do arquivo - Hospital São Vicente de Paulo

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do arquivo - Hospital São Vicente de Paulo
R EVIST
A M ÉDICA
EVISTA
www.hsvp.com.br
ISSN 0103-4162
HOSPIT
AL SÃO VICENTE DE PA
UL
O
HOSPITAL
PAUL
ULO
Rua Teixeira Soares, 808 - CEP: 99010-080 - Passo Fundo/RS
http://www.hsvp.com.br
Ano XI, Nº 28, Janeiro - Junho 2001
PRESIDENTE
Dionisio Tedesco
VICE-PRESIDENTE
Plínio Grazziotin
1º SECRETÁRIO
Luiz Carlos T. de Farias
2º SECRETÁRIO
Montecir Jesus Dutra
1º TESOUREIRO
Décio Ramos de Lima
2º TESOUREIRO
Dilo Canofre dos Santos
EDITOR CIENTÍFICO
Dr. César A. Pires - Cremers 14.929
CONSELHO EDITORIAL
Dr. José O. Calvete
Cremers 7601
Dr. Sérgio R. Fuentefria
CRF-RS 2060
TRADUÇÃO
Dr. Juarez Tarasconi
Cremers 4348
ASSESSORIA JURÍDICA
Dr. Marco Antônio de Mattos
OAB/RS 19041
DIRETOR MÉDICO
Dr. Rudah Jorge
ADMINISTRADOR
EDITORAÇÃO
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Bel. Ilário Jandir De David
Luis Carlos Ribeiro
CHEFE DE ENFERMAGEM
Ir. Carmelina Pelegrini
Rosmari Fait
REVISTA MÉDICA é uma publicação do Hospital São Vicente de Paulo, realizada pela Assessoria de
Comunicação Social. Indexada na base de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde), no Index Medicus (IMLA), em 06/12/1991, pelo Centro Latino-Americano e do Caribe em Ciências da
Saúde (BIREME). ISSN - Número Internacional Normatizado para Publicações Seriadas, atribuído em 23/12/1991,
pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.
Impressão: Gráfica J. Print.
Periodicidade: Semestral
Tiragem: 1000 exemplares
Circulação dirigida e distribuição gratuita.
Editorial
ISSN 0103-4162
A Revista Médica do Hospital São Vicente de Paulo é periódico científico da área de saúde indexado na base de dados LILACS (Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), que representa a
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exageradas, mas sempre perseguindo o mais elevado padrão editorial possível, não prescindindo dos excelentes e respeitáveis referenciais existentes e consagrados.
César Pires
Editor Científico
Revista Médica
Ano XI, Nº 28, Janeiro - Junho 2001
ÍNDICE
Artigos Originais
Síndrome do Túnel Carpiano ........................................................................................07
Antônio Severo, Henrique Ayzemberg, Tatiana Pitágoras, Daniel Nicolodi, Liége Mentz, Osvandré
Lech.
Embriotoxicidade da Artemisia Vulgaris LINNÉ em ratas .......................................... 12
Mara Regina Calliari-Martin, Solange Dieterich, Carlos Eduardo Bortolini, Carine Teixeira da Cunha,
Geanine Lorenceti.
Artigos Especial
Serviço de Informações Sobre Medicamentos ................................................................18
Cátia Argenta , Mauren Andreis Trizotto, Carlos A S Torres , Carla B C Gonçalves , Ana M D Gindri,
Maristela Pietroski.
Artigos de Revisão
Ecocardiograma Fetal ..................................................................................................20
José Luis de Castro e Silva Pretto.
Respostas Morfo-fisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força ...........23
Hugo Tourinho Filho.
Relato de Caso
Doença de Whipple ......................................................................................................31
Fernando Fornari, Ricardo Luiz Zanin, Betânia Sartori, Antônio Campanille, Paulo Zitlau, Rubens
Rodriguez, Elisson Marasca Ribeiro, Luis Fernando Bos, Sérgio Gabriel Silva de Barros.
Hipertensão Intracraniana Idiopática ....................................................................... 34
César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Loane Rottenfusser, Marcos Paulo Dozza, Emílio J. Munerolli,
Daniel A. Iser.
Siringomielia pós Meningoencefalite Tuberculosa ........................................................... 39
César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Fabíola Costenaro, Carine V. Lima, Daniel A. Iser, Fabrice de
Bortoli, Marcelo F. Peres, Marcos P. Dozza.
Instruções aos Autores
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muito curtos (2 ou 3 linhas) e procurar reunir uma linha de
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Relato de Caso: breve Introdução, Relato do Caso,
Comentários e Conclusões e Referências.
Referências Bibliográficas: trabalhos publicados citados no
texto deverão ser numerados, uma referência para cada número,
ordenados conforme ordem de aparecimento no texto.
–6–
Os seguintes modelos servem de exemplos:
Referências de Revistas:
Palma L A S, Pilau J, Borges F G, Eickhoff C M. Pneumopatia
por Fármacos. Rev Médica HSVP 1999; 11(24): 65-68.
O nome do periódico deve ser abreviado segundo a
edição do List of Journals do Index Medicus (publicado
anualmente na edição de janeiro do Index Medicus) ou segundo
o Index Medicus Latino-Americano.
Referências de Resumos:
Coleman RJ. Current drug therapy for Parkinson disease -a review
(resumo ou "abstract"). Drugs Ag 1992; 2(2):112-24.
Quando não publicado em periódico: publicação. Cidade em
que foi publicado: publicadora, ano, página(s).
Referência de Livros:
Gilman AG, Rall TW, Nies AS & Taylor P. Pharmacological Basis
of Therapeutics. 8th ed. USA: Pergamon, 1990.
Referências de Capítulos de Livros:
Brow, AC. Pain and Itch. In: Patton HD, Fuchs AF, Hille B, Scheram
AM & Steiner R (Eds) - Textbook of Physiology. 21st ed. USA:
WB Saunders Company, 1989; 1(16): 346-64.
Quando existir mais de um volume, deverá ser referido
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REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 6.
Artigo Original
Síndrome do Túnel Carpiano
Antônio Severo, Henrique Ayzemberg, Tatiana Pitágoras, Daniel Nicolodi, Liége Mentz, Osvandré Lech.
Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS).
Resumo
Diferentes técnicas são empregadas para o tratamento cirúrgico da síndrome do túnel
do carpo: liberação artroscópica, uso de retinaculótomos e o método clássico. O objetivo
deste trabalho retrospectivo é a análise de 146 punhos operados, num total de 105
pacientes, pela técnica da mini-incisão. Foram realizadas avaliações pré e pósoperatórias, onde houve a predominância do sexo feminino ( 89% dos casos), a idade
média de 43 anos e o lado mais acometido foi o direito num total de 83 casos. O
seguimento foi de 12 a 48 meses ( com média de 20 meses). O diagnóstico da lesão foi
baseado em características clínicas (sinais e sintomas) enfatizada pelo sinal de Phalen,
dígito-percussão, dor noturna, alterações musculares e sintomas parestésicos. A principal
causa foi idiopática, com 97 casos (66,43%). Como complicações, observou-se dois casos de
infecção superficial, dois de distrofia simpático-reflexa, dois de hematoma, um de
deiscência e um caso de recorrência. Na auto-avaliação, apenas 80 (76%) pacientes
responderam ao questionário. Destes, 75 (93%) realizariam a cirurgia novamente em
circunstâncias similares. Com relação a epineurectomia e tenossinovectomia adicional, não
se obteve diferença significativa nos resultados clínicos. De acordo com a avaliação
objetiva no pós-operatório, obtivemos o resultado excelente em 95 (65%), bom em 30
(20,5%), regular em 20 (13,6%) e pobre em 1 (0,6%) dos casos. Constatou-se que
pacientes com cobertura de seguro demoraram até dez vezes mais tempo do que
pacientes sem cobertura para retornar ao trabalho.
Unitermos: Síndrome de Compressão nervosa, Síndrome do Tunel Carpal.
A síndrome do túnel carpiano (STC), descrito pela
primeira vez por Sir James Paget em 1854, aplica-se à
neuropatia do nervo mediano ao nível do túnel carpiano no
punho, causando sensações de queimação, dor,
formigamento, agulhadas, hiperestesia, hipoestesia, e
mesmo anestesia1 . Os limites do túnel constam de uma
concavidade, com configuração em “U” aberta no aspecto
palmar. A borda dorsal é formada pelos ossos escafóide,
semi-lunar, piramidal, trapézio, trapezóide, capitato e hamato.
A borda radial pela tuberosidade do escafóide e trapézio. A
borda ulnar é formada pelo pisiforme e gancho do hamato. A
borda volar é formada pelo ligamento transverso do carpo
(também conhecido por retinaculum flexor), que é a
continuidade da fáscia do antebraço. Pelo seu interior
passam 9 tendões flexores e o nervo mediano2,5 .
As causas da STC são as mais variadas indo desde
exposição da vibração6 , cisto sinovial7,8, trombose da artéria
mediana 9 , e outras (anomalias anatômicas, doenças
sistêmicas, metabólicas, fraturas, etc.)10 .
Existem inúmeras maneiras de abordar cirurgicamente o túnel do carpo : endoscopia 11,15, uso de retinaculótomos16 e o método cirúrgico clássico1,15,17.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11.
O objetivo deste trabalho retrospectivo é analisar
146 punhos operados pela técnica da mini-incisão 18,19 .
Realizou-se avaliação clínica pré e pós-operatórias, e
o b s e r v ou-se a i n f l u ê n c i a d a t e n o s s i n o v e c t o m i a e
epineurectomia, além da participação do seguro
(comunicado de acidente de trabalho - CAT e outras) nos
resultados finais.
MATERIAL E MÉTODOS
No período de maio de 1995 à dezembro de 1999, no
Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo,105
pacientes foram operados, totalizando 146 punhos, onde 41
eram bilaterais, 42 no lado direito e 22 no lado esquerdo . A
faixa etária variou entre 20 e 78 anos, com média de 43
anos. O sexo predominante foi o feminino 94 (89%). O
seguimento variou de 12 a 48 meses, com uma média de 20
meses.
Dentre as causas mais comuns de STC encontradas
nesta série destacaram-se fratura –luxação, endocrinológica
(diabetes, menopausa, gravidez), tumoral (cisto,
schwannoma, etc), ocupacional (indústria, digitador, etc.) ,
sistêmica (AR, LES, etc.) e idiopática (Tabela 1).
–7–
Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano.
CAUSAS
Fratura / Luxação
Endocrinológico
Tumoral
Ocupacional
Sistêmica
Idiopática
Nº DE PUNHOS
6
8
4
25
6
97
Tabela 1. Causas mais freqüentes encontradas na série.
Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo – PF/RS.
Com relação ao diagnóstico, baseou-se geralmente
nos achados clínicos (sinais e sintomas). A eletroneuromiografia foi empregada em alguns pacientes, onde o
diagnóstico permanecia em dúvida (33 casos).
Dentre os sintomas destacam-se: dor noturna, cujo
alívio era obtido com massagens, dor contínua, formigamento,
anestesia, sensação de dedos e articulações rígidos e
engrossados, dor irradiada desde a mão até região cervical,
perda da força de preensão e atrofia ou hipotrofia da região
tenar.
Os sinais mais evidentes eram dor à digito-percussão
no punho com irradiação para os dedos (em especial polegar,
indicador e médio), testes de Phalen11, Phalen reverso e
Durkan20 presentes. A freqüência de sinais de sintomas estão
representadas na Tabela 2.
SINTOMAS
Dor Contínua
Dor Noturna
Diminuição da Força
Parentesia
Hipoestesia
SINAIS
Digito Percussão Dolorosa
Phalen Reverso
Durkan
Hipotrofia / Atrofia Tenar
Nº PUNHOS
35
45
30
35
10
%
23,9
30,8
20,5
23,9
6,8
40
45
41
30
27,4
30,8
28,0
20,5
Tabela 2. Sinais e sintomas mais freqüentemente encontrados
Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo/RS
diagnóstico, dispensando exames complementares, exceto
o exame radiográfico para pesquisa de lesões osteoarticulares1,4.
Em 32 pacientes foi instituído o tratamento
conservador prévio ao tratamento cirúrgico. Inicialmente, tala
gessada ou de velcro, vitamina B6, infiltração local de
corticosteróide, AINE e troca de setor, porém sem alívio
permanente dos sintomas. O tratamento definitivo nesse
estudo prospectivo foi o cirúrgico com liberação a céu aberto
do túnel carpal através de mini-incisão em todos os
pacientes.
A epineurectomia foi realizada em 18 (12,3%) e a
tenossinovectomia em 20 (13,6%) dos punhos, usadas como
adjuvantes ao tratamento.
O diagnóstico diferencial foi realizado com:
a) Síndrome de pronador redondo, onde dor está na
superfície volar e proximal do antebraço, o teste de Phalen
é negativo e o teste provocativo da flexão contra resistência
do flexor superficial do indicador e médio é positivo;
b) Síndrome do desfiladeiro torácico, em que os sintomas
são exacerbados nos testes de Adson, compressão costoclavicular e Roos;
c) Síndrome do nervo interósseo anterior, cujo quadro clínico
é típico, pois é exclusivamente motor, não há alteração na
sensibilidade e movimento de pinça entre o polegar e o
indicador é fraco ou ausente.
Deve-se lembrar sempre que em caso de dúvida a
eletroneuromiografia (EMG) e o estudo da condução nervosa
(ECN) são exames valiosos no auxilio do diagnóstico.
Na maioria das vezes o quadro clínico é tão clássico
que os sinais e sintomas são suficientes para estabelecer o
A técnica usada é baseada na aplicação de
corticosteróide descrita por Green (1984) e modificada por
Altissini e Mancini21, onde a liberação do nervo mediano é
realizada sob anestesia local (Figura 1). A demarcação e a
técnica de mini-incisão é a mesma descrita por Ortiz e Clobet19.
A incisão cirúrgica é planejada longitudinalmente com base
no ponto de encontro polpa-palma do dedo anular (representa
o arco palmar superficial), sendo ao redor de 2,5 cm de
extensão e iniciada próximo a prega cutânea do punho sob
a prega tenar. Após a incisão da pele, tecido subcutâneo e
fáscia palmar, o ligamento transverso do carpo é aberto longitudinalmente, visualizando-se o interior e observa-
Figura 1. Anestesia local e demarcação da incisão de cerca de 2,0 – 2,5 cm.
Figura 2. Liberação da fáscia palmar.
–8–
TÉCNICA CIRÚRGICA
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11.
Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano.
GRAU DE SATISFAÇÃO
Muito satisfeito
Um tanto satisfeito
Indiferente
Um tanto insatisfeito
Muito insatisfeito
Nº PACIENTES
75 (93,7%)
2
2
0
Tabela 3. Grau de satisfação na avaliação subjetiva.
Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo/RS.
RESULTADOS
Figura 3. Túnel do carpo (retinaculum flexor) já liberado distal e
proximalmente à incisão. Observa-se o nervo mediano.
se o ramo motor do nervo mediano, tendões flexores, além
de possíveis outras observações dentro do canal, tais como
cistos sinoviais, tumores ou alterações anatômicas. Cerca
de 1 a 1,5cm da fáscia do antebraço, na continuação
do ligamento transverso do carpo é aberta proximamente.
(Figuras 2 e 3) .
No pós-operatório, um curativo volumoso é aplicado,
o qual é substituído por outro menor na primeira semana; a
mão é estimulada para as atividades diárias leves no pósoperatório imediato e os pontos são removidos na segunda
semana.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO:
Para avaliação objetiva utilizamos os critérios de
Sobânia5 modificado que são dividos em 4 categorias:
Excelente: assintomático, retorno as atividades habituais
sem restrição, teste da digito percussão, Phalen, Phalenreverso e Durkan negativos.
Bom: assintomático, com dores ocasionais, retorno às
atividades habituais sem restrição, teste da digito-percussão,
Phalen, Phalen reverso e Durkan negativos.
Regular: remissão parcial dos sintomas, retorno às
atividades habituais com alguma restrição, teste da digitopercussão, Phalen, Phalen reverso e Durkan positivos.
Pobre: sintomática, não retornou às atividades habituais,
teste da digito-percussão, Phalen, Phalen reverso e Durkan
positivos.
Na avaliação subjetiva foi realizada com um
questionário modificado de Levine e cols 22.A análise da
epineurectomia, tenossinovectomia, complicações, e da
participação do seguro (Comunicado de Acidente de
Trabalho – CAT e outros) os resultados finais foram
igualmente avaliados.
A tenossinovectomia é indicada quando a sinóvia é
espessada, como nos casos de Artrite reumatóide, ou em
casos de pacientes com espessamento exacerbado da
sinovial (casos de tenossinovite de repetição).
A epineurectomia é realizada nos casos em que há
recidiva da Síndrome do túnel carpiano devido a um proceso
de cicatrização intenso e quando os fascículos não são
observados com lupa de 2,5 x de aumento.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11.
De acordo com a avaliação objetiva, ou seja,
relacionada aos sintomas, retorno às atividades com ou sem
restrição, teste de Phalen, Phalen reverso e Durkan foi obtido
nível excelente em 95 (65%), bom em 30 (20,5%), regular
em 20 (13,6%) e pobre em 1 (0,6%) dos punhos operados.
Em termos da auto-avaliação subjetiva, relacionado
a satisfação pessoal, apenas 80 (76%) pacientes
responderam ao questionário, onde 75 (93,7%) pacientes
fariam a cirurgia novamente em circunstâncias similares.
As complicações mais freqüentes nesse estudo foram:
distrofia simpática reflexa (2), deiscência de sutura (1),
infecção superficial (2), hematoma (2), recorrência (1).
A epineurectomia foi realizada em 18 (12,3%) e a
tenossinovectomia em 20 (13,6%) dos punhos. Não se notou
melhora significativa com a adição dessas duas técnicas
nos resultados clínicos no pós operatório imediato, e ao
término de 12 meses.
Dos 105 pacientes, 48 tinham algum tipo de seguro
(comunicado de acidente de trabalho – CAT e outros) tiveram
retorno ao trabalho numa variação de quatro a doze semanas.
