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R EVIST A M ÉDICA EVISTA www.hsvp.com.br ISSN 0103-4162 HOSPIT AL SÃO VICENTE DE PA UL O HOSPITAL PAUL ULO Rua Teixeira Soares, 808 - CEP: 99010-080 - Passo Fundo/RS http://www.hsvp.com.br Ano XI, Nº 28, Janeiro - Junho 2001 PRESIDENTE Dionisio Tedesco VICE-PRESIDENTE Plínio Grazziotin 1º SECRETÁRIO Luiz Carlos T. de Farias 2º SECRETÁRIO Montecir Jesus Dutra 1º TESOUREIRO Décio Ramos de Lima 2º TESOUREIRO Dilo Canofre dos Santos EDITOR CIENTÍFICO Dr. César A. Pires - Cremers 14.929 CONSELHO EDITORIAL Dr. José O. Calvete Cremers 7601 Dr. Sérgio R. Fuentefria CRF-RS 2060 TRADUÇÃO Dr. Juarez Tarasconi Cremers 4348 ASSESSORIA JURÍDICA Dr. Marco Antônio de Mattos OAB/RS 19041 DIRETOR MÉDICO Dr. Rudah Jorge ADMINISTRADOR EDITORAÇÃO Rodrigo Marcondes Sardi Bel. Ilário Jandir De David Luis Carlos Ribeiro CHEFE DE ENFERMAGEM Ir. Carmelina Pelegrini Rosmari Fait REVISTA MÉDICA é uma publicação do Hospital São Vicente de Paulo, realizada pela Assessoria de Comunicação Social. Indexada na base de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), no Index Medicus (IMLA), em 06/12/1991, pelo Centro Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (BIREME). ISSN - Número Internacional Normatizado para Publicações Seriadas, atribuído em 23/12/1991, pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Impressão: Gráfica J. Print. Periodicidade: Semestral Tiragem: 1000 exemplares Circulação dirigida e distribuição gratuita. Editorial ISSN 0103-4162 A Revista Médica do Hospital São Vicente de Paulo é periódico científico da área de saúde indexado na base de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), que representa a região geo-política e educacional do Planalto Gaúcho. Em suas páginas busca oportunizar o exercício e difusão de conhecimentos na área de saúde, particularmente produzidos a nível regional. Entretanto, costuma receber artigos enviados por autores ligados à instituições públicas e privadas, das mais diversas localidades do Rio Grande do Sul e outros estados, configurando uma vocação democrática e globalizada, onde o essencial é a troca e difusão de conhecimentos, valorizando e respeitando os autores, garantindo-lhes os méritos da produção científica publicada. Assim, pretendemos permanecer como opção acessível e confiável para os autores que pretendam publicar suas pesquisas, estudos, relatos ou notas técnicas. Envidaremos os esforços necessários e os melhores recursos disponíveis para fazer jus à confiança depositada, sem pretensões exageradas, mas sempre perseguindo o mais elevado padrão editorial possível, não prescindindo dos excelentes e respeitáveis referenciais existentes e consagrados. César Pires Editor Científico Revista Médica Ano XI, Nº 28, Janeiro - Junho 2001 ÍNDICE Artigos Originais Síndrome do Túnel Carpiano ........................................................................................07 Antônio Severo, Henrique Ayzemberg, Tatiana Pitágoras, Daniel Nicolodi, Liége Mentz, Osvandré Lech. Embriotoxicidade da Artemisia Vulgaris LINNÉ em ratas .......................................... 12 Mara Regina Calliari-Martin, Solange Dieterich, Carlos Eduardo Bortolini, Carine Teixeira da Cunha, Geanine Lorenceti. Artigos Especial Serviço de Informações Sobre Medicamentos ................................................................18 Cátia Argenta , Mauren Andreis Trizotto, Carlos A S Torres , Carla B C Gonçalves , Ana M D Gindri, Maristela Pietroski. Artigos de Revisão Ecocardiograma Fetal ..................................................................................................20 José Luis de Castro e Silva Pretto. Respostas Morfo-fisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força ...........23 Hugo Tourinho Filho. Relato de Caso Doença de Whipple ......................................................................................................31 Fernando Fornari, Ricardo Luiz Zanin, Betânia Sartori, Antônio Campanille, Paulo Zitlau, Rubens Rodriguez, Elisson Marasca Ribeiro, Luis Fernando Bos, Sérgio Gabriel Silva de Barros. Hipertensão Intracraniana Idiopática ....................................................................... 34 César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Loane Rottenfusser, Marcos Paulo Dozza, Emílio J. Munerolli, Daniel A. Iser. Siringomielia pós Meningoencefalite Tuberculosa ........................................................... 39 César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Fabíola Costenaro, Carine V. Lima, Daniel A. Iser, Fabrice de Bortoli, Marcelo F. Peres, Marcos P. Dozza. Instruções aos Autores A Revista Médica do Hospital São Vicente de Paulo publica artigos enviados espontaneamente ou por solicitação e aprovados pela Editoria Científica que expressam, prioritariamente, a produção científica na área de saúde em nosso meio. Estrutura suas edições com conteúdos de aplicação prática e de utilidade na rotina diária da maioria dos que a recebem, além de conteúdos científicos que sejam relevantes e relacionados. O aceite subentende a publicação exclusiva do artigo neste periódico. As afirmações contidas nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva dos autores. As normas editoriais da Revista Médica seguem as recomendações do International Committee of Medical Journals Editors (ICMJE: Uniform requeriments for manuscripts submitted to biomedical journals. N Engl J Med 1997; 336:309-315). Também, podem ser obtidas na Internet (http:// www.acponline.org). Os trabalhos deverão ser digitados em um editor de textos eletrônico (preferencialmente Word), dispensando-se formatação. Deverá ser enviada cópia impressa e em disquete 31/2", que não serão devolvidos. Os autores devem manter cópias de todo material enviado (inclusive fotos e figuras). Os artigos enviados deverão, obrigatoriamente, ter os seguintes itens: •Página Título: deverá conter título conciso e informativo; primeiro nome e sobrenome principal por extenso, com inicial de sobrenome secundário dos autores; instituição onde se realizou o trabalho (não deve constar a titulação dos autores); nome de um autor com endereço e telefone para correspondência. •Resumo e Summary: o resumo deverá ser apresentado em único parágrafo de não mais que 150 palavras, devendo ser informativo, trazendo, nos artigos originais, o objetivo, a metodologia, os resultados e as conclusões, enfatizando aspectos novos e importantes. O summary deverá ser uma tradução do resumo para a língua inglesa, devendo trazer também o título do trabalho e os unitermos em inglês. •Unitermos: fornecer ao final do resumo uma lista de 3 a 10 palavras ou frases curtas, que identifiquem os temas revisados com vistas à indexação. Utilizar termos listados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), editado anualmente pela BIREME/ OPAS/OMS, São Paulo. Os trabalhos que não se ajustem a estas diretrizes não serão aceitos. Observar a redação e organização dos artigos conforme padrão da revista, como segue: Artigo Original: organização com Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão, Referências. Evitar parágrafos muito curtos (2 ou 3 linhas) e procurar reunir uma linha de pensamento em um único parágrafo. Artigo de Revisão: organização com Introdução, Discussão, Conclusões e Referências. Relato de Caso: breve Introdução, Relato do Caso, Comentários e Conclusões e Referências. Referências Bibliográficas: trabalhos publicados citados no texto deverão ser numerados, uma referência para cada número, ordenados conforme ordem de aparecimento no texto. –6– Os seguintes modelos servem de exemplos: Referências de Revistas: Palma L A S, Pilau J, Borges F G, Eickhoff C M. Pneumopatia por Fármacos. Rev Médica HSVP 1999; 11(24): 65-68. O nome do periódico deve ser abreviado segundo a edição do List of Journals do Index Medicus (publicado anualmente na edição de janeiro do Index Medicus) ou segundo o Index Medicus Latino-Americano. Referências de Resumos: Coleman RJ. Current drug therapy for Parkinson disease -a review (resumo ou "abstract"). Drugs Ag 1992; 2(2):112-24. Quando não publicado em periódico: publicação. Cidade em que foi publicado: publicadora, ano, página(s). Referência de Livros: Gilman AG, Rall TW, Nies AS & Taylor P. Pharmacological Basis of Therapeutics. 8th ed. USA: Pergamon, 1990. Referências de Capítulos de Livros: Brow, AC. Pain and Itch. In: Patton HD, Fuchs AF, Hille B, Scheram AM & Steiner R (Eds) - Textbook of Physiology. 21st ed. USA: WB Saunders Company, 1989; 1(16): 346-64. Quando existir mais de um volume, deverá ser referido imediatamente antes do número do capítulo, que ficará entre parênteses (exemplo acima). Comunicações pessoais: Só devem ser mencionadas no texto, entre parênteses. Tabelas: algarismos arábicos deverão ser usados para a numeração das tabelas, na ordem de aparecimento no texto. Cada tabela deverá ter um rodapé breve. Não utilizar linhas horizontais e/ou verticais dentro das tabelas. As tabelas não deverão duplicar o material do texto ou das ilustrações. Ilustrações: deverão ser referidas como Figuras e, para a numeração, deverão ser usados algarismos arábicos na ordem de aparecimento do texto. As figuras deverão ser desenhadas ou fotografadas de modo profissional, como aparecerão na Revista. As legendas contendo título e explicações para as Figuras deverão ser apresentadas em uma folha separada. Cada figura deverá ser impressa de forma que a imagem fique clara. Atrás das figuras deverá ser escrito a lápis ou em etiqueta adesiva o nome do primeiro autor, o título reduzido, uma seta indicando a posiçao correta e o número da figura. Agradecimentos: indivíduos ou instituições que contribuíram significativamente ao preparo do trabalho são identificados nesta seção. OBS.: A Editoria Científica da revista reserva-se o direito de adotar medidas para aprimorar o conteúdo, estrutura e redação dos artigos. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 6. Artigo Original Síndrome do Túnel Carpiano Antônio Severo, Henrique Ayzemberg, Tatiana Pitágoras, Daniel Nicolodi, Liége Mentz, Osvandré Lech. Instituto de Ortopedia e Traumatologia e Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Resumo Diferentes técnicas são empregadas para o tratamento cirúrgico da síndrome do túnel do carpo: liberação artroscópica, uso de retinaculótomos e o método clássico. O objetivo deste trabalho retrospectivo é a análise de 146 punhos operados, num total de 105 pacientes, pela técnica da mini-incisão. Foram realizadas avaliações pré e pósoperatórias, onde houve a predominância do sexo feminino ( 89% dos casos), a idade média de 43 anos e o lado mais acometido foi o direito num total de 83 casos. O seguimento foi de 12 a 48 meses ( com média de 20 meses). O diagnóstico da lesão foi baseado em características clínicas (sinais e sintomas) enfatizada pelo sinal de Phalen, dígito-percussão, dor noturna, alterações musculares e sintomas parestésicos. A principal causa foi idiopática, com 97 casos (66,43%). Como complicações, observou-se dois casos de infecção superficial, dois de distrofia simpático-reflexa, dois de hematoma, um de deiscência e um caso de recorrência. Na auto-avaliação, apenas 80 (76%) pacientes responderam ao questionário. Destes, 75 (93%) realizariam a cirurgia novamente em circunstâncias similares. Com relação a epineurectomia e tenossinovectomia adicional, não se obteve diferença significativa nos resultados clínicos. De acordo com a avaliação objetiva no pós-operatório, obtivemos o resultado excelente em 95 (65%), bom em 30 (20,5%), regular em 20 (13,6%) e pobre em 1 (0,6%) dos casos. Constatou-se que pacientes com cobertura de seguro demoraram até dez vezes mais tempo do que pacientes sem cobertura para retornar ao trabalho. Unitermos: Síndrome de Compressão nervosa, Síndrome do Tunel Carpal. A síndrome do túnel carpiano (STC), descrito pela primeira vez por Sir James Paget em 1854, aplica-se à neuropatia do nervo mediano ao nível do túnel carpiano no punho, causando sensações de queimação, dor, formigamento, agulhadas, hiperestesia, hipoestesia, e mesmo anestesia1 . Os limites do túnel constam de uma concavidade, com configuração em “U” aberta no aspecto palmar. A borda dorsal é formada pelos ossos escafóide, semi-lunar, piramidal, trapézio, trapezóide, capitato e hamato. A borda radial pela tuberosidade do escafóide e trapézio. A borda ulnar é formada pelo pisiforme e gancho do hamato. A borda volar é formada pelo ligamento transverso do carpo (também conhecido por retinaculum flexor), que é a continuidade da fáscia do antebraço. Pelo seu interior passam 9 tendões flexores e o nervo mediano2,5 . As causas da STC são as mais variadas indo desde exposição da vibração6 , cisto sinovial7,8, trombose da artéria mediana 9 , e outras (anomalias anatômicas, doenças sistêmicas, metabólicas, fraturas, etc.)10 . Existem inúmeras maneiras de abordar cirurgicamente o túnel do carpo : endoscopia 11,15, uso de retinaculótomos16 e o método cirúrgico clássico1,15,17. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11. O objetivo deste trabalho retrospectivo é analisar 146 punhos operados pela técnica da mini-incisão 18,19 . Realizou-se avaliação clínica pré e pós-operatórias, e o b s e r v ou-se a i n f l u ê n c i a d a t e n o s s i n o v e c t o m i a e epineurectomia, além da participação do seguro (comunicado de acidente de trabalho - CAT e outras) nos resultados finais. MATERIAL E MÉTODOS No período de maio de 1995 à dezembro de 1999, no Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo,105 pacientes foram operados, totalizando 146 punhos, onde 41 eram bilaterais, 42 no lado direito e 22 no lado esquerdo . A faixa etária variou entre 20 e 78 anos, com média de 43 anos. O sexo predominante foi o feminino 94 (89%). O seguimento variou de 12 a 48 meses, com uma média de 20 meses. Dentre as causas mais comuns de STC encontradas nesta série destacaram-se fratura –luxação, endocrinológica (diabetes, menopausa, gravidez), tumoral (cisto, schwannoma, etc), ocupacional (indústria, digitador, etc.) , sistêmica (AR, LES, etc.) e idiopática (Tabela 1). –7– Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano. CAUSAS Fratura / Luxação Endocrinológico Tumoral Ocupacional Sistêmica Idiopática Nº DE PUNHOS 6 8 4 25 6 97 Tabela 1. Causas mais freqüentes encontradas na série. Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo – PF/RS. Com relação ao diagnóstico, baseou-se geralmente nos achados clínicos (sinais e sintomas). A eletroneuromiografia foi empregada em alguns pacientes, onde o diagnóstico permanecia em dúvida (33 casos). Dentre os sintomas destacam-se: dor noturna, cujo alívio era obtido com massagens, dor contínua, formigamento, anestesia, sensação de dedos e articulações rígidos e engrossados, dor irradiada desde a mão até região cervical, perda da força de preensão e atrofia ou hipotrofia da região tenar. Os sinais mais evidentes eram dor à digito-percussão no punho com irradiação para os dedos (em especial polegar, indicador e médio), testes de Phalen11, Phalen reverso e Durkan20 presentes. A freqüência de sinais de sintomas estão representadas na Tabela 2. SINTOMAS Dor Contínua Dor Noturna Diminuição da Força Parentesia Hipoestesia SINAIS Digito Percussão Dolorosa Phalen Reverso Durkan Hipotrofia / Atrofia Tenar Nº PUNHOS 35 45 30 35 10 % 23,9 30,8 20,5 23,9 6,8 40 45 41 30 27,4 30,8 28,0 20,5 Tabela 2. Sinais e sintomas mais freqüentemente encontrados Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo/RS diagnóstico, dispensando exames complementares, exceto o exame radiográfico para pesquisa de lesões osteoarticulares1,4. Em 32 pacientes foi instituído o tratamento conservador prévio ao tratamento cirúrgico. Inicialmente, tala gessada ou de velcro, vitamina B6, infiltração local de corticosteróide, AINE e troca de setor, porém sem alívio permanente dos sintomas. O tratamento definitivo nesse estudo prospectivo foi o cirúrgico com liberação a céu aberto do túnel carpal através de mini-incisão em todos os pacientes. A epineurectomia foi realizada em 18 (12,3%) e a tenossinovectomia em 20 (13,6%) dos punhos, usadas como adjuvantes ao tratamento. O diagnóstico diferencial foi realizado com: a) Síndrome de pronador redondo, onde dor está na superfície volar e proximal do antebraço, o teste de Phalen é negativo e o teste provocativo da flexão contra resistência do flexor superficial do indicador e médio é positivo; b) Síndrome do desfiladeiro torácico, em que os sintomas são exacerbados nos testes de Adson, compressão costoclavicular e Roos; c) Síndrome do nervo interósseo anterior, cujo quadro clínico é típico, pois é exclusivamente motor, não há alteração na sensibilidade e movimento de pinça entre o polegar e o indicador é fraco ou ausente. Deve-se lembrar sempre que em caso de dúvida a eletroneuromiografia (EMG) e o estudo da condução nervosa (ECN) são exames valiosos no auxilio do diagnóstico. Na maioria das vezes o quadro clínico é tão clássico que os sinais e sintomas são suficientes para estabelecer o A técnica usada é baseada na aplicação de corticosteróide descrita por Green (1984) e modificada por Altissini e Mancini21, onde a liberação do nervo mediano é realizada sob anestesia local (Figura 1). A demarcação e a técnica de mini-incisão é a mesma descrita por Ortiz e Clobet19. A incisão cirúrgica é planejada longitudinalmente com base no ponto de encontro polpa-palma do dedo anular (representa o arco palmar superficial), sendo ao redor de 2,5 cm de extensão e iniciada próximo a prega cutânea do punho sob a prega tenar. Após a incisão da pele, tecido subcutâneo e fáscia palmar, o ligamento transverso do carpo é aberto longitudinalmente, visualizando-se o interior e observa- Figura 1. Anestesia local e demarcação da incisão de cerca de 2,0 – 2,5 cm. Figura 2. Liberação da fáscia palmar. –8– TÉCNICA CIRÚRGICA REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11. Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano. GRAU DE SATISFAÇÃO Muito satisfeito Um tanto satisfeito Indiferente Um tanto insatisfeito Muito insatisfeito Nº PACIENTES 75 (93,7%) 2 2 0 Tabela 3. Grau de satisfação na avaliação subjetiva. Fonte: Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo/RS. RESULTADOS Figura 3. Túnel do carpo (retinaculum flexor) já liberado distal e proximalmente à incisão. Observa-se o nervo mediano. se o ramo motor do nervo mediano, tendões flexores, além de possíveis outras observações dentro do canal, tais como cistos sinoviais, tumores ou alterações anatômicas. Cerca de 1 a 1,5cm da fáscia do antebraço, na continuação do ligamento transverso do carpo é aberta proximamente. (Figuras 2 e 3) . No pós-operatório, um curativo volumoso é aplicado, o qual é substituído por outro menor na primeira semana; a mão é estimulada para as atividades diárias leves no pósoperatório imediato e os pontos são removidos na segunda semana. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO: Para avaliação objetiva utilizamos os critérios de Sobânia5 modificado que são dividos em 4 categorias: Excelente: assintomático, retorno as atividades habituais sem restrição, teste da digito percussão, Phalen, Phalenreverso e Durkan negativos. Bom: assintomático, com dores ocasionais, retorno às atividades habituais sem restrição, teste da digito-percussão, Phalen, Phalen reverso e Durkan negativos. Regular: remissão parcial dos sintomas, retorno às atividades habituais com alguma restrição, teste da digitopercussão, Phalen, Phalen reverso e Durkan positivos. Pobre: sintomática, não retornou às atividades habituais, teste da digito-percussão, Phalen, Phalen reverso e Durkan positivos. Na avaliação subjetiva foi realizada com um questionário modificado de Levine e cols 22.A análise da epineurectomia, tenossinovectomia, complicações, e da participação do seguro (Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT e outros) os resultados finais foram igualmente avaliados. A tenossinovectomia é indicada quando a sinóvia é espessada, como nos casos de Artrite reumatóide, ou em casos de pacientes com espessamento exacerbado da sinovial (casos de tenossinovite de repetição). A epineurectomia é realizada nos casos em que há recidiva da Síndrome do túnel carpiano devido a um proceso de cicatrização intenso e quando os fascículos não são observados com lupa de 2,5 x de aumento. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11. De acordo com a avaliação objetiva, ou seja, relacionada aos sintomas, retorno às atividades com ou sem restrição, teste de Phalen, Phalen reverso e Durkan foi obtido nível excelente em 95 (65%), bom em 30 (20,5%), regular em 20 (13,6%) e pobre em 1 (0,6%) dos punhos operados. Em termos da auto-avaliação subjetiva, relacionado a satisfação pessoal, apenas 80 (76%) pacientes responderam ao questionário, onde 75 (93,7%) pacientes fariam a cirurgia novamente em circunstâncias similares. As complicações mais freqüentes nesse estudo foram: distrofia simpática reflexa (2), deiscência de sutura (1), infecção superficial (2), hematoma (2), recorrência (1). A epineurectomia foi realizada em 18 (12,3%) e a tenossinovectomia em 20 (13,6%) dos punhos. Não se notou melhora significativa com a adição dessas duas técnicas nos resultados clínicos no pós operatório imediato, e ao término de 12 meses. Dos 105 pacientes, 48 tinham algum tipo de seguro (comunicado de acidente de trabalho – CAT e outros) tiveram retorno ao trabalho numa variação de quatro a doze semanas. Os outros 57 pacientes que não tinham cobertura de seguro retornaram ao trabalho dentro de duas a quatro semanas, mostrando uma diferença significativa nos resultados finais. DISCUSSÃO A síndrome do túnel carpiano é a neuropatia periférica mais comumente diagnosticada e tratada no mundo. Seu tratamento pode variar de acordo com a gravidade dos sintomas, onde dois métodos são freqüentemente usados : conservador e cirúrgico. Dentre os métodos conservadores se destaca: troca de setor (rotação de atividades), uso de talas de velcro, AINE, injeção de corticosteróide e uso de vitamina B6, onde se obtém um índice de bons resultados de aproximadamente 30% na clínica diária 10,17,23. Com a falha do tratamento conservador ou graus severos de compressão do nervo mediano,a liberação cirúrgica do túnel carpiano está indicada e, em geral, produz bons resultados, independente da técnica cirúrgica utilizada. O tratamento cirúrgico escolhido, nesse estudo retrospectivo, foi o da mini-incisão19 sob anestesia local21, monstrando-se um procedimento rápido e mais seguro do que a via endoscópica, segundo os dados da literatura. Shinya e cols14, Berger12 , Bozentka e cols13 e Hunt e 23 cols em seus estudos retrospectivos mostraram que os procedimentos endoscópicos na liberação do túnel carpiano podem causar lesão nervosa com freqüência duas vezes maior do que a via aberta. Outras complicações descritas pela via endoscópica são : liberação incompleta do ligamento –9– Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano. transverso, laceração arterial arco palmar superficial e artéria ulnar, hematoma, lesão de tendões flexores, distrofia simpática reflexa, abertura do canal de Guyon acidentalmente11,14,16. Com relação às complicações, nesse estudo prospectivo, foram dois (2) casos de distrofia simpática reflexa, dois (2) de hematomas, dois (2) de infecção superficial, um (1) deiscência de sutura e um (1) caso de recorrência, sendo compatíveis com as complicações encontradas na literatura1,5,24. Greco e Curtsinger25 , Carlotto e cols26 relataram complicações devastadoras que devem ser lembradas na liberação do túnel carpiano, como fasciítes necrotizantes que necessitam a transferência de retalho livre para cobertura. Assim como Ditmars e cols10, Hunt e cols23, Phalen1, Foukes e cols27, a adição de epineurectomia e tenossinovectomia como adjuvantes, neste estudo, não mostraram benefícios clínicos significativos nos resultados. A epineurectomia deve ser realizada quando o nervo está espessado ou onde não se pode visualizar os fascículos com uma lupa 2.5x de magnificação devido a um tecido de cicatrização intenso envolvendo o nervo, como nos casos de recorrência. A tenossinovectomia causa sangramentos e é recomendada somente quando há uma sinovia anormal, espessada, invasiva ou quando também há cicatrização hipertrófica dentro do túnel como na artrite reumatóide ou doenças ocupacionais. Em relação aos pacientes que apresentavam seguros, concordamos com Nathan e cols18, que observaram uma demora ao retorno de suas atividades habituais de aproximadamente 10 vezes em relação aos pacientes que não possuem cobertura de seguro, mostrando uma diferença nos resultados finais, onde os pacientes segurados apresentam sempre uma série de queixas adicionais. CONCLUSÕES - Na série estudada de 146 casos de Síndrome do túnel carpiano, a liberação cirúrgica do nervo mediano foi realizada sob anestesia local que se mostrou um método simples de ser realizado pelo próprio cirurgião, confiável e bem tolerado pelo paciente. - Técnica de mini-incisão permite um retorno às atividades habituais em até 2 semanas de pós-operatório. - As complicações são mais fáceis de serem evitadas pela técnica aberta, pois o nervo mediano e as estruturas do túnel carpiano pode ser visualizados diretamente. - Epineurectomia e tenossinovectomia adicional como adjuvantes não influenciaram nos resultados clínicos. - A técnica cirúrgica aberta, utilizando-se a mini-incisão em 146 pacientes apresentou complicações em apenas oito (5,4%). - A auto-avaliação estimulada e que foi respondida por 80 pacientes mostrou 93% de satisfação com a cirurgia realizada. - Pacientes com cobertura de seguro, sem dúvida, demoraram até 10 vezes mais o tempo para retornar ao trabalho, do que os pacientes sem cobertura. - A técnica cirúrgica por via aberta não necessita longa curva de aprendizado e possui uma a duas vezes menor chance de ocorrerem complicações, quando comparado com a via endoscópica. Summary SYNDROME OF THE CARPAL TUNNEL Several surgical techniques are proposed for the treatment of the Syndrome of the carpal tunnel: Arthroscopic dissection, Retinaculotomy and the Classic method. The aim of this retrospective study is to analyse the result of the tratment of 146 fists operated, in a total amount of 105 patient, by the technique of “Mini-incision”. There was a predominance of the female sex (89% of the cases). Mean age was 43 years. The most frequently involved side was the right side, being a total amount of 83 cases. The follow-up was from 12 to 48 months (average follow-up of 20 months). The diagnosis of the lesion was based on clinical characteristics (signs and symptoms) emphasized by the sign of Phalen, digit-percussion, night pain, muscular alterations and paresthesy. The main cause was idiopatic, bein the amount of 97 cases (66,43%). Main complications were superficial infection (two cases), Reflex sympathetic distrophy (two cases) , Hematoma (two cases), Suture deiscence (one case) and recurrence (one case). Eighty patients (76%) answered a questionnaire. Seventyfive of them (93%) would be submitted to the surgery once more, in similar circumstances. Regarding to Epineurectomy and additional Teno-sinovectomy, no significant difference in the clinical results were found. According to the post-operative evaluation, the Authors consider the results were excellent in 95 cases (65%), good in 30 cases (20,5%), intermediate in 20 cases (13,6%) and poor in 1 case (0,6%). Keywords: Syndrome of Nerve Compression. –10– REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 7-11. Severo A e Cols. Síndrome do Túnel Carpiano. REFERÊNCIAS 1. Phalen GS.The Carpal tunnel syndrome . J Bone and Joint Surg 1966; (48)(A): 211- 228. 2. Barbieri C H. Cisneros R R, Audi Filho A. Síndrome do Túnel Carpal. Rev Bras Ortop 1985; (20):255- 260. 3. Lech O . 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Resumo A Artemísia vulgaris Linné, é uma planta muito utilizada pelas mulheres da periferia de Passo Fundo(RS) Brasil, com finalidade abortiva e/ou contraceptiva, na forma de chá (infusão), pura ou diluída em uma bebida destilada, até atingir seu objetivo – o aborto. Entretanto, quando as doses ingeridas, são insuficientes para interromper a gestação, podem resultar em alterações importantes no desenvolvimento embriofetal ou em toxicidade para a gestante e o concepto. Este estudo foi realizado para investigar o potencial embriotóxico da A. vulgaris L., em ratas. O extrato aquoso da A. vulgaris L., (1500, 3000 e 6000 mg/kg), foi administrado por via oral (gavage), às ratas wistar, do dia 6 ao 15 da prenhez. Ao 21° dia da prenhez, realizou-se a cesariana, e o número de reabsorção e sítios de implantação foram contados. Os fetos foram pesados e examinados para malformações externas. A exposição pré-natal à Artemísia não causou toxicidade materna nem aumentou a freqüência de malformações externas em nenhuma das doses administradas. Um aumento na taxa de reabsorções por implantação foi observado com 6000 mg/kg, mostrando que houve perda pós-implantação. Portanto, os dados apresentados neste estudo indicam que a A. vulgaris L. na dose de 6000 mg/kg causou um efeito embriotóxico. E em doses abaixo de 6000 mg/kg não foram observados efeitos adversos que pudessem ser a ela associados. Unitermos: Artemísia vulgaris Linné, Planta medicinal, Efeito embrioletal, Toxicidade reprodutiva, Teratogenicidade. O uso de plantas medicinais como alternativa à alopatia é muito difundido, principalmente pela população com menor grau de instrução e poder aquisitivo. Dentre as finalidades do uso dessas plantas pelas mulheres da periferia de Passo Fundo, podemos citar as plantas utilizadas para alterar o processo da reprodução1. Diversas plantas utilizadas com finalidade anticonceptiva são relatadas apenas por possuírem utilização popular; outras, porém, têm alguns efeitos comprovados em animais de experimentação e no homem, tais como, efeitos anticonceptivos, abortivos, estimulantes uterinos, estrogênicos ou citotóxicos2. Entretanto, sabe-se muito pouco ainda sobre os efeitos tóxicos ao organismo materno e ao concepto, quando a gravidez não é interrompida. Dependendo do período da gestação em que houver a exposição (Pré-implantação, Organogênico, Fetal), das diferenças de sensibilidade entre as espécies animais, do agente químico e da dose, podem ocorrer diferentes respostas no desenvolvimento embriofetal3. Desta forma, a exposição materna aos extratos de plantas pode resultar em alterações –12– no desenvolvimento embriofetal, por diferentes mecanismos, tais como interferência na implantação embrionária: Alecrim (Rosmarinus officinalis)4 e Coentro (Coriandrum sativum)5; efeito abortivo ou embrioletal: Boldo (Coleus barbatus)6 e Canela (Cinnamomum zeylanicum)7 e Cominho (Cuminum cyminum) 8 ; ainda, efeito embriotóxico: Gossypium herbaceum9. A Artemisia vulgaris L., do reino plantae, família Asteraceae (Compostas), é uma planta ramosa e aromática, originária da Europa e Ásia, perfeitamente aclimatada em todo o Brasil, cultivada em hortas e jardins como ornamental e medicinal. É conhecida popularmente como Artemíge, Artemigen e Flor de São João. Dentre os principais constituintes químicos extraídos do óleo essencial da A. vulgaris L. podemos citar: alpha-Thujone (seu maior componente: 56,3%)10, monoterpenos11, cânfora12 e alphacadinol13. Da planta também foram extraídos os isomeros estruturais 6–Methoxy-7,8-methylen edioxycoumarin14, e os ácidos 3,5-di-O-caffeoylquinic e 1,5-di-O-caffeoylquinic15. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17. Calliari-Martin M R. e cols. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas. A Artemisia Vulgaris L. é utilizada amplamente como antinflamatória16, antihipertensiva16,17 ; e como coadjuvante na acupuntura, através da aplicação da moxabustão (aquecimento dos pontos de acupuntura pela combustão da planta)18. Popularmente é utilizada como tônica, digestiva, excitante, antiespasmódica, anti-helmíntica, reguladora da menstruação1. Dentre as mulheres da periferia do Município de Passo Fundo que utilizam a fitoterapia, 20% relataram usar a Artemisia com finalidade abortiva ou contraceptiva, na forma de chá (infusão), pura ou em associação com outras plantas, ou diluída em bebida destilada, até atingir seu objetivo – o aborto1. Entretanto, quando as doses ingeridas são insuficientes para interromper a gestação, podem resultar em toxicidade para a gestante e o concepto3 ou em alterações na performance reprodutiva materna 19. Até o momento, os estudos realizados não demonstram com clareza a atividade da planta e seus efeitos sobre a função reprodutiva. Pretendeu-se pois, investigar o potencial embriotóxico da A. vulgaris L em ratas wistar, tratadas durante o período organogênico, (do dia 6 a 15 da prenhez). MATERIAL E MÉTODOS Utilizou-se ratas Wistar, nulíparas, sexualmente maduras, com peso variando entre 220 e 280 g, e machos da mesma espécie, adultos, pesando em torno de 250 g. Os animais, provenientes da colônia do Biotério Central do Instituto de Ciências Biológicas - UPF, foram mantidos durante os períodos de aclimatação (aproximadamente 10 dias) e experimental no Laboratório de Ciências Fisiológicas - ICB, em uma sala com temperatura ambiente controlada (22o C ± 2o C) e ciclo claro/escuro de 11/13 horas. As ratas foram alojadas 1 a 1, durante a prenhez, em gaiolas de polipropileno com tampas metálicas, medindo 18 x 45 x 30 cm. Água e ração foram oferecidas ad libitum durante todo o período experimental. Colocaram-se as ratas em gaiolas, numa proporção de 2 fêmeas para cada macho, sempre no final da tarde. Na manhã seguinte, coletou-se material vaginal de cada fêmea. A cópula foi confirmada pela presença de esperma no intróito vaginal e de espermatozóides no exame microscópico dos esfregaços vaginais, e este foi denominado o “dia 0” da gestação. Após a coleta (Bairro Alexandre Zacchia - Passo Fundo) e identificação botânica da planta, as folhas de A. vulgaris L. (Figura 1) foram lavadas, secas e trituradas, logo após, preparou-se o extrato de peso seco. O extrato aquoso foi obtido utilizando-se a técnica de evaporação rotativa. O extrato aquoso de A. vulgaris L. foi administrado às ratas prenhes, por via oral com cânula intragástrica, uma vez ao dia, durante o período organogênico (6º ao 15º dia da prenhez). Três grupos de animais foram tratados com diferentes doses do extrato (1500, 3000 e 6000 mg/kg de peso corporal) e o grupo controle recebeu somente água destilada. Verificou-se o consumo de água e de ração ingeridos, e o ganho de peso materno, diariamente, durante o período de tratamento, e a cada dois dias, durante a gestação. Além disto, observou-se a presença de alterações físicas (pelagem, sialorréia e diarréia) e alterações comportamentais (estereotipia, agressividade, limpeza e locomoção). Ao 21 o dia de prenhez, as ratas fêmeas foram sacrificadas. O útero grávido foi pesado com seus conteúdos e após realizou-se a contagem do número de fetos vivos e mortos, posição dos fetos no útero, peso fetal: individual e da ninhada, número de sítios de implantação, reabsorções e de corpos lúteos. Determinou-se o número de sítios de implantação pelo método reativo de Salewski20. Após o nascimento, realizou-se a pesagem de todos os filhotes e de suas respectivas placentas, após procedeuse a sexagem (contagem do número de machos e de fêmeas). Procedeu-se o exame macroscópico com auxílio de uma lupa (9,5 cm de diâmetro) realizando-se uma análise minuciosa dos olhos, boca, implantação das orelhas, conformação craniana, membros anteriores e posteriores, perfuração anal e cauda. Todos os filhotes foram avaliados quanto à presença de anomalias e/ou malformações externas. Os dados foram analisados pela Análise de Variância (ANAVA) ou, alternativamente, pelo teste não paramétrico de Kruskal-Wallis21, complementado com o teste de Comparações Múltiplas de Dunn21, para as variáveis: número de filhotes vivos; proporção de machos/fêmeas; número de natimortos; peso fetal; consumo de ração e ingestão hídrica. Utilizou-se o teste de Goodman22 para comparações entre e dentro de populações binomiais para anomalias e malformações externas. A probabilidade de p < 0,05 foi considerada capaz de demonstrar diferenças significativas entre os resultados obtidos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Figura 1. Artemisia vulgaris LINNÉ. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17. A exposição materna a agentes químicos, durante o período de gestação pode, dependendo de fatores inerentes ao organismo materno, à funcionalidade placentária ou a uma ação direta no próprio organismo embriofetal resultar em alterações no desenvolvimento do concepto. Essas alterações, podem por sua vez, ocasionar a morte do concepto, malformações ou anomalias ao nascer ou ainda prejuízo no desenvolvimento físico e/ou comportamental do –13– Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas. Figura 2. Ganho de peso materno recém-nascido23. Outro fator importante é o período da gestação no qual ocorre a exposição materna a esse agente pois, como sabemos, a exposição química em diferentes períodos da gestação de um mamífero pode resultar em efeitos diversos devido às diferenças na sensibilidade do concepto nesses períodos3. Isto posto, como se trata do estudo de uma planta (A. vulgaris L.) utilizada no início da gestação com finalidade abortiva, optamos por estudar a exposição durante o período de maior sensibilidade aos agentes químicos, no qual o embrião já está implantado no útero, ou seja, em ratos, do 6 ao 15 de prenhez. Quando avaliamos a embriofetotoxicidade de um agente químico, além do período de exposição, devemos levar em consideração a dose de exposição materna pois existe uma dose limite para cada agente químico, abaixo da qual não é observado nenhum efeito embriotóxico e a partir da qual esse efeito aparece geralmente de maneira dosedependente. Nos testes de avaliação de efeito teratogênico de substâncias químicas, a escolha de uma dose adequada da substância teste é fundamental pois, quando administrada em doses elevadas pode levar a intoxicação materna, alterando os padrões de homeostase materna, necessários para o bom desenvolvimento embriofetal23. Essas alterações homeostásicas poderiam per se induzir a embriotoxicidade24, o que não nos permitiria concluir se as possíveis alterações observadas no concepto seriam devido à ação embriotóxica da substância em estudo, ou decorrentes das alterações na homeostase materna23. Optamos pela utilização das doses de 1500, 3000 e 6000 mg/kg/dia, insuficientes para causar toxicidade –14– materna, de acordo com estudos de toxicidade realizados em nosso laboratório 25. Sinais clínicos de toxicidade ou mesmo a morte e a redução no ganho de peso corporal materno, são evidências suficientes de toxicidade materna e, invariavelmente, causam redução no peso corporal fetal24. Para avaliarmos se a dose empregada viria causar toxicidade materna utilizamos parâmetros de observação direta (alteração da pelagem, sialorréia, diarréia, apatia, agressividade, perda de comportamento de autolimpeza, entre outros) e parâmetros de avaliação indireta (como ganho de peso, consumo de água e de ração), durante o período de gestação. A análise do ganho de peso corporal das ratas, durante a gestação mostra que o peso total e real (peso total menos o peso da ninhada) não foi alterado em nenhum dos grupos tratados. Adicionalmente, descontou-se o peso da ninhada do ganho de peso total das ratas, pois variações no mesmo poderiam mascarar alterações no ganho de peso real das ratas prenhes. Embora o ganho de peso materno, durante o período de tratamento, foi menor em relação aos demais grupos experimentais não foi estatisticamente significante (Figura 2). Da mesma forma, o consumo de água e de ração manteve-se semelhante em todos os grupos experimentais, durante toda a prenhez. Portanto, esses resultados mostram que não houve sinais de intoxicação materna, confirmando os dados obtidos em estudos de toxicidade no nosso laboratório25. A exposição aos extratos de plantas pode resultar em diferentes alterações no desenvolvimento embriofetal, devido à: interferência na implantação embrionária; efeito abortivo REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17. Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas. ou embrioletal ou de efeito embriotóxico. Avaliamos a performance reprodutiva materna, através da observação dos parâmetros: número de fetos vivos (Figura 3); número de corpos lúteos (Figura 4); número de implantações; porcentagem de perda pós-implantação; peso fetal: da ninhada e individual. Como pudemos observar a exposição ao extrato aquoso de A. vulgaris L., não resultou em diferenças significantes nas variáveis: peso fetal: da ninhada e individual; número de corpos lúteos que pudessem ser a ela associadas. Os grupos que receberam as maiores doses do extrato (3000 e 6000 mg/kg) apresentaram maior número de fêmeas com reabsorção total (perda embrionária total) quando comparados aos grupos (1500 mg/kg) e controle. Entretanto, não podemos associar esse aumento ao tratamento, por não ter tido significância estatística. Em relação à média de peso fetal por ninhada, no grupo que recebeu 3000 mg/kg houve um aumento no peso, quando comparado aos grupos controle e 6000 mg/kg. Embora tenha sido semelhante o número de corpos lúteos em todos os grupos experimentais, no grupo que recebeu 6000 mg/kg, houve uma redução significativa no número de filhotes vivos, indicando perda pós-implantação. Esses resultados, analisados em conjunto sugerem que houve reabsorções embrionárias precoces, ou seja logo após a implantação dos embriões ao útero (Tabela 1). Poucos estudos experimentais têm sido realizados para testar os efeitos teratogênicos de plantas medicinais, GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 CONTROLE 1500 MG/KG 3000 MG/KG 6000 MG/KG Nº de fêmeas acasaladas com reabsorção total 12 0 12 0 10 2 10 2 embora a extrapolação desses dados tenha fundamental importância para a prevenção de riscos tóxicos tanto para a gestante como para o concepto. O extrato aquoso de boldo (Coleus barbatus) administrado em ratas, nas doses de 440 e 880 mg/kg/dia, durante o período organogênico, resultou em alterações vertebrais, e na diminuição do número de centros de ossificação na dose de 880 mg/kg/dia6. Em nossos experimentos, a exposição materna ao extrato aquoso de A. vulgaris L., durante o período organogênico, não resultou na incidência de anomalias ou de malformações externas na prole (Tabela 2). Os dados apresentados neste estudo mostram que o tratamento de ratas com o extrato aquoso de Artemísia vulgaris L., no período organogênico, não levou ao aparecimento de sintomas de toxicidade materna; nem resultou na incidência de anomalias e malformações externas. Promoveu perda pós-implantação (i.é, taxa de reabsorção por implantação), no grupo que recebeu 6000 mg/kg do extrato, reduziu assim, o tamanho da ninhada. Pode-se concluir que a administração de 6000 mg/ kg/dia do extrato aquoso de Artemísia vulgaris L. em ratas, durante o período organogênico, causou embrioletalidade ou seja, houve um efeito abortivo, o que poderia justificar o uso popular da planta para interromper a gestação. Portanto, os resultados indicam que não foi observado nenhum nível de efeito adverso (NOAEL), induzido pelo tratamento com a Artemísia vulgaris L. em doses menores do que 3000 mg/kg. Entretanto, estudos adicionais serão necessários para elucidar o mecanismo de ação da Artemísia vulgaris L. sobre a função reprodutiva e investigar possíveis efeitos no desenvolvimento físico e comportamental da prole. AGRADECIMENTOS À Professora Dileta Cecheti, pelas sugestões na análise estatística dos dados. À UPF, pela bolsa ao acadêmico de Medicina Veterinária. Nº corpos lúteos (média + dp) 175 167 14,58 + 2,54 13,91 + 1,50 137 131 13,70 + 1,70 13,10 + 2,92 Nº implantações (média + dp) 169 139 14,08 + 1,93 11,58 + 2,39 120 105 12,00 + 3,09 10,50 + 3,41* Nº fetos vivos (média + dp) 156 130 13,00 + 1,91 10,83 + 2,69 115 9,50 + 5,29 75 Anomalias 7,50 + 5,19 * Externas Nº reabsorções (média + dp) 13 1,08 + 0,99 9 0,75 + 0,86 15 2,50 + 4,25 30 3,00 + 4,19* % Perda Pós -implantação 2,63 7,09 11,90 35,48* Peso Fetal Ninhada (g). (média + dp) Individual (g). (média + dp) GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4 CONTROLE 1.500 MG/KG 3.000 MG/KG 6.000 MG/KG Ninhadas afetadas Fetos afetados 4,26 + 0,35 * p<0,05, em relação ao controle. 3,95 + 0,32 3,86 + 0,35 0/12 0/130 0/10 0/95 01/10 01/75 0/10 0/67 0/11 0/60 0/08 0/48 0/07 0/39 Malformações Externas 74,04 + 10,76 66,93 + 16,34 68,94 + 9,61 65,65 + 11,38 Ninhadas afetadas Fetos afetados 3,89 + 0,41 0/12 0/156 TABELA 2. Malformações e anomalias externas dos fetos de ratas Wistar que receberam por gavage, dos dias 6 a 15 de prenhez, água destilada ou extrato aquoso de Artemisia vulgaris L. TABELA 1. Performance reprodutiva de ratas Wistar que receberam por gavage, dos dias 6 a 15 de prenhez, água destilada ou extrato aquoso de Obs.: São apresentadas as médias e os respectivos desvios A. vulgaris L. padrões. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 12-17. –15– Calliari-Martin M R. Embriotoxidade da Artemisia Vulgaris Linné em ratas. Figura 3. Fetos vivos e suas respectivas placentas. Figura 4. Número de corpos lúteos. Summary EMBRIOTOXICIDY OF ARTEMISIA VULGARIS LINNÉ IN FEMALE RATS. Artemisia vulgaris Linné, it is very used by women living in suburbs of Passo Fundo, RS, Brazil for abortive abortive purposes. It’s used in the form of a tea (infusion), pure or diluted in a distilled drink, until reaching their purpose: the abortion. However, when the ingested doses are insufficient to interrupt the pregnancy, important alterations in the embrio-fetal development or a toxicity for the pregnant woman and for the embryo can result. This study was proposed to investigate the embriotoxic potential of Artemisia vulgaris L., in female rats. The aqueous extract of Artemisia vulgaris L., (1500, 3000 and 6000 mg/kg), was given orally (gavage), to wistar female rats, from the 6th to the 15th days of pregnancy. In the 21st day of the pregnancy, a Cesarian section was performed and the reabsorption number and implantation sites were counted. The fetuses were evaluated for weight and external malformations. The pre-natal exposure to Artemisia didn’t cause maternal toxicity nor increased the frequency of external malformations in none of the administered doses. An increase in the reabsorption rate for implantation was observed with the dose of 6000 mg/kg, showing that there was a post-implantation loss. Therefore, the data presented in this study indicate that Artemisia vulgaris L., in the dose of 6000 mg/kg caused embriotoxic effects and that, in the doses under 6000 mg/kg, no adverse effects that could be associated to its use were observed. Keywords: Artemísia vulgaris Linné, Medicinal Plants, Embrioletal Effect, Reproductive Toxicity, Teratogenicity. REFERÊNCIAS 1. Nácul A P, Calliari-Martin M R, Cechetti D. Uso de plantas medicinais com finalidade abortiva na periferia de Passo Fundo (resumo). XI Mostra de Iniciação Científica da UPF. Passo Fundo: UPF Ed. 2001. p. 155. 2. Farnsworth R N, Bingel A S, Cordeli G A. et al. Potencial value of plants as source of men antifertility agents. J Pharm Sci 1975; 64:535-98. 3. Calliari, M R T. Effects of prenatal exposure to restraint stress and monocrotophos on behavioral and physical development in the rat. Genetics and Molecular Biology 1998; 21 (3):171. 4. Lemonica I P, Damasceno D C, Distasi L C. 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Efeito tóxico do extrato aquoso de coleus barbatus administrado em diferentes períodos da gestação de ratas. Botucatu, 1998; 79p. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas)-Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista. 9. Nath et al 1997 apud Almeida, F.C.G. Efeito tóxico do extrato aquoso de coleus barbatus administrado em diferentes períodos da gestação de ratas. Botucatu, 1998; 79p. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas)-Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista. 10. Misra LN & Singh S P. Alpha-Thujone, the major component of the esssential oil from Artemísia vulgaris growing wild in nilgiri hills. Pharmacognosy 1996; 49 (SepOct):941. 11. Carnat A. Mugwort: A. vulgaris L and A verlotioruml lamotte. Ann-Pharm-Fr., v. 43: 4, p. 397-405, 1985. 12. Maurya S D. Physico-chemical characterization and GLC investigations on the oil of Artemísia vulgaris from the weed grown in north-eastern region of Indian continent. Pharmacognosy., 1988; 163-5. 13. 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Clin Hemorheol Microcirc 2000; 23(2-4):159-65. 18. Freire AO, Yamamura, Y, Martins M F, Tabosa A. Effect of moxibustion in acupoints St-25 (Tianshu), St-36 (Zusanli), Ren-12 (Zhongwan) in acute injuries of gastric mucosa produced by indomethacin, in Wistar rats. Rev Paul Acupunt 1999; (1):12-6. 19. Bortolini C E, Calliari-Martin M R et. al. Performance reprodutiva de ratas tratadas com o extrato aquoso de Artemísia vulgaris Linne, durante a gestação (resumo). XI Mostra de Iniciação Científica, Universidade de Passo Fundo (Anais). Passo Fundo; 2001, 59. 20. Salewsky E. Farbemethode Zum Markroskopishen Nachweis Von Implantationsstellen Am Uterus Der Ratter Naunyn Schmuderbergs. Arch Pharmacol 1964; 247:367. 21. Siegel S. Estatística não paramétrica (para ciência do comportamento). São Paulo: Mc Graw-Hill do Brasil Ltda, 1975; 350p. 22. Goodman LA. On simultaneous confidence intervals for multinomial proportions. Technometrics 1965;7: 24754. 23. Calliari M R T. Monocrotofós, inseticida organofosforado e estresse: Efeitos da exposição prénatal no desenvolvimento físico e comportamental da prole de ratas. 1998; 143p. Tese (Doutorado em Farmácia e Bioquímica - Toxicologia) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo. 24. Khera K S. Maternal toxicity – a possible factor in fetal malformations in mice. Teratology 1984; 29:411-6. 25. Loreto E S, Calliari M R T, Dieyerich S M, Cechetti D. Avaliação da toxicidade da Artemísia vulgaris L. em ratos e camundongos (resumo). X Mostra de Iniciação Científica, Universidade de Passo Fundo (Anais). Passo Fundo, 2000; 40. –17– Artigo Especial Serviço de Informações Sobre Medicamentos Cátia Argenta , Mauren Andreis Trizotto, Carlos A S Torres , Carla B C Gonçalves , Ana M D Gindri, Maristela Pietroski. Serviço de Farmácia Hospitalar do Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Resumo Prestar informações sobre a utilização de medicamentos com o objetivo de garantir o uso racional dos mesmos é a missão da profissão farmacêutica. Com esta visão o Serviço de Farmácia Hospitalar do Hospital São Vicente de Paulo integra às suas funções o Serviço de Informações de Medicamentos (SIM), que busca esclarecer de forma clara e concisa todas as dúvidas que chegam ao setor. Unitermos: Serviço de Informação de Medicamentos, Centro de Informações de Medicamento. A solicitação de informações sobre medicamentos sempre foi inerente aos trabalhos prestados pelo Serviço de Farmácia Hospitalar (SFH) do Hospital São Vicente de Paulo. Assim, com a preocupação de qualificar as informações prestadas e registrá-las, iniciou-se no mês de junho de 2000 o registro dessas solicitações feitas à Farmácia Interna e Farmácia Magistral. O Serviço de Informações de Medicamentos (SIM) atende a profissionais atuantes no Hospital como equipe de enfermagem, médicos, residentes e estagiários de farmácia, medicina e enfermagem bem como eventualmente solicitações externas feitas por profissionais da saúde ou leigos. O Serviço de Informações de Medicamentos tem por objetivo fornecer informações sobre diluições/ reconstituições, concentrações, formas farmacêuticas, similares, proporcionando o uso adequado e racional dos mesmos. Uma das funções básicas do Serviço de Informações de Medicamentos é fornecer respostas objetivas e válidas às consultas realizadas pelas equipes de saúde e leigos que as necessitem, sendo fundamentadas em bibliografia referendada 1,2,3. Citam-se como bibliografias de consulta as seguintes: - Martindale, The extra pharmacopeia - Drug, facts end comparisons - Remington, Pharmaceutical Sciences - Handbook on Injectable Drugs - Goodman e Gilman, As bases Farmacológicas da Terapêutica - Compêndio Médico - P R Vade Mecum 2000 - Guia de Remédios (BPR) –18– - USP-DI - Index Merck - DEF - Guia Farmacoterapêutico do HSVP A elaboração de boletins informativos e de treinamentos que estimulem a utilização racional de medicamentos é um dos trabalhos a serem desenvolvidos por este serviço1,2,3. O objetivo maior do SIM é tornar-se um Centro de Informações sobre Medicamentos (CIM), o qual se difere do Serviço de Informações de Medicamentos (SIM), por possuir profissionais farmacêuticos exclusivos para esta atividade bem como estrutura física específica. Sobretudo, o Serviço de Farmácia Hospitalar do HSVP visa a tornar o CIM um serviço referência no interior do Estado. Serão relatados neste estudo, os tipos de solicitações de informações, o número de solicitações por setor do Hospital e o número de solicitações de informações por mês. Figura 1. Freqüência dos tipos de informações de medicamentos solicitadas. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 18-19. Argenta C e Cols. Serviço de Informações Sobre Medicamentos. 70 60 60 50 50 46 40 30 20 19 17 10 5 1 0 7 8 1 3 00 t/00 t/00 /00 /00 01 r/01 r/01 00 l/00 01 v o/ n/ z n/ ev/ u e a u g o u e a J S Ab J O J F M A N D Figura 2. Número de solicitações por setor do HSVP. Figura 3. Número de solicitações de informações por mês de registro. MATERIAIS E MÉTODOS e similaridade; segundo o setor de origem e, ainda, conforme o número de solicitações por mês de registro. Os resultados encontram-se representados nas figuras. Observa-se a continuidade das solicitações de informações ao SIM, porém ocorre uma diminuição das mesmas nos últimos meses, o que pode ser reflexo do questionamento por parte da farmácia das solicitações e da distribuição de papeletas com informações sobre similares, o que resultou em um maior esclarecimento e conseqüente diminuição das solicitações de informações. O SFH disponibiliza informações sobre medicamentos mediante conta telefônica. Foram analisados os pedidos registrados de informações sobre medicamentos solicitados à Farmácia Interna e Farmácia Magistral do HSVP no período de junho de 2000 a abril de 2001. RESULTADOS E DISCUSSÃO No período de análise (junho/2000 a abril/2001) foram registradas pelo Serviço de Informações de Medicamentos do HSVP 217 solicitações de informações, as quais foram classificadas segundo o tipo de solicitação em: reconstituição/diluição, concentrações, formas farmacêuticas Summary SERVICE OF INFORMATION ON MEDICINES To render information about the use of medicines, guaranteeing their rational use, is one of the missions of the Pharmaceutical profession. On this point of view, the Service of Hospitalar Pharmaceutics of Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil, integrates into their functions the Service of Information on Medicines (SIM), that intends to explain, in a clear and concise way, all of the doubts that come to the Service. Keywords: Service of Information on Medicines, Center of Information on Medicines. REFERÊNCIAS 1. Arrizabalaga, M. J. et al. Información de Medicamentos in Dominguez, Alfonso et al. Farmacia Hospitalaria. Ed Emisa, Madrid, 1990. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 18-19. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Guia Básico para a Farmácia Hospitalar, Brasília, 1994. 