LIVRO SEMINANOSOMA 2004

Transcrição

LIVRO SEMINANOSOMA 2004
NANOTECNOLOGIA,
SOCIED
ADE E MEIO AMBIENTE:
SOCIEDADE
1º SEMINÁRIO INTERNA
CIONAL
INTERNACIONAL
A SSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS
Presidente
Milton Meira do Nascimento
Vice-Presidente
Gabriel Cohn
C ONSELHO EDITORIAL
Titulares
Vera Lúcia Amaral Ferlini
Sueli Angelo Furlan
Victor Knoll
Beth Brait
José Jeremias de Oliveira
Cícero Romão Resende de Araújo Filho
Antonio Dimas de Moraes
Valéria de Marco
Beatriz Perrone-Moisés
Berta Waldman
Jorge Mattos Brito de Almeida
FACULDADE
DE
Proibida a reprodução parcial ou integral desta obra
por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por
processo xerográfico, sem permissão expressa do
editor (Lei nº. 9.610, de 19.02.1998).
Suplentes
Maria Luiza Tucci Carneiro
Wagner da Costa Ribeiro
Caetano Ernesto Plastino
Margarida Maria Taddoni Petter
Vera da Silva Telles
Gildo Marçal Brandão
Osvaldo Humberto Leonardi Ceschin
Véronique Dahlet
Paula Montero
Moacir Amâncio
Fábio Rigatto de Souza Andrade
FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Diretor
Sedi Hirano
Vice-Diretora
Sandra Margarida Nitrini
ASSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS
Rua do Lago, 717 – Cid. Universitária
05508-080 – São Paulo – SP – Brasil
Tel.: 3091-2920 / Telefax: 3091-4593
e-mail: [email protected]
http://www.fflch.usp.br/humanitas
Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei n. 1.825, de 20.12.1907)
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Março 2005
Paulo Roberto Martins
(Coordenador)
NANOTECNOLOGIA,
SOCIED
ADE E MEIO AMBIENTE:
SOCIEDADE
1º SEMINÁRIO INTERNA
CIONAL
INTERNACIONAL
FFLCH/USP
ASSOCIAÇÃO EDITORIAL
HUMANITAS
#
Copyright  2005 Paulo Roberto Martins
Serviço de Biblioteca do IEB/USP
Ficha catalográfica: Marcia Pilnik CRB 2.280
N186 Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: lº Seminário Internacional/
coordenado por Paulo Roberto Martins – São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005.
288p.
ISBN 85-98292-46-X
Trabalhos apresentados no lº Seminário Internacional Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente, realizado nos dias 18 e 19 de outubro de
2004, na Casa de Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo, em São
Paulo.
1. Nanotecnologia I. Martins, Paulo Roberto II. Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
CDD 620.5
A SSOCIAÇÃO EDITORIAL HUMANITAS
Editor Responsável
Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento
Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840
Diagramação
Selma Mª Consoli Jacintho
Capa
Luciano Gaubatz Borges
Copidesque e Revisão
Angela das Neves
Sumário
Relação das mesas ....................................................... 7
Participantes do Seminário ...................................... 11
Agradecimentos ......................................................... 15
Introdução .................................................................. 19
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias .................................. 25
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia .............. 85
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade ............ 149
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente ..... 231
Encerramento .......................................................... 286
RELAÇÃO DAS MESAS
MESA 1
Dia 18.10.2004 (Manhã)
“Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias”
Coordenador:
Prof. Dr. Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Palestrantes:
1) Eng. Alfredo de Sousa Mendes, Coordenador de Nanotecnologia do
Ministério da Ciência e Tecnologia.
2) Eliane Cristina Pinto Moreira, advogada, mestre em Direito, doutoranda em Desenvolvimento Sustentável no Naia-UFPA, ex-secretária
executiva da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
no governo Lula, coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual
Centro Universitário do Pará (Cesupa).
3) Prof. Dr. John Ryan, diretor do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar
em Bionanotecnologia da Universidade de Oxford.
Key Notes:
1) Prof. Dr. Marcos Antônio Mattedi, diretor do Instituto de Pesquisa
Social da Fundação Universidade Regional de Blumenau (IPS-Furb).
2) Prof. Dr. Kenneth Gould, do Departamento de Sociologia da Saint
Lawrence University – New York.
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
MESA 2
Dia 18.10.2004 (Tarde)
“Nanotecnologia, inovação e Economia”
Coordenador:
Prof. Dr. Ruy Braga Neto, do Departamento de Sociologia da Faculdade
de Ciências Sociais da USP.
Palestrantes:
1) Prof. Dra. Sônia Maria Dalcomuni, diretora do Centro de Ciências
Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes).
2) Prof. Dr. Oscar Manoel Loureiro Malta, coordenador da Rede Renami
e do DPF/UFPE.
3) Dr. Mike Treder, diretor do Center for Responsible Nanotechnology.
4) Dra. Annabelle Hett, do Sistema de Percepção de Risco da Swiss Re.
Key Notes:
1) Prof. Dr. Marcos Antônio Mattedi, diretor do Instituto de Pesquisa
Social da Fundação Universidade Regional de Blumenau (IPS-Furb).
2) Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano, do Departamento de
Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência.
MESA 3
Dia 19.10.2004 (Manhã)
“Nanotecnologia, inovação e sociedade”
Coordenador:
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski, superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo.
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Relação das mesas
Palestrantes:
1) Prof. Dr. Eronides F. Silva Júnior, coordenador da Rede NanoSemiMat e DF-UFPE.
2) Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior, do Departamento de Sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
3) Prof. Dr. Henrique Rattner, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da
FEA-USP.
4) Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano, do Departamento de
Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência.
Key Notes:
1) Prof. Dr. John Ryan, diretor do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em
Bionanotecnologia da Universidade de Oxford.
MESA 4
Dia 19.10.2004 (Tarde)
“Nanotecnologia, inovação e meio ambiente”
Coordenador:
Prof. Dr. João Steiner, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA)
da USP.
Palestrantes:
1) Prof. Dr. Nelson E. Duran Caballero, coordenador da Rede Nanobiotecnologia e OMC-Unicamp.
2) Prof. Dr. Kenneth Gould, do Departamento de Sociologia da Saint
Lawrence University – New York.
3) Dr. Paulo Roberto Martins, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo e coordenador da Rede
Renanosoma.
9
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Key Notes:
1) Dr. Mike Treder, diretor do Center for Responsible Nanotechnology.
2) Dra. Annabelle Hett, do Sistema de Percepção de Risco da Swiss Re.
10
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
PARTICIPANTES DO SEMINÁRIO
Participantes do 1º Seminário Internacional de Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente, realizado nos dias 18 e 19 de outubro de
2004, na Casa de Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo.
CONFERENCISTAS NACIONAIS
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes
Coordenador de Nanotecnologia do Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT).
Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior
Depto. de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).
Profa. Ms. Eliane Cristina Pinto Moreira
Coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual do Centro
Universitário do Pará (Cesupa), doutoranda do Naia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Prof. Dr. Eronides Felisberto da Silva Júnior
Coordenador da Rede NanoSemiMat da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
11
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Henrique Rattner
Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Prof. Dr. Nelson Eduardo Duran Caballero
Coordenador da Rede NanoBioTec da Unicamp/UMC.
Prof. Dr. Oscar Manoel Loureiro Malta
Coordenador da Rede Renami de DPF da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE).
Dr. Paulo Roberto Martins
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e International
Sociological Association ISA/RC24.
Profa. Dra. Sônia Maria Dalcomuni
Diretora do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE)
da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e mestre em
Economia pela mesma universidade.
CONFERENCISTAS INTERNACIONAIS
Dra. Annabelle Hett
Sistema de Percepção de Risco da Swiss Re.
Prof. Dr. John Ryan
Diretor do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Bionanotecnologia da Universidade de Oxford.
Prof. Dr. Kenneth Gould
Departamento de Sociologia da Saint Lawrence University, em
Nova York, Estados Unidos. Co-autor dos livros Environment and
12
Participantes do Seminário
society: the enduring conflict, de 1994, e de Local environmental
struggles: citizen activism in the treadmill of production, de 1996.
Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano
Departamento de Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência.
Dr. Mike Treder
Diretor executivo do Center for Responsible Nanotechnology.
COORDENADORES DE MESA
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski
Superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Prof. Dr. João Steiner
Diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo.
Prof. Dr. Sedi Hirano
Diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da Universidade de São Paulo.
Prof. Dr. Ruy Braga Neto
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo.
KEY NOTES
Prof. Dr. Marcos Antônio Mattedi
Diretor do Instituto de Pesquisa Social da Fundação Universidade
Regional de Blumenau (IPS-Furb).
13
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Kenneth Gould
Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano
Prof. Dr. John Ryan
Dr. Mike Treder
Dra. Annabelle Hett
14
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
AGRADECIMENTOS
O conteúdo deste livro reproduz todas as palestras que foram feitas
no 1 Seminário Internacional de Nanotecnologia, Sociedade e Meio
Ambiente, realizado nos dias 18 e 19 de outubro de 2004, na Casa da
Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo.
Esse evento, de iniciativa minha, só foi realizado graças à contribuição decisiva do Prof. Dr. Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo.
Desde a primeira reunião em que apresentei a ele a idéia de realizar esse
seminário, o Professor Sedi nos apoiou de formar integral, colocando à
nossa disposição a infra-estrutura necessária para realizar o evento (local,
material de divulgação, site para inscrição, filmagem, recursos humanos,
administração etc.) e a sua participação ativa na transformação da Nanotecnologia em um objeto de pesquisa e de reflexão das Ciências Humanas
no Brasil.
Também contribuiu de forma importante para que este evento se
concretizasse o Prof. Dr. João Steiner, diretor do Instituto de Estudos
Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo. Ao expor a minha
idéia de realizar esse seminário, obtive imediatamente do referido diretor
sua decisão de contribuir com esse evento, nos auxiliando na organização
e divulgação do mesmo e oferecendo-nos o auxílio de seus profissionais
experientes nesses assuntos.
À minha instituição, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), devo aqui creditar todo o tempo que dediquei à
organização desse seminário, sem o qual também este não teria existido.
º
15
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Às instituições promotoras desse evento e a seus funcionários, meus
expressos agradecimentos pelas contribuições decisivas que deram para
que alcançássemos nosso objetivos. Além dos já mencionados, vários foram os patrocinadores: o apoio financeiro do Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Embora os recursos tenham sido modestos,
foram de suma importância, pois asseguraram a realização do seminário e
a impressão deste livro.
Gostaria de aqui expressar o apoio e a contribuição que Alfredo de
Sousa Mendes, coordenador de Nanotecnologia do MCT, e Cylon Gonçalves da Silva, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, também do MCT, deram a esse evento.
Igualmente, gostaria de registrar que diversos palestrantes brasileiros que participaram desse seminário vieram a São Paulo com as despesas
de transportes pagas pelas suas instituições. Assim, menciono a contribuição das redes brasileiras de Nanotecnologia, NanoSemiMat, Renami e
NanoBiotecnologia, do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, do Instituto de Pesquisas Sociais da
Furb. O mesmo se deu em relação aos palestrantes internacionais que
conosco estiveram, financiados pelo British Council, pela Swiss Re, pelo
Center for Responsible Nanotecnology e pela Universidade de Valência.
Agradeço também à empresa G&A Translation, que assegurou o
áudio para o evento, e ao Ricardo Leosin Amorin Gomes, que realizou a
tradução simultânea.
O seminário se encerrou com a apresentação do grupo musical Sinhá
Maria, que nos proporcionou um brilhante recital de música caipira. Aos
jovens componentes desse grupo, nossos agradecimentos e incentivo.
Ao Cláudio Fernando Fagundes Cassas, pelo trabalho do áudio, e
a Eiko Shiraiwa, pela transcrição de todas as palestras, os meus agradecimentos.
Para a publicação deste livro, mais uma vez, o Prof. Dr. Sedi Hirano
teve uma participação decisiva, ao determinar à Editora Humanitas que
abraçasse mais esta causa. Às funcionárias desta editora, Helena, Angela
e Selma, que executaram todas as operações necessárias para a edição
16
Agradecimentos
deste volume, e ao Sr. João Fernando e sua equipe da gráfica, nossos
sinceros agradecimentos por materializarem os resultados do 1 º
Seminanosoma.
17
INTRODUÇÃO
O presente livro é um marco na ciência brasileira, em particular
para as Ciências Humanas. Trata-se do registro da primeira reflexão coletiva realizada no Brasil, nos dias 18 e 19 de outubro de 2004, na Universidade de São Paulo. Foram reunidos 19 cientistas brasileiros e
internacionais, oriundos das Ciências Exatas, Biológicas e Humanas, que
apresentaram suas contribuições sobre o tema título deste livro, Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, título também do 1º Seminário Internacional ou 1º Seminanosoma, que proporcionou esse magnífico encontro.
O seminário foi dirigido prioritariamente aos profissionais das Ciências Humanas, a fim de informá-los sobre o tema e de fazer com que a
Nanotecnologia se tornasse um objeto dessa área de pesquisa no Brasil.
Esses objetivos foram alcançados, na medida em que o tema em questão
foi tratado de diferentes ângulos, o que proporcionou uma rica quantidade
de informações – presentes neste livro –, bem como o surgimento da Rede
de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma), rede esta composta naquele momento (outubro de 2004), por 12
pesquisadores de dez instituições. Atualmente, em fevereiro de 2005, já
somos 16 pesquisadores de 14 instituições de pesquisa.
A primeira parte deste livro corresponde à mesa coordenada pelo
Prof. Dr. Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, e tem por tema “Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias”. Nela, o leitor é contemplado com
a palestra do Dr. Alfredo de Sousa Mendes, coordenador de Nanotecnolo-
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
gia do Ministério de Ciência e Tecnologia do atual governo brasileiro. Por
meio desta palestra, temos acesso a uma rica gama de dados e informações
sobre Nanociência e Nanotecnologia no Brasil.
Em seguida, o leitor poderá contar com as reflexões de Eliane
Moreira, advogada e mestre em Direito Ambiental, ex-secretária executiva
da Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNbio) e Professora
do Centro Universitário de Pará. Sua contribuição está em analisar e apontar os problemas relativos à regulação de novas tecnologias.
Finalizando essa primeira parte, o leitor poderá compartilhar das
reflexões do Prof. Dr. John Ryan, diretor de um grupo interdisciplinar de
pesquisa em Bionanotecnologia, sediado na Universidade de Oxford. Dr.
John Ryan participou da equipe de pesquisadores seniores que, a pedido da
Academia Britânica de Ciência, elaborou o trabalho, o qual já se tornou
uma fonte obrigatória de referência: Nanoscience and Nanotechnologies:
opportunities and incertainties. Suas reflexões pautaram o seminário, dada a
amplitude e a profundidade com que tratou o tema a ele proposto, ora fundamentado na sua experiência pessoal, ora no relatório acima indicado.
A segunda parte deste livro se fundamenta na mesa coordenada
pelo Prof. Dr. Ruy Braga Neto, do Departamento de Sociologia da USP,
cujo título foi “Nanotecnologia, inovação e Economia”. Nessa mesa, a
Prof. Dra. Sônia Dalcomuni, economista e diretora do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, brindou-nos com uma reflexão sobre como entendermos as relações entre
inovação, tecnologia e Economia, segundo determinado marco teórico no
campo da Ciências Econômicas, e como a Nanotecnologia pode ser compreendida com esses instrumentos de análise.
Em seguida, o leitor encontrará as reflexões do Prof. Dr. Oscar
Manoel Loureiro Malta, da UFPE e coordenador da Renami. Sua exposição se deu em três partes: primeiramente, fez um pequeno histórico sobre
desenvolvimento sustentável; depois, e vinculado a isso, chamou a atenção
para o conceito de modernidade ética e a conexão deste com o desenvolvimento sustentável – conceito o qual tem implicações socioeconômicas muito importantes; por fim, tratou do papel da Nanotecnologia nesse contexto.
Em continuidade, o leitor terá uma das mais instigantes palestras. O
Dr. Mike Treder, diretor executivo do Center for Responsible Nanotecnology,
20
Introdução
contemplou-nos com uma palestra em dois níveis. Inicialmente, deu-nos
uma visão das diversas revoluções industriais já ocorridas e suas características, bem como daquela que poderá nos atingir e que terá na Nanotecnologia sua grande indutora. No plano específico, apresentou a idéia de uma
máquina construída no nível molecular, em que seria possível programar
uma reação química para ela acontecer de forma a montar produtos complexos, começando de baixo para cima. Acredita-se que isso poderia levar
à fabricação de desktops, representando o avanço mais recente nessa teoria. Poderíamos ter uma máquina dessas em cima de nossa mesa, por meio
da qual conseguiríamos fazer produtos genéricos.
Após duas perspectivas acadêmicas e uma “futurista”, o leitor encontrará uma outra diversa. Trata-se da exposição da Dra. Annabelle Hett,
da empresa de resseguros Swiss Re. Esta palestrante participou também de
um relatório – já tido como fonte de consulta obrigatória – intitulado
Nanotechnologies: a preliminary risk analysis, o qual foi elaborado pela Comissão Européia. Enquanto responsável pelos riscos emergentes na Swiss Re, a
Nanotecnologia é também de responsabilidade da Dra. Annabelle Hett. Assim sendo, sua reflexão sobre esse assunto é a da perspectiva de negócios, mas
também acaba por dar uma visão geral sobre o que é essa tecnologia.
A terceira parte do livro se refere à mesa coordenada pelo Prof. Dr.
Guilherme Ary Plonski, superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), intitulada “Nanotecnologia, inovação e sociedade”. O
primeiro expositor foi o Prof. Dr. Eronides F. Silva Júnior, da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador da rede NanoSemiMat. Sua
apresentação procurou resumir como as redes de Nanotecnologia e de
Nanociência funcionam. Embora se atendo mais à NanoSemiMat, a qual
coordena, também abordou aspectos das outras três redes, as quais têm
um procedimento de funcionamento bastante similar, ainda que as articulações, as ações e os resultados possam ser um pouco diferentes. Apresentou também alguns dados relativos aos resultados obtidos pela rede
NanoSemiMat, na área de semicondutores e suas aplicações, quanto ao
impacto social e econômico.
O palestrante seguinte, o sociólogo e Prof. Dr. Edmilson Lopes
Júnior, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, contempla o leitor com um questionamento relativo às
21
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Ciências Sociais e à Nanotecnologia. Para o autor, um discurso das Ciências Sociais sobre Nanotecnologia, sociedade e inovação parece, à primeira vista, advindo de um lugar marcado pela superficialidade e, talvez, um
exercício inútil. Isso o leva a fazer uma pergunta central, a qual justifica a
sua intervenção: “o que são as Ciências Sociais, qual o seu papel, qual a
contribuição que elas podem dar para compreender esse momento limiar
da revolução nanotecnológica?”. A leitura dessa exposição irá contribuir
para entender a questão por ele formulada, a qual é de extrema importância para o entendimento da Nanotecnologia.
Embora não estivesse presente fisicamente ao seminário, por motivos
de saúde, o Prof. Dr. Henrique Rattner colaborou com este evento por meio
de um brilhante texto, o qual os leitores poderão apreciar neste livro. O
Professor Henrique é uma das maiores autoridades brasileiras no tema relativo a tecnologia e sociedade e é autor de inúmeros livros sobre o assunto.
Aqui, ele nos coloca a refletir quanto ao fato de que, embora não se
pretenda parar o desenvolvimento da Nanotecnologia,
é preciso levantar algumas questões fundamentais (aliás, extensivas a todas as
tecnologias de ponta) sobre suas relações com a eqüidade social e a qualidade
do meio ambiente. Impõe-se, portanto, um processo de avaliação “ex-ante”,
baseado no “princípio de precaução”. Isso porque o quadro de diretrizes
existentes referentes à produção, consumo e fiscalização de alimentos, drogas
e cosméticos – bem como as condições de segurança nos locais de trabalho e
o meio ambiente em geral – é considerado insuficiente e a aprovação da legislação adequada arrasta-se durante muito tempo. À luz das experiências das
últimas décadas, convém esboçar um exercício de prospectiva, passando em
revista as promessas e os resultados da nova onda tecnológica.
Isso é o que o leitor verá ao longo desse excelente texto.
Finalizando a terceira parte deste livro, encontra-se a contribuição
do Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano, do Departamento de
Sociologia e Antropologia Social da Universidade de Valência, na Espanha.
Sua intervenção se deu no campo das Ciências Sociais e, dentro desta, em
aspectos metodológicos, por exemplo, como proceder para se captar o real
em tempos de produção científica, em uma era neoliberal, em que as
tecnologias são elementos centrais nesse processo. Reflexão densa e pro22
Introdução
funda, que certamente ajudará o leitor e o pesquisador a problematizarem
seus objetos de pesquisa, em especial a Nanotecnologia.
A última parte deste livro está formatada de acordo com a mesa
coordenada pelo Prof. Dr. João Steiner, diretor do Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, cujo título foi “Nanotecnologia, inovação e meio ambiente”.
O primeiro expositor foi o Prof. Dr. Nelson E. Duran Caballero,
coordenador da rede Nanobiotecnologia e professor da Universidade Estadual de Campinas. Ele destacou a responsabilidade da rede que dirige
em assumir o papel de proteger o meio ambiente. Uma vez que foi convidado para falar sobre Nanotecnologia, inovação e meio ambiente, indicou
que as pesquisas sobre esse tema referem-se sempre a um modelo do sistema norte-americano. Neste, o National Center for Environment Research
apresenta um papel muito importante no controle de várias áreas, principalmente as ambientais, nos Estados Unidos, sendo este um bom ponto
de partida para se discutir essas questões no Brasil.
Na sua exposição, o Professor Nelson contemplou aquilo que pode
ser a contribuição da Nanotecnologia para melhorar as condições ambientais
e também apontou para aquilo que é problemático para a saúde e o meio
ambiente. Para tanto, apresentou exemplos de atividades de sua rede.
Em seguida, o leitor poderá apreciar uma contribuição bastante
crítica sobre como vem sendo desenvolvida e apropriada a ciência e a
tecnologia, em especial a Nanotecnologia. Seu autor é o Prof. Dr. Kenneth
Gould, da Universidade de Saint Lawrence, nos Estados Unidos. A seguir, apresento um pequeno excerto de sua fala, o qual a resume:
A emergência da Nanotecnologia, com a sua promessa de uma miríade de
novos materiais, de processos de criação e de aplicações militares e comerciais, vai se tornar um grande acelerador da produção. Esse rolo compressor da produção, que aumenta o lucro à custa dos trabalhadores e do
ambiente, depende de inovação tecnológica para substituir o trabalho humano com capital e para aumentar a capacidade da transformação de recursos naturais em commodities. Ao fazer isso, aumentam-se os lucros e as
ameaças ambientais e reduz-se a geração de benefícios sociais, como o emprego e os salários, assegurando aumentos constantes nas desigualdades
sociais e ambientais.
23
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Nessa linha de raciocínio, o autor introduz a hipótese de uma moratória tecnológica. Ao ler esse texto e os debates que se sucederam, o
leitor poderá avaliar o impacto dessa proposta e de outros pontos polêmicos apontados pelo Prof. Dr. Kenneth Gould.
Finalizando o seminário, eu, Dr. Paulo Roberto Martins, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT – e coordenador da
Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente –
Renanosoma, apresentei minhas reflexões sob o título de “Nanotecnologia, segurança e meio ambiente: contribuições das Ciências Sociais”.
Durante minhas pesquisas na Internet à procura de material no
campo de Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente, acabei me deparando com um trabalho importante, realizado pelo Professor Mark C.
Suchman, da Universidade de Wisconsin, em Madison, cujo título é “Social Science and Nanotechnology”. Também encontrei um trabalho de um
pesquisador alemão, Jurgen Altmann, intitulado “Risk from military use
of Nanotechnology”, cuja área de pesquisa, conforme vem explicitado no
título desse texto, é a Nanotecnologia e as questões militares.
Esses dois trabalhos permitiram a elaboração da reflexão aqui apresentada, por meio da qual o leitor terá a oportunidade de apreciar o quanto
as Ciências Sociais podem contribuir para o entendimento da Nanotecnologia e de seus impactos sociais, ambientais e militares. Meu texto aponta para
uma linha de análise que, se aplicada pelas Ciências Sociais brasileiras,
poderá contribuir de forma significativa para incorporar a Nanotecnologia
como um objeto de pesquisa das Ciências Sociais e oferecer à sociedade
brasileira a possibilidade de ter informações sobre os diversos efeitos da disseminação da Nanotecnologia.
A leitura deste livro oferece, enfim, um rico painel sobre as relações
entre Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente, construído prioritariamente no campo das Ciências Humanas, mas produto de uma reflexão
multidisciplinar. Pela primeira vez no Brasil, de forma coletiva, as Ciências Humanas adotam a Nanotecnologia como seu objeto de reflexão.
Dr. Paulo Roberto Martins
Coordenador do 1 Seminanosoma e da Renanosoma
º
24
Introdução
MESA 1
Nanotecnologia, ciência e tecnologia e
regulação de novas tecnologias
25
MESA 1
Nanotecnologia, ciência e tecnologia e
regulação de novas tecnologias
Dia 18 (Manhã)
Apresentadora – Seminário Internacional de Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente, com a palavra o Dr. Paulo Martins, coordenador do seminário.
Dr. Paulo Martins – Bom dia a todos. Gostaria de fazer alguns
agradecimentos, porque este seminário não se realizaria sem a contribuição
dessas instituições e dessas pessoas às quais eu pretendo aqui me referenciar.
Em primeiro lugar, nós tivemos a grande colaboração dos nossos convidados
internacionais, que vieram até nós, arcando com as despesas da sua vinda a
São Paulo, para contribuir com o nosso seminário. Eu, desde o início, gostaria de deixar explícito meus agradecimentos a todos, por esta contribuição à
ciência brasileira, trajeto que nós estamos iniciando agora. Em primeiro lugar, agradecimentos a esses pesquisadores internacionais.
Em segundo lugar, gostaria de agradecer, aqui na presença da pessoa, ao Professor Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, o apoio que recebi
para que este seminário se viabilizasse. Estive com o Professor Sedi, argu-
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mentando sobre a importância de que as Ciências Humanas passassem a ter
a Nanotecnologia como objeto de estudo, e o Professor Sedi, de imediato,
aceitou o desafio de realizarmos este evento. A Faculdade de Filosofia tem
uma história de contribuições para a ciência brasileira, no campo das Ciências Humanas, e mais uma vez ela está à frente e contribui de maneira bastante importante. Então, ao agradecer ao Professor Sedi Hirano, eu gostaria
de estender aos seus funcionários, que contribuíram muito para que este
seminário se realizasse. Também gostaria de agradecer ao Professor João
Steiner, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo, com quem eu estive apresentando essa idéia, contribuiu conosco para
a realização deste evento e estará aqui, amanhã, coordenando uma mesa. Eu
faço parte do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o qual, com a
minha dedicação em tempo integral a este seminário, também contribuiu
para que o mesmo se realizasse. Então nós temos três instituições que reuniram esforços para que possamos iniciar no Brasil a integração das Ciências
Humanas aos estudos de Nanotecnologia.
Gostaria de agradecer também aos coordenadores de rede, que,
atendendo ao nosso convite, estarão aqui conosco: o Professor Eronides e
o Professor Oscar já estão presentes, amanhã estará aqui o Professor Nelson Duran. São três coordenadores de três redes de Nanotecnologia que
temos aqui no Brasil. A experiência deles tem sido fundamental e a produção das redes as quais eles dirigem também tem sido um exemplo de que a
ciência brasileira pode se colocar de maneira igual em nível mundial, produzindo inúmeros papers publicados em revistas internacionais das mais
conceituadas, de forma que a experiência que temos nesse campo é aquilo
que nós podemos olhar como um parâmetro a ser seguido por nós que
queremos constituir a nossa rede de pesquisadores em Ciências Humanas
para estudar a Nanotecnologia.
Gostaria de agradecer também a presença do Ministério da Ciência e Tecnologia, na pessoa do coordenador de Nanotecnologia, o Professor Alfredo de Sousa Mendes, com quem tive inúmeros contatos e pelo
qual fui muito bem recebido, sempre tendo as nossas idéias levadas adiante. Gostaria de registrar que houve um edital recente no CNPq que contemplou a área de Ciências Humanas, a qual eu acredito que tenha recebido
um grande impulso da Coordenadoria de Nanotecnologia do Ministério.
28
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
Nós procuramos abrir este seminário para o conjunto da comunidade científica. Ele foi divulgado pelos órgãos da comunidade científica e
nós recebemos cerca de 60 inscritos. A nossa expectativa é de que ao
longo do evento isso vá se configurando na presença dessas pessoas que
demonstraram o interesse por essa temática.
O seminário funcionará aqui com mesas no período da manhã e da
tarde. Os palestrantes terão cerca de 20 a 25 minutos para exporem as
suas idéias e haverá duas pessoas às quais foi atribuída a função de colocar, segundo a sua percepção, quais os principais pontos apresentados à
platéia. Essas pessoas irão iniciar o debate após os palestrantes terem feito
suas exposições. Pretendemos que metade do tempo seja dedicada à apresentação e a outra metade, à discussão com o plenário. Não haverá intervalo, teremos atividades em seqüência. Esperamos que sejam produtivas
as nossas atividades aqui e com isso se configura o lançamento da nossa
rede de pesquisa em Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente. Hoje à
tarde haverá, já, a distribuição do folder da nossa rede para o conjunto das
pessoas aqui presentes. Gostaria de enfatizar que este seminário é realizado com a contribuição coletiva de instituições e de pessoas a quem eu
agradeço profundamente. Obrigado. [Palmas].
Apresentadora – Anuncio, neste momento, os participantes da
primeira mesa, que abre a etapa de exposição do tema, introduzindo o
assunto “Nanotecnologia, ciência e tecnologia e a regulação de novas
tecnologias”: o Prof. Dr. Sedi Hirano, diretor da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo [longa pausa], o Prof. Dr. John Ryan, da Universidade de Oxford, Inglaterra [pausa, palmas], Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes, coordenador de
Nanotecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia [pausa; palmas] e
a Professora Eliane Moreira, coordenadora do Núcleo de Propriedade
Intelectual do Centro Universitário do Pará [pausa, palmas].
Após a Mesa 1, teremos o primeiro debate, que conta com a presença do Prof. Dr. Marcos Antônio Mattedi e o Prof. Dr. Kenneth Gould.
Passo a palavra ao Professor Sedi Hirano.
29
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Sedi Hirano – É com imenso prazer que eu coordeno
esta primeira mesa do primeiro Seminário Internacional de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. O tema da mesa é “Nanotecnologia,
ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias”. Não me cabe, como
coordenador da mesa, expor sobre o que seja o tema. A única coisa que eu
gostaria de dizer é que esse não é um assunto especificamente científico; é
científico, mas na verdade tem uma relação direta e imediata com a sociedade como um todo e, portanto, ele envolve várias organizações da sociedade civil. Em primeiro lugar, porque a Nanotecnologia é uma tecnologia
atômica, extremamente sofisticada e de ponta, que se anuncia como uma
nova fronteira entre a ciência e o capital. E essa questão entre ciência e
capital – desde que Marx escreveu o famoso livro O capital –, as relações
entre ciência, tecnologia, indústria e o grande capital são extremamente
estreitas.
Ao mesmo tempo, eu poderia dizer que com a Nanotecnologia nós
estamos no curto espaço de tempo da Quarta Revolução Industrial, partindo já para a Quinta Revolução Industrial, isso em menos de duas décadas. Esse desenvolvimento de novas tecnologias impõe um processo de
produção tecnológico capitalista no mundo atual e traz em seu bojo o novo
processo de acumulação do capital, favorecendo os grandes conglomerados transnacionais, muitos dos quais manipularam os genes, os transgênicos
e, agora, certamente vão manipular os átomos, base de toda matéria animada e inanimada.
É uma revolução que modificará a matéria e transformará todos os
aspectos do trabalho e da vida. É a era da Nanotecnologia, já presente nas
biotecnologias, nos fármacos e na armazenagem de energias, e informação
que entrará na fabricação convencional, incluindo tudo, de utensílios domésticos a roupas e alimentos. Por isso, ela não é apenas uma questão da
ciência como a ciência fundamental ou básica ou da ciência como uma
ciência tecnológica, mas ela é uma questão que vai repercutir de uma forma imensa e intensa em relação à sociedade civil e ao meio ambiente como
um todo.
Nesse sentido, existe um grupo canadense, o ETC Group, que
produziu um livro – traduzido para o português – sobre a repercussão da
tecnologia atômica em toda a sociedade. Nele apregoa-se que o desenvol30
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
vimento tem de ser socialmente responsável por tecnologias úteis para os
pobres e marginalizados, além de monitorar a propriedade e controle de
tecnologias e a consolidação do poder corporativo. Daí surgem as seguintes
questões: quem é que controlará a tecnologia atômica? Quem é que vai ter o
poder de usar essa tecnologia? Para quê e para quem? Como se determinará
o planejamento desta pesquisa e quem financiará as tecnologias convergentes? Qual o impacto em relação ao meio ambiente? Portanto, além dessas
questões socioeconômicas, nós também temos sérias repercussões sobre a
qualidade de vida na esfera mundial. Dito isso, creio que este seminário vai
abordar um conjunto de temas extremamente importantes, não só a partir da
ótica da ciência, mas também sob o olhar atento e crítico dos vários organismos que compõem a sociedade civil.
Eu agora gostaria de dar a palavra ao Prof. Dr. Alfredo de Sousa
Mendes, coordenador de Nanotecnologia do Ministério da Ciência e
Tecnologia, e de dizer que o Ministério da Ciência e Tecnologia, no ano
de 2003, colocou a Nanotecnologia como um dos assuntos básicos e fundamentais do Ministério da Ciência e Tecnologia. Posteriormente eu darei
a palavra à Professora Eliane Moreira, coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual do Centro Universitário do Pará, e, finalmente, ao
Prof. Dr. John Ryan, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que produziu um trabalho extremamente crítico e instigante, a pedido da Academia Britânica de Ciência, a partir de um conjunto de cientistas, sobre
Nanotecnologia, certezas e incertezas. Então tem a palavra o Prof. Dr.
Alfredo de Sousa Mendes, entre 20 e 25 minutos.
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes – Obrigado professor.
Bom dia a todos. Antes de mais nada, em nome do secretário de Ciências
Políticas do Ministério da Ciência e Tecnologia, Professor Cylon Gonçalves da Silva, gostaria de agradecer aos organizadores do evento, principalmente ao Dr. Paulo R. Martins, por me dar a oportunidade de falar um
pouco sobre o histórico que culminou com o lançamento do edital CNPq
13/04, nessa área de impactos socioambientais; um pouco a respeito das
iniciativas do governo na área de Nanotecnologia, o programa criado recentemente no Plano Plurianual, e sobre alguns resultados dos editais que
foram lançados este ano.
31
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Logo após a criação da Coordenação de Políticas de Programa de
Nanotecnologia, do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) em 2003,
eu recebi a visita do Dr. Paulo R. Martins, questionando se havia alguma
iniciativa do Ministério preocupada com os possíveis impactos socioambientais decorrentes do desenvolvimento da Nanotecnologia. Na ocasião,
confesso, não havia nenhuma iniciativa nesse sentido, uma vez que o grupo que definiu o programa de Nanotecnologia – inclusive os nossos dois
coordenadores, que, no momento, fizeram parte desse grupo – não considerou esse aspecto.
Evidentemente, o programa estava se iniciando, e ele é bastante
flexível, no sentido de atender as demandas da sociedade e os problemas
relacionados com a Nanotecnologia. Na ocasião, o grupo focou mais o
levantamento das necessidades, visando à facilitação em termos de laboratórios, recursos humanos e recursos para pesquisa, tanto a aplicada como a
pesquisa pura. Eu fiquei encarregado de levar o assunto para o diretor da
época, o Professor Fernando Galembeck, e chegamos até a desenvolver
um projeto, no qual essa idéia da rede já estava mais ou menos definida.
Mas, infelizmente, houve uma mudança de Secretaria, e durante alguns
meses a Nanotecnologia ficou um pouco adormecida no Ministério.
Quando o Professor Cylon Gonçalves assumiu a Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisas em Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, novamente o Paulo R. Martins nos visitou e colocou ao
Professor Cylon Gonçalves a importância de se trabalhar uma ação ou uma
iniciativa que focasse os aspectos dos impactos socioambientais. O Professor
Cylon Gonçalves achou por bem lançar esse edital CNPq 13/04; embora
ainda pequeno, era já um começo. Eu vou apresentar, mais ao final, os
dados e os resultados desse edital. Como eu falei, eu gostaria de abordar
rapidamente as iniciativas do Ministério, junto com o CNPq, com relação à
Nanotecnologia. A Secretaria encarregada de Nanotecnologia no Ministério de Ciência e Tecnologia é a Secretaria de Políticas e Programas em
Desenvolvimento. Abaixo dela existe a Coordenação Geral de Políticas em
Programas de Nanotecnologia, cujo diretor é o Professor Nicola, que tem
esta entre várias outras coordenações. É uma coordenação pequena, formada por mim, pelo Márcio, pelo Augusto, por Éder Tavares e Rubens Galina,
e muito nova – tem pouco mais de um ano. Mas, apesar de nova, nós já
32
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
temos uma pequena home page, que tem muitas informações disponíveis,
sobre documentos, eventos, trabalhos publicados, pareceres; enfim, todo o
histórico da coordenação está lá disponível, e pretendemos enriquecê-la muito
mais com o avanço do programa.
Quando se fala em Nanotecnologia, o fato de se ter um programa
plurianual já significa uma sinalização do governo sobre a importância da
área para o país. E essa importância ficou selada com o lançamento da
política industrial e tecnológica do comércio exterior pelo ministro do Desenvolvimento, Furlan, em que ele identifica quatro grandes eixos: semicondutores,
softwares, bens de capital e fármacos como os quatro grandes esteios da
política; nesse contexto podemos identificar muita nanotecnologia acontecendo, e esta se configura como uma área portadora de futuro. Isso vem a
confirmar a vontade política com relação à preocupação de que a Nano é
realmente uma área importante.