Os outros 57 pacientes que não tinham cobertura de seguro
retornaram ao trabalho dentro de duas a quatro semanas,
mostrando uma diferença significativa nos resultados finais.
DISCUSSÃO
A síndrome do túnel carpiano é a neuropatia periférica
mais comumente diagnosticada e tratada no mundo. Seu
tratamento pode variar de acordo com a gravidade dos
sintomas, onde dois métodos são freqüentemente usados :
conservador e cirúrgico.
Dentre os métodos conservadores se destaca: troca
de setor (rotação de atividades), uso de talas de velcro,
AINE, injeção de corticosteróide e uso de vitamina B6, onde
se obtém um índice de bons resultados de aproximadamente
30% na clínica diária 10,17,23. Com a falha do tratamento
conservador ou graus severos de compressão do nervo
mediano,a liberação cirúrgica do túnel carpiano está
indicada e, em geral, produz bons resultados, independente
da técnica cirúrgica utilizada.
O tratamento cirúrgico escolhido, nesse estudo
retrospectivo, foi o da mini-incisão19 sob anestesia local21,
monstrando-se um procedimento rápido e mais seguro do
que a via endoscópica, segundo os dados da literatura.
Shinya e cols14, Berger12 , Bozentka e cols13 e Hunt e
23
cols em seus estudos retrospectivos mostraram que os
procedimentos endoscópicos na liberação do túnel carpiano
podem causar lesão nervosa com freqüência duas vezes
maior do que a via aberta. Outras complicações descritas
pela via endoscópica são : liberação incompleta do ligamento
–9–
Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano.
transverso, laceração arterial arco palmar superficial e artéria
ulnar, hematoma, lesão de tendões flexores, distrofia
simpática reflexa, abertura do canal de Guyon
acidentalmente11,14,16.
Com relação às complicações, nesse estudo
prospectivo, foram dois (2) casos de distrofia simpática
reflexa, dois (2) de hematomas, dois (2) de infecção
superficial, um (1) deiscência de sutura e um (1) caso de
recorrência, sendo compatíveis com as complicações
encontradas na literatura1,5,24. Greco e Curtsinger25 , Carlotto
e cols26 relataram complicações devastadoras que devem
ser lembradas na liberação do túnel carpiano, como fasciítes
necrotizantes que necessitam a transferência de retalho livre
para cobertura. Assim como Ditmars e cols10, Hunt e cols23,
Phalen1, Foukes e cols27, a adição de epineurectomia e
tenossinovectomia como adjuvantes, neste estudo, não
mostraram benefícios clínicos significativos nos resultados.
A epineurectomia deve ser realizada quando o nervo está
espessado ou onde não se pode visualizar os fascículos
com uma lupa 2.5x de magnificação devido a um tecido de
cicatrização intenso envolvendo o nervo, como nos casos
de recorrência.
A tenossinovectomia causa sangramentos e é
recomendada somente quando há uma sinovia anormal,
espessada, invasiva ou quando também há cicatrização
hipertrófica dentro do túnel como na artrite reumatóide ou
doenças ocupacionais.
Em relação aos pacientes que apresentavam seguros,
concordamos com Nathan e cols18, que observaram uma
demora ao retorno de suas atividades habituais de
aproximadamente 10 vezes em relação aos pacientes que
não possuem cobertura de seguro, mostrando uma diferença
nos resultados finais, onde os pacientes segurados
apresentam sempre uma série de queixas adicionais.
CONCLUSÕES
- Na série estudada de 146 casos de Síndrome do túnel
carpiano, a liberação cirúrgica do nervo mediano foi
realizada sob anestesia local que se mostrou um método
simples de ser realizado pelo próprio cirurgião, confiável e
bem tolerado pelo paciente.
- Técnica de mini-incisão permite um retorno às atividades
habituais em até 2 semanas de pós-operatório.
- As complicações são mais fáceis de serem evitadas pela
técnica aberta, pois o nervo mediano e as estruturas do túnel
carpiano pode ser visualizados diretamente.
- Epineurectomia e tenossinovectomia adicional como
adjuvantes não influenciaram nos resultados clínicos.
- A técnica cirúrgica aberta, utilizando-se a mini-incisão em 146
pacientes apresentou complicações em apenas oito (5,4%).
- A auto-avaliação estimulada e que foi respondida por 80
pacientes mostrou 93% de satisfação com a cirurgia
realizada.
- Pacientes com cobertura de seguro, sem dúvida,
demoraram até 10 vezes mais o tempo para retornar ao trabalho, do que os pacientes sem cobertura.
- A técnica cirúrgica por via aberta não necessita longa curva
de aprendizado e possui uma a duas vezes menor chance
de ocorrerem complicações, quando comparado com a via
endoscópica.
Summary
SYNDROME OF THE CARPAL TUNNEL
Several surgical techniques are proposed for the treatment of the Syndrome of the carpal
tunnel: Arthroscopic dissection, Retinaculotomy and the Classic method. The aim of this
retrospective study is to analyse the result of the tratment of 146 fists operated, in a total
amount of 105 patient, by the technique of “Mini-incision”. There was a predominance of
the female sex (89% of the cases). Mean age was 43 years. The most frequently involved
side was the right side, being a total amount of 83 cases. The follow-up was from 12 to 48
months (average follow-up of 20 months). The diagnosis of the lesion was based on clinical
characteristics (signs and symptoms) emphasized by the sign of Phalen, digit-percussion,
night pain, muscular alterations and paresthesy. The main cause was idiopatic, bein the
amount of 97 cases (66,43%). Main complications were superficial infection (two cases),
Reflex sympathetic distrophy (two cases) , Hematoma (two cases), Suture deiscence (one
case) and recurrence (one case). Eighty patients (76%) answered a questionnaire. Seventyfive of them (93%) would be submitted to the surgery once more, in similar circumstances.
Regarding to Epineurectomy and additional Teno-sinovectomy, no significant difference in
the clinical results were found. According to the post-operative evaluation, the Authors
consider the results were excellent in 95 cases (65%), good in 30 cases (20,5%),
intermediate in 20 cases (13,6%) and poor in 1 case (0,6%).
Keywords: Syndrome of Nerve Compression.
–10–
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11.
Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano.
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–11–
Artigo Original
Embriotoxicidade da Artemisia
Vulgaris LINNÉ em ratas
Mara Regina Calliari-Martin, Solange Dieterich, Carlos Eduardo Bortolini, Carine Teixeira da Cunha, Geanine Lorenceti.
Laboratório de Ciências Fisiológicas – Instituto de Ciências Biológicas,
Universidade de Passo Fundo (RS).
Resumo
A Artemísia vulgaris Linné, é uma planta muito utilizada pelas mulheres da periferia de
Passo Fundo(RS) Brasil, com finalidade abortiva e/ou contraceptiva, na forma de chá
(infusão), pura ou diluída em uma bebida destilada, até atingir seu objetivo – o aborto.
Entretanto, quando as doses ingeridas, são insuficientes para interromper a gestação,
podem resultar em alterações importantes no desenvolvimento embriofetal ou em
toxicidade para a gestante e o concepto. Este estudo foi realizado para investigar o
potencial embriotóxico da A. vulgaris L., em ratas. O extrato aquoso da A. vulgaris L.,
(1500, 3000 e 6000 mg/kg), foi administrado por via oral (gavage), às ratas wistar, do
dia 6 ao 15 da prenhez. Ao 21° dia da prenhez, realizou-se a cesariana, e o número de
reabsorção e sítios de implantação foram contados. Os fetos foram pesados e
examinados para malformações externas. A exposição pré-natal à Artemísia não causou
toxicidade materna nem aumentou a freqüência de malformações externas em nenhuma
das doses administradas. Um aumento na taxa de reabsorções por implantação foi
observado com 6000 mg/kg, mostrando que houve perda pós-implantação. Portanto, os
dados apresentados neste estudo indicam que a A. vulgaris L. na dose de 6000 mg/kg
causou um efeito embriotóxico. E em doses abaixo de 6000 mg/kg não foram observados
efeitos adversos que pudessem ser a ela associados.
Unitermos: Artemísia vulgaris Linné, Planta medicinal,
Efeito embrioletal, Toxicidade reprodutiva, Teratogenicidade.
O uso de plantas medicinais como alternativa à alopatia
é muito difundido, principalmente pela população com menor
grau de instrução e poder aquisitivo. Dentre as finalidades do
uso dessas plantas pelas mulheres da periferia de Passo
Fundo, podemos citar as plantas utilizadas para alterar o
processo da reprodução1. Diversas plantas utilizadas com
finalidade anticonceptiva são relatadas apenas por possuírem
utilização popular; outras, porém, têm alguns efeitos
comprovados em animais de experimentação e no homem,
tais como, efeitos anticonceptivos, abortivos, estimulantes
uterinos, estrogênicos ou citotóxicos2. Entretanto, sabe-se
muito pouco ainda sobre os efeitos tóxicos ao organismo
materno e ao concepto, quando a gravidez não é interrompida.
Dependendo do período da gestação em que houver a
exposição (Pré-implantação, Organogênico, Fetal), das
diferenças de sensibilidade entre as espécies animais, do
agente químico e da dose, podem ocorrer diferentes respostas
no desenvolvimento embriofetal3. Desta forma, a exposição
materna aos extratos de plantas pode resultar em alterações
–12–
no desenvolvimento embriofetal, por diferentes mecanismos,
tais como interferência na implantação embrionária: Alecrim
(Rosmarinus officinalis)4 e Coentro (Coriandrum sativum)5;
efeito abortivo ou embrioletal: Boldo (Coleus barbatus)6 e
Canela (Cinnamomum zeylanicum)7 e Cominho (Cuminum
cyminum) 8 ; ainda, efeito embriotóxico: Gossypium
herbaceum9.
A Artemisia vulgaris L., do reino plantae, família
Asteraceae (Compostas), é uma planta ramosa e aromática,
originária da Europa e Ásia, perfeitamente aclimatada em
todo o Brasil, cultivada em hortas e jardins como ornamental
e medicinal. É conhecida popularmente como Artemíge,
Artemigen e Flor de São João. Dentre os principais
constituintes químicos extraídos do óleo essencial da A.
vulgaris L. podemos citar: alpha-Thujone (seu maior
componente: 56,3%)10, monoterpenos11, cânfora12 e alphacadinol13. Da planta também foram extraídos os isomeros
estruturais 6–Methoxy-7,8-methylen edioxycoumarin14, e os
ácidos 3,5-di-O-caffeoylquinic e 1,5-di-O-caffeoylquinic15.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17.
Calliari-Martin M R. e cols. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas.
A Artemisia Vulgaris L. é utilizada amplamente como
antinflamatória16, antihipertensiva16,17 ; e como coadjuvante
na acupuntura, através da aplicação da moxabustão
(aquecimento dos pontos de acupuntura pela combustão da
planta)18. Popularmente é utilizada como tônica, digestiva,
excitante, antiespasmódica, anti-helmíntica, reguladora da
menstruação1. Dentre as mulheres da periferia do Município
de Passo Fundo que utilizam a fitoterapia, 20% relataram
usar a Artemisia com finalidade abortiva ou contraceptiva,
na forma de chá (infusão), pura ou em associação com outras
plantas, ou diluída em bebida destilada, até atingir seu
objetivo – o aborto1. Entretanto, quando as doses ingeridas
são insuficientes para interromper a gestação, podem
resultar em toxicidade para a gestante e o concepto3 ou em
alterações na performance reprodutiva materna 19. Até o
momento, os estudos realizados não demonstram com
clareza a atividade da planta e seus efeitos sobre a função
reprodutiva.
Pretendeu-se pois, investigar o potencial embriotóxico
da A. vulgaris L em ratas wistar, tratadas durante o período
organogênico, (do dia 6 a 15 da prenhez).
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizou-se ratas Wistar, nulíparas, sexualmente
maduras, com peso variando entre 220 e 280 g, e machos
da mesma espécie, adultos, pesando em torno de 250 g. Os
animais, provenientes da colônia do Biotério Central do
Instituto de Ciências Biológicas - UPF, foram mantidos
durante os períodos de aclimatação (aproximadamente 10
dias) e experimental no Laboratório de Ciências Fisiológicas
- ICB, em uma sala com temperatura ambiente controlada
(22o C ± 2o C) e ciclo claro/escuro de 11/13 horas. As ratas
foram alojadas 1 a 1, durante a prenhez, em gaiolas de
polipropileno com tampas metálicas, medindo 18 x 45 x 30
cm. Água e ração foram oferecidas ad libitum durante todo o
período experimental.
Colocaram-se as ratas em gaiolas, numa proporção
de 2 fêmeas para cada macho, sempre no final da tarde. Na
manhã seguinte, coletou-se material vaginal de cada fêmea.
A cópula foi confirmada pela presença de esperma no intróito
vaginal e de espermatozóides no exame microscópico dos
esfregaços vaginais, e este foi denominado o “dia 0” da
gestação.
Após a coleta (Bairro Alexandre Zacchia - Passo
Fundo) e identificação botânica da planta, as folhas de A.
vulgaris L. (Figura 1) foram lavadas, secas e trituradas, logo
após, preparou-se o extrato de peso seco. O extrato aquoso
foi obtido utilizando-se a técnica de evaporação rotativa.
O extrato aquoso de A. vulgaris L. foi administrado às
ratas prenhes, por via oral com cânula intragástrica, uma
vez ao dia, durante o período organogênico (6º ao 15º dia da
prenhez). Três grupos de animais foram tratados com
diferentes doses do extrato (1500, 3000 e 6000 mg/kg de
peso corporal) e o grupo controle recebeu somente água
destilada.
Verificou-se o consumo de água e de ração ingeridos,
e o ganho de peso materno, diariamente, durante o período
de tratamento, e a cada dois dias, durante a gestação. Além
disto, observou-se a presença de alterações físicas
(pelagem, sialorréia e diarréia) e alterações
comportamentais (estereotipia, agressividade, limpeza e
locomoção).
Ao 21 o dia de prenhez, as ratas fêmeas foram
sacrificadas. O útero grávido foi pesado com seus conteúdos
e após realizou-se a contagem do número de fetos vivos e
mortos, posição dos fetos no útero, peso fetal: individual e
da ninhada, número de sítios de implantação, reabsorções e
de corpos lúteos. Determinou-se o número de sítios de
implantação pelo método reativo de Salewski20.
Após o nascimento, realizou-se a pesagem de todos
os filhotes e de suas respectivas placentas, após procedeuse a sexagem (contagem do número de machos e de fêmeas).
Procedeu-se o exame macroscópico com auxílio de
uma lupa (9,5 cm de diâmetro) realizando-se uma análise
minuciosa dos olhos, boca, implantação das orelhas,
conformação craniana, membros anteriores e posteriores,
perfuração anal e cauda. Todos os filhotes foram avaliados
quanto à presença de anomalias e/ou malformações externas.
Os dados foram analisados pela Análise de Variância
(ANAVA) ou, alternativamente, pelo teste não paramétrico
de Kruskal-Wallis21,
complementado com o teste de Comparações
Múltiplas de Dunn21, para as variáveis: número de filhotes
vivos; proporção de machos/fêmeas; número de natimortos;
peso fetal; consumo de ração e ingestão hídrica. Utilizou-se
o teste de Goodman22 para comparações entre e dentro de
populações binomiais para anomalias e malformações
externas. A probabilidade de p < 0,05 foi considerada capaz
de demonstrar diferenças significativas entre os resultados
obtidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Figura 1. Artemisia vulgaris LINNÉ.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17.
A exposição materna a agentes químicos, durante o
período de gestação pode, dependendo de fatores inerentes
ao organismo materno, à funcionalidade placentária ou a
uma ação direta no próprio organismo embriofetal resultar
em alterações no desenvolvimento do concepto. Essas
alterações, podem por sua vez, ocasionar a morte do
concepto, malformações ou anomalias ao nascer ou ainda
prejuízo no desenvolvimento físico e/ou comportamental do
–13–
Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas.
Figura 2. Ganho de peso materno
recém-nascido23. Outro fator importante é o período da
gestação no qual ocorre a exposição materna a esse agente
pois, como sabemos, a exposição química em diferentes
períodos da gestação de um mamífero pode resultar em
efeitos diversos devido às diferenças na sensibilidade do
concepto nesses períodos3. Isto posto, como se trata do estudo
de uma planta (A. vulgaris L.) utilizada no início da gestação
com finalidade abortiva, optamos por estudar a exposição
durante o período de maior sensibilidade aos agentes
químicos, no qual o embrião já está implantado no útero, ou
seja, em ratos, do 6 ao 15 de prenhez.
Quando avaliamos a embriofetotoxicidade de um
agente químico, além do período de exposição, devemos
levar em consideração a dose de exposição materna pois
existe uma dose limite para cada agente químico, abaixo da
qual não é observado nenhum efeito embriotóxico e a partir
da qual esse efeito aparece geralmente de maneira dosedependente. Nos testes de avaliação de efeito teratogênico
de substâncias químicas, a escolha de uma dose adequada
da substância teste é fundamental pois, quando administrada
em doses elevadas pode levar a intoxicação materna,
alterando os padrões de homeostase materna, necessários
para o bom desenvolvimento embriofetal23. Essas alterações
homeostásicas poderiam per se induzir a embriotoxicidade24,
o que não nos permitiria concluir se as possíveis alterações
observadas no concepto seriam devido à ação embriotóxica
da substância em estudo, ou decorrentes das alterações na
homeostase materna23.
Optamos pela utilização das doses de 1500, 3000 e
6000 mg/kg/dia, insuficientes para causar toxicidade
–14–
materna, de acordo com estudos de toxicidade realizados
em nosso laboratório 25. Sinais clínicos de toxicidade ou
mesmo a morte e a redução no ganho de peso corporal
materno, são evidências suficientes de toxicidade materna
e, invariavelmente, causam redução no peso corporal fetal24.