3. Arancibia, Aquiles et al. Fundamentos de Farmacia Clinica. Universidad de Chile, 1993. –19– Artigo de Revisão Ecocardiograma Fetal José Luis de Castro e Silva Pretto. Serviço de Ecocardiografia, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Com os recentes avanços tecnológicos somados à crescente melhora da habilidade dos ultra-sonografistas obstétricos em rastrear malformações fetais, a precisão diagnóstica da ultra-sonografia continua em expansão. A imagem de boa qualidade do coração fetal é um objetivo difícil de ser conseguido em virtude de o coração fetal ser pequeno e se movimentar rapidamente, necessitando de aparelhagem de alta resolução. Desde o advento dos transdutores setoriais com imagens em tempo real, para o estudo bidimensional e mapeamento de fluxo em cores, tem sido possível diagnosticar cardiopatias congênitas, arritmias ou distúrbios funcionais do coração fetal. Com isso, por meio do trabalho em equipe, nasceu a “Cardiologia Fetal”, onde desempenham importante papel o aconselhamento genético, a decisão conjunta com obstetras sobre o local e via de parto, a sofisticada técnica de monitorização fetal durante tratamento antiarrítmico, bem como a intervenção para dilatação de uma valva cardíaca fetal estenosada através de cateter balão. Unitermos: Ecocardiografia, Cardiopatias Congênitas, Frequência Cardíaca Fetal, Testes de Função Cardíaca. Com os recentes avanços tecnológicos somados à crescente melhora da habilidade dos ultra-sonografistas obstétricos em rastrear malformações fetais, a precisão diagnóstica da ultra-sonografia continua em expansão. A imagem de boa qualidade do coração fetal é um objetivo difícil de ser conseguido em virtude de o coração fetal ser pequeno e se movimentar rapidamente, necessitando de aparelhagem de alta resolução. Desde o advento dos transdutores setoriais com imagens em tempo real, para o estudo bidimensional e mapeamento de fluxo em cores, tem sido possível diagnosticar cardiopatias congênitas, arritmias ou distúrbios funcionais do coração fetal. DISCUSSÃO Indicações Fatores maternos: - História familiar de cardiopatia congênita (aumento de risco de 10% se pais afetados). - Filho anterior cardiopata (aumento de risco de 2% para 1 afetado, 10% para 2 afetados, lembrando que a incidência de cardiopatias na população é de 1%). - Diabete melito (risco de cardiopatia fetal em torno de 2%; o controle adequado do diabete no início da gestação provavelmente reduz esse risco). - Exposição a agentes comprovadamente cardioteratogênicos (lítio, anticonvulsivantes) ou com ação em canal arterial (vasoconstritor nasal em grandes quantidades e antiinflamatórios não-hormonais). –20– Fatores fetais: - Gestantes “normais”, cuja ultra-sonografia obstétrica revelou aspecto anormal do coração fetal pelo rastreamento (corte de 4 câmaras ou saída das artérias anormal). É considerado o grupo de mais alto risco. - Anomalias extracardíacas e cariótipo fetal alterado. - Translucência nucal aumentada, independente-mente do resultado do cariótipo. - Hidropisia fetal não imune. - Arritmias fetais (foco arrítmico ou com “pausas”). - Bradicardia (freqüência cardíaca menor que 100 bpm). Lembrar que as bradicardias transitórias costumam ser benignas e que as bradicardias mantidas com freqüências abaixo de 80 bpm costumam ser formas de bloqueio atrioventricular e, portanto, devem ser estudadas o mais rápido possível. - Taquicardia (freqüência acima de 200 bpm). É emergência em Cardiologia fetal pelo risco de óbito e hidropisia. Indicar ecocardiografia fetal para definição seguida de tratamento imediato. Os exames podem ser realizados a partir da 18a semana de gestação pela técnica transabdominal, porém com melhor qualidade de imagens ao redor da 28a semana, quando as valvas estão bem desenvolvidas e a movimentação fetal é menor. Quando necessário, entretanto, pode-se analisar a anatomia cardíaca e o ritmo cardíaco fetal a partir da 12a semana, por meio de técnica mais recente que utiliza transdutor vaginal. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22. Pretto J L C S. Ecocardiograma Fetal. Aspectos técnicos Dados de literatura apontam que as maiores causas de erros em ecocardiografia fetal ocorrem devido à utilização de equipamentos de baixa resolução, sem capacidade de ampliar as imagens e sem Doppler. Alguns erros podem ocorrer pela má qualidade de imagem no polidrâmnio, na obesidade materna, ou diante de posição fetal inadequada. Em conseqüência da limitação da resolução da imagem não é possível diagnosticarem-se defeitos menores que 1,5 mm, como pequenas comunicações interventriculares. Estenoses discretas das valvas aórtica e pulmonar podem passar despercebidas, pois o aspecto da valva nesses casos é normal e a velocidade do fluxo ao Doppler, menor que no período pós-natal, em virtude da baixa pressão intraventricular presente em vida fetal. Outros defeitos, como a coarctação da aorta e a comunicação interatrial tipo “ostium secundum”, são difíceis de se diagnosticar pela similaridade com a anatomia fetal normal. Além disso, devemos lembrar que muitas lesões têm caráter progressivo, piorando com o desenvolvimento da gestação como é o caso da própria coarctação ou das miocardiopatias hipertróficas. É importante, nesses casos, que se façam estudos ecocardiográficos seriados. Ecocardiograma fetal com qualidade técnica satisfatória é obtido na maioria das gestantes, sendo necessária repetição do exame em cerca de 4% dos casos, na maioria das vezes por idade gestacional precoce (53%) ou posição fetal inadequada (37%). Algumas vezes, o ecocardiograma é tecnicamente impossível devido à obesidade materna. Torna-se importante enfatizar que, sendo a ecocardiografia fetal uma técnica relativamente recente, é natural que defeitos mais graves e sintomáticos sejam os de mais fácil reconhecimento pelo ultra-sonografista obstétrico, que os tria para os centros de referência, somente assim essa técnica poderá render todo o seu potencial, fazendo com que o tratamento precoce do recém-nascido cardiopata se torne uma realidade. Finalidade de estudar o coração do feto Há inúmeras vantagens em se afastar ou reconhecer as anormalidades cardíacas fetais. Nos casos em que o resultado é normal, tranqüiliza-se os pais. Nos outros casos REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22. com anormalidade cardíaca, é possível planejar para que o parto ocorra em hospital com suporte adequado para assistir o recém-nascido cardiopata. Nos casos de arritmia fetal com insuficiência cardíaca, o tratamento por meio de medicamentos já é uma realidade. As cardiopatias congênitas são, atualmente, os defeitos congênitos mais comuns encontrados na infância, afetando aproximadamente 8/1.000 nascidos vivos. Dentre esses 8 afetados, 3 apresentam anomalias de conexão, associadas a formas severas de cardiopatias congênitas. Arritmias Fetais O interesse nas arritmias cardíacas fetais tem aumentado nos últimos anos, em conseqüência da maior utilização dos métodos de monitorização fetal. A incidência dos vários tipos de arritmias no feto difere do espectro encontrado no neonato e na criança. A extra-sistolia atrial é o tipo de arritmia mais freqüentemente encontrado, apresentado evolução benigna, sendo possível fazer-se o diagnóstico de taquicardias em supraventriculares ou ventriculares e sustentadas ou não sustentadas como também se fazer a monitorização de reversão do ritmo após tratamento medicamentoso. O diagnóstico de bloqueio atrioventricular também pode ser feito, sendo indicado parto operatório, em razão da impossibilidade de se monitorizar o trabalho de parto. O diagnóstico do tipo de arritmia é importante por determinar não só o tipo de tratamento como também a conduta obstétrica. À equipe multidisciplinar de Medicina Fetal importa o tipo e a gravidade da arritmia, sua associação com cardiopatias ou outras malformações, e seu comportamento frente à terapêutica antiarrítmica. Deve-se ressaltar que, ao se estudar uma arritmia fetal, é importante: - distinguir de sofrimento fetal; - afastar associação com cardiopatia congênita; - pesquisar a presença de insuficiência cardíaca (insuficiência tricúspide e/ou derrames ou ascite e/ou hidropisia); - detectar as “emergências” e encaminhá-las para Centro de Referência treinado em tratamento antiarrítmico fetal; - lembrar da associação do bloqueio A-V fetal com a doença materna do tecido conectivo. –21– Pretto J L C S. Ecocardiograma Fetal. Summary FETAL ECOCARDIOGRAM - REVIEW Recent technological progresses added to a continuous increase in the ability of Obstetric Sonographists in detecting fetal malformations, the diagnostic precision of the Ultrasound scan continues in expansion. A good quality of the images of the fetal heart is difficult to obtain because fetal heart is small and moves rapidly, needing high resolution equipment for its examination. From the coming of sectorial transducers with real-time images, for two-dimensional study and color graph of blood flow, it has been possible to diagnose congenital cardiopathies, arrhythmias or functional disturbances of the fetal heart. Due to the above mentioned factors, through the work in teams, “Fetal Cardiology” was “born”, playing an important role in Genetic counseling, in the decision together with Obstetricians on the Delivery option, on the sophisticated technique of fetal monitorization during treatment of arrhytmias, as well as the intervention for dilation of a stenosed fetal heart valve through a balloon catheter. Keywords: Ecocardiography, Congenital Cardiopathies, Fetal Heart Rate, Fetal Heart Function Tests. REFERÊNCIAS 1. Lopes LM, Myiadahira S, Zugaib M. Eco fetal: Indicações. Revista SOCESP 1999; 9: 5. 2. Allan LD, Crawford DC, Anderson RH, et al. Spectrum of congenital heart disease detected echocardiographically in prenatal life. Br Heart J 1985;54:523-6. 3. Lopes LM, Kahhale S, Barbato A, et al. Diagnóstico pré- –22– natal das cardiopatias congênitas e arritmias pela ecodopplercardiografia. Arq Bras Cardiol 1990;54:121-5. 4. Silverman NH, Golbus MS. Echocardiographic techniques for assessing normal and abnormal fetal cardiac anatomy. J Am Coll Cardiol 1985;5:205-95. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 20-22. Artigo de Revisão Respostas Morfo-fisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força Hugo Tourinho Filho1. Laboratório de Pesquisa e Ensino do Exercício (Lepex). Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (FEFF/UPF). Resumo A presente revisão busca identificar algumas adaptações funcionais e estruturais provocadas pelo treinamento aeróbico e de força sobre o organismo. Para tal, em um primeiro momento, define-se o processo de adaptação no organismo causado pela atividade física e as possíveis influências recebidas por esse processo (idade, sexo, nível de condicionamento físico, quantidade e qualidade de sobrecarga, alimentação). Em seguida, enumeram-se as respostas morfofisiológicas observadas no organismo após passar por um programa de treinamento de resistência aeróbica ou força muscular, procurando relacionálas com o desempenho atlético e com a melhoria da qualidade de vida. Unitermos: Educação e Treinamento Físico, Fisiologia do Sistema Musculo Esquelético, Adaptação Biológica. A adaptação é um fenômeno biológico fundamental e que tem grande relevância prática no esporte. O treinamento regular provoca uma série de estímulos que produzem modificações e adaptações estruturais e funcionais, as quais representam a base sobre a qual se constrói uma maior capacidade de desempenho do atleta1. As adaptações do organismo decorrentes dos processos de treinamento desportivo podem ser de ordem aguda ou crônica. As chamadas adaptações (respostas) agudas são aquelas que ocorrem durante e imediatamente após o exercício, buscando o retorno a um estado de equilíbrio orgânico e o atendimento às demandas do estímulo imposto pela atividade física. Já as adaptações orgânicas ditas crônicas são sinônimo de efeitos do treinamento desportivo e correspondem a alterações morfofisiológicas derivadas da repetição sistemática de exercícios 1 2 . São exemplos de adaptações agudas as elevações da freqüência cardíaca, da temperatura corporal, do volume sistólico, da freqüência e volume respiratório, entre outras, durante a prática do exercício. Por sua vez, as adaptações crônicas são bem representadas pela hipertrofia muscular, bradicardia de repouso, elevação da potência aeróbia e demais adaptações mais ou menos duradouras 2. Para Sharkey3, as adaptações também podem ser classificadas em periféricas, aquelas que ocorrem dentro ou ao redor das fibras musculares, e centrais, que são observadas nos sistemas cardiovascular, respiratório e neurológico. As adaptações periféricas são específicas do tipo de exercício, ao passo que algumas adaptações centrais REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. são específicas e outras são gerais, permitindo, dessa forma, alguma transferência de treinamento. De acordo com Weineck 4 , pode-se afirmar que adaptação e capacidade de adaptação são influenciadas por um grande número de fatores (idade, sexo, nível de condicionamento físico, quantidade e qualidade de sobrecarga, alimentação), como pressupostos básicos para a elevação da capacidade de desempenho de todo o organismo ou de seus sistemas. Os processos de adaptação manifestam-se de diversas formas e têm sua extensão limitada por fatores genéticos; dessa forma, estímulos provenientes do meio ambiente, como o treinamento físico, causam a transposição do genótipo em fenótipo somente num sentido limitado4. Procurando ilustrar a influência dos fatores hereditários sobre as repostas do organismo aos estímulos oferecidos pelo treinamento físico, Keul, König, Huonker, Halle, Wohlfahrt & Berg5 relatam que, no caso, por exemplo, do consumo máximo de oxigênio (VO2máximo), pode-se estimar que os fatores hereditários encontram-se entre 20 e 60% da variação total do fenótipo, e a taxa para melhorar o VO2máximo por meio do treinamento situa-se, por esse motivo, entre 2040%. De forma semelhante, Hollmann & Hettinger6 afirmam que a resistência aeróbia dinâmica - expressa pelo consumo máximo de oxigênio - pode ser aumentada em cerca de 40%; já a resistência aeróbia local dinâmica pode melhorar em mais de 100%, ou até mais de 1000%, pois representa o componente condicionado do desempenho humano melhor treinável. Com relação à capacidade motora força, no sentido –23– Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. de força máxima, pode ser melhorada em aproximadamente 40% em comparação ao nível inicial; entretanto, de acordo com Hollmann & Hettinger6, devem-se considerar também os diferentes níveis iniciais de cada grupo muscular na vida diária - por exemplo, o alto grau de treinamento dos músculos da mastigação. Ainda, segundo esses autores, a velocidade mostra o determinante genético mais forte de todos os fatores físicos de desempenho e só pode ser aumentada em torno de 15 a 20%, ou até menos. Além dos aspectos relativos à influência do potencial genético individual sobre as respostas adaptativas do organismo, acredita-se ser importante ressaltar também que as adaptações observadas no organismo, alcançadas graças aos estímulos oferecidos pelos processos de treinamento desportivo, levam a “marca” do tipo de exercício sistematicamente utilizado nos treinos. Desse modo, cada exercício determina o grau de atividade dos vários órgãos, dos diferentes tipos de músculos e unidades motoras7. Da mesma forma, Maccafferty & Horvath8 enfatizam que existem algumas respostas e adaptações específicas a diferentes tipos de exercícios bastante claras em muitas funções fisiológicas: “Atletas campeões em diferentes esportes apresentam variações consideráveis tanto nas características fisiológicas assim como nas características físicas.” Essas diferenças são atribuídas ao aspecto hereditário e ao tipo de treinamento específico usado pelo atleta8. Nessa mesma linha de raciocínio, Coyle9 afirma que o treinamento físico expõe os vários sistemas do corpo a estímulos fisiológicos potentes. Esses estímulos induzem adaptações específicas que aumentam a tolerância individual para o tipo de exercício desenvolvido no treinamento. Para o autor, os níveis dessa adaptação e a magnitude da tolerância ao exercício são proporcionais à potência do estímulo oferecido pelo treinamento físico. De acordo com Maccafferty & Horvath8, o conceito de especificidade do exercício parece ter uma base subcelular nas diferentes fontes de energia para as diferentes atividades. Nesse sentido, velocistas dependem, primariamente, dos estoques de fosfagênios muscular para competir; assim, o treinamento deveria ser dirigido para que esses estoques fossem aumentados através do treinamento de velocidade. Por sua vez, atletas de esportes de longa duração dependem da degradação oxidativa de carboidratos e gordura; portanto, adaptações para esse tipo de atividade deveriam ser induzidas ao longo de todo o processo de treinamento de resistência aeróbia. Porém, deve-se salientar que diferentes fontes de energia são usadas para diferentes eventos atléticos, dependendo tal uso do tipo, intensidade e duração do exercício; assim, os programas de treinamento deveriam ser dirigidos no sentido de aumentar os estoques específicos de energia para os eventos esportivos8. Nesse sentido, Viru & Viru7 relatam que o conhecimento preciso da relação entre os exercícios e os efeitos do treinamento sobre os tecidos é essencial para guiar o processo de treinamento, além de possibilitar feedback dos procedimentos utilizados no programa de exercícios. –24– Algumas adaptações do organismo frente ao treinamento de resistência aeróbia Há algum tempo já se estuda o comportamento do organismo frente aos estímulos provocados pelo treinamento de resistência aeróbia, e a fisiologia do exercício é, talvez, a área que mais vem contribuindo com estudos sobre o assunto. Em geral, há um consenso sobre os efeitos do treinamento aeróbio sobre o organismo, de forma que a maioria dos livros e periódicos abordam de forma semelhante esse conteúdo. Para Fox, Bowers & Foss 10, o treinamento induz alterações fisiológicas em quase todos os sistemas do corpo, particularmente dentro da musculatura esquelética (adaptações periféricas) e do sistema cardiorrespiratório (adaptações centrais). Com relação às adaptações periféricas provocadas pelo treinamento de resistência aeróbia, Maughan, Gleeson & Greenhaff11 (1997) destacam as seguintes: a) hipertrofia seletiva das fibras do tipo I; b) aumento do número de capilares sangüíneos por fibra muscular; c) aumento do conteúdo de mioglobina; d) aumento da capacidade da mitocôndria em gerar ATP pela fosforilação oxidativa; e) aumento do número e tamanho das mitocôndrias; f) aumento da capacidade para oxidar lipídios e carboidratos; g) aumento na utilização de lipídios como combustível; h) maiores estoques de glicogênio e triglicerídios musculares. Para Neufer 12 (1989), as elevações dos níveis enzimáticos observados nas mitocôndrias em uma musculatura treinada permitem ao metabolismo oxidativo contribuir com uma maior parcela na demanda de energia total. Da mesma forma, McArdle, Katch & Katch13 afirmam que as adaptações metabólicas e circulatórias locais obtidas com o treinamento de resistência aeróbia podem explicar, em parte, o menor ritmo de utilização do glicogênio e o aumento concomitante na capacidade das mitocôndrias para o metabolismo dos ácidos graxos livres durante um exercício. Esse efeito de preservação (poupança) de glicogênio é importante no exercício extenuante prolongado13. Segundo a revisão realizada por Fox et alii10, o aumento na capacidade dos músculos para oxidação de gordura após um treinamento de resistência aeróbia está relacionado a três fatores: a) aumento nas reservas intramusculares de triglicerídios, que constituem a forma de armazenamento da gordura; b) maior liberação de ácidos graxos livres a partir do tecido adiposo, isto é, a disponibilidade de gorduras como combustível aumenta; c) aumento nas atividades das enzimas implicadas na ativação, no transporte e na desintegração dos ácidos graxos. Em síntese, Holloszy & Coyle 14 relatam que o treinamento de resistência aeróbia induz a inúmeras adaptações da musculatura