivos muito abruptos: a edição do
“Livro Branco” que limitava a emigração para a Palestina e a divisão desta terra entre
árabes e judeus e, por fim, com muito mais força, o mais sórdido de todos, o início da
Segunda Guerra Mundial.
O terror do Holocausto acelerava a emigração ilegal judaica para a região da
Palestina. Em meio à realidade funesta, em termos teóricos, a “Solução Final” de Hitler
andava a passos mais largos e eficazes que a “Solução judaica”. Foi nesse período e
cenário político, durante Segunda Guerra Mundial, que seis milhões de judeus foram
exterminados, torturados e humilhados, juntamente com outros tantos comunistas,
homossexuais, ciganos, opositores de toda sorte e prisioneiros de guerra.
3. DA FORMAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL.
Em 1947, a ONU, que começava a se organizar, propõe uma nova divisão para
a criação de um Estado judeu e um árabe. No dia 19 de novembro de 1947, sob os
auspícios do brasileiro Oswaldo Aranha, que presidia a assembleia geral da ONU, é
aprovada a criação do Estado judeu na região do Oriente Médio, com um resultado de
33 votos a favor, 13 contrários e 10 abstenções.
No dia 13 de maio de 1948, o exército britânico patrulhava a Terra Santa pela
última vez. Foi neste dia que, um oficial britânico foi à casa do rabino Mordechai
Parlamento Israelense. (14 de maio de 1948). Acesso em 13 de março de 2013, disponível em
<http://knesset.gov.il/docs/eng/megilat_eng.htm>.
Weingarten e entregou uma chave ornamental ao rabino. Mas, para o rabino e os
judeus, aquele era um momento extraordinário e memorável, visto que, pela primeira
vez, desde 70 d.C, a chave dos portões de Jerusalém tocava uma mão judia. No dia
14 de maio de 1948, o exército britânico começa a marchar em sua retirada de Eretz
Israel. O Conselho Provisório, que tinha David Ben-Gurion como presidente, abre a
assembleia às quatro horas da tarde e firma a declaração do Estado de Israel e, ao
findar a assembleia, é declarada, sob a voz audível, a independência da nação que
tinha um sonho se tornando em realidade, o de ser povo. “Colocando nossa confiança
no Onipotente, nós afixamos nossas assinaturas a esta proclamação nesta sessão do
Conselho Provisório de Estado, sobre solo da Pátria, na cidade de Tel-Aviv, nesta
véspera de Shabbath, em 5 de Iyar de 5708. (14 de maio, 1948)” 3. E com estas
palavras, estava selada a Independência de Israel, sob a assinatura dos 24 dos 37
membros que compunham o Conselho. Naquele momento, o povo recebia toda a
informação pela rádio oficial da cerimônia, que transmitia a todos as novidades do
evento, a Kol Yisrael, de tradução literal, voz de Israel.
O sonho sionista, agora, tinha nome: Estado de Israel. Tinha bandeira, com a
estrela de David em seu centro. Tinha seu hino “HaTikvah”, a esperança. Tinha forma
de governo, uma república. Tinha regime de governo, parlamentarista. Tinha um
presidente, Chaim Weizmann. Tinha um primeiro-ministro, David Ben-Gurion. Tinha
forma de Estado, unitário, enfim, agora, Israel não era um sonho, ele era Estado.
Naquele dia, o nascente e reconhecido povo, celebrava a vitória. No
amanhecer do dia seguinte, seus cidadãos defendiam a nação em decorrência do
conflito entre árabes e judeus. Israel é Estado, e agora? Esse foi o maior dilema
enfrentado pelos líderes israelense em sua criação, mas não foi o único.
O Estado era pequeno, geograficamente falando, e a emigração se tornava
intensa. O conflito árabe-israelense era recitado num trágico poema, os dois lados
calcados de emoções idênticas e por disputas excêntricas. Como então alocar tantas
pessoas? Nesse mesmo passo, judeus do mundo inteiro voavam como em asas de
águia para retornar à “terra prometida”. Uns sobreviventes do Holocausto, outros
3
Tradução própria. Documento retirado do site do Parlamento Israelense.