Eu vou rapidamente apresentar as iniciativas do governo para com a
Nanotecnologia. Em 1987, foram investidos US$ 10 milhões em equipamentos destinados ao crescimento e à caracterização dos semicondutores.
Mas somente em 2001 é que houve a criação das quatro redes de Nanotecnologia – aliás, aqui estão representados dois de seus coordenadores que
deverão apresentar com mais detalhes os trabalhos dessas redes – e no mesmo ano foi lançado o edital do Instituto do Milênio, no qual praticamente
quatro dos 17 institutos abordam a Nanotecnologia. Em 2003, como eu
disse, houve a criação do grupo de trabalho (GT), com a incumbência de
propor um documento-base para o programa de Nanotecnologia e, ainda
em 2003, foi criada a Coordenação Geral de Políticas e Programas de Nanotecnologia do MCT. Só para ilustrar, os quatro Institutos do Milênio
contemplados (Nanociências, Materiais Complexos, Materiais Poliméricos
e Sistemas em Chip, Microssistemas e Nanoeletrônica), também operam
em rede, envolvendo diversas universidades, e receberam na ocasião em torno de R$ 25 milhões. As quatro redes são: a Nanobiotecnologia, a Nanoeste,
a NanoSemiMat, a Renami, que também envolvem uma série de instituições e que receberam entre 2003 e 2004 a importância de R$ 8 milhões
para desenvolver seus trabalhos.
Eu não vou entrar nessa área, porque as linhas de pesquisa de cada
uma das redes serão, provavelmente, bastante abordadas aqui neste even33
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
to, bem como uma situação geográfica – eu agradeço ao Prof. Eronides
pela elaboração dessa transparência, que contém a localização geográfica
das duas redes –, a Renami e a NanoSemiMat no Nordeste e as duas
redes da Nanotecnologia e Nanoestruturada em São Paulo.
Houve uma ação, também em 2003, que previa a implantação de
um centro de referência em Nanotecnologia; ela iria receber em 2002 um
aporte de R$ 150 mil e R$ 6,6 milhões em 2003. Essa ação foi desmembrada para apoiar as redes, por determinação, na época, do ministro. O
programa não se resume em buscar, identificar as ações de que eu vou falar
mais adiante, mas também envolve alguma articulação da coordenação e
da direção com os fundos setoriais. Nós conseguimos, ainda em 2003,
inserir no CT-Petro, no CT-Energ e no Fundo Verde e Amarelo a área de
Nanotecnologia, o que lhe deu o acréscimo de R$ 6,6 milhões. Este ano
parece que chegou a R$ 8 milhões o aporte do CT-Energ para diversas
áreas, entre elas a Nano.
O programa de desenvolvimento da Nanotecnologia e da
Nanociência, como eu disse, foi desenhado por um grupo de trabalho,
criado pela portaria e elaborou um documento, que ficou pronto no final
do ano. Só houve um pequeno problema. O timing do PPA para encaminhar a proposta e o programa ao Congresso expira em agosto, por isso o
diretor na época, à luz das discussões emanadas pelo GT, criou o programa com quatro ações específicas. O que é que levou à criação do programa? O que está por trás da criação do programa, como o Professor Sedi
Hirano colocou, é a perspectiva de a Nanotecnologia impactar diversos
setores produtivos. E assim como o programa tende a impactar esses setores, ele também representa uma ameaça para esses setores. Por que uma
ameaça? Àqueles setores que não se envolverem com a nova revolução
tecnológica que permite ver, manipular a matéria em nível atômico, induzir moléculas que se auto-organizam, considerando também que, à medida
que se diminui a dimensão e chega-se a uma escala nanométrica da matéria, as propriedades passam a ser diferentes. Portanto, a perspectiva de se
ter uma gama de produtos inovadores – e, muitas vezes, até com características que se confundem com a ficção científica – é muito grande. Desse
modo, se o Brasil não estiver atento a essa nova revolução tecnológica,
estaremos arriscados a ficar mais uma vez escravos dos grandes países que
desenvolvem tecnologias com muita eficiência.
34
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
O programa é composto por quatro ações: uma primeira ação de
implementação de laboratórios em rede de Nanotecnologia foi concebida
com a idéia de apoiar horizontalmente estruturas de laboratórios existentes
no país e com isso assegurar a parte laboratorial para o desenvolvimento
do trabalho; uma segunda ação de apoio à rede de laboratórios de Nanotecnologia vem com a idéia de manutenção desses laboratórios e também
no apoio à rede; uma terceira ação de pesquisa deveria ter sido desmembrada
em duas áreas bem distintas – pesquisa pura, desenvolvida por grupos de
excelência, e pesquisa aplicada, que foi inclusive objeto desse edital lançado pelo CNPq, na qual induzimos a integração da pesquisa acadêmica
com o setor produtivo; e, por fim, uma quarta ação, também subdividida
em pesquisa pura e pesquisa aplicada. Este ano nós só pudemos apoiar a
pesquisa aplicada; no próximo ano, esperamos a nova ação para a pesquisa pura – para isso já encaminhamos o plano plurianual; mais no final da
minha exposição vou mostrar como é que ficou a parte financeira dessa
ação – e uma ação menor a fim de fazer a administração do programa,
apagar alguns “incêndios”, atender a algumas emergências, apoiar algum
evento como este (o Ministério deu um pequeno aporte de recursos para se
materializar este evento também). Em 2004, o programa contou com a
importância de R$ 8.707.800,00.
Apresento agora um quadro ilustrativo com o programa encaminhado ao Congresso, bem simples, nada complicado. Para cada uma dessas ações1 existe um cadastro, no qual fica especificado a que é que a ação
se propõe, as estratégias de implementação, os resultados esperados, enfim, as informações de que o Ministério do Planejamento precisa para
atuar no acompanhamento. Isso é para mostrar a dificuldade de se conseguir recursos, no âmbito do governo, quando se tem um programa novo
começando.
Quanto à ação em Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia, foi uma estimativa, com base na recomendação do GT, já passado
1
Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia; Apoio a Redes e Laboratórios
de Nanotecnologia; Fomento a Projetos Institucionais de Pesquisa e Desenvolvimento
em Nanociência e Nanotecnologia; Gestão e Administração do Programa; Implantação de Laboratórios e Redes de Nanotecnologia.
35
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
por um crivo técnico, sabendo que o grupo, na verdade, solicitou
R$ 237.209.458,00 para os quatro anos. Encaminhamos para a área de
planejamento do Ministério uma proposta reduzida, mas o que foi aprovado
no Congresso foi o valor de R$ 77.730.000,00 reais para os quatro anos.
Nós já conseguimos um aporte razoável de recursos para o programa. Este
ano lançamos a tempo o Edital de Nanotecnologia CNPq 12/04, que apóia
a pesquisa acadêmica participativa com o setor produtivo; a idéia é promover
essa integração, dentro dessa ação de pesquisa. Ela concentrou-se na área
de Nanobiotecnologia, em sensor e material nanoestruturado e nanomagnéticos, teve um aporte de R$ 2 milhões e a chamada pública de Nanotecnologia voltada para os estudos de impactos socioambientais CNPq 13/04 – o
edital que todos os senhores conhecem, o qual recebeu um aporte de 200
reais. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), dotação orçamentária
do programa, recebeu R$ 1 milhão e lançou seu edital com muita luta,
porque a sua direção não queria lançá-lo com valor baixo, mas a proposta foi
de que, como a Finep não tem lastro nessa área, fizesse uma experiência
para ver a demanda. Esse edital (de R$ 930 mil) teve a demanda de 22
projetos, se não me falha a memória, e o CT-Energ, como disse anteriormente, já para 2004, teve um aporte de R$ 8 milhões, sendo que a área de
Nanotecnologia foi contemplada nesse edital.
A análise da demanda bruta relativa ao edital de impactos socioambientais (CNPq 13/04) nos revela que houve uma demanda bruta de
R$ 557 mil, para um edital que tinha R$ 200 mil. Foram aprovados
R$ 92 mil. Uma determinação do secretário foi de que os recursos destinados ao edital deveriam ser totalmente empregados nas propostas, mas as
quatro propostas apoiadas não esgotam recursos disponíveis para a chamada. A perspectiva é de que esse número atenda a oito propostas. Eu até
conversei com o Paulo R. Martins sobre o assunto e o orientei a entrar
com o pedido de reconsideração, uma vez que o CNPq dispõe de um
comitê permanente para isso. Desse modo, esperamos acrescentar mais
quatro propostas em função do mérito para compor esse primeiro edital
voltado para estudos na área de impactos socioambientais decorrentes do
desenvolvimento da Nanotecnologia.
Eu fiz uma pequena análise com relação às regiões que encaminharam
os projetos: tivemos a participação do Nordeste, da região Sul e do Sudeste e
36
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
houve propostas aprovadas nas regiões Sudeste e Sul. Esse quadro deve mudar a partir do próximo mês. Quanto ao edital de Produtos e Processos em
Nanotecnologia, a demanda foi de praticamente R$ 19 milhões, 73 propostas, das quais 12 foram selecionadas. Já houve participação maior das regiões
Centro-Oeste, Nordeste, Sul e Sudeste, mas as propostas aprovadas se concentraram nas regiões Sul (duas) e Sudeste (dez). Também fiz uma análise
das áreas. Daquelas que foram atendidas nesse edital, podemos observar que o
Grupo 2 teve uma proposta na área de argila, caracterização, engenharia,
filmes finos, microscopia, nanoemulsões, nanolitografia, nanopartículas, peneiras moleculares e pontos quânticos de revestimento. O Grupo 1 teve duas
propostas em sistemas nanoestruturados, nanomagnetismos e fotônica. Quanto às demais áreas com número maior de propostas, há destaque na área de
materiais, dez propostas, e nanobiotecnologia, em disparado, com 17. As áreas
de materiais, sensores materiais e nanobiotecnologia estão à frente em número
de propostas encaminhadas.
Perspectivas para o programa de 2005: foram solicitados R$ 8 milhões para Fomento a Projetos Institucionais de P&D em Nanociência e
Nanotecnologia, mas só conseguimos R$ 1 milhão. A criação do Laboratório Nacional de Micro e Nanotecnologia foi eliminada, visto que o Planejamento não apoiou essa ação. Então, na verdade, nós conseguimos
voltar à integridade do programa, que previa uma ação de pesquisa
participativa e uma outra de pesquisa pura para a área de Nanotecnologia.
Como indicadores do programa, temos o controle feito pelo Planejamento,
pela Presidência: temos o número de produtos e processos gerados por ele
como um indicador e patentes geradas no âmbito do programa, em relação
ao número total de patentes geradas em Nanotecnologia. São esses os dois
macroindicadores do programa utilizados pelo Planejamento para verificar
o andamento daquele no Ministério. Isso é o que eu tinha a dizer. Muito
obrigado. [Palmas].
Prof. Dr. Sedi Hirano – Professora Eliane Moreira, coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual do Centro Universitário do Pará.
Eliane Moreira – Bom dia a todos e a todas. Agradeço imensamente a oportunidade de participar deste seminário, em especial ao Dr.
37
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Paulo Martins, que me fez o convite de forma muito gentil, e o parabenizo
pela iniciativa de fazer um seminário com essa abordagem, a qual obviamente preza a necessidade de reflexão sobre uma nova tecnologia, abordagem
sobre a qual, sem dúvida nenhuma, nós precisamos nos especializar neste
país. Antes eu me sinto na obrigação de fazer alguns esclarecimentos, uma
pequena correção sobre a minha participação aqui.
Sou advogada, mestre em Direito pela PUC e faço doutorado em
Desenvolvimento Sustentável na UFPA. Tenho me dedicado um pouco à
pesquisa, ao estudo da regulamentação acerca dos impactos de novas
tecnologias, sobre como o Direito tem se comportado perante a necessidade
de criar zonas de amortecimento, digamos assim, em relação às novas
tecnologias. Esse pequeno esclarecimento se refere ao meu vínculo com a
UFPA, ao meu doutorado em Desenvolvimento Sustentável no Naia. Efetivamente, meu vínculo profissional é com o Centro Universitário do Pará
(Cesupa), onde eu coordeno o Núcleo de Propriedade Intelectual, no qual
tenho também desenvolvido algumas atividades relacionadas ao já referido
impacto das novas tecnologias, de uma forma muito mais próxima à questão da biodiversidade, dos conhecimentos tradicionais vinculados à
biotecnologia.
Acredito que o Paulo me fez esse gentil convite para falar talvez
um pouco da experiência que eu tive no ano passado no governo federal,
no início do governo Lula, quando eu participei da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), da qual eu era secretária executiva, um cargo eminentemente administrativo. Atualmente eu já não faço
mais parte dela, minha estada lá foi curta, mas talvez algumas reflexões
desse momento possam aqui servir para o novo questionamento que passa
a surgir em torno da Nanotecnologia, porque os paralelos com a moderna
biotecnologia acabam sendo inevitáveis.
Feitas essas considerações iniciais, eu queria iniciar aqui com algumas reflexões mais a respeito do tema. O tema sobre o qual me foi solicitado falar trata de como está se comportando o Direito em relação a essa
nova tecnologia. Sem dúvida alguma, a sociedade passou a mudar a sua
percepção e a sua interação com as novas tecnologias, sobretudo, a partir
do segundo pós-guerra, quando grandes impactos foram verificados em
relação à ciência e à tecnologia. Existiu aí uma linguagem que alguns pen38
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
sadores chamam, um pouco parafraseando Weber, um “desencantamento
da ciência”. Efetivamente se demonstrou que a ciência pode sim, além de
oferecer grandes benefícios, propor à sociedade grandes riscos, e a necessidade do tratamento dos riscos trouxe então muitos questionamentos e o
desafio para que a sociedade se estruture, inclusive, mas não apenas, do
ponto de vista legal para enfrentar esses novos desafios. A revolução verde
e tantas outras tecnologias também trouxeram impactos do segundo pósguerra até os dias atuais, e revelaram a necessidade da ascensão de mecanismos de controle das novas tecnologias.
Dessa forma, foram cunhados neologismos que expressam esse desejo, essa necessidade de autoridade sobre novas tecnologias, como
“bioética”, “biossegurança”, e agora também se fala em “nanossegurança”.
É preciso que pensemos também sobre isso como uma necessidade, um
novo paradigma ético ao desenvolvimento científico-tecnológico que começa a se formar e que demanda dos atores sociais, e não apenas dos cientistas, novas condutas em relação aos processos de geração de conhecimento,
aplicação de tecnologias e mesmo o consumo dessas novas tecnologias.
Alguns falam – e eu já adotei essa percepção – de que se forma
uma quarta geração de Direitos Humanos, ou mesmo a quinta, dependendo da corrente à qual se filie no desenvolvimento desses direitos. Ela seria
agora uma evolução daquela primeira geração, a qual se referia aos direitos de liberdade; da segunda geração, que se referia aos direitos de igualdade, aos direitos sociais, culturais e econômicos; e da terceira geração, a
qual compreende os direitos de solidariedade, origem das preocupações
com o meio ambiente, de consumo e assim por diante. A quarta geração
de Direitos Humanos seria caracterizada pelo direito de resistir ao mau
uso do conhecimento científico-tecnológico. Então o seu cerne é esse próprio direito de resistência e é em função disso que clama por regulamentações.
A Nanotecnologia, com diversas das novas tecnologias, nos dá grandes expectativas, mas também nos inspira, por outro lado, a verificação
real de que essas novas tecnologias inevitavelmente se inserem dentro do
processo de desenvolvimento econômico, visando à introdução de novos
produtos dentro da própria circulação da economia. Dentro dessas grandes esperanças, muitos falam de várias áreas nas quais a Nanotecnologia
39
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
pode promover seus impactos, e o palestrante que me antecedeu já nos
referenciou um rol de áreas em que é possível aplicá-la. Sem dúvida alguma, sempre existe um discurso legitimador da nova tecnologia, e um discurso novo se avizinha em relação à Nanotecnologia, com a possibilidade
de oferecer tratamentos na área da saúde humana, por exemplo. Em que
pesem essas grandes promessas, essas grandes expectativas certamente precisam ser fomentadas; como eu já disse, existe, por outro lado, a demanda
do mercado que vai impulsionando essas tecnologias. No que se refere à
Nanotecnologia, por exemplo, me causou espécie fazer uma pesquisa no
banco de patentes, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI),
e verificar que uma boa parte das patentes solicitadas que versam sobre a
Nanotecnologia, atualmente, referem-se à área de cosméticos. Isso é interessante porque nos põe de cara com a realidade, esperança versus mercado; coloca-nos de fato perante a necessidade de direcionar essa tecnologia,
no sentido de efetivamente potencializar os seus benefícios e minimizar ou
evitar os seus riscos, caso contrário nós estaremos apenas falando de mais
uma forma de introdução de produtos de consumo.
Vai-se aqui verificar a necessidade de incidência de marcos
regulatórios na produção do conhecimento, ou seja, no como realizar a
pesquisa em parâmetros e limites para o desenvolvimento dessas tecnologias.
Precisam ser pensados, por exemplo, os limites éticos à aplicação dessas
tecnologias, em que a questão dos impactos ambientais vai constituir um
problema a ser enfrentado, e ainda mais a colocação dos produtos no mercado, uma vez que as regras de defesa do consumidor precisam aqui ser
adaptadas e repensadas, além, obviamente, da apropriação da tecnologia.
Nós estamos falando de grandes investimentos, essencialmente de capitais
internacionais, e que geram a apropriação de maneira notória pelo sistema
de propriedade intelectual, no qual as grandes vedetes são as patentes.
Muito se fala sobre os impactos que essas tecnologias podem gerar.
Eles podem ser sociais, ambientais, econômicos ou sobre a saúde humana.
Como então reagir a esses impactos? Sem dúvida alguma, os direitos só
andam atrás da realidade social, pouquíssimas vezes eles conseguem se
antecipar, menos ainda andar pari passu com ela.
Existem pouquíssimas iniciativas sobre a reflexão a respeito da regulamentação dessas tecnologias, por isso que me foi muito ingrata, na
40
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
verdade, a solicitação feita pela coordenação de tentar falar sobre regulamentação. Pouquíssimo existe, não só no Brasil, mas no mundo todo, a
respeito dessa temática. De fato, a partir de uma pesquisa que eu considero superficial, o único regulamento, o único marco legal o qual consegui
detectar foi a lei estadunidense que se refere ao programa nacional de
pesquisa em Nanotecnologia, recentemente aprovada, e que de fato não
estabelece grandes mecanismos de controle, mas versa sobre como deve se
dar o desenvolvimento científico-tecnológico, considerando a necessidade
de fomentar esse desenvolvimento. Nos outros setores, nos outros lugares
do mundo, na Europa, no Japão, não existe um marco sobre os limites que
devem ser impostos a essa nova tecnologia. Os nossos marcos nacionais
são, obviamente, ainda menores.
Efetivamente, nós vamos precisar nos socorrer na Constituição Federal e, no nosso caso, o raciocínio constitucional vai ser o mesmo empregado na questão da moderna biotecnologia. Desse modo, os nossos
principais marcos sobre a necessidade de regulamentação dessa tecnologia
vão se referir à garantia de direitos fundamentais do cidadão, expostos no
artigo 5o da Constituição Federal, segundo o qual a inviolabilidade do
corpo, o respeito à dignidade humana, o direito à vida e o direito à igualdade são pressupostos básicos; e, sobretudo, no artigo 170 da Constituição Federal, que nos fala da necessidade de que todo o desenvolvimento
econômico seja pautado pela proteção à dignidade da pessoa humana, ao
consumidor e ao meio ambiente. Este artigo, na verdade, traduz o velho e
bom princípio do desenvolvimento sustentável, e aqui é necessário que se
faça uma reflexão sobre este, não do ponto de vista como atualmente esse
conceito anda sendo apropriado – sobretudo pelas equipes econômicas do
governo federal, que trata do desenvolvimento sustentável como sinônimo
de crescimento –, mas sobre o ponto de vista de um desenvolvimento que
precisa de condições, não de mortes. Geralmente, quando se fala em condições e limitações, imagina-se imediatamente a impossibilidade do desenvolvimento e a regra do como desenvolver. Como dizíamos, esse artigo vai
dar o mote, sem dúvida, para uma futura legislação do Brasil sobre esse
campo. Da mesma forma, o artigo 225, que trata da proteção ao meio
ambiente; o artigo 196, que trata do direito à saúde, e tantos outros vão
constituir o arcabouço constitucional do qual as futuras legislações desse
país deverão se originar.
41
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Chamo a atenção para o novo Código Civil, que estabeleceu a regra de responsabilidade objetiva para qualquer atividade geradora de risco. Também nesse parâmetro a Nanotecnologia não se refugia. O que eu
quero dizer com isso? O Código Civil estabeleceu que qualquer atividade
que tenha como elemento intrínseco o risco obriga os seus geradores a
responderem pelos danos causados, independentemente da existência de
culpa; ou seja, não importa se o impacto ambiental ou sobre a saúde humana foi ou não intencional. Se este foi gerado, não interessa se foi desejado ou não, se existiu o chamado dolo ou culpa; o importante é que ele foi
ocasionado e imediatamente a responsabilidade recairá sobre quem por
ela responder. Essa regra servirá também para os resultados dessa nova
tecnologia.
É interessante falar sobre um movimento que surge dentro do Congresso Nacional. O nosso Congresso gosta muito de se antecipar à necessidade de regulamentação, e sempre surgem deputados empenhados com
novas iniciativas legislativas – e esta é a função desses legisladores. Existe
uma discussão, proposta pelo deputado Edson Duarte, a respeito da regulamentação da Nanotecnologia. Há, na verdade, uma elaboração, um anteprojeto de lei sendo encaminhado acerca desse tema. Sobre esse
anteprojeto eu gostaria de fazer algumas considerações.
Acredito que é extremamente importante reconhecermos a vanguarda desse tipo de iniciativa, mas é relevante também começarmos o questionamento dela desde cedo. Esse projeto de lei prevê a criação de uma
comissão técnica nacional de Nanotecnologia – aqui eu faço referência ao
que eu disse anteriormente sobre a necessidade de estabelecer um paralelo
com a questão da biossegurança e tentar apreender um histórico deste país
em relação a esse tema. Ao prever a possibilidade da criação dessa comissão técnica, a palavra “técnica” se sobressai, quando uma das principais
discussões sobre a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança no país
é justamente a impossibilidade da efetiva participação da sociedade civil,
no que se refere à formulação de políticas públicas e também de avaliação
de riscos. Logo, creio que precisamos começar a pensar se efetivamente
essa é a decisão que deve ser tomada.
A composição proposta para a CTNNano (essa é a expressão que
o governo federal e um grupo de cientistas especializados usam) nessa
42
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
área envolve essencialmente órgãos da União – mais uma vez eu ressalto
que não se pressupõe a participação efetiva da sociedade civil. Ela prevê
autorização para alguns projetos que envolvam a Nanotecnologia, sobretudo aqueles financiados com recursos públicos, mas não fala nada daqueles
que não forem dessa maneira financiados; e prevê ainda um fundo de
fomento às atividades de Nanotecnologia. É interessante que se faça uma
reflexão prévia, porque o histórico da lei de biossegurança deve ter nos
ensinado alguma coisa. Inevitavelmente, este país quebrou todas as garantias que foram previstas para os cidadãos na forma como foi introduzida
essa nova tecnologia no país.
Hoje se fala muito em um projeto de lei de biossegurança, mas,
como se sabe, existe uma lei desde 1995 – uma lei, um decreto, posteriormente uma medida provisória – destinada a ajeitar os problemas da lei
anterior. Nenhuma das salvaguardas aos cidadãos foi respeitada, nem a
avaliação de impactos ambientais, nem mesmo a necessária informação
aos consumidores.
Com isso, quero ressaltar que o fundamental a qualquer aventura –
não me refiro de uma forma pejorativa –, qualquer tentativa de se lançar à
regulamentação dessa nova tecnologia tem o dever de olhar para o passado
do país, e para o passado recente, ou mais propriamente para o nosso
presente, e prognosticar onde é necessário que ela se desenvolva, visando à
geração, ao uso e à aplicação dessa tecnologia. Esse se revela um mecanismo de transparência; de diálogo com a sociedade civil; de respeito às normas ambientais, porque estas existem e também se aplicam à Nanotecnologia; de respeito aos direitos do consumidor, que também já existem e se
empregam como normas esparsas à Nanotecnologia; e principalmente de
reflexão sobre os seus impactos, sobre a sua utilização, compreendendo
que qualquer tecnologia, por melhor que ela seja, tem os seus limites, sejam eles reais, do ponto de vista ambiental ou do ponto de vista do consumidor, sejam eles políticos – também reais, mas não no desenvolvimento
da tecnologia. Toda tecnologia tem seus limites políticos e sociais, e nenhuma pode de per se resolver problemas endêmicos da sociedade mundial,
por exemplo, a fome, discurso que nós sabemos ser também utilizado para
outro tipo de tecnologia, como a biotecnologia.
43
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Com essas considerações eu encerro aqui a minha apresentação,
ressaltando a necessidade de que este país se lance à reflexão de quais são
as limitações dessa tecnologia – e ela as tem – e de como ela precisa se
enquadrar a alguns mecanismos de salvaguarda dos direitos dos cidadãos.
Afirmo ainda que de nada adianta fazer regulamentações se elas estão em
dissonância com as políticas públicas adotadas e de que precisamos também nos esmerar do nosso passado recente em relação à biossegurança. O
grande problema consiste no fato de que as leis existentes não se coadunaram com as políticas públicas em curso e houve a resistência do próprio
governo, das próprias instâncias governamentais em aplicar as leis que já
existiam. Isso constituiu a pedra de toque dos problemas que hoje se revelam no país em torno dessa tecnologia – e aqui eu me refiro à moderna
tecnologia.
Agradeço a possibilidade de fazer esta rápida fala neste evento e
coloco-me à disposição para os questionamentos. Agradeço a paciência
dos senhores e espero que possamos debater o assunto ao longo do evento.
Muito obrigada. [Palmas].
Prof. Dr. Sedi Hirano – Prof. Dr. John Ryan, da Universidade
de Oxford.
Prof. Dr. John Ryan – Obrigado. O que eu vou tentar fazer
nesta pequena apresentação é contar um pouco sobre o trabalho que temos
realizado no Reino Unido, sobre o aspecto social da Nanotecnologia.
No ano passado, tivemos diversos papers publicados, houve um do
Greenpeace, outro do conselho de pesquisa, e nos últimos meses, no verão, houve um relatório no qual eu me envolvi, publicado pela Real Sociedade – acho que está no website, vocês devem ter visto referências a ele; se
não conseguirem o relatório inteiro, pelo menos peguem o resumo do relatório, o qual eu recomendo, vale a pena ler.
Antes de falar do próprio relatório, darei a vocês a minha própria
perspectiva, o pano de fundo a este assunto. Sou um cientista, gosto de
desenvolver tecnologia, acho que esta tem muito a oferecer e, por isso, a
meta que eu estabeleci para mim é de contribuir para atingir esse desen44
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
volvimento. Ao mesmo tempo, acredito que existe uma conscientização
maior de que a ciência e a tecnologia realmente tendem a trazer o público
em geral junto com elas.
Antigamente, a tecnologia era assim apresentada ao público: aceite-a ou não a aceite. Recentemente, isso causou dificuldades com a GM,
por exemplo, alimentos geneticamente modificados, e nós vimos os problemas ocasionados na Europa, em especial. Neste momento, eu gostaria de
apresentar a vocês, em primeiro lugar, uma pequena citação sobre as perguntas e sobre os aspectos envolvidos no tema em discussão.
A primeira pergunta é a seguinte: por que há tanto interesse em
Nanotecnologia? Parece uma pergunta boba a ser colocada numa reunião
como esta, mas eu vou dizer algumas palavras sobre o que desperta tanto
interesse. A taxa de aumento de investimento em Nanotecnologia tem sido
astronômica nos últimos poucos anos e cresceu muito rapidamente. Outras perguntas que surgem são: será que esse investimento é rápido demais? Os aspectos relativos à segurança foram adequadamente
considerados? E se aparecerem novas considerações sociais, o público foi
consultado?
Vou apresentar um só dado a vocês, o qual obtive de uma avaliação
em que fui envolvido, sobre a atitude pública no Reino Unido. Parte do
estudo veio com o resultado de que apenas 29% da população do Reino
Unido tinha ouvido falar em Nanotecnologia e uma fração muito pequena
desse grupo poderia definir exatamente o que é Nanotecnologia. Há muita ignorância no mundo a esse respeito, poucas pessoas sabem do que se
trata.
Retomo, agora, algumas perguntas que nós fizemos aqui, de manhã: existe necessidade de nova regulamentação? Há alguma coisa especial em Nanotecnologia que exija regulamentação especial? Quer dizer,
em outros termos, será que isso infringe os direitos humanos básicos? Isso,
a meu ver, é francamente sair um pouco do assunto. Tentarei contextualizar esse problema, trazê-lo de volta para o assunto no qual eu creio que
deve estar. Há, por fim, um problema de governança: quem na verdade
controla a Nanotecnologia e quem se beneficia dela? São questões importantes que vale a pena considerar.
45
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Como cientista, tomarei alguns exemplos, um ou dois slides, só para
mostrar o que é a Nanotecnologia. No topo deste primeiro slide podem-se
ver alguns exemplos de nanossistemas. Este é um nanossistema que tem
entre 20 e 30 anos de idade, é uma estrutura semicondutora, usada para
fabricar laser, como o de um pointer (alto à esquerda) ou como o dos CD
players (alto à direita), que está indo não só para um tipo de confinamento
numa direção, mas nas três dimensões.
No alto, ao centro, temos um tipo de transistor sendo desenvolvido,
que funciona com um elétron; os aparelhos eletrônicos em geral têm transistores elétricos nos circuitos integrados que envolvem muitos milhões de
elétrons. Agora é possível fazer transistores com base em um só elétron e,
no caso de material magnético, pode-se armazenar informação em partículas magnéticas, observando-se aqui que a escala para todos esses fenômenos está na faixa de alguns poucos nanômetros. É uma tecnologia que está
sendo desenvolvida no momento.
Ainda neste primeiro slide, embaixo, à esquerda e à direita, temos
exemplos de bionanomáquinas, as quais entram no ramo da bionanotecnologia. Trata-se de uma pequena máquina, é uma molécula que se autocompõe. Todos nós temos uma grande quantidade de moléculas no corpo e
esta máquina tem por função energizar tudo o que fazemos. Esta pequena
46
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
máquina está trabalhando dentro dos nossos corpos, agora, neste momento; ela possui apenas alguns nanômetros de diâmetro. Provavelmente, cada
um de nós fabrica de 40 a 50 kg do composto que produz a energia que
geramos. É realmente uma nanomáquina biológica fantástica, pequenininha.
O slide a seguir retrata uma máquina que transporta material dentro da célula. Ela caminha por um filamento e, ao final, tem um pequeno
contêiner que contém o material necessário. No caso específico desta molécula, ela leva matéria para junções sinápticas no sistema nervoso. Isso é
um exemplo de nanomáquina. Esse é um momento, em tempo real, dessa
pequena máquina, medido por meio do microscópio; ela não está só caminhando para um filamento, mas está em uma lâmina. Não é possível usar
a Nanotecnologia para medir isso, mas é possível ver como essas máquinas
operam e até manipulá-las e mudar suas propriedades. É nesse ponto que
a bionanotecnologia se torna importante, porque essas coisas podem ser
adaptadas e usadas em situações tecnológicas.
Inicialmente fiz uma pergunta sobre a importância da Nanotecnologia. Temos aqui alguns motivos estratégicos pelos quais ela é importante:
coloca grandes desafios à comunidade científica, seu potencial para inovações e aplicações é grande – ouviremos sobre isso hoje e amanh㠖, real47
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mente toca muitas áreas tecnológicas, como a medicina, a engenharia de
materiais, eletrônica etc., por isso as oportunidades econômicas são realmente grandes, vastas, em todos os setores industriais. Isso deve ser o que
está motivando grandes investimentos em Nanotecnologia.
Vamos agora tratar de obstáculos à inovação e tentar entender inteiramente esse problema. Não podemos analisar só os riscos, temos de analisálos juntos aos benefícios. Um dos maiores obstáculos à inovação é a aversão
ao risco. Existe um sentimento crescente, em algumas partes do mundo,
de que estamos nos tornando muito avessos ao risco. Isso coloca um freio
na pesquisa e no desenvolvimento básicos, ou seja, torna o processo mais
lento. A publicidade negativa dos cenários de fim de mundo impede o
investimento. Por exemplo, se houver dinheiro para investir em teologia,
provavelmente ninguém fará isso se houver um alarme público a respeito
daquela tecnologia; esta não vai ser aceita, então, porque ao empregar
dinheiro nela o investidor o perderá. Esse fenômeno é difícil de equilibrar.
Além disso, há a preocupação com os riscos e benefícios exagerados, o que
sempre corrói a confiança do consumidor e do investidor; propor indagações maravilhosas sobre o poder de uma tecnologia os afasta. O que nós
estamos tentando ver aqui é que cientistas e tecnólogos, e talvez até os
investidores de capital, em muitos casos estão fazendo afirmativas exageradas sobre o valor da tecnologia. Isso afasta os investidores, assim como os
riscos exagerados também acabam afastando os consumidores. Talvez a
maior área de inquietação esteja nos riscos desconhecidos à saúde. Se
houver uma só sugestão de que a tecnologia apresente algum risco à saúde,
o público em geral não aceita; porém, uma vez que comece a se familiarizar com os riscos, vai aceitar. É uma psicologia estranha. Imagino que
alguns aqui fumem; este é um exemplo em que existe um risco, bem definido e bem quantificado, mesmo assim as pessoas aceitam esse risco.
Em termos de investimento público em Nanotecnologia, a taxa foi
alta. Verifica-se um crescimento exponencial de investimento público na
última década, entre 1997 e 2003, e atualmente estima-se que os investimentos totais da área pública e privada fiquem em torno de US$ 5 bilhões
ao ano. Isso ocorre principalmente nos Estados Unidos, no Japão e na
Europa, que são as maiores áreas geográficas que investem nessa tecnologia.
O investimento subiu bastante em menos de dez anos.
48
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
Qualquer nova tecnologia tem aspectos positivos e negativos. Portanto,
temos de nos fazer essa pergunta sobre a Nanotecnologia: será que há novos
riscos?
Vamos a alguns daqueles mencionados cenários de fim de mundo.
Um dos mais populares que ouvimos na mídia, especialmente no Reino
Unido – um dos favoritos –, é talvez devido ao Príncipe Charles – parece
que ele tem essa reputação de se assustar muito quando se fala em gray
goo, e tem havido muita publicidade no Reino Unido sobre esse tema. A
quem não sabe o que é gray goo, explicarei rapidamente. A idéia é a
seguinte: os cientistas e tecnólogos vão criar máquinas, nanomáquinas;
estas terão condições de se reproduzir, e se algo acontecer errado com a
tecnologia ou se algum criminoso quiser manipular as coisas, essas máquinas sairão do nosso controle acidental ou intencionalmente. Caso isso aconteça, dá para imaginar o cenário no qual o planeta vai ser destruído por
essas nanomáquinas. Eu sei que vocês já leram aquele livro do Michael
Crichton – Prey (Presa). Eu chamo isso de cenário de ficção científica,
mas é uma situação que muito freqüentemente é discutida.
Há ainda o aspecto da toxicidade da nanopartícula. Ainda há pouco se falou sobre isso, quando tratamos dos cosméticos, e a pergunta que
temos de nos fazer é: sabemos o suficiente sobre o potencial da
nanotoxicidade, da toxidez da nanopartícula? Outra pergunta já está na
mente de muitas pessoas no momento: em virtude de tudo isso, será que a
Nanotecnologia vai ser a nova “geneticamente modificada” e constituirá
uma batalha tão forte quanto a dos alimentos geneticamente modificados,
na década passada? Reitero que o futuro sucesso da Nanotecnologia está
vinculado com a aceitação do público. O cientista pode sentar e dizer:
“Vejam bem, a Nanotecnologia não tem nada a ver com os alimentos geneticamente modificados, não queremos entrar nessa discussão.” No entanto, os cientistas têm de se envolver nesse debate para poderem contribuir
com a compreensão das pessoas a esse respeito, assim como para a aceitação ou a não-aceitação por parte delas.
Direi algumas palavras sobre alimentos geneticamente modificados e
Nanotecnologia. Na minha idéia são coisas muito diferentes. A modificação
genética é a manipulação do material genético para alterar as propriedades
do organismo. A Nanotecnologia não é uma tecnologia, mas é uma ampla
49
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
gama de tecnologias, é uma tecnologia habilitadora. Talvez exista alguma
área dela que seja perigosa e realmente tenha de ser muito bem controlada e
banida, mas isso não necessariamente se aplica a todo o resto da Nanotecnologia. Portanto, temos de ter muito cuidado ao usar essa palavra; pessoalmente, prefiro usar a palavra “Nanotecnologias”, no plural. Existe uma similaridade entre a modificação genética e a Nanotecnologia, que é a velocidade
do seu desenvolvimento.
Tem havido um problema a respeito de a tecnologia sair à frente do
público e dos políticos. Nem os legisladores nem o público em geral entendem o que é. Como mostrei anteriormente, poucas pessoas ouviram falar
de Nanotecnologia; tudo está acontecendo muito rápido para que a sociedade tenha condições de acompanhar. De certa forma, esse tem sido o
problema, pelo menos na Europa, com os alimentos geneticamente modificados: apresentou-se ao público europeu em geral a tecnologia já pronta,
já na prateleira do supermercado, e as pessoas não tiveram a oportunidade
de contribuir para essa discussão.