esquelética. Uma das conseqüências dessas adaptações é que, em uma mesma taxa de trabalho, é requisitado um percentual mais baixo da capacidade respiratória máxima muscular, resultando, por essa razão, em menores distúrbios na homeostase. Segundo REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. os autores, uma segunda conseqüência provocada pelas capacidade celular de fornecimento, extração e utilização adaptações na musculatura esquelética é o aumento na do oxigênio, torna-se necessário menos fluxo sangüíneo capacidade de oxidar gorduras, com uma proporcional regional para atender às necessidades do oxigênio do diminuição da utilização de carboidratos durante exercício músculo. Essa redução no fluxo sangüíneo muscular poderia submáximo. As conseqüências metabólicas dessas liberar sangue para áreas inativas, porém de função adaptações do músculo ao treinamento aeróbio exercem importante, como o fígado, rins, pele, fato que seria de importante papel com relação aos seguintes aspectos: 1) considerável benefício para manter um exercício submáximo aumento da resistência aeróbia; 2) capacidade para exercitarprolongado. Por outro lado, o treinamento de resistência se em percentual mais alto do VO2máximo, através de uma aeróbia acarreta grandes aumentos no fluxo sangüíneo depleção mais lenta do glicogênio e reduzida produção de muscular total durante o exercício máximo, em virtude lactato, fato que se traduz na elevação do limiar lático14. principalmente do aprimoramento no débito cardíaco máximo Com relação às adaptações centrais provocadas pelo e da redistribuição do sangue das áreas inativas para a treinamento de resistência aeróbia, McArdle et alii 13 musculatura em atividade; acreditam que, como o sistema cardiovascular e o h) função respiratória: aumentos nos volumes respiratórios respiratório estão intimamente ligados ao processo aeróbio, acompanham os aumentos no VO2máximo. Durante exercício ocorrem alterações correlatas que são tanto funcionais submáximo, a pessoa treinada ventila menos que antes do quanto dimensionais, a saber: treinamento. Tal adaptação pode ser útil no exercício a) volume cardíaco: o peso e o volume do coração, em prolongado, pois a maior eficiência (economia) ventilatória geral, aumentam com o treinamento aeróbio. Uma hipertrofia significa mais oxigênio disponível para os músculos ativos. cardíaca constitui uma adaptação normal ao treinamento, Procurando sintetizar, de forma quantitativa, os efeitos do sendo caracterizada por um aumento no tamanho da treinamento de resistência aeróbia sobre o organismo são cavidade ventricular esquerda, assim como por um apresentados alguns valores aproximados (Tabela 1), espessamento de suas paredes. O treinamento aeróbio é visando mostrar as diferenças observadas entre indivíduos caracterizado mais por provocar um aumento no tamanho que passaram por um treinamento aeróbio em relação a da cavidade ventricular; já o espessamento das paredes outros sadios, porém que não realizaram qualquer tipo de cardíacas constitui uma adaptação mais característica do treinamento de resistência aeróbia. treinamento de força; De acordo com McArdle et alii 13 , os dados b) volume sangüíneo: o volume plasmático e a hemoglobina apresentados na Tabela 1 são valores aproximados, total tendem a aumentar com o treinamento de resistência devendo-se ter cautela ao admitir que a diferença observada aeróbia. Essa adaptação pode aprimorar a dinâmica entre atletas e não-atletas representa, necessariamente, o circulatória e termorreguladora de forma a facilitar a resultado do treinamento, pois as diferenças genéticas entre capacidade de fornecimento de oxigênio durante o exercício; indivíduos provavelmente exercem poderosa influência sobre c) freqüência cardíaca: a freqüência cardíaca em repouso muitos desses fatores. e durante a realização de exercício submáximo sofre uma redução como resposta do organismo ao treinamento Variáveis Destreinado Treinado aeróbio. As alterações observadas na freqüência cardíaca Glicogênio, mmol . g de músculo úmido-1 85,0 120 constituem um índice conveniente para medir o Número de mitocôndrias, mmol 0.59 1,20 aprimoramento induzido pelo treinamento de resistência Volume das mitocôndrias, % da célula muscular 2,15 8,00 aeróbia; ATP em repouso, mmol . g de músculo úmido-1 3,00 6,00 d) volume de ejeção: o volume de ejeção aumenta CP em repouso, mmol . g de músculo úmido-1 11,0 18,0 significativamente em repouso e durante o exercício. O maior -1 10,7 14,5 volume de ejeção resulta de um grande volume ventricular, Creatina em repouso, mmol . g de músculo úmido -1 Fosfofrutoquinase, mmol . g de músculo úmido 50,0 50,0 acompanhado por uma melhor contratibilidade do miocárdio; -1 Fosforilase, mmol . g de músculo úmido 4-6 6-9 e) débito cardíaco: resultado do produto entre a freqüência -1 Succinato desidrogenase, mmol . g de músculo úmido 5-10 15-20 cardíaca e o volume de ejeção, uma das alterações mais 110 150 importantes na função cardiovascular com o treinamento Ácido lático máximo, mmol . kg de músculo úmido-1 50 20-30 aeróbio é o aumento do débito cardíaco máximo. Levando- Fibra muscular de contração rápida, % 50 60 se em conta que a freqüência cardíaca máxima pode até Fibra muscular de contração lenta, % 120 180 diminuir ligeiramente, o maior rendimento do coração (débito Volume de ejeção máximo, ml . batimento-1 cardíaco) resulta diretamente do aumento no volume de Débito cardíaco máximo, l . min-1 20 30-40 ejeção; Freqüência cardíaca em repouso, batimentos . min-1 70 40 f) extração de oxigênio: o treinamento produz grandes Freqüência cardíaca máxima, batimentos . min-1 190 180 aumentos na quantidade de oxigênio extraído do sangue Diferença A-VO2 máxima, ml . 100 ml-1 14,5 16 -1 -1 circulante. Um aumento na diferença arteriovenosa de VO , ml . kg . min 30-40 65-80 2máximo oxigênio resulta de uma distribuição mais eficiente do débito Volume cardíaco, l 7,5 9,5 cardíaco para os músculos ativos, bem como de uma Volume sangüíneo, l 4,7 6,0 capacidade maior de as células musculares extraírem e Ventilação máxima, l . min-1 110 190 utilizarem o oxigênio; g) fluxo e distribuição do sangue: à medida que aumenta a Tabela 1. Valores metabólicos e fisiológicos para homens treinados aerobiamente e destreinados sadios (McARDLE et alii, 1992). REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. –25– Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. Em uma outra revisão realizada por FOX et alii10 a respeito dos efeitos do treinamento de resistência aeróbia sobre o organismo, os autores classificaram as adaptações em bioquímicas, sistêmicas (em repouso, durante exercício submáximo e durante exercício máximo), respiratórias e outras alterações. Com relação às alterações bioquímicas, os autores citam as seguintes adaptações que podem ser observadas no organismo após um programa de treinamento de resistência aeróbia: a) maior conteúdo de mioglobina; b) maior oxidação de carboidratos (glicogênio); c) maior oxidação de gorduras. Em relação às alterações (adaptações) sistêmicas, FOX et alii10 procuraram dividi-las em alterações observadas em repouso, durante exercício submáximo e durante exercício máximo: 1 - Em repouso: a) hipertrofia cardíaca; b) menor freqüência cardíaca; c) maior volume de ejeção; d) aumento no volume sangüíneo e no conteúdo de hemoglobina. 2 - Durante o exercício submáximo: a) nenhuma alteração ou ligeira redução no VO2máximo; b) menor utilização do glicogênio muscular; c) redução no acúmulo do lactato; d) nenhuma alteração ou ligeira redução no débito cardíaco; e) maior volume de ejeção; f) redução na freqüência cardíaca; g) menor fluxo sangüíneo por quilograma de músculo ativo. 3 - Durante exercício máximo: a) aumento no VO2máximo; b) maior acúmulo de lactato; c) maior débito cardíaco; d) maior volume de ejeção; e) nenhuma alteração ou ligeira redução na freqüência cardíaca; f) nenhuma alteração no fluxo sangüíneo muscular por quilograma de músculo. Dirigindo-se especificamente ao sistema respiratório, Fox et alii10 incluem as seguintes adaptações do organismo ao treinamento de resistência aeróbia: a) maior ventilação pulmonar; b) maior eficiência respiratória; c) aumento nos volumes pulmonares; d) maior capacidade de difusão. Finalizando a revisão dirigida por Fox et alii10 sobre as adaptações do organismo frente ao treinamento aeróbio, os autores incluíram, dentro do que denominaram de “outras alterações” que resultam dos estímulos provenientes do treinamento aeróbio, a redução na gordura corporal, a redução nos níveis sangüíneos de colesterol e de triglicerídios, a queda da pressão arterial durante o repouso e o exercício e a maior aclimatação ao calor. Pelos dados obtidos sobre os efeitos do treinamento de resistência aeróbia sobre o organismo, fica evidente a importância dessa forma de trabalho não só para a melhoria do desempenho em esportes que apresentam em suas –26– características a predominância do metabolismo aeróbio, mas, também, como um importante aliado na prevenção de problemas cardiovasculares, contribuindo, conseqüentemente para a melhoria da qualidade de vida. Algumas adaptações do organismo frente ao treinamento de força muscular De forma geral, também se observa um consenso entre os pesquisadores a respeito das adaptações provocadas pelo treinamento de força sobre o organismo. Para Fleck & Kraemer15, uma grande quantidade de informações sobre as adaptações ao treinamento de força acumulou-se durante a década passada. Segundo os autores, é importante observar que a eficácia de um programa de treinamento de força para causar mudanças varia de acordo com a quantidade de adaptações já ocorridas no organismo. Por exemplo, se um atleta nunca treinou usando o exercício de supino, as mudanças iniciais na força serão enormes; porém, após ele treinar progressivamente por um longo período de tempo, os ganhos obtidos serão comparativamente pequenos, visto que o potencial para adaptação já foi utilizado. Conseqüentemente, do início ao fim de um programa de treinamento, os ganhos ou adaptações não acontecerão em uma velocidade constante, sendo, geralmente, maiores as mudanças no início do treinamento, diminuindo com a sua continuação15. Uma das adaptações mais importantes provocadas pelo treinamento de força está centrada no aumento dos músculos (hipertrofia). Hoje em dia, os cientistas do esporte, os atletas e os técnicos concordam em que um programa de treinamento de força adequadamente planejado e executado conduz ao crescimento muscular15. Para Maughan et alii11, já é bem documentado que a hipertrofia das fibras musculares (particularmente as do tipo II) pode ocorrer com períodos mais longos de treinamento intenso de força. O diâmetro das fibras de músculos de levantadores de peso e fisiculturistas é maior do que as fibras musculares de pessoas sedentárias. Na revisão realizada, os autores relatam que estudos longitudinais indicaram que a área de seção transversa das fibras do tipo II pode ser aumentada por volta de 50% após alguns meses de treinamento com pesos. Ainda segundo os autores, experimentos com animais, em que a hipertrofia muscular foi induzida através da remoção cirúrgica de músculos sinergistas, confirmaram a hipertrofia de fibras individuais, porém sugerem que o número total de fibras não apresenta modificações dentro das adaptações musculares ao treinamento de força. Tal afirmação vem refutar a hipótese levantada de que o aumento no tamanho do músculo possa ser causado também pela hiperplasia da fibra muscular, ou seja, pelo aumento no número de fibras musculares. Conforme Fleck & Kraemer 15, embora nenhuma evidência concreta apóie a teoria da hiperplasia, existem indicações de que ela ocorre a partir do treinamento de força. Em virtude desses resultados conflitantes, o assunto, na concepção de Fleck & Kraemer15, permanece controverso, de forma que pesquisas futuras com levantadores de peso competitivos talvez possam ajudar a resolver essa controvérsia. A dificuldade de se comprovar a hiperplasia das fibras musculares de humanos reside principalmente REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. nas questões metodológicas, por exemplo, na inviabilidade de se retirar todo o músculo para realizar os exames. No entanto, ainda que a hiperplasia em seres humanos possa não ser a resposta adaptacional primária da maioria das fibras musculares, ela poderia representar uma adaptação ao treinamento de força que é possível quando certas fibras musculares alcançam um limite superior teórico para o tamanho da célula15. Em teoria, um treinamento muito intenso e de longa duração poderia fazer de algumas das fibras musculares do tipo II as principais candidatas a tal reação de adaptação, e se, nesse caso, a hiperplasia ocorresse, ela possivelmente seria responsável apenas por uma pequena parte do aumento no tamanho do músculo - 5 a 10% 15. As adaptações nas fibras musculares com um treinamento de força intenso devem ser vistas, de acordo com Fleck & Kraemer15, à luz tanto da qualidade como da quantidade das proteínas contráteis, isto é, actina e miosina. A qualidade das proteínas refere-se ao tipo de proteínas encontradas no mecanismo contrátil. Com o início de um programa de treinamento de força realizado com uma alta carga de pesos, adaptações nos tipos de proteínas musculares - por exemplo, cadeias de miosina pesada começam a acontecer em algumas sessões de treinamento; a quantidade de proteínas contráteis começa a aumentar à medida que aumentam as áreas de seção transversa das fibras musculares. Segundo Fleck & Kraemer15, para observar uma quantidade significativa de hipertrofia de fibra muscular, parece ser necessário um período mais longo de treinamento (mais do que oito sessões de treinamento) a fim de aumentar a proteína contrátil contida em todas as fibras musculares. Desse modo, os autores enfatizam que programas de curto prazo (quatro a oito semanas) podem não resultar em mudanças muito grandes no tamanho dos músculos (hipertrofia). Em geral, tem sido observado que, onde ocorre uma hipertrofia significante das fibras musculares, há uma redução concomitante na atividade de enzimas oxidativas e citocromos, o que, presumivelmente, reflete um aumento na área de seção transversa da fibra (primariamente do tipo II), que não é acompanhado por um aumento no conteúdo mitocondrial - menor densidade mitocondrial11. Em resposta ao treinamento de força, as mudanças que ocorrem na musculatura esquelética são importantes e, talvez, sejam as principais adaptações; entretanto, o desempenho da força voluntária é determinado não somente pela quantidade e qualidade de massa muscular envolvida, mas também pela extensão em que a massa muscular é ativada 16 . Desse modo, segundo Sale 16 , as mudanças induzidas pelo treinamento no sistema nervoso são referidas como adaptações neurais. Segundo Häkkinen 17 , os relatos de atividades eletromiográficas têm sido um método muito comum utilizado para tentar monitorar possíveis adaptações neurais, isto é, mudanças na ativação de unidades motoras durante o treinamento de força. Ainda de acordo com o autor, é comum acreditar que os grandes aumentos iniciais notados na força muscular, especialmente em sujeitos previamente destreinados, durante as primeiras semanas de treinamento intenso de força devem-se ao aumento na ativação neural REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. máxima dos músculos treinados. As adaptações neurais podem, por essa razão, ser responsáveis pelos resultados de ganhos de força na ausência de hipertrofia muscular determinada pelos métodos de biópsia muscular ou tomografia computadorizada17. Procurando investigar a influência do treinamento de força rápida sobre a atividade eletromiográfica da musculatura humana, os pesquisadores Häkkinenn, Komi & Alén18 analisaram dez sujeitos (20-35 anos) acostumados ao treinamento de força, os quais passaram por um programa de treinamento que teve duração de 24 semanas. O grupo experimental participou três vezes por semana de um controlado treinamento, visando à potência muscular, o qual incluiu vários exercícios com saltos realizados sem sobrecarga extra (apenas com o peso do corpo), ou com sobrecarga utilizando apenas pesos leves. Esses exercícios foram realizados com um esforço máximo a fim de aumentar a força, especialmente a produção de força rápida. Os resultados obtidos com esse programa foram comparados com dados de um estudo anterior, realizado pelos próprios autores, que utilizou como treinamento um programa de força com cargas intensas que variaram de 70 a 100% de uma repetição máxima. Pela análise dos dados, Häkkinenn et alii 18 verificaram que os exercícios dirigidos ao desenvolvimento da força rápida resultaram em mudanças específicas induzidas pelo treinamento que propiciou um melhor desempenho neuromuscular, demonstrado por um grande aumento na produção de força rápida, maior do que o obtido com o outro programa de força idealizado pelos mesmos autores19. Os aumentos na produção da força rápida foram acompanhados e correlacionados com aumentos significativos na ativação neural e com aumentos na relação da área de fibra muscular de contração rápida (FR) com a área das fibras de contração lenta (FL) - FR:FL. Com relação à força máxima, medida no presente estudo, também foi possível verificar que o aumento dessa capacidade foi acompanhado pelo aumento significante da atividade neural dos músculos treinados, porém somente um mínimo de mudanças no tamanho dos músculos (hipertrofia) que passaram pelo programa de treinamento foi observado. Dessa forma, os pesquisadores concluíram que o programa de treinamento para força rápida produziu consideráveis adaptações neurais e adaptações seletivas das fibras musculares. Conforme Fleck & Kraemer15, em geral, a literatura tem apontado para o fato de que os fatores neurais apresentam uma profunda influência na produção de força muscular, estando relacionados aos seguintes processos: impulso neural aumentado para o músculo, sincronização aumentada das unidades motoras, ativação aumentada do aparato contrátil e inibição dos mecanismos protetores do músculo, isto é, os órgão tendinosos de Golgi. Ainda para os autores, os fatores neurais e a qualidade das alterações das proteínas, por exemplo, alterações no tipo das cadeias pesadas de miosina e no tipo das enzimas da miosina ATPase, poderiam explicar os ganhos iniciais de força (duas a oito semanas). É durante esse tempo que os ganhos em força são muito maiores do que se pode explicar pela hipertrofia muscular; além disso, a capacidade para ativar –27– Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. todas as unidades motoras disponíveis também pode ser um fator importante nas fase iniciais do treinamento, quando os músculos dos indivíduos estão “aprendendo” como exercer força nos vários exercícios15. De uma maneira geral, a grande maioria dos estudos têm demonstrado que, nas fases iniciais de um programa de treinamento intenso de força, a ativação voluntária aumentada