Para avaliarmos se a dose empregada viria causar
toxicidade materna utilizamos parâmetros de observação
direta (alteração da pelagem, sialorréia, diarréia, apatia,
agressividade, perda de comportamento de autolimpeza,
entre outros) e parâmetros de avaliação indireta (como
ganho de peso, consumo de água e de ração), durante o
período de gestação. A análise do ganho de peso corporal
das ratas, durante a gestação mostra que o peso total e
real (peso total menos o peso da ninhada) não foi alterado
em nenhum dos grupos tratados. Adicionalmente,
descontou-se o peso da ninhada do ganho de peso total
das ratas, pois variações no mesmo poderiam mascarar
alterações no ganho de peso real das ratas prenhes.
Embora o ganho de peso materno, durante o período de
tratamento, foi menor em relação aos demais grupos
experimentais não foi estatisticamente significante (Figura
2). Da mesma forma, o consumo de água e de ração
manteve-se semelhante em todos os grupos experimentais,
durante toda a prenhez. Portanto, esses resultados mostram
que não houve sinais de intoxicação materna, confirmando
os dados obtidos em estudos de toxicidade no nosso
laboratório25.
A exposição aos extratos de plantas pode resultar em
diferentes alterações no desenvolvimento embriofetal, devido
à: interferência na implantação embrionária; efeito abortivo
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17.
Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas.
ou embrioletal ou de efeito embriotóxico. Avaliamos a
performance reprodutiva materna, através da observação
dos parâmetros: número de fetos vivos (Figura 3); número
de corpos lúteos (Figura 4); número de implantações;
porcentagem de perda pós-implantação; peso fetal: da
ninhada e individual. Como pudemos observar a exposição
ao extrato aquoso de A. vulgaris L., não resultou em diferenças
significantes nas variáveis: peso fetal: da ninhada e
individual; número de corpos lúteos que pudessem ser a ela
associadas. Os grupos que receberam as maiores doses do
extrato (3000 e 6000 mg/kg) apresentaram maior número de
fêmeas com reabsorção total (perda embrionária total)
quando comparados aos grupos (1500 mg/kg) e controle.
Entretanto, não podemos associar esse aumento ao
tratamento, por não ter tido significância estatística.
Em relação à média de peso fetal por ninhada, no
grupo que recebeu 3000 mg/kg houve um aumento no peso,
quando comparado aos grupos controle e 6000 mg/kg.
Embora tenha sido semelhante o número de corpos lúteos
em todos os grupos experimentais, no grupo que recebeu
6000 mg/kg, houve uma redução significativa no número de
filhotes vivos, indicando perda pós-implantação. Esses
resultados, analisados em conjunto sugerem que houve
reabsorções embrionárias precoces, ou seja logo após a
implantação dos embriões ao útero (Tabela 1).
Poucos estudos experimentais têm sido realizados
para testar os efeitos teratogênicos de plantas medicinais,
GRUPO 1
GRUPO 2
GRUPO 3 GRUPO 4
CONTROLE 1500 MG/KG 3000 MG/KG 6000 MG/KG
Nº de fêmeas
acasaladas
com reabsorção total
12
0
12
0
10
2
10
2
embora a extrapolação desses dados tenha fundamental
importância para a prevenção de riscos tóxicos tanto para a
gestante como para o concepto. O extrato aquoso de boldo
(Coleus barbatus) administrado em ratas, nas doses de 440
e 880 mg/kg/dia, durante o período organogênico, resultou
em alterações vertebrais, e na diminuição do número de
centros de ossificação na dose de 880 mg/kg/dia6. Em nossos
experimentos, a exposição materna ao extrato aquoso de A.
vulgaris L., durante o período organogênico, não resultou
na incidência de anomalias ou de malformações externas
na prole (Tabela 2).
Os dados apresentados neste estudo mostram que o
tratamento de ratas com o extrato aquoso de Artemísia vulgaris
L., no período organogênico, não levou ao aparecimento de
sintomas de toxicidade materna; nem resultou na incidência
de anomalias e malformações externas.
Promoveu perda pós-implantação (i.é, taxa de
reabsorção por implantação), no grupo que recebeu 6000
mg/kg do extrato, reduziu assim, o tamanho da ninhada.
Pode-se concluir que a administração de 6000 mg/
kg/dia do extrato aquoso de Artemísia vulgaris L. em ratas,
durante o período organogênico, causou embrioletalidade
ou seja, houve um efeito abortivo, o que poderia justificar o
uso popular da planta para interromper a gestação. Portanto,
os resultados indicam que não foi observado nenhum nível
de efeito adverso (NOAEL), induzido pelo tratamento com a
Artemísia vulgaris L. em doses menores do que 3000 mg/kg.
Entretanto, estudos adicionais serão necessários para
elucidar o mecanismo de ação da Artemísia vulgaris L. sobre
a função reprodutiva e investigar possíveis efeitos no
desenvolvimento físico e comportamental da prole.
AGRADECIMENTOS
À Professora Dileta Cecheti, pelas sugestões na
análise estatística dos dados. À UPF, pela bolsa ao
acadêmico de Medicina Veterinária.
Nº corpos lúteos
(média + dp)
175
167
14,58 + 2,54 13,91 + 1,50
137
131
13,70 + 1,70 13,10 + 2,92
Nº implantações
(média + dp)
169
139
14,08 + 1,93 11,58 + 2,39
120
105
12,00 + 3,09 10,50 + 3,41*
Nº fetos vivos
(média + dp)
156
130
13,00 + 1,91 10,83 + 2,69
115
9,50 + 5,29
75
Anomalias
7,50 + 5,19 * Externas
Nº reabsorções
(média + dp)
13
1,08 + 0,99
9
0,75 + 0,86
15
2,50 + 4,25
30
3,00 + 4,19*
% Perda
Pós -implantação
2,63
7,09
11,90
35,48*
Peso Fetal
Ninhada (g).
(média + dp)
Individual (g).
(média + dp)
GRUPO 1
GRUPO 2
GRUPO 3
GRUPO 4
CONTROLE 1.500 MG/KG 3.000 MG/KG 6.000 MG/KG
Ninhadas afetadas
Fetos afetados
4,26 + 0,35
* p<0,05, em relação ao controle.
3,95 + 0,32
3,86 + 0,35
0/12
0/130
0/10
0/95
01/10
01/75
0/10
0/67
0/11
0/60
0/08
0/48
0/07
0/39
Malformações
Externas
74,04 + 10,76 66,93 + 16,34 68,94 + 9,61 65,65 + 11,38 Ninhadas afetadas
Fetos afetados
3,89 + 0,41
0/12
0/156
TABELA 2. Malformações e anomalias externas dos fetos de ratas
Wistar que receberam por gavage, dos dias 6 a 15 de prenhez, água
destilada ou extrato aquoso de Artemisia vulgaris L.
TABELA 1. Performance reprodutiva de ratas Wistar que receberam por
gavage, dos dias 6 a 15 de prenhez, água destilada ou extrato aquoso de Obs.: São apresentadas as médias e os respectivos desvios
A. vulgaris L.
padrões.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17.
–15–
Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas.
Figura 3. Fetos vivos e suas respectivas placentas.
Figura 4. Número de corpos lúteos.
Summary
EMBRIOTOXICIDY OF ARTEMISIA
VULGARIS LINNÉ IN FEMALE RATS.
Artemisia vulgaris Linné, it is very used by women living in suburbs of Passo Fundo, RS,
Brazil for abortive abortive purposes. It’s used in the form of a tea (infusion), pure or
diluted in a distilled drink, until reaching their purpose: the abortion. However, when the
ingested doses are insufficient to interrupt the pregnancy, important alterations in the
embrio-fetal development or a toxicity for the pregnant woman and for the embryo can
result. This study was proposed to investigate the embriotoxic potential of Artemisia
vulgaris L., in female rats. The aqueous extract of Artemisia vulgaris L., (1500, 3000 and
6000 mg/kg), was given orally (gavage), to wistar female rats, from the 6th to the 15th
days of pregnancy. In the 21st day of the pregnancy, a Cesarian section was performed
and the reabsorption number and implantation sites were counted. The fetuses were
evaluated for weight and external malformations. The pre-natal exposure to Artemisia
didn’t cause maternal toxicity nor increased the frequency of external malformations in
none of the administered doses. An increase in the reabsorption rate for implantation was
observed with the dose of 6000 mg/kg, showing that there was a post-implantation loss.
Therefore, the data presented in this study indicate that Artemisia vulgaris L., in the dose
of 6000 mg/kg caused embriotoxic effects and that, in the doses under 6000 mg/kg, no
adverse effects that could be associated to its use were observed.
Keywords: Artemísia vulgaris Linné, Medicinal Plants,
Embrioletal Effect, Reproductive Toxicity, Teratogenicity.
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Estadual Paulista.
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gestação de ratas. Botucatu, 1997; 79p. Dissertação
(Mestrado em Ciências Biológicas)-Instituto de
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1998; 79p. Dissertação (Mestrado em Ciências
Biológicas)-Instituto de Biociências, Universidade
Estadual Paulista.
9. Nath et al 1997 apud Almeida, F.C.G. Efeito tóxico do
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1998; 79p. Dissertação (Mestrado em Ciências
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10. Misra LN & Singh S P. Alpha-Thujone, the major component
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Científica, Universidade de Passo Fundo (Anais). Passo
Fundo, 2000; 40.
–17–
Artigo Especial
Serviço de Informações Sobre Medicamentos
Cátia Argenta , Mauren Andreis Trizotto, Carlos A S Torres ,
Carla B C Gonçalves , Ana M D Gindri, Maristela Pietroski.
Serviço de Farmácia Hospitalar do Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS).
Resumo
Prestar informações sobre a utilização de medicamentos com o objetivo de garantir o uso
racional dos mesmos é a missão da profissão farmacêutica. Com esta visão o Serviço de
Farmácia Hospitalar do Hospital São Vicente de Paulo integra às suas funções o Serviço
de Informações de Medicamentos (SIM), que busca esclarecer de forma clara e concisa
todas as dúvidas que chegam ao setor.
Unitermos: Serviço de Informação de Medicamentos,
Centro de Informações de Medicamento.
A solicitação de informações sobre medicamentos
sempre foi inerente aos trabalhos prestados pelo Serviço de
Farmácia Hospitalar (SFH) do Hospital São Vicente de Paulo.
Assim, com a preocupação de qualificar as informações
prestadas e registrá-las, iniciou-se no mês de junho de 2000
o registro dessas solicitações feitas à Farmácia Interna e
Farmácia Magistral. O Serviço de Informações de
Medicamentos (SIM) atende a profissionais atuantes no
Hospital como equipe de enfermagem, médicos, residentes
e estagiários de farmácia, medicina e enfermagem bem como
eventualmente solicitações externas feitas por profissionais
da saúde ou leigos.
O Serviço de Informações de Medicamentos tem por
objetivo fornecer informações sobre diluições/
reconstituições, concentrações, formas farmacêuticas,
similares, proporcionando o uso adequado e racional dos
mesmos. Uma das funções básicas do Serviço de
Informações de Medicamentos é fornecer respostas objetivas
e válidas às consultas realizadas pelas equipes de saúde e
leigos que as necessitem, sendo fundamentadas em
bibliografia referendada 1,2,3. Citam-se como bibliografias de
consulta as seguintes:
- Martindale, The extra pharmacopeia
- Drug, facts end comparisons
- Remington, Pharmaceutical Sciences
- Handbook on Injectable Drugs
- Goodman e Gilman, As bases Farmacológicas da
Terapêutica
- Compêndio Médico
- P R Vade Mecum 2000
- Guia de Remédios (BPR)
–18–
- USP-DI
- Index Merck
- DEF
- Guia Farmacoterapêutico do HSVP
A elaboração de boletins informativos e de
treinamentos que estimulem a utilização racional de
medicamentos é um dos trabalhos a serem desenvolvidos
por este serviço1,2,3. O objetivo maior do SIM é tornar-se um
Centro de Informações sobre Medicamentos (CIM), o qual
se difere do Serviço de Informações de Medicamentos (SIM),
por possuir profissionais farmacêuticos exclusivos para esta
atividade bem como estrutura física específica. Sobretudo, o
Serviço de Farmácia Hospitalar do HSVP visa a tornar o CIM
um serviço referência no interior do Estado.
Serão relatados neste estudo, os tipos de solicitações
de informações, o número de solicitações por setor do Hospital
e o número de solicitações de informações por mês.
Figura 1. Freqüência dos tipos de informações de medicamentos
solicitadas.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 18-19.
Argenta C e Cols. Serviço de Informações Sobre Medicamentos.
70
60
60
50
50
46
40
30
20
19
17
10
5
1
0
7
8
1
3
00 t/00 t/00 /00 /00
01 r/01 r/01
00 l/00
01
v
o/
n/
z
n/ ev/
u
e
a
u
g
o
u
e
a
J
S
Ab
J
O
J
F
M
A
N
D
Figura 2. Número de solicitações por setor do HSVP.
Figura 3. Número de solicitações de informações por mês de registro.
MATERIAIS E MÉTODOS
e similaridade; segundo o setor de origem e, ainda, conforme
o número de solicitações por mês de registro. Os resultados
encontram-se representados nas figuras.
Observa-se a continuidade das solicitações de
informações ao SIM, porém ocorre uma diminuição das
mesmas nos últimos meses, o que pode ser reflexo do
questionamento por parte da farmácia das solicitações e da
distribuição de papeletas com informações sobre similares,
o que resultou em um maior esclarecimento e conseqüente
diminuição das solicitações de informações. O SFH
disponibiliza informações sobre medicamentos mediante
conta telefônica.
Foram analisados os pedidos registrados de
informações sobre medicamentos solicitados à Farmácia
Interna e Farmácia Magistral do HSVP no período de junho
de 2000 a abril de 2001.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No período de análise (junho/2000 a abril/2001) foram
registradas pelo Serviço de Informações de Medicamentos
do HSVP 217 solicitações de informações, as quais foram
classificadas segundo o tipo de solicitação em:
reconstituição/diluição, concentrações, formas farmacêuticas
Summary
SERVICE OF INFORMATION ON MEDICINES
To render information about the use of medicines, guaranteeing their rational use, is one
of the missions of the Pharmaceutical profession. On this point of view, the Service of
Hospitalar Pharmaceutics of Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil,
integrates into their functions the Service of Information on Medicines (SIM), that intends
to explain, in a clear and concise way, all of the doubts that come to the Service.
Keywords: Service of Information on Medicines, Center of Information on Medicines.
REFERÊNCIAS
1. Arrizabalaga, M. J. et al. Información de
Medicamentos in Dominguez, Alfonso
et al.
Farmacia Hospitalaria. Ed Emisa, Madrid,
1990.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 18-19.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Guia Básico para a Farmácia
Hospitalar, Brasília, 1994.
3. Arancibia, Aquiles et al. Fundamentos de Farmacia Clinica.
Universidad de Chile, 1993.
–19–
Artigo de Revisão
Ecocardiograma Fetal
José Luis de Castro e Silva Pretto.
Serviço de Ecocardiografia, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS).
Com os recentes avanços tecnológicos somados à crescente melhora da habilidade dos
ultra-sonografistas obstétricos em rastrear malformações fetais, a precisão diagnóstica
da ultra-sonografia continua em expansão. A imagem de boa qualidade do coração fetal
é um objetivo difícil de ser conseguido em virtude de o coração fetal ser pequeno e se
movimentar rapidamente, necessitando de aparelhagem de alta resolução. Desde o
advento dos transdutores setoriais com imagens em tempo real, para o estudo
bidimensional e mapeamento de fluxo em cores, tem sido possível diagnosticar
cardiopatias congênitas, arritmias ou distúrbios funcionais do coração fetal. Com isso, por
meio do trabalho em equipe, nasceu a “Cardiologia Fetal”, onde desempenham
importante papel o aconselhamento genético, a decisão conjunta com obstetras sobre o
local e via de parto, a sofisticada técnica de monitorização fetal durante tratamento
antiarrítmico, bem como a intervenção para dilatação de uma valva cardíaca fetal
estenosada através de cateter balão.
Unitermos: Ecocardiografia, Cardiopatias Congênitas,
Frequência Cardíaca Fetal, Testes de Função Cardíaca.
Com os recentes avanços tecnológicos somados à
crescente melhora da habilidade dos ultra-sonografistas
obstétricos em rastrear malformações fetais, a precisão
diagnóstica da ultra-sonografia continua em expansão. A
imagem de boa qualidade do coração fetal é um objetivo
difícil de ser conseguido em virtude de o coração fetal ser
pequeno e se movimentar rapidamente, necessitando de
aparelhagem de alta resolução. Desde o advento dos
transdutores setoriais com imagens em tempo real, para o
estudo bidimensional e mapeamento de fluxo em cores, tem
sido possível diagnosticar cardiopatias congênitas, arritmias
ou distúrbios funcionais do coração fetal.
DISCUSSÃO
Indicações
Fatores maternos:
- História familiar de cardiopatia congênita (aumento de risco
de 10% se pais afetados).
- Filho anterior cardiopata (aumento de risco de 2% para 1
afetado, 10% para 2 afetados, lembrando que a incidência
de cardiopatias na população é de 1%).
- Diabete melito (risco de cardiopatia fetal em torno de 2%; o
controle adequado do diabete no início da gestação
provavelmente reduz esse risco).
- Exposição a agentes comprovadamente cardioteratogênicos (lítio, anticonvulsivantes) ou com ação em
canal arterial (vasoconstritor nasal em grandes quantidades
e antiinflamatórios não-hormonais).
–20–
Fatores fetais:
- Gestantes “normais”, cuja ultra-sonografia obstétrica
revelou aspecto anormal do coração fetal pelo rastreamento
(corte de 4 câmaras ou saída das artérias anormal). É
considerado o grupo de mais alto risco.
- Anomalias extracardíacas e cariótipo fetal alterado.
- Translucência nucal aumentada, independente-mente do
resultado do cariótipo.
- Hidropisia fetal não imune.
- Arritmias fetais (foco arrítmico ou com “pausas”).
- Bradicardia (freqüência cardíaca menor que 100 bpm).
Lembrar que as bradicardias transitórias costumam ser
benignas e que as bradicardias mantidas com freqüências
abaixo de 80 bpm costumam ser formas de bloqueio
atrioventricular e, portanto, devem ser estudadas o mais
rápido possível.