Existe um outro ponto – isso realmente tem a ver com cientistas,
riscos e benefícios. Há uma simetria para a qual gostaria de chamar a
atenção de todos. As pessoas, como eu, falam muito sobre os benefícios da
Nanotecnologia, em parte por causa das propriedades eletrônicas dos
nanossistemas, em parte também por causa das propriedades químicas, e
eu gostaria de, aqui, enfocar um determinado aspecto. Quando se toma
uma nanopartícula ou uma partícula e reduz-se o seu tamanho, a superfície se torna muito mais importante. Uma nanopartícula é muito mais superfície. Todos os atos estão na superfície, as propriedades químicas mudam.
Isso é que torna a Nanotecnologia tão interessante e dá a ela o potencial
de uma exploração comercial tão ampla. Mas a pergunta que deveríamos
nos fazer, mais uma vez: é razoável dizer que não há novos riscos? Nesse
caso, o exemplo para o qual gostaria de chamar a atenção é o das
nanopartículas em filtros solares. Analisando-as com a Comissão Européia, esta disse explicitamente que essas nanopartículas eram seguras, que
poderiam ser usadas em todos os tamanhos; no entanto, uma questão precisa ser reexplorada: alguém realmente fez o teste? Alguém pegou
nanopartículas de todos os tamanhos, todas as faixas e fez o estudo comparativo para estabelecer, sem dúvida, que realmente não há efeitos tóxicos?
50
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
Creio que a resposta a que chegamos, ao fazer nossa pesquisa com a Real
Sociedade e a Real Academia de Engenharia, é de que não há evidências
suficientes para sustentar essa alegação.
Os nanotubos de carbono constituem um outro exemplo. Eu não
falei muito sobre essas nanopartículas, os nanotubos; são tubos de carbono
que têm propriedades eletrônicas interessantes e podem ser incluídos em
materiais a fim de obter maior força. Para tanto, os nanocompostos, os
compostos novos estão usando os nanotubos. São moléculas muito longas,
de diâmetro muito pequeno. Inicialmente todos nós perguntaríamos: será
que isso não é como os asbestos ou o amianto, e não sabemos agora dos
problemas que vieram do seu uso? Ele foi introduzido há cem anos e usado em enormes quantidades e ainda não atingimos o pico da mortalidade
causada pela asbestose. Estamos há alguns anos de distância, mas sabemos que houve um grande impacto na saúde das pessoas. Isto é um aviso:
visto que existe uma grande similaridade entre os nanotubos e os asbestos,
não deveríamos prestar atenção aos efeitos tóxicos possíveis?
Anteriormente, afirmei que os riscos de uma propriedade desconhecida são apenas uma alegação, uma vez que não haver evidência de
risco não é equivalente à constatação de não haver risco. Não é porque não
se vê nenhum risco óbvio que não existe algum risco; esse é o pensamento
que algumas pessoas na tecnologia têm tido, postura essa um pouco relaxada a esse respeito. Será que essas partículas são seguras? Bem, sim, são
seguras porque a gente as usa há muito tempo, porém, no que diz respeito
às nanopartículas, não sei, é preciso ter mais cuidado.
Além disso, há o risco das divisões de opinião, há o modismo, seja
nas verbas do investimento, ambivalência de divisões. Vou dar um exemplo
do que isso significa, acontecido nos últimos meses. Houve um relatório de
um grupo específico em Israel, em que se conseguiu fabricar um DNA construtivo, do qual se obteve material genético que poderia, entre outras coisas,
combater o câncer. Esse grupo teve um resultado interessante. Isso foi publicado na revista Nature e imediatamente aquele setor da comunidade se pronunciou: se essa pequena construção pode fazer um material benéfico, que
dizer de um material tóxico ou genético quando for apresentado nos Estados
Unidos? A última parte desse argumento foi discutida. Não é essa uma
forma útil de levar as coisas adiante, ou seja, pensar que se dada tecnologia
51
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
não pode beneficiar muito, não pode prejudicar muito. Também há o risco
da má comunicação. Informar o público é necessário, mas não é suficiente
dar-lhe detalhes sobre os fatos, sobre qual é a novidade; é preciso haver uma
forma de envolver o público nesses aspectos relativos à tecnologia e ao desenvolvimento desta. Afinal, a comunicação sobre o risco está vinculada com a
confiança, e os cientistas tendem realmente a trabalhar para estabelecer um
relacionamento de confiança com a comunidade, caso contrário essas tecnologias simplesmente não serão bem-sucedidas.
Temos de mencionar também o ETC, grupo que está ativo no Brasil e em todo o mundo. Seus integrantes recomendaram que houvesse uma
moratória na pesquisa e no desenvolvimento em Nanotecnologia. O motivo de chegar a essa conclusão foi o conhecimento de todas as implicações
da Nanotecnologia no ambiente e na saúde. Será que não deveríamos interromper todas as pesquisas em desenvolvimento em Nanotecnologia? Como
é que o princípio da precaução deve ser aplicado aqui? Como devemos pesar
os custos e os benefícios? Apresento um contra-argumento a essa conclusão.
Dado os benefícios potenciais da Nanotecnologia – não vou falar agora de
todos os benefícios, mas uma gama deles foi prometida –, será que não seria
antiético colocar uma moratória nessas pesquisas? Em outras palavras,
visto que os benefícios são tão importantes para nós e para a comunidade
em geral, realmente não seria ético banir a pesquisa e o desenvolvimento
em Nanotecnologia.
Sobre esse assunto, gostaria de mencionar uma citação de Phil Bond,
subsecretário de Comércio e Tecnologia: “A Nano oferece como possibilidade para a sociedade e para os indivíduos uma lista de coisas, que vai
desde a capacidade de eliminar a fome no mundo, a habilidade de permitir aos cegos verem, aos surdos ouvirem etc. Os benefícios realmente, claramente sobrepujam os riscos, sejam eles quais forem.” A abordagem que
eu vejo adotada nos Estados Unidos é de que a Nanotecnologia está chegando. Essa é a mensagem que vem da administração dos Estados Unidos. É o
tipo de argumento usado para justificar aquele tipo de abordagem – depois
eu quero discutir esse assunto com os senhores.
Que dizer sobre as considerações éticas, quem se beneficia? Acho
que a resposta a isso é de que todas as novas tecnologias beneficiam aqueles
que podem pagar por elas. As pessoas do Terceiro Mundo não puderam
52
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
aproveitar muito das novas tecnologias, que nós consideramos gerais. É razoável continuar desenvolvendo dessa maneira? Há o aspecto da convergência da Nanotecnologia, da biotecnologia e da tecnologia da informação e
também a possibilidade de melhoria humana. O que isso quer dizer? Algumas pessoas estão falando em implantes celebrais e implantes musculares,
ou seja, na melhoria do desempenho do ser humano, intelectual e físico. Isso
é desejável? E se realmente isso for possível, estará disponível a todos ou só
a algumas pessoas, que mais uma vez terão as vantagens sobre os outros? E
quem realmente controla o desenvolvimento da Nanotecnologia? Já tratamos desse assunto hoje, pela manhã. Será que o público tem voz no desenvolvimento da Nanotecnologia, ele está envolvido no processo decisório?
Algo interessante no Reino Unido é o poder de a participação subir à montante; em outros termos, o público pode se envolver nas tomadas de decisão
que são feitas, sobre quais pesquisas podem ser financiadas pelo governo.
Até que ponto esse processo pode ir de baixo para cima?
Nos últimos minutos, vou mencionar rapidamente as conclusões da
Sociedade Real e da Academia Real. O relatório está na web, por isso
não pretendo me deter muito nesse assunto. Nós confirmamos que as
Nanotecnologias realmente têm a capacidade de trazer grandes benefícios
em muitas áreas e temos de enfatizar que grande parte da Nanotecnologia
não suscita preocupação maior. Por exemplo, há Nanotecnologia no
microprocessador do meu computador, e isso não vai afetar a saúde de
ninguém. O gray goo, os robôs auto-replicantes não são tema relevante,
são, na verdade, parte da pesquisa. Nós entrevistamos o Drexler, que iniciou essa discussão lá nos anos 80.
Dito isso, vou falar sobre a composição desse grupo de trabalho.
Havia cientistas, um grupo de consumidores, grupos ambientalistas, uma
grande variedade de pessoas representadas nesse Comitê, que chegaram à
mesma conclusão – e não apenas os cientistas. O consenso das opiniões de
diversos grupos da sociedade nesse assunto foi de que não deve haver
moratória, porém – sempre há um “porém” –, a falta de evidências a
respeito do risco à saúde colocado por nanopartículas e nanotubos está
causando um alto grau de incerteza na população, entre aqueles que já
ouviram falar em Nanotecnologia. Há muitas pessoas usando cosméticos
ou filtros solares que contêm nanopartículas e simplesmente desconhecem
53
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
que elas estão lá. Chegamos à conclusão de que os aspectos sociais e éticos
têm de ser mais estudados e de que é necessário desenvolver mais pesquisas a respeito das atitudes do público em relação à tecnologia.
Quais são as recomendações? Talvez sejam específicas para o Reino Unido, mas algo se aproveita para a área internacional também. Nós
decidimos nesse comitê que, na medida em que Centros de Pesquisa estão
financiando pesquisas em Nanotecnologia, tem de haver um outro elemento nesse programa de pesquisa e desenvolvimento em que o foco deve estar
em tentar entender a toxicidade, a epidemiologia, a persistência, a bioacumulação dessas nanopartículas. É necessário criar um banco de dados
com toda essa informação e fazer uma ligação com os regulamentadores,
envolvendo uma atividade internacional também. Isso é um objetivo que
existe nos Estados Unidos e na Europa, é um assunto mundial e nos
parece que deve haver tentativas de coordenar esses esforços internacionalmente. No momento, a Organisation for Economic Cooperation and
Development (OECD) está analisando isso, está considerando a possibilidade de criar um programa internacional nessa área.
Estamos chegando agora à parte final do relatório. Até que mais
coisas se saibam sobre o impacto ambiental de nanopartículas, elas devem
ser reduzidas ou removidas do meio ambiente. Não deve haver nenhuma
liberação intencional delas no meio ambiente até que seja estabelecido que
os seus benefícios realmente pesam mais que quaisquer efeitos adversos. A
indústria deve avaliar o risco da liberação de nanopartículas dos produtos
durante o ciclo de vida deles. Alguns exemplos do cotidiano: na fabricação
de pneus com nanotubos, é preciso saber o que acontece com esses
nanotubos, se eles estão sendo liberados para a atmosfera durante o atrito
dos pneus, se estão afetando o meio ambiente; ou ainda: se a tinta com que
são pintados os carros contêm nanopartículas, estas serão liberadas para o
meio ambiente? O que acontece durante todo o ciclo de vida do produto?
É responsabilidade dos fabricantes estudar isso.
Outra coisa a remarcar é que nem todos os dados relacionados à
avaliação da saúde são colocados no domínio público. Isso pode parecer
senso comum, mas nota-se que os fabricantes querem manter as informações para si mesmos. Por isso, toda avaliação em relação à segurança deve
ser divulgada.
54
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
As substâncias químicas na forma de nanopartículas devem ser tratadas como novas substâncias. Isso é o que os órgãos regulamentadores na
Europa estão dizendo. Basicamente, o ponto é o seguinte: dióxido de titânio
é uma partícula microscópica diferente de uma nanopartícula de dióxido
de titânio. Elas possuem propriedades químicas diversas, por isso a
nanopartícula deve ser considerada uma nova substância química. Os executivos de saúde e segurança que regulamentam o local de trabalho têm de
inspecionar o número de nanopartículas, em termos de exposição. Esse
fator é importante, mas, até o momento, os regulamentadores trataram
apenas do efeito de certa massa de nanopartícula, em parte devido à inabilidade técnica de medir nanopartículas. Somente nos últimos anos se tornou possível medir rotineiramente o tamanho delas. Se não for o caso, faz
sentido começar a basear a regulamentação no tamanho, porque isso é o
mais importante. Existe um aspecto relativo aos procedimentos de regulamentação que estão superando uma liberação acidental, mas isso não é
adequado, e há um outro sobre medição de nanopartículas.
Achamos que os métodos técnicos utilizados atualmente para avaliar a segurança de nanopartículas ou para medi-las é inadequado. Que
dizer de nanopartículas de produtos para o consumidor? Os ingredientes
em forma de nanopartículas devem ser totalmente avaliados antes de serem usados em produtos. Não se pode simplesmente aplicar nanopartículas em um produto e colocá-lo no mercado, por isso recomendo que uma
avaliação completa da segurança seja feita.
Dessa pesquisa feita ao longo de um ano, o que eu tenho de enfatizar
aqui é que não encontramos nenhuma evidência de que qualquer produto
existente no mercado contendo nanopartículas tenha causado algum perigo. Mas, ao mesmo tempo, não estamos convencidos de que toda a ampla
gama de avaliação dos produtos foi feita. As pessoas devem começar a
fazer esse tipo de avaliação agora.
Os fabricantes devem publicar detalhes das metodologias que utilizam na avaliação da segurança dos seus produtos. Não é suficiente dizer:
“fizemos os testes” e fazer parecer que está tudo certo. Nós queremos
saber qual foi a metodologia empregada, a fim de que ela também seja
avaliada, para o público em geral ter acesso a isso. As listas de ingredientes devem identificar a presença de nanopartículas componentes. Por exem55
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
plo, o consumidor de um material de limpeza deve ter o direito de saber se
existem ali nanopartículas ou não. É só uma questão de fazer constar no
rótulo; pode ser que a maioria da população sequer leia o que está nele e
não esteja interessada nisso, mesmo assim, achamos que esse é um ponto
importante, o princípio de que esses ingredientes deveriam também constar na composição do material.
A Comissão Européia indicou que deverá rever a adequabilidade
dos regimes de regulamentação, dando prioridade a todo esse assunto de
segurança de nanopartículas em produtos ao consumidor. Há também uma
questão sobre o Departamento de Saúde no Reino Unido, que deveria
rever a regulamentação dos novos dispositivos para os tratamentos médicos. Sabe-se que implantes começam a se quebrar, a se partir; especialmente se houver nanopartículas, elas vão transitar para órgãos diferentes
do corpo humano, e ninguém sabe o que vai ocorrer a partir daí. Conforme já mencionei, os fabricantes de produtos, com essa regulamentação,
deverão dizer que estes contêm nanopartículas. Voltando ao exemplo já
citado, deve-se saber, ao pegar um pneu cheio de nanopartículas, o que
fazer com aquele pneu. Não podemos jogá-lo em um aterro sanitário, alguém terá de conhecer um método bom de dispor ou de descartar aquele
material.
As conclusões são as seguintes: a Nanotecnologia tem a vantagem de
fornecer um benefício social e econômico enorme, não podemos perder isso
de vista; os riscos de nanopartículas manufaturadas ao ambiente e à saúde
são bastante desconhecidos e é preciso fazer muita pesquisa para realmente
estabelecer quais são as considerações a serem feitas; não há justificativas
para banir a Nanotecnologia, mas sim para prossegui-la com cautela razoável; por último, não acho que a Nanotecnologia seja especial, como em todas
as novas tecnologias – eu enfatizo isso – tem de haver um diálogo com o
público de forma adequada. Termino aqui. Muito obrigado. [Palmas].
Prof. Dr. Sedi Hirano – Eu gostaria agora de convidar para os
comentários o Prof. Dr. Marcos Mattedi, diretor do IPS-Furb, e o Prof.
Dr. Kenneth Gould, da Universidade Saint Lawrence, em Nova York,
Estados Unidos.
56
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
Prof. Dr. Marcos Mattedi – Eu não posso evitar de falar como
leigo, mas talvez isso tenha alguma vantagem. Quando a gente acompanha um debate nacional ou internacional sobre a Nanociência e a Nanotecnologia, é possível identificar dois discursos: o discurso que enfatiza os
lados positivos – de repente, o futuro do Brasil passa aqui pela Nanotecnologia e nós descobrimos isso de uma forma muito peremptória em uma
exposição – e, ao mesmo tempo, existe o discurso que destaca os lados
negativos. Desse modo, a minha grande indagação é: o que a opinião
pública, o que a sociedade brasileira – extremamente desigual, construída
de uma forma extremamente dura – precisa fazer para se proteger do nanootimismo e do nanopessimismo? Além disso, qual o papel do princípio de
precaução como instrumento de enfrentar esse tipo de controvérsia? Como
se proteger dos discursos especialistas, tanto a favor quanto contra? Qual
é o papel das Ciências Humanas nesse processo? Quando medimos o
conjunto de informações disponíveis sobre a Nanotecnologia e a Nanociência, vemos que existe uma desproporcionalidade muito grande, entre o
que é produzido nas Ciências Naturais, nas Engenharias e o que é produzido nas Ciências Sociais. Como as Ciências Humanas poderiam contribuir para enfrentar esse tipo de controvérsia?
Prof. Dr. Sedi Hirano – Ouvimos o segundo comentarista e
respondemos em bloco. Sim, Kenneth.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Muito obrigado por me permitirem
falar hoje. Tenho poucos comentários e queria começar dizendo que não
sou avesso a riscos, mas sou avesso a autoritarismo e meus comentários são
influenciados por isso. Algumas coisas que o Dr. Mendes [Prof. Dr. Alfredo
de Sousa Mendes] mencionou são muito importantes, por exemplo, quando ele disse que os setores que não se envolverem com a Nanotecnologia
arriscam-se a ser escravizados por grandes países que a desenvolvem com
muita rapidez. Os países industriais do Norte determinam o curso da trajetória tecnológica mundial, e os países do Sul são obrigados a seguir isso
ou têm de correr muito rápido para não ficarem para trás, pois, do contrário, sofrerão uma desvantagem competitiva devido às pressões do mercado.
57
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Isso move as agências e o governo daqui a estabelecerem as suas próprias
trajetórias tecnológicas e seu próprio futuro, que tradicionalmente é determinado pelo Norte. Certamente é um problema para as nações que querem
obter uma participação democrática dos cidadãos para o seu futuro.
Eliane Moreira falou sobre o discurso legitimador, do que eu pretendo tratar também amanhã, em termos de como se vende uma tecnologia. Ela disse que há pouca regulamentação em Nanotecnologia; eu diria
que já está um pouco tarde para começar a regulamentá-la. A pesquisa, o
desenvolvimento, a agenda e as prioridades já foram definidos, de uma
forma bastante antidemocrática, sem o envolvimento do público. Mencionamos aqui a ignorância deste, que não foi introduzido nessas questões até
o momento – por isso nos perguntamos: qual é o significado de governança
democrática?
Também ouvimos dessa palestrante que os impactos, sejam intencionais ou não, são de responsabilidade dos produtores; ou seja, haja ou
não intenções, o produtor é responsável. Mas quem é o produtor, a
corporação transnacional, o Estado? Quem são os cientistas e engenheiros
que são empregados pelas corporações ou pelo Estado? A pesquisa, tanto
a básica quanto a aplicada, e o desenvolvimento empregam agências humanas. Tudo isso levanta a questão sobre quanta força social os trabalhadores cidadãos colocam nos produtores e promotores da tecnologia. A
Mestre Moreira também mencionou que temos de analisar o passado recente para avaliar o futuro da regulamentação, que a performance do passado é um bom indicador da performance do futuro. Pensamos em termos
de regulamentação: a performance do passado é abismal, o que não é
muito bom para se basear em termos do futuro da regulamentação. Eliane
Moreira também disse que nenhuma tecnologia poderia resolver os problemas sociais endêmicos. Esse é um ponto muito importante, mas não há
consertos tecnológicos para problemas estruturais da sociedade. Por isso,
devemos ter muito cuidado ao ouvirmos os discursos legitimadores mencionados, os quais ela afirmou que existem, usando a noção de que a tecnologia pode resolver esses problemas. A tecnologia não tem nenhum
registro histórico constatando ter feito isso.
Em referência à palestra do Dr. Ryan, tentarei não falar durante
muito tempo. Achamos que devemos ter muito cuidado com o uso da lingua58
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
gem. Temos a linguagem que fala de oportunidades e incertezas, o que implica dizer que as oportunidades, os benefícios são certos e que os riscos são
incertos. Acabamos falando sobre riscos, pois as incertezas falam sobre riscos, mas em nenhum momento tratou-se sobre custos. Não há custo social
debatido aqui, na discussão de oportunidades e incertezas, mas toda inovação tecnológica traz benefícios sociais e custos sociais. A menos que estejamos dispostos a falar sobre custos sociais, quem se beneficia e quem perde,
quem paga esse custo, não pode haver uma discussão honesta sobre os prós
e os contras dessa tecnologia. Também existe a intenção de trazer o público,
com os cientistas e os engenheiros para ela, e aliar-se às transnacionais para
as quais trabalham. Não acredito que a meta de uma democracia ou de uma
consulta democrática seja levar o público para a decisão tomada em agências
do governo ou científicas; ao contrário, o público deve determinar o curso e
o desenvolvimento da pesquisa, e não simplesmente ser trazido para a agenda de outra instituição ou, enfim, de alguma pesquisa.
Também se falou de aversão ao risco. Eu diria que a democracia e
a regulamentação não lhe são avessas. Os trabalhadores, no início da Revolução Industrial, tinham aversão a riscos, uma vez que podiam ter braços
e pernas cortados em processos industriais, mas eles puderam fazer pressão para que a regulamentação fosse realizada. Eu não diria que a aversão
a riscos é realmente uma coisa negativa, embora eu não seja, em geral,
avesso a eles. O público também não é avesso a riscos, ele os assume o
tempo todo; o que eu noto é uma resistência pública. Quando se vê uma
democracia ativada, então se pode classificar de aversão a riscos. Talvez
ele seja avesso à confiança, devido a experiências anteriores, por algum
motivo desconhecido; o público em geral não gosta de confiar em corporações transnacionais e no Estado para decidir o que é melhor para os cidadãos trabalhadores. Portanto, eu diria que a aversão aos riscos, na verdade,
é uma inclinação democrática em vez de algo negativo.
Por último, eu gostaria de enfatizar que, ao falar de cientistas e
engenheiros, em corporações e Estados que os empregam; de trabalhar
para informar o público, isto é, envolvê-lo e consultá-lo, eu não acredito
que haja ou que deva haver um input democrático das agências do Estado,
que o público deva controlar isso. Até que ponto devemos controlar as
pessoas que desenvolvem tecnologias, para que sejam a nossa fonte de
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
informação a respeito da própria tecnologia? E isso é um problema sério
para nós, porque aqueles que entendem melhor a tecnologia são francamente os que a promovem com mais entusiasmo, por isso, que grau de
confiança se pode ter na avaliação deles, do custo e do benefício, quando
se nos pede para decidir? Nós vamos liberar esses elementos na sociedade,
no meio ambiente quando se determinar que os benefícios serão maiores
do que, não dizemos os custos, mas sim as incertezas; quando for decidido
quem irá definir aqueles que receberão os benefícios e quem pagará o
custo. Muito obrigado. [Palmas].
Prof. Dr. Sedi Hirano – Por ordem de apresentação, darei a
palavra ao Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes, depois para Eliane Moreira
e, posteriormente, para o Dr. John Ryan.
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes – Um ponto que eu me
esqueci de comentar na minha apresentação diz respeito ao motivo pelo
qual o país precisa acompanhar a Nano: é o problema da obsolescência
dos produtos. Vou dar um exemplo: recentemente, os japoneses desenvolveram um desinfetante à base de nanopartículas de ouro. Esse desinfetante tem propriedades sépticas 10 ou 20 vezes maiores do que os desinfetantes
comuns e o preço é competitivo. Ora, é evidente que a dona de casa vai
optar por um desinfetante de qualidade melhor. Isso ameaça, no caso,
aqueles que estão produzindo desinfetantes e não estão incorporando essa
nova tecnologia.
Um outro exemplo: em uma seqüência de equipamentos, um
espectrômetro, equipamento para identificação da massa de elétrons – que
começa do tamanho de uma sala e termina do tamanho de uma moeda –
desenvolvido pelos coreanos, permite análises biológicas em tempo rápido,
bastando para isso ter uma gotinha de sangue. Quem está pensando em
montar um laboratório de análises biológicas tem de estar atento a isso,
para que não comece já com laboratório obsoleto.
Na área biomédica temos nichos importantes. Quando o Professor
Kenneth Gould disse que o [...] deve determinar o curso da pesquisa, de
certa forma eu concordo. Por exemplo, na área da região Amazônica nós
temos um problema sério de doenças endêmicas, como a leishmaniose, a
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
malária, a tuberculose, sobre as quais a Nano vem atuando de forma muito interessante, de resultados muito promissores. Na área de fármacos e
vacinas temos alcançado resultados bastante promissores. Provavelmente
Nelson Duran deverá falar amanhã sobre a rede de Nanobiotecnologia,
então, tocará nesse assunto. Isso sem falar na área de fármacos, nós temos
toda a biodiversidade da Amazônia e isso pode ser muito bem explorado
na área.
Penso que o professor John Ryan lançou as bases para um trabalho
interativo, com a comunidade e com a academia, e acho que a rede certamente cuidará muito bem dessa parte. A nossa é uma coordenação de
gestão, implantamos a política definida pela Secretaria e estamos agora
começando a adquirir competência nessa área. Estamos todos nós num
barco muito no começo. Espero contribuir para que todos esses problemas
colocados hoje aqui possam vir a ser bem atendidos ao longo do trabalho
de implementação do programa.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Eliane Moreira.
Eliane Moreira – Agradeço principalmente a qualidade do debate. Tentarei responder da melhor forma possível. Achei muito interessante o
comentário do Dr. Marcos Mattedi a respeito da questão do nanopessimismo
e do nanotimismo. Sem dúvida, esse é um desafio, e aqui volto mais uma vez
a dizer que a gente tem de enfrentá-lo como um aprendizado, sobretudo do
que ocorreu realmente na área dos geneticamente modificados, em que o
grande problema está no desnível dessas colocações.
Acredito que o princípio da precaução não deve ser visto como um
nanopessimismo, nem como condição para isso. É importante aqui fazer
um esclarecimento, porque de forma repetida se ouve uma interpretação
equivocada do que seja o princípio da precaução. Muitos utilizaram, dentro dessa polarização pessimista e otimista, o princípio da precaução como
o argumento para não o poder fazer. O princípio da precaução não é isso,
jamais versou sobre isso. O princípio da precaução diz que, perante a
ausência de evidências científicas que comprovem não existirem riscos, é
obrigação do poder público tomar medidas necessárias para evitá-los ou
mitigá-los. Essa é a dicção desse princípio e em hora nenhuma se diz não
61
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
fazer, diz-se que é preciso ter condições para fazer. Eu acho que aqui
certamente ele precisará ser aplicado, muito embora haja um desafio à
implementação efetiva desse princípio no Brasil. Nós não podemos esquecer que a questão sobre a soja – eu me refiro à soja RR – se baseou na
discussão sobre a aplicação do princípio da precaução. A sentença prudente do juiz que exalou na 6a Vara essa decisão judicial versa sobre a
aplicação e a efetivação desse princípio no Brasil. Não preciso dizer que,
como a gente diz na minha terra (eu sou do Pará), a edição de medidas
provisórias “em paneiro” – “em paneiro” significa, assim como vocês falam aqui em São Paulo na feira, “em baciada”, como se você pudesse
juntar tudo e dizer que tudo é igual – sem dúvida sobrepujou esse princípio. Desse modo, é óbvio que eu tenho como pressuposto a aplicação dele.
O papel das Ciências Sociais é construir essas pontes, participar
desse diálogo e integrá-lo. Quero dizer que eu não me considero uma
nanopessimista, mas o papel do advogado é refletir sobre as implicações
de qualquer atividade humana, não só das novas tecnologias, e também
sobre as limitações que precisam existir a essas atividades.
O outro debatedor falou bastante aqui sobre a pouca regulamentação
e já é tarde para o avanço, considerando a situação em que nós nos encontramos. Essa é uma característica do Brasil e a do Direito é correr sempre atrás
dos fatos sociais. No Brasil, nós somos especialistas nisso. As regulamentações, de fato, vêm muito tardiamente. Eu não sei dizer se é preciso uma lei
nova, acho que os especialistas, em um amplo diálogo com todas as áreas do
conhecimento e com a sociedade civil, precisam refletir sobre a necessidade
de um novo marco regulatório, refiro-me a uma lei mesmo, nesse âmbito. Ou
seja, leis esparsas existem e aqui se aplicam. Confesso que hoje, depois dessa
experiência recente com o projeto de Lei de Biossegurança, tenho muito
medo de qualquer nova regulamentação sobre as novas tecnologias em nosso
país, mas efetivamente o Congresso Nacional começa a se mover em torno
disso e é preciso enfrentar esse diálogo, essa realidade. Responsabilidade de
quem? Já que a responsabilidade objetiva independe de culpa – isso não sou
eu que digo, foi estabelecido pelo nosso novo Código Civil, vigente há pouco
tempo, o qual enfrentou a questão do risco dessa forma. Quem é responsável? É todo aquele que contribuiu diretamente para que o dano fosse ocasionado. É o que nós chamamos no sistema jurídico de responsabilidade
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
solidária, significa que a Justiça pode ir atrás de alguém que contribuiu ou
de todos, todos são igualmente responsáveis; mais do que isso, independentemente da existência de culpa. Esse é o sistema jurídico atual e é
assim que ele funciona.
Foi mencionada também a questão do passado recente. Eu acho
que é preciso analisar o passado recente do país para tratar desse problema. É óbvio que a questão da Nanotecnologia difere substancialmente da
biotecnologia moderna, mas os parâmetros constitucionais que vão servir
para essa reflexão não são tão díspares; do ponto de vista legal as questões
terminam se amoldando, como tratar o risco e o risco do novo, talvez o
novo risco.
Concluo que é preciso, sim, envolver o público; eu já tinha tratado
desse fator, e eu digo mais: é necessário envolver efetivamente o público.
Sobre a argumentação de que o público vinha sendo relacionado em outras áreas que promovem ou podem promover impactos, se constituíram
falsas representações. É preciso, inclusive, refletir sobre a representatividade
dentro da discussão; é importante pensar como se fará esse amplo diálogo
e que, mais uma vez, usando como paralelo a CTNBio, as representações
da sociedade civil, embora existissem dentro da comissão como defesa do
órgão do consumidor, não se viram efetivamente representadas. Portanto,
sobre a forma de representatividade, também é preciso refletir. Muito obrigada. [Palmas].
Prof. Dr. John Ryan – Eu gostaria de tratar de diversos pontos,
talvez eu possa começar por responder ao comentário feito sobre o consumidor não estar adequadamente representado nas pesquisas. Uma pessoa
da associação de consumidores dos Estados Unidos era membro do nosso
comitê e, por ela, penso que os consumidores estavam sendo representados
no mais alto nível; houve workshops específicos, nos quais consumidores e
grupos de consumidores estavam envolvidos. Dessa maneira, a opinião
dos consumidores foi levada em consideração e a sua participação, relevada. Vou estender o assunto.
Em primeiro lugar, eu gostaria de falar da participação do público.
Não deveríamos subestimar a dificuldade desse processo. Existe uma grande
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
lacuna de conhecimento, a ciência pode ser muito complexa, pode ser muito
difícil os cientistas explicarem o que eles estão tentando fazer e como eles
podem justificar alguma das alegações em termos dos efeitos positivos das
suas tecnologias. Por isso, há uma grande dificuldade aqui de comunicar a
ciência e a forma como as pessoas podem entender, sem serem manipuladas
pelos cientistas e engenheiros que estão fornecendo a informação. Eu não
tenho nenhuma resposta pronta para isso, exceto que tem de haver um aumento de conscientização da população, do público em geral a respeito de
assuntos científicos. Isso não diz respeito só à Nanotecnologia, isso pode
envolver as células-tronco ou qualquer aspecto da biomedicina – hoje ouvimos neste seminário que existe uma variedade deles. Mas eu acredito que há
uma oportunidade no momento de a comunidade científica fazer esforços
maiores, a fim de se tornar participante nesse diálogo com o público, envolvendo-o em algumas das suas decisões. É um processo difícil, no entanto.
Em segundo lugar, quero falar sobre o controle político. Eu trabalho no setor público, todo o dinheiro que gasto é, na verdade, o dinheiro
público. Esse dinheiro nos é dado por agências do governo como o CNPq,
entre outras agências brasileiras. O governo é eleito e são as autoridades
que tomam essas decisões, é assim que funciona a nossa democracia. É
importante que os políticos, bem como o público em geral, se familiarizem
com os assuntos científicos. Recentemente eu falei de uma participação
maior na discussão destes assuntos, no nosso Parlamento no Reino Unido, defendi que o ministro responsável por tomar essas decisões sobre gastos públicos deveria ser um membro do Gabinet, ou seja, um grupo interno
de políticos responsável pelo governo do país, no nível mais alto. Sugeri
isso porque é somente por dar uma importância política alta a esses assuntos que os políticos normais vão começar a participar desses debates, dessa
discussão. A ciência e os aspectos técnicos tendem a ser colocados de lado
por políticos eleitos como um todo, e esse é um assunto sobre o qual a
gente tem de fazer algo a respeito.
Falando sobre a regulamentação, eu não sou tão pessimista a ponto
de dizer que é tarde demais. Eu acho que estamos no início da Nanotecnologia, estamos trabalhando há poucos anos, os produtos que estão sendo
produzidos e colocados no mercado no momento são os tipos mais simples
de tecnologia e acredito que ainda há muito tempo agora para fazer o
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
trabalho necessário para avaliar os riscos e sinalizar os perigos, se houver
algum para a sociedade. Não quero, de fato, polarizar demais isso aqui,
pois a polarização causa problemas, e vimos com os geneticamente modificados que ela faz com que os assuntos científicos fiquem obscuros. Vai
levar algum tempo, até que os aspectos científicos, os prós e os contras da
tecnologia da manipulação genética sejam amplamente conhecidos.
Por último, eu gostaria de falar de um ponto genérico. Mencionei
na minha apresentação e quero repetir aqui o seguinte: creio que a Nanotecnologia não é uma coisa muito especial; todos os comentários que ouvimos sobre regulamentação, governança, participação política, democracia
se aplicam a qualquer tecnologia. Qualquer nova tecnologia deve ser analisada, escrutinada dessa maneira e realmente não vejo a Nanotecnologia
de modo diferente. Com isso eu termino os meus comentários. Obrigado.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Abrimos o debate ao público.
1o participante – Eu gostaria de introduzir duas reflexões, uma
com o Dr. Alfredo e outra com a Mestre Eliane Moreira. Dr. Alfredo, o
reconhecimento de que a Nanotecnologia oferece riscos me parece um fato
claro entre todos os debatedores. A minha pergunta é: esses projetos financiados pelo MCT, nesse edital de desenvolvimento científico e tecnológico, levaram em consideração a segurança desses laboratórios, os
procedimentos de segurança? Quem fiscaliza esses procedimentos laboratoriais? Nós estamos falando de uma tecnologia de risco. A minha pergunta é, efetivamente, esse laboratório tem padrão de segurança, segue as
normas de segurança?
A Mestre Eliane Moreira comentou que, olhando o banco de patentes do INPI, ela viu patentes relacionadas à Nanotecnologia. No Brasil, a lei de patentes foi alterada. Atualmente, na área de saúde, pelo que
eu sei, é preciso a anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) para liberar essas patentes. Nesse caso específico, se nós considerássemos esses cosméticos e medicamentos, nós estaríamos com uma
norma que poderia, ou melhor, com mais um olhar para a segurança desse
consumidor. Concorda ou não? A minha pergunta é: essas patentes que
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
foram concedidas para cosméticos, elas passaram pela anuência da Anvisa?
Ou, no caso, o Ministério da Saúde considera que cosmético não é medicamento e aí passa direto, sem essa análise da Anvisa? Com relação à sua
observação sobre os transgênicos no Brasil, de que não respeitaram legislações ambientais nem o princípio da precaução, de que não respeitaram
nenhuma das legislações, eu concordo em parte, com a Mestre. No Brasil,
a introdução de transgênicos não respeitou as legislações ambientais e de
saúde, mas a legislação de propriedade intelectual foi respeitada e, aliás,
muito bem respeitada. Só este ano, os gaúchos estão pagando R$ 50 milhões de royalties, por uma semente que a empresa nem vendeu. Por isso,
eu não acho que são todas as leis, algumas não são respeitadas, mas outras
me parecem que estão sendo muito bem seguidas.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Eu gostaria de colher mais duas perguntas para os membros da mesa.
2o participante – Em primeiro lugar, agradeço ao Professor Sedi
a oportunidade de participar deste seminário. Ele vem conduzido a FFLCH
de modo digno, e eu me considero um fruto autêntico dessa instituição,
onde estou há muitos anos.
Eu começaria pela Mestre Eliane Moreira. Entre o pessimismo e o
otimismo não seria melhor a via realista? Rigorosamente realista, ou seja,
a tecnologia é necessária e inevitável, no entanto, seus benefícios devem ser
sempre socializados – como bom socialista, eu sei disso. Acredito que no
mundo futuro, no qual a transição para o socialismo está em vias de conclusão, esta Nanotecnologia deveria servir à humanidade de modo mais
eficaz e possível e, assim, o nosso programa espacial, que tem tantas derrotas acumuladas, agora talvez decole com essa nova tecnologia e possamos
enviar um homem ao espaço. Bem, seria isso.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Por favor, Paulo.
Dr. Paulo Martins – Gostaria de propor uma questão a cada um
dos palestrantes. Ao Dr. Alfredo, eu faria uma questão institucional, mas
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
não sei se ele está habilitado a responder ou não – se não estiver não há
nenhum problema. No ano passado, o Ministério da Ciência e Tecnologia
fez uma consulta pública, da qual várias pessoas participaram, inclusive
eu. No entanto, aqueles que participaram não receberam, acho eu – pelo
menos eu não recebi –, nenhuma deliberação, nenhuma análise do Ministério, nenhum resultado que o Ministério teria produzido com essa consulta pública. Então, para mim, ficou o seguinte: eu acho muito importante
esse instrumento de consulta pública para que ele seja desprestigiado; em
um segundo momento, se ele for utilizado, as pessoas já terão aquela primeira vez como experiência, de que participaram ou não e, no final, acabaram sendo a mesma coisa porque não obtêm resposta da instituição que o
propôs. Portanto, a minha questão é sobre essa consulta pública.