no músculo é o fator que mais contribui para o aumento da força; após esse período, a hipertrofia muscular torna-se o fator predominante no aumento de força, especialmente para homens mais jovens15. Dentre os estudos realizados acerca dos efeitos do treinamento de força sobre o organismo, destacam-se também aqueles que procuraram investigar a influência dessa forma de treino sobre a atividade enzimática e sobre as fontes de ATP, CP e glicogênio20 21. Segundo Fleck & Kraemer15, os aumentos na atividade das enzimas de um dos processos de ressíntese de energia podem levar a uma maior produção e utilização de ATP por unidade de tempo, o que, por sua vez, pode levar a aumentos no desempenho físico. Seguindo essa linha de raciocínio, MAcDougall et alii20 investigaram os efeitos de cinco meses de treinamento intenso de força, seguido por cinco semanas de imobilização do cotovelo em nove sujeitos saudáveis. Biópsias musculares foram realizadas no tríceps braquial para posterior análise de adenosina trifosfato (ATP), adenosina difosfato (ADP), creatina (C), fosfocreatina (CP) e concentrações de glicogênio. Com a análise dos dados, os pesquisadores puderam observar que o treinamento de força resultou em um aumento de 11% na circunferência do braço e em um aumento de 28% na força máxima de extensão do cotovelo. Por intermédio do estudo, foi possível também verificar que o treinamento utilizado pelos pesquisadores propiciou um aumento significante nas concentrações, em repouso, de creatina muscular (39%), CP (22%), ATP (18%) e glicogênio (66%). Os autores concluíram que o treinamento de força realizado em uma intensidade alta (para cada exercício, a resistência do equipamento foi ajustada de maneira tal que os indivíduos pudessem suportar, no máximo, realizar de oito a dez repetições em três a cinco séries por exercício, com um período de repouso de dois minutos) resulta em aumentos nas reservas de energia muscular que podem ser reversíveis após um período de imobilização. Em uma mesma linha de estudo, Costill et alii 21 procuraram investigar os efeitos de dois modelos de treinamento isocinético sobre a atividade das enzimas musculares e sobre as composições das fibras de cinco sujeitos saudáveis. Cada indivíduo realizou, com uma das pernas, um treino com séries de aproximadamente dez repetições com duração máxima de seis segundos; com a outra perna, foram realizadas séries de exercícios de extensão de joelho com duração de trinta segundos. Como resultado dos treinamentos, os sujeitos mostraram um aumento significativo no torque de pico para ambas as pernas, na velocidade usada durante o treinamento (3,14 rad . s-1) e em velocidades mais baixas. Nenhuma diferença foi encontrada entre o ganho de força obtido com o treinamento de seis ou trinta segundos de duração das séries. Estatisticamente, o percentual das fibras do tipo II e IIa não –28– apresentou mudanças com uma ou outra forma de treinamento; entretanto, quando computado como o percentual de seção de área transversa muscular, representada por cada tipo de fibra, as fibras do tipo I mostraram uma diminuição significante de 5 e 7,8% nas pernas que treinaram seis e trinta segundos, respectivamente. Ao mesmo tempo, as fibras do tipo IIa em ambas as pernas aumentaram significativamente; já as fibras do tipo II não apresentaram qualquer modificação com o treinamento. O modelo de treinamento de séries com duração de seis segundos mostrou pouco capacidade para modificar a atividade enzimática; somente a atividade da enzima fosfofrutoquinase (CPK) aumentou de forma significativa. Por outro lado, o modelo com duração de trinta segundos resultou em elevada atividade glicolítica, ATP-CP e atividade de enzimas envolvidas com o ciclo de Krebs. Para Costill et alii21, ficou claro que o trabalho de força com séries por volta de trinta segundos de duração, em quatro dias por semana, é estímulo suficiente para aumentar a atividade das enzimas musculares fosforilase, creatina-fosfoquinase, fosfofrutoquinase, mioquinase, malato desidrogenase e succinato desidrogenase, porém, quando a mesma quantidade de trabalho foi dividida em séries de seis segundos, somente a atividade da enzima fosfofrutoquinase aumentou significativamente. Na tentativa de sintetizar os dados existentes dos efeitos do treinamento de força sobre as reservas energéticas e sobre a atividade enzimática, Fleck & Kraemer15 relataram que as mudanças enzimáticas associadas a qualquer um dos três processos de ressíntese de ATP (sistema dos fosfagênios, sistema do ácido lático e sistema oxidativo) depende da duração das séries mais do que da quantidade total de trabalho realizado. Ainda de acordo com os autores, para fins de aplicações práticas, os programas normais de treinamento de força intenso têm um efeito mínimo sobre a atividade das enzimas. Contudo, um programa de treinamento que exige cargas que são toleráveis por, pelo menos, trinta segundos irá provavelmente aumentar as atividades enzimáticas, fato demonstrado de forma bastante clara pelo estudo desenvolvido por Costill et alii21. Com relação às adaptações cardiovasculares provocadas pelo treinamento de força, verifica-se que tais adaptações assemelham-se às adaptações à hipertensão, isto é, espessura da parede ventricular e tamanho da câmara aumentados. Entretanto, se as adaptações são examinadas mais detalhadamente, é possível observar diferenças entre as adaptações à hipertensão e ao treinamento de força. A fim de distinguir as características de uma adaptação das de outra, têm sido usado os termos “hipertrofia patológica”, para as mudanças que ocorrem com a hipertensão, e “hipertrofia fisiológica”, para as mudanças que ocorrem com o treinamento de força15. De acordo com Fleck & Kraemer15, há muito tempo se sabe que as adaptações cardiovasculares ao treinamento de resistência aeróbia são diferentes das adaptações ao treinamento de força. Em geral, segundo os autores citados, essas diferenças são causadas pela necessidade de bombear um grande volume de sangue em uma pressão relativamente baixa durante os exercícios de resistência REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. VARIÁVEIS RESPOSTAS VARIÁVEIS RESPOSTAS Freqüência cardíaca Pressão sangüínea diastólica Pressão sangüínea sistólica Duplo produto Volume sistólico Débito cardíaco Pico de VO2máximo Diminuída Diminuída ou sem mudança Diminuída ou sem mudança Diminuído Aumentado ou sem mudança Aumentado ou sem mudança Aumentado ou sem mudança Freqüência cardíaca Pressão sangüínea diastólica Pressão sangüínea sistólica Duplo produto Volume sistólico absoluto . relativo à área de superfície corporal . relativo ao peso do corpo magro Função cardíaca diastólica Função cardíaca sistólica Colesterol total Lipoproteína de alta densidade (HDL) Lipoproteína de baixa densidade (LDL) Diminuída ou sem mudança Diminuída ou sem mudança Diminuída ou sem mudança Diminuído ou sem mudança Aumentado ou sem mudança Sem mudança Sem mudança Sem mudança (é?) Aumentada ou sem mudança Diminuído ou sem mudança Aumentado ou sem mudança Diminuído ou sem mudança Tabela 2. Adaptações cardiovasculares crônicas verificadas durante o exercício de força (Fleck & Kraemer, 1999). aeróbia, ao passo que, durante o treinamento de força, um volume relativamente pequeno de sangue é bombeado em uma pressão alta. Essa diferença entre os treinamento aeróbio e o de força resulta em adaptações diferentes. Procurando sintetizar as adaptações cardiovasculares que podem ocorrer com o treinamento de força, os pesquisadores Fleck & Kraemer15 organizaram nas tabelas 2 e 3 algumas informações, a saber: O aumento no VO2máximo de pico ocasionado pelo treinamento de força é substancialmente menor do que os aumentos de 15% até 20% associados com os programas tradicionais de resistência aeróbia. Assim, se o objetivo principal de um programa de treinamento for aumentar o consumo máximo de oxigênio, deverá ser incluída no programa alguma forma de treinamento de resistência aeróbia 15. De acordo com Fleck & Kraemer15, existe ainda uma concepção errônea comum de que o treinamento de força resulta em hipertensão. Para os pesquisadores, a hipertensão, quando ocorre em atletas treinados em força, provavelmente está mais relacionada à hipertensão essencial, excesso de treinamento crônico, uso de esteróides, grandes aumentos em massa muscular ou aumento no peso total do corpo. Atualmente, o treinamento de força, também tem sido considerado um importante aliado na prevenção de doenças e, portanto, como forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas. De modo geral, a literatura tem apontado para o fato de que, um programa orientado para a melhora da força muscular pode contribuir na prevenção de distúrbios ligados ao aparelho locomotor, tais como a osteoporose (a Tabela 3. Adaptações cardiovasculares crônicas provocadas pelo treinamento de força verificadas no estado de repouso (Fleck & Kraemer, 1999). contração muscular pressiona os ossos, estimulando a fixação de cálcio e o aumento da densidade óssea) e a artrose (músculos fortalecidos propiciam maior estabilidade à articulação, possibilitando um menor atrito entre os ossos e, conseqüentemente, menos desgaste), além de ser um importante coadjuvante na proteção do sistema cardiovascular (o aumento da musculatura das pernas facilita o retorno do sangue ao coração e diminui o esforço cardíaco). Considerações finais Ao serem comparadas as adaptações provocadas no organismo tanto pelo treinamento de resistência aeróbia quanto pelo treinamento de força, quando realizados isoladamente, fica bastante evidente a especificidade das respostas adaptativas observadas no corpo humano frente aos estímulos proporcionados por ambas as formas de trabalho. Tal fato é de fundamental importância e deve ser levado em consideração no momento do planejamento da preparação física de atletas das diferentes modalidades esportivas, principalmente àquelas que necessitam combinar ambas as formas de treinamento para obter níveis de rendimento satisfatórios. Por outro lado, fica bastante evidente, também, a importância de se acrescentar essas duas formas de treinamento dentro de uma rotina de atividades físicas que visam a melhoria da qualidade de vida. Summary MORFO-PHYSIOLOGIC RESPONSE TO AEROBIC AND FORCE TRAINING This paper intends to present a revision about some functional and structural adaptations of the human body to aerobic and force training. First of all, the adaptation process is defined by the physical activity and by some other possible influences that affect that process (e.g.: age, sex, level of physical conditioning (amount and overload quality) and feeding. Secondly, mofo-physiologic responses are enumerated, according to the changes observed in the human body, after being submitted to a training a program of aerobic resistance or muscular strength, trying to relate them with the athletic performance and with the improvement of their life quality. Keywords: Education and Physical Training, Physiology of Skeletal Muscles, Biological Adaptation. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 23-30. –29– Tourinho Filho H. Respostas Morfofisiológicas do Organismo ao Treinamento Aeróbico e de Força. REFERÊNCIAS 1. Viru A. Il meccanismo dell’ adattamento e dell’allenamento. Revista di Cultura Sportiva, anno XII, 1994; 30:1117. 2. Nahas M V. A especificidade dos efeitos de treinamento. Revista Brasileira de Ciência e Movimento 1991; (5) 2:61-65. 3. Sharkey BJ. Especificidade do Exercício. In: Blair SN, Paainter P, Paite RR, Smith LK. & Taylor CB. Prova de esforço e prescrição de exercícios - Colégio Americano de Medicina Esportiva. 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Como exemplificado por um dos pacientes, quando a doença não é identificada e tratada, evolui inexoravelmente para o óbito. Salienta-se a importância de cogitar esta patologia frente a um paciente com quadro gastrintestinal e/ou articular de evolução arrastada, uma vez que o tratamento adequado é salvador. Unitermos: Lipodistrofia Intestinal, Artrite Infecciosa, Enteropatias Inflamatórias. A Doença de Whipple foi primeiramente descrita em 1907 por George Whipple 1. Na época ele relatou um paciente com artrite seguido posteriormente de emagrecimento, febre, diarréia, hipotensão, distensão abdominal, hiperpigmentação cutânea e anemia. À autópsia verificou depósito de gordura na mucosa intestinal e nos linfonodos mesentéricos. Whipple propôs o termo “lipodistrofia intestinal” para descrever tal patologia. Posteriormente, Hendrix 2 descreveu o envolvimento do endocárdio na Doença de Whipple e concluiu que os macrófagos continham glicoproteína e não lipídios, pelo fato de corarem-se pelo ácido periódico de Schiff (PAS+). A evidência de que a Doença de Whipple fosse de causa infecciosa surgiu em 1961 pelo achado de corpos bacilares no citoplasma de macrófagos à microscopia eletrônica, em tecido intestinal 3. Em 1991 Wilson e col identificaram o microorganismo através da amplificação pelo PCR e sua seqüência ribossomal foi relatada 4. Mais recentemente, estudos permitiram a cultura do bacilo, tornando promissor a obtenção de um teste sorológico, ainda não disponível na prática clínica 5. Entre 1907 e 1988 apenas 741 casos foram descritos na literatura 6. Mais de 80% dos pacientes são do sexo masculino e a doença costuma predominar na raça branca 7. Apesar de ter sido descrito em praticamente todas as idades, é mais freqüente na quarta, quinta e sexta décadas de vida. A forma de transmissão é ainda desconhecida. Alguns relatos descrevem maior incidência em populações rurais 8. A associação entre a doença e o HLA B27 sugere fortemente a presença de determinantes genéticos 9 . Os estudos REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 31-33. observaram que a maioria dos pacientes apresentavam um defeito imune caracterizado pela reduzida produção de interleucina 12 associado à menor capacidade de produzir gama-interferon 10. RELATO DE CASOS Caso 1: Masculino, 63 anos, branco, agricultor, procedente de Erval Seco/RS. Atendido inicialmente em consultório Figura 1. Aspecto endoscópico da mucosa duodenal, evidenciandose pontilhado esbranquiçado na superfície mucosa. –31– Fornari F. Doença de Whipple. Figura 2. A) Macrófagos repletos de granulações intracitoplasmáticas PAS positivo. PAS 400X. (B) Mucosa duodenal exibindo vilosidades alargadas pela presença de numerosos macrófagos de aspecto xantomatoso no córion. HE 50X. médico, queixando-se de episódios de diarréia há 2 anos, até 10 episódios/dia de fezes amolecidas e amareladas, eventualmente com sangue. Anorexia e emagrecimento 7/ 64Kg nos últimos 6 meses. Referia também fadiga e edema em membros inferiores. Ao exame físico estava em regular estado geral, hipocorado, emagrecido com perda evidente de massa muscular e subcutâneo, pele ressecada e cabelos quebradiços com abdômen visivelmente distendido e timpânico à percussão. A hipótese diagnóstica do médico assistente foi de Doença Inflamatória Intestinal e desnutrição acentuada, indicando internação hospitalar. Baixou no Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo onde realizou colonoscopia revelando moderada ileíte terminal evidenciada como inúmeras pequenas placas esbranquiçadas recobrindo a mucosa. Anatomopatológico da mucosa ileal compatível com intiltrado de macrófagos PAS positivo. Tratado inicialmente com Cefriaxone parenteral por 15 dias e, posteriormente, Sulfametoxazol-Trimetoprim enteral por 6 meses, com excelente resposta clínica e laboratorial. Caso 2: Masculino, 55 anos, branco, agricultor aposentado, procedente de Nova Boa Vista/RS. Vinha em acompanhamento com Reumatologista queixando-se de artralgias em médias e pequenas articulações há 10 anos, intermitente, acompanhada de febre vespertina e eventual edema articular. Nos últimos 6 meses iniciou com diarréia intercalada com constipação, sem eliminação de muco, pus ou sangue. Emagreceu 15/84Kg neste período, referindo ainda fadiga progressiva, escurecimento da pele e, mais recentemente, dor e aumento de volume da panturrilha direita. Em internação no Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo diagnosticou-se trombose venosa profunda em membro inferior esquerdo, anemia, desnutrição e artrite em 1 ª metacarpofalangeana da mão direita. Em exame endoscó–32– pico evidenciou-se várias pequenas placas brancoamareladas recobrindo a mucosa duodenal (figura 1), cuja biópsia revelou infiltrado de macrófagos PAS positivos, compatível com Doença de Whipple. Tratado com Ceftriaxone parenteral por 5 dias seguido de Sulfametoxazol-Trimetoprim enteral Após 30 dias de tratamento, referiu normalização do hábito intestinal, redução da prostração e da anorexia e ganho de peso de 5 kg. Caso 3: Masculino, 61 anos, branco, pedreiro aposentado, procedente de Dois Irmãos/RS. Internou no Hospital de Clínicas de Porto Alegre para investigar emagrecimento de 10/64Kg em 3 meses, acompanhado de anorexia, astenia e dispnéia aos grandes esforços. História de cardiopatia isquêmica tendo sido submetido à cineangiocoronariografia há 5 anos revelando aterosclerose coronariana para a qual manteve-se em tratamento clínico. À revisão de sistemas, referiu episódios de diarréia precedidos por cólicas abdominais nos últimos 3 meses, sem eliminação de muco, pus ou sangue. Ao exame físico estava em regular estado geral, emagrecido, hipocorado, apresentando discreta distensão abdominal, linfoadenomegalias supraclaviculares à esquerda e sopro sistólico 2/6+ em ápice ventricular esquerdo. Apesar de extensamente investigado, evoluiu para o óbito 7 meses após a primeira internação. A autópsia revelou infiltrado de macrófagos PAS positivo em vários tecidos, compatível com Doença de Whipple. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Esta é a primeira série de casos da Doença de Whipple relatada na comunidade científica local. Em acordo com a literatura, chama a atenção o acometimento exclusivo do sexo masculino em nossa série 7, além do predomínio de habitantes em zona rural 8. Dois dos três pacientes eram agricultores. No momento do diagnóstico, todos os pacientes encontravam-se entre a quinta e sexta décadas de vida. Num deles (caso 2), presume-se que a enfermidade vinha em REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 31-33. Fornari F. Doença de Whipple. atividade há, pelo menos, 10 anos, manifesta pela acometimeno articular. Nos outros casos, o tempo de evolução foi mais breve, entre 3 e 6 meses. Os sintomas mais comuns presentes nesta série de casos foram anorexia, emagrecimento, fadiga, febre, diarréia e artralgias, semelhantes aos relatados na literatura 11 . Apenas um paciente (caso 1) apresentava-se com síndrome disarbsortiva bem estabelecida no momento do diagnóstico. A hipótese diagnóstica inicial para este paciente foi de Doença Intestinal Inflamatória, pelo predomínio dos sintomas gastrointestinais. No cano 2, o acometimento articular ocorreu vários anos antes das manifestações gastrointestinais e sistêmicas, sendo considerada, previamente ao diagnóstico, artropatia soronegativa. O diagnóstico em dois dos três pacientes foi realizado através de biópsia endoscópica da mucosa intestinal. Este é o procedimento de escolha recomendado pela literatura para estabelecer o diagnóstico 12. No caso 1, o achado de inúmeras pequenas placas esbranquiçadas aderidas à mucosa ileal foi o achado colonoscópico que sugeriu o diagnóstico. Salienta-se a importância da avaliação da mucosa ileal durante colonoscopia em pacientes com diarréia crônica de etiologia desconhecida. Nesta mucosa ileal, a visualização de macrófagos PAS positivos estabeleceu a enfermidade. Ressalta-se a importância da atenção do Endoscopista e do Patologista para a identificação destes casos. No paciente nº 2, o diagnóstico foi realizado através do achado de macrófagos PAS + infiltrando a mucosa duodenal, cujo aspecto macroscópico também sugeria doença de Whipple13. No caso 3, o diagnóstico foi realizado em autópsia, reforçando a evidência de que, se não diagnosticado e tratado, o paciente com Doença de Whipple evolui inexoravelmente para o óbito. Nos dois casos cujo diagnóstico foi realizado em tempo, a introdução de antibioticoterapia resultou em rápida melhora das queixas clínicas, sem aparente recidiva até o momento. Summary WHIPPLE DISEASE Whipple disease is a rare infectious systemic disease caused by the bacterium Tropheryma whippelii. The main clincal findings are those related to the gastrointestinal tract and to the joints. In the most serious cases it affects the Central nervous system. In this series of three cases, the Authors describe the clinical findings, the diagnosis and the treatment of Whipple disease, stressing that when the disease is not early identified and treated, the patients run inexorably to death. The Authors also stress the importance of considering the diagnosis of Whipple disease when patients present, simultaneously, gastrointestinal and articular complaints, so appropriate treatment can be life saving. Keywords: Intestinal Lipodystrophy, Infectious Arthritis, Inflammatory Enteropathies. REFERÊNCIAS 1. Whipple GH. A hitherto undescribed disease characterized anatomically by deposits of fat and fatty acids in the intestinal and mesenteric lympyatic tissues. Bull Johns Hopkins Hosp 1907;18:382. 2. Hendrix JP, Black-Schaffer B, Withers RW, et al. Whipple’s intestinal lipodystrophy. Arch Intern Med 1950;85:91. 3. Chears WC, Ashworth CT. Electron microscopic study of the intestinal mucosa in Whipple’s disease. Gastroenterology 1961;41:129. 4. Wilson KH, Blitchington R, Forthingham R, et al. P. Phylogeny of the Whipple’s-disease-associated bacterium. Lancet 1991;338:474. 5. Raoult D, Birg ML, La Scola B, et al. Cultivation of the bacillus of whipple’s disease. N Engl J Med 2000;342:620-25. 6. Dobbins WO III. Whipple’s disease [editorial]. Mayo Clin Proc 1988;63:623-4. 7. Maizel H, Ruffin JM, Dobbins WO III. Whipple’s disease: a review of 19 patients from one hospital and a review REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 31-33. of the literature since 1950. Medicine (Baltimore) 1970;49:175-205. 8. Gaist D, Ladefoged K. Whipple’s Disease: a Review. Scand J Gastroenterol 1994;29:97-101. 9. Dobbins, WO III. Whipple’s disease. Springfield, Charles C Thomas, 1987. 10. Groll A, Valberg LS, Simon JB, et al. Immunological defect in Whipple’s disease. Gastroenterology 1972;63:943. 11. Trier JS. Whipple’s Disease. In: Sleisenger e Fordtran’s. Gastrointestinal and Liver Disease. 6th ed. W.B. Saunders Company, 1998:1585-93. 12. Fleming JL, Wiesner RH, Shorter RG. Whipple’s disease: clinical, biochemical and histopathologic features and assessment of treatment in 29 patients. Mayo Clinic Proc 1988;63:539. 13. Geboes K, Ectors N, Heidbuchel H, et al. Whipple’s disease: endoscopic aspects before and after therapy. Gastroint Endosc 1990;36:247-52. –33– Relato de Caso Hipertensão Intracraniana Idiopática César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Loane Rottenfusser, Marcos Paulo Dozza, Emílio J. Munerolli, Daniel A. Iser. Neurocentro, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo (RS). Resumo Hipertensão intracraniana idiopática é um distúrbio neurológico caracterizado por síndrome clínica sugestiva de lesão ocupando espaço ou outras afecções que determinam o aumento da pressão intracraniana, justificando ter sido denominada de Pseudotumor Cerebal. Usualmente, os exames de neuroimagem e laboratoriais são normais. Caso contrário, verifica-se hipertensão intracraniana secundária, isto é, com causa determinada. Na hipertensão intracraniana idiopática, a pressão liquórica aferida em raquimanômetro mostra-se superior a 250 mmH2O e análise citobioquímica do líquor mostra-se normal. A utilização dos critérios de Dandy é a chave diagnóstica primordial. O tratamento inicial sempre é clínico, reservando-se as intervenções cirúrgicas para os casos refratários à terapia conservadora. A fenestração cirúrgica da bainha do nervo óptico é o procedimento de escolha para papiledema. A derivação lombo-peritoneal poderá ser empregada para controle de hipertensão intracraniana. Relata-se caso de paciente feminina e obesa que necessitou de derivação lombo-peritoneal. Unitermos: Pseudotumor cerebri, pressão intracraniana, derivação do líquido cefalo-raquidiano Quincke, em 1897, descreveu pela primeira vez uma patologia caracterizada por sinais e sintomas de lesão intracraniana ocupando espaço (cefaléia, obscurecimentos visuais transitórios e papiledema), porém sem evidências de massas ou obstrução ventricular,com aumento da pressão intracraniana demonstrada por meio de punção lombar (contudo, sem alterações significativas na composição do líquido cefalo-raquidiano). Nonne, em 1904, definiu essa desordem, denominando-a de Pseudotumor Cerebri. Afeta principalmente mulheres jovens com sobrepeso e sua morbidade reside na diminuição da acuidade visual, devido à atrofia do nervo óptico1. Nenhum mecanismo proposto para elucidar a patogênese da hipertensão intracraniana idiopática explica a elevada ocorrência em mulheres obesas, com ventrículos de tamanhos normais ou reduzidos (ausência de hidrocefalia). O mecanismo mais conhecido propõe que ocorra redução na absorção do líquor, a partir de disfunção das granulações aracnóideas2,3. Relata-se caso de hipertensão intracraniana idiopática, realizando-se breve revisão da literatura. RELATO DE CASO Paciente feminina, branca, 27 anos, encaminhada à avaliação neurológica devido à cefaléia holocraniana persistente, pulsátil, exacerbada no período noturno e pelos esforços físicos; acompanhada de turvação visual (que piorava com manobras de Valsalva), tonturas e acúfenos bilaterais. Exame neurológico normal, exceto papiledema –34– bilateral. Exame geral sem alterações significativas, exceto obesidade (88Kg x 154cm). Estudos de neuroimagem com sistema ventricular de dimensões reduzidas sem alterações parenquimatosas (Figura 2A e 2B). Punção lombar com raquimetria exibiu pressão de abertura superior a 300 mmH2O; exames citológico, bioquímico e citopatológico do líquor normais. Screening sistêmico, incluindo provas para colagenose e perfil hormonal, normal. A paciente exibiu marcado alívio dos sintomas após a punção lombar. Instituído corticoterapia e acetazolamida. Devido à recidiva de cefaléia e zumbidos, foi submetida a punções lombares seqüenciais e associado furosemida. Após cerca de três semanas da última punção lombar, recorreram os sintomas, inclusive papiledema bilateral. Decidido tratamento neurocirúrgico com derivação lombo-peritoneal. A paciente apresentou remissão completa dos sintomas e atualmente encontra-se em bom estado geral, sem uso de medicação. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Hipertensão intracraniana idiopática (HII) consiste em desordem associada a aumento da pressão intracraniana, neuroimagem sem alterações e composição do líquor compatível com a normalidade. Uma variedade de denominações para essa entidade pode ser encontrada na literatura, incluindo pseudoabscesso, edema cerebral de causa desconhecida, hidrocefalia tóxica, papiledema de etiologia indeterminada ou hipertensão intracraniana benigna 1,2 . A terminologia REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38. Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática. Figura 2A. Ressonância magnética axial. 2B. Ressonância magnética coronal, exibindo redução das dimensões do sistema ventricular. inclui tanto a doença idiopática quanto aquela com causas determinadas. Os critérios modificados de Dandy, sugeridos por Wall, constituem, atualmente, a melhor definição clínica: 1. Sinais e sintomas de aumento da pressão intracraniana; 2. Ausência de achados neurológicos localizadores (observação: disfunção do nervo abducente-paralisia do músculo reto lateral - não é localizadora); 3. Ausência de deformidades, deslocamento e/ou obstrução do sistema ventricular e estudos de diagnóstico neurológico com resultados normais, à exceção do aumento da pressão do líquido cefalorraquidiano (acima de 250 mmH2O; pressões entre 200-250 mmH2O são discutíveis); 4. Sonolência e desatenção; 5. Ausência de qualquer outra causa demonstrável de aumento da pressão intracraniana. Os cinco critérios, entretanto, dificultam a classificação dessa desordem: as múltiplas doenças, drogas e estados fisiológicos que estão associados à hipertensão intracraniana fazem a identificação causal um processo especialmente difícil. Por esse fato, Wall1 cuidadosamente construiu uma tabela reunindo os fatores associados ao pseudotumor cerebri (Tabela 1). Apesar do conhecimento de vários fatores relacionados com a doença e de várias teorias terem sido formuladas, o mecanismo fisiopatológico exato carece de evidências científicas definitivas1,2. HII possui uma incidência anual na população geral de 0,9 por 100.000 pessoas. Essa incidência torna-se maior entre mulheres com idade entre 15-44 anos e dobra nessa mesma população quando se considera, juntamente, a obesidade (7,9 por 100.000). Verifica-se uma marcada predominância no sexo feminino (razão de 8:1), relatada desde as primeiras séries de casos. A população feminina acometida, por sua vez, é predominantemente obesa (cerca de 90 por cento dos casos) e apresenta mais disfunções hormonais, o que a distingue da população masculina: menos obesa, hipertensa e com uma forma mais agressiva da doença1,2,4. Os efeitos da HII em crianças são similares aos dos adultos, especialmente nas maiores. Todavia, não se observa a mesma predominância em indivíduos do sexo feminino e a obesidade não é tão significativa (33 por cento contra 90% nos adultos)2. Uma das principais características da HII é a sua grande variabilidade sintomatológica: de uma cefaléia incapacitante à forma assintomática. Os sintomas e sinais clínicos mais relevantes são: 1. Cefaléia: o sintoma mais freqüente (75-90 por cento dos casos). Usualmente é de natureza pulsátil e holocraniana, podendo, todavia, limitar-se ao vértice ou em áreas occipitais. Geralmente bem tolerada, costuma ser contínua e diária, piorando com manobras de Valsalva ou antes do despertar. Ocasionalmente, a dor pode manifestarse em região retro-orbitária, mais severa com o movimento ocular ou semelhante a uma crise migranosa, associada a náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia1,2. 2. Turvações visuais transitórias: são episódios de borramento ou escurecimento total visual que duram menos de 30 segundos (usualmente 5 segundos ou menos). Podem ocorrer em um ou ambos os olhos e são comumente precipitados por mudanças posturais ou manobras de Valsalva, estando presentes em até 75 por cento dos pacientes. 3. Ruídos pulsáteis intracranianos: acúfenos intracranianos de característica pulsátil e de tom grave podem ser percebidos por cerca de 60 por cento dos pacientes REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38. –35– Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática. Muito Provável Diminuição do fluxo através das granulações aracnóides (aumento da resistência do fluxo de saída) Seqüela de inflamação prévia (assim como meningite, seqüela de hemorragia subaracnóidea) Obstrução da drenagem venosa (aumento da pressão no seio sagital superior) Trombose de seio venoso Estado de hipercoagulabilidade Infecção contínua (assim como do ouvido médio ou hidrocefalia do mastóide-ótico) Dissecção bilateral radical do pescoço Síndrome da veia cava superior Aumento da pressão no lado direito do coração Desordens Endócrinas Doença de Addison Hipoparatireoidismo Obesidade Supressão de terapia com corticóides Desordens nuticionais Hipervitaminose A (vitamina, fígado ou ingesta de isotretionina) Hiperalimentação na ausência de nanisno Malformação arteriovenosa Causas Prováveis Esteróides anabolizantes (podem causar trombose de seio venoso) Clordecona (Kepone) Cetoprofeno ou indometacina em Síndrome de Bartter Lúpus eritematoso sistêmico Terapia de reposição tireóidea em crianças com hipotireoidismo Uremia Causas Possíveis Amiodarona Difenilhidantoía Anemia ferropriva Carbonato de lítio Ácido nalidíxico Sarcoidose Sulfa e derivados Causas Freqüentemente Citadas, mas sem Comprovação Uso de corticosteróide Hipertireoidismo Hipovitaminose A Menarca Irregularidades menstruais Ingesta de multivitamínicos Elementos Condições associadas; medicações; sintomas; critérios de Dandy Geral: pressão sanguínea Exames Físicos Neurológico: excluir sinais focais Oftalmológico: acuidade visual e campos visuais; fotografia esteroscópica de fundo de olho Exames Laboratoriais VSG; anticorpo antinuclear; eletrólitos; uréia e creatinina; TSH e T4; VDRL + FTA-Abs; cortisol. Ressonância magnética de crânio-encéfalo (e Neuroimagem órbita) ou tomografia computadorizada Angiografia cerebral pode ser requisitada na suspeita de trombose nos seios durais não evidenciada por outros estudos Pressão de abertura; contagem celular; glicose; Punção Lombar proteína; VDRL; outros valores baseados em casos individuais Estudo História Clínica Tabela 2. Elementos chaves na Avaliação Inicial de Hipertensão Intracraniana Idiopática e Secundária1,2 Cefaléia relacionada com hipotensão liquórica Falhas na derivação Perda visual Cefaléia relacionada com alta pressão Migração da derivação Malformação de Chiari tipo I adquirida Siringomielia (cervical) Infecção Infecção epitelial local Peritonite Abcesso peritoneal Meningite Infecção no espaço intervertebral Radiculopatia Perda visual contínua apesar do funcionamento ideal da derivação Complicações anestésicos Tabela 3. Complicações da Derivação Lombo-Peritoneal1,2 Oclusão vascular da retina Artéria central da retina Veia central da retina ou seus ramos Hemorragia orbitária ou dentro da bainha Desnervação completa ou parcial do esfíncter da pupila Diplopia (geralmente transitória) Perda visual contínua apesar da reversão do edema de disco Recorrência do edema de disco (falha da derivação) Ulceração de córnea Complicações anestésicas Tabela 1. Condições Relacionadas com Hipertensão Intracraniana Idiopática e Secundária1,2 Tabela 4. Complicações da Descompressão do Nervo Óptico1,2 acometidos. Usualmente os sons são unilaterais. O sintoma pode estar associado com perdas auditivas e tonturas. A compressão ipsilateral da veia jugular pode abolir os sons e a punção lombar os diminui temporariamente1,2,5. 4. Diplopia horizontal: paresia de um ou de ambos nervos abducentes produz diplopia horizontal, que é um achado neurológico não-localizador (comum a qualquer desordem que produza aumento da pressão intracraniana); ocorre em cerca de 40 por cento dos casos1. 5. Edema de disco óptico: essa alteração do nervo óptico pode ser bilateral; entretanto, o termo papiledema reserva-se ao edema de disco óptico ocasionado por aumento da pressão intracraniana. Mesmo sendo muitas vezes assimétrico, raramente apresenta-se unilateral. Essa forma de edema de disco não costuma provocar disfunções visuais no início de seu curso, mas papiledema crônico evolui com atrofia óptica e perdas visuais graves. A perda do pulso espontâneo da veia central da retina representa um dos sinais fundoscópicos de hipertensão intracraniana, mas não possui correlação direta com a pressão intracraniana, podendo estar presente em pacientes com hipertensão intracraniana e ausente em até 30 por cento da população –36– REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38. Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática. normal1,2,6. 