- Taquicardia (freqüência acima de 200 bpm). É emergência
em Cardiologia fetal pelo risco de óbito e hidropisia. Indicar
ecocardiografia fetal para definição seguida de tratamento
imediato.
Os exames podem ser realizados a partir da 18a
semana de gestação pela técnica transabdominal, porém
com melhor qualidade de imagens ao redor da 28a semana,
quando as valvas estão bem desenvolvidas e a
movimentação fetal é menor. Quando necessário, entretanto,
pode-se analisar a anatomia cardíaca e o ritmo cardíaco
fetal a partir da 12a semana, por meio de técnica mais recente
que utiliza transdutor vaginal.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22.
Pretto J L C S. Ecocardiograma Fetal.
Aspectos técnicos
Dados de literatura apontam que as maiores causas
de erros em ecocardiografia fetal ocorrem devido à utilização
de equipamentos de baixa resolução, sem capacidade de
ampliar as imagens e sem Doppler. Alguns erros podem
ocorrer pela má qualidade de imagem no polidrâmnio, na
obesidade materna, ou diante de posição fetal inadequada.
Em conseqüência da limitação da resolução da imagem não
é possível diagnosticarem-se defeitos menores que 1,5 mm,
como pequenas comunicações interventriculares. Estenoses
discretas das valvas aórtica e pulmonar podem passar
despercebidas, pois o aspecto da valva nesses casos é
normal e a velocidade do fluxo ao Doppler, menor que no
período pós-natal, em virtude da baixa pressão
intraventricular presente em vida fetal. Outros defeitos, como
a coarctação da aorta e a comunicação interatrial tipo “ostium
secundum”, são difíceis de se diagnosticar pela similaridade
com a anatomia fetal normal. Além disso, devemos lembrar
que muitas lesões têm caráter progressivo, piorando com o
desenvolvimento da gestação como é o caso da própria
coarctação ou das miocardiopatias hipertróficas. É importante,
nesses casos, que se façam estudos ecocardiográficos seriados.
Ecocardiograma fetal com qualidade técnica
satisfatória é obtido na maioria das gestantes, sendo
necessária repetição do exame em cerca de 4% dos casos,
na maioria das vezes por idade gestacional precoce (53%)
ou posição fetal inadequada (37%). Algumas vezes, o
ecocardiograma é tecnicamente impossível devido à
obesidade materna.
Torna-se importante enfatizar que, sendo a
ecocardiografia fetal uma técnica relativamente recente, é
natural que defeitos mais graves e sintomáticos sejam os de
mais fácil reconhecimento pelo ultra-sonografista obstétrico,
que os tria para os centros de referência, somente assim
essa técnica poderá render todo o seu potencial, fazendo
com que o tratamento precoce do recém-nascido cardiopata
se torne uma realidade.
Finalidade de estudar o coração do feto
Há inúmeras vantagens em se afastar ou reconhecer
as anormalidades cardíacas fetais. Nos casos em que o
resultado é normal, tranqüiliza-se os pais. Nos outros casos
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22.
com anormalidade cardíaca, é possível planejar para que o
parto ocorra em hospital com suporte adequado para assistir
o recém-nascido cardiopata. Nos casos de arritmia fetal com
insuficiência cardíaca, o tratamento por meio de
medicamentos já é uma realidade.
As cardiopatias congênitas são, atualmente, os
defeitos congênitos mais comuns encontrados na infância,
afetando aproximadamente 8/1.000 nascidos vivos. Dentre
esses 8 afetados, 3 apresentam anomalias de conexão,
associadas a formas severas de cardiopatias congênitas.
Arritmias Fetais
O interesse nas arritmias cardíacas fetais tem
aumentado nos últimos anos, em conseqüência da maior
utilização dos métodos de monitorização fetal. A incidência
dos vários tipos de arritmias no feto difere do espectro
encontrado no neonato e na criança. A extra-sistolia atrial é
o tipo de arritmia mais freqüentemente encontrado,
apresentado evolução benigna, sendo possível fazer-se o
diagnóstico de taquicardias em supraventriculares ou
ventriculares e sustentadas ou não sustentadas como
também se fazer a monitorização de reversão do ritmo após
tratamento medicamentoso. O diagnóstico de bloqueio
atrioventricular também pode ser feito, sendo indicado parto
operatório, em razão da impossibilidade de se monitorizar o
trabalho de parto.
O diagnóstico do tipo de arritmia é importante por
determinar não só o tipo de tratamento como também a
conduta obstétrica. À equipe multidisciplinar de Medicina
Fetal importa o tipo e a gravidade da arritmia, sua associação
com cardiopatias ou outras malformações, e seu
comportamento frente à terapêutica antiarrítmica.
Deve-se ressaltar que, ao se estudar uma arritmia
fetal, é importante:
- distinguir de sofrimento fetal;
- afastar associação com cardiopatia congênita;
- pesquisar a presença de insuficiência cardíaca (insuficiência
tricúspide e/ou derrames ou ascite e/ou hidropisia);
- detectar as “emergências” e encaminhá-las para Centro de
Referência treinado em tratamento antiarrítmico fetal;
- lembrar da associação do bloqueio A-V fetal com a doença
materna do tecido conectivo.
–21–
Pretto J L C S. Ecocardiograma Fetal.
Summary
FETAL ECOCARDIOGRAM - REVIEW
Recent technological progresses added to a continuous increase in the ability of Obstetric
Sonographists in detecting fetal malformations, the diagnostic precision of the Ultrasound scan continues in expansion. A good quality of the images of the fetal heart is
difficult to obtain because fetal heart is small and moves rapidly, needing high resolution
equipment for its examination. From the coming of sectorial transducers with real-time
images, for two-dimensional study and color graph of blood flow, it has been possible to
diagnose congenital cardiopathies, arrhythmias or functional disturbances of the fetal
heart. Due to the above mentioned factors, through the work in teams, “Fetal Cardiology”
was “born”, playing an important role in Genetic counseling, in the decision together with
Obstetricians on the Delivery option, on the sophisticated technique of fetal monitorization
during treatment of arrhytmias, as well as the intervention for dilation of a stenosed fetal
heart valve through a balloon catheter.
Keywords: Ecocardiography, Congenital Cardiopathies,
Fetal Heart Rate, Fetal Heart Function Tests.
REFERÊNCIAS
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Revista SOCESP 1999; 9: 5.
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congenital heart disease detected echocardiographically
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3. Lopes LM, Kahhale S, Barbato A, et al. Diagnóstico pré-
–22–
natal das cardiopatias congênitas e arritmias pela
ecodopplercardiografia. Arq Bras Cardiol
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4. Silverman NH, Golbus MS. Echocardiographic techniques
for assessing normal and abnormal fetal cardiac
anatomy. J Am Coll Cardiol 1985;5:205-95.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22.
Artigo de Revisão
Respostas Morfo-fisiológicas do Organismo
ao Treinamento Aeróbico e de Força
Hugo Tourinho Filho1.
Laboratório de Pesquisa e Ensino do Exercício (Lepex).
Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (FEFF/UPF).
Resumo
A presente revisão busca identificar algumas adaptações funcionais e estruturais
provocadas pelo treinamento aeróbico e de força sobre o organismo. Para tal, em um
primeiro momento, define-se o processo de adaptação no organismo causado pela
atividade física e as possíveis influências recebidas por esse processo (idade, sexo, nível de
condicionamento físico, quantidade e qualidade de sobrecarga, alimentação). Em seguida,
enumeram-se as respostas morfofisiológicas observadas no organismo após passar por um
programa de treinamento de resistência aeróbica ou força muscular, procurando relacionálas com o desempenho atlético e com a melhoria da qualidade de vida.
Unitermos: Educação e Treinamento Físico, Fisiologia do
Sistema Musculo Esquelético, Adaptação Biológica.
A adaptação é um fenômeno biológico fundamental e
que tem grande relevância prática no esporte. O treinamento
regular provoca uma série de estímulos que produzem
modificações e adaptações estruturais e funcionais, as quais
representam a base sobre a qual se constrói uma maior
capacidade de desempenho do atleta1.
As adaptações do organismo decorrentes dos
processos de treinamento desportivo podem ser de ordem
aguda ou crônica. As chamadas adaptações (respostas)
agudas são aquelas que ocorrem durante e imediatamente
após o exercício, buscando o retorno a um estado de
equilíbrio orgânico e o atendimento às demandas do
estímulo imposto pela atividade física. Já as adaptações
orgânicas ditas crônicas são sinônimo de efeitos do
treinamento desportivo e correspondem a alterações
morfofisiológicas derivadas da repetição sistemática de
exercícios 1 2 . São exemplos de adaptações agudas as
elevações da freqüência cardíaca, da temperatura corporal,
do volume sistólico, da freqüência e volume respiratório,
entre outras, durante a prática do exercício. Por sua vez, as
adaptações crônicas são bem representadas pela
hipertrofia muscular, bradicardia de repouso, elevação da
potência aeróbia e demais adaptações mais ou menos
duradouras 2.
Para Sharkey3, as adaptações também podem ser
classificadas em periféricas, aquelas que ocorrem dentro ou
ao redor das fibras musculares, e centrais, que são
observadas nos sistemas cardiovascular, respiratório e
neurológico. As adaptações periféricas são específicas do
tipo de exercício, ao passo que algumas adaptações centrais
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
são específicas e outras são gerais, permitindo, dessa forma,
alguma transferência de treinamento.
De acordo com Weineck 4 , pode-se afirmar que
adaptação e capacidade de adaptação são influenciadas
por um grande número de fatores (idade, sexo, nível de
condicionamento físico, quantidade e qualidade de
sobrecarga, alimentação), como pressupostos básicos para
a elevação da capacidade de desempenho de todo o
organismo ou de seus sistemas.
Os processos de adaptação manifestam-se de
diversas formas e têm sua extensão limitada por fatores
genéticos; dessa forma, estímulos provenientes do meio
ambiente, como o treinamento físico, causam a transposição
do genótipo em fenótipo somente num sentido limitado4.
Procurando ilustrar a influência dos fatores
hereditários sobre as repostas do organismo aos estímulos
oferecidos pelo treinamento físico, Keul, König, Huonker,
Halle, Wohlfahrt & Berg5 relatam que, no caso, por exemplo,
do consumo máximo de oxigênio (VO2máximo), pode-se estimar
que os fatores hereditários encontram-se entre 20 e 60% da
variação total do fenótipo, e a taxa para melhorar o VO2máximo
por meio do treinamento situa-se, por esse motivo, entre 2040%.
De forma semelhante, Hollmann & Hettinger6 afirmam
que a resistência aeróbia dinâmica - expressa pelo consumo
máximo de oxigênio - pode ser aumentada em cerca de 40%;
já a resistência aeróbia local dinâmica pode melhorar em
mais de 100%, ou até mais de 1000%, pois representa o
componente condicionado do desempenho humano melhor
treinável. Com relação à capacidade motora força, no sentido
–23–
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
de força máxima, pode ser melhorada em aproximadamente
40% em comparação ao nível inicial; entretanto, de acordo
com Hollmann & Hettinger6, devem-se considerar também
os diferentes níveis iniciais de cada grupo muscular na vida
diária - por exemplo, o alto grau de treinamento dos músculos
da mastigação. Ainda, segundo esses autores, a velocidade
mostra o determinante genético mais forte de todos os fatores
físicos de desempenho e só pode ser aumentada em torno
de 15 a 20%, ou até menos.
Além dos aspectos relativos à influência do potencial
genético individual sobre as respostas adaptativas do
organismo, acredita-se ser importante ressaltar também que
as adaptações observadas no organismo, alcançadas graças
aos estímulos oferecidos pelos processos de treinamento
desportivo, levam a “marca” do tipo de exercício
sistematicamente utilizado nos treinos. Desse modo, cada
exercício determina o grau de atividade dos vários órgãos,
dos diferentes tipos de músculos e unidades motoras7. Da
mesma forma, Maccafferty & Horvath8 enfatizam que existem
algumas respostas e adaptações específicas a diferentes
tipos de exercícios bastante claras em muitas funções
fisiológicas: “Atletas campeões em diferentes esportes
apresentam variações consideráveis tanto nas características
fisiológicas assim como nas características físicas.” Essas
diferenças são atribuídas ao aspecto hereditário e ao tipo de
treinamento específico usado pelo atleta8.
Nessa mesma linha de raciocínio, Coyle9 afirma que
o treinamento físico expõe os vários sistemas do corpo a
estímulos fisiológicos potentes. Esses estímulos induzem
adaptações específicas que aumentam a tolerância individual
para o tipo de exercício desenvolvido no treinamento. Para
o autor, os níveis dessa adaptação e a magnitude da
tolerância ao exercício são proporcionais à potência do
estímulo oferecido pelo treinamento físico.
De acordo com Maccafferty & Horvath8, o conceito de
especificidade do exercício parece ter uma base subcelular
nas diferentes fontes de energia para as diferentes atividades.
Nesse sentido, velocistas dependem, primariamente, dos
estoques de fosfagênios muscular para competir; assim, o
treinamento deveria ser dirigido para que esses estoques
fossem aumentados através do treinamento de velocidade.
Por sua vez, atletas de esportes de longa duração dependem
da degradação oxidativa de carboidratos e gordura; portanto,
adaptações para esse tipo de atividade deveriam ser
induzidas ao longo de todo o processo de treinamento de
resistência aeróbia. Porém, deve-se salientar que diferentes
fontes de energia são usadas para diferentes eventos
atléticos, dependendo tal uso do tipo, intensidade e duração
do exercício; assim, os programas de treinamento deveriam
ser dirigidos no sentido de aumentar os estoques específicos
de energia para os eventos esportivos8. Nesse sentido, Viru
& Viru7 relatam que o conhecimento preciso da relação entre
os exercícios e os efeitos do treinamento sobre os tecidos é
essencial para guiar o processo de treinamento, além de
possibilitar feedback dos procedimentos utilizados no
programa de exercícios.
–24–
Algumas adaptações do organismo frente ao treinamento
de resistência aeróbia
Há algum tempo já se estuda o comportamento do
organismo frente aos estímulos provocados pelo treinamento
de resistência aeróbia, e a fisiologia do exercício é, talvez, a
área que mais vem contribuindo com estudos sobre o assunto.
Em geral, há um consenso sobre os efeitos do treinamento
aeróbio sobre o organismo, de forma que a maioria dos livros
e periódicos abordam de forma semelhante esse conteúdo.
Para Fox, Bowers & Foss 10, o treinamento induz
alterações fisiológicas em quase todos os sistemas do corpo,
particularmente dentro da musculatura esquelética
(adaptações periféricas) e do sistema cardiorrespiratório
(adaptações centrais).
Com relação às adaptações periféricas provocadas
pelo treinamento de resistência aeróbia, Maughan, Gleeson
& Greenhaff11 (1997) destacam as seguintes:
a) hipertrofia seletiva das fibras do tipo I;
b) aumento do número de capilares sangüíneos por fibra muscular;
c) aumento do conteúdo de mioglobina;
d) aumento da capacidade da mitocôndria em gerar ATP
pela fosforilação oxidativa;
e) aumento do número e tamanho das mitocôndrias;
f) aumento da capacidade para oxidar lipídios e carboidratos;
g) aumento na utilização de lipídios como combustível;
h) maiores estoques de glicogênio e triglicerídios musculares.
Para Neufer 12 (1989), as elevações dos níveis
enzimáticos observados nas mitocôndrias em uma
musculatura treinada permitem ao metabolismo oxidativo
contribuir com uma maior parcela na demanda de energia
total. Da mesma forma, McArdle, Katch & Katch13 afirmam
que as adaptações metabólicas e circulatórias locais obtidas
com o treinamento de resistência aeróbia podem explicar,
em parte, o menor ritmo de utilização do glicogênio e o
aumento concomitante na capacidade das mitocôndrias para
o metabolismo dos ácidos graxos livres durante um exercício.
Esse efeito de preservação (poupança) de glicogênio é
importante no exercício extenuante prolongado13. Segundo
a revisão realizada por Fox et alii10, o aumento na capacidade
dos músculos para oxidação de gordura após um treinamento
de resistência aeróbia está relacionado a três fatores:
a) aumento nas reservas intramusculares de triglicerídios,
que constituem a forma de armazenamento da gordura;
b) maior liberação de ácidos graxos livres a partir do tecido
adiposo, isto é, a disponibilidade de gorduras como
combustível aumenta;
c) aumento nas atividades das enzimas implicadas na
ativação, no transporte e na desintegração dos ácidos graxos.
