RETINOPATIA HIPERTENSIVA final formatado-1
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RETINOPATIA HIPERTENSIVA final formatado-1
RETINOPATIA HIPERTENSIVA Dr. Leão Gabbay Serruya (autor) Conceito É o conjunto de alterações no sistema vascular da retina e coróide, causadas pelo aumento da pressão arterial sistêmica, de forma persistente, acima dos níveis considerados normais. (1, 2) Epidemiologia A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença multifatorial. Apesar da maioria dos casos de hipertensão (90-95%) serem do tipo essencial ou primária, diversos fatores de risco corroboram para o seu surgimento, tais como: idade (a pressão arterial aumenta desde a infância, estabilizando-se na adolescência); hereditariedade (aproximadamente 80% dos hipertensos tem história familiar de hipertensão); obesidade, dieta (dietas ricas em sódio parecem predispor a HAS); raça (a raça negra e indivíduos afro-americanos têm maior prevalência e severidade de HAS). (2-5) A HAS leva a lesão de diversos órgãos-alvo, dentre eles a retina. (6, 7) Diversos trabalhos inferem que a severidade das alterações microvasculares encontradas na retinopatia hipertensiva servem como indicadores confiáveis para estratificação de risco de complicações cardíacas e cerebrais, tais como doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral (8-11) Fisiopatogenia A magnitude das alterações vasculares retinianas, causadas pela HAS, depende da duração e severidade da doença, da idade e da velocidade de sua instalação. (3, 11, 12) Podem ser agrupadas em: hipertensivas ou arterioscleróticas; agudas ou crônicas. Tais alterações são primariamente decorrentes da vasoconstrição e mudanças estruturais nas camadas íntima e muscular das arteríolas da retina. (2, 3) A elevação permanente da pressão arterial causa primeiramente vasoconstrição ou espasmo, que pode ser focal ou difuso, das arteríolas retinianas, que caracterizam a fase vasoconstritiva. (1, 11, 13) Níveis elevados e persistentes de HAS causam danos ao endotélio vascular, que geram depósitos de material proveniente do plasma nas camadas médias dos vasos sanguíneos (arterioloesclerose hialina) e proliferação das camadas musculares arteriolares (arterioloesclerose hiperplásica), caracterizando a fase esclerótica, na qual ocorre espessamento da parede vascular, com estreitamento arteriolar, aumento do reflexo dorsal arteriolar e cruzamentos arteriovenosos patológicos. (3, 11, 13) A fase posterior e mais grave é denominada de fase exsudativa, geralmente presente nos casos de hipertensão arterial maligna. Há quebra da barreira hematorretiniana interna, com extravasamento de plasma e sangue para a retina, gerando o edema retiniano, com exsudatos duros e as hemorragias intrarretinianas. Em casos severos, ocorrem áreas extensas de oclusão capilar e acometimento das arteríolas da coróide, que sofrem necrose fibrinóide, com oclusão de áreas da coriocapilar, gerando também a quebra da barreira hematorretiniana externa. Nessa fase, o nervo óptico também pode ser afetado, apresentando-se com edema de papila. (2, 3, 11, 13) Entretanto, devido ao maior arsenal terapêutico atual e ao melhor controle clínico da HAS, na grande maioria dos casos, as alterações hipertensivas são mais leves e não induzem à quebra da barreira hematorretiniana, estando associadas principalmente ao processo de arterioloesclerose. (3, 14) Etiologia da Hipertensão Arterial 1. Hipertensão arterial primária ou essencial: não apresenta fatores causais definidos. 