Sindicato dos Laboratórios de Minas Gerais

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Sindicato dos Laboratórios de Minas Gerais
Sindicato dos Laboratórios de Minas Gerais
Nº : 240
Data: 02/07/2015
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Sangue novo
Prezado colega
Segue para ciência, matéria publicada no
jornal O Estado de São Paulo, de 30 de
junho de 2015, intitulada “Sangue novo”.
Theranos, uma ambiciosa companhia do
Vale do Silício, quer sacudir o segmento
de medicina diagnóstica
No Arizona, o dia da Independência dos
EUA virá mais cedo neste ano. A partir de
3 de julho, graças a uma nova lei,
qualquer pessoa poderá solicitar um
exame laboratorial sem antes ter de
consultar um médico. Estarão disponíveis exames para doenças sexualmente transmissíveis, prédiabetes, níveis de vitamina e fertilidade. Um exame de colesterol sairá por US$ 2,99. A empresa
que pressionou pela mudança na lei e que espera ser a maior favorecida por ela é a Theranos, uma
jovem e ambiciosa companhia de análise de sangue de Palo Alto, no Vale do Silício.
A Theranos já oferece exames baratos, rápidos e simples - em alguns casos os resultados ficam
prontos em três horas - em unidades abertas no interior de lojas da rede de drogaria Walgreens.
As primeiras unidades funcionam em Phoenix, no Arizona, e na própria Palo Alto em que a
companhia está sediada, no Estado da Califórnia. Muitos dos exames são realizados com uma
única gota de sangue, obtida com um furinho no dedo. O restante utiliza uma pequena agulha
pediátrica e, mais uma vez, a quantidade de sangue necessária é reduzida. Liderada pela
carismática Elizabeth Holmes, uma jovem que aos 19 anos abandonou o curso de engenharia
química, a Theranos acredita que dispõe de tecnologia para provocar uma revolução global no
segmento de diagnósticos, um ramo importante da medicina, ainda que não muito glamouroso.
A companhia tem despertado muito interesse, em parte por valer, supostamente, US$ 9 bilhões,
número baseado em notícias de que a empresa, cujo capital permanece fechado, captou mais de
US$ 400 milhões vendendo participações a investidores. Debbie Wang, analista da empresa de
pesquisa de investimento Morningstar, diz que "não se sabe ao certo a partir de que suposições se
chegou a esse valor".
A suposição mais importante é, evidentemente, a de que a Theranos está pronta para pôr um
enorme segmento de negócios de pernas para o ar. Nos Estados Unidos, são realizados exames no
valor de US$ 60 bilhões todos os anos, a maioria deles nos laboratórios dos próprios hospitais ou
em laboratórios independentes; e os fabricantes de equipamentos laboratoriais faturam US$ 25
bilhões (num mercado global que movimenta anualmente US$ 56 bilhões).
A Theranos fabrica os kits e realiza os exames. Por ora, detém apenas uma fatia muito pequena do
segmento de exames e não vende os kits. Mais da metade do mercado mundial de equipamentos
laboratoriais é controlada por poucas empresas, lideradas pela Roche e pela Abbott. Nos Estados
Unidos e na Europa esse mercado parece maduro, diz Mickel Phung, da empresa de análise de
dados Decision Resources, mas há muito potencial de crescimento nos mercados emergentes,
onde população e gastos com saúde estão em crescimento.
Quanto ao mercado de exames, uma questão relevante é determinar até que ponto a Theranos
representa uma ameaça para os laboratórios "de referência", a que hospitais e médicos recorrem
para a realização de inúmeros exames. Nos Estados Unidos, a situação é de quase duopólio, com o
mercado sendo dividido entre o LabCorp, da Carolina do Norte, e o Quest Diagnostics, de Nova
Jersey. Os dois laboratórios realizam ampla gama de exames - entre 3 mil e 4 mil, talvez -, mas
ambos dependem sobremaneira da tecnologia que adquirem dos fabricantes de equipamentos
laboratoriais. Até o momento, a Theranos oferece apenas cerca de 250 exames - e pretende
chegar a 1 mil. Mas sua tecnologia é toda desenvolvida internamente.
Além da grande variedade de exames que oferecem, o LabCorb e o Quest, ambos listados em
bolsa, com valor de mercado de US$ 12 bilhões e US$ 10 bilhões, respectivamente, têm outras
vantagens. Estão bem estabelecidos no ecossistema de saúde dos Estados Unidos e dispõem de
redes nacionais de laboratórios e serviços de coleta. A capacidade do laboratório central da
Therano é muito pequena: corresponde a cerca de 5% da capacidade do LabCorp, calcula a
Morningstar. E, se outras empresas do Vale do Silício baseadas em tecnologia digital, como o
Facebook e o Uber, podem adquirir escala global rapidamente, o crescimento da Therano depende
da criação de uma rede de laboratórios e da inauguração de novas unidades para a realização de
exames - em outras palavras, a empresa tem que ganhar escala como se fazia antigamente.