Do Professor John Ryan, eu gostaria de saber se existe, no âmbito
da Nanotecnologia, alguma experiência ou alguma produção científica que
poderia ser equiparada ao software livre, ou todas as pesquisas em Nano
acabam por redundar em patentes? Um fator importante seria verificar a
possibilidade de haver também pela Nanotecnologia algo que seja apropriado de forma livre, dado que foi produzida com recursos públicos, e de
as instituições públicas também induzirem pesquisas nessa direção.
À Professora Eliane Moreira, gostaria de solicitar uma reflexão –
já que expressou o seu nanopessimismo em novas regulamentações nesse
campo da segurança, nanossegurança etc. –, enfim, ouvir uma reflexão do
que é que seriam algumas condições necessárias para que um possível
arcabouço jurídico de regulamentação nesse campo deveria contemplar.
Evidentemente, a palestrante já se referiu a uma série de leis, à própria
Constituição – a lei máxima que todos devemos ter em conta –, mas, na
sua reflexão, o que a gente deveria observar, ao analisar as propostas, a fim
de identificar as condições mínimas para que elas pudessem ser levadas
adiante num processo efetivamente de discussão coletiva?
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes – As próximas apresentações deverão abordar aspectos mais técnicos das aplicações da Nanotecnologia. Um dado interessante é que, nos últimos 50 anos do século
passado, o governo brasileiro investiu maciçamente no ensino e na pesquisa, a ponto de promover conhecimento com mérito no mundo todo. O
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Brasil atual é um grande produtor de ciência e tem suas instalações muito
bem equipadas para promover esse conhecimento, o qual exige condições
ideais de pesquisa.
Eu não tive a oportunidade de visitar muitos laboratórios que desenvolvem a Nano, mas os poucos que eu visitei são muito bem estruturados.
Na área de semicondutores, por exemplo, o Brasil dispõe de salas limpas
para fazer todo o trabalho. Essa preocupação talvez proceda quando estamos
diante de um processo mais industrial, mas, enquanto se está em nível de
bancada, não será zero ou um miligrama de nanopó que comprometerá a
saúde de qualquer pessoa; além disso, os laboratórios têm largo aparato
para o lixo químico produzido e, enfim, isso realmente não seria motivo de
preocupação.
Com relação à consulta pública essa resposta está no livro que tenho aqui na minha mala. Com essa mudança de Secretaria – foram três as
secretarias que o Ministério assistiu em menos de um ano – houve um
retardamento na conclusão desse trabalho. Eu tenho toda a informação da
consulta, isso está disponível, o que fizemos foi agradecer, por enquanto,
mas essa consolidação do documento do programa e a consulta pública
ficaram dependendo muito de uma adequação da política industrial e
tecnológica do comércio exterior. Espero que, uma vez concluídas as principais ações de apoio à Nano, possamos retomar a consolidação desse
documento, já talvez sob a ótica de uma nova Secretaria de políticas. Está
no livro, depois, se o Dr. Paulo R. Martins quiser, posso mostrar.
Eliane Moreira – Muito bem, há três perguntas para mim. Sílvio, como sempre provocador, já tive a oportunidade de estar nessa situação de inquirição por ele, o que é muito enriquecedor. Antes de abordar as
perguntas que me foram feitas, eu queria prestar um esclarecimento. Acho
que não ficou claro, na minha intervenção anterior, quando eu disse que o
consumidor efetivamente, não se sentia representado; eu me referia à
CTNBio, porque, de fato, as associações de defesa ao consumidor encaminharam vários documentos ressaltando isso, não só para o Ministério de
Ciência e Tecnologia, como também para diversos setores do governo e
para o próprio Palácio do Planalto. Aí a minha referência é exclusiva à
CTNBio, a comissão brasileira e o processo no Brasil.
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
Quanto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), às
patentes em Nanotecnologia, há alguém aqui na platéia, a Dra. Cláudia
Chamas, que é uma grande especialista na área de propriedade intelectual
e possuiu um projeto nessa área. Talvez ela queira complementar um pouco mais. Da minha parte, eu já digo que não sei se a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisou essas patentes, não tenho ciência disso.
Sem dúvida, é de se inquirir como o Ministério da Saúde se posicionará
em relação também a essa nova tecnologia, qual será o mecanismo. De
toda forma, a avaliação da Anvisa se refere à área de fármacos, prévia à
concessão de patentes no Brasil, e tem sido objeto de algum desconforto
perante o acordo tríplice, por se entender que isso acrescentaria mais uma
exigência aos quesitos substanciais da patente que são novidades, atividade inventiva e aplicação industrial. Então, Sílvio Valle, concretamente eu
não sei dizer, e por isso lhe devolvo a pergunta [...] com o Ministério da
Saúde, a fim de que se faça essa pesquisa perante a Anvisa a fim de saber
como é que ocorre o processo de registro, se ela segue o processo de concessão de patentes.
De fato, eu dizia que as leis que tratam da salvaguarda dos direitos
do cidadão foram desprezadas no processo de aprovação, sobretudo no
que se refere à soja RR. Afirmo isso porque não existiu a avaliação de
impacto ambiental e até hoje não existe a rotulagem. Por exemplo, eu tenho em casa uma “pérola”, um vidro de óleo de soja rotulado com a inscrição “Livre de Transgênicos”, como se o produto efetivamente guardasse
algum rastro de transgenia; esse rótulo informa duplamente mal o consumidor e infringe o Código de Defesa do Consumidor.
Sobre as salvaguardas, existiu sim um desprezo aos direitos do cidadão. Obviamente, no que se refere à cobrança de royalties, está funcionando muito bem. A tecnologia é necessária e inevitável, uma vez que
serve à humanidade. A respeito da afirmação anterior do nosso colega,
sem dúvida alguma, eu não quero ser enquadrada como uma nanopessimista, eu quero apenas que se pense sob todas as óticas que essas matérias
novas demandam. Desse modo, eu defendo a necessidade de se pensar em
mecanismos de amortecimento ou mesmo de regulação, porque, na verdade, o que se tem como elemento questionador é como se vai dar a distribuição de benefícios e de ônus dessas novas tecnologias e a necessidade de
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
efetiva inclusão social; ou seja, que efetivamente o bom dessas tecnologias
chegue para todos e os ônus tenham o seu débito, conforme os parâmetros
da justiça social.
“Quais as condições necessárias para uma regulamentação?” Assim,
à queima-roupa, é muito difícil pensar nisso. Se a pergunta fosse “o que é
necessário?”, primeiro seria preciso saber se essa é uma opção do país. Não
dá mais para a gente pensar em leis que não refletem políticas públicas. Este
país é pleno de leis que não ressoam efetivamente no âmbito das políticas
públicas. Eu diria que é crucial, sim, ao princípio da precaução, estabelecer
mecanismos de controle social e é fundamental que se tenha em mente que a
tomada de decisão também precisa expressar a complexidade, ela não pode
ser simplificada de uma forma açodada. É preciso avaliar riscos e benefícios,
potencializando os riscos e diminuindo e evitando os benefícios. É necessário ter mecanismos de distribuição dos benefícios e avaliar os riscos em todos
os passos do desenvolvimento científico e tecnológico.
Fazendo referência ao que o palestrante anterior falou, acho que também na pesquisa é preciso refletir sobre as possibilidades do impacto, porque
eles existem. Ela não está alheia à possibilidade de ocasionar impacto, e isso
também nos é ensinado pela biossegurança. Na CTNBio, é muito comum
haver procedimentos de correção de processos dentro dos laboratórios, no
âmbito da pesquisa básica, que muitas vezes precisam ser adequados do
ponto de vista da segurança, do local onde eles estão sendo desenvolvidos,
preocupação essa que vai desde a segurança do trabalhador até como é feito
o descarte dos produtos. Portanto, inclusive nesse âmbito, é preciso pensar
sim, certamente, de uma forma que não... – eu odeio a palavra “engesse”,
porque, hoje em dia, em tudo o que se quer liberar geral se usa essa palavra:
“engessar” –, que não proíba o desenvolvimento, que não sirva de desestímulo,
mas que, por outro lado, resguarde os direitos do cidadão.
Prof. Dr. John Ryan – Gostaria de comentar a observação final
da Eliane, que espelha quase exatamente o que foi concluído no relatório
da Sociedade Real. Provavelmente, o ponto do desenvolvimento da Nanotecnologia que oferece risco potencial com nanopartículas é aquele em
que as pessoas com maior probabilidade de serem expostas ao problema
são as que estão trabalhando em laboratórios de pesquisa, e aí é que as
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
precauções têm de ser tomadas tão cedo quanto possível, mas não podem
ser regulamentadas. A pergunta foi feita sobre as agências de financiamento, se podem considerar o assunto segurança ao darem verbas para a
pesquisa. O problema é que o dinheiro, a verba é dada aos peritos e estes
tendem a saber sobre o assunto mais que os regulamentadores. Então,
como lidar com isso? Não é um assunto trivial, pequeno. Todos nós esperamos que os peritos, que sabem quais são os perigos em potencial, tomem
precauções. Se não for o caso, então tem de haver ação.
Sobre as questões do Paulo, a primeira coisa que ele perguntou foi
sobre feedback, a participante do processo de consulta. Nós pensamos muito
nisso quando estabelecemos nossa comissão. Sobre o nosso comitê, aqueles que nos acompanharam devem ter percebido: assim que a evidência foi
obtida, foi colocada no website, de acesso público, de modo que qualquer
pessoa podia ter acesso a ela, comentá-la e fazer parte do diálogo. Isso
começou no primeiro dia e achamos que foi muito importante colocar a
evidência à vista do público antes de a comissão ter chegado a uma conclusão. Foi um processo de participação contínua, que acabou levando a conclusões. Dito isso, concordo que realmente é necessário, quando se quer
ter esse tipo de consulta pública, realimentar o público, incentivando o
diálogo.
Foi feita uma pergunta diretamente para mim a respeito de freeware. É claro que o contribuinte está investindo dinheiro em pesquisa nas
universidades, nas instituições, no país, será que ele não tem o direito de
receber algo de volta? Talvez seja o caso no Brasil; certamente é o caso no
Reino Unido e em outras partes do mundo, em que os governos investem
em pesquisa, e não em desenvolvimento de produto. O grande custo de
trazer uma tecnologia para o mercado está quase sempre no desenvolvimento do produto e é aí que o governo nunca, no passado, participou.
Talvez os governos tenham de começar a analisar esse aspecto, mas, no
presente, a situação é que os investigadores, as instituições têm os benefícios intelectuais; as empresas pegam isso, levam o produto até o mercado e
são elas que obtêm os benefícios em termos de retorno financeiro.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Por favor, o colega aqui na frente e
depois o colega lá ao fundo.
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
3o participante – Bom dia a todos. Primeiramente, é uma grande
satisfação estar de volta ao campus da USP, que fez parte da minha formação alguns anos atrás. Aproveitando a presença do Professor Sedi, eu gostaria de fazer três perguntas de caráter mais conceitual e teórico, a todos da
mesa, apesar das múltiplas e instigantes possibilidades do tema. A primeira
pergunta diz respeito a como lidar com o paradoxo entre os processos vitais
e biológicos, que tendem, ainda que de forma transitória, a buscar mecanismos mais estáveis; em contraste com o processo de desenvolvimento da ciência, que tende a gerar um ciclo de vida cada vez mais curto, seja no
conhecimento, seja, principalmente, na passagem do conhecimento para o
uso do produto, o qual tem como conseqüência direta a obsolescência planejada de muitas atividades que realiza. Minha pergunta é: como poderíamos
pensar e desenvolver uma ética do desenvolvimento que compatibilizasse
vida com conhecimento e aplicação do conhecimento?
A segunda pergunta recai sobre como lidar com democracia e conhecimento. O que se percebe é que, claramente, a geração de conhecimento, principalmente do conhecimento científico, é localizada em
determinados pólos mundiais. À medida que esse conhecimento é gerado
é muito pouco difundido; a ausência dessa difusão gera um enorme
desequilíbrio na capacidade de tomada de decisão entre os povos e muda
o conceito e a perspectiva de aplicação da idéia de democracia. Como
lidar com a discussão do gap informacional e os danos que ele causa para
as relações dentro de um país e entre este e os demais?
A terceira e última questão diz mais respeito ao meu campo de
trabalho e de atividade e aborda a necessidade de abrir uma discussão que
está submersa entre conceitos que são tratados como sinônimos, mas que
são profundamente diferentes. São os conceitos de “informação” e “comunicação”. O que se faz no mundo e o que se vê no mundo, especialmente
com o advento da hipermídia e da comunicação pela Internet, é um maciço de informação que se traduz cada vez menos em comunicação. Entendo
que a diferença entre os dois termos seja, de forma bastante primária e
simplista, e com o auxílio do mestre Aurélio: a informação é um recorte da
realidade, um pedaço de um dado da realidade, enquanto a comunicação,
por natureza, é a transposição desse dado da realidade de um pólo A para
um pólo B e, portanto, é um processo dinâmico que prevê assimilação. A
72
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
minha pergunta é: como lidar com esse crescente gap, com essa desresponsabilização gerada pelo maciço aumento da informação versus a baixa capacidade de comunicação, que contempla inclusive o desconhecimento das
realidades locais, dos saberes dos povos e que não prevê, condição fundamental, estudos de recepção, esses sim capazes de poder dizer no mundo e
no Brasil, qual a qualidade da apreensão dessa informação? Como nos comprometer com a capacidade da captura dessa informação transformada em
comunicação entre as pessoas e os povos? São essas questões.
4o participante – Bom dia. Eliane Moreira falou sobre a regulamentação do deputado Edson Duarte que está em trâmite, sobre a possibilidade de iniciar a CTNNano. Eu queria saber como é que o Dr. Alfredo
S. Mendes vê isso. Como uma comissão multiministerial? Porque acho
interessante não só o Ministério da Ciência, como também o Ministério do
Desenvolvimento colocarem muito mais força no marco regulatório. Como
isso é encarado atualmente?
Prof. Dr. Sedi Hirano – Eu gostaria de colher mais uma pergunta.
5o participante – Muito obrigado. Não se trata, porém, de uma
pergunta, mas vou trazer à tona mais uma questão. Foi citado que, à medida que se tem noção da consciência de algum valor, de alguma informação
preciosa, isso é colocado na Internet. Isso é importante, já que muitas
vezes o público não tem acesso a essas notícias. Muitas pessoas têm acesso
à rede, mas é uma parcela pequena da população. Isso traz à tona o que
um outro participante levantou. Acho válido que o público tenha acesso a
essas informações através dos meios de comunicação de massa. No entanto, freqüentemente o público não consegue discernir o que é lixo na Internet
e o que é informação preciosa.
Penso que o melhor caminho para isso é utilizar pessoas da área de
publicidade. Eu me enquadro nesse perfil, sou de uma agência de propaganda e temos a intenção, temos a preocupação de que o público saiba o
que está acontecendo. É importante que aquele que vá veicular informações sobre um produto que contém transgênicos ou produtos da Nanotec73
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nologia tenha conhecimento e saiba comunicar de uma forma adequada o
que é que o consumidor está comprando. Desse modo, eu acho que é
necessário trazer essa questão e o público precisa ter essas informações de
uma forma não só correta, como também bem veiculada.
Eu gostaria de sugerir aos grupos de ciência ligados à produção de
tecnologias, seja a Nanotecnologia, seja qualquer outra tecnologia atual,
que tenham a preocupação de colocar nas equipes, como já foi citado,
pessoas que veiculem isso conscientemente, divulgadores de ciência; enfim, pessoas que vão comunicar de forma profissional, porque é muito
importante que a população apóie o desenvolvimento da ciência. Hoje o
consumidor é um stake hold importante, ele pode pôr a perder todo um
trabalho desenvolvido em termos de ciência. Obrigado.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Dr. Alfredo, por favor.
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes – Vou seguir a seqüência
das perguntas. Com relação à ética, o último comitê que avaliou as propostas do edital decidiu que, para o próximo, deveria haver um outro de ética
acompanhando tal avaliação. A preocupação é exatamente com esse lado,
por isso o Ministério e o CNPq tomaram essa decisão. Desta vez foi feito
de uma forma mais simples, mas pretende-se estabelecer um pouco mais
de rigorosidade nisso futuramente.
Quanto à democracia do conhecimento e como lidar com isso, o
que estamos tentado fazer na coordenação é um portal. Gostaríamos que
ele representasse a porta de entrada da Nanotecnologia no Ministério, por
isso estamos procurando organizar as informações em diversos níveis e
disseminá-las na comunidade, seja ela a acadêmica, seja o setor produtivo,
seja a sociedade em geral. Isso é um trabalho que demanda muito tempo,
mas – se Deus quiser – nós conseguiremos um recurso adicional para
montar esse portal, que, aliás, pretende ser interativo também, da sociedade com a academia e com o setor produtivo. O Ministério tem uma Secretaria de inclusão social que visa produzir e universalizar o conhecimento.
Começou hoje [18.10.2004] a Semana Nacional de Tecnologia, da qual
todos os Estados estão participando, com estandes, apresentando uma
74
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
série de produtos, utensílios, pesquisas realizadas, atraindo não só a garotada do Ensino Fundamental e Médio, mas também um público de maior
grau de conhecimento.
A questão do colega de colocar uma comissão multiministerial foi
muito interessante. Veja bem, o programa começou com o Ministério da
Ciência e Tecnologia; se dermos uma olhada na National Nanotechnology,
uma iniciativa americana, nós notaremos que ela congrega mais de 15 instituições do governo: Ministério da Fazenda, Ministério da Saúde, Ministério
da Defesa, Ministério da Agricultura e assim por diante; mas observe-se
também que ela começou forte, com um aporte de recursos significante. A
proposta do programa é de que, à medida que cada Ministério identifique a
sua interface com a Nanotecnologia, cada um deles coloque uma ação no
Plano Plurianual e, com isso, o programa comece a criar corpo e atenda às
demandas setoriais. Essa é uma das estratégias que nós traçamos, uma delas
para fazer com que o programa tome consistência e seja mais efetivo. No
momento, estamos tentando a articulação com a CNI, com a Medict e também com a Agência Espacial Brasileira, que tem um grande interesse em
identificar as Nanotecnologias envolvidas com área espacial.
Tenho certeza de que as próximas apresentações vão falar sobre as
aplicações da Nanotecnologia. Ela não começou agora, a Nanotecnologia
remonta de muitos anos. Já foi citado que o pneu que usamos nos carros
tem Nanotecnologia, é um nanoproduto; ele incorpora partículas chamadas negro-de-fumo, que é a fuligem, sem as quais o pneu não teria a consistência que possui. O air bag dos carros tem dispositivos de Nanotecnologia. São alguns exemplos de aplicação. O risco ambiental do pneu
ninguém vai questionar, mas há outros, como os apresentados pelo professor John Ryan – o problema dos nanotubos e das nanopartículas –, que
realmente podem preocupar. As próximas apresentações, principalmente
as dos nossos coordenadores, deverão dar uma visão muito interessante
com relação à aplicação da Nanotecnologia.
Eliane Moreira – Entendo que nenhuma pergunta foi feita diretamente para mim, com exceção daquela a respeito da composição da
CTNNano. Desse modo, de forma geral, vou fazer algumas considera75
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
ções sobre as questões que foram aqui propostas. A nova ética do desenvolvimento, sem dúvida, é necessária. O desafio é como fazer isso – encontrar esses caminhos é um processo. Acho que temos de valorizar mais no
Brasil o processo de construção do que o produto final. Muitas vezes o
açodamento, o time político busca muito mais o produto do que o processo
de construção.
Informação e comunicação são o grande problema, para realmente
fazer a informação chegar ao interlocutor e obter um debate real é fundamental que exista um processo, sim, de comunicação. Para isso, é vital que
haja uma grande capacidade de tolerância do discurso e do diálogo, na verdade. E essa tolerância significa fundamentalmente entender o mundo do
outro, entender também o mundo do interlocutor. Eu quero tocar em um
assunto que eu sei que é delicado, mas, infelizmente, boa parte da comunidade científica não tem conseguido realmente superar os resquícios da canonização do conhecimento e se despojar de toda a formalidade e do
encantamento que a hierarquização científica pressupõe. Esse, do meu ponto de vista, é um dos principais obstáculos que precisamos enfrentar hoje,
bem como a capacidade do grande especialista de conversar realmente com
todas as áreas do conhecimento – exercício que se tenta fazer de interdisciplinaridade. Eu não me excluo, obviamente, dessa incapacidade de comunicação real. O advogado talvez seja, atualmente, um dos especialistas mais difíceis
e complicados com o qual dialogar. Mas isso não é privilégio nosso e vários
ramos do conhecimento padecem da incapacidade de se desfazer, de se despojar da arrogância que o conhecimento muitas vezes nos atribui – sei que
essa palavra é dura, mas é real – e de estabelecer diálogos efetivos.
Eu queria pedir a permissão de contar para vocês o que aconteceu
comigo. Uma das áreas em que eu trabalho, conforme falei, é a área dos
conhecimentos tradicionais e como as novas tecnologias – uma vez que há
busca desses conhecimentos por novas tecnologias – têm promovido relações difíceis, principalmente do ponto de vista jurídico. É óbvio que, se
estou trabalhando com esse assunto, eu sou uma pessoa totalmente convertida à causa indígena, mas, certa vez, falando em um seminário para o
qual lideranças indígenas tinham me convidado, fiz uma referência extremamente mal-sucedida sobre a questão do artesanato indígena. Eu citava
uma regulamentação do Ibama, que tem proibido a comercialização do
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
artesanato com penas, em função da lei dos crimes ambientais, e disse
justamente que era um mau passo do governo fazer de forma autoritária,
sem diálogo, sem tempo algum para a adaptação dessas comunidades.
Mas, ao falar as palavras “artesanato indígena”, os pajés que estavam na
platéia quase me mataram. Disseram que, por melhor que fossem as minhas intenções, por mais que me reconhecessem como uma parceira, para
eles era uma violência eu me referir ao cocar deles como artesanato, que
isso não é artesanato; para eles o cocar é um instrumento sagrado, segundo
disseram, é o que lhes eleva a cabeça para o céu e é por isso que precisa ter
penas, pois a mente deles precisa voar. Nesse momento eu me dei conta da
brutal necessidade de entender o outro, de olhar e sair do nosso ponto de
vista para poder fazer um diálogo. Esse foi para mim um aprendizado
muito benéfico. Isso seria um bom passo para a real comunicação: entender o outro, entrar no universo do outro, despojar-nos da nossa arrogância.
Sobre a composição da CTNNano, é prevista a representação de
vários ministérios. Eu não sei se o ponto é só esse, prever a representação
de vários ministérios; a pergunta tocava também na necessidade de sociedade civil, eu acho que o ponto é esse. Mais do que isso, penso que o
grande problema é qual o papel. O papel é decidir em última e definitiva
instância, conforme diz o projeto de lei. É complexo e muito difícil, até do
ponto de vista jurídico, formar uma comissão que não tem personalidade
jurídica. Essa definição pode encontrar problemas.
Prof. Dr. John Ryan – Eu gostaria de retomar esse assunto sobre a disseminação do conhecimento. Eu fui descrito como um sacerdote
da ciência. Tento fazer o melhor para visitar pessoas ou grupos diferentes,
viajo o mundo todo falando com governantes, em conferências científicas,
com pessoas que fazem as políticas, mas há um problema fundamental,
não devemos minimizá-lo. Não estou dizendo que não se pode fazer nada
a respeito, há muito o que fazer. Isso nos remonta ao que eu falei sobre a
lacuna de conhecimento. A sociedade precisa se tornar mais educada em
termos científicos, não há dúvida a respeito, temos de nos certificar de que
nossos cidadãos sejam educados. Isso significa que a escola tem de fazer
esforços para que os nossos estudantes jovens entendam a importância
desses assuntos científicos. Não digo que tenham de se tornar peritos em
77
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mecânica quântica, mas me refiro a aspectos que podem ser aprendidos e
aos quais eles devem ser expostos.
Houve uma pergunta sobre comunicação da informação. Uso uma
terminologia um pouco diferente, falo em dados em informação. Há muitos
dados na Internet, há muitos dados na literatura, mas há pouca informação
que as pessoas possam realmente obter; é preciso que elas traduzam isso em
informação útil ou que comuniquem isso. Nesse assunto, a comunidade científica tem o dever de fazer um esforço maior e sair dos seus laboratórios para
falar diretamente com o público e envolvê-lo no tipo de atividades que estão
realizando.
Há um ponto muito interessante sobre a mídia: como é que ela relata
aspectos da ciência e da tecnologia? Os jornalistas têm de vender as histórias
para os editores e subeditores, e se não conseguirem vendê-las, não há exposição, elas não são publicadas, simplesmente não são irradiadas, transmitidas e o que se está pedindo é que haja uma apresentação maior das histórias
do meio, que nunca têm espaço na mídia. A mídia tem a grande responsabilidade de acordar o público e de comunicar a ele. Eu não sei como fazer isso,
porque os acontecimentos científicos não vendem jornais.
Isso me leva a um ponto fundamental sobre por que essa pressão por
inovação em ciência e tecnologia é feita, o que motiva essa inovação? O que
a motiva é o consumidor. Ele quer novos produtos mais baratos, mais funcionais e é por causa dessa demanda que as empresas estão dispostas a investir
em tecnologia. Até certo ponto, os cientistas farão a pesquisa científica que
vai desenvolver e permitir essas novas tecnologias. Portanto, trata-se de um
círculo fechado. É o consumidor que motiva todo esse processo e aqui estamos nos perguntando sobre como podemos proteger o consumidor, como
protegê-lo dele mesmo? Então há aspectos interessantes a serem considerados e eu gostaria de ouvir os comentários dos demais presentes a respeito.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Nós vamos fazer a última rodada de
questões. Professor Kenneth Gould, por favor.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Só dois comentários. Primeiramente, eu acho que a apresentação da cobertura da mídia sobre a tecnologia
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Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
está incorreta. Eu entendo de onde vem essa análise inicial, porque a mídia
gosta de histórias sensacionalistas. Há a tendência de dizer “curamos o
câncer” ou “a sua torradeira vai matar os seus filhos”, eu entendo que
existe essa tendência. Mas, se fizermos uma análise do conteúdo das reportagens de tecnologia, notaremos que a maioria trata do desenvolvimento e da disponibilidade de produtos. A maior parte das matérias sobre
tecnologia, pelo menos na mídia americana, é fornecida como press release
pelas corporações que produzem a tecnologia ou produzem o bem do consumidor. A conscientização é promovida pelos produtores, pelas corporações, e são eles que nós vemos na televisão; por exemplo, a AOL, que é
uma corporação que cria uma grande quantidade de produtos, faz releases
e as matérias sobre eles; e esses VPRs ou press releases de fabricantes são
as histórias de tecnologia mais comuns da CNN.
Outro aspecto que eu queria comentar é o de que os consumidores
são quem motiva a pesquisa em engenharia e ciência. Na verdade, eu acho
que isso está errado. É um absurdo, não se pode dizer que as pessoas não
sabem nada sobre Nanotecnologia e, por outro lado, dizer que são elas
que demandam Nanotecnologia. Esse é um ponto discutível e eu já defendi um dos lados por muito tempo, mas a idéia de que o consumo leva à
produção coloca a carroça na frente dos bois. Os consumidores não demandam nada que não seja produzido, não estão aqui exigindo uma série
de produtos com Nanotecnologia; as pessoas estão esperando ser bombardeadas com propaganda de produtos da Nanotecnologia, aos quais elas
podem ou não ser receptivas. Isso indica que há força propulsora atrás da
pesquisa em Nanotecnologia e que há dinheiro a se ganhar. As universidades, os cientistas, os engenheiros, as corporações, os Estados, todos estão
nos levando nessa trajetória, porque acham que podem se beneficiar economicamente com isso. Portanto, a força motivadora é a idéia de que se
pode ganhar dinheiro com isso. Em segundo lugar, pensa-se em como
fazer para ganhar esse dinheiro. Podemos talvez vender produtos, atender
certas necessidades sociais, podemos criar novas necessidades sociais e
depois atendê-las, tudo isso em termos de gerar mais lucro para instituições e para as pessoas. A idéia de que os cientistas, principalmente, os
pesquisadores básicos estejam respondendo às demandas do pesquisador
não é o caso.
79
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Marcos Mattedi – Concordo com a Mestre Eliane
Moreira, quando ela coloca a questão de que precisamos ter o diálogo. Há
uma coisa grave junto à comunidade científica: quando se questionam os
seus setores, a comunidade científica costuma desqualificar o interlocutor.
Eliane, concordo totalmente com você quando diz que é preciso ter paciência e saber ouvir.
Com relação à observação do Professor Alfredo, eu concordo que
já se faz Nano há muito tempo, há no pneu, por exemplo; mas eu fico
muito preocupado com essa opinião, visto que assim nós podemos repetir
o mesmo discurso dos transgênicos: “Ah, não, isso é uma evolução,
transgênicos já se faz há muito tempo, o melhoramento na agricultura já se
faz há muito tempo”. É o mesmo caso e pode-se levar àquela confusão
toda que foi colocada, uma vez que nós sabemos que os transgênicos têm
diferença dos não-transgênicos, e esse discurso foi se complicando junto à
sociedade. A gente não poderia cair no mesmo discurso dos transgênicos?
Prof. Dr. Sedi Hirano – Encerramos a mesa desta manhã dando a palavra aos componentes da mesa.
Prof. Dr. Alfredo de Sousa Mendes – Eu torno a frisar a
importância das outras apresentações, que deverão permitir uma visão ampla
das aplicações da Nanotecnologia. Eu acredito, sim, como o professor
colocou, que existem áreas que têm uma interface com aspectos de risco,
como é o caso dos nanotubos e das nanopartículas. Mas as demais aplicações da Nano superam isso; nós estamos só com a pontinha de um iceberg
para fora, o que está por vir em Nanotecnologia, sinalizado pelos países
em desenvolvimento, é uma coisa grandiosa. Estamos falando da cura do
câncer, de vacinas eficientes para a leishmaniose, a malária, a tuberculose;
de outras drogas para doenças que ainda têm poucos tratamentos, para
deficiências; ou seja, de aplicações.
Muitos dos produtos desenvolvidos na Nano, atualmente, são baseados em elementos da natureza. Cito como exemplo a flor de lótus: a
partir de uma reação da folha dessa flor, que não se deixa molhar, cientistas desenvolveram um filme fino. Eles estudaram a estrutura da flor de
80
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
lótus e observaram que ela não é lisa, mas sim composta por nanoagulhinhas
que não deixam a água penetrar, servindo como barreira biológica da própria planta. Fundamentados nisso, eles desenvolveram tal filme fino, que
nos permite obter vidros autolimpantes – vocês já devem ter ouvido falar
disso –, uma colher para servir o mel, da qual ele escorre todo; fazer formas e deformações em estofados, roupas que não mancham; enfim, há
uma série de aplicações que, a meu ver – observem bem, eu sou um gestor,
eu não sou um técnico –, não apresentam uma margem de risco muito
grande. Evidentemente, como eu disse, há interfaces que podem demandar um estudo mais aprofundado dos possíveis riscos e das medidas a
serem adotadas.
Eliane Moreira – Vou fazer um comentário sobre a observação
de o consumidor provocar a tecnologia e depois discutirei a produção do
consumidor. Acho interessante refletir sobre isso, pois, de fato, estamos
falando aqui da possibilidade de criar consumo e novos produtos de consumo que evidentemente podem melhorar a qualidade de vida das pessoas
e trazer grandes benefícios. Mas, sem dúvida nenhuma, o consumo é criado em face às necessidades, e estas, por sua vez, são muitas vezes geradas.
Esse ponto de vista é fundamental para entendermos essa correlação de
forças na introdução de novas tecnologias e também para sabermos como o
consumir vai se comportar perante isso, porque essa criação frente a novas
necessidades nos permite dizer que não se pode retirar da observação dos
impactos a defesa do consumidor.
A Nanotecnologia foi muito sábia – eu sei que é arriscada a argumentação que eu vou tecer agora, gostaria de ouvir depois a observação
dos demais – ao privilegiar, em boa parte dos seus processos, a área de
cosméticos. Talvez se as tecnologias geneticamente modificadas tivessem
optado por esse mecanismo, não teríamos tanta resistência, porque é nessa
área que nos defrontamos com o que é irrefreável, que é a vaidade humana, e esta é que aceita uma boa parte das coisas. De certa forma, o que eu
proponho é que se lance uma reflexão sobre a forma como as coisas estão
ingressando. Parece-me que há um viés muito interessante para a
aceitabilidade dessa nova tecnologia. Enfim, se isso é bom ou ruim, eu deixo
a pergunta para cada um de vocês.
81
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
A questão de desqualificar o interlocutor é, sem dúvida, a estratégia mais perversa quando se tenta estabelecer um diálogo, e essa tem sido
a estratégia utilizada pelas novas tecnologias, não só no Brasil, mas no
mundo inteiro. No Brasil, um país com tanta desigualdade, do ponto de
vista educacional é muito perverso ouvir um Ph.D. dizer “eu não converso
com dona de casa”, afinal, ele está trabalhando com produtos que vão
servir à dona de casa – e digo isso porque já vi acontecer. Se isso é difícil
de aceitar em qualquer lugar do mundo, em um país com tantas desigualdades como o Brasil, é absurdamente perverso. Por isso eu afirmo que é
fundamental compreender o outro, se desarmar e tentar estabelecer as pontes
que superem os antagonismos. É isto que a gente quer, construir pontes.
Já se faz há muito tempo um discurso sobre o qual temos de refletir:
muitas coisas no mundo, como aviões, medicamentos e vacinas, são geradas, muito se progrediu com relação à forma de utilizar essas coisas. Podemos lembrar que uma boa parte das hidrelétricas, no Brasil, por exemplo,
foi construída sem estudos de impacto ambiental e, apesar de fazer muito
tempo, o Lago de Tucuruí, lá na minha terra, no Pará, provocou enorme
impacto. Atualmente, justamente por meio desse aprendizado, a sociedade brasileira se reestruturou e fica atenta à necessidade de, antes de criar
mecanismos de controle, gerar mecanismos que nos assegurem o máximo
de benefícios possível e evitem o máximo possível de impactos negativos.
Precisamos fazer uma reflexão coletiva sobre isso, acho que a isso que o
seminário se propõe.
Prof. Dr. John Ryan – Estamos chegando à conclusão do debate desta manhã, e eu queria falar ainda sobre três coisas, em primeiro
lugar, do investimento público em ciência e tecnologia, especificamente em
Nanotecnologia. O que nós devemos ter em mente é que os cientistas
escrevem propostas e elas são financiadas por agentes de pesquisa; aqueles
não recebem dinheiro para fazer qualquer coisa que queiram, que tenham
vontade de fazer ou de que gostem. Existe um requisito, o qual é demonstrar que a pesquisa beneficiará a sociedade. É claro que isso requer, de
todos os envolvidos, alguma idéia sobre a que tal ciência vai levar e sobre
que tecnologia advirá dessa ciência, mas não é só um processo randômico
de dar dinheiro para as idéias que chegam. Existe uma filtragem no pro82
Mesa 1: Nanotecnologia, ciência e tecnologia e regulação de novas tecnologias
cesso e presume-se que a verba dada para a pesquisa acabará beneficiando
a sociedade.
Quanto à pergunta sobre ganhar dinheiro com tecnologia, é claro
que as pessoas ganham dinheiro por meio dela, caso contrário, não haveria
investimento no setor, mas isso não quer dizer que não haja benefício à
sociedade. Vou usar apenas o exemplo da tecnologia médica: se quisermos
observar o que aconteceu nessa área, basta ver a expectativa de vida nos
últimos cem anos. A melhoria na qualidade de vida para muitas pessoas
foi grande, graças ao desenvolvimento na tecnologia médica, e, ao mesmo
tempo, outras pessoas ganharam muito dinheiro com essa tecnologia. Se o
equilíbrio é correto, isso a gente pode discutir, mas dizer que a tecnologia
é ruim porque há quem ganhe dinheiro com ela, isso não é uma coisa
totalmente correta.
Em termos de mídia, francamente, com grande respeito à CNN, não
acredito que ela realize uma comunicação boa. Estou me referindo à discussão, ao comentário, ao debate, à informação na mídia, nos meios de comunicação de massa, que é o que a maior parte da população consome. Se sob a
forma de tablóides, revistas populares ou telenovelas, existem muitas possibilidades de haver essa comunicação. É disso que eu estou falando.
Em minha observação final, a última, eu queria retomar o que disse
antes da minha apresentação: até o ponto que podemos enxergar, o que se
pode avaliar de todas as evidências dadas por peritos de todos os setores
da sociedade é que poucas áreas da Nanotecnologia apresentam um perigo percebível à saúde, portanto, não vamos agora superexagerar o problema. Existe um assunto a ser considerado e há uma forma bem definida e
direta de lidar com ele, que é investir em pesquisa na toxicologia e nos
impactos à saúde oferecidos pela Nanotecnologia. Em vez de nos empolgarmos mais, muito polarizados, a idéia é concordar que temos de investir
e fazer a pesquisa. Obrigado.
Prof. Dr. Sedi Hirano – Eu gostaria de agradecer aos participantes desta primeira mesa sobre “Nanotecnologia, ciência e tecnologia e
a regulação de novas tecnologias”, ao Professor Alfredo de Sousa Mendes; à Professora Eliane Moreira; e ao Professor John Ryan. Muito obrigado ao público pelo prestígio da sua presença. [Palmas].