2. Hipertensão secundária § Renal: renovascular; parenquimatosa e traumática. § Endócrina: tireoide; suprarrenal (ex: feocromocitoma) e paratireoide. § Toxemia gravídica: pré-eclampsia e eclampsia. § Mecânica: fístulas arteriovenosas; coartação e arteriosclerose da aorta. § Exógenas: envenenamentos, medicamentos, alimentos, iatrogenia. § Neurogênica Quadro clínico Na Geralmente assintomático e bilateral nos casos de HAS crônica. (2, 3, 15) fase geral ocorre acuidade visual. aguda comprometimento da hipertensão macular que arterial leva a maligna, baixa da no Complicações hipertensivas e arterioscleróticas, tais como oclusões venosas e arteriais, podem causar diminuição da visão, caso haja acometimento macular ou opacidades de meios (hemorragia vítrea). Achados fundoscópicos Com base anatômica, podemos encontrar alterações na retina (retinopatia hipertensiva), coróide (coroidopatia hipertensiva) e nervo óptico (neuropatia óptica hipertensiva). 1) Retinopatia Hipertensiva Pode apresentar sinais de fase aguda e crônica. Dependendo da severidade da crise hipertensiva, na fase aguda, podese observar: • Espasmo arteriolar focal ou difuso • Exsudatos algodonosos (indicam isquemia aguda da camada de fibras nervosas) e exsudatos duros (com ou sem “estrela macula”) • Hemorragias retinianas superficiais em “chama de vela” • Edema de retina e descolamento seroso da retina (Figura 1). Figura 1 – Retinopatia Hipertensiva: Fase Aguda Observa-se estrela macular (seta verde), exsudatos moles (seta azul), edema de fibras nervosas, hemorragia intrarretiniana (seta branca). Na fase crônica (Figura 2), predominam as alterações arterioscleróticas: • Estreitamento arteriolar (consequente ao espessamento da parede vascular) • Aumento da tortuosidade arteriolar • Aumento do reflexo dorsal arteriolar: arteríolas em fio-de-cobre (apresentam tom avermelhado, consequente ao espessamento de parede); arteríolas em fio-de-prata (apresentam coloração branca, devido a ocultação da coluna de sangue, em decorrência do agravamento do espessamento da parede arteriolar). • Cruzamentos arteriovenosos patológicos (Figura 3): Sinal de Salus (deflexão do trajeto venoso pela arteríola, no cruzamento); Sinal de Gunn (aparente interrupção da coluna venosa pré e póscruzamento); Sinal de Bonnet (represamento da coluna venosa de um lado do cruzamento). Figura 2 – Retinopatia Hipertensiva: Fase Crônica Observa-se estreitamento arteriolar, aumento da tortuosidade arteriolar, aumento do reflexo dorsal arteriolar, cruzamentos arteriovenoso patológicos. Figura 3 – Cruzamentos Arteriovenosos Patológicos Foto esquerda: sinal de Salus (seta verde). Foto direita: sinal de Gunn (seta azul). 2) Coroidopatia Hipertensiva É encontrada mais raramente e aparece nas formas agudas e severas de hipertensão (hipertensão arterial acelerada ou maligna). É causada por necrose fibrinóide dos vasos da coróide, que determinam áreas de nãoperfusão da coriocapilar, podendo gerar necrose isquêmica do epitélio pigmentado da retina (EPR). Os achados clínicos principais são: • Manchas de Elschnig (pontos escuros circundados por halos amarelados, que representam infartos focais da coróide); • Estrias de Siegrist (manchas lineares no trajeto dos vasos coroidais, indicativas de necrose fibrinóide); • Descolamento seroso da retina (particularmente encontrado na toxemia gravídica). 3) Neuropatia Óptica Hipertensiva Também ocorre nas formas graves e agudas de hipertensão (hipertensão arterial acelerada ou maligna). Observa-se edema do disco óptico, com borramento e elevação de suas bordas, além de dilatação dos capilares do disco óptico (Figura 2). Figura 2 – Edema do disco óptico Observa-se edema do disco óptico (com bordas borradas e elevadas) e hemorragia em chama de vela. Classificação Diversas classificações foram publicadas na tentativa de organizar as alterações retinianas hipertensivas e arterioscleróticas, em classificações clinicamente úteis. Uma das mais conhecidas é a de Keith-Wagner-Barker (Tabela 1), que baseia-se no nível de severidade dos achados retinianos com correlações prognósticas quanto à morbimortalidade. (16) No entanto, a classificação mais utilizada clinicamente é a de Jerome Gans (Tabela 2). Ela diferencia as alterações causadas pela hipertensão, isoladamente das alterações