As parcerias que a Theranos começou a formar com grandes empresas de outras áreas do sistema
de saúde devem causar alguma preocupação os atuais donos do mercado. A Pfizer e a
GlaxoSmithKline já usaram a Theranos para realizar exames de sangue em pacientes que
participam de testes com medicações novas, já que os exames podem ser feitos várias vezes por
semana. Em março, a empresa de Palo Alto anunciou uma parceria em que se encarregará da
realização de exames para a Cleveland Clinic, uma rede de hospitais e centros de saúde.
No tocante a realização de exames por encomenda direta dos pacientes, a Theranos, por ora, tem
unidades em apenas 40 lojas da Walgreens. E Nimesh Jhaveri, um executivo da rede, enfatiza que
a parceria ainda está em fase "experimental". Embora a legislação do Arizona tenha sido
liberalizada, no restante dos Estados Unidos as normas variam muito. Há lugares que permitem
que os consumidores solicitem exames laboratoriais por conta própria, ou pelo menos não proíbem
expressamente a prática. Em outros lugares, a permissão é concedida em determinadas condições.
E há Estados em que o procedimento é interditado, ainda que às vezes os laboratórios consigam
contornar a proibição, contratando um médico para autorizar as solicitações.
É possível que boa parte do crescimento da Theranos venha da expansão do segmento de exames,
e não de sua entrada em fatias de mercado de empresas já estabelecidas. Isso pode acontecer
tanto porque os consumidores se sentirão estimulados a realizar exames por iniciativa própria,
como também porque deve aumentar a probabilidade de que eles obedeçam quando os médicos
pedem que façam exames. Em razão do custo, do medo de agulhas grandes e da demora em
receber os resultados, é comum que as pessoas deixem de realizar os exames que os médicos lhes
pedem.
Apesar do receio de tirar das mãos dos médicos a decisão quanto à necessidade ou não da
realização de determinado exame, a experiência com kits que permitem à pessoa aplicar o exame
em si mesma, em especial no caso dos exames de HIV, mostra que a ampliação do acesso
encoraja a realização de exames com mais frequência. Pacientes que apresentam resultados
positivos tendem a consultar um médico e a começar seu tratamento antes do que o fariam se o
processo tivesse de ser iniciado com uma consulta médica.
E estão se abrindo novas áreas para a realização de exames, às quais a Theranos poderia, em
princípio, aplicar sua tecnologia. Nos "diagnósticos complementares", por exemplo, uma amostra
de sangue é examinada para determinar se um paciente pode se beneficiar de um medicamento
específico. Os "diagnósticos moleculares" buscam coisas como sequências genéticas, que indiquem
a presença de um câncer ou de uma infecção.
No entanto, quanto mais atraente parecer o segmento de medicina diagnóstica, e quanto maiores
forem os incentivos para que ele se modernize, maior será a concorrência que a Theranos vai
enfrentar - de empresas antigas e novas. O LabCorp anunciou recentemente que permitirá que os
consumidores solicitem pela internet a realização de exames, sem necessidade de pedido médico.
A HealthTell, uma startup do Arizona, está desenvolvendo exames que, como os da Theranos,
usam apenas uma gota de sangue. Para alguns tipos de exame, vai haver competição entre
fabricantes de kits domésticos cada vez mais sofisticados.
Não se sabe ao certo até que ponto a Theranos tem como usar patentes para se proteger da
competição. Holmes detém, pessoalmente, diversas patentes, mas a empresa divulga poucas
informações a respeito da tecnologia incorporada a seus exames. Até o momento, as disputas
judiciais relacionadas com questões de propriedade intelectual são menos comuns no segmento de
medicina diagnóstica do que em outros setores que fazem uso intensivo de tecnologia: geralmente
as empresas acham mais fácil descobrir uma nova maneira de realizar determinado exame do que
questionar a patente de um concorrente na Justiça. No entanto, à medida que a Theranos for se
tornando um incômodo cada vez maior para empresas já estabelecidas, é possível que seus
executivos comecem a passar mais tempo na companhia de advogados especializados na área de
patentes. No ano passado, a empresa ganhou a primeira ação em que foi acusada de violação de
propriedade intelectual. Os autores abandonaram a ação e concordaram em não entrar com novas
ações nos próximos cinco anos.
Os investidores que injetaram dinheiro na Theranos provavelmente têm uma noção mais clara do
que quem está de fora sobre detalhes como o grau de proteção de que a empresa dispõe na área
de patentes e a aplicabilidade de sua tecnologia a novos tipos de exames. É evidente que há muito
potencial para a realização de uma gama mais ampla de exames, com mais frequência, a um custo
menor e com menos tripanofobia (medo de injeções). Mas há muito chão a ser percorrido para se
chegar ao futuro que a Theranos enxerga para a medicina diagnóstica. E é pouco provável que ela
chegue lá sozinha.
© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR
ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM
WWW.ECONOMIST.COM.
Atenciosamente,
Humberto Marques Tibúrcio
SindLab
Presidente
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