Em síntese, Holloszy & Coyle 14 relatam que o
treinamento de resistência aeróbia induz a inúmeras
adaptações da musculatura esquelética. Uma das
conseqüências dessas adaptações é que, em uma mesma
taxa de trabalho, é requisitado um percentual mais baixo da
capacidade respiratória máxima muscular, resultando, por
essa razão, em menores distúrbios na homeostase. Segundo
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
os autores, uma segunda conseqüência provocada pelas
capacidade celular de fornecimento, extração e utilização
adaptações na musculatura esquelética é o aumento na
do oxigênio, torna-se necessário menos fluxo sangüíneo
capacidade de oxidar gorduras, com uma proporcional
regional para atender às necessidades do oxigênio do
diminuição da utilização de carboidratos durante exercício
músculo. Essa redução no fluxo sangüíneo muscular poderia
submáximo. As conseqüências metabólicas dessas
liberar sangue para áreas inativas, porém de função
adaptações do músculo ao treinamento aeróbio exercem
importante, como o fígado, rins, pele, fato que seria de
importante papel com relação aos seguintes aspectos: 1)
considerável benefício para manter um exercício submáximo
aumento da resistência aeróbia; 2) capacidade para exercitarprolongado. Por outro lado, o treinamento de resistência
se em percentual mais alto do VO2máximo, através de uma
aeróbia acarreta grandes aumentos no fluxo sangüíneo
depleção mais lenta do glicogênio e reduzida produção de
muscular total durante o exercício máximo, em virtude
lactato, fato que se traduz na elevação do limiar lático14.
principalmente do aprimoramento no débito cardíaco máximo
Com relação às adaptações centrais provocadas pelo
e da redistribuição do sangue das áreas inativas para a
treinamento de resistência aeróbia, McArdle et alii 13
musculatura em atividade;
acreditam que, como o sistema cardiovascular e o
h) função respiratória: aumentos nos volumes respiratórios
respiratório estão intimamente ligados ao processo aeróbio,
acompanham os aumentos no VO2máximo. Durante exercício
ocorrem alterações correlatas que são tanto funcionais
submáximo, a pessoa treinada ventila menos que antes do
quanto dimensionais, a saber:
treinamento. Tal adaptação pode ser útil no exercício
a) volume cardíaco: o peso e o volume do coração, em
prolongado, pois a maior eficiência (economia) ventilatória
geral, aumentam com o treinamento aeróbio. Uma hipertrofia
significa mais oxigênio disponível para os músculos ativos.
cardíaca constitui uma adaptação normal ao treinamento,
Procurando sintetizar, de forma quantitativa, os efeitos do
sendo caracterizada por um aumento no tamanho da
treinamento de resistência aeróbia sobre o organismo são
cavidade ventricular esquerda, assim como por um
apresentados alguns valores aproximados (Tabela 1),
espessamento de suas paredes. O treinamento aeróbio é
visando mostrar as diferenças observadas entre indivíduos
caracterizado mais por provocar um aumento no tamanho
que passaram por um treinamento aeróbio em relação a
da cavidade ventricular; já o espessamento das paredes
outros sadios, porém que não realizaram qualquer tipo de
cardíacas constitui uma adaptação mais característica do
treinamento de resistência aeróbia.
treinamento de força;
De acordo com McArdle et alii 13 , os dados
b) volume sangüíneo: o volume plasmático e a hemoglobina
apresentados na Tabela 1 são valores aproximados,
total tendem a aumentar com o treinamento de resistência
devendo-se ter cautela ao admitir que a diferença observada
aeróbia. Essa adaptação pode aprimorar a dinâmica
entre atletas e não-atletas representa, necessariamente, o
circulatória e termorreguladora de forma a facilitar a
resultado do treinamento, pois as diferenças genéticas entre
capacidade de fornecimento de oxigênio durante o exercício;
indivíduos provavelmente exercem poderosa influência sobre
c) freqüência cardíaca: a freqüência cardíaca em repouso
muitos desses fatores.
e durante a realização de exercício submáximo sofre uma
redução como resposta do organismo ao treinamento
Variáveis
Destreinado Treinado
aeróbio. As alterações observadas na freqüência cardíaca
Glicogênio, mmol . g de músculo úmido-1
85,0
120
constituem um índice conveniente para medir o
Número de mitocôndrias, mmol
0.59
1,20
aprimoramento induzido pelo treinamento de resistência
Volume das mitocôndrias, % da célula muscular
2,15
8,00
aeróbia;
ATP em repouso, mmol . g de músculo úmido-1
3,00
6,00
d) volume de ejeção: o volume de ejeção aumenta
CP em repouso, mmol . g de músculo úmido-1
11,0
18,0
significativamente em repouso e durante o exercício. O maior
-1
10,7
14,5
volume de ejeção resulta de um grande volume ventricular, Creatina em repouso, mmol . g de músculo úmido
-1
Fosfofrutoquinase,
mmol
.
g
de
músculo
úmido
50,0
50,0
acompanhado por uma melhor contratibilidade do miocárdio;
-1
Fosforilase,
mmol
.
g
de
músculo
úmido
4-6
6-9
e) débito cardíaco: resultado do produto entre a freqüência
-1
Succinato
desidrogenase,
mmol
.
g
de
músculo
úmido
5-10
15-20
cardíaca e o volume de ejeção, uma das alterações mais
110
150
importantes na função cardiovascular com o treinamento Ácido lático máximo, mmol . kg de músculo úmido-1
50
20-30
aeróbio é o aumento do débito cardíaco máximo. Levando- Fibra muscular de contração rápida, %
50
60
se em conta que a freqüência cardíaca máxima pode até Fibra muscular de contração lenta, %
120
180
diminuir ligeiramente, o maior rendimento do coração (débito Volume de ejeção máximo, ml . batimento-1
cardíaco) resulta diretamente do aumento no volume de Débito cardíaco máximo, l . min-1
20
30-40
ejeção;
Freqüência cardíaca em repouso, batimentos . min-1
70
40
f) extração de oxigênio: o treinamento produz grandes Freqüência cardíaca máxima, batimentos . min-1
190
180
aumentos na quantidade de oxigênio extraído do sangue Diferença A-VO2 máxima, ml . 100 ml-1
14,5
16
-1
-1
circulante. Um aumento na diferença arteriovenosa de VO
,
ml
.
kg
.
min
30-40
65-80
2máximo
oxigênio resulta de uma distribuição mais eficiente do débito Volume cardíaco, l
7,5
9,5
cardíaco para os músculos ativos, bem como de uma Volume sangüíneo, l
4,7
6,0
capacidade maior de as células musculares extraírem e Ventilação máxima, l . min-1
110
190
utilizarem o oxigênio;
g) fluxo e distribuição do sangue: à medida que aumenta a Tabela 1. Valores metabólicos e fisiológicos para homens treinados
aerobiamente e destreinados sadios (McARDLE et alii, 1992).
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
–25–
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
Em uma outra revisão realizada por FOX et alii10 a
respeito dos efeitos do treinamento de resistência aeróbia
sobre o organismo, os autores classificaram as adaptações
em bioquímicas, sistêmicas (em repouso, durante exercício
submáximo e durante exercício máximo), respiratórias e
outras alterações. Com relação às alterações bioquímicas,
os autores citam as seguintes adaptações que podem ser
observadas no organismo após um programa de treinamento
de resistência aeróbia:
a) maior conteúdo de mioglobina;
b) maior oxidação de carboidratos (glicogênio);
c) maior oxidação de gorduras.
Em relação às alterações (adaptações) sistêmicas,
FOX et alii10 procuraram dividi-las em alterações observadas
em repouso, durante exercício submáximo e durante
exercício máximo:
1 - Em repouso:
a) hipertrofia cardíaca;
b) menor freqüência cardíaca;
c) maior volume de ejeção;
d) aumento no volume sangüíneo e no conteúdo de
hemoglobina.
2 - Durante o exercício submáximo:
a) nenhuma alteração ou ligeira redução no VO2máximo;
b) menor utilização do glicogênio muscular;
c) redução no acúmulo do lactato;
d) nenhuma alteração ou ligeira redução no débito cardíaco;
e) maior volume de ejeção;
f) redução na freqüência cardíaca;
g) menor fluxo sangüíneo por quilograma de músculo ativo.
3 - Durante exercício máximo:
a) aumento no VO2máximo;
b) maior acúmulo de lactato;
c) maior débito cardíaco;
d) maior volume de ejeção;
e) nenhuma alteração ou ligeira redução na freqüência
cardíaca;
f) nenhuma alteração no fluxo sangüíneo muscular por
quilograma de músculo.
Dirigindo-se especificamente ao sistema respiratório,
Fox et alii10 incluem as seguintes adaptações do organismo
ao treinamento de resistência aeróbia:
a) maior ventilação pulmonar;
b) maior eficiência respiratória;
c) aumento nos volumes pulmonares;
d) maior capacidade de difusão.
Finalizando a revisão dirigida por Fox et alii10 sobre
as adaptações do organismo frente ao treinamento aeróbio,
os autores incluíram, dentro do que denominaram de “outras
alterações” que resultam dos estímulos provenientes do
treinamento aeróbio, a redução na gordura corporal, a
redução nos níveis sangüíneos de colesterol e de
triglicerídios, a queda da pressão arterial durante o repouso
e o exercício e a maior aclimatação ao calor.
Pelos dados obtidos sobre os efeitos do treinamento
de resistência aeróbia sobre o organismo, fica evidente a
importância dessa forma de trabalho não só para a melhoria
do desempenho em esportes que apresentam em suas
–26–
características a predominância do metabolismo aeróbio,
mas, também, como um importante aliado na prevenção de
problemas cardiovasculares, contribuindo, conseqüentemente para a melhoria da qualidade de vida.
Algumas adaptações do organismo frente ao treinamento
de força muscular
De forma geral, também se observa um consenso
entre os pesquisadores a respeito das adaptações
provocadas pelo treinamento de força sobre o organismo.
Para Fleck & Kraemer15, uma grande quantidade de
informações sobre as adaptações ao treinamento de força
acumulou-se durante a década passada. Segundo os
autores, é importante observar que a eficácia de um programa
de treinamento de força para causar mudanças varia de
acordo com a quantidade de adaptações já ocorridas no
organismo. Por exemplo, se um atleta nunca treinou usando
o exercício de supino, as mudanças iniciais na força serão
enormes; porém, após ele treinar progressivamente por um
longo período de tempo, os ganhos obtidos serão
comparativamente pequenos, visto que o potencial para
adaptação já foi utilizado. Conseqüentemente, do início ao
fim de um programa de treinamento, os ganhos ou
adaptações não acontecerão em uma velocidade constante,
sendo, geralmente, maiores as mudanças no início do
treinamento, diminuindo com a sua continuação15.
Uma das adaptações mais importantes provocadas
pelo treinamento de força está centrada no aumento dos
músculos (hipertrofia). Hoje em dia, os cientistas do esporte,
os atletas e os técnicos concordam em que um programa de
treinamento de força adequadamente planejado e executado
conduz ao crescimento muscular15.
Para Maughan et alii11, já é bem documentado que a
hipertrofia das fibras musculares (particularmente as do tipo
II) pode ocorrer com períodos mais longos de treinamento
intenso de força. O diâmetro das fibras de músculos de
levantadores de peso e fisiculturistas é maior do que as fibras
musculares de pessoas sedentárias. Na revisão realizada,
os autores relatam que estudos longitudinais indicaram que
a área de seção transversa das fibras do tipo II pode ser
aumentada por volta de 50% após alguns meses de
treinamento com pesos. Ainda segundo os autores,
experimentos com animais, em que a hipertrofia muscular
foi induzida através da remoção cirúrgica de músculos
sinergistas, confirmaram a hipertrofia de fibras individuais,
porém sugerem que o número total de fibras não apresenta
modificações dentro das adaptações musculares ao
treinamento de força. Tal afirmação vem refutar a hipótese
levantada de que o aumento no tamanho do músculo possa
ser causado também pela hiperplasia da fibra muscular, ou
seja, pelo aumento no número de fibras musculares.
Conforme Fleck & Kraemer 15, embora nenhuma
evidência concreta apóie a teoria da hiperplasia, existem
indicações de que ela ocorre a partir do treinamento de força.
Em virtude desses resultados conflitantes, o assunto, na
concepção de Fleck & Kraemer15, permanece controverso,
de forma que pesquisas futuras com levantadores de peso
competitivos talvez possam ajudar a resolver essa
controvérsia. A dificuldade de se comprovar a hiperplasia
das fibras musculares de humanos reside principalmente
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
nas questões metodológicas, por exemplo, na inviabilidade
de se retirar todo o músculo para realizar os exames. No
entanto, ainda que a hiperplasia em seres humanos possa
não ser a resposta adaptacional primária da maioria das
fibras musculares, ela poderia representar uma adaptação
ao treinamento de força que é possível quando certas fibras
musculares alcançam um limite superior teórico para o
tamanho da célula15. Em teoria, um treinamento muito intenso
e de longa duração poderia fazer de algumas das fibras
musculares do tipo II as principais candidatas a tal reação
de adaptação, e se, nesse caso, a hiperplasia ocorresse, ela
possivelmente seria responsável apenas por uma pequena
parte do aumento no tamanho do músculo - 5 a 10% 15.
As adaptações nas fibras musculares com um
treinamento de força intenso devem ser vistas, de acordo
com Fleck & Kraemer15, à luz tanto da qualidade como da
quantidade das proteínas contráteis, isto é, actina e miosina.
A qualidade das proteínas refere-se ao tipo de proteínas
encontradas no mecanismo contrátil. Com o início de um
programa de treinamento de força realizado com uma alta
carga de pesos, adaptações nos tipos de proteínas
musculares - por exemplo, cadeias de miosina pesada começam a acontecer em algumas sessões de treinamento;
a quantidade de proteínas contráteis começa a aumentar à
medida que aumentam as áreas de seção transversa das
fibras musculares. Segundo Fleck & Kraemer15, para observar
uma quantidade significativa de hipertrofia de fibra muscular,
parece ser necessário um período mais longo de treinamento
(mais do que oito sessões de treinamento) a fim de aumentar
a proteína contrátil contida em todas as fibras musculares.
Desse modo, os autores enfatizam que programas de curto
prazo (quatro a oito semanas) podem não resultar em
mudanças muito grandes no tamanho dos músculos
(hipertrofia).
Em geral, tem sido observado que, onde ocorre uma
hipertrofia significante das fibras musculares, há uma redução
concomitante na atividade de enzimas oxidativas e
citocromos, o que, presumivelmente, reflete um aumento na
área de seção transversa da fibra (primariamente do tipo II),
que não é acompanhado por um aumento no conteúdo
mitocondrial - menor densidade mitocondrial11.
Em resposta ao treinamento de força, as mudanças
que ocorrem na musculatura esquelética são importantes e,
talvez, sejam as principais adaptações; entretanto, o
desempenho da força voluntária é determinado não somente
pela quantidade e qualidade de massa muscular envolvida,
mas também pela extensão em que a massa muscular é
ativada 16 . Desse modo, segundo Sale 16 , as mudanças
induzidas pelo treinamento no sistema nervoso são referidas
como adaptações neurais.
Segundo Häkkinen 17 , os relatos de atividades
eletromiográficas têm sido um método muito comum utilizado
para tentar monitorar possíveis adaptações neurais, isto é,
mudanças na ativação de unidades motoras durante o
treinamento de força. Ainda de acordo com o autor, é comum
acreditar que os grandes aumentos iniciais notados na força
muscular, especialmente em sujeitos previamente
destreinados, durante as primeiras semanas de treinamento
intenso de força devem-se ao aumento na ativação neural
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
máxima dos músculos treinados. As adaptações neurais
podem, por essa razão, ser responsáveis pelos resultados
de ganhos de força na ausência de hipertrofia muscular
determinada pelos métodos de biópsia muscular ou
tomografia computadorizada17.
Procurando investigar a influência do treinamento de
força rápida sobre a atividade eletromiográfica da
musculatura humana, os pesquisadores Häkkinenn, Komi &
Alén18 analisaram dez sujeitos (20-35 anos) acostumados
ao treinamento de força, os quais passaram por um programa
de treinamento que teve duração de 24 semanas. O grupo
experimental participou três vezes por semana de um
controlado treinamento, visando à potência muscular, o qual
incluiu vários exercícios com saltos realizados sem
sobrecarga extra (apenas com o peso do corpo), ou com
sobrecarga utilizando apenas pesos leves. Esses exercícios
foram realizados com um esforço máximo a fim de aumentar
a força, especialmente a produção de força rápida. Os
resultados obtidos com esse programa foram comparados
com dados de um estudo anterior, realizado pelos próprios
autores, que utilizou como treinamento um programa de força
com cargas intensas que variaram de 70 a 100% de uma
repetição máxima. Pela análise dos dados, Häkkinenn et
alii 18 verificaram que os exercícios dirigidos ao
desenvolvimento da força rápida resultaram em mudanças
específicas induzidas pelo treinamento que propiciou um
melhor desempenho neuromuscular, demonstrado por um
grande aumento na produção de força rápida, maior do que
o obtido com o outro programa de força idealizado pelos
mesmos autores19. Os aumentos na produção da força rápida
foram acompanhados e correlacionados com aumentos
significativos na ativação neural e com aumentos na relação
da área de fibra muscular de contração rápida (FR) com a
área das fibras de contração lenta (FL) - FR:FL. Com relação
à força máxima, medida no presente estudo, também foi
possível verificar que o aumento dessa capacidade foi
acompanhado pelo aumento significante da atividade neural
dos músculos treinados, porém somente um mínimo de
mudanças no tamanho dos músculos (hipertrofia) que
passaram pelo programa de treinamento foi observado.
Dessa forma, os pesquisadores concluíram que o programa
de treinamento para força rápida produziu consideráveis
adaptações neurais e adaptações seletivas das fibras
musculares.
Conforme Fleck & Kraemer15, em geral, a literatura
tem apontado para o fato de que os fatores neurais
apresentam uma profunda influência na produção de força
muscular, estando relacionados aos seguintes processos:
impulso neural aumentado para o músculo, sincronização
aumentada das unidades motoras, ativação aumentada do
aparato contrátil e inibição dos mecanismos protetores do
músculo, isto é, os órgão tendinosos de Golgi. Ainda para os
autores, os fatores neurais e a qualidade das alterações das
proteínas, por exemplo, alterações no tipo das cadeias
pesadas de miosina e no tipo das enzimas da miosina
ATPase, poderiam explicar os ganhos iniciais de força (duas
a oito semanas). É durante esse tempo que os ganhos em
força são muito maiores do que se pode explicar pela
hipertrofia muscular; além disso, a capacidade para ativar
–27–
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
todas as unidades motoras disponíveis também pode ser
um fator importante nas fase iniciais do treinamento, quando
os músculos dos indivíduos estão “aprendendo” como exercer
força nos vários exercícios15.
De uma maneira geral, a grande maioria dos estudos
têm demonstrado que, nas fases iniciais de um programa de
treinamento intenso de força, a ativação voluntária
aumentada no músculo é o fator que mais contribui para o
aumento da força; após esse período, a hipertrofia muscular
torna-se o fator predominante no aumento de força,
especialmente para homens mais jovens15.