arterioloescleróticas. Tabela 1 – Classificação de Keith-Wagner-Barker Grau I Leve estreitamento arteriolar e discreta (arterioloesclerose leve). Pacientes neste geralmente, hipertensão leve. tortuosidade grupo têm, Grau II Estreitamento generalizado ou localizado com moderada esclerose das arteríolas, com entrecruzamentos patológicos. Pacientes nestes grupos são geralmente assintomáticos com pouco envolvimento sistêmico. As anormalidades vistas no fundo de olho incluem as acima Grau III com hemorragias e exsudatos duros e algodonosos. Pacientes deste grupo podem apresentar disfunções cardíacas e cerebrais. Inclui as anormalidades prévias mais edema de papila. As Grau IV manchas de Elschnig podem estar presentes. As manifestações cardíacas e cerebrais nestes pacientes eram mais acentuadas no estudo de Keith e Wagner. Tabela 2 – Classificação de Jerome Gans Alterações Arterioloescleróticas A0 A1 A2 A3 Fundo de olho sem alterações arterioloescleróticas Arterioloesclerose discreta com aumento do reflexo dorsal, irregularidades do calibre e entrecruzamentos patológicos mínimos. Arterioloesclerose severa com arteríolas em fio de cobre e fio de prata e acentuados fenômenos de entrecruzamento Os sinais anteriores acrescidos de oclusões venosas de ramo Alterações Hipertensivas H0 Fundo de olho sem alterações hipertensivas H1 Espasmos arteriolares focais e discreto edema de retina H2 Os sinais acima acrescidos de hemorragias e exsudatos H3 Os sinais acima acrescidos de edema de papila Propedêutica O exame de mapeamento de retina e a biomicroscopia de fundo são suficientes para o diagnóstico e classificação da retinopatia hipertensiva. A retinografia colorida pode ser utilizada para o registro fotográfico e acompanhamento da evolução do quadro fundoscópico. A angiografia fluorescente pode evidenciar áreas de não-perfusão capilar e vazamento por capilares dilatados ao redor do nervo óptico, pelos microaneurismas ou pelos macroaneurismas. A tomografia de coerência óptica (OCT) pode ser empregada para o diagnóstico e acompanhamento dos quadros de descolamento de retina seroso maculares. Diagnóstico diferencial Algumas patologias retinianas podem apresentar sinais fundoscópicos semelhantes a retinopatia hipertensiva, tais como: retinopatia diabética, doenças do colágeno, doença falciforme, retinopatia por radiação, oclusão de veia central da retina e oclusão de ramo venoso. (2, 3, 15) Tratamento Não há tratamento específico para as lesões da retinopatia hipertensiva, sendo a prevenção e o controle clínico da pressão arterial sistêmica, o foco principal do tratamento. (1-3) Alguns relatos de caso demonstraram efeito benéfico com o uso de bevacizumabe (Avastin®) intravítreo em pacientes com retinopatia hipertensiva maligna e edema macular importante. Houve redução do edema macular e espessura central retiniana na tomografia de coerência óptica (OCT). (17) O controle rígido dos fatores predisponentes à HAS, como controle da obesidade, redução dos níveis de colesterol e triglicerídeos, controle da diabetes melito, incentivo a atividade física, têm papel importante na redução da pressão arterial e consequentemente, podem postergar ou evitar o surgimento da retinopatia hipertensiva. Quando já existem as alterações hipertensivas e arterioloescleróticas na retina, o tratamento volta-se para suas complicações. Algumas dessas complicações (oclusão de veia central da retina ou de seus ramos, macroaneurismas, neovasos, hemorragia vítrea) necessitam de tratamentos específicos, mencionados nos respectivos capítulos deste livro. Referências Bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Kanski JJ. Clinical ophthalmology : a systematic approach. 6th ed. Edinburgh ; New York: Butterworth-Heinemann/Elsevier; 2007. p. 599-602. Lavinsky J. Retinopatia Hipertensiva. Doenças Prevalentes da Retina e Vítreo. 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