83
MESA 2
Nanotecnologia, inovação e Economia
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
MESA 2
Nanotecnologia, inovação e Economia
Dia 18 (Tarde)
Apresentadora – Anuncio os participantes da segunda mesa do
1 Seminário Internacional de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, a qual trata do tema “Nanotecnologia, inovação e Economia”: Prof.
Dr. Ruy Braga Neto, docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; Dra. Annabelle Hett, da empresa Swiss Re; Dr. Mike
Treder, diretor executivo do Centro para Nanotecnologia Responsável;
Prof. Dr. Oscar Malta, coordenador da Rede de Nanotecnologia da
Universidade Federal de Pernambuco; Prof. Dra. Sônia Maria Dalcomuni, diretora do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo.
Após as exposições dos membros da mesa, haverá o debate, que
contará com a presença do Prof. Dr. Marcos Mattedi e do Prof. Dr. José
Rodrigues Victoriano. Podemos começar.
o
Prof. Dr. Ruy Braga – Vamos dar seqüência ao nosso seminário.
Como foi feito pela manhã, também à tarde realizaremos as apresentações
dos palestrantes, posteriormente as dos dois debatedores e, na seqüência,
87
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
abriremos para a intervenção do público. Conforme o pessoal na parte da
manhã teve a oportunidade de acompanhar, a qualidade das exposições é
realmente excepcional, e eu tenho certeza de que esta mesa, dedicada à
“Nanotecnologia, inovação e Economia”, também terá a mesma qualidade.
De início, eu gostaria de passar a palavra para a Professora Sônia
Maria Dalcomuni, que é diretora do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, para que ela possa
tecer suas considerações.
Profa. Dra. Sônia Maria Dalcomuni – Boa tarde a todos. Na
área de Nanotecnologia, eu diria que sou, como dizemos em inglês, a later
comer, uma “nova entrante”. Sobre a minha formação, eu sou economista
e a minha área de trabalho é a Economia da Inovação e Sustentabilidade
do Desenvolvimento.
Recebi o convite do Dr. Paulo Martins para aceitar o desafio de
montarmos uma rede de pesquisa, que vem exatamente inserir a abordagem socioeconômica nas pesquisas em Nanotecnologia e nos desenvolvimentos em Nanociências, em curso no Brasil. É óbvio – pude perceber
pela programação – que os meus colegas de mesa e vários outros participantes, na área específica da Nanotecnologia, têm muito mais bagagem no
assunto do que eu. Imaginando um público composto não apenas por especialistas, mas também por leigos, preferi fazer uma apresentação curta –
foi-nos pedido algo em torno de 25 minutos – com algumas informações
iniciais básicas – o que eu espero que não fique enfadonho para quem é
expert no assunto.
É crescente o reconhecimento de que as áreas de Nanociência e
Nanotecnologia apresentam-se como a área emergente e próspera para
pesquisa e desenvolvimento. As Nanotecnologias têm uma natureza
pervasiva, elas tenderão e estão se dando nas mais diversas áreas da atividade científica e apresentam também a característica de constituírem ciência intensiva.
Há a exigência de novos paradigmas científicos para o desenvolvimento de pesquisa e de treinamento nessa área nova, em especial em decorrência da fusão que está começando a se verificar entre essas três áreas
88
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
de desenvolvimento tecnológico de ponta, que é a Nanotecnologia, a
Biotecnologia e as Tecnologias de Informação. As previsões são de que os
avanços nas áreas de Nanotecnologias impactarão as áreas científicas e
tecnológicas conhecidas em geral.
A Nanociência e Nanotecnologia referem-se ao entendimento, ao
controle e à exploração de materiais e sistemas cujas estruturas e componentes exibem propriedades e fenômenos físicos, químicos e biológicos significativamente novos ou modificados, devido à sua nanoestrutura. Nanoestrutura, então, é a dimensão física entre 1 e 100 bilionésimos de metro –
mil vezes inferior ao diâmetro de um fio de cabelo. A questão com que
iniciei esta apresentação, à qual voltarei na sua fase conclusiva, é: em termos de sociedade, nós brasileiros, e mesmo a sociedade mundial, estamos
preparados para a emergência desse novo paradigma?
A Nanotecnologia, segundo Lew Lane, assistente para ciência e
tecnologia da Casa Branca, terá um profundo impacto na economia e sociedade no século XXI, talvez compatível ao da tecnologia da informação
ou ao da genética e da biologia celular e molecular. Justamente por isso, a
Nanotecnologia tem despertado a imaginação de cientistas, engenheiros e
economistas não apenas pela explosão de descobertas em escalas
nanométricas, mas também devido às suas potenciais implicações econômicas e sociais. Como economista, noto que, mesmo em termos de abordagem teórica, uma visão vinda de outra área do conhecimento pode se somar
para o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares nessa área de investigação.
Em primeiro lugar, refletiremos sobre as interações-chave entre
Nanotecnologia, inovação e Economia, que é o tema proposto para este
painel. Resgatando Schumpeter, o desenvolvimento socioeconômico é caracterizado pelo contínuo processo de destruição criativa. Para ele, então,
a própria dinâmica econômica tem como catalisadores básicos a introdução e a generalização das inovações tecnológicas. Desse modo, identificaríamos aí a primeira interligação-chave nessa discussão que nós estamos
buscando estabelecer.
Com relação ao termo “destruição criativa”, pode-se dizer que é o
resultado de revoluções impulsionadas fundamentalmente pelo desenvolvimento de novos produtos, novos processos de produção ou transporte,
89
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
novos mercados e novas formas de organização industrial que a empresa
capitalista cria, por meio de mutação que incessantemente revoluciona a
estrutura econômica a partir de dentro, constantemente destruindo a velha
e criando uma nova. Então, nessa perspectiva que aqui está apenas
tangenciada, a própria revolução econômica é, de maneira freqüente, revolucionada pelas inovações.
Conceitualmente, Schumpeter distingue invenção, inovação e difusão. Optei por trazer essa diferenciação aparentemente simples a fim de
buscar uma certa homogeneização de linguagem e uma melhor identificação de distintos papéis nesse processo como um todo. A partir desses
conceitos, autores que na área econômica são denominados evolucionistas
desenvolvem os conceitos de paradigmas tecnológicos, correspondentes ao
modelo tecnológico vigente; e paradigmas tecnoeconômicos, os quais são
contribuições do professor Freeman e da economista Carlota Perez, e passariam a englobar não apenas o modelo tecnológico, mas a interação deste
com o padrão institucional a ele subjacente.
Miríades de inovações, nucleadas por outras que fundam novos
padrões científicos, tecnológicos e institucionais, conformam, portanto, o
que nós estamos corriqueiramente denominando de paradigma. Atualmente, disse que estamos no paradigma de tecnologia de informação e
comunicação.
Começando do princípio: o que é tecnologia?
Tecnologia é conhecimento. Parece uma pergunta trivial, mas o simples entendimento trocado pode fazer com que uma mesa inteira de debate
leve a políticas e definições de políticas completamente diferenciadas.
Tecnologia é conhecimento, e consiste tanto nos conhecimentos cristalizados nos equipamentos, no hardware, quanto no conhecimento para produzi-los e usá-los, técnicas e procedimentos. Contínuas mudanças de
procedimentos marcam a história da tecnologia, há a substituição constante de velhas por novas tecnologias, seja no capitalismo, seja no pré-capitalismo, desde que o ser humano existe.
Voltemos, então, àqueles conceitos básicos: invenção consiste no
desenvolvimento de soluções científicas ou não para problemas específicos.
As invenções, por si só, dão o potencial da mudança, mas elas não promovem qualquer alteração social. Os institutos de pesquisa, as universidades
90
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
etc. fazem desenvolvimento tecnológico, e não inovação. A inovação refere-se à aplicação dessa invenção na Economia, no sistema econômico.
Quando um novo material é descoberto, quando ocorre o desenvolvimento
de uma técnica ou um equipamento é colocado numa produção regular
pela primeira vez, há o processo de inovação. Ou quando o mercado é
organizado para um produto criado pela primeira vez, efetivamente, quem
promove, quem realiza a inovação na sociedade são os agentes econômicos. A difusão é, pois, a replicação da inovação, daí o porquê de a inovação e a difusão serem usadas como sinônimos, e por isso se explica também
a generalização e o uso das inovações tecnológicas. No processo de inovação, as tecnologias prosseguem sendo aperfeiçoadas e interagem com outras tecnologias e condições infra-estruturais; são normalmente usadas como
sinônimos de inovação.
Essa abordagem vem um pouco ao encontro do que foi comentando
aqui pelo professor de Oxford, em relação, em linhas gerais, a que algumas discussões referentes à Nanotecnologia devem ser, na verdade, desenvolvidas para toda e qualquer tipo de tecnologia.
O processo de inovação não é automático, ele é sistêmico, ele é
socialmente dado e exige interação entre o setor público, o privado e os
indivíduos. Do mesmo modo, as tecnologias não são neutras, dependem
do direcionamento que lhes é dado pela sociedade. Portanto, de antemão,
não há tecnologia boa ou ruim, a tecnologia vai ser o que ela foi projetada
para ser e terá o uso que a sociedade der. Nesse aspecto, o acesso à informação e à capacitação para inovar são pré-requisitos fundamentais à capacidade social no processo de inovação.
O governo, os centros de ensino e as universidades têm papel fundamental na difusão de informações relevantes e na formação e capacidades para inovar. Nós, nas universidades, não fazemos inovação, nós
capacitamos pessoas, agentes.
Estamos na denominada era do conhecimento, que alguns chamam
“era da informação” ou “era do conhecimento” – eu faço questão de dizer
“era do conhecimento”, uma vez que a informação, por si só, não tem
utilidade. Começou-se a fazer essa discussão na mesa da manhã, em relação à informação e à comunicação, quando observamos que o conhecimento é a transformação da informação em algo efetivamente útil. Por
91
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
isso, o mais grave não é não possuir o acesso às informações, o que é um
erro também, mas sim não dispor de conhecimento suficiente, ou seja,
mesmo obtendo a informação, não se saber fazer nada com ela. O primeiro passo, no nosso caso específico da Nanociência e da Nanotecnologia,
obviamente, é pelo menos saber o que elas são. Informar, generalizar, publicar essa informação é importante, mas apenas informar-se sobre esse
assunto não nos capacita a fazer nada em relação a isso. Desse modo, o
conhecimento para transformar essa informação nova em novo conhecimento é que é o fundamental.
A partir dos anos 70, consolida-se o chamado paradigma do conhecimento, o conhecimento como principal fonte de valor e a inovação
como base da capacidade de geração de emprego e renda, no novel
macroeconômico, e base da competitividade, no novel microeconômico.
Algumas características gerais da era do conhecimento: maior velocidade
e confiabilidade; armazenamento e processamento de informação; aumento das possibilidades e maior impregnação da CIT nos processos produtivos; aceleração dos processos de geração dos conhecimentos; exigência de
um nível maior de qualificação dos trabalhadores; mudança nas gestões
das organizações, em especial das empresas; maior integração das áreas de
pesquisa, capacitação, produção, gestão e distribuição; maior interligação
entre as empresas, a economia de rede. Não é à toa que os termos “rede”
e “formação de rede” estão na moda, e não é apenas no meu entendimento, não é tão-somente um jargão. Em contextos em que o processo de
mudança tecnológica é complexo, em que indivíduos ou empresas isolados
não conseguem dominar a totalidade desses conhecimentos, a atuação em
rede potencializa a capacidade de avançar na geração e no uso desse conhecimento.
Além disso, já passou o tempo no que se refere à discussão na área
tecnológica na visão linear de geração e difusão de tecnologia, a qual predominava nos anos 70, em que a pesquisa básica era desenvolvida e, a
partir dali, estaria sendo disponibilizada para uso econômico. Atualmente, há o consenso de que esse processo é cada vez mais interativo, com
forças de mercado e de outras categorias influenciando o mundo da ciência
e vice-versa. Não há unilinearidade, nem do mercado, o que quer que seja
o trabalhador para o inventor, para o inovador, nem da ciência. O pesqui92
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
sador sozinho, isolado num laboratório vai descobrir algo que depois o
mundo inteiro vai replicar e cujo paradigma mudará. É necessária uma
rede interconectada, a qual é muito mais complexa e que funde questões
científicas, técnicas, econômicas, sociais, éticas etc.
A capacitação para a inovação contínua é, pois, fundamental. A
economia de rede é algo que se desenvolve como derivada dessa lógica,
dessa estrutura, desse modelo tecnológico que se consolidou gradativamente
a partir da década de 70.
Apresentarei a seguir uma breve cronologia da Nanotecnologia.
De forma empírica, os processos e os produtos são milenares, por exemplo, a tinta nanquim pelos chineses e, na natureza, alguns processos naturais, como a fotossíntese. O ano de 1959 é considerado o marco histórico
do interesse explícito pela Nanociência e pela Nanotecnologia, em uma
palestra do físico americano Richard Feynman. A fonte da tabela abaixo,
na verdade, é o último volume da revista Parcerias Estratégicas, do Grupo
de Gestão de Estudos Estratégicos, de Brasília; ela é bastante didática, e
espero principalmente que os experts na área não estejam se sentindo subestimados com esse resgate.
1959 – Conferência de Richard Feynman na reunião da Sociedade Americana de Física;
1966 – Viagem Fantástica, filme baseado no livro de Isaac Asimov;
1974 – Norio Taguenuchi cunha o termo Nanotecnologia;
1981 – Trabalho de George Bining e Hedrinch HHHH criadores do microscópio eletrônico de tunelamento;
1985 – Descoberta de fulerenos, por Robert Floyd Curl Jr.;
1986 – Publicação do livro de Eric Drexler, Engines of creation;
1989 – Donald Eigler escreve o nome IBM, com átomos de
xenônio individuais;
1989 – Descoberta dos nanotubos de carbono, por Sumio Ijima,
no Japão;
2000 – A administração Clinton lança no California Institute of
Technology a Nation Nanotechnology Iniciative;
93
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
2001 – Cees Dekker, biofísico holandês, demonstrou que os
nanotubos podem ser usados como transistores ou como
outros dispositivos eletrônicos:
2001 – A equipe da IBM constrói uma rede de transistores usando nanotubos, e mostra, mais tarde, o primeiro circuito
lógico à base de nanotubos;
2002 – Ched Murkin, químico da Northwestern University, nos
Estados Unidos, desenvolve uma plataforma baseada em
nanopartículas para detecção de doenças contagiosas.
Alguns dos principais resultados previstos com os avanços da Nanotecnologia são:
• o avanço na eficiência dos computadores;
• a restauração de órgãos humanos, por exemplo, por uma espécie
de pele artificial;
• o design de materiais criados diretamente da manipulação de áto-
mos e de moléculas, resultando em novos produtos nas áreas de
novos materiais, nanoeletrônica, dispositivos de TI, medicina e
saúde, energia e meio ambiente, biotecnologia e agricultura, segurança nacional, educação, gerando assim competitividade.
Oportunidades de investimento em Nanotecnologias atuais:
• engenharia molecular, combinações bioorgânicas de materiais, por
exemplo, enzimas com materiais fabricados, como é o caso de
enzimas com chips de silício que geram biosensores, implantáveis
em animais e no ser humano;
• novaeletrônica, optoeletrônica, fotônica e dispositivos nanomag-
néticos, cujas expectativas revolucionarão os dispositivos de TI,
ao potencializar a capacidade de armazenamento de informação
dos chips;
• dispositivos e processos baseados em novos materiais.
94
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Nesta publicação são encontrados dados de investimento em Nanotecnologia os quais seguramente estão mais atualizados do que estes que
eu tenho aqui. Apesar disso, a fonte é recente, data de agosto de 2004. As
estimativas da demanda mundial de produtos que incorporam a Nanotecnologia para 2002 eram de US$ 40 bilhões. As principais demandas são:
• os periféricos de TI;
• as aplicações médicas e biomédicas;
• os equipamentos industrial e automotivo;
• as telecomunicações;
• o controle ambiental;
• os produtos domésticos.
Pode-se perceber, pelos exemplos, as implicações econômicas, sociais, legais e éticas das inovações em Nanotecnologias, porque a característica de cada Nanotecnologia vai depender de que tipo ela é; pode haver
algumas ou várias absolutamente inofensivas e um conjunto ainda maior
com impactos absolutamente amplos, significativos e desconhecidos.
No Brasil, os estudos dessa tecnologia ainda se apresentam em
grande medida isolados e concentrados apenas nas áreas de Química, Física e Biologia.
Lendo e comparando o material do Centro de Gestão Estratégica /
Ministério de Ciência e Tecnologia (CGE/MCT), de Brasília, com o
material da National Science Foundation, dos Estados Unidos, percebese que em grande medida as iniciativas do programa brasileiro inspiram-se
ou são muito similares às do programa americano. No referente programa
americano, eu já encontrei praticamente todas essas sugestões que eu apresentarei aqui; desse modo, na verdade, estou reproduzindo o que já foi
discutido há três ou quatro anos, nos Estados Unidos, apenas acrescento
duas a mais, diretamente relacionadas à nossa realidade.
Portanto, faz-se necessário:
• incluir de forma integrada a pesquisa econômica e social nas pesquisas e atividades em Nanotecnologia e Nanociência;
95
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
• construir uma abertura de divulgação e formas de participação
•
•
•
•
•
pública no processo de desenvolvimento de pesquisa nanotecnológica;
criar base de conhecimento e infra-estrutura institucional para
avaliar os impactos científicos, tecnológicos, econômicos e sociais
das Nanotecnologias e suas implicações a curto e a longo prazos;
estabelecer mecanismos para informar, educar – que é mais importante do que informar, do contrário não se faz nada com a
informação – e envolver o público sobre os impactos das
Nanotecnologias, visando ao monitoramento contínuo das oportunidades e riscos dessas tecnologias;
estimular a pesquisa interdisciplinar que incorpore abordagens
sistêmicas, estudo e desenvolvimento em Nanociência e Nanotecnologia (NN) e impactos econômicos e sociais;
educar e treinar novas gerações de cientistas e de trabalhadores
para informar, educar e envolver profissionais em NN;
estimular de forma coordenada a cooperação e a capacitação para
a inovação em NN, por meio dos trabalhos em rede. Já há algumas redes formadas, por que não avaliar a sua estrutura e desempenho, reforçá-las e dar abertura para elas serem integradas com
outras redes que incorporem outros olhares transdisciplinares, a
fim de nos somarmos a essa empreitada?
Finalizando, nos próximos 10 ou 20 anos, acredita-se que a Nanotecnologia transformará de forma radical a ciência, a tecnologia, a economia, enfim, a sociedade como um todo. Entretanto, só será possível
aproveitar plenamente suas oportunidades, antecipar-se aos seus riscos e
mitigá-los se a comunidade científica e a sociedade em geral forem capazes
de definir metas abrangentes, de criativamente vislumbrar possibilidades
de transformar as Nanotecnologias em instrumento de inclusão social e de
desenvolvimento sustentável, nos seus cinco níveis – econômico, social,
ambiental, político e espacial –, e de envolver a todos em sua exploração.
Um novo paradigma emerge da fusão das Nanos e das biotecnologias com
as tecnologias de informação. A questão que deixo para todos nós é: estamos
preparados? [Palmas].
96
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Prof. Dr. Ruy Braga – Obrigado, Professora Sônia. Gostaria de
passar a palavra ao Professor Oscar Malta, que, além de docente do Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco, é
coordenador da Rede de Nanotecnologia Molecular e Interfaces.
Prof. Dr. Oscar Malta – Muito obrigado. Boa tarde a todos.
Primeiramente, eu gostaria de parabenizar a iniciativa do Professor Paulo
Martins de realizar este seminário. É importante, sempre que possível,
realizar eventos dessa natureza, sobretudo em se tratando de temas novos,
assuntos que vão aparecendo. Só o fato de estarmos reunidos já é muito
significativo.
Na verdade, o que eu apresentarei aqui, de maneira muito resumida – vou procurar ser breve –, já expus em 2003, quando fui convidado a
proferir uma palestra, em que me solicitaram para tratar sobre pesquisa e
treinamento em Nanotecnologia para o desenvolvimento sustentável em
países em desenvolvimento. Eu achei por bem enquadrar aqui essa palestra que eu fiz em Trieste, por ocasião do Euronanofórum, evento organizado pela Comissão Européia.
De modo geral, dividirei esta exposição essencialmente em três partes: primeiramente, vou fazer um pequeno histórico e falar um pouco sobre
desenvolvimento sustentável, o que, na verdade, vai ser um resumo do que
a Professora Sônia falou. Em seguida, e vinculado a isso, eu gostaria muito de chamar a atenção para o conceito de modernidade ética e sua conexão com o desenvolvimento sustentável, conceito o qual tem implicações
socioeconômicas muito importantes, a meu ver, e é justamente por essa
razão que irei enfatizar esse aspecto. Por fim, tratarei do papel da Nanotecnologia nesse contexto e tirarei algumas conclusões.
Se fizermos um resumo histórico – exatamente aquilo de que a
Professora Sônia falou ainda há pouco –, desde a Revolução Industrial, o
que se sabe em termos de desenvolvimento econômico é que a cadeia invenção–inovação–difusão é o que tem constituído a fonte de riquezas das
nações. Isso é uma coisa relativamente bem estabelecida na Economia.
Essa cadeia, na realidade, é complexa, mas os economistas consideram-na
essencialmente baseada em cinco fatores: recursos naturais, recursos hu97
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
manos, máquinas e equipamentos, capacidade tecnológica e capacidade
empresarial. Esse é um aspecto importante, e obviamente o objeto final, no
âmbito econômico, é a produção de bens e serviços.
Dito isso, surge a questão: o que produzir, como produzir e para
quem produzir? Nós temos, do ponto de vista clássico, o conceito de desenvolvimento econômico; mais recentemente, começamos a discutir o conceito de desenvolvimento sustentável, substituindo aquele primeiro. Para
isso, é necessária uma mudança de paradigma, para a qual eu gostaria de
chamar a atenção. É justamente nessa variação do conceito de desenvolvimento econômico para o conceito de desenvolvimento sustentável que ocorre
a mudança de paradigma. Acredito que a Professora Sônia tenha mencionado isso e, mais adiante, vou dizer qual é essa alteração de paradigma
necessária à mudança.
Entre os vários conceitos de desenvolvimento sustentável que podemos encontrar na literatura, eu selecionei o seguinte: o desenvolvimento
sustentável pode ser visto como uma matriz de ações sistemáticas, mas que
garantam a qualidade de vida das gerações presente e futura, mediante
um processo de transformação do modelo de crescimento econômico
atual. Observem que chamo a atenção para as palavras garantir e transformar. Esse é um aspecto importante, ao qual também voltarei mais adiante.
Para dar continuidade à minha exposição vejamos o seguinte gráfico:
98
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Procurei colocar alguns dados neste diagrama extremamente simples, mas muito ilustrativo. No eixo vertical, coloco o grau de articulação
de uma sociedade; no eixo horizontal, o grau de qualificação dos recursos
humanos. Vejamos o que acontece: se nós estivermos nesse terceiro
quadrante, a sociedade é desarticulada totalmente e não tem recursos humanos qualificados, ou seja, esta é uma situação completamente caótica.
Se a sociedade possui um certo grau de articulação, mas recursos humanos
desqualificados – o que corresponde ao segundo quadrante –, a tendência
é haver a imigração, a importação de recursos humanos qualificados. Se
estivermos nesse quarto quadrante, não há articulação da sociedade, mas
existem recursos humanos qualificados, por isso a tendência é de que as
pessoas saiam do país e sejam contratadas em outras sociedades mais organizadas. Obviamente, a situação ideal é essa do primeiro quadrante, em
que há uma sociedade articulada e recursos humanos qualificados, e é
justamente assim que se vai atingir o desenvolvimento sustentável. Essa é
uma forma.
Lembremo-nos do documento Agenda 21, produzido em 1992, no
Rio de Janeiro. Esse é um documento que eu recomendo a todos os pesquisadores, sobretudo ao pessoal que trabalha com técnicas de ponta. Um
aspecto muito interessante levantado na Agenda 21, cujo tema central foi
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, é a diferença
entre a modernidade técnica, a qual tem os fins como meios, e o que estamos
chamando aqui de modernidade ética, a qual incorpora aspectos ecológicos e antropológicos. Essa é a grande diferença entre elas e está ligada ao
conceito de desenvolvimento sustentável, aqui já apresentado.
Novamente, eu chamo a atenção para a mudança de paradigma:
sem ela, acredita-se que não é possível chegar ao desenvolvimento sustentável. E que mudança de paradigma é essa? É justamente a mudança do
conceito de modernidade técnica, em que, reitero, estamos sempre vendo
os meios como fins; para o conceito de modernidade ética, em que conseguimos incorporar aspectos antropológicos e ecológicos.
Essa mudança de paradigma, na prática, nós vemos da seguinte
forma: vamos tomar aqui a cadeia conhecimento básico, conhecimento tecnológico gerando produto, que vai ser depois eventualmente utilizado pela
sociedade. O que acontece nos países ou nas sociedades em que essa ca99
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
deia é dominada por completo? O que acontece é que esses países possuem os chamados Sistemas Nacionais de Inovação – entra aqui a palavra
“inovação” como um aspecto importante –, enquanto nas sociedades em
desenvolvimento o que ocorre, na verdade, é uma transferência de conhecimento tecnológico para gerar produto, e isso constitui o que chamamos
de Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico. O que estamos buscando, como é o nosso caso, aqui no Brasil, é atingir uma situação em que
tenhamos um Sistema Nacional de Inovação.
O Sistema Nacional de Aprendizado Tecnológico muitas vezes tem
aspectos perversos. Por exemplo, os produtos gerados nesse sistema
freqüentemente não são produtos competitivos, do ponto de vista econômico. Essas sociedades normalmente procuram compensar a baixa competitividade de seus produtos, por exemplo, baixando o preço da sua
mão-de-obra, o que, obviamente, traz problemas socioeconômicos, só pra
mencionar um deles. Para que o Brasil, no âmbito econômico, passe para
um Sistema Nacional de Inovação, é preciso olhar com cuidado os investimentos em ciência e tecnologia. Só para efeito comparativo, estou colocando juntos os casos do Brasil, dos Estados Unidos, da União Européia e
do Japão, que têm um investimento em ciência e tecnologia, em média, da
ordem de 2,4% do Produto Interno Bruto – PIB/2000 –, bem superior
ao nosso, que era de 0,8% em 2000 e já deve estar em torno de 1,05%.
Um dado importante, para o qual quero chamar a atenção, é o de
que nós temos tido muito contato não só com as agências de financiamento, pesquisa e tecnologia no Brasil (como o CNPq, a Finep), mas também
diretamente com o próprio Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e
a participação ou interação com o setor empresarial e com o setor industrial. Enquanto não tivermos uma participação eficaz do setor industrial,
será muito difícil alcançar aquela mudança de paradigma para atingir o
desenvolvimento sustentável.
Só para efeito de comparação, aqui eu coloco os percentuais da
participação de pesquisadores qualificados no setor industrial. Nota-se que
o caso do Brasil ainda é muito incipiente, pois apenas 8.765 (11%) estão
diretamente envolvidos com as indústrias e o que se espera, obviamente, é
reverter esse quadro. Para tanto, é importante a interação do meio acadêmico com o setor industrial. Aliás, no caso das redes de Nanotecnologia
100
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
criadas pelo CNPq há três anos, já se está fazendo um esforço muito
grande nesse sentido. É válido lembrar também que o Brasil é um dos
poucos países do mundo que investe na formação de recursos humanos
com bolsa para estudantes no exterior.
Esses são os números do CNPq para até o ano 2000. Embora
estejam um pouco desatualizados, representam um investimento razoável
que o Brasil faz para a formação de recursos humanos, tanto em nível
nacional quanto internacional, por meio da oferta de bolsas.
O que podemos propor como ações são a formação de recursos
humanos e a interação com o setor industrial, sempre tendo em mente o
desenvolvimento sustentável e, por conseguinte, os aspectos socioeconômicos. É preciso que haja uma interação forte entre o setor privado e o setor
governamental. Nenhuma dessas ações pode ser bem-sucedida se for tomada isoladamente. Por isso, é preciso haver cooperação científica, tanto
nacional quanto internacional.
Desse aspecto, surge a seguinte pergunta: fala-se muito em desenvolvimento sustentável, mas, do ponto de vista de governo, do ponto de
vista político, será que há a consciência de que o desenvolvimento sustentável deve ser alcançado? Essa é uma questão para a qual eu, pessoalmente,
não tenho resposta. Vemos que existem ações governamentais, programas
científicos e tecnológicos, mas não está claro, pelo menos na minha opinião, que por trás disso o conceito de desenvolvimento sustentável esteja
consolidado. Esta é uma questão que se coloca.
Entra nesse cenário a Nanotecnologia. Podemos ver dezenas de
definições sobre Nanotecnologia, gostaria apenas de fazer uma observação – em que talvez eu discorde um pouco da minha colega Sônia. Surgiram esses dois jargões, Nanociência e Nanotecnologia; vamos lembrar que,
quando falamos de Nanociência, somos remetidos há mais de 2 mil anos:
quando Demócrito pensou no átomo como constituinte da matéria, ele
estava falando de Nanociência; portanto, o que nós chamamos de Nanociência é uma coisa muito antiga. No entanto, a Nanotecnologia não é. Se
quisermos usar este termo no seu mais puro sentido, digamos assim, estaremos nos referindo a algo de cerca de 20 anos para cá, como a descoberta
da microscopia de força atômica ou a microscopia de tunelamento, porque
o que se entende por Nanotecnologia é justamente a capacidade que te101
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mos de mexer com átomos e moléculas para criar estruturas que tenham
funcionalidade – o que aprendemos há cerca de 20 anos. Esse é o aspecto
fundamental e, assim contextualizado, acredito que o termo “Nanotecnologia” se aplica bem.
Com essa capacidade, podemos criar estruturas formidáveis em nível molecular, que apresentam uma funcionalidade e atividades bem específicas. E isso tudo, como eu disse, veio com a chamada microscopia de
força atômica ou a microscopia de tunelamento, por meio da qual se pode
manipular essas estruturas para produzir objetos que tenham uma funcionalidade e uma utilidade específica.
Mas quais aspectos são importantes, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável? O primeiro é o seguinte: a Nanotecnologia pode ser vista
como uma tecnologia ambientalmente limpa. Eu concordo que esse é um
aspecto extremamente polêmico, que, aliás, já foi discutido hoje pela manhã:
os riscos da Nanotecnologia. Gostaria de lembrar que em qualquer ciência
há riscos – assim como existem benefícios, existem riscos. Quando falamos
da energia nuclear, por exemplo, quando houve a primeira explosão da bomba atômica lá no projeto Manhattan, não tenha dúvida nenhuma de que o
nosso colega Robert Oppenheimer sabia perfeitamente o que ia acontecer,
porém, a curiosidade humana é tão forte que ele quis ver, realmente ele foi lá
para baixo do túnel, colocou os óculos e quis ver a explosão.
Na sua apresentação, o Professor John Ryan falou do amianto. Há
quanto tempo se trabalha com ele? Sabe-se hoje que o amianto é um produto extremamente cancerígeno e mesmo assim se lida com ele. Um exemplo mais recente de descuidos, para mostrar que existem riscos sim, em
tudo o que se faz: eu mesmo fui usuário do antiinflamatório Vioxx, durante muito tempo, e sofri de arritmia cardíaca; somente depois descobri que
a causa devia estar no uso do medicamento, o qual saiu de circulação.
Imagino que para se colocar um fármaco no mercado, desde a criação do
mesmo, da sua síntese até que ele chegue ao mercado, leve dez anos. Mesmo passando por toda a fase de testes, após cerca de dez anos, entrou o
Vioxx no mercado e tempos depois se descobre que ele não só pode matar,
como possivelmente deve ter matado muita gente do coração.
Da mesma maneira, a Nanotecnologia apresenta esses aspectos de
benefício e de risco também, como qualquer outra ciência, e eu queria aqui
102
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
endossar as palavras do Professor John Ryan, de que a Nanotecnologia
não tem nada de especial. É uma nova forma de manipular a matéria e,
portanto, implica benefícios fantásticos que poderão vir, assim como riscos
também. O que nós temos de fazer é prestar atenção, não só a comunidade
científica, mas juntamente com as sociedades civis; é preciso que fiquemos
atentos à utilização desses produtos. Mas, sem dúvida alguma, a Nanotecnologia pode ser vista como uma tecnologia ambientalmente limpa, além
do que tem um potencial enorme para trazer benefícios para a qualidade
de vida e o bem-estar social. Ela pode ser vista como uma disciplina, uma
organização que podemos chamar de multidisciplinar, uma coisa fantástica, estamos aprendendo isso, não só no Brasil como no mundo todo. Ela
envolve um conjunto de coisas.
Sobre as redes de Nanotecnologia, eu acredito que o professor
Eronides deverá falar com mais detalhes. O Programa Brasileiro de Nanociência e Nanotecnologia foi criado por meio de quatro redes, inicialmente, e um Instituto do Milênio, dedicado à Nanociência e Nanotecnologia, assim como essas quatro redes, das quais duas estão sediadas no
Recife, o Instituto do Milênio de Nanociência está sediado em Belo Horizonte e as outras duas redes, em Campinas. Isso é o que poderíamos chamar de Programa Inicial Brasileiro de Nanotecnologia. Não o possuímos
ainda e temos insistido muito junto ao MCT, pois não temos ainda um
documento oficial que diga “este é o programa oficial brasileiro que procuraremos desenvolver”. O que temos no momento é isso que aqui está, a
realidade nossa de três anos para cá é esta: são quatro redes que foram
criadas pelo CNPq, isso foi uma iniciativa do CNPq, e o Instituto do
Milênio. E o esforço que nós estamos fazendo é para que o Programa
Brasileiro – se é que ele vai ser colocado na forma de um documento a ser
desenvolvido – seja baseado no que já existe. Que haja mudanças,
reestruturações, sim, isso não é uma coisa estática, nem deve ser visto assim, mas como algo dinâmico. Não vamos jogar esta experiência fora; essas coisas que aqui estão já existem e estão funcionando, com sucesso, com
um balanço muito positivo.
Essas redes têm sido convidadas para participar de eventos no mundo
todo – o Professor Eronides está aqui, é testemunha disso; amanhã estará
também o Professor Nelson Duran. Recentemente eu estive em uma reu103
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nião promovida pela National Science Foundation, em Washington, com
Mike Rocco. Lá eu pude ver claramente a inserção do Brasil no cenário
internacional em Nanociência e Nanotecnologia. Esse é um fato que não
podemos negligenciar. O que se espera é que se assuma essa responsabilidade e que, de uma maneira séria, levemos o programa brasileiro adiante.
Eu gostaria somente de concluir chamando a atenção novamente
para o conceito de modernidade ética acoplado ao conceito de desenvolvimento sustentável e as implicações socioeconômicas disso. É possível que
nós venhamos a atingir um modelo desse tipo, de desenvolvimento sustentável baseado numa modernidade ética.
Para tanto, é preciso que as instituições sejam fortes; se isso não
acontecer, nada disso vai funcionar. É preciso que as instituições sejam
fortes e que sejam respeitadas. O que pedimos sempre é que se faça um
esforço para que isso aconteça. Obrigado.
Prof. Dr. Ruy Braga – Obrigado Prof. Oscar. Na seqüência da
mesa, eu gostaria de passar a palavra para o Dr. Mike Treder, que é do
Centro para Nanotecnologia Responsável.
Prof. Dr. Mike Treder1 – Bom dia. Quero agradecer ao Professor Paulo Martins por me convidar. É uma grande honra estar aqui com
tantos colegas para falar de um assunto tão importante. É vital que reuniões como esta aconteçam em todo o mundo, em universidades, em corporações, no governo, em sociedades civis. Temos de trabalhar com afinco
para nos prepararmos, como já foi dito aqui.
Eu vou tratar um pouco do passado – assim como foi feito nas
outras palestras –, de como as mudanças acontecem numa sociedade, por
meio do desenvolvimento tecnológico, em comparação com o tempo que
transcorre para tanto. Sabemos que isso não se dá em uma linha reta. Se
analisarmos o desenvolvimento histórico, as coisas mudam muito rapida1
As falas do Professor Mike Treder e da Dra. Annabelle Hett foram traduzidas do
inglês, visto que eles não falam português. Pelo mesmo motivo, os comentários do
Professor José Rodrigues Victoriano foram traduzidos do espanhol.
104
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
mente, depois ficam num platô, para em seguida mudarem de novo. Em
outras palavras, se analisarmos a história dos últimos dois séculos, veremos
cada um dos passos ocorridos naquilo que nós chamamos de Revolução
Industrial. Já foi mencionado neste seminário que houve diversas revoluções industriais; estamos, na verdade, no meio de uma delas.
Nós já vimos a invenção e a adoção dos motores a vapor, do trem
etc. A Primeira Revolução Industrial aconteceu no Reino Unido, na Inglaterra, começou justamente com a criação dos motores a vapor, sua adoção na indústria têxtil e depois com a Engenharia Mecânica, e compreendeu
o período de 1740 a 1840. A Segunda Revolução aconteceu na Alemanha, na Inglaterra e na França, e depois também nos Estados Unidos,
com as linhas de ferro. A terceira começou após a virada do último século,
na primeira metade do século XX, com o desenvolvimento do motor elétrico, da indústria química, dos automóveis e também de bens duráveis para
o consumidor, como refrigeradores e máquinas de lavar. Alguns dizem que
nós estamos no meio da Quarta Revolução Industrial, a era dos computadores, dos materiais sintéticos, dos produtos obtidos do petróleo, especialmente na Bacia do Pacífico, na Califórnia e no Extremo Oriente. Como
dissemos, cada uma dessas revoluções industriais – podemos chamá-las
assim – representa um grande passo, e a sociedade tem de se adaptar a
cada um deles. No mais, esses passos não são verticais, isto está claro;
vemos que o progresso acontece em curvas. Se analisarmos o gráfico da
mudança em comparação com o gráfico do tempo, notaremos uma curva
em forma de S: onde há mudança, a curva começa devagar e, à medida
que mais pessoas adotam tecnologia, ela corre mais rápido, depois se
estabiliza.