“Placing our trust in the Almighty, we affix our signatures to this proclamation at this session of
the provisional Council of State, on the soil of the Homeland, in the city of Tel-Aviv, on this
Sabbath eve, the 5th day of Iyar, 5708 (14th May, 1948).”
Parlamento Israelense. (14 de maio de 1948). Acesso em 13 de março de 2013, disponível em
<http://knesset.gov.il/docs/eng/megilat_eng.htm>.
tomados pela enorme paixão sionista, todos largavam suas vidas e vinham ajudar na
construção desse novo Estado.
Com efeito, ocorreu, nessa quadra, de uma grande líder, respeitada por
demonstrar pulso feminista e desde a sua juventude ser atuante politicamente,
considerada uma das lideranças que deu origem ao Partido Trabalhista, Golda Meir,
sair de Israel e ir para os Estados Unidos, e num discurso inflamado retorna ao Estado
de Israel com 50 milhões de dólares arrecadados de judeus e sionistas americanos
para erguer o tão desejado Estado.
Foi essa mesma mulher que se submeteu, escondida debaixo de uma burca,
para não ser reconhecida, a ir a uma secreta reunião com o Rei Abdullah da
Transjordania, firmando com ele não só um pacto de não agressão, como também o
persuadindo a aceitar a existência do Estado Israelense e a falar em favor de Israel
numa “missão de paz” na reunião em que a Transjordania fizesse com os países
árabes, o que não foi possível pela morte precipitada que o Rei da Transjordania
sofreu.
Aconteceu que, nesse período da fundação do Estado, os kibutzniks
começaram a se multiplicar. Um aspecto interessante se acentuava nos kibutzim, a
criação coletiva de crianças sobreviventes do Holocausto.
4. DOS PRIMEIROS KIBUTZ.
Em 1904, o movimento Sionista-Socialista entra em cena. E em 1909, como já
citado, o primeiro kibutz, Degania Alef, é fundado em Israel. Dez anos mais tarde, em
1919, quatorze kibutzim já tinham sido estabelecidos na região pelos pioneiros
europeus. Esses primeiros idealizadores, com denominação específica, halutz, de
tradução literal “pioneiro”, colocaram em prática a ideia de trabalho, equidade e
cooperação na fundação desses primeiros kibutzim. Esse período foi a primeira fase
kibutziana, que foi contornada pelo cenário político da dominação turca e liderando um
movimento de um modelo de vida autônomo e nacional. Esse momento termina com
a substituição do Império Otomano pelo mandato britânico.
No primeiro estágio dos kibutzim, até 1919, havia ainda certo componente
individual entre os kibutzsniks em função do impacto em se estabelecer com e em um
kibutz. Assim, começa aqui a segunda fase dos kibutzim, a fase comunal, onde a
universalidade e a impessoalidade se torna maior, e o desejo comum se enrijece, se
torna mais concreto.
Nos períodos de 1919 a 1924, motivados pela declaração de Balfour, em 1917,
a Conferência de São Remo, em 1920, e a revolução russa, vivendo a segunda era
do movimento kibutziano, ainda atiçados pelo sensação do renascimento social e
nacional, os membros desse grupo (grupo comunal dos halutzim) perderam as
restrições culturais de seus sistemas sociais e culturais, buscando uma nova e
integrada autoidentidade. Dentro deste momento, que se segue e se estende de 19201948, há uma maturação tanto dos kibutzim quanto no desenvolvimento da
comunidade nacional judaica. Nos campos de trabalho, os homens e mulheres abriam
seus corações na procura do sentimento de pertencimento. Era o início de uma
jornada sentimental que buscava o reavivamento do valor nacional e a de uma
consciência coletiva.