Dentre os estudos realizados acerca dos efeitos do
treinamento de força sobre o organismo, destacam-se
também aqueles que procuraram investigar a influência
dessa forma de treino sobre a atividade enzimática e sobre
as fontes de ATP, CP e glicogênio20 21. Segundo Fleck &
Kraemer15, os aumentos na atividade das enzimas de um
dos processos de ressíntese de energia podem levar a uma
maior produção e utilização de ATP por unidade de tempo, o
que, por sua vez, pode levar a aumentos no desempenho
físico. Seguindo essa linha de raciocínio, MAcDougall et alii20
investigaram os efeitos de cinco meses de treinamento
intenso de força, seguido por cinco semanas de imobilização
do cotovelo em nove sujeitos saudáveis. Biópsias musculares
foram realizadas no tríceps braquial para posterior análise
de adenosina trifosfato (ATP), adenosina difosfato (ADP),
creatina (C), fosfocreatina (CP) e concentrações de
glicogênio. Com a análise dos dados, os pesquisadores
puderam observar que o treinamento de força resultou em
um aumento de 11% na circunferência do braço e em um
aumento de 28% na força máxima de extensão do cotovelo.
Por intermédio do estudo, foi possível também verificar que
o treinamento utilizado pelos pesquisadores propiciou um
aumento significante nas concentrações, em repouso, de
creatina muscular (39%), CP (22%), ATP (18%) e glicogênio
(66%). Os autores concluíram que o treinamento de força
realizado em uma intensidade alta (para cada exercício, a
resistência do equipamento foi ajustada de maneira tal que
os indivíduos pudessem suportar, no máximo, realizar de
oito a dez repetições em três a cinco séries por exercício,
com um período de repouso de dois minutos) resulta em
aumentos nas reservas de energia muscular que podem ser
reversíveis após um período de imobilização.
Em uma mesma linha de estudo, Costill et alii 21
procuraram investigar os efeitos de dois modelos de
treinamento isocinético sobre a atividade das enzimas
musculares e sobre as composições das fibras de cinco
sujeitos saudáveis. Cada indivíduo realizou, com uma das
pernas, um treino com séries de aproximadamente dez
repetições com duração máxima de seis segundos; com a
outra perna, foram realizadas séries de exercícios de
extensão de joelho com duração de trinta segundos. Como
resultado dos treinamentos, os sujeitos mostraram um
aumento significativo no torque de pico para ambas as pernas,
na velocidade usada durante o treinamento (3,14 rad . s-1) e
em velocidades mais baixas. Nenhuma diferença foi
encontrada entre o ganho de força obtido com o treinamento
de seis ou trinta segundos de duração das séries.
Estatisticamente, o percentual das fibras do tipo II e IIa não
–28–
apresentou mudanças com uma ou outra forma de
treinamento; entretanto, quando computado como o
percentual de seção de área transversa muscular,
representada por cada tipo de fibra, as fibras do tipo I
mostraram uma diminuição significante de 5 e 7,8% nas
pernas que treinaram seis e trinta segundos, respectivamente.
Ao mesmo tempo, as fibras do tipo IIa em ambas as pernas
aumentaram significativamente; já as fibras do tipo II não
apresentaram qualquer modificação com o treinamento. O
modelo de treinamento de séries com duração de seis
segundos mostrou pouco capacidade para modificar a
atividade enzimática; somente a atividade da enzima
fosfofrutoquinase (CPK) aumentou de forma significativa. Por
outro lado, o modelo com duração de trinta segundos resultou
em elevada atividade glicolítica, ATP-CP e atividade de
enzimas envolvidas com o ciclo de Krebs. Para Costill et
alii21, ficou claro que o trabalho de força com séries por volta
de trinta segundos de duração, em quatro dias por semana,
é estímulo suficiente para aumentar a atividade das enzimas
musculares fosforilase, creatina-fosfoquinase, fosfofrutoquinase, mioquinase, malato desidrogenase e succinato
desidrogenase, porém, quando a mesma quantidade de
trabalho foi dividida em séries de seis segundos, somente a
atividade da enzima fosfofrutoquinase aumentou
significativamente.
Na tentativa de sintetizar os dados existentes dos
efeitos do treinamento de força sobre as reservas energéticas
e sobre a atividade enzimática, Fleck & Kraemer15 relataram
que as mudanças enzimáticas associadas a qualquer um
dos três processos de ressíntese de ATP (sistema dos
fosfagênios, sistema do ácido lático e sistema oxidativo)
depende da duração das séries mais do que da quantidade
total de trabalho realizado. Ainda de acordo com os autores,
para fins de aplicações práticas, os programas normais de
treinamento de força intenso têm um efeito mínimo sobre a
atividade das enzimas. Contudo, um programa de
treinamento que exige cargas que são toleráveis por, pelo
menos, trinta segundos irá provavelmente aumentar as
atividades enzimáticas, fato demonstrado de forma bastante
clara pelo estudo desenvolvido por Costill et alii21.
Com relação às adaptações cardiovasculares
provocadas pelo treinamento de força, verifica-se que tais
adaptações assemelham-se às adaptações à hipertensão,
isto é, espessura da parede ventricular e tamanho da câmara
aumentados. Entretanto, se as adaptações são examinadas
mais detalhadamente, é possível observar diferenças entre
as adaptações à hipertensão e ao treinamento de força. A
fim de distinguir as características de uma adaptação das de
outra, têm sido usado os termos “hipertrofia patológica”, para
as mudanças que ocorrem com a hipertensão, e “hipertrofia
fisiológica”, para as mudanças que ocorrem com o
treinamento de força15.
De acordo com Fleck & Kraemer15, há muito tempo se
sabe que as adaptações cardiovasculares ao treinamento
de resistência aeróbia são diferentes das adaptações ao
treinamento de força. Em geral, segundo os autores citados,
essas diferenças são causadas pela necessidade de
bombear um grande volume de sangue em uma pressão
relativamente baixa durante os exercícios de resistência
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
VARIÁVEIS
RESPOSTAS
VARIÁVEIS
RESPOSTAS
Freqüência cardíaca
Pressão sangüínea diastólica
Pressão sangüínea sistólica
Duplo produto
Volume sistólico
Débito cardíaco
Pico de VO2máximo
Diminuída
Diminuída ou sem mudança
Diminuída ou sem mudança
Diminuído
Aumentado ou sem mudança
Aumentado ou sem mudança
Aumentado ou sem mudança
Freqüência cardíaca
Pressão sangüínea diastólica
Pressão sangüínea sistólica
Duplo produto
Volume sistólico absoluto
. relativo à área de superfície corporal
. relativo ao peso do corpo magro
Função cardíaca diastólica
Função cardíaca sistólica
Colesterol total
Lipoproteína de alta densidade (HDL)
Lipoproteína de baixa densidade (LDL)
Diminuída ou sem mudança
Diminuída ou sem mudança
Diminuída ou sem mudança
Diminuído ou sem mudança
Aumentado ou sem mudança
Sem mudança
Sem mudança
Sem mudança (é?)
Aumentada ou sem mudança
Diminuído ou sem mudança
Aumentado ou sem mudança
Diminuído ou sem mudança
Tabela 2. Adaptações cardiovasculares crônicas verificadas durante
o exercício de força (Fleck & Kraemer, 1999).
aeróbia, ao passo que, durante o treinamento de força, um
volume relativamente pequeno de sangue é bombeado em
uma pressão alta. Essa diferença entre os treinamento
aeróbio e o de força resulta em adaptações diferentes.
Procurando sintetizar as adaptações cardiovasculares
que podem ocorrer com o treinamento de força, os
pesquisadores Fleck & Kraemer15 organizaram nas tabelas
2 e 3 algumas informações, a saber:
O aumento no VO2máximo de pico ocasionado pelo
treinamento de força é substancialmente menor do que os
aumentos de 15% até 20% associados com os programas
tradicionais de resistência aeróbia. Assim, se o objetivo
principal de um programa de treinamento for aumentar o
consumo máximo de oxigênio, deverá ser incluída no
programa alguma forma de treinamento de resistência
aeróbia 15.
De acordo com Fleck & Kraemer15, existe ainda uma
concepção errônea comum de que o treinamento de força
resulta em hipertensão. Para os pesquisadores, a
hipertensão, quando ocorre em atletas treinados em força,
provavelmente está mais relacionada à hipertensão
essencial, excesso de treinamento crônico, uso de
esteróides, grandes aumentos em massa muscular ou
aumento no peso total do corpo.
Atualmente, o treinamento de força, também tem sido
considerado um importante aliado na prevenção de doenças
e, portanto, como forma de melhorar a qualidade de vida
das pessoas. De modo geral, a literatura tem apontado para
o fato de que, um programa orientado para a melhora da
força muscular pode contribuir na prevenção de distúrbios
ligados ao aparelho locomotor, tais como a osteoporose (a
Tabela 3. Adaptações cardiovasculares crônicas provocadas pelo treinamento de força verificadas no estado de repouso (Fleck & Kraemer,
1999).
contração muscular pressiona os ossos, estimulando a
fixação de cálcio e o aumento da densidade óssea) e a
artrose (músculos fortalecidos propiciam maior estabilidade
à articulação, possibilitando um menor atrito entre os ossos
e, conseqüentemente, menos desgaste), além de ser um
importante coadjuvante na proteção do sistema
cardiovascular (o aumento da musculatura das pernas facilita
o retorno do sangue ao coração e diminui o esforço cardíaco).
Considerações finais
Ao serem comparadas as adaptações provocadas no
organismo tanto pelo treinamento de resistência aeróbia
quanto pelo treinamento de força, quando realizados
isoladamente, fica bastante evidente a especificidade das
respostas adaptativas observadas no corpo humano frente
aos estímulos proporcionados por ambas as formas de
trabalho. Tal fato é de fundamental importância e deve ser
levado em consideração no momento do planejamento da
preparação física de atletas das diferentes modalidades
esportivas, principalmente àquelas que necessitam combinar
ambas as formas de treinamento para obter níveis de
rendimento satisfatórios. Por outro lado, fica bastante
evidente, também, a importância de se acrescentar essas
duas formas de treinamento dentro de uma rotina de
atividades físicas que visam a melhoria da qualidade de vida.
Summary
MORFO-PHYSIOLOGIC RESPONSE TO AEROBIC AND FORCE TRAINING
This paper intends to present a revision about some functional and structural adaptations
of the human body to aerobic and force training. First of all, the adaptation process is
defined by the physical activity and by some other possible influences that affect that
process (e.g.: age, sex, level of physical conditioning (amount and overload quality) and
feeding. Secondly, mofo-physiologic responses are enumerated, according to the changes
observed in the human body, after being submitted to a training a program of aerobic
resistance or muscular strength, trying to relate them with the athletic performance and
with the improvement of their life quality.
Keywords: Education and Physical Training, Physiology of
Skeletal Muscles, Biological Adaptation.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
–29–
Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força.
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REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30.
Relato de Caso
Doença de Whipple
Fernando Fornari, Ricardo Luiz Zanin, Betânia Sartori, Antônio Campanille, Paulo Zitlau,
Rubens Rodriguez , Elisson Marasca Ribeiro, Luis Fernando Bos, Sérgio Gabriel Silva de Barros.
Endopasso - Instituto de Endoscopia Digestiva de Passo Fundo e
Hospital Universitário São Vicente de Paulo - Passo Fundo (RS).
Resumo
A Doença de Whipple é uma doença infecciosa sistêmica bastante rara causada pela
bactéria Tropheryma whippelii. As principais manifestações envolvem o trato
gastrointestinal e o sistema articular. Nos casos mais agressivos costuma comprometer o
Sistema Nervoso Central. Nesta série de casos descrevem-se três pacientes dando ênfase
ao quadro clínico, diagnóstico e tratamento. Como exemplificado por um dos pacientes,
quando a doença não é identificada e tratada, evolui inexoravelmente para o óbito.
Salienta-se a importância de cogitar esta patologia frente a um paciente com quadro
gastrintestinal e/ou articular de evolução arrastada, uma vez que o tratamento
adequado é salvador.
Unitermos: Lipodistrofia Intestinal, Artrite Infecciosa, Enteropatias Inflamatórias.
A Doença de Whipple foi primeiramente descrita em
1907 por George Whipple 1. Na época ele relatou um paciente
com artrite seguido posteriormente de emagrecimento, febre,
diarréia, hipotensão, distensão abdominal, hiperpigmentação cutânea e anemia. À autópsia verificou depósito de
gordura na mucosa intestinal e nos linfonodos mesentéricos.
Whipple propôs o termo “lipodistrofia intestinal” para
descrever tal patologia. Posteriormente, Hendrix 2 descreveu
o envolvimento do endocárdio na Doença de Whipple e
concluiu que os macrófagos continham glicoproteína e não
lipídios, pelo fato de corarem-se pelo ácido periódico de Schiff
(PAS+). A evidência de que a Doença de Whipple fosse de
causa infecciosa surgiu em 1961 pelo achado de corpos
bacilares no citoplasma de macrófagos à microscopia
eletrônica, em tecido intestinal 3. Em 1991 Wilson e col
identificaram o microorganismo através da amplificação pelo
PCR e sua seqüência ribossomal foi relatada 4. Mais
recentemente, estudos permitiram a cultura do bacilo,
tornando promissor a obtenção de um teste sorológico, ainda
não disponível na prática clínica 5.
Entre 1907 e 1988 apenas 741 casos foram descritos
na literatura 6. Mais de 80% dos pacientes são do sexo
masculino e a doença costuma predominar na raça branca 7.
Apesar de ter sido descrito em praticamente todas as idades,
é mais freqüente na quarta, quinta e sexta décadas de vida.
A forma de transmissão é ainda desconhecida. Alguns relatos
descrevem maior incidência em populações rurais 8. A
associação entre a doença e o HLA B27 sugere fortemente a
presença de determinantes genéticos 9 . Os estudos
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 31-33.
observaram que a maioria dos pacientes apresentavam um
defeito imune caracterizado pela reduzida produção de
interleucina 12 associado à menor capacidade de produzir
gama-interferon 10.
RELATO DE CASOS
Caso 1: Masculino, 63 anos, branco, agricultor, procedente
de Erval Seco/RS. Atendido inicialmente em consultório
Figura 1. Aspecto endoscópico da mucosa duodenal, evidenciandose pontilhado esbranquiçado na superfície mucosa.
–31–
Fornari F. Doença de Whipple.
Figura 2.
A) Macrófagos repletos de granulações intracitoplasmáticas PAS positivo. PAS 400X.
(B) Mucosa duodenal exibindo vilosidades alargadas pela presença de numerosos macrófagos de aspecto xantomatoso no córion. HE 50X.
médico, queixando-se de episódios de diarréia há 2 anos, até
10 episódios/dia de fezes amolecidas e amareladas,
eventualmente com sangue. Anorexia e emagrecimento 7/
64Kg nos últimos 6 meses. Referia também fadiga e edema
em membros inferiores. Ao exame físico estava em regular
estado geral, hipocorado, emagrecido com perda evidente
de massa muscular e subcutâneo, pele ressecada e cabelos
quebradiços com abdômen visivelmente distendido e
timpânico à percussão. A hipótese diagnóstica do médico
assistente foi de Doença Inflamatória Intestinal e desnutrição
acentuada, indicando internação hospitalar. Baixou no
Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo onde realizou
colonoscopia revelando moderada ileíte terminal evidenciada
como inúmeras pequenas placas esbranquiçadas recobrindo
a mucosa. Anatomopatológico da mucosa ileal compatível
com intiltrado de macrófagos PAS positivo. Tratado
inicialmente com Cefriaxone parenteral por 15 dias e,
posteriormente, Sulfametoxazol-Trimetoprim enteral por 6
meses, com excelente resposta clínica e laboratorial.
Caso 2: Masculino, 55 anos, branco, agricultor aposentado,
procedente de Nova Boa Vista/RS. Vinha em acompanhamento com Reumatologista queixando-se de artralgias
em médias e pequenas articulações há 10 anos, intermitente,
acompanhada de febre vespertina e eventual edema
articular. Nos últimos 6 meses iniciou com diarréia intercalada
com constipação, sem eliminação de muco, pus ou sangue.
Emagreceu 15/84Kg neste período, referindo ainda fadiga
progressiva, escurecimento da pele e, mais recentemente,
dor e aumento de volume da panturrilha direita. Em
internação no Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo
diagnosticou-se trombose venosa profunda em membro
inferior esquerdo, anemia, desnutrição e artrite em 1 ª
metacarpofalangeana da mão direita. Em exame endoscó–32–
pico evidenciou-se várias pequenas placas brancoamareladas recobrindo a mucosa duodenal (figura 1), cuja
biópsia revelou infiltrado de macrófagos PAS positivos,
compatível com Doença de Whipple. Tratado com Ceftriaxone
parenteral por 5 dias seguido de Sulfametoxazol-Trimetoprim
enteral Após 30 dias de tratamento, referiu normalização do
hábito intestinal, redução da prostração e da anorexia e
ganho de peso de 5 kg.
Caso 3: Masculino, 61 anos, branco, pedreiro aposentado,
procedente de Dois Irmãos/RS. Internou no Hospital de
Clínicas de Porto Alegre para investigar emagrecimento de
10/64Kg em 3 meses, acompanhado de anorexia, astenia e
dispnéia aos grandes esforços. História de cardiopatia
isquêmica tendo sido submetido à cineangiocoronariografia
há 5 anos revelando aterosclerose coronariana para a qual
manteve-se em tratamento clínico. À revisão de sistemas,
referiu episódios de diarréia precedidos por cólicas
abdominais nos últimos 3 meses, sem eliminação de muco,
pus ou sangue. Ao exame físico estava em regular estado
geral, emagrecido, hipocorado, apresentando discreta
distensão abdominal, linfoadenomegalias supraclaviculares
à esquerda e sopro sistólico 2/6+ em ápice ventricular
esquerdo. Apesar de extensamente investigado, evoluiu para
o óbito 7 meses após a primeira internação. A autópsia
revelou infiltrado de macrófagos PAS positivo em vários
tecidos, compatível com Doença de Whipple.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES
Esta é a primeira série de casos da Doença de Whipple
relatada na comunidade científica local. Em acordo com a
literatura, chama a atenção o acometimento exclusivo do
sexo masculino em nossa série 7, além do predomínio de
habitantes em zona rural 8. Dois dos três pacientes eram
agricultores. No momento do diagnóstico, todos os pacientes
encontravam-se entre a quinta e sexta décadas de vida. Num
deles (caso 2), presume-se que a enfermidade vinha em
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 31-33.