6. Disfunções visuais: a acuidade visual apenas se modifica em pacientes com HII após ocorrer uma perda severa do campo visual. O exame clínico simples da acuidade visual não demonstra qualquer certeza de que a visão encontra-se em padrões normais e jamais deve ser usada unicamente na avaliação clínica seqüencial desses pacientes. Pode permanecer normal mesmo na presença de edema de disco óptico e ou estreitamento do campo visual. A diminuição, entretanto, significa avançada neuropatia óptica ou pode ser resultado de edema ou desdobramento macular, neuropatia óptica isquêmica anterior, neovascularização infra-retiniana com hemorragia, sendo que todos foram observadas em pacientes com HII. Importante observar que fotopsia ocorre em 54% dos casos e dor retro-bulbar em 46 por cento. Para diagnóstico e acompanhamento desses pacientes, o teste clínico mais importante consiste na perimetria, visto que 50 a 90% dos pacientes apresentarão anormalidades de campo visual, semelhantes a outras neuropatias ópticas e incluem defeitos de campo visual correlacionados com o disco óptico1,2,6. A Tabela 2 resume os elementos principais para a avaliação inicial do paciente acometido por hipertensão intracraniana benigna. A história clínica representa o primeiro grande passo: avaliação dos fatores associados (Tabela 1), bem como as características da cefaléia, borramento e obscurecimento visuais, diplopia, acúfenos e dor radicular devem ser especificados. O exame físico inclui avaliação geral, neurológica e oftalmológica dando-se ênfase para sinais focais neurológicos. A pressão sanguínea deve ser cuidadosamente monitorada, uma vez que a hipertensão maligna pode mimetizar a enfermidade, sendo potencialmente letal. O exame oftalmoscópico precisa avaliar adequadamente o disco óptico, assim como o restante do fundo de olho, a fim de evidenciar doença vascular macular ou da retina. Medidas da visão, especialmente do campo visual são cruciais, pois o manejo baseia-se na função visual 1,2,4,6 . Os achados em imagens de tomografia computadorizada e de ressonância magnética exibem encéfalo com aspecto anatômico, sendo que devem ser realizados previamente à punção lombar. Classicamente, relata-se que o sistema ventricular em pacientes com HII pode estar com volume reduzido, assim como as cisternas, mas estudos questionam a especificidade e a interpretação desse achado. Estudos sugeriram elevado índice de água na substância branca, em muitos casos. Outros achados em neuroimagem presentes em pacientes com pseudotumor cerebri consistem em: sela túrcica vazia (64 por cento dos pacientes); aumento de espaço subaracnóideo e, em uma pequena porcentagem, malformação de Chiari tipo I. A tomografia da órbita pode demonstrar aumento da bainha do nervo óptico, freqüentemente com clara visualização do espaço de fluido cérebro-espinhal em cortes coronais. A medida da pressão intracraniana por meio de punção lombar define o diagnóstico: pressões acima de 250 mmH 2 O confirmam HII e pressões entre 200 e 250 mmH 2O são sugestivas, contudo, mais duvidosas. A constituição do líquor encontra-se dentro dos parâmetros da normalidade, podendo haver aumento na celularidade ou alterações na concentração de proteínas (tanto aumento como REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38. diminuição) 1,2 . Usualmente, os estudos laboratoriais evidenciam-se sem alterações; os estudos iniciais que podem ser úteis listam-se na Tabela 2. O tratamento da HII (Figura 1) visa dois objetivos fundamentais: conseguir a remissão dos sintomas e preservar a função visual do paciente, evitando possíveis seqüelas1,2,7. Juntamente com o tratamento farmacológico, caso exista sobrepeso, deve-se instituir tratamento nutricional rigoroso, pois a perda de peso correlaciona-se com significativa diminuição da sintomatologia; também, indicase restrição hidrossalina em todos os casos e, na medida do possível, evitar os fatores associados (Tabela 1)1,7. O uso de inibidor da anidrase carbônica e diurético de alça constitui a base do tratamento farmacológico. O inibidor da anidrase carbônica (acetazolamida) atua diminuindo cerca de 50 a 60 por cento a produção de líquor pelo plexo coróide, em dose de 1 a 4 g/dia, sendo que 1 g/ dia, às vezes, é suficiente para reverter sinais e sintomas. Seus principais efeitos secundários consistem em parestesias, fadiga, alteração do paladar, cálculos renais e acidose metabólica. O diurético de alça tem como mecanismo de ação a redução da água corpórea total; entretanto, a furosemida também age como potente inibidor da recaptação de cloro e como fraco inibidor da anidrase carbônica. Não é tão efetiva como o inibidor da anidrase carbônica (acetazolamida). Embora não atue sobre a pressão intracraniana, o uso de corticóide como tratamento farmacológico de HII é aconselhável nos pacientes com boa resposta a acetozolamida e com perda visual importante, uma vez que se mostra efetivo no tratamento de edema de disco óptico. Seus efeitos adversos, tais como aumento de peso, estrias, osteoporose, queda de cabelo, crescimento de pêlos faciais e acne, contra-indicam seu uso em longo prazo1,2,6,7. A punção lombar consiste em um passo essencial para o diagnóstico da HII, como anteriormente descrito. Seu uso terapêutico, apesar do baixo risco, perde validade devido às possíveis morbidades que ocorrem nos pacientes, caso sejam submetidos a freqüentes repetições do método: tumores epidermóides, dor lombar crônica e possível abandono do tratamento médico devido ao desconforto ocasionado pelo procedimento1. OUTROS SINTOMAS DISFUNÇÃO VISUAL Perda visual mínima ou nenhuma Perda visual severa ou rápida progressão Acompanhamento médico com teste de campo visual freqüente Acuidade visual moderada ou perda de campo Cefaléia intratável Sintomas brandos ou diplopia ou nenhum Tratamento medicamentoso: acetazolamida, furosemida, esteróides a curto prazo Profilaxia para cefaléia Progressão da perda visual apesar do tratamento medicamentoso Persistência dos sintomas apesar do tratamento Acompanhar medicamentoso disfunção visual ou Descompressão do nervo óptico Falha Derivação lombo-peritoneal ou outro procedimento de derivação Figura 1. Conduta Terapêutica em Hipertensão Intracraniana Idiopática1,2 –37– Pires C A L e cols. Hipertensão Intracraniana Idiopática. Pode-se considerar tratamento cirúrgico para HII nas seguintes condições: prevenção da perda visual, cefaléia refratária à terapêutica medicamentosa e para pacientes que não possuam condições de realizar estudos de campo visual, de aderir ao tratamento farmacológico ou de retornar para seguimento médico 1 . Descompressão subtemporal ou suboccipital foi usada durante os primeiros 60 anos do século XX, para tratar a perda visual grave verificada em casos de HII. Os resultados eram variáveis. Esses procedimentos foram abandonados devido à elevada proporção de complicações: convulsões, fístula liquórica pelo ouvido, hematomas intracranianos e lesões vasculares cerebrais2. Os tratamentos cirúrgicos possíveis para casos que não respondem as medidas clínicas conservadoras (redução do peso, acetazolamida, furosemida, corticóides) incluem a derivação lombo-peritoneal (DLP) e a fenestração da bainha do nervo óptico. A DLP pode complicar com mau funcionamento do sistema, infecção ou ciática. A falência no controle da HII e outras complicações menos freqüentes podem ser observadas - Chiari tipo I adquirido e siringomielia ( ver Tabela 3)1,2,6,7,8. Em casos selecionados, a fenestração da bainha do nervo óptico é um método efetivo para estabilizar ou reverter a perda visual, protegendo o nervo óptico de dano progressivo e irreversível1,2,9. As complicações desse procedimento podem ser observadas na Tabela 4. A possibilidade de HII na gravidez deverá ser suspeitada no caso da síndrome clínica mostrar-se evidente. O tratamento instituído deve corresponder ao protocolo proposto a qualquer paciente com a condição, exceto pela restrição calórica agressiva e lembrar potenciais efeitos teratogênicos da acetazolamida no primeiro trimestre de gestação. A possibilidade de fenestração da bainha do nervo óptico pode ser considerada, em casos selecionados2. Summary INTRACRANIAL IDIOPATHIC HYPERTENSION Idiopathic Intracranial Hypertension is a neurological disturbance characterized by clinical findings that suggest the presence of a lesion occupying some intracranial space or of other affections that determine an increase in intracranial pressure, also justifying the denomination of “Cerebral Pseudo-tumor”. Usually, laboratorial and neuro-image findings are normal. Otherwise, secondary intracranial hypertension is diagnosed. In cases of Intracranial idiopathic hypertension, liquoric pressure is usually over 250 mmH2O and the biochemical and the cytologic analysis of liquor show normal findings. Dandy criteria are fundamental for diagnosis. Initially, treatment is clinical, being surgical procedures reserved for difficult cases that do not respond to conservative therapy. Surgical fenestration of the hem of the optical nerve is the choice procedure for papiledema. Lumbar-peritoneal derivation can be used for the control of the intracranial hypertension. The case of an obese female patient that underwent a lumbar-peritoneal derivation is reported. Keywords: Pseudotumor cerebri, Intracranial Pressure. Lumbar-peritoneal derivation REFERÊNCIAS 1.Martin TJ & Corbett JJ. Pseudotumor Cerebri. In: Youmans, JR (ED) – Neurological Surgery. 4 th Ed. USA: W.B.Sauders Company,1996; 4(137): 2980-2997. 2.Corbett JJ & Wall M. Idiopatic intracanial hypertension. In: Tindall GT, Cooper PR & Barrow DL (Eds). The Pratice of Neurosurgery. USA: Williams & Wilkins, 1996; 84: 1281-1290. 3.Jhonston I, Hawke S, Halmagyim M et al. The pseudotumor syndrome: disorders of cerebrospinal fluid circulation causing intracranial hypertension without ventriculomegaly. Arch Neurol 1991; 48: 740. 4.Kesler A, Goldhammer Y, Gadoth N. Do men with pseudotumor cerebri share the same characteristics as women? A retrospective review of 141 cases.J NeuroOphthalmol 2001; 21(1):15-7. –38– 5.Sismanis A, Butts FM & Hughes GB. Objective tinnitus in benign intracranial hypertension: an update. Laringoscope 1990; 100: 33. 6.Santos S, López Del Val LJ, Pascual LF, Mostacero E, Tejero C, Casadeval T, Morales F. Pseudotumor cerebral: análisis de nuestra casuística y revisíon de la literatura. Rev Neurol 2001; 33(12): 1106-11. 7.Corbett JJ. The rational management of idiopatic intracranial hypertension. Arch Neurol 1989; 46: 1049. 8.Selman WR, Spetzler RF, Wilson CB et al. Percutaneous lumboperitonial shunt. Review of 130 cases. Neurosurgery 1980; 6:255. 9.Kersten RC & Kulwin DR. Optic nerve sheat fenestration through a lateral canthotomy incision. Arch Ophthalmol 1993; 111: 870. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 34-38. Relato de Caso Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa César Augusto L. Pires, Gerson L. Costa, Fabíola Costenaro, Carine V. Lima, Daniel A. Iser, Fabrice de Bortoli, Marcelo F. Peres, Marcos P. Dozza. Neurocentro, Hospital Universitário São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo A elevada prevalência da tuberculose em nosso meio exige especial atenção às suas possíveis complicações. Relata-se caso de paciente com Siringomielia torácica devido à seqüela tardia de meningoencefalite tuberculosa, manifesta por dor intensa em membros inferiores e sinais de comprometimento medular. Discutem-se aspectos etiológicos, fisiopatológicos, diagnósticos e terapêuticos. Unitermos: Tuberculose meníngea, Aracnoidite, Doença da medula espinhal, Siringomielia. Existem evidências de tuberculose (TBC) espinhal no período Neolítico, Pré Colombiano e nos ancestrais egípcios; porém, a doença tomou importância após a Revolução Industrial favorecida pelas péssimas condições de vida da época. Chegou a representar um quarto das mortes na Europa entre 1700 e 18001. Com o surgimento da AIDS, a partir da década de 1980, ocorreu um aumento no número de casos, principalmente devido à co-infecção tuberculose - HIV. Um indivíduo infectado pelo bacilo de Koch e pelo HIV tem uma chance estimada de 8% de adoecer por TBC contra 0,2% de um tuberculino-positivo não infectado pelo HIV2. A incidência de casos notificados de TBC no Brasil é de aproximadamente 80 mil ou 60:100.000 habitantes (1998). O país, em 1996, atingia a sétima posição mundial em prevalência de TBC 1. Nos países de alta prevalência, aproximadamente 30% dos adultos jovens estão infectados e 5 a 10% desenvolverão a doença2. A doença é causada sobretudo por duas espécies da família Mycobacteriaceae: M. tuberculosis e M. bovis, sendo a segunda de ocorrência rara em humanos. O homem é o único reservatório do M. tuberculosis, bacilo aeróbio, não esporulado, imóvel e com desenvolvida parede celular2. É transmitido pela inalação de partículas nucleares em forma de aerossóis, emitidos por bacilíferos através da tosse, espirros e fala. Esses aerossóis secam no ambiente e ficam suspensos por longos períodos até que alcancem a via aérea do hospedeiro e se reproduzam. Raramente, pode ocorrer transmissão através do leite contaminado pelo M. bovis ou para patologistas devido a abrasões de pele ao manusear uma peça contaminada3. A doença manifesta-se a nível pulmonar ou extrapulmonar, sendo esta última causada por disseminação via trato respiratório ou tubo digestivo, contigüidade ou linfo-hematogênica4. A meningite tuberculosa é a forma mais grave de A “ B “ “ A Figura 1. Cavidade Siringomiélica Torácica: A - Cavidade e separações; B - Medula Espinhal. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42. “ B “ C Figura 2. Trans-operatório: A - Dura-mater; B - Severa aracnoidite espinhal torácica; C - Cateter de derivação siringo-pleural. –39– Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa. “ “ “ A Figura 2. A - Cavidade siringomiélica e severa mielopatia. apresentação extrapulmonar2. Geralmente, é causada por ruptura de um tubérculo subependimal dentro do espaço subaracnoideo e, menos freqüentemente, por disseminação hematogênica. Quando, por complicação de TBC miliar, desenvolve-se muitas semanas após o início da doença (exceto em crianças). O foco subependimal pode ficar quiescente indefinidamente até a ruptura, que pode ocorrer por trauma, diminuição da imunidade, alcoolismo, etc. Freqüentemente, acomete a base do crânio-encéfalo podendo causar fibrose tissular e disfunção de nervos cranianos. A vasculite local pode ocasionar aneurismas, tromboses ou acidentes vasculares encefálicos hemorrágicos 5 . Pode ocorrer comprometimento das Leptomeninges (aracnoidite) a nível espinhal, tuberculoma –40– B B - Cone medular. intramedular ou massa granulomatosa extradural, determinando severo comprometimento nervoso com alterações sensitivo-motoras até perda de tônus esfícteriano4. A aracnoidite tem predileção pelos segmentos torácicos6, sendo que o bloqueio inflamatório subaracnoideo aumenta de forma marcante a proteinorraquia com ou sem aumento de celularidade4. Uma das complicações graves associadas a aracnoidite é a Siringomielia que se caracteriza pela presença de uma cavidade no interior da medula6. RELATO DO CASO Paciente feminina, branca, 49 anos, que apresentava dor crônica de forte intensidade, de caráter profundo, mal definida, acompanhada por parestesias em membros REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42. Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa. inferiores (MsIs), especialmente à esquerda, com dificuldade de deambulação. O exame físico exibia paraparesia com força grau quatro, hipertonia, hiperreflexia e Sinal de Babiski em membro inferior direito; força grau três, hipotonia e hiporreflexia em membro inferior esquerdo; arreflexia cutâneo-abdominal bilateral e hemianestesia à esquerda com nível sensitivo T8-T9. História pregressa de meningoencefalite tuberculosa há 20 anos, internação psiquiátrica e tentativa de suicídio. Havia procurado vários médicos, os quais atribuíram a queixa de dor a distúrbios psiquiátricos. Radiografia de coluna torácica sem alterações significativas. Mielografia com defeitos de enchimento ao nível dos espaços subaracnoideos torácicos médiossuperiores. Mielotomografia, precocemente, apresentava defeito de enchimento dos espaços subaracnoideos torácicos; em estudo tardio, 12 horas após, exibia contraste em situação intramedular ocupando a cavidade siringomiélica (Figura 1). Ressonância magnética da coluna confirmou os achados anteriores. Optou-se por tratamento neurocirúrgico, realizandose laminectomia e derivação seringo-pleural (drenagem unidirecional devido à pressão negativa do espaço pleural). A derivação siringo-subaracnóidea não pode ser realizada devido à obstrução (aracnoidite adesiva) do espaço subaracnóideo (figuras 2 e 3). Evoluiu com paraparesia espástica simétrica e alívio completo da sintomatologia dolorosa. Apresentou evolução satisfatória até 1998 com aparecimento de contraturas dolorosas espontâneas. Ressonância magnética excluiu expansão da cavidade siringomiélica. Potencial Evocado Somato Sensitivo (PESS) traduziu comprometimento do parênquima medular. Iniciou-se antiespástico (Baclofen), antidepressivo tricíclico e fisioterapia com substancial alívio dos sintomas. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES A Siringomielia pode ser primitiva, idiopática (10%) ou secundária6. Geralmente, está associada à Síndrome de Chiari tipo I. Pode ser causada por tumores, traumatismo medular, hematomas intramedulares ou outras causas de aracnoidites, pois; a aracnoidite espinhal é um exemplo conspícuo de etiologia para siringomielia secundária. A história do paciente é a chave da suspeição diagnóstica, devendo ser lembrado, como possíveis fatores etiopatogênicos as infecções (Meningite bacteriana, tuberculosa ou luética), hemorragia meníngea (espinhal, especialmente), traumatismo raquimedular, cirurgias espinhais (da discectomia à cordotomia), anestesia raquidiana ou exame com contraste intra-tecal (mielografia)7. REV MÉDICA HSVP 2001; 11(28): 39-42. Os casos de aracnoidite sem paraplegia traumática são raros, porém uma história de tuberculose ou de meningite piogênica são relevantes para a suspeita clínica. A seqüela de aracnoidite tuberculosa é responsável por menos de 1% das Siringomielias. Os achados clínicos da Siringomielia, mais freqüentes, segundo Williams8, são: dor desencadeada pela movimentação (68%); piora do déficit sensorial (87%); aumento do déficit motor (86%); diminuição dos reflexos (57%) e distúrbios da sudorese (16%). Os possíveis mecanismos fisiopatológicos incluem6: • Aracnoidite localizada (predileção pela região dorsal) = Teoria da isquemia secundária ao processo inflamatório meníngeo: estenose dos vasos subaracnóideos determinando microinfartos ao nível das zonas de junção da substância branca-substância cinzenta, na região posterior da medula espinhal (localização dos ramos terminais das artérias espinhais anterior e posteriores); ocorre coalescência dos focos necróticos e a cavitação propriamente dita, expandindo-se transversal e longitudinalmente. O caráter extenso da aracnoidite sugere conjunção de mecanismos hidrodinâmicos e isquêmicos na gênese da siringomielia, nesses casos6. • Fixação mecânica da medula = as adesões meningomedulares resultantes do processo inflamatório limitam substancialmente os movimentos medulares normais de adaptação aos movimentos raquianos de extensão e flexão, gerando microtraumatismos medulares locais e lesões isquêmicas no parênquima medular como ocorre em outros exemplos de “medula presa”6. Sob o ponto de vista do tratamento, a liberação cirúrgica da medula aprisionada por aracnoidite representa mais risco do que eficácia (além do risco de trauma direto do tecido neural e vasos, ocorre ativação de processo inflamatório-cicatricial, que torna a produzir extensas aderências e fixação medular); a drenagem e derivação da cavidade siringomiélica é a alternativa viável (shunt extra-tecal para peritônio ou pleura, já que o espaço subaracnóideo espinhal encontra-se obliterado, não permitindo a derivação siringo-subaracnóidea). A experiência mostra que essa última alternativa oferece a possibilidade de melhora ou estabilização dos déficits ascendentes progressivos. Ainda, a possibilidade de cistos aracnóideos extra-medulares deve ser averiguada e, face ao efeito mecânico sobre a medula espinhal, devem ser eliminados5,6,8. Conclui-se que a Siringomielia por aracnoidite tuberculosa é uma entidade clínica infreqüente, porém grave, de curso crônico e incurável. Assim, todo paciente que apresentar meningoencefalite tuberculosa deve ser acompanhado cuidadosamente, pois pode desenvolver quadros neurológicos tardios devido a aracnoidite craniana (hidrocefalia) e/ou espinhal (siringomielia). –41– Pires C A L e Cols. Siringomielia Pós-Meningoencefalite Tuberculosa. Summary SYRINGOMIELYA POST-TUBERCULOUS MENINGOENCEFALITIS The high prevalence of Tuberculosis in the region of Passo Fundo, RS, Brazil, demands special attention to possible complications due to this disease. This paper reports the case of a patient diagnosed for Thoracic Syringomielya due to late sequel of Tuberculous Meningoencefalitis. Patient’s complaints were of intense pain in inferior members and of signs of spinal comitment. The ethiologic, physiopathologic, diagnostic and therapeutic points of view of this disease are also discussed in this paper. Keywords: Meningeal Tuberculosis, Aracnoiditis, Diseases of the Spine, Syringomielya. REFERÊNCIAS 1. 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