Essa sensação de pertencimento, de uma fraternidade de espírito ou de uma
alma coletiva, se conectava pelos pilares culturais-religiosos, se manifestava como
fatores de união pelos ritos comuns, como se pode ver expresso, de forma simbólica e
metaforicamente na dança-circular, como uma tentativa de proteger a inflamar o que
há no interior.
O coração do movimento halutziano era o movimento kibutziano, do qual a
sociedade representava a realidade das esferas nacional e socialista. Antes de a
comunidade nacional ter ganhado soberania, a sociedade kibutziana desenvolveu uma
ordem microcósmica nacional-social. Os primeiros passos desse movimento
kibutziano-comunal foi o estabelecimento de assentamentos, sendo este a pupila do
olhar nacional que estava, após dois mil anos, renascendo das cinzas como uma fênix.
Apesar disso, foi nesta mesma fase, rodeada de sentimentalismo, que as
divergências de origem geográfica começaram a aparecer entre os kibutzniks e seu
atrito a gerar mudanças no modo de convivência. Os halutzim eram, em sua maioria,
judeus da Alemanha, sendo que estes foram os que junto com o estabelecimento dos
kibutzim foram também estabelecendo suas regras. Foi por isso que os grupos de
judeus vindos da Europa Oriental, mais especificadamente os da Polônia, encontraram
dificuldades de se adaptarem às normas de convivência no interior dos kibutzim.
Desde os anos 1920, era clara essa dificuldade de adaptação dos judeus da Europa
Oriental.
Foi por tais motivos e também pelo processo de transição que o movimento
kibutziano sofria após o final de 1919, que, em 1923 passou-se a tratar de uma
necessidade de um código de leis para assegurar a justiça, os direitos individuais e
principalmente os coletivos no interior dos kibutzim.
O movimento do kibutz comunal era fervoroso. Queria abolir o conceito de
família burguesa. Nesse período, as crianças passavam as noites em dormitórios e
não junto dos pais. Em alguns desses kibutzim, os kibutzniks eram ateus, tomando
posturas antirreligiosas e até proibindo cerimônias públicas de casamento. Mesmo
assim, as festividades judaicas nunca foram anuladas. Nestas citadas condições,
apenas se suprimia seu caráter divino.
Do apontado processo de transição para a fase comunal, mostra uma sucção
que o interesse coletivo provoca sobre o interesse individual, onde os indivíduos
adquirem uma alta autonomia individual racional. É nesse momento que se manifesta
o confronto da experiência religiosa, ou a confusão dos valores, que se seguem como
fatores de modificação desses kibutzim.
Apesar de qualquer modificação ou permanência, conflito ou convergência, há
um fator interessante no aspecto dos kibutzim, ou seja, o da escolha. Viver dentro ou
fora dos kibutzim era uma escolha, uma questão de autodeterminação. Entretanto,
hoje em dia, há diversas formas de kibutzim, mas nos primeiros momentos, em que
essas instituições tinham uma uniformidade entre si, viver ou não dentro desse
modelo, de acordo com o materialismo histórico, era uma opção. Não se diz com isso
que, os kibutzniks reivindicassem o materialismo histórico. Mas que, esta pesquisa
busca tal semelhança prática.
Os kibutzim começaram como uma colocação a favor do Estado de Israel.
Apesar disso, ainda hoje eles se encontram concentrados em sua maior parte no norte
e no sul de Israel, o que não ocorria na região central, por se revestir, durante a
história, de um caráter militar, com o qual visavam proteger suas fronteiras, armando
os colonos judeus.
Atualmente, é reconhecido que cada um dos movimentos ortodoxos
modernizadores, tanto a religião, quanto a ideologia, no movimento nacionalista
kibutziano, partiram da rebelião contra as esferas institucionalizadas do sagrado e do
senso de ter a missão de reorganizar a cultura judaica e a vida de acordo com as
definições do sagrado. Os kibutzim perderam aquele sentimento romântico com o qual
foram fundados pelos halutziano. O caráter deles agora é de adaptação à nova ordem
que se estabeleceu. Hoje, parte deles é uma opção econômica para jovens e casais.