Quando acontecerá a próxima Revolução Industrial? As pessoas
vão dizer que a Quinta Revolução Industrial poderá acontecer baseada na
Nanotecnologia e na sua aplicação. Onde isso poderá acontecer? É possível que ocorra no mundo em desenvolvimento, nos Estados Unidos, na
Europa, mas poderá facilmente começar na China, ou na Índia, ou até
aqui no Brasil.
Quanto à manufatura molecular, nós definimos como usar química
programável, em montagem programável, para gerar produtos complexos,
com característica de nanoescala. Em vez de montar uma molécula de
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
átomo por vez, programamos essa montagem para que seja automatizada,
para que seja feita em paralelo, de forma bastante rápida. Isso poderá
levar a quê? Nós já lemos no passado, e parece verdade, que isso poderia
levar a materiais com uma rigidez cem vezes maior do que a de hoje; por
exemplo, há computadores e motores mecânicos muito menores do que
aqueles que temos hoje.
Temos aqui uma visão bem próxima de uma fábrica molecular
teorética (o desenho foi produzido por Eric Drexler).
Essa idéia é de uma máquina construída no nível molecular, e seria
possível programar essa reação química para ela acontecer de forma a montar
produtos complexos, começando de baixo para cima. Acredita-se que isso
poderia levar à fabricação de desktops, que é o avanço mais recente nessa
teoria. Poderíamos ter uma máquina dessas em cima de nossa mesa, por
meio da qual conseguiríamos fazer produtos genéricos.
Coisas pequenas funcionam mais rapidamente. Por exemplo, observamos que, durante o vôo de um pássaro grande, como uma águia, ela
move as asas devagar; no entanto, um beija-flor mexe-se tão rápido que faz
aquele zumbido, ou uma pequena mosca, que também move as asas de
modo tão ligeiro que você não consegue ver. Portanto, à medida que as
coisas são menores, acabam se comportando com maior velocidade. As106
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
sim, uma máquina como a nanomanufatora pode ter trilhões de peças operando em série ou em paralelo, fabricando produtos com rapidez muito
maior do que a que se poderia esperar; na verdade, capaz de fabricar sua
própria massa, e até mesmo uma outra duplicata de uma nanofábrica, em
apenas algumas horas. O impacto disso é de que, se essas nanofábricas
forem desenvolvidas, visto que elas já foram projetadas, então poderiam
proliferar exponencialmente. Se uma nanofábrica pode fazer sua própria
massa em poucas horas, uma se torna centenas, na semana seguinte, cem
se tornam 10 mil e assim por diante.
O que nós não temos ainda é a capacidade de criar as ferramentas
que vão montar as moléculas em um nível inicial. Uma vez que isso seja
criado, nós temos já um projeto preliminar de uma fábrica totalmente funcional como essa. As ferramentas estão se desenvolvendo muito rápido,
acreditamos que essa inovação, quase certamente, será lançada nos próximos 15 anos, talvez em menos tempo do que isso.
Agora vamos tratar do impacto que isso vai ter. O gráfico “Change
is Coming” nos ajuda a entender este processo.
A curva em S se aplica às revoluções industriais em que esses impactos acontecem, em termos de tempo. Mas observem que, se nas outras
revoluções industriais o fator tempo era medido em décadas (1740, 1840,
1900, 1950), a próxima revolução industrial (a quinta) pode acontecer
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
em poucos anos, e não após decorridas muitas décadas. Ao comprimir
essa curva, ocorre o que a Professora Sônia Dalcomuni chamou de “destruição criativa”, ou seja, a invenção, a disseminação e difusão. Em vista
do pouco tempo envolvido, o poder destrutivo desse processo poderia ter
vítimas humanas. Notem aqui uma curva mais inclinada do que aquela
curva em S, quer dizer, ela sobe mais rapidamente por causa dessa compressão do tempo.
Na verdade, discutimos no meu grupo que o passo a ser dado não
será comparativamente menor, mas um grande passo, para o qual nós não
estamos adequadamente preparados. O compacto combinado da Nanotecnologia vai igualar a Revolução Industrial dos dois últimos séculos, mas
toda essa modificação vai ser comprimida em alguns poucos anos. Assim,
a capacidade de fazer qualquer coisa que consiga projetar ou manipular
moléculas, com controle por computador direto, será um salto no sistema,
uma descontinuação abrupta para inúmeros sistemas – ecológico, econômico, político e social. Isso acontecerá local, nacional e globalmente.
A Nanotecnologia tem muitas definições diferentes, conforme já foi
dito. Podemos pedir a cem pessoas diferentes que definam a Nanotecnologia, 90 delas vão dizer “não sei o que é isso” e os outras dez vão dar
definições diferentes umas das outras. Mas o ponto importante sobre o
avanço da Nanotecnologia não é a invenção de novos produtos, e sim a
criação de toda uma nova forma de produção. É por isso que a chamam de
“tecnologia genérica”, porque fornece o potencial para proliferação
exponencial. Esse novo meio de produção consegue criar sua própria expansão, reproduzir o próprio sistema de manufatura. Além disso, haverá a
criação de produtos acelerada, visto que, se uma nanofábrica pode fabricar
a sua massa em poucas horas, a um custo muito baixo (a US$ 1 por libra
de material, mais a energia necessária), teremos condições de fazer protótipos rápidos; desenhar e criar um novo produto; descobrir se está adequado, que modificações ainda gostaríamos de fazer nele; mudar o projeto,
fazer um novo produto. Desse modo, todo esse intervalo de invenção, inovação e difusão pode ser comprimido muito em relação ao que existe hoje.
Como eu já disse, é uma tecnologia de proposta geral, como a eletricidade ou o computador, e vai afetar todas as indústrias e setores econômicos. Essa combinação de material bruto, barato e com pequeno capital
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
não exige a montagem de uma fábrica de US$ 1 bilhão, só é preciso ter
uma nanofábrica, a qual poderá proliferar exponencialmente. Dito isso,
surgem diversas questões: é possível criar problemas sociais? é necessária a
regulamentação do produto? que fábricas serão distribuídas? quais os
métodos? quem vai ter acesso a isso? será uma transformação global, vai
ultrapassar as fronteiras? etc.
Salvo engano, o Dr. Paulo Martins escreveu um artigo sobre o impacto da eleição presidencial estadunidense em todo o mundo e eu li também no Guardian, um jornal inglês, que talvez as pessoas no mundo
deveriam ter opinião sobre quem vai ser o presidente dos Estados Unidos,
uma vez que a política americana exerce grande impacto na vida delas.
Esse é um debate interessante, cujo princípio se aplica também no campo
da Nanotecnologia. O efeito desse impacto vai atravessar fronteiras e transformar sociedades em todo o mundo, por isso, as pessoas, tanto no Norte
como no Sul, de países desenvolvidos e não desenvolvidos, devem ter a sua
opinião considerada no que diz respeito ao que a afeta. Penso que será
necessária uma administração no âmbito global, e isso vai levar muito tempo para se criar.
Foi dito hoje pela manhã que talvez seja tarde demais para introduzir a regulamentação necessária. Não acho que seja tarde demais, mas não
acredito que haja muito tempo; o relógio está rodando, precisamos começar logo. Quais são os benefícios e os riscos? Já ouviram falar de robôs que
salvam a vida de pessoas? É uma possibilidade, mas que igualmente pode
servir de arma de destruição em massa. Calcula-se que com US$ 1 milhão
pode-se fazer uma rede de computadores para cada pessoa no mundo,
mas com esse mesmo dinheiro podem-se fabricar câmeras e rede para manter
vigia sobre todos nós. Trilhões de dólares poderiam ser criados em abundância, porém poderia acontecer uma briga gananciosa para obter esse
dinheiro, por meio da invenção de novos produtos maravilhosos ou então
com a geração de armas rápidas o suficiente para desestabilizar a próxima
corrida armamentista. Não é maximizando os benefícios que se podem
minimizar os riscos, e vice-versa, não só porque se minimizam os riscos, se
maximizam os benefícios. Um plano administrativo eficaz para a Nanotecnologia tem de tratar tanto do lado positivo quanto do negativo.
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Ruy Braga – Eu gostaria de passar a palavra agora
para Annabelle Hett, especialista em análise de risco da instituição chamada Swiss Re.
Dra. Annabelle Hett – Muito boa noite. Muito obrigada pelo
convite, é um prazer estar aqui e participar deste debate, que está sendo
muito interessante. Eu sou da Swiss Re. “Re” significa empresa de seguro; não sei se vocês estão familiarizados com os seguros Re, por isso eu vou
falar um pouquinho sobre o que é resseguros. Resseguros é, na verdade, o
seguro das empresas de seguro, do que se deduz que nós fazemos seguros
para elas.
Todos vocês têm algum tipo de seguro, do carro, da casa etc. Essas
empresas precisam transferir o risco delas para um tomador de risco final,
que é uma empresa de resseguros, para diversificar o risco. É assim que o
sistema funciona. Há poucas resseguradoras grandes e elas precisam ter
uma visão muito boa de qualquer tecnologia e dos novos desenvolvimentos
no mundo, porque participam em praticamente qualquer risco em escala
global; portanto, estão envolvidas não só com a avaliação de risco, como
também com a gestão de risco. A Nanotecnologia é apenas um dos muitos
assuntos que nós tratamos ou estudamos.
Eu sou responsável pelos riscos emergentes na Swiss Re e Nanotecnologia está dentro da minha alçada. Gostaria de falar nesse assunto da
perspectiva de negócios, mas também para dar uma visão geral sobre o que
é essa tecnologia.
Eu pesquisei algumas manchetes de jornais, em geral do último
mês [setembro de 2004]. O que se nota é que rapidamente está aumentando a atenção da mídia para a Nanotecnologia. Manchetes sobre
Nanotecnologia foram encontradas no Forbes, Washington Post, Wall Street
Journal, todos jornais financeiros importantes. É de surpreender que eles
estejam tratando do lado arriscado dessa tecnologia; porém, se no início
do ano passado eu fosse a alguma conferência e falasse de risco associado
à Nanotecnologia, as pessoas olhariam para mim com incredulidade, sem
saber do que eu estaria falando. Creio que o debate mudou muito no início
de 2004, o que provavelmente se deve a alguns relatórios que estão saindo
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
do Reino Unido e de outros lugares. Atualmente, o debate está mais
centrado no lado dos riscos, e não no lado dos benefícios.
Antes de continuar a minha palestra, eu terei de enfatizar o fato de
que a minha tarefa também é considerar os cenários piores possíveis e vou
falar daqueles que nós imaginamos. De modo geral essa é uma tecnologia
bastante útil, conforme os outros palestrantes já disseram. Nós sabemos
que as Nanotecnologias têm um potencial imenso de benefícios, grandes
benefícios não só para a indústria, mas também para o consumidor. Vamos
ver aqui alguns dos potenciais riscos, mas ainda não temos certeza se isso
vai se materializar ou não.
Talvez eu seja a quinta palestrante a oferecer uma definição para
Nanotecnologia, vocês devem ter ouvido isso várias vezes. Esta é uma definição oficial, usada por algumas outras organizações também: “nano” é
derivado do grego e significa “anão”, uma coisa muito pequena. Portanto,
nós estamos falando de uma tecnologia e de algo associado a tamanho. Eu
quero deixar bem claro o fato de que, ao se referir à Nanotecnologia, estáse lidando com uma definição larga, que engloba muitas aplicações, a ciência, entre outras coisas. Nanotecnologia é um termo muito genérico; ela
visualiza, caracteriza e manipula matéria de uma dimensão menor do que
cem nanômetros. Se nós, do ponto de vista de resseguros, da avaliação de
risco, estamos tratando de Nanotecnologia, estamos apenas aludindo a
nanopartículas e cubos, que correspondem a um segmento muito pequeno
da Nanotecnologia. Há muito mais a incluir no assunto, coisas às quais
nem prestamos atenção, porque já existem há milênios; por meio da nossa
avaliação de risco, com os nossos cenários, estamos apenas enfocando nanopartículas, quer dizer que é uma coisa bem moderna.
Para os leigos, a nanopartícula é uma coisa muito, extremamente
pequena; para efeito de comparação, uma pulga teria 1 milhão de
nanômetros. Nós estamos falando de uma coisa tão pequena, que só se
pode enxergar por meio de instrumentos. É preciso passar por um processo, que é caro e demora algum tempo, para reduzir material, como plástico, ouro ou vidro, a fim de obter nanopartículas.
Por que fazer uma coisa maluca dessas? Por que é caro e consome
tempo? A resposta a isso, e o único motivo pelo qual o fazemos, é: para
reduzir o material a partículas muito pequenas, acaba-se mudando as pro111
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
priedades físicas e químicas do material. Desse modo, se entrarmos em
dimensões menores do que cem nanômetros, estaremos no domínio da
Física Quântica – de que eu não vou falar aqui. Chegar a um tamanho
menor que cem nanômetros significa, como o Professor John Ryan já salientou em sua apresentação, que o universo das propriedades muda completamente. Uma coisa que conduz eletricidade pode não conduzir na
nanoescala, e vice-versa, ou algo que é vermelho pode ser amarelo na nanoescala. Se produzirmos pequenas partículas de carbono e as montarmos, nas estruturas maiores teremos algo cem ou mil vezes mais forte que
o aço e mais leve que o plástico. É por essa razão que nós produzimos
nanopartículas.
É claro que, ao mudarmos as propriedades dessa maneira, também
temos de analisar o lado do risco. Se houver um comportamento estranho
e diferente, o que isso poderia significar para o meio ambiente? O que
implicaria para os seres humanos? O que poderíamos fazer? A dica, em
geral, é: quando se identifica o risco, pode-se geri-lo. O mais importante e
mais crítico é identificar o perigo.
Voltando à indústria de seguros, nossa principal competência é a
transferência de riscos; em outras palavras, nós tomamos um risco (por
exemplo, o risco de uma indústria), o assumimos, tentamos avaliar a freqüência e a gravidade dele, e, dessa forma, o quantificamos. Procedendo
desse modo, é possível transferi-lo, porque, obviamente, poderemos calcular uma cobertura para isso. Essa é uma cadeia de valor do risco e, para
fazê-la, é necessário analisar o ciclo inteiro de geração dos produtos, o que
significa a identificação, a análise, a avaliação e depois a implementação
disso em negócios. Essa é mais ou menos a competência básica de gestão
de risco que nós fazemos em resseguros.
Retomando a problemática da dimensão da nanopartícula, digo
que o tamanho realmente é importante. Reduzindo o tamanho de nanopartículas. consegue-se ter um aumento muito grande da superfície e quanto
maior a superfície, maior a reação causada. Ou, de outra maneira, quanto
maior a superfície, mais átomos na parte externa, o que é algo muito atípico, e temos de aprender a entender como isso realmente funciona. É um
fenômeno muito interessante: quanto menor for a partícula, maior a área
de superfície se torna – e se torna realmente muito grande, porque nós
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
estamos falando do mesmo número de partículas; quanto menor, mais partículas temos por massa.
Então, qual é a diferença dessas pequenas nanopartículas? Algumas pessoas dizem que as nanopartículas já existem há milhares de anos, e
estão certas, pois na natureza nós encontramos muitas nanopartículas. Por
exemplo, o vapor de água salgada, o spray do oceano; na maresia há
nanocristais de sal, que são solúveis em água. Quando isso chega à membrana mucosa ou quando respiramos, eles se tornam solúveis e perdem o
formato de partículas. É uma das diferenças em relação a partículas manufaturadas que não são solúveis em água; algumas delas têm superfícies
revestidas, a fim de dar-lhes propriedades bastante específicas. Outra diferença é que estas podem ser produzidas em volumes grandes. A Nanotecnologia está cada vez mais entrando no mercado, logo veremos mais produtos
e teremos um nível diferente de exposição de nanopartículas à saúde humana.
Um outro exemplo está na fuligem gerada pela exaustão do diesel.
Acho que todos nós concordamos que a fumaça de diesel não é a coisa
mais saudável do mundo. Ela também contém muitas nanopartículas e
estas, durante a exaustão do diesel dos motores, tendem a se aglomerar,
porque quanto menor a partícula mais elas se juntam umas nas outras,
formando partículas maiores, até que acabam caindo, se precipitando rapidamente.
Por meio dessas nanopartículas fabricadas é que se tenta evitar os
riscos. Portanto, dá-se a elas um revestimento especial para que continuem
isoladas por muito mais tempo. Então a exposição pelo ar é muito maior,
obviamente porque elas não se precipitam com muita rapidez.
O que isso nos diz? Estamos falando de novos materiais. É natural
que em novas tecnologias seja necessário aprender, e os cientistas obviamente chegam às suas conclusões por tentativa e erro. Sobre qualquer
coisa na área de nanopartículas, temos de aprender muito e, obviamente,
dado que essa é uma tecnologia muito nova, não há experiências de longo
prazo e há muito poucas avaliações à disposição. Por isso, não avaliamos
direito a que tipo de coisas estamos expostos; afinal, engolimos, respiramos ou absorvemos o que passa pela pele, sem sabermos enfim qual é a
principal rota de exposição a esse tipo de coisa. Houve raras avaliações
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
toxicológicas até o momento. Algumas delas indicam que há um ponto de
preocupação e há certas coisas que temos de analisar e observar – das
quais vamos falar mais adiante com mais detalhes. Mas, de um modo
geral, nós realmente não analisamos o lado do risco com o cuidado necessário e tudo resulta num grande grau de incerteza no momento. A grande
incerteza, com qualquer nova tecnologia, é normal, mas também provoca
certa reação emotiva do público. Já se falou do público nas outras apresentações e eu vou falar também, porque ele sempre é importante para atingir
um estado de aceitação e alcançar o sucesso da tecnologia.
Nós temos essa tecnologia maravilhosa, estamos produzindo matérias diferentes no momento, mas não temos nenhuma classificação para
elas, não sabemos nem dar o nome a essa coisa. Essas esferas parecem
pequenas bolinhas de futebol. Isso é uma criação especial de nossa tecnologia, feita de átomos de carbono; eles apresentam talvez cinco denominações diferentes, mas pode ser 60, você pode chamar de qualquer
coisa.
Em termos de regulamentação, ou em termos de cobertura de seguro, é preciso ter uma nomenclatura comum, uma classificação, porque, se
precisarmos tratar disso mais tarde, as pessoas saberão do que estamos
falando. Por exemplo, há um risco para a saúde de pessoas que trabalham
com determinado material, quer dizer, há perigo ocupacional; se esse é o
caso, temos de tratar disso na regulamentação e, para fazer isso, é necessário dispor de uma nomenclatura comum, caso contrário ninguém saberá a
que estamos nos referindo.
Isso torna qualquer abordagem difícil, pois, se os Estados Unidos
se referem a uma mesma coisa que a Europa ou o Brasil, mas em uma
nomenclatura diferente, nunca haverá condições de comparar resultados
científicos. A nomenclatura e a classificação são aspectos muito importantes. Nós também já ouvimos falar que nanopartículas estão presentes nos
produtos, eu concordo com o John, mas a maioria destes ainda não chegou
ao consumidor; os produtos ainda estão nos laboratórios, estão entrando
no mercado aos poucos, mas com uma tendência de aumento do número,
se a previsão de algumas dessas agências for correta.
Nós vemos nanopartículas na fase final de teste, ou já no mercado,
em todos os segmentos industriais. Estou mencionando o nome de alguns
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
aqui só para dar uma idéia do que já existe lá fora e o que se pode esperar
ver. Por exemplo, materiais é uma das partes mais fortes, é de onde talvez
venha a maior receita. Alguém mencionou o efeito lótus, a partir do qual
se consegue criar certas superfícies para todos os tipos de materiais – por
exemplo, o vidro –, a fim de torná-los resistentes à água, à ferrugem, aos
arranhões e todos os tipos de variações, de modo a otimizar o produto.
Um produto em que eu estou pensando são as células solares. Este
é um país de sol. Alguém, aqui presente nesta palestra, tem células solares
no telhado? Células fotovoltaicas? Só uma pessoa. Na Suíça elas são freqüentes e muito bem conservadas – mesmo há três anos no telhado, as
células fotovoltaicas parecem novas, parece que foram colocadas lá há cinco minutos. E como é que isso pode acontecer com toda a poeira e com
todo tipo de coisa que chega lá? O que as protege são os revestimentos de
superfície feitos de dióxido de titânio, que reagem quimicamente quando a
poeira as atinge e, ao fazerem isso, eles mantêm a superfície totalmente
limpa. É uma das aplicações que já existem hoje em dia e está funcionando
muito bem.
Pude observar outra aplicação em uma indústria que visitei, a qual
produz tecidos e fibras especiais. O trabalho é muito interessante: criaram
nessa empresa uma camiseta com um tecido especial que não mancha de
modo algum. Quando fui lá, deram-me uma garrafa de ketchup e me disseram “jogue-o na camiseta”; eu joguei o líquido, ele escorreu e aquela
camiseta permaneceu intacta, sem nenhuma mancha. Para qualquer um
que tenha filhos, isso é maravilhoso. Essa camiseta é revestida com nanopartículas, e o mesmo pode ser feito com revestimentos esportivos. Mais
uma vez, então, a discussão veio: as nanopartículas ficam lá, mas o que
acontece ao longo do desgaste da roupa, quando o usuário transpira ou
quando se está em temperaturas diferentes? O que acontece com essas
nanopartículas? Esta é só uma reflexão. E quanto aos materiais farmacêuticos? Já ouvimos muito sobre isso, estamos falando sobre o tratamento de
câncer, da Aids; em potencial, muitas coisas fantásticas.
A sustentabilidade é outro assunto importante. Certas empresas,
da América do Norte principalmente, estão tentando ver partículas para
limpar lugares contaminados, áreas grandes com terra poluída devido ao
derrame de substâncias químicas e contaminação química do solo. A for115
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
ma como é feita hoje, pelo menos nos Estados Unidos, toma metro cúbico
por metro cúbico de terra poluída, limpa e depois traz de volta para o
lugar. É um serviço muito caro, consome muito tempo e demanda um
esforço enorme. Agora, utilizando a nova tecnologia, eles bombeiam nesses lugares dióxido de titânio e outras partículas, com as quais estão fazendo testes; por meio de reação química, mais uma vez, elas neutralizam as
toxinas ou substâncias químicas que existem na área poluída. Depois do
trabalho feito, eles deixam as nanopartículas lá na terra. Isso seria um
procedimento muito mais barato e mais eficaz de fazer.
Esse é o lado positivo; do outro lado, restam as dúvidas a respeito do
risco. O que dizer dessas partículas, algumas delas metálicas, se entrarem na
água, nos lençóis freáticos e depois na água potável? O que isso faria à saúde
humana? Nós não sabemos as respostas. Eu acredito que essa situação é
típica da Nanotecnologia: há os dois lados da moeda e estão muito juntos
um do outro, os benefícios de um lado podem ser muito negativos do outro.
Não existe nenhuma outra tecnologia em que esses dois lados da moeda
estejam tão proximamente interligados; nos meus termos, eu diria que isso é
muito característico da Nanotecnologia e dos seus produtos.
Quero mencionar agora as implicações na saúde, nos cenários que
já imaginamos, no que já existe em literatura atualmente. Nós dissemos
que as nanopartículas são tão pequenas que alcançam todas as formas de
entrar no corpo humano. Isso não é possível para nada maior do que elas.
As micropartículas que existem no mercado, no mundo, não conseguem
entrar, ser respiradas ou absorvidas pela pele; por outro lado, se houver
nanopartículas no ar, elas entram no pulmão e do pulmão podem entrar na
corrente sanguínea, no sistema circulatório e, neste, não há nenhuma membrana que não possam atravessar. Elas podem passar para qualquer lugar,
não há nenhuma parte no corpo humano ou animal que não possam atingir. Algo que é muito específico e de surpreender, é que essas nanopartículas conseguem até passar pela barreira de sangue do cérebro, que separa o
sangue do resto dos seus sistemas. O cérebro é o órgão mais protegido no
ser humano, por bons motivos, visto que é um órgão muito sensível e é
preciso manter tudo o que não pertence a ele fora dele; no entanto, as
nanopartículas descobriram uma maneira de passar por essa barreira e
entrar dentro do cérebro.
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Para dizer o mínimo, não há muito que se possa pensar ou fazer
para atravessar essa barreira. Por um lado, em termos farmacêuticos, isso
pode ser ótimo, visto que permitirá a criação de novos medicamentos que
viabilizem a cura de doenças cerebrais, as quais antes sequer conseguiríamos acessar. Contextualizando, cerca de 97% de todas as substâncias farmacêuticas conhecidas atualmente são mantidas fora da barreira do cérebro.
Para enviar alguma coisa para além dela, é necessário fazer uma dosagem
tão alta, que os efeitos colaterais podem ser bem pesados. Seria excelente
encontrar uma outra forma de aplicar diretamente um medicamento ao
cérebro.
Por outro lado se qualquer coisa que respiramos ou engolimos pode
potencialmente acabar no cérebro, o que isso vai fazer lá? Uma vez lá, no
que isso resultará? Vai se acumular? Como é que podemos nos livrar disso? É esse tipo de pergunta que precisamos nos fazer. O que se diz na
literatura científica é que certas nanopartículas podem se acumular no cérebro, no fígado, nos músculos, nos rins e em diversos outros órgãos. Então se pergunta: qual é a meia-vida dessas coisas? Quando é que realmente
elas acabam indo embora e de que jeito?
Temos de ser muito específicos. Não estou falando de 100% de
todas as nanopartículas, visto que esses estudos foram feitos com um tipo
muito específico delas. Não se pode comparar uma partícula com outra;
pode bem ser que – essa é minha opinião pessoal – 80% ou 90% de todas
as nanopartículas sejam absolutamente seguras, porque são solúveis em
água ou porque são biodegradáveis; enfim, é essa outra parte menor que
nós temos de descobrir, porque essas são as que não são biodegradáveis,
são as que talvez possam se acumular. A dúvida recai sobre o que pode
causar problemas e como lidar com isso; mais uma vez repito, conhecendo
o assunto, sempre há uma forma de gerir o risco. O grande desafio é
descobrir o que é ou o que fazem essas nanopartículas. Esse é o mesmo
caso das nanopartículas em filtros solares, mencionado em outra apresentação.
Nos filtros solares acontece o seguinte: o dióxido de titânio e o
óxido de zinco contidos naqueles são usados há muito tempo, porque permitem a absorção da luz ultravioleta e, dessa forma, protegem o consumidor contra o sol. Esses componentes têm sido empregados em microtama117
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nho, micropartículas, as quais são muito maiores que a nanopartícula, e
foram introduzidos no protetor solar há muitos anos. Nessa época, essa loção
era branca, a fim de que, aplicada uma camada espessa, refletisse a luz; porém,
isso dava o aspecto de uma pintura branca no usuário, uma pasta d’água, o que
fez com que a indústria cosmética tentasse achar formas de contornar isso e
tornar o líquido transparente. Tinha de ser um protetor solar transparente,
mas que protegesse contra o sol. Do ponto de vista do consumidor, quem ia
querer aquela pasta branca na cara? Assim, os fabricantes diminuíram as
micropartículas e introduziram dióxido de titânio no tamanho nano. Ao fazer
isso, as nanopartículas não refletiam a luz, tornando-se transparentes, mas, por
outro lado, como o Professor John disse, ficou a dúvida: onde essas partículas
acabam, será que podem atravessar a pele, entrar no sistema sanguíneo? É
algo sobre o que temos de pensar – e não só no que se refere a protetor solar,
mas também quanto a xampu, batom, maquiagem etc., nós temos de saber o
que acontece, nem tanto aos mais idosos, mas às crianças e aos jovens, porque
eles são mais expostos a certos riscos, são mais suscetíveis. Para essa parcela da
sociedade precisamos encontrar as respostas precocemente.
Já dissemos que pela respiração e pela ingestão essas nanopartículas
podem cair na corrente sanguínea. A terceira forma citada, a da absorção pela
pele, ainda não temos certeza se permite a entrada dessas substâncias na corrente sanguínea ou não; nos pulmões e pelo sistema digestivo, sabemos que
sim, mas por meio da pele não sabemos, está sendo discutido. Além disso,
outra questão a ser resolvida é sobre o que acontece depois, uma vez no sistema
sanguíneo.
No que toca ao contexto econômico, conforme já ouviram algumas vezes nas apresentações anteriores, o impacto que se espera é bastante grande,
em torno de US$ 1 trilhão em 2015, segundo a previsão da National Science
Foundation, um grupo americano influente em termos de Nanotecnologia. É
um número muito alto, mesmo considerando a baixa do dólar. No entanto, de
onde se espera que venha essa receita? O grande setor é, claro, o de materiais
ou de revestimento de material; o setor seguinte será o eletrônico, no qual se
espera que haja US$ 300 bilhões em receita; depois, o de medicamentos, com
US$ 180 bilhões; em seguida vêm os demais: mecânica aeroespacial, ferramentas, sustentabilidade até as mencionadas aplicações com partículas químicas no solo contaminado para tratá-lo.
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Uma vez que estamos falando de grandes receitas, refiro-me também a
muitos produtos que serão brevemente lançados no mercado. Se esses produtos estiverem à disposição para o consumo em pouco tempo, vindos de empresas de resseguros, que asseguram os riscos em todo o mundo, é preciso que haja
uma visão geral desses riscos. De início, é necessário quantificá-los e só podemos fazer isso se conhecermos a freqüência e a gravidade do risco. Se não
pudermos quantificá-los, não será possível colocar um preço; se não conseguirmos colocar um preço, não poderemos pagar por eles; e se não pudermos
pagar por eles, as empresas de seguro vão ter um problema, pois não vão
atribuir um valor a isso; por fim, se não puderem transferir o risco delas para
nós, não vão poder cobrir o risco das indústrias. É uma grande cadeia.
Portanto, é importante entender esses riscos logo no início, uma vez que
todos nós temos interesse nessa tecnologia, que ela se materialize, porque é
prometedora de crescimento econômico. A indústria quer participar por causa
do produto que vai pôr no mercado; a sociedade, por sua vez, pode se beneficiar de uma gama de produtos diferentes, da área médica à área eletrônica,
produtos mais baratos e melhores; os seguros, é claro, podem beneficiar-se de
todo o crescimento econômico a acontecer, porque nós vamos participar dele.
Desse modo, temos todos a mesma expectativa e queremos que o desenvolvimento da Nanotecnologia aconteça de forma sustentável. O que nós não queremos é uma segunda bolha eletrônica, uma coisa que cresça muito e depois
caia direto.
Em Nanotecnologia, seria aconselhável saber do que estamos falando,
fazer o nosso melhor para uma boa análise de risco. Identificando-o logo no
início nos certificaremos se essa tecnologia realmente oferecerá um impacto nos
próximos 10 a 30 anos, sem a necessidade de uma grande quebra, conforme
vimos em outros debates de tecnologia.
Do ponto de vista de resseguros, não estamos tratando de pequenas
nanopartículas, de baixas receitas, mas de cem ou mil nanopartículas diferentes
em todo o mundo. Essas centenas de nanopartículas estão sendo produzidas
por diversas pequenas empresas; estas, por sua vez, produzem centenas de
produtos diferentes, que estão sendo vendidos em praticamente todos os países
do mundo inteiro. É um efeito bola-de-neve, por isso, se durante o desenvolvimento houver um erro de projeto numa dessas nanopartículas, ocorrerá um
erro sistêmico, passando por todas essas linhas, por todos esses produtos,
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
essas empresas, esses países, o que significa que implicará um grande problema para quem assumir o risco final. Se não quisermos recorrer no cenário dos asbestos ou do amianto, que se acumulam no tomador de risco
final; se quisermos evitar um desenvolvimento parecido, nós temos de fazer uma avaliação de risco precoce. Não estou afirmando que isso vai ser
um segundo caso como o do amianto, porque nós nem ao menos sabemos
qual é o risco.
A mensagem que eu quero deixar aqui é de que é alta a incerteza,
temos de esclarecer isso, temos de saber. Pode ser que o risco seja muito
menor do que estamos esperando que seja. Então, todos nós, principalmente os cientistas, as indústrias e as empresas de seguros, todos os interessados no jogo precisam fazer o seu dever e realizar uma boa avaliação
do risco, quanto mais cedo melhor, porque mais barato fica. Além disso,
ressalto que, uma vez começado o debate emocional com o consumidor,
perde-se totalmente a confiança nele, e assim acaba o debate.
Sobre organismos vivos, talvez a principal conclusão de impactos
na saúde é aquela de que as nanopartículas podem acumular-se no corpo.
Quanto à saúde humana, considero dois grandes problemas: um é a
toxicidade aguda e o outro, a toxicidade crônica. Como uma empresa de
saúde que tem uma perspectiva de longo prazo, nós temos de saber qual
vai ser o risco nos próximos 20 anos ou, pelo menos, o que se vai ficar
conhecendo, para podermos ter reservas para gerir esse risco.
A toxicidade aguda é algo que provavelmente já vimos, porque
muitas pessoas no local de trabalho estão trabalhando com nanopartículas.
Por exemplo, alguém respira nesse lugar, tem uma dor de cabeça e cai no
chão. Isso é algo que não nos preocupa muito, nós estamos muito mais
preocupados com a toxicidade crônica. Esta decorre da exposição a nanopartículas, por exemplo, por 10 ou 20 anos; passado esse período, de
repente haverá um problema muito sério, com muitas pessoas, porque elas
estarão expostas às nanopartículas ao longo de muito tempo. A toxicidade
crônica é algo com o que não se pode conviver, para o qual não podemos
nos preparar. O jogo na transferência de riscos consiste em saber qual
deles você tem no portfólio para poder pagar por ele; desse modo, a latência
longa é uma coisa difícil para nós, por isso enfatizo que precisamos de
avaliação de risco e de dados logo no início.
120
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Uma colega, na Escócia, fez uma experiência brilhante, em que
tentou observar reações inesperadas de nanopartículas. Ela recolheu para
testes diversos animais e os expôs a um número diferente de partículas,
nanopartículas e micropartículas (que são bem maiores), e a um grupo de
controle, uma espécie de solução salina, algo normal como o soro fisiológico, uma reação fisiológica a que somos expostos facilmente, sem nenhum
problema. Essa pesquisadora tentou medir as células inflamatórias no pulmão dos animais que foram submetidos a diferentes tipos de partículas.
Na primeira experiência, ela usou uma solução salina, expôs o animal e mediu as células inflamatórias, as quais estavam em uma contagem
muito baixa, conforme era esperado. Na segunda experiência, ela pegou
nervos de fumo de 40 nanômetros, que produziram uma reação inflamatória muito maior, o que também era esperado, pois as nanopartículas têm
uma grande superfície. No terceiro experimento, ela utilizou micropartículas
de íons de cloro e obteve uma reação inflamatória menor, metade daquela
resultada com as nanopartículas da experiência anterior; mais uma vez,
isso era esperado, dado que as micropartículas são muito maiores, têm
menor superfície, e, portanto, menor inflamação.
A quarta experiência foi realmente interessante. Ela misturou as
micropartículas e as nanopartículas, ocasionando uma reação inflamatória
muito grande no animal, muito maior do aquela que teria se simplesmente se
somassem as duas reações isoladas da micro e da nanopartícula. Esse tipo de
reação, esse tipo de sinergia é o que nos surpreende em termos de Nanotecnologia. Algo que é comum entre as novas tecnologias é o resultado inesperado. São coisas que vamos ter de enfrentar e que temos de esclarecer o tanto
quanto possível. As sinergias obtidas com a nano e a micropartícula carregam sempre um potencial de surpresa que nós precisamos analisar.
Sobre meio ambiente, vou tratar brevemente, porque, afinal, esse
assunto redunda em saúde humana. As partículas ficam no ar durante
muito tempo, a exposição através da atmosfera é muito maior e, se nós
temos partículas que foram tratadas para evitar a sua aglomeração, nós
não sabemos se isso vai ou não vai contribuir para a poluição. Um outro
exemplo: se essas nanopartículas entrarem nos lençóis freáticos e na água
potável e descobrirmos que são tóxicas, nós teríamos de filtrar as partículas
da água potável, o que representaria um problema sério, porque os méto121
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
dos de filtragem de que dispomos são muito limitados. Suponhamos que a
vazão dos métodos de filtragem são, em média, na proporção de uma banheira por hora para se livrar das nanopartículas. Analisado o fornecimento da água potável de São Paulo, talvez leve algumas centenas de anos
para filtrar toda essa água, que seria consumida em um ou dois dias. Estou
convencida de que será possível encontrar novas formas de filtragem e de
que vamos ter condições de lidar com o risco, mas temos de saber se podemos atuar aqui; temos de identificar os riscos e atuar com eles, essa é a
minha mensagem principal.
O setor de regulamentação provavelmente não está muito completo, muitas das agências regulamentadoras não viram Nanotecnologia ou
Nanomateriais como uma classe química separada. Por exemplo, a Food
and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, a agência que
aprova os medicamentos, diz que a nanopartícula de óxido de titânio é
equivalente à micropartícula, o que significa que, para eles, praticamente
não há diferença entre micropartículas e nanopartículas. No entanto, do
nosso ponto de vista, deve haver uma grande diferença, caso contrário não
precisaríamos produzir as nanopartículas, porque isso sai caro. A União
Européia diz que dióxido de titânio é seguro, independente do tamanho.
Isso é, obviamente, uma falha na regulamentação, a qual já foi reconhecida
e, no momento, há uma força-tarefa trabalhando nesses assuntos. Portanto, tão logo veremos uma modificação, mas, atualmente, existe uma grande
lacuna na regulamentação e, por isso, nós ainda não consideramos nela as
propriedades especiais de nanopartículas.