Fornari F. Doença de Whipple.
atividade há, pelo menos, 10 anos, manifesta pela
acometimeno articular. Nos outros casos, o tempo de
evolução foi mais breve, entre 3 e 6 meses. Os sintomas
mais comuns presentes nesta série de casos foram anorexia,
emagrecimento, fadiga, febre, diarréia e artralgias,
semelhantes aos relatados na literatura 11 . Apenas um
paciente (caso 1) apresentava-se com síndrome disarbsortiva
bem estabelecida no momento do diagnóstico. A hipótese
diagnóstica inicial para este paciente foi de Doença Intestinal
Inflamatória, pelo predomínio dos sintomas gastrointestinais.
No cano 2, o acometimento articular ocorreu vários anos
antes das manifestações gastrointestinais e sistêmicas,
sendo considerada, previamente ao diagnóstico, artropatia
soronegativa. O diagnóstico em dois dos três pacientes foi
realizado através de biópsia endoscópica da mucosa
intestinal. Este é o procedimento de escolha recomendado
pela literatura para estabelecer o diagnóstico 12. No caso 1,
o achado de inúmeras pequenas placas esbranquiçadas
aderidas à mucosa ileal foi o achado colonoscópico que
sugeriu o diagnóstico. Salienta-se a importância da
avaliação da mucosa ileal durante colonoscopia em
pacientes com diarréia crônica de etiologia desconhecida.
Nesta mucosa ileal, a visualização de macrófagos PAS
positivos estabeleceu a enfermidade. Ressalta-se a
importância da atenção do Endoscopista e do Patologista
para a identificação destes casos. No paciente nº 2, o
diagnóstico foi realizado através do achado de macrófagos
PAS + infiltrando a mucosa duodenal, cujo aspecto
macroscópico também sugeria doença de Whipple13. No
caso 3, o diagnóstico foi realizado em autópsia, reforçando
a evidência de que, se não diagnosticado e tratado, o
paciente com Doença de Whipple evolui inexoravelmente
para o óbito. Nos dois casos cujo diagnóstico foi realizado
em tempo, a introdução de antibioticoterapia resultou em
rápida melhora das queixas clínicas, sem aparente recidiva
até o momento.
Summary
WHIPPLE DISEASE
Whipple disease is a rare infectious systemic disease caused by the bacterium Tropheryma
whippelii. The main clincal findings are those related to the gastrointestinal tract and to
the joints. In the most serious cases it affects the Central nervous system. In this series of
three cases, the Authors describe the clinical findings, the diagnosis and the treatment of
Whipple disease, stressing that when the disease is not early identified and treated, the
patients run inexorably to death. The Authors also stress the importance of considering the
diagnosis of Whipple disease when patients present, simultaneously, gastrointestinal and
articular complaints, so appropriate treatment can be life saving.
Keywords: Intestinal Lipodystrophy, Infectious Arthritis, Inflammatory Enteropathies.
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–33–
Relato de Caso
Hipertensão Intracraniana Idiopática
César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Loane Rottenfusser,
Marcos Paulo Dozza, Emílio J. Munerolli, Daniel A. Iser.
Neurocentro, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS).
Resumo
Hipertensão intracraniana idiopática é um distúrbio neurológico caracterizado por
síndrome clínica sugestiva de lesão ocupando espaço ou outras afecções que determinam
o aumento da pressão intracraniana, justificando ter sido denominada de Pseudotumor
Cerebal. Usualmente, os exames de neuroimagem e laboratoriais são normais. Caso
contrário, verifica-se hipertensão intracraniana secundária, isto é, com causa
determinada. Na hipertensão intracraniana idiopática, a pressão liquórica aferida em
raquimanômetro mostra-se superior a 250 mmH2O e análise citobioquímica do líquor
mostra-se normal. A utilização dos critérios de Dandy é a chave diagnóstica primordial. O
tratamento inicial sempre é clínico, reservando-se as intervenções cirúrgicas para os casos
refratários à terapia conservadora. A fenestração cirúrgica da bainha do nervo óptico é o
procedimento de escolha para papiledema. A derivação lombo-peritoneal poderá ser
empregada para controle de hipertensão intracraniana. Relata-se caso de paciente
feminina e obesa que necessitou de derivação lombo-peritoneal.
Unitermos: Pseudotumor cerebri, pressão intracraniana,
derivação do líquido cefalo-raquidiano
Quincke, em 1897, descreveu pela primeira vez uma
patologia caracterizada por sinais e sintomas de lesão
intracraniana ocupando espaço (cefaléia, obscurecimentos
visuais transitórios e papiledema), porém sem evidências
de massas ou obstrução ventricular,com aumento da pressão
intracraniana demonstrada por meio de punção lombar
(contudo, sem alterações significativas na composição do
líquido cefalo-raquidiano). Nonne, em 1904, definiu essa
desordem, denominando-a de Pseudotumor Cerebri. Afeta
principalmente mulheres jovens com sobrepeso e sua
morbidade reside na diminuição da acuidade visual, devido
à atrofia do nervo óptico1. Nenhum mecanismo proposto para
elucidar a patogênese da hipertensão intracraniana
idiopática explica a elevada ocorrência em mulheres obesas,
com ventrículos de tamanhos normais ou reduzidos
(ausência de hidrocefalia). O mecanismo mais conhecido
propõe que ocorra redução na absorção do líquor, a partir
de disfunção das granulações aracnóideas2,3. Relata-se caso
de hipertensão intracraniana idiopática, realizando-se breve
revisão da literatura.
RELATO DE CASO
Paciente feminina, branca, 27 anos, encaminhada à
avaliação neurológica devido à cefaléia holocraniana
persistente, pulsátil, exacerbada no período noturno e pelos
esforços físicos; acompanhada de turvação visual (que
piorava com manobras de Valsalva), tonturas e acúfenos
bilaterais. Exame neurológico normal, exceto papiledema
–34–
bilateral. Exame geral sem alterações significativas, exceto
obesidade (88Kg x 154cm). Estudos de neuroimagem com
sistema ventricular de dimensões reduzidas sem alterações
parenquimatosas (Figura 2A e 2B). Punção lombar com
raquimetria exibiu pressão de abertura superior a 300
mmH2O; exames citológico, bioquímico e citopatológico do
líquor normais. Screening sistêmico, incluindo provas para
colagenose e perfil hormonal, normal. A paciente exibiu
marcado alívio dos sintomas após a punção lombar. Instituído
corticoterapia e acetazolamida. Devido à recidiva de cefaléia
e zumbidos, foi submetida a punções lombares seqüenciais
e associado furosemida. Após cerca de três semanas da
última punção lombar, recorreram os sintomas, inclusive
papiledema bilateral. Decidido tratamento neurocirúrgico
com derivação lombo-peritoneal. A paciente apresentou
remissão completa dos sintomas e atualmente encontra-se
em bom estado geral, sem uso de medicação.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES
Hipertensão intracraniana idiopática (HII) consiste
em desordem associada a aumento da pressão
intracraniana, neuroimagem sem alterações e
composição do líquor compatível com a normalidade. Uma
variedade de denominações para essa entidade pode
ser encontrada na literatura, incluindo pseudoabscesso,
edema cerebral de causa desconhecida, hidrocefalia
tóxica, papiledema de etiologia indeterminada ou
hipertensão intracraniana benigna 1,2 . A terminologia
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38.
Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática.
Figura 2A. Ressonância magnética axial.
2B. Ressonância magnética coronal, exibindo redução das dimensões do sistema ventricular.
inclui tanto a doença idiopática quanto aquela com
causas determinadas. Os critérios modificados de Dandy,
sugeridos por Wall, constituem, atualmente, a melhor
definição clínica:
1. Sinais e sintomas de aumento da pressão
intracraniana;
2. Ausência de achados neurológicos localizadores
(observação: disfunção do nervo abducente-paralisia do
músculo reto lateral - não é localizadora);
3. Ausência de deformidades, deslocamento e/ou
obstrução do sistema ventricular e estudos de diagnóstico
neurológico com resultados normais, à exceção do aumento
da pressão do líquido cefalorraquidiano (acima de 250
mmH2O; pressões entre 200-250 mmH2O são discutíveis);
4. Sonolência e desatenção;
5. Ausência de qualquer outra causa demonstrável
de aumento da pressão intracraniana.
Os cinco critérios, entretanto, dificultam a classificação
dessa desordem: as múltiplas doenças, drogas e estados
fisiológicos que estão associados à hipertensão
intracraniana fazem a identificação causal um processo
especialmente difícil. Por esse fato, Wall1 cuidadosamente
construiu uma tabela reunindo os fatores associados ao
pseudotumor cerebri (Tabela 1). Apesar do conhecimento
de vários fatores relacionados com a doença e de várias
teorias terem sido formuladas, o mecanismo fisiopatológico
exato carece de evidências científicas definitivas1,2.
HII possui uma incidência anual na população geral
de 0,9 por 100.000 pessoas. Essa incidência torna-se maior
entre mulheres com idade entre 15-44 anos e dobra nessa
mesma população quando se considera, juntamente, a
obesidade (7,9 por 100.000). Verifica-se uma marcada
predominância no sexo feminino (razão de 8:1), relatada
desde as primeiras séries de casos. A população feminina
acometida, por sua vez, é predominantemente obesa (cerca
de 90 por cento dos casos) e apresenta mais disfunções
hormonais, o que a distingue da população masculina: menos
obesa, hipertensa e com uma forma mais agressiva da
doença1,2,4. Os efeitos da HII em crianças são similares aos
dos adultos, especialmente nas maiores. Todavia, não se
observa a mesma predominância em indivíduos do sexo
feminino e a obesidade não é tão significativa (33 por cento
contra 90% nos adultos)2.
Uma das principais características da HII é a sua
grande variabilidade sintomatológica: de uma cefaléia
incapacitante à forma assintomática. Os sintomas e sinais
clínicos mais relevantes são:
1. Cefaléia: o sintoma mais freqüente (75-90 por
cento dos casos). Usualmente é de natureza pulsátil e
holocraniana, podendo, todavia, limitar-se ao vértice ou em
áreas occipitais. Geralmente bem tolerada, costuma ser
contínua e diária, piorando com manobras de Valsalva ou
antes do despertar. Ocasionalmente, a dor pode manifestarse em região retro-orbitária, mais severa com o movimento
ocular ou semelhante a uma crise migranosa, associada a
náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia1,2.
2. Turvações visuais transitórias: são episódios de
borramento ou escurecimento total visual que duram menos
de 30 segundos (usualmente 5 segundos ou menos). Podem
ocorrer em um ou ambos os olhos e são comumente
precipitados por mudanças posturais ou manobras de
Valsalva, estando presentes em até 75 por cento dos
pacientes.
3. Ruídos pulsáteis intracranianos: acúfenos
intracranianos de característica pulsátil e de tom grave podem
ser percebidos por cerca de 60 por cento dos pacientes
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38.
–35–
Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática.
Muito Provável
Diminuição do fluxo através das granulações aracnóides (aumento da
resistência do fluxo de saída)
Seqüela de inflamação prévia (assim como meningite, seqüela de
hemorragia subaracnóidea)
Obstrução da drenagem venosa (aumento da pressão no seio sagital
superior)
Trombose de seio venoso
Estado de hipercoagulabilidade
Infecção contínua (assim como do ouvido médio ou hidrocefalia do
mastóide-ótico)
Dissecção bilateral radical do pescoço
Síndrome da veia cava superior
Aumento da pressão no lado direito do coração
Desordens Endócrinas
Doença de Addison
Hipoparatireoidismo
Obesidade
Supressão de terapia com corticóides
Desordens nuticionais
Hipervitaminose A (vitamina, fígado ou ingesta de isotretionina)
Hiperalimentação na ausência de nanisno
Malformação arteriovenosa
Causas Prováveis
Esteróides anabolizantes (podem causar trombose de seio venoso)
Clordecona (Kepone)
Cetoprofeno ou indometacina em Síndrome de Bartter
Lúpus eritematoso sistêmico
Terapia de reposição tireóidea em crianças com hipotireoidismo
Uremia
Causas Possíveis
Amiodarona
Difenilhidantoía
Anemia ferropriva
Carbonato de lítio
Ácido nalidíxico
Sarcoidose
Sulfa e derivados
Causas Freqüentemente Citadas, mas sem Comprovação
Uso de corticosteróide
Hipertireoidismo
Hipovitaminose A
Menarca
Irregularidades menstruais
Ingesta de multivitamínicos
Elementos
Condições associadas; medicações; sintomas;
critérios de Dandy
Geral: pressão sanguínea
Exames Físicos
Neurológico: excluir sinais focais
Oftalmológico: acuidade visual e campos visuais;
fotografia esteroscópica de fundo de olho
Exames Laboratoriais VSG; anticorpo antinuclear; eletrólitos; uréia e
creatinina; TSH e T4; VDRL + FTA-Abs; cortisol.
Ressonância magnética de crânio-encéfalo (e
Neuroimagem
órbita) ou tomografia computadorizada
Angiografia cerebral pode ser requisitada na
suspeita de trombose nos seios durais não
evidenciada por outros estudos
Pressão de abertura; contagem celular; glicose;
Punção Lombar
proteína; VDRL; outros valores baseados em
casos individuais
Estudo
História Clínica
Tabela 2. Elementos chaves na Avaliação Inicial de Hipertensão
Intracraniana Idiopática e Secundária1,2
Cefaléia relacionada com hipotensão liquórica
Falhas na derivação
Perda visual
Cefaléia relacionada com alta pressão
Migração da derivação
Malformação de Chiari tipo I adquirida
Siringomielia (cervical)
Infecção
Infecção epitelial local
Peritonite
Abcesso peritoneal
Meningite
Infecção no espaço intervertebral
Radiculopatia
Perda visual contínua apesar do funcionamento ideal da derivação
Complicações anestésicos
Tabela 3. Complicações da Derivação Lombo-Peritoneal1,2
Oclusão vascular da retina
Artéria central da retina
Veia central da retina ou seus ramos
Hemorragia orbitária ou dentro da bainha
Desnervação completa ou parcial do esfíncter da pupila
Diplopia (geralmente transitória)
Perda visual contínua apesar da reversão do edema de disco
Recorrência do edema de disco (falha da derivação)
Ulceração de córnea
Complicações anestésicas
Tabela 1. Condições Relacionadas com Hipertensão Intracraniana
Idiopática e Secundária1,2
Tabela 4. Complicações da Descompressão do Nervo Óptico1,2
acometidos. Usualmente os sons são unilaterais. O sintoma
pode estar associado com perdas auditivas e tonturas. A
compressão ipsilateral da veia jugular pode abolir os sons e
a punção lombar os diminui temporariamente1,2,5.
4. Diplopia horizontal: paresia de um ou de ambos
nervos abducentes produz diplopia horizontal, que é um
achado neurológico não-localizador (comum a qualquer
desordem que produza aumento da pressão intracraniana);
ocorre em cerca de 40 por cento dos casos1.
5. Edema de disco óptico: essa alteração do nervo
óptico pode ser bilateral; entretanto, o termo papiledema
reserva-se ao edema de disco óptico ocasionado por aumento
da pressão intracraniana. Mesmo sendo muitas vezes
assimétrico, raramente apresenta-se unilateral. Essa forma
de edema de disco não costuma provocar disfunções visuais
no início de seu curso, mas papiledema crônico evolui com
atrofia óptica e perdas visuais graves. A perda do pulso
espontâneo da veia central da retina representa um dos
sinais fundoscópicos de hipertensão intracraniana, mas não
possui correlação direta com a pressão intracraniana,
podendo estar presente em pacientes com hipertensão
intracraniana e ausente em até 30 por cento da população
–36–
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38.
Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática.
normal1,2,6.
6. Disfunções visuais: a acuidade visual apenas
se modifica em pacientes com HII após ocorrer uma perda
severa do campo visual. O exame clínico simples da
acuidade visual não demonstra qualquer certeza de que a
visão encontra-se em padrões normais e jamais deve ser
usada unicamente na avaliação clínica seqüencial desses
pacientes. Pode permanecer normal mesmo na presença
de edema de disco óptico e ou estreitamento do campo visual.
A diminuição, entretanto, significa avançada neuropatia
óptica ou pode ser resultado de edema ou desdobramento
macular, neuropatia óptica isquêmica anterior,
neovascularização infra-retiniana com hemorragia, sendo
que todos foram observadas em pacientes com HII.
Importante observar que fotopsia ocorre em 54% dos casos
e dor retro-bulbar em 46 por cento. Para diagnóstico e
acompanhamento desses pacientes, o teste clínico mais
importante consiste na perimetria, visto que 50 a 90% dos
pacientes apresentarão anormalidades de campo visual,
semelhantes a outras neuropatias ópticas e incluem defeitos
de campo visual correlacionados com o disco óptico1,2,6.
A Tabela 2 resume os elementos principais para a
avaliação inicial do paciente acometido por hipertensão
intracraniana benigna. A história clínica representa o primeiro
grande passo: avaliação dos fatores associados (Tabela 1),
bem como as características da cefaléia, borramento e
obscurecimento visuais, diplopia, acúfenos e dor radicular
devem ser especificados. O exame físico inclui avaliação
geral, neurológica e oftalmológica dando-se ênfase para
sinais focais neurológicos. A pressão sanguínea deve ser
cuidadosamente monitorada, uma vez que a hipertensão
maligna pode mimetizar a enfermidade, sendo
potencialmente letal. O exame oftalmoscópico precisa avaliar
adequadamente o disco óptico, assim como o restante do
fundo de olho, a fim de evidenciar doença vascular macular
ou da retina. Medidas da visão, especialmente do campo
visual são cruciais, pois o manejo baseia-se na função
visual 1,2,4,6 . Os achados em imagens de tomografia
computadorizada e de ressonância magnética exibem
encéfalo com aspecto anatômico, sendo que devem ser
realizados previamente à punção lombar. Classicamente,
relata-se que o sistema ventricular em pacientes com HII
pode estar com volume reduzido, assim como as cisternas,
mas estudos questionam a especificidade e a interpretação
desse achado. Estudos sugeriram elevado índice de água
na substância branca, em muitos casos. Outros achados em
neuroimagem presentes em pacientes com pseudotumor
cerebri consistem em: sela túrcica vazia (64 por cento dos
pacientes); aumento de espaço subaracnóideo e, em uma
pequena porcentagem, malformação de Chiari tipo I. A
tomografia da órbita pode demonstrar aumento da bainha
do nervo óptico, freqüentemente com clara visualização do
espaço de fluido cérebro-espinhal em cortes coronais. A
medida da pressão intracraniana por meio de punção lombar
define o diagnóstico: pressões acima de 250 mmH 2 O
confirmam HII e pressões entre 200 e 250 mmH 2O são
sugestivas, contudo, mais duvidosas. A constituição do líquor
encontra-se dentro dos parâmetros da normalidade,
podendo haver aumento na celularidade ou alterações na
concentração de proteínas (tanto aumento como
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38.
diminuição) 1,2 . Usualmente, os estudos laboratoriais
evidenciam-se sem alterações; os estudos iniciais que
podem ser úteis listam-se na Tabela 2.