Tudo isso porque no seu interior se tem educação, não se paga aluguel, se tem
segurança, e tudo em troca de se adaptar ao regime cooperativo de trabalho
comunitário, e em determinados casos uma “entrada” em forma de valor econômico.
Fala-se de fila de espera para se viver em determinados kibutzim. É sobre essa
modificação histórica do ideal kibutziano que se torna imprescindível compará-los no
tempo.
5. DAS PRIMEIRAS DISCUSSÕES TEÓRICAS.
Há um pano de fundo que circunscreve a discussão dos kibutzim, a fundação
do Estado de Israel. Primordialmente os kibutzim nasceram como uma perspectiva
paulatina de adquirir terras em Israel. A movimentação econômica seria uma
apaziguadora do conflito com os árabes e, então, fundar-se-ia o Estado. Fica clara que
essa previsão não ocorreu. Sob essa perspectiva, se a intenção dos kibutzim foi abrir
caminho para a criação Estado, se o Estado já foi fundado, ainda que de forma
diversa, resta a pergunta: E hoje, os kibutzim abrem caminho para o quê?
É evidente que se tinha uma idealização para a fundação do Estado.
Entretanto, foi por esse motivo que muitos judeus não sentiram ser o momento certo,
de ter “ganhado” o Estado da ONU. Muito o desejaram, mas muitos o temeram por
serem capazes de conjecturar todos os conflitos que dali surgiriam até a atualidade,
como por exemplo David Ben-Gurion. Daí se faz uma nova pergunta: Qual o conflito
de classe presente na formação do Estado de Israel?
León Poliakov deixa uma situação bem clara, em seu livro “Do anti-sionismo ao
anti-semitismo” que os amigos e discípulos de Marx, incluindo Engels, tomaram
consciência de que aos judeus pobres da Europa, aos quais também aplicaram a tese
geral comunista, no sentido de que “como os operários não têm pátria, era evidente
que o proletariado judeu, da mesma forma que os outros, se quisessem romper seus
grilhões, devia lutar, pelo advento de um mundo melhor e mais racional, sem nações e
sem classes”. (POLIAKOV, 2000, p. 13-14). Essa é mais que uma clara evidência do
panorama que se armava por traz de toda a movimentação que ocorria nos limites do
Oriente-Médio. O que ficava evidenciado aqui é a convergência de uma conjectura de
extinção da cultura e religião judaica, não só pelos marxistas ortodoxos, mas também
por reacionários, liberais e antissemitas. Tudo isso mostrando uma infinidade de
motivações que fracionavam num mesmo diagnóstico.
A respeito do conflito de classes, Marx faz uma grande divisão em o “Manifesto
Comunista”, deixando simplificado o conflito entre burguesia e proletariado e se
mostrou irônico ao apresentar o Estado como um “escritório” da burguesia. No
entanto, Marx não é negligente com a temática. Em “O 18 de Brumário de Luiz
Bonaparte” ele deixa clara a existência fracionada do conflito de classes. Não há só
um conflito, há um grande conflito central e pequenas frações destes em seu interior.
É esse aspecto labiríntico e misterioso que se busca responder, assim como a
fracionária ideia de kibutz que se tem atualmente, com seus modelamentos e
remodelamentos históricos. Marx também deixa notável no manifesto que “o que
caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da
propriedade burguesa”. (MARX; ENGELS, 2010, p. 52). Essa é sem dúvida uma
discussão a ser pautada. É visível o fato de que os kibutzim são modelos circundados
pela estrutura capitalista. Antes de 1948, os kibutzim tinham propriedades comunais
visando instaurar o Estado, que traz implícito em si a ideia de propriedade burguesa.
Depois de 1948, o quadro se muda. Há kibutzim tradicionais e históricos que não são
capazes de se manterem por si só e que recebem ajuda do Estado de Israel para
continuarem a existir, até mesmo como símbolo da história do próprio Estado.