A mesma coisa acontece com planilhas de dados sobre segurança
de materiais. Sabe-se que, ao produzir substâncias químicas em grande
quantidade, é necessário acompanhá-las com uma folha de dados de segurança, em que se diz quais são os problemas, os perigos envolvidos, como
se proteger etc. Com o dióxido de titânio, foram usados os dados sobre a
proteção de material das micropartículas, mas a empresa produziu nanopartículas. Além disso, as recomendações são inúteis, porque dizem para
usar uma máscara e lavar as mãos, coisas que não protegem contra os
riscos envolvidos.
Há aqui uma grande lacuna que temos de preencher. Isso tem sido
visto pelas agências regulamentadoras também, mas provavelmente deverá
levar algum tempo para se adotar uma nova regulamentação.
122
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Por enquanto, não temos a obrigação de revelar os dados, pois os
produtos não são rotulados, visto que nós não sabemos quais produtos
contêm ou não nanopartículas. Isso afeta também a confiabilidade do público. Nós, por um lado, gostaríamos de saber que produtos contêm nanopartículas para a avaliação do risco e os consumidores, por outro, teriam a
opção de escolher entre produtos com ou sem nanopartículas. Retomemos, por exemplo, os filtros solares, um com nanopartículas e outro sem
elas. Se o usuário tem a opção e acha que pode empregar o primeiro, ele
pôde escolher, teve a liberdade de escolha; o que os demais pensam ou
fazem não lhe interessa. Quando tivermos a opção, a aceitação da tecnologia vai ser mais fácil e melhor.
Quanto à percepção pública, já ouvimos muito sobre isso. Sabemos
que, na Europa, existe uma ansiedade considerável sobre as novas tecnologias. Os alimentos geneticamente modificados nunca deram sequer uma dor
de cabeça, nunca mataram ninguém, não houve nenhum efeito à saúde associado a esse material. No entanto, têm ocorrido casos de alguns milhões de
questionamentos associados a materiais geneticamente modificados, embora
não tenha havido a relação causal entre eles. Só houve esses casos em tribunal porque as pessoas rejeitaram essa explicação; quando o consumidor não
confia e não quer a tecnologia, logo processa o produtor. No caso do milho
geneticamente modificado, existia um pequeno porcentual misturado com
milho normal, o que gerou um longo processo. Se o público tivesse maior
confiança na tecnologia, provavelmente não o tornaria um caso de tribunal.
Isso demonstra que há aí um poder de desacelerar qualquer desenvolvimento
tecnológico, até de pará-lo completamente. Vimos isso na Europa, onde as
pessoas são mais conservadoras, se comparado aos Estados Unidos, por
exemplo. Portanto, a percepção pública é muito importante.
Também sabemos que “por medo de”, existe o receio de uma tecnologia, mesmo sem haver necessariamente uma causa e um efeito. Por
exemplo, alguém que trabalhou em uma empresa produtora de amianto,
mas estava em um escritório longe, sem estar exposto às fibras do elemento; ainda assim persiste a possibilidade de essa pessoa abrir um processo
“por medo de”. Há uma grande onda de processos desse gênero, que
podem se tornar muito caros. Quem paga por isso? Primeiro são as empresas de seguro, mas, no final, somos todos nós que pagamos; é a sociedade que acaba assumindo esse sistema de responsabilidade civil.
123
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Esse é um dos desafios para a indústria de seguros, e o maior deles
é avaliar a freqüência e a gravidade do risco. São difíceis de calcular porque há muitos materiais diferentes e testá-los demora, vai levar tempo, é
muito caro e nem sequer concordamos em quem vai pagar por isso, se é a
indústria, se é o governo, se somos todos nós. Há muito dever de casa a
fazer e vai demorar um pouco.
A Swiss Re, como uma empresa de resseguros, publica um folheto
como todos os outros, mas nós tratamos desses cenários de forma mais
compreensiva do que a que eu apenas descrevi hoje. Ao fazermos isso,
publicar e começar um diálogo, nós queremos realmente nos envolver nesse esforço internacional de avaliar os riscos associados à exposição à Nanotecnologia. Nosso objetivo é ter uma abordagem internacional,
transnacional, comum a todos os interessados, isso seria o essencial.
Também somos membro de algumas das organizações internacionais que trabalham nesse assunto, mas acho que a parte mais importante é
que nós tentamos reunir os interessados, os representantes dos negócios,
das empresas de seguros, os cientistas e a área de regulamentação numa
conferência internacional, para lidar com os problemas transnacionalmente.
O que acontece até o momento é que todas as pessoas estão se reunindo
nos seus próprios grupos. Os cientistas falam entre si, assim como os negociadores, os regulamentadores, mas muito poucos dialogam fora dos seus
grupos. Além desses, as ONGs e o público também têm que ser envolvidos no processo.
O lado positivo, na minha crença positiva da Nanotecnologia, é
que estamos em um estágio precoce. Se compararmos com os debates que
tivemos no passado, a maioria dos interessados só participou quando a
discussão ficou muito emotiva e já era quase tarde demais. Nós estamos
em um estágio inicial, não existe ainda o debate emocional a respeito.
Agora é a hora de falar nesse assunto, de enquadrá-lo, de fazer o dever de
casa, a fim de evitar um desses debates altamente emocionais. [Palmas].
Prof. Dr. Rui Braga – Eu gostaria de passar a palavra para os
debatedores, que farão os questionamentos, as ponderações e, posteriormente, nós abriremos para a intervenção do público.
124
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Prof. Dr. Marcos Mattedi – Eu serei o mais breve possível,
para que o debate caminhe rapidamente.
Parece-me que o debate sobre “Nanotecnologia, inovação e Economia” deixou uma lição bastante clara: não é mais possível tratar a relação
entre ciência e tecnologia de um lado e a sociedade do outro. Ou seja, não
existe mais uma relação unilinear entre ciência básica, ciência aplicada,
tecnologia, produtos, desenvolvimento econômico e, no final, qualidade de
vida. Na realidade, esse processo vai sendo construído e reconstruído ao
longo do tempo. A questão é simples: como superar as armadilhas
conceituais e, sobretudo, políticas que colocam, de um lado, a invenção e a
concepção, a dimensão técnica e, de outro, a recepção e a adoção? Em
outras palavras, que separam o social e o econômico?
Mais precisamente, o que a sociedade brasileira – e essa é uma
questão importante para a implantação da nossa rede – necessita fazer
para se apropriar das vantagens econômicas e se proteger dos riscos relacionados à implantação dessa nova tecnologia? Para recuperar uma frase
bastante emblemática, cunhada pela Dra. Annabelle: o que a sociedade
brasileira precisa fazer para identificar os riscos e geri-los de uma forma
adequada?
Prof. Dr. Ruy Braga – Convido agora o Prof. Dr. José Manuel
Rodrigues Victoriano, da Universidade de Valência, na Espanha, para
que possa tecer as suas considerações.
Prof. Dr. José R. Victoriano – Tratarei de ser breve. A primeira questão está relacionada à Economia: por que Schumpeter? A idéia é
recuperar o primeiro economista que introduziu as leis de entropia dentro
da Ciência Econômica, as quais os economistas ignoraram sistematicamente desde então. As leis de entropia dentro das Ciências Sociais, e
sobretudo a segunda, fala dos limites da impossibilidade de crescer infinitamente, dentro de um planeta finito. Acredito que deveríamos pensar a
questão da Nanotecnologia segundo a perspectiva de Nicholas GeogescuRoegen, porque as outras perspectivas de Economia, as mais tradicionais,
observam as Nanotecnologias como um novo desafio às leis da entropia,
125
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
feitas pela própria espécie humana, desafio ao qual estamos fausticamente
bem acostumados – a história do século XX e atual demonstra os limites
desse intento de domínio absoluto da natureza. Assim como essa idéia de
domínio absoluto da natureza, a tecnologia se volta sistematicamente contra a própria humanidade.
A segunda questão que me parece importante considerar é a do desenvolvimento tecnológico. Para exemplificar, falarei do meu país. O expresidente espanhol, José Maria Aznar, usou o conceito de desenvolvimento
tecnológico, durante seu governo. Ele, que era um neoconservador, um
neoliberal puro, no sentido de “neoliberal” que havia na Espanha, no seu
governo, usava o conceito de desenvolvimento sustentável do seguinte modo:
“o desenvolvimento sustentável irá permitir aos espanhóis respeitar o meio
ambiente, crescer economicamente e ter todas as garantias sociais”. A única
campanha feita para que isso fosse adiante foi uma campanha publicitária,
que custou 16 milhões de euros, somente com o fim de mostrar a todos os
espanhóis que isso era possível. Mas ficou só na campanha publicitária.
Eu acredito que devemos ter muito cuidado com o conceito de desenvolvimento sustentável, porque o termo pode ser utilizado de todos os
lados. Devemos abrir a caixa-preta do desenvolvimento sustentável e dizer
que estamos falando dele.
Penso que a Nanotecnologia não tem nada de especial, com respeito às outras tecnologias, no sentido de que sofremos todos os riscos, e os
benefícios são divididos entre poucos. De alguma forma, deveríamos começar a pensar em inverter estes fins, ou seja, mudar para um modelo em
que os benefícios sejam para todos e os riscos com menos possibilidades.
Com respeito à sociedade e o risco, falo disso partindo de uma
perspectiva sociológica introduzida pela assistência social. Um dos mais
famosos sociólogos contemporâneos, o alemão Ulrich Beck, popularizou o
termo “sociedade de risco”. Desse ponto de vista, portanto, vivemos em
uma sociedade de risco: a qualquer momento podemos perder o trabalho,
a noiva, podemos ficar doente ao comer um bife. Não são riscos iguais,
não são riscos produzidos coletivamente. Neste momento, a única coisa
que me ocorre, do ponto de vista sociológico, para valorizar o tema de risco
sobre as Nanotecnologias, seria o fato de as companhias seguradoras cobrarem mais caro pelos produtos que têm em sua fabricação produtos na126
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
notecnológicos. Talvez por essa via possamos saber se há maior ou menor
risco. Mas isso me dá a impressão de que existe um paradoxo com as
Nanotecnologias que trabalham com matéria na escala milionésima, aumentando o risco numa escala muito superior.
A última questão é a de que a Nanotecnologia nos põe perante o
limite da ciência e da ficção. A partir das reflexões que se colocam, nos
perguntamos se é possível um sistema tecnológico, baseado na Nanotecnologia, que permitisse uma nanodemocracia; em outras palavras, será que
todos os cidadãos do mundo poderiam escolher o presidente dos Estados
Unidos, como se pleiteou em outra intervenção, se todos os cidadãos poderiam ter um sistema de informação e educação para o seu futuro?
Prof. Dr. Ruy Braga – Obrigado Manolo. Eu passo a palavra
para os componentes da mesa, seguindo a ordem prévia da exposição.
Profa. Dra. Sônia Maria Dalcomuni – Agradeço aos
debatedores pelas questões. A primeira delas foi o que fazer para prevenir
riscos e administrá-los. Na verdade essa questão de separação depende
muito do ponto de vista e da abordagem com que se trabalha. Na nossa
abordagem, por exemplo, essa separação não existe; talvez a exposição
tenha sido rápida demais. Mas essa idéia de linearidade – do mundo das
ciências, das universidades, dos laboratórios envolvendo ciência e pesquisa
básica, laboratórios mais aplicados, pesquisa aplicada e só depois os resultados serem colocados à disposição da sociedade – é uma discussão
tecnológica ultrapassada, desde os anos 70. Isso se deve porque nós, numa
série de aspectos, de discussões, às vezes demoramos a difundir. O processo de desenvolvimento tecnológico é bem mais complexo. Se nós quisermos pegar uma única corrente de pensamento em separado, por exemplo a
que trabalha o tempo todo sobre a relação usuário x produtor, tentando
inclusive minimizar o papel do laboratório de P&D no interior da empresa, como a única fonte “legítima” de geração de invenções. Há uma miríade
de inter-relações entre usuários, clientes, produtores, lógica de mercado,
lógicas sociais e processo de avanço no desenvolvimento científico, tecnológico etc.
127
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Eu diria que uma questão inicial fundamental é ampliar a base de
informação, porque quando nós falamos em desenvolvimento tecnológico
ou em Nanotecnologia, as características das tecnologias, em geral, são
muito diferentes. O processo de desenvolvimento de técnica a técnica varia
no mesmo período de tempo, às vezes de setor a setor, de empresa a empresa, de área do conhecimento para área do conhecimento. Falta-nos trabalhar de forma mais consistente e integrada para clarearmos nosso debate;
em primeiro lugar, precisamos ter até mesmo uma padronização de linguagem, para enfrentar de uma forma um pouco mais instrumentalizada esse
desafio, que é imenso, e que é exatamente a nossa capacidade, como sociedade, de influenciar no ritmo e na direção do progresso técnico.
A primeira necessidade é exatamente generalizar definições, uniformizar alguns conceitos básicos. Por exemplo, quando se fala em separação, a meu ver, ela já não existe. Essa unilinearidade não existe. Esse
processo é sistêmico e quanto mais gente existe envolvida, mais complexo e
mais difícil é.
Em relação aos comentários do Professor Victoriano, ele perguntou por que mencionei Schumpeter e não um outro autor (Nicholas
Georgecu-Roegen) que trabalhe com a limitação? A questão, aqui, não é
exatamente por que este ou outro autor. Na verdade, Schumpeter, na teoria econômica, quer queira, quer não, conseguiu introduzir na agenda acadêmica da Economia a análise integrada do impacto de inovação com
dinâmica econômica. O nosso primeiro objetivo aqui era discutir quais
seriam as inter-relações entre tecnologia, Economia e meio ambiente. É
óbvio que, ao tratar de uma forma integrada com o desenvolvimento sustentável, com as limitações do ecossistema, nós temos um espaço de trabalho o qual é, na maior parte das vezes, rejeitado pela maioria de nós. São
poucos os economistas que efetivamente trabalham de peito aberto dentro
do paradigma da sustentabilidade. Para muitos economistas, aliás, seria
até uma área acadêmica considerada pouco séria. Eu considero pouco
sério esse tipo de comentário. Não há ainda um modelo teórico consolidado, na teoria econômica, que trabalhe inovação e sustentabilidade. Mas há
uma grande quantidade, já avançada, de convergências, e estas, ainda que
não definitivas – e eu acho que nem devem ser definitivas – estão por aí,
constituindo-se em buildings-box, em passos para auxiliar a sociedade como
128
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
um todo, para melhorar sua visão de mundo e a capacidade de interferir
nesse desenvolvimento.
Em relação ao desenvolvimento tecnológico e sustentável, eu, particularmente, independente dos objetivos dados pelo governo espanhol, não
vejo essa questão como neoliberal, mesmo porque desenvolvimento tecnológico não é nenhum capricho do capitalismo. A evolução das técnicas é
milenar, o que muda em cada tempo histórico é a sua lógica. Esse tipo de
rotulação, às vezes, se torna um tanto complicado. Eu não vejo assim. A
forma como eu trabalho e entendo a sustentabilidade é como quase uma
utopia, uma possibilidade de catalisação de esforços convergentes. É óbvio
que isso passa primeiramente por alguns níveis iniciais de entendimento.
Quando eu citei as cinco modalidades – econômica, social, ambiental,
política e espacial –, nesse ponto, parece realmente que é utopia pura; mas
a base inicial do desenvolvimento sustentável, não se pode negar, é o desenvolvimento econômico.
Ainda dentro da teoria econômica, nos anos 60, o primeiro debate
era sobre se havia ou não a conotação social. Não bastaria ser apenas
crescimento da riqueza, precisaria haver sua distribuição. Essa parte do
debate foi passada para trás ainda nos anos 60. Quando, especialmente a
partir de meados de 1980, chega-se com desenvolvimento e sustentabilidade, surge um outro questionamento ao paradigma, que não é apenas a
questão social. Tanto que, atualmente, em Economia, quando se fala de
desenvolvimento econômico já se pressupõe o domínio social, porque, teoricamente, era só crescimento. Quando se usa a palavra “desenvolvimento”, os aspectos econômico e social já estão embutidos; o termo “sustentável”
é que entra, da forma mais generalizada, apenas com o aspecto ambiental.
Este, de uma forma um pouco mais trabalhada, não envolveria apenas o
meio ambiente físico, mas também a questão da participação política e a
questão da espacialidade, a distribuição espacial também gera maior ou
menor harmonia.
Qual vai ser, como vai ser esse tipo de harmonia? Vai depender das
nossas condições sociais de fazê-lo. Eu não vejo isso como algo definitivo,
mas vejo, sim, como uma perspectiva importante de busca para inverter a
lógica e promover a socialização dos prejuízos e a privatização dos benefícios. Se trabalhamos mais ou menos, se minimamente conseguimos, no
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
consenso, em uma parte pelo menos da sociedade, princípios de sustentabilidade, ética, eqüidade etc., automaticamente temos de buscar a inversão
dessa lógica.
E concordo com o Professor Victoriano, quanto aos sistemas de
informação e educacional. Porque cada país, cada povo vai ter de buscar
suas próprias saídas e só é possível buscá-las se houver cérebro informado,
pensando. Não basta ser simplesmente informado, pensando de uma forma mecanicista, e, sim, dotado de ética e de outros princípios que possam
nos permitir nos relacionar como seres humanos completos. Eu agradeço.
Prof. Dr. Ruy Braga – Obrigado Professora Sônia. Vou passar
a palavra para o Professor Oscar.
Prof. Dr. Oscar Malta – Com relação às duas intervenções não
tenho muita coisa a dizer. Aliás, acho que nosso amigo Ricardo (economista clássico), tanto ele quanto Karl Marx devem estar se revirando no
túmulo; com a mudança tecnológica o pensamento muda, ele não é uma
coisa estática.
Há uma coisa que eu acho extremamente curiosa. Eu mencionei o
caso do amianto e o caso da Nanotecnologia, sobre riscos e benefícios. Aludindo à intervenção do Professor Mattedi – riscos de um lado, como a sociedade vê isso; ciência e tecnologia de outro, etc. –, eu acho que a forma de
lidar com isso é, conforme eu mencionei na minha exposição, ter instituições
fortes. Aqui no Brasil nós não temos ainda esse hábito, nós não criamos
ainda essa cultura de ter instituições fortes que sejam respeitadas. As coisas
no Brasil mudam com uma rapidez muito grande, inclusive os programas
científicos e tecnológicos. De repente aparecem os Pronex, os PADCTs, os
Institutos do Milênio, entre outros, que vão e se acabam. O pesquisador
brasileiro vive em estado de insegurança, é assim o tempo todo.
Creio que nós precisamos ter políticas e instituições acadêmicas, de
uma maneira geral, mais estáveis e que existam programas que independam
do governo que entra ou sai, algumas coisas têm de ficar permanentemente, coisas que sejam respeitadas e que sejam fortes. Dessa maneira, penso
que poderemos deixar bem claro para os cidadãos o que está sendo feito
130
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
em ciência e tecnologia no país, como os resultados disso podem ser revestidos em benefícios para a sociedade e quais são os riscos que existem. O
cidadão deve ter conhecimento disso, mas não somente pela mídia; ele tem
de saber por meio das instituições acadêmicas, que, repito, têm de ser
fortes. Se nós não tivermos isso, acredito que não funciona.
Por que é que isso existe, na verdade? É a ficção científica, é impressionante o poder dela. Foi mencionado hoje, pela manhã, o livro Presa, de Michael Crichton; quando um leigo o lê, certamente fica assustado,
mas, quando se fala em amianto, ninguém se espanta, mesmo que o uso
deste seja comum. E a moda começa de repente.
Há alguns dias, eu estava vendo no supermercado um xampu “à
base de nanocélula”. Já imaginaram uma coisa dessas? É uma coisa maluca, obviamente, é um jogo de mercado. Um outro exemplo: depois que o
Príncipe Charles fez algumas declarações pesadas com relação ao green
goo, de repente, as pessoas começaram a tirar essas coisas das prateleiras
dos mercados. É terrível o modo como a ficção científica é passada para o
cidadão, para público; ela é transmitida de tal forma que, de repente, esses
medos, a exacerbação dos riscos vem à tona.
Os riscos normais existem em qualquer área da ciência: em Biologia, em genética, em reações químicas simples, na síntese química, há diversos riscos. A sociedade precisa estar forte para lidar com isso e a única
maneira que eu vejo para tanto é por meio de instituições fortes e que
sejam respeitadas.
Prof. Dr. Ruy Braga – Professor Mike, por favor.
Prof. Dr. Mike Treder – Em se tratando de risco da tecnologia,
eu acho que é importante vê-lo em dois níveis diferentes. Quanto ao primeiro, já ouvimos muito, hoje, agora e pela manhã, sobre o risco de
nanopartículas e de novos materiais que podem conter nanopartículas, sobre a possibilidade de ser melhorado esse índice; e um aspecto significativo, que diz respeito à toxicidade, à epidemiologia, ao acúmulo de
nanopartículas no ambiente. Esse é um risco sério e que tem de ser – e já
está sendo – tratado. Eu concordo com aqueles que falaram hoje que,
131
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mesmo sendo um assunto significativo, existe uma compreensão genérica
sobre ele; que, neste momento, há esforços suficientes sendo colocados
para tratar dos riscos e que estes não devem ser minimizados na forma
como têm de ser entendidos e abordados.
No entanto, além desse primeiro nível de risco, existe um outro
maior, mais alto, que não existe hoje, mas, como eu disse na minha apresentação, o qual teremos de enfrentar na próxima década ou daqui a 20
anos; esse é o risco que surgirá quando todo um novo meio de produção
for desenvolvido, quando a Revolução Industrial acontecer, aquela que
nós esperamos. Isso nos traz um novo tipo de risco, o qual vai além das
nanopartículas. O problema aparece quando a discussão enfoca apenas a
existência da tecnologia de nanoescala e a resposta dada é “já lidamos com
isso, não se preocupem, estamos tratando disso”. Pode ser verdade ou
não, mas o ponto é que esse posicionamento tira a atenção ao risco maior,
que vai chegar mais brevemente do que a maioria das pessoas pensa. Esse
tipo tem de ser endereçado hoje, a fim de que comecemos a pensar desde
já em soluções para ele, porque, nessa magnitude de risco, as soluções não
serão simples, não serão fáceis e vai levar muito tempo para desenvolvê-las
e implementá-las.
Quanto à pergunta feita pelo Professor José Victoriano, sobre a
possibilidade de uma nanodemocracia, na verdade é este um conceito interessante e certamente bastante controverso. A organização em que eu trabalho avaliou os riscos que enfrentaremos nas próximas décadas. Nós
escrevemos diversos papers, publicamos artigos, fomos a conferências, fizemos apresentações, e uma das coisas que com freqüência nós pedimos é a
criação de algum tipo de estrutura administrativa global, tanto para entendermos, identificarmos e gerirmos os perigos da Nanotecnologia, quanto
para estudarmos a distribuição dos benefícios à maior quantidade possível
de pessoas. Esse, por si só, já é um assunto controverso. Quando conseguimos promover isso – e somos o único grupo que eu conheço que está
ativamente promovendo esse objetivo – nós obtivemos duas respostas, das
quais uma delas é “é uma má idéia, porque concentra força demais em um
lugar só”. Nós acreditamos que em uma estrutura efetivamente democrática, é possível conter e ainda assim fazer a difusão do poder, visto que
estaria protegido pelos equilíbrios.
132
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
No entanto a segunda objeção que nós escutamos é de que é impossível, no mundo atual, que as nações cooperem em nível global. Esta é
uma visão muito pessimista e eu não quero acreditar nela. Mas certamente
é fácil visualizar os Estados Unidos, na sua posição de única superpotência mundial no momento, muito vagaroso ou relutante em se juntar a uma
instituição administrativa colaborativa mundial ou global que tenha a
hegemonia do poder sobre Nanotecnologia.
Essas coisas têm de ser discutidas e nós temos – não é nem questão
de ser otimista ou idealista – de nos comprometer a tratar dos problemas,
uma vez que os riscos são tão grandes e o tempo é curto. Eu incentivo
vocês a iniciarem um debate sobre nanodemocracia. Vamos ver em um
nível coletivo que respostas poderemos conseguir.
Prof. Dr. Ruy Braga – Dra. Annabelle.
Dra. Annabelle Hett – Gostaria de retornar à primeira pergunta: “Como é que o Brasil pode identificar os riscos imediatos?”. Eu diria
que, como qualquer outra nação, o Brasil pode juntar-se às organizações
internacionais, aos esforços internacionais que já existem e estão tratando da
identificação e da avaliação de risco. Acho que este país pode ter sua devida
participação e fazer contribuições importantes para esse esforço.
Ao mencionar os organismos internacionais, eu não sou tão pessimista a respeito de cooperação internacional, porque mesmo os Estados
Unidos estão presentes na maior parte dessas organizações; com isso, eu
também quero dizer que os governos nacionais têm de planejar seus orçamentos baseando-se em pesquisa de risco, em pesquisa geral, mais ampla.
Em geral os governos gastam muito na promoção de tecnologias,
em inovação, eles dão muito dinheiro às universidades para estabelecerem
novas patentes, entre outras coisas. Nos últimos dois meses ou dois anos,
no entanto, eles perceberam que parte desse investimento tem de ser feito
em pesquisa de risco também. Tem havido uma modificação nas visões
européias e americanas de como dar esse dinheiro, essa verba para pesquisa. Parte dela está sendo direcionada para a pesquisa de riscos. Algumas
organizações internacionais estão reunindo indústrias, cientistas e repre133
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
sentantes do governo, não apenas dos Estados Unidos, mas também da
Europa e da Ásia, do Japão, por exemplo, e estão tentando crescer. O que
elas fazem é, além de obter verbas públicas, conseguir também verbas privadas, e financiam certos estudos de pesquisa de risco. Desse modo, se
houver alguma instituição que pesquise risco desse tipo, pode entrar nessas organizações internacionais. Da mesma forma, o Brasil tem essa oportunidade, assim como qualquer outro país também.
A segunda resposta é focada no segundo palestrante, sobre se o preço da cobertura de seguros vai subir. Eu diria que a boa notícia é que ainda
estamos cobrindo Nanotecnologia, estamos cobrindo tudo, por enquanto.
Essa é uma etapa que tem de ser pensada para os anos vindouros. A comunidade de seguros – refiro-me à comunidade mundial de seguros – vai ter
que achar formas de tratar do assunto da Nanotecnologia para fazer uma
cobertura de forma adequada. Não significa tão-somente que o preço vai
subir, mas provavelmente quer dizer que teremos de descobrir a que tipos de
risco as pessoas estão sendo expostas ou não. Na verdade o ponto-chave é a
seleção de risco. Muitos dos riscos que existem hoje podem ser atendidos
pelas coberturas normais, de que já dispomos, mas talvez haja outros que
não possam ser. Estou só elocubrando, estes são somente alguns cenários
apresentados a partir do conhecimento que temos hoje em termos de possibilidades, não sei se isso vai se materializar ou não. Esses nanotubos, por
exemplo, podem demandar uma cobertura diferenciada. Isso nós não sabemos, teremos de analisar. Portanto, o preço não vai subir de um modo geral,
mas vai enfocar riscos específicos. Penso que essa vai ser a abordagem, em
geral, e o seguro terá de descobrir uma forma de lidar com isso.
Creio que, se chegarmos à conclusão de que não existem dados
nem formas de quantificar os riscos, provavelmente nós vamos ter um problema para cobri-los no futuro, o que vai gerar uma situação de perdeperde para todos: nós não vamos ganhar dinheiro se não dermos cobertura
à indústria; esta, por sua vez, sem cobertura, vai diminuir o ritmo de inovação. Essa situação prejudica a todos; então, para evitá-la e obter uma situação de “ganha-ganha”, em que todos possam se beneficiar, nós provavelmente teremos de combinar nossos esforços, trabalhar juntos e muito,
em nível internacional.
134
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Devo enfatizar o fato de que nós estamos perdendo tempo, não só nós,
mas os cientistas, o governo. Quanto antes chegarmos a uma conclusão, melhor. Os esforços internacionais são absolutamente necessários para acelerar o
processo, para que todos possam ter a sua devida participação. E eu sei que,
em termos de concorrência, isso às vezes é uma coisa difícil a fazer; mas, por
outro lado, a pesquisa básica, por exemplo, pode ser distribuída, pode ser
separada dos aspectos competitivos. A minha esperança, no que diz respeito à
Nanotecnologia, é que se façam debates melhores, se comparados aos debates
das tecnologias antigas, que agora tenhamos um desempenho melhor.
Em último lugar, mas não menos importante, vamos falar sobre o Prey,
o famoso livro de Michael Crichton. Já tratamos sobre o público e devo dizer
que eu sou parte dele. Tomemos, por exemplo, energia nuclear. Eu não sei
nada de energia nuclear, nesse caso eu sou parte do público. Quanto à Nanotecnologia, eu conheço um pouco, mas o resto não. É preciso ter cuidado ao
dizer que o público deve ser educado, que ele tem de entender e ele não é
racional; nós também somos parte desse público em outros assuntos que não a
Nanotecnologia. Há necessidade maior de um diálogo, de ouvirmos sobre o
que está acontecendo, do que de dizermos às pessoas. Isto de só nós falarmos,
mais uma vez, não vai funcionar; tivemos essa experiência tantas vezes no passado, um milhão de vezes. Portanto, nós precisamos de um diálogo.
O livro de Michael Crichton é uma realidade, ele está lá. Os direitos
do filme baseado nele já foram vendidos, e este deverá estar nos cinemas em
breve. Quando esse filme sair, haverá uma diferença muito grande. As pessoas
irão ao cinema e vão ter a impressão de que o grey goo vai matá-las. E eu acho
que temos que levar isso seriamente, não se pode dizer que a Presa é uma
ficção científica estúpida, maluca e que vai sumir daqui a pouco. Isso não
acabará, mas vai ficar conosco por muito tempo.
Se quisermos fazer um trabalho melhor e quisermos ter um diálogo
com o público, nós temos que estruturar o assunto agora, que é hora de paz,
não há debate emocional ainda; as pessoas ainda estão ouvindo e sequer conhecem muito de Nanotecnologia. Portanto esta é a hora de os peritos, os
cientistas, as agências regulamentadoras e os representantes de negócios tratarem do assunto de forma neutra, enfatizando um diálogo transparente sobre
o risco. Agora é a hora de fazer isso. A Presa do Michael Crichton não vai
embora e não podemos dizer que o público é burro – não vai funcionar.
135
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Nós temos de estruturar esse assunto antes da saída do filme e antes que
todo esse cenário de horror aconteça. Porque somente se estabelecermos
no início uma base para a confiança teremos uma chance de sermos ouvidos. Acho que isso conclui as minhas observações.
Prof. Dr. Ruy Braga – Nós vamos proceder da mesma forma
que na parte da manhã, abrindo um bloco de questões para o público.
A mesa responde conjuntamente, conforme as outras questões forem
surgindo.
1o participante – Dr. Treder, eu não acredito que, nos dados da
Dra. Hett que eu consegui avaliar, nas tabelas dela, haja previsão de parcelas de mercado ou que esse novo equipamento, estes novos produtos já
sejam parte disso. Tem alguma idéia de qual será a parcela do mercado em
2015? E quando isso vai se tornar dominante?
Prof. Dr. Mike Treder – Eu diria que o debate muda tanto, o
jogo muda muito quando há novas formas radicalmente diferentes de manufatura, que criam seu próprio novo meio de produção. Com a capacidade de transformar rapidamente produtos, de prototipar qualquer coisa em
poucos dias, em vez de anos ou meses, é virtualmente impossível prever o
impacto econômico, exceto dizer que ocorrerá algo parecido com o que nós
vimos nos últimos 200 anos, apenas comprimido em alguns anos.
Essa parece uma declaração bastante gritante – e é –, mas deve ser
levada a sério. Eu concordo que a maior parte das tabelas e projeções que
vimos hoje não levam isso em conta e acho que esse é um erro. Se disserem
que estão lidando com as tecnologias de hoje, então as previsões deles
estarão corretas. Se disserem que estão lidando com tecnologias e os impactos de longo prazo da Nanotecnologia, então infelizmente essa avaliação será considerada muito míope.
Dr. Paulo Martins – Dado o tempo e a premência da Dra.
Annabelle, eu faria primeiro uma pergunta somente a ela, em outra ocasião farei aos demais.
136
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
Compreendo o papel do tempo para diversos produtos de uma série de empresas: quando elas descobrem um produto, requerem a patente
e, a partir dessa patente, conta-se o tempo sobre o qual esse produto será
comercializado de forma monopolizadora. No caso do seguro, como isso
se coloca? Afinal, para uma empresa comercializar o produto dessa maneira, ela sempre quer que este comércio se dê pelo maior tempo possível.
Por exemplo, quando um agroquímico descobre uma molécula na síntese
química, ele requer a patente, mas o produto não vai imediatamente ao
mercado. Tem de ser feita uma série de testes para se obter o registro. Isso
leva, em geral, dois anos; portanto, a patente que era de 20 fica em 18. Se
existir o princípio da precaução, talvez isso caia para 15 ou 13.
Isso, eu compreendo, ocorre a uma série de produtos. Gostaria
também de saber como é essa questão do tempo na sua atividade.
Dra. Annabelle Hett – Eu diria que em seguros e resseguros o
assunto é diferente, porque nós estamos tendo contato com os produtos quando
eles estão no mercado. Há diferentes formas de cobertura.
Se endereçarmos a cobertura de responsabilidade civil de um produto normal, estaremos lidando com produtos que já estão no mercado.
Em termos de análise de risco, é uma coisa diferente. Se analisarmos uma
empresa e investigarmos o seu portfólio de produtos, por exemplo, uma
empresa farmacêutica, nós estaremos averiguando cada um deles, para
saber qual risco potencial existe, principalmente riscos de longo prazo. E,
obviamente, nós precisamos analisar os produtos que são comercializados
no ano corrente, mas, em alguns casos, também a linha de produtos e o
que está para acontecer, o que virá nos próximos três anos. Porque, mais
uma vez, dependendo da cobertura fornecida, pode ser por um tempo
limitado ou por um tempo maior. Isso realmente depende do tipo de cobertura que se está fornecendo.
No geral, eu diria que independe de patente. Nós estamos analisando o tipo de exposição que existe para o consumidor em termos de
responsabilidade civil em relação ao produto.
Prof. Dr. Ruy Braga – Dra. Annabelle, gostaria de pedir uma
salva de palmas e agradecer a sua presença. Darei seqüência às perguntas.
137
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
2o participante – Eu queria falar sobre algo que tem a ver com o
assunto discutido, mas não foi abordado. Sempre que houve revoluções
industriais, apareceram novas empresas que tiveram impacto grande na
economia global. Eu gostaria de saber, na opinião de vocês, qual o potencial de empresas “de garagem”, que surgem do nada, para se tornarem
grandes empresas em um curto período de tempo, como ocorreu nas outras revoluções industriais? Ou o investimento financeiro para a formação
de uma empresa de Nanotecnologia reprimiria a iniciativa e o surgimento
delas?
Prof. Dr. Ruy Braga – Para otimizar o tempo, fazemos uma
rodada de questões.
3o participante – Meu nome é Edvaldo. Minha pergunta é dirigida
para a mesa como um todo, mas em particular ao Professor Treder e ao
Professor Malta. No que diz respeito à definição do termo “nanotecnologia”, vem sendo falado, desde o período da manhã, que há diversas definições; entre elas, uma que me parece interessante é a do grupo ETC, o
qual faz uma distinção entre Nanotecnologia e Nanociência, apontando a
Nanociência como desenvolvimento, por assim dizer, de materiais – assim
como Richard Smalley desenvolveu os fulerenos.
De outro lado, há a idéia de Engines of creation, de Eric Drexler,
que é a perspectiva inicialmente da criação do nanorrobô e depois do desenvolvimento de uma manufatura molecular. Desse modo, com essa definição – infelizmente a professora saiu –, eu creio que o debate já começa,
sim, com uma intervenção de subjetividade; um outro exemplo, quando,
no debate deste seminário, se coloca uma questão como nanotimismo ou
nanopessimismo.
Se nós pararmos para pensar, o primeiro debate ou a primeira polêmica no campo da Nanotecnologia foi devida a Smalley, ganhador do
Prêmio Nobel de Química pela descoberta dos fulerenos, porque, afinal,
ele partiu de um elemento da natureza (as moléculas, os átomos de carbono). Mas, de qualquer forma, nenhum dos dois [Drexler e Smalley] são
nanotimistas, porque os dois estão dentro do campo da tecnologia, com o
138
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
diferencial de que este vai para o campo do desenvolvimento de materiais,
acreditando no desenvolvimento de uma indústria voltada para os nanotubos
ou então para o próprio fulereno.
Mesmo o artigo recente de Drexler e de Chris Peterson também é
voltado para o controle de uma inteligência artificial, mas, de qualquer
forma, a perspectiva do self-assembler ou do montador auto-replicante também não foi ultrapassada. Essa idéia também não é deixada de lado. Se
nós pensarmos no campo da biotecnologia, também temos Carlos
Montemagno, que está procurando o desenvolvimento de um self-assembler
a partir dos motores naturais. Por isso, não creio que isso seja do campo da
ficção científica. Igualmente, na perspectiva de Robert Freitas, quando ele
pensa em Nanomedicina, por exemplo, está implícita a noção de selfassembler.
Quando o Smalley fala em relação aos dedos mágicos, aos dedos
gordurosos, a discussão se dá em termos de continuidade; o Drexler pensa
na criação de uma inteligência artificial controlável, levando à autodestruição
desses robôs auto-replicantes.
De qualquer forma, eu acho que o Professor pode estar enganado.
Eu posso ter uma interpretação equivocada, mas, quando tratou de manufatura molecular, ele não me pareceu ter considerado a idéia do Drexler
tão fantasiosa assim, porque a idéia da manufatura implica a noção da
auto-replicação ou do crescimento exponencial.