O tratamento da HII (Figura 1) visa dois objetivos
fundamentais: conseguir a remissão dos sintomas e
preservar a função visual do paciente, evitando possíveis
seqüelas1,2,7. Juntamente com o tratamento farmacológico,
caso exista sobrepeso, deve-se instituir tratamento nutricional
rigoroso, pois a perda de peso correlaciona-se com
significativa diminuição da sintomatologia; também, indicase restrição hidrossalina em todos os casos e, na medida do
possível, evitar os fatores associados (Tabela 1)1,7.
O uso de inibidor da anidrase carbônica e diurético
de alça constitui a base do tratamento farmacológico. O
inibidor da anidrase carbônica (acetazolamida) atua
diminuindo cerca de 50 a 60 por cento a produção de líquor
pelo plexo coróide, em dose de 1 a 4 g/dia, sendo que 1 g/
dia, às vezes, é suficiente para reverter sinais e sintomas.
Seus principais efeitos secundários consistem em
parestesias, fadiga, alteração do paladar, cálculos renais e
acidose metabólica. O diurético de alça tem como
mecanismo de ação a redução da água corpórea total;
entretanto, a furosemida também age como potente inibidor
da recaptação de cloro e como fraco inibidor da anidrase
carbônica. Não é tão efetiva como o inibidor da anidrase
carbônica (acetazolamida). Embora não atue sobre a pressão
intracraniana, o uso de corticóide como tratamento
farmacológico de HII é aconselhável nos pacientes com boa
resposta a acetozolamida e com perda visual importante,
uma vez que se mostra efetivo no tratamento de edema de
disco óptico. Seus efeitos adversos, tais como aumento de
peso, estrias, osteoporose, queda de cabelo, crescimento
de pêlos faciais e acne, contra-indicam seu uso em longo
prazo1,2,6,7.
A punção lombar consiste em um passo essencial para
o diagnóstico da HII, como anteriormente descrito. Seu uso
terapêutico, apesar do baixo risco, perde validade devido às
possíveis morbidades que ocorrem nos pacientes, caso
sejam submetidos a freqüentes repetições do método:
tumores epidermóides, dor lombar crônica e possível
abandono do tratamento médico devido ao desconforto
ocasionado pelo procedimento1.
OUTROS SINTOMAS
DISFUNÇÃO VISUAL
Perda visual mínima ou
nenhuma
Perda visual severa ou
rápida progressão
Acompanhamento médico com
teste de campo visual freqüente
Acuidade visual moderada
ou perda de campo
Cefaléia intratável Sintomas brandos
ou diplopia
ou nenhum
Tratamento medicamentoso: acetazolamida,
furosemida, esteróides a curto prazo
Profilaxia para cefaléia
Progressão da perda visual apesar
do tratamento medicamentoso
Persistência dos sintomas
apesar do tratamento
Acompanhar
medicamentoso
disfunção visual
ou
Descompressão
do nervo óptico
Falha
Derivação lombo-peritoneal
ou outro procedimento de
derivação
Figura 1. Conduta Terapêutica em Hipertensão Intracraniana
Idiopática1,2
–37–
Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática.
Pode-se considerar tratamento cirúrgico para HII nas
seguintes condições: prevenção da perda visual, cefaléia
refratária à terapêutica medicamentosa e para pacientes que
não possuam condições de realizar estudos de campo visual,
de aderir ao tratamento farmacológico ou de retornar para
seguimento médico 1 . Descompressão subtemporal ou
suboccipital foi usada durante os primeiros 60 anos do século
XX, para tratar a perda visual grave verificada em casos de
HII. Os resultados eram variáveis. Esses procedimentos foram
abandonados devido à elevada proporção de complicações:
convulsões, fístula liquórica pelo ouvido, hematomas
intracranianos e lesões vasculares cerebrais2. Os tratamentos
cirúrgicos possíveis para casos que não respondem as
medidas clínicas conservadoras (redução do peso,
acetazolamida, furosemida, corticóides) incluem a derivação
lombo-peritoneal (DLP) e a fenestração da bainha do nervo
óptico. A DLP pode complicar com mau funcionamento do
sistema, infecção ou ciática. A falência no controle da HII e
outras complicações menos freqüentes podem ser
observadas - Chiari tipo I adquirido e siringomielia ( ver
Tabela 3)1,2,6,7,8. Em casos selecionados, a fenestração da
bainha do nervo óptico é um método efetivo para estabilizar
ou reverter a perda visual, protegendo o nervo óptico de
dano progressivo e irreversível1,2,9. As complicações desse
procedimento podem ser observadas na Tabela 4.
A possibilidade de HII na gravidez deverá ser
suspeitada no caso da síndrome clínica mostrar-se
evidente. O tratamento instituído deve corresponder ao
protocolo proposto a qualquer paciente com a condição,
exceto pela restrição calórica agressiva e lembrar
potenciais efeitos teratogênicos da acetazolamida no
primeiro trimestre de gestação. A possibilidade de
fenestração da bainha do nervo óptico pode ser
considerada, em casos selecionados2.
Summary
INTRACRANIAL IDIOPATHIC HYPERTENSION
Idiopathic Intracranial Hypertension is a neurological disturbance characterized by
clinical findings that suggest the presence of a lesion occupying some intracranial space or
of other affections that determine an increase in intracranial pressure, also justifying the
denomination of “Cerebral Pseudo-tumor”. Usually, laboratorial and neuro-image
findings are normal. Otherwise, secondary intracranial hypertension is diagnosed. In
cases of Intracranial idiopathic hypertension, liquoric pressure is usually over 250 mmH2O
and the biochemical and the cytologic analysis of liquor show normal findings. Dandy
criteria are fundamental for diagnosis. Initially, treatment is clinical, being surgical
procedures reserved for difficult cases that do not respond to conservative therapy.
Surgical fenestration of the hem of the optical nerve is the choice procedure for
papiledema. Lumbar-peritoneal derivation can be used for the control of the intracranial
hypertension. The case of an obese female patient that underwent a lumbar-peritoneal
derivation is reported.
Keywords: Pseudotumor cerebri, Intracranial Pressure. Lumbar-peritoneal derivation
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REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38.
Relato de Caso
Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa
César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Fabíola Costenaro, Carine V. Lima,
Daniel A. Iser, Fabrice de Bortoli, Marcelo F. Peres, Marcos P. Dozza.
Neurocentro, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS).
Resumo
A elevada prevalência da tuberculose em nosso meio exige especial atenção às suas
possíveis complicações. Relata-se caso de paciente com Siringomielia torácica devido à
seqüela tardia de meningoencefalite tuberculosa, manifesta por dor intensa em membros
inferiores e sinais de comprometimento medular. Discutem-se aspectos etiológicos,
fisiopatológicos, diagnósticos e terapêuticos.
Unitermos: Tuberculose meníngea, Aracnoidite,
Doença da medula espinhal, Siringomielia.
Existem evidências de tuberculose (TBC) espinhal no
período Neolítico, Pré Colombiano e nos ancestrais egípcios;
porém, a doença tomou importância após a Revolução
Industrial favorecida pelas péssimas condições de vida da
época. Chegou a representar um quarto das mortes na Europa
entre 1700 e 18001. Com o surgimento da AIDS, a partir da
década de 1980, ocorreu um aumento no número de casos,
principalmente devido à co-infecção tuberculose - HIV. Um
indivíduo infectado pelo bacilo de Koch e pelo HIV tem uma
chance estimada de 8% de adoecer por TBC contra 0,2% de
um tuberculino-positivo não infectado pelo HIV2.
A incidência de casos notificados de TBC no Brasil é
de aproximadamente 80 mil ou 60:100.000 habitantes (1998).
O país, em 1996, atingia a sétima posição mundial em
prevalência de TBC 1. Nos países de alta prevalência,
aproximadamente 30% dos adultos jovens estão infectados
e 5 a 10% desenvolverão a doença2.
A doença é causada sobretudo por duas espécies da
família Mycobacteriaceae: M. tuberculosis e M. bovis, sendo
a segunda de ocorrência rara em humanos. O homem é o
único reservatório do M. tuberculosis, bacilo aeróbio, não
esporulado, imóvel e com desenvolvida parede celular2. É
transmitido pela inalação de partículas nucleares em forma
de aerossóis, emitidos por bacilíferos através da tosse,
espirros e fala. Esses aerossóis secam no ambiente e ficam
suspensos por longos períodos até que alcancem a via aérea
do hospedeiro e se reproduzam. Raramente, pode ocorrer
transmissão através do leite contaminado pelo M. bovis ou
para patologistas devido a abrasões de pele ao manusear
uma peça contaminada3. A doença manifesta-se a nível
pulmonar ou extrapulmonar, sendo esta última causada por
disseminação via trato respiratório ou tubo digestivo,
contigüidade ou linfo-hematogênica4.
A meningite tuberculosa é a forma mais grave de
A
“
B
“
“
A
Figura 1. Cavidade Siringomiélica Torácica:
A - Cavidade e separações;
B - Medula Espinhal.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42.
“
B
“
C
Figura 2. Trans-operatório:
A - Dura-mater;
B - Severa aracnoidite espinhal torácica;
C - Cateter de derivação siringo-pleural.
–39–
Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa.
“
“
“
A
Figura 2.
A - Cavidade siringomiélica e severa mielopatia.
apresentação extrapulmonar2. Geralmente, é causada por
ruptura de um tubérculo subependimal dentro do espaço
subaracnoideo e, menos freqüentemente, por disseminação
hematogênica. Quando, por complicação de TBC miliar,
desenvolve-se muitas semanas após o início da doença
(exceto em crianças). O foco subependimal pode ficar
quiescente indefinidamente até a ruptura, que pode ocorrer
por trauma, diminuição da imunidade, alcoolismo, etc.
Freqüentemente, acomete a base do crânio-encéfalo
podendo causar fibrose tissular e disfunção de nervos
cranianos. A vasculite local pode ocasionar aneurismas,
tromboses ou acidentes vasculares encefálicos
hemorrágicos 5 . Pode ocorrer comprometimento das
Leptomeninges (aracnoidite) a nível espinhal, tuberculoma
–40–
B
B - Cone medular.
intramedular ou massa granulomatosa extradural,
determinando severo comprometimento nervoso com
alterações sensitivo-motoras até perda de tônus esfícteriano4.
A aracnoidite tem predileção pelos segmentos torácicos6,
sendo que o bloqueio inflamatório subaracnoideo aumenta
de forma marcante a proteinorraquia com ou sem aumento
de celularidade4. Uma das complicações graves associadas
a aracnoidite é a Siringomielia que se caracteriza pela
presença de uma cavidade no interior da medula6.
RELATO DO CASO
Paciente feminina, branca, 49 anos, que apresentava
dor crônica de forte intensidade, de caráter profundo, mal
definida, acompanhada por parestesias em membros
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42.
Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa.
inferiores (MsIs), especialmente à esquerda, com dificuldade
de deambulação. O exame físico exibia paraparesia com
força grau quatro, hipertonia, hiperreflexia e Sinal de Babiski
em membro inferior direito; força grau três, hipotonia e
hiporreflexia em membro inferior esquerdo; arreflexia
cutâneo-abdominal bilateral e hemianestesia à esquerda
com nível sensitivo T8-T9.
História pregressa de meningoencefalite tuberculosa
há 20 anos, internação psiquiátrica e tentativa de suicídio.
Havia procurado vários médicos, os quais atribuíram a queixa
de dor a distúrbios psiquiátricos.
Radiografia de coluna torácica sem alterações
significativas. Mielografia com defeitos de enchimento ao
nível dos espaços subaracnoideos torácicos médiossuperiores. Mielotomografia, precocemente, apresentava
defeito de enchimento dos espaços subaracnoideos
torácicos; em estudo tardio, 12 horas após, exibia contraste
em situação intramedular ocupando a cavidade
siringomiélica (Figura 1). Ressonância magnética da coluna
confirmou os achados anteriores.
Optou-se por tratamento neurocirúrgico, realizandose laminectomia e derivação seringo-pleural (drenagem
unidirecional devido à pressão negativa do espaço pleural).
A derivação siringo-subaracnóidea não pode ser realizada
devido à obstrução (aracnoidite adesiva) do espaço
subaracnóideo (figuras 2 e 3).
Evoluiu com paraparesia espástica simétrica e alívio
completo da sintomatologia dolorosa. Apresentou evolução
satisfatória até 1998 com aparecimento de contraturas
dolorosas espontâneas. Ressonância magnética excluiu
expansão da cavidade siringomiélica. Potencial Evocado
Somato Sensitivo (PESS) traduziu comprometimento do
parênquima medular. Iniciou-se antiespástico (Baclofen),
antidepressivo tricíclico e fisioterapia com substancial alívio
dos sintomas.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES
A Siringomielia pode ser primitiva, idiopática (10%)
ou secundária6. Geralmente, está associada à Síndrome de
Chiari tipo I. Pode ser causada por tumores, traumatismo
medular, hematomas intramedulares ou outras causas de
aracnoidites, pois; a aracnoidite espinhal é um exemplo
conspícuo de etiologia para siringomielia secundária. A
história do paciente é a chave da suspeição diagnóstica,
devendo ser lembrado, como possíveis fatores
etiopatogênicos as infecções (Meningite bacteriana,
tuberculosa ou luética), hemorragia meníngea (espinhal,
especialmente), traumatismo raquimedular, cirurgias
espinhais (da discectomia à cordotomia), anestesia
raquidiana ou exame com contraste intra-tecal (mielografia)7.
REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42.
Os casos de aracnoidite sem paraplegia traumática
são raros, porém uma história de tuberculose ou de meningite
piogênica são relevantes para a suspeita clínica. A seqüela
de aracnoidite tuberculosa é responsável por menos de 1%
das Siringomielias. Os achados clínicos da Siringomielia,
mais freqüentes, segundo Williams8, são: dor desencadeada
pela movimentação (68%); piora do déficit sensorial (87%);
aumento do déficit motor (86%); diminuição dos reflexos
(57%) e distúrbios da sudorese (16%).
Os possíveis mecanismos fisiopatológicos incluem6:
• Aracnoidite localizada (predileção pela região
dorsal) = Teoria da isquemia secundária ao processo
inflamatório meníngeo: estenose dos vasos subaracnóideos
determinando microinfartos ao nível das zonas de junção da
substância branca-substância cinzenta, na região posterior
da medula espinhal (localização dos ramos terminais das
artérias espinhais anterior e posteriores); ocorre
coalescência dos focos necróticos e a cavitação
propriamente dita, expandindo-se transversal e longitudinalmente. O caráter extenso da aracnoidite sugere conjunção
de mecanismos hidrodinâmicos e isquêmicos na gênese da
siringomielia, nesses casos6.
• Fixação mecânica da medula = as adesões
meningomedulares resultantes do processo inflamatório
limitam substancialmente os movimentos medulares normais
de adaptação aos movimentos raquianos de extensão e
flexão, gerando microtraumatismos medulares locais e
lesões isquêmicas no parênquima medular como ocorre em
outros exemplos de “medula presa”6.
Sob o ponto de vista do tratamento, a liberação cirúrgica
da medula aprisionada por aracnoidite representa mais risco do
que eficácia (além do risco de trauma direto do tecido neural e
vasos, ocorre ativação de processo inflamatório-cicatricial, que
torna a produzir extensas aderências e fixação medular); a
drenagem e derivação da cavidade siringomiélica é a alternativa
viável (shunt extra-tecal para peritônio ou pleura, já que o espaço
subaracnóideo espinhal encontra-se obliterado, não permitindo
a derivação siringo-subaracnóidea). A experiência mostra que
essa última alternativa oferece a possibilidade de melhora ou
estabilização dos déficits ascendentes progressivos. Ainda, a
possibilidade de cistos aracnóideos extra-medulares deve ser
averiguada e, face ao efeito mecânico sobre a medula espinhal,
devem ser eliminados5,6,8.
Conclui-se que a Siringomielia por aracnoidite tuberculosa
é uma entidade clínica infreqüente, porém grave, de curso crônico
e incurável. Assim, todo paciente que apresentar
meningoencefalite tuberculosa deve ser acompanhado
cuidadosamente, pois pode desenvolver quadros neurológicos
tardios devido a aracnoidite craniana (hidrocefalia) e/ou espinhal
(siringomielia).
–41–
Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa.
Summary
SYRINGOMIELYA POST-TUBERCULOUS MENINGOENCEFALITIS
The high prevalence of Tuberculosis in the region of Passo Fundo, RS, Brazil, demands
special attention to possible complications due to this disease. This paper reports the case
of a patient diagnosed for Thoracic Syringomielya due to late sequel of Tuberculous
Meningoencefalitis. Patient’s complaints were of intense pain in inferior members and of
signs of spinal comitment. The ethiologic, physiopathologic, diagnostic and therapeutic
points of view of this disease are also discussed in this paper.
Keywords: Meningeal Tuberculosis, Aracnoiditis,
Diseases of the Spine, Syringomielya.
REFERÊNCIAS
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REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42.

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