No interior dos primeiros kibutzim, até a segunda era kibutziana, a fase
comunal, o capital gerado no interior dos kibutzim, funcionava como um poder social e
não pessoal, como pauta Marx, novamente no Manifesto Comunista, o que, porém, é
factível apenas no interior do kibutz, porque fora dele, essa carga “social” transmuta
para a forma “individual”.
Uma nova similaridade no interior dos kibutzim e do modelo do materialismo
histórico é a educação social, evidenciada tanto nos kibutzim comunais quanto nos
momentos pós-Holocausto, na criação e ensino coletivo das crianças.
Em tese, Israel não era nem comunista, nem capitalista. Afinal, Israel ainda não
era Estado até 1948. O movimento sionista e o abrandamento econômico que a
emigração judaica trazia para a região, com a formação dos kibutzim, podem ser,
presunçosamente, mas com extremo teor de cautela, o “processo de acumulação
primitiva” do Estado de Israel. E na conceituação que Marx dá a esse processo, em
seu livro “O Capital”, ele não é o resultado do modo de produção capitalista, mas sim o
seu ponto de partida. Ainda com mais cautela, prosseguindo na expressa comparação,
é nesse processo que ocorre a separação do trabalhador do meio de produção. No
interior dos kibutzim, os meios de produção são de propriedade coletiva, mas todo
esse processo era só caminho para a existência de mais um Estado Social
Democrático de Direito, em que o trabalhador e os meios de produção são coisas
diferentes. Mas de forma alguma, há negligência do fato de a acumulação primitiva ter
ocorrido no período feudal e que os kibutzim são simplesmente modelos comunitários
instalados e isolados internamente dentro de um regime capitalista.
Em seu livro “O Estado e a Revolução” Lenin diz que as revoluções anteriores
serviram para aperfeiçoar o Estado, quando, na verdade, o ponto crucial era extinguilo. No movimento kibutziano, esse passo diverge. Os kibutzim surgiram de uma
movimentação sionista, de reação aos impasses que os judeus sofriam na Europa, o
que não caracterizam seu modelo como uma revolução. E ao contrário do modelo que
é instaurado no livro, não era um processo de definhamento do Estado. Era um
processo de fazer nascer uma soberania na região: o sonhado, por dois milênios,
Estado de Israel. O que para Lenin, nas palavras de Poliakov, era insustentável a ideia
de um lar para o povo judeu.
Mas o interior dos kibutzim era modelo bem expresso e prático do materialismo
histórico, como pode ver pela fala de Fishman a respeito dos primeiros kibutzim:
“Nesta micro sociedade, os meios de produção eram concentrados, a igualdade era
estabelecida, membros eram capazes de participar intensamente nas instituições
políticas,
mulheres
eram
“liberadas”,
e
inovações
tecnológicas
eram
institucionalizadas.” (FISHMAN, 2004, p. 19) 4.
E é nesse debate que a pesquisa se encontra com seu ponto crucial, a
resposta do questionamento proposto ao início deste trabalho, “kibutz: uma
experiência de economia comunista ou cooperativa no âmbito de economia de
mercado?”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Camargo, C. Guerras Árabe-Israelenses. In: D. Magnoli, História das Guerras. São
Paulo: Contexto, p. 424-452, 2006.
4
Tradução própria.
“In this micro-society, the means of production were centrally concentrated, equality was
established, members were able to participate intensively in political institutions, women were
‘liberated,’ and technological innovation was institutionalized.” (FISHMAN, 2004, p. 19)
Fishman, A. Judaism and Collective Life. Self and community in the religious kibbutz.
New York: Routledge, 2002.
Fishman, A. Judaism and Modernization on the Religious Kibbutz. New York:
Cambridge University Press, 2004.
Herzl, T. The Jewish State. Project Gutenberg, 2008.
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disponível em <http://knesset.gov.il/docs/eng/megilat_eng.htm>
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Shalaim, A. A muralha de ferro: Israel e o Mundo Árabe. Rio de Janeiro: Fissus, 2004.

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