Eu voltaria a uma outra questão também, no que diz respeito a uma
distinção que o Robert Freitas coloca em Nanomedicina, que é a reação
entre a “Nanotecnologia seca” e a “Nanotecnologia molhada”, por assim
dizer. Essa idéia de que as reações serão possíveis a partir da água foi
colocada por Smalley, o qual foi respondido pelo próprio Drexler, de que
era possível, a partir de um trabalho de um outro cientista russo, chamado
Klebanov, o desenvolvimento a partir de meios não aquosos.
Mais uma questão sobre a apropriação. Foi falado em socialismo,
ou que há uma dimensão social, até pelo Professor Michael Rocco, que
pensa em tecnologias convergentes, um novo paradigma, mas que não seria somente baseado na Nanotecnologia. Ele pensa na ciência cognitiva,
na biogenética, na ciência da informação, na Nanotecnologia. Voltando,
139
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
principalmente quando ele trata de teoria da informação, pensando na
cibernética do Norbert Wiener. Então, é algo complexo também, porque o
que nós vemos é essa dimensão do micro ao macro. A compreensão do
micro e é essa idéia do grupo ETC, a compreensão e a apropriação do
infinitamente pequeno para se chegar ao domínio do macro, do universo.
Há aqui a dimensão, de Robert Freitas Jr., de Robert Ettinger, a perspectiva da imortalidade a partir do resgate do crionismo, a noção de propriedade privada, conforme foi colocada anteriormente na parte inicial, contudo,
em relação ao domínio das unidades ínfimas da matéria, o gene, o bit e a
molécula. Dito isso, qual a posição em relação a esse domínio geral e a
possibilidade de resistências?
Prof. Dr. Ruy Braga – Nós temos mais uma questão. Antes de
passar a palavra para a nossa colega, gostaria de dizer que foi uma falha
minha indesculpável, eu deveria ter pedido logo no início para que as
questões fossem feitas de maneira mais objetiva, a fim de que se consiga
efetivamente contemplar a todos. Para que as perguntas não acabem se
transformando em outras falas, peço que consistam, efetivamente, em questões. Eu pediria para o público que tentasse ser, na medida do possível, do
razoável, o mais objetivo e conciso possível para que a gente consiga ampliar as intervenções.
4o participante – Eu vou tentar ser breve e acredito que serei.
Meu nome é Simone, sou da Escola de Química da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, faço doutorado e minha proposta de tese contempla
essa área de riscos e oportunidades da Nanotecnologia no Brasil. Nesse
sentido, gostaria de escutar da mesa uma discussão a respeito, visto que a
Nanotecnologia será, de fato, uma realidade inevitável nos próximos anos
e já estão sendo criados produtos. Creio que existe um ponto de risco – e,
pelo menos até então, ainda temos um dia inteiro de discussões – que foi
pouco discutido: é a questão do risco para o Brasil da não-apropriação
dessa tecnologia. No documento ainda não oficial do MCT sobre o investimento nas redes, no desenvolvimento da Nanotecnologia, vejo a preocupação de aproveitar o momento histórico, em que toda uma base industrial
vai ser modificada, e a possibilidade de o Brasil poder entrar nisso de uma
140
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
forma mais ativa – assim como o Professor Mike tratou da possibilidade
de a Índia, a China ou do Brasil participarem mais ativamente dessa revolução. Eu gostaria de escutar comentários a esse respeito, sobre essa questão mais localizada do Brasil dentro do cenário mundial.
Além dessa, tenho uma outra questão, sobre a qual algumas pessoas falaram. A relação da Nanociência e da Nanotecnologia, a meu ver,
envolve uma questão epistemológica. Depois da era do Genoma, parece
que a ciência e a tecnologia cada vez estão mais próximas. Essa discussão
entre o que é Nanociência o que é Nanotecnologia fica, talvez, um pouco
perdida nesse contexto atual. Obrigada.
Prof. Dr. Ruy Braga – Vamos passar a palavra à Dra. Sônia.
Profa. Dra. Sônia Maria Dalcomuni – Nós vamos começar
com a indagação do colega. Nota-se que talvez seja alguma curiosidade de
possível empreendedor. Você disse que em todas as outras revoluções industriais deu para ver uma proliferação de empresas em pequena escala. Na
verdade, isso não ocorre muito. Se fizer uma análise de pequenas e médias
empresas, você observará espaços e limites aqui e acolá, mas quando comparar, por exemplo, com o processo de industrialização alemão, americano etc.,
o padrão é a grande empresa, produção em escala. Não há, naquele tipo de
produção, a indústria de “fundo de quintal”, da mesma forma que, na era
das ferrovias, não havia ferrovia “de garagem”. Talvez você esteja pensando
nas possibilidades que as TIs criaram para as pequenas empresas de softwares,
pela própria característica desse tipo de produção.
Em relação à Nanotecnologia, quando falamos assim, tem-se a impressão de que é uma coisa única e, na verdade, há coisas muito diferentes,
tanto em termos de risco, quanto de possibilidade de estrutura. Eu tendo
a crer que não deve ser muito fácil começar em fundo de quintal, a menos
que seja o fundo do quintal de uma casa milionária e com uma pessoa bem
informada. Por quê? Porque exige o acesso ou a propriedade de equipamentos e instrumentos que permitam a manipulação na escala nanométrica, que em geral são caros, e uma formação básica científica que permita
esse tipo de coisa. Sem falar que ainda não existe – e eu acho que a nossa
palestrante da manhã, a Eliane Moreira, está trabalhando na área e eu
141
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
concordo com o colega, não é tarde para controlar – como evitar exatamente um maior risco para o restante da sociedade. Desse modo, não dá
para dizer que a partir de amanhã ou depois haverá uma grande possibilidade para que pequenos empreendedores aproveitem essa janela de oportunidade aberta pela Nanotecnologia. Eu acho que os pré-requisitos são
sofisticados demais para que se possa ter pequenas empresas em uma situação maior de informalidade.
Em relação à discussão do colega sobre ciência e tecnologia, eu concordo plenamente com a colega do Rio. Nanociência e Nanotecnologia configurariam uma discussão clássica, que nós faríamos para ciência e tecnologia
em geral; assim como se destacássemos, anteriormente, muito mais ao desenvolvimento abstrato, puro, acadêmico do conhecimento e, na outra esfera, a
área tecnológica mais voltada para o aplicável. Especialmente nessas áreas
de ponta, bastante impregnadas pelo crivo científico, fica cada vez mais difícil. Quem o cunhou, em meio ao debate, eu na verdade sequer conheço, mas
os conceitos creio que devem de fato ser usados no sentido de nos ajudar a
contribuir, a entender o objeto de análise.
No caso da Nanotecnologia, assim como na biotecnologia, o desenvolvimento do conhecimento e dos artefatos práticos está demasiadamente
eivado de ciência pura. Então, não sei até que ponto conceitualmente se
pode dividir as duas áreas. Em outras palavras, cada um pode epistemologicamente fazer o que quiser, desde que haja discernimento para separar o
que significa cada coisa, segundo a sua concepção. Em termos práticos, eu
acho que ela tem razão.
Em relação aos paradigmas, talvez nós tenhamos falhado na hora
de apresentar, mas a intenção foi exatamente mostrar que a emergência
desse paradigma vem da conjunção de diversos fatores, não é, de fato, só
da Nanotecnologia. Aliás, apontei a Nanotecnologia, a biotecnologia e a
ciência de informação. É lógico que, quando tomamos as TIs, precisamos
considerar o outro lado, ou seja, a parte da cognição etc., relacionada à
capacidade do cérebro humano de codificar e decodificar tudo isso. Mas
você tem razão, a intenção da mesa era a de apresentar nessa perspectiva,
talvez tenhamos falhado ao passar essa idéia.
Sobre o risco de o Brasil não acompanhar a Nanotecnologia, eu
concordo que não é uma questão de nanotimismo ou nanopessimismo,
142
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
mas eu penso que é realmente uma necessidade de ver que há um processo
em curso e que o processo é revolucionário, sim; além disso, o não-acompanhamento pode vir a significar a instauração de um gap adicional, que
talvez nos prejudique em termos de capacidade futura de geração de emprego e renda. Essas questões não são automáticas, e uma base inicial
para acompanhar esse processo consiste, em primeiro lugar, como sociedade, em decidirmos que queremos acompanhar e, em segundo lugar, efetivamente termos informação sobre isso.
Nós tratamos um pouco sobre alguns projetos no CNPq. O que as
empresas estão fazendo? A Petrobras pesquisa Nanotecnologia. Qual é o
projeto? Nós não sabemos. As empresas de celulose pesquisam Nanotecnologia. Nas universidades há vários pesquisadores em Nanotecnologia
que não fazem parte de nenhuma dessas redes. Nós sequer sabemos quem
somos nós, não nos conhecemos. Acho que um primeiro passo é saber
quem é quem na Nanotecnologia do Brasil; depois, o que nós queremos,
que forma de inserção nesse processo de Nanotecnologia nós queremos e
de qual precisamos. Nessa mesma linha, procurar identificar o mais possível em termos de possibilidades positivas para aquilo que são as nossas
carências, que são inclusive diferentes das carências do hemisfério norte.
Nós estamos aqui discutindo a manipulação do átomo e sequer demos
conta do tratamento de esgoto. O tratamento de esgoto no Brasil é abaixo
de 50%. Uma capital como Porto Alegre tem 20%. A minha capital, que
em termos nacionais está até muito bem, tem 36%. A única cidade que
tem 80% é o Distrito Federal. Em São Paulo, no Rio, está uma catástrofe.
Além dessas, há uma série de questões que são fundamentais; esse
tipo de tecnologia de ponta tem alguns passivos ambientais e sociais de
que, nesse processo, todos nós temos de dar conta. Referimo-nos à educação para essas tecnologias de ponta e convivemos ainda com índices vergonhosos de analfabetismo. Como vamos educar para a Nanotecnologia se
as pessoas sequer sabem ler? É uma forma elitista de falar só entre nós que
fazemos Ph.D. Os desafios são grandes, mas penso que, quanto maior
eles forem melhor, porque a gente se sente vivo, ativo e útil. Senão ficamos
todos deprimidos e fazemos o que não devemos.
Além de buscar prospectar as maiores possibilidades, creio que há
um grande desafio, o maior de todos, que é, efetivamente, além do discur143
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
so, catalisar a cooperação. Pela manhã, talvez tenha sido o colega da área
de comunicação, levantou-se como é complicada essa questão da cooperação, da necessidade de divulgação, ou seja, as universidades e o recurso
público têm de gerar conhecimento que, por obrigação, têm de ser automaticamente publicizado.
Sobre o público, ao menos que eu tenha lido errado o número do
grupo de gestão e estudos estratégicos, eu vi lá cinco patentes na área de
Nanotecnologia, todas de universidades federais. Isso é importante, é comum nos Estados Unidos, está crescendo na Europa, mas ainda me causa
estranheza, ainda que eu despenda oito horas do meu dia pensando em
questões de Economia e tecnologia. As universidades patentearem; universidades públicas, recurso público patentear, eu acho que é uma lógica
invertida.
A cooperação não se instaura por decreto, ela só se instaura por
confiança. E quem é daqui do CNPq que ainda está no plenário? A nossa
própria política de ciência e tecnologia precisa ser refrescada. A maior
parte dos nossos projetos financia tudo, menos o cérebro humano. Se o
professor, o pesquisador forem da estrutura pública, não poderão ser remunerados, nem o bolsista do doutorado, nem o bolsista do mestrado, só
se pegar uma bolsa de iniciação científica para o graduando. E o que se
pode comprar? Então se vê: “Nanotecnologia – valor dos projetos: R$ 20
mil”; e se tentarmos pegar esse valor, não conseguiremos. Eu também
lancei o projeto lá e não foi aceito. Mas enfim, temos de insistir.
Esse tipo de coisa exige, em primeiro lugar, uma decisão coletiva.
Precisamos e queremos saber quais são as possibilidades. Nesse ponto, eu
concordo com os colegas da platéia: não podemos, de fato, minimizar os
riscos. Há uma série de processos e produtos que podem trazer muitos riscos, principalmente essas combinações entre matéria inorgânica com matéria
orgânica, que depois são inseminadas em organismos humanos, animais ou
na própria prática dos vegetais, de que depois nós nos alimentamos etc.
Há, portanto, muito de desconhecido e nem o próprio cientista, ao
desenvolver alguma invenção pela primeira vez, conhece, a priori, uma
série de efeitos colaterais. Então há risco, sim, e isso modifica até os conceitos. De uma forma bem simples, costumamos dizer que o problema da
poluição é simplesmente o problema de concentração, porque os elemen144
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
tos são todos esses que se conhecem, quando acontece algum problema é
atribuído à concentração.
A Nanotecnologia muda isso, não se pensa mais que tudo o que
existe é porque estava aí. Há elementos novos, criados em laboratório que
nem sabemos mais o que são, ou nem o que é ainda. Desse modo, creio
que há, sim, de fato, um paradigma em curso; eu sou otimista-realista,
digamos assim, e penso que temos de procurar ao máximo tirar vantagens
do progresso da ciência, do progresso técnico. Mas é preciso cuidado,
porque riscos existem. Ainda não se conseguiu muito bem convencer o
público, por exemplo, da verdadeira causa da vaca-louca na Inglaterra. Eu
soube muito bem o que foi passar quatro anos lá sem comer carne. Muito
obrigada.
Prof. Dr. Oscar Malta – Eu queria só me reportar à primeira
pergunta feita pelo Edvaldo. Em grande parte das universidades federais
brasileiras já existe um programa chamado Núcleo de Incubadoras de
Empresas. Não só nas federais como nas estaduais também – no caso da
USP, temos um exemplo que é muito bem-sucedido. Eu posso contar-lhe
com mais certeza o nosso exemplo em Recife, com o Necta, que é uma
incubadora de empresa.
Esse núcleo vem sendo muito bem-sucedido e, no caso da Rede de
Nanotecnologia Molecular e de Interfaces, rede essa que eu estou aqui
representando como coordenador, existe uma empresa que foi incubada, a
qual se chama Ponto Quântico Sensores e Dosimetrose e já tem patentes
etc. Essa empresa foi incubada na UFPE, no Necta, ancorada nessa Rede
de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces. Eu também posso, depois,
mencionar a você vários outros exemplos, de modo que a coisa não está no
zero, isso existe e pode ainda crescer muito. É um ponto de partida para
você refletir, o fato é que existe. E essa interação do meio acadêmico com o
setor empresarial é fundamental. Sem isso, nós não vamos atingir desenvolvimento sustentável nenhum.
Prof. Dr. Mike Treder – Eu gostaria de responder a segunda
pergunta primeiramente, pois ela levantou um bom ponto. Há diversas
definições de Nanotecnologia, mas, especificamente as tecnologias de hoje,
145
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
eu chamo de tecnologia de nanoescala, porque elas são diferentes da definição popular dos anos 80, quando Drexler escreveu seu famoso livro. O
que aconteceu foi que, no final dos anos 90, quando a administração Clinton
estava começando a promover verbas para o desenvolvimento de Nanotecnologia, muitas empresas decidiram: “nós trabalhamos em coisas com menos
de cem nanômetros, estamos fazendo Nanotecnologia”, simplesmente porque elas viram dinheiro que vinha do governo. Então eles rapidamente
decidiram que estavam fazendo Nanotecnologia, mesmo tendo feito basicamente o que sempre fizeram; e não faziam aquilo que nós achamos hoje,
e achávamos na época, ser Nanotecnologia.
Mas, em 1999, Bill Joy, publicou um artigo famoso na Wired
Magazine, intitulado “Será que o futuro precisa de nós?”, no qual ele
disse que essas novas tecnologias, especificamente a Nanotecnologia, a
genética e a robótica, eram perigosas demais; na verdade apresentavam
um risco excessivamente grande em termos de serem desenvolvidas e por
isso deveriam ser relegadas. Quando isso aconteceu, é claro, as empresas e
o governo federal, que estava financiando algumas dessas empresas, disseram: “nós temos de nos afastar desses cenários de Armaggedon” e mandaram alguns cientistas de alto perfil, laureados com o Nobel, dizerem “não
é possível esse tipo de Nanotecnologia, isso não pode acontecer, não precisam se preocupar, realmente não há perigo”.
Como resultado disso, agora nós temos o termo Nanotecnologia
sendo usado de uma forma pelos governos, agências de financiamento e as
grandes corporações, que querem manter suas verbas; e de outra pela maior
parte de nós, que usamos o termo ainda pensando em termos de manufatura molecular, coisa de baixo para cima. Isso confunde todo o assunto, a
discussão sobre riscos, sobre benefícios e a administração da tecnologia. É
uma coisa muito infeliz, mas agradeço-lhe por ter levantado esse ponto.
Também foi perguntado sobre o fato de que mesmo Richard Smalley,
no seu debate com Dr. Drexler na revista Chemical, disse que é impossível.
Drexler publicou depois um paper dizendo: “pode não ser impossível, mas
é menos provável de acontecer”. Isso é um fato significativo, vocês podem
ver neste texto a foto de uma nanofábrica ou uma proposta nanofábrica.
Uma mudança aconteceu nos anos 90. O Dr. Drexler e outros
trabalhavam maneiras de desenvolver a Nanotecnologia avançada em fa146
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
bricação e perceberam que o conceito original que Drexler escreveu no
Motores da criação – ele falou de pequenos nanorrobôs, que voavam sozinhos para montar outras máquinas – era muito difícil e muito perigoso e
uma forma mais simples, mais custo-eficiente, mais segura de manufaturar
seria ter todos os nanorrobôs colocados dentro de uma nanofábrica. Na
foto que está nesse texto, a coisa ainda contém trilhões de nanorrobôs, mas
eles não podem simplesmente sair por aí e se multiplicar. Da forma como
a coisa foi fabricada ali, é impossível.
A criação de nanorrobôs auto-replicantes é muito mais difícil que
uma simples nanofábrica. A própria nanofábrica é praticamente impossível acontecer. É como se um carro decidisse que iria sair sozinho e
correr a floresta. Isso não acontece, o carro não vai sozinho fazer uma
coisa dessas.
Passando para a pergunta do Edvaldo sobre novas empresas, eu
concordo com você que a revolução industrial, realmente, abre novas oportunidades para empresários, para empresas de que nunca se ouviu falar
antes. Pensem, por exemplo, no ano 1900, há cerca de cem anos. Não
havia empresas como a GM; decorridos 50 anos, essa era a maior empresa do mundo. Em 1950 não havia a Microsoft – acho que nem Bill Gates
tinha nascido naquela época – e, no ano 2000, este passa a ser o homem
mais rico e a gerir a empresa mais importante do mundo.
Sem dúvida, existe a oportunidade tremenda de empreendimento.
Será que o investimento é alto demais para pequenas empresas, para fazer
uma diferença? Isso pode ter sido verdade no passado, pode até ser verdade
atualmente, mas o custo de entrar nesses mercados está caindo rapidamente.
Hoje, é possível comprar um microscópio por US$ 2 mil – o que custava
centenas de milhares de dólares, agora não passa de alguns poucos milhares,
em dólares americanos. E estes custos vão continuar a cair à medida que a
computadorização aumentar. É uma de nossas preocupações.
Mesmo hoje, cabe fazer a pergunta “Será que o Brasil poderia ser
a nação que vai liderar o desenvolvimento da Nanotecnologia?”. Hoje, o
Brasil pode ver isso como um investimento alto demais; no entanto, com a
queda dos custos, em cinco anos pode ser que este país veja esse investimento como valioso. Tomara que uma democracia desenvolva o Brasil. E
ser for um país totalitário? E se for um país que tenha muitos inimigos e
147
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
queira usar o poder da Nanotecnologia para criar novas armas de destruição em massa?
E a outra pergunta para o Brasil é: o que acontecerá a este país, se
ele começar a liderar a Nanotecnologia e, depois, as superpotências do
mundo, os Estados Unidos disserem “não sabemos se queremos que o
Brasil lidere ou tire essa liderança de nós”?
Os Estados Unidos, pacífica e calmamente, vão dar a liderança
econômica e militar para outro país? Eu acredito que não e eu não quero
ver esse cenário acontecer. É por isso que as nossas organizações estão
forçando ou incentivando tanto um ambiente cooperativo internacional a
respeito da Nanotecnologia.
Prof. Dr. Ruy Braga – Eu gostaria de agradecer imensamente a
participação do Oscar Malta, da Sônia Dalcomuni e do Mike Treder.
Agradecer, ao público presente e dizer que o seminário continuará com o
tema da terceira mesa que é “Nanotecnologia, inovação e sociedade” e, o
da quarta mesa, “Nanotecnologia, inovação e meio ambiente”.
148
Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
MESA 3
Nanotecnologia, inovação e sociedade
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Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
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Mesa 2: Nanotecnologia, inovação e Economia
MESA 3
Nanotecnologia, inovação e sociedade
Dia 19 (Manhã)
Apresentadora – Seminário Internacional de Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente. Eu gostaria de anunciar os participantes da
mesa, cujo tema é “Nanotecnologia, inovação e sociedade”: Prof. Dr.
Guilherme Ary Plonski, superintendente do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT); Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano, do
Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Valência;
Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior, do Departamento de Sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Dr. Paulo Roberto
Martins, que é o coordenador do Seminário, e apresentará o trabalho do
Prof. Dr. Henrique Rattner; e Prof. Dr. Eronides F. da Silva Júnior, da
Universidade Federal de Pernambuco.
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Muito bom dia. Eu inicio
cumprimentando o Dr. Paulo Martins e os demais integrantes da Comissão Organizadora deste evento, que tem o importante papel de explicitar
que tecnologia e inovação tecnológica não são socialmente neutras. Cabe a
nós, de uma maneira contemporânea, sem recair na velha idéia de tecnologia
determinística, observar os impactos e analisar como diminuí-los; traba151
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
lhando no projeto de desenvolvimento tecnológico do país, nós podemos
incorporar dimensões societais e dimensões ambientais, desde praticamente o começo.
As primeiras palavras são de cumprimento, pela realização do evento
e pela criação da rede, que já está hospedada, segundo o Dr. Paulo nos
informa. Em segundo lugar, um pequeno reparo: a instituição à qual eu
tenho a alegria de pertencer e atualmente dirigir, o IPT, não é um instituto
da Universidade de São Paulo, ele é do Estado de São Paulo. De fato, o
IPT nasceu como matriz do que antigamente era a Escola Politécnica,
mesmo antes da criação da Universidade de São Paulo; mas desde 1943,
portanto há 72 anos, o instituto tem autonomia jurídica, com vida própria,
ainda que, do ponto de vista da Universidade de São Paulo, seja considerado uma das instituições associadas.
Feito esse reparo, dou início imediatamente à primeira das apresentações, para que possamos recuperar o nosso horário. De acordo com o combinado, falará o Professor Eronides, nosso colega de uma das quatro redes
que o país tem, a NanoSemiMat, e é professor da Universidade Federal de
Pernambuco. O Brasil tem feito, como todos sabem, um avanço expressivo
em quatro redes – que, aliás, serão avaliadas, quinta-feira e sexta-feira (daqui a dois dias), pelo CNPq e pelo MCT, que farão um assessment dessas
redes, inclusive da rede que o Professor Eronides integra e lidera. Peço a
gentileza de contarmos agora com a primeira exposição deste painel.
Prof. Dr. Eronides F. Silva Júnior – Bom dia a todos. Gostaria de agradecer o convite para participar deste Seminário, que é uma
grande oportunidade de reunir pesquisadores de diversas áreas e fazer
uma análise do impacto que a Nanotecnologia e a Nanociência têm nessas
áreas, pelo fato de ambas serem eminentemente de natureza interdisciplinar.
Como é melhor falar do que sabemos e ouvir o que não sabemos,
ontem eu estava tentando decidir o que falar e pensei que esta seria uma boa
oportunidade de apresentar para vocês como as redes de Nanotecnologia e
de Nanociência funcionam. É claro que eu vou falar da NanoSemiMat, a
qual eu coordeno, mas todas as outras três redes de Nanociência e Nanotecnologia têm um procedimento de funcionamento bastante similar;
ainda que as articulações, as ações e os resultados possam ser um pouco
152
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
diferentes, certamente todas estão no nível e no padrão que vocês vão ver
aqui. Vocês terão também a oportunidade de analisar alguns dados, ver
algumas coisas que nós fazemos na rede NanoSemiMat, na área de
semicondutores e suas aplicações, quanto ao impacto social e econômico.
Infelizmente o Brasil ainda não possui uma base industrial instalada para rapidamente absorver os conhecimentos advindos das pesquisas
de ponta e torná-lo útil à sociedade, mas acreditamos que os esforços que
estão sendo empenhados nos últimos anos em breve trarão conseqüências
bastante interessantes para o país.
O que eu vou tratar aqui vai mostrar uma espécie de raio X do
funcionamento das redes. Nas diversas áreas, existem redes focais: na área
de Nanociência e Nanotecnologia no Brasil, a NanoSemiMat atua em
semicondutores e aplicações exclusivas destes; a rede de Nanobiotecnologia; a rede NanoMat, que atua na área de materiais em geral, envolvendo
parte da Engenharia e parte de outras ciências de materiais; e a rede
Renami, que trata da interface com a arquitetura molecular e a área de
Química. Portanto, há uma certa abrangência e diversidade de atuação
nas diversas subáreas da Nanociência e Nanotecnologia.
Ao longo de minha exposição, apresentarei os últimos desenvolvimentos no país em Nanociência e Nanotecnologia (NN). Nós vamos ver
que o mapa da NN está começando a mudar e também observar o impacto
que a criação dessas redes causa, ou, em particular, o que a NanoSemiMat
tem trazido para a região Nordeste. Mostrarei em primeira mão informações sobre fatos que estão acontecendo na região Nordeste, puramente em
conseqüência do avanço científico e tecnológico, em parte causado pelo
desenvolvimento da ciência associado com a tecnologia dentro das redes.
Começaremos, então, falando um pouco sobre Nanociência e Nanotecnologia no Brasil e realizaremos uma overview de como as coisas
estão se desenvolvendo.
Primeiramente, farei uma breve introdução sobre como a iniciativa
brasileira na Nanociência e na Nanotecnologia se desenvolveu, ações passadas e presentes, sobre os objetivos da rede NanoSemiMat e darei alguns
exemplos ilustrativos de atividades de pesquisa e inovação no âmbito da
rede. Em seguida, tratarei do que nós pensamos para o futuro envolvendo
não só a rede NanoSemiMat, mas também a rede Renami, as duas redes
153
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
cuja sede é no Nordeste do Brasil e de alguns desenvolvimentos que têm
acontecido nos últimos meses.
Na verdade, essa iniciativa começou no final de 2001, com o lançamento do primeiro edital brasileiro na área da Nanociência e Nanotecnologia para a formação de redes cooperativas. A partir desse edital, foram
criadas essas quatro redes, por meio das quais, originalmente, a política
ministerial ou do governo na época pretendia iniciar um processo em NN,
a fim de que, no futuro (não especificada a escala de tempo), houvesse a
geração ou a criação de laboratórios associados, com facilidades regionais
e nacionais. Tudo isso se daria como uma conseqüência das bases de ciência e de tecnologia no país, oriundas da sociedade e dos centros de pesquisas, e da criação das redes cooperativas, elevando-se assim os alicerces de
uma estrutura política em Nanociência e Nanotecnologia, paramentada
dessa visão inicial.
Desse modo, foram criadas as redes de Nanociência e Nanotecnologia e, a partir de janeiro de 2002, em paralelo, houve um outro edital,
idealizando os Institutos do Milênio, um dos quais foi o Instituto do Milênio Nanociência, originário do Estado de Minas Gerais. No início de
2002, nós já tínhamos, portanto, a formação das quatro redes: NanoSemiMat e Renami, cujas sedes estão em Recife; a rede de Nanobiotecnologia e a quarta rede, a Nanomat, ambas instaladas em Campinas; além do
Instituto de Nanociência, com sede em Minas Gerais. Esse panorama
existiu no Brasil até setembro de 2004, quando um novo edital, apoiado
pelo fundo Verde e Amarelo, foi lançado para a criação de pequenas redes
focais dentro da área de Nanociência e Nanotecnologia, abrangendo todos os seus nichos.
Por meio desse edital, em setembro nós obtivemos a criação de 20
novas redes, como eu disse, redes pequenas, focalizadas e com objetivos
específicos de colaboração com o setor industrial. Dessa forma, nós poderíamos dizer que o mapa do Brasil hoje, na área de Nanociência e Nanotecnologia, tem esse formato: das 20 novas redes criadas, nove têm sede no
Estado de São Paulo, cinco no Rio de Janeiro, duas na Bahia, uma no
Distrito Federal, uma em Minas Gerais, uma no Paraná e uma no Rio
Grande do Sul. Essa é a evolução no assunto em termos de redes cooperativas ao longo desses dois anos e meio.
154
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Do ponto de vista da importância da Nanociência e da Nanotecnologia, eu gostaria de enfatizar aqui que nada acontecerá instantaneamente,
as coisas precisam de um tempo para ocorrer, principalmente em termos
de tecnologia de ponta. No Brasil, existem grupos de pesquisa em diversas
instituições, grupos fortes que realizam pesquisa altamente especializada;
mas as novas descobertas e a inovação demandam um intervalo de tempo
mínimo de dois a três anos e precisam de cinco a dez anos para atingir o
seu potencial e a possível industrialização vir a acontecer. Só depois desse
período é possível determinar qual poderia ser o impacto econômico e
social daquelas pesquisas ou daquelas ações na fronteira da Nanociência e
da Nanotecnologia. Isso poderá começar a acontecer daqui a algum tempo, mas nós não devemos esperar imediatismos nem estar na expectativa
de que soluções milagrosas e coisas fantasmagóricas de ficção científica
aparecerão a qualquer instante.
Essas coisas vão acontecer naturalmente, e eu vou ter a oportunidade
de mostrar algumas das metas que têm sido atingidas, nesses últimos dois
anos, no âmbito da rede NanoSemiMat, focalizada na área de dispositivos e
materiais semicondutores. Embora essas redes sejam consideradas de grande porte, há essa focalização. A área de dispositivos e materiais semicondutores
desenvolve atividades numa série de linhas de pesquisa ou de subáreas, mas
eu gostaria de chamar a atenção para alguns pontos que nós temos observado em nossas pesquisas e para os quais temos concentrado esforços, recentemente (de um ano ou dois para cá): os estudos de sistemas de pouco elétrons.
Exemplos de aplicações disso são as memórias de câmaras digitais, as memórias tipo flash, entre outros. Essa era uma área até então inexistente no
Brasil, a qual nós iniciamos dentro de um projeto de colaboração entre a
Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal de Pernambuco e a
Universidade de Ilinois, nos Estados Unidos.
Uma outra área, na qual nós estamos profundamente preocupados
em desenvolver aplicações, é a de física médica. Nós temos criado protótipos de dispositivos para dosimetria e monitoramento de qualidade de
radiodiagnóstico, em uma série de atividades com radiação ionizante e de
altas energias. Ouvimos ontem, aqui, inúmeras vezes, falar de óxidos de
alta constante dielétrica. Estamos bastante envolvidos com essa área de
pesquisa, na qual nos concentramos profundamente. Aliás, óxido de titânio
155
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
é um dos materiais sobre o qual, recentemente, temos publicados diversos
artigos. Existe grande variedade de óxidos com alta constante dielétrica e
estamos estudando as aplicações deles em diversas direções, tanto em circuitos digitais, como em sensores e outras.
Nós nos preocupamos também com a área de funcionalização de
materiais, com o desenvolvimento de novas tecnologias associadas a materiais porosos, aplicações para lasers, dispositivos emissores de luz,
fotodetectores etc.
Sobre o princípio da NanoSemiMat, no final de 2001, a proposta
inicial de criação dessa rede de pesquisa envolvia nove instituições distribuídas pelo Brasil. As idéias originais surgiram a partir de um grupo de
pesquisadores que já interagia do Nordeste do Brasil, dos Estados do Rio
Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. De fato, desde 1996 ou 1997,
nós já atuávamos como uma espécie de minirrede, com recursos originários de outras fontes, obviamente. Em São Paulo, na USP e na Unicamp,
também existia um outro grupo de pesquisa que desenvolvia atividades
como se fosse uma sub-rede. Nós resolvemos nos unir, principalmente com
duas coisas em mente: primeiro, a qualificação de pessoal que já existia;
segundo, as infra-estruturas de pesquisas eram complementares. Em Recife, nós temos infra-estrutura e facilidades para processamento de silício,
enquanto aqui, na USP, em São Paulo, nós temos laboratórios equipados
para processamento de arseneto de gálio e seus derivados, o que envolve
duas tecnologias diferentes na área de semicondutores; mas, juntando essas facilidades complementares, uma série de coisas passaram a acontecer
e o reflexo disso está na produtividade e na inovação.
No começo, nós éramos a menor rede das quatro e compreendíamos somente nove instituições. As coisas foram evoluindo, ao longo dos
meses, novos grupos de pesquisa foram aderindo à rede, de forma que,
após dois anos, nós temos a seguinte configuração para a rede NanoSemiMat: 18 instituições, abrangendo Estados desde o Amazonas ao Rio
Grande do Sul, todas elas interligadas em atividades de pesquisa e de
colaboração entre os grupos que delas fazem parte. Essa é, mais ou menos, a situação atual. Se formos nos preocupar com o envolvimento e a
abrangência dessa atividade, realmente é uma quantidade muito grande
de colaborações, de diferentes atividades, em linhas de estudos comple156
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
mentares, mas distintas. Essas são as instituições envolvidas, das quais
tratarei um pouco mais a seguir.
Recentemente, a rede NanoSemiMat deu origem a dois laboratórios dos associados, que funcionam independentemente: o Laboratório de
Novos Materiais e Semicondutores, no Instituto de Física da USP, em
São Paulo; e o outro, o Laboratório Regional de Nanodispositivos e Materiais Nanoestruturados, que funciona com abrangência regional no Nordeste, sediado em Recife, o qual envolve físicos, químicos e engenheiros
originários de duas redes, a Renami e a NanoSemiMat. Esta já deu origem a duas pequenas redes: a Reman, cuja sede é na Bahia, focaliza o
desenvolvimento de protótipos; e a rede RenanoSim, estabelecida na Escola Politécnica da USP e centrada em dispositivos micro-eletro-mecânicos (Mems) e sensores. Desse modo, nós demos origem a duas redes que
podem vir a atender potenciais demandas das indústrias nacionais. Dentro
da NanoSemiMat há algumas instituições-chave e a origem disso é o fato
de esses serem sítios que possuem infra-estrutura experimental de fabricação e funcionalização de materiais semicondutores.
Uma rede como a nossa compõe-se de cerca de 130 pesquisadores,
valor que flutua em função de pós-doutores, estudantes, entre outros fatores. Atualmente, somos uma das menores entre as quatro redes, temos 55
professores, em torno de 80 a 90 estudantes de pós-graduação, mestrado
e doutorado, uma média de 200 publicações anuais. Há 45 teses de doutorado em andamento, 25 colaborações com o exterior e, nos últimos dois
anos e meio, contribuímos com a inovação tecnológica, desenvolvendo cerca de 16 patentes e implantando novas linhas de pesquisa em Nanociência
e Nanotecnologia no Brasil.
Essa é a evolução, segundo mostrou o nosso terceiro encontro anual,
acontecido em março deste ano [2004], na Bahia, com a participação de
127 pesquisadores, entre os quais dez estrangeiros. Esse congresso realmente teve um sucesso bastante grande, no âmbito nacional e internacional, recebendo pesquisadores voluntários de diversos países da América
do Sul e dos Estados Unidos.
O que mais impressiona nessas colaborações recentes, às quais me
refiro, é o volume de recursos financeiros aplicados nas áreas de Nanociência e Nanotecnologia. Onde há dinheiro envolvido, relacionam-se muitos
157
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
fatores, de forma que não é difícil obter recursos de fora e fazer a rede
funcionar por meio destes. Oficialmente, as atividades se iniciaram em
janeiro de 2002, há cerca de dois anos e meio. Uma das nossas primeiras
preocupações foi a inserção do país em nível internacional, como o Professor Oscar Malta mencionou. Para isso, nós tomamos inúmeras ações, não
só de participação no exterior, em conferências internacionais, mas também procuramos organizar no Brasil uma série de eventos na área. A
NanoSemiMat, em particular, já realizou três ou quatro eventos internacionais no Brasil, os quais comentarei rapidamente.
Para demonstrar o impacto da pesquisa de semicondutores dentro
do âmbito da rede, cito dois exemplos de conferências de grande porte: a
International Conference of the Physics of Semiconductors – uma das
maiores ou, talvez, a maior reunião mundial na área de semicondutores –,
no ano de 2002, aceitou 47 trabalhos brasileiros para apresentação, dos
quais 19 foram da NanoSemiMat; e a International Conference of
Superlattices and Nanostructures Devices, também realizada em 2002,
selecionou 26 trabalhos do Brasil, entre eles, 23 da rede NanoSemiMat.
Isso é um reflexo da qualidade e do impacto das linhas e atividades de
pesquisa desenvolvidas, mas não é tão importante quanto conseguir recursos em outros lugares.
Ao longo de um período de um ano e meio, conseguimos trazer
cerca de 15 pesquisadores para visitas ao Brasil, sem custo para a rede;
começamos a nos envolver com outras redes de pesquisa no exterior e surgiram as idéias, já no ano de 2003, sobre a criação de sub-redes. Dentro
da NanoSemiMat, já estávamos pensando em criar sub-redes focalizadas,
quando, por coincidência, houve o lançamento do edital citado, que aprovava
justamente isso.
O Laboratório de Microeletrônica de Recife, na Universidade Federal de Pernambuco, também está negociando um projeto para o desenvolvimento dessa pesquisa na área de óxido para alta constante dielétrica.
Mais recentemente, um membro da nossa rede viajou para o Japão, onde
nós iniciamos um projeto de troca de pessoal com o National Institute of
Material and Sciences (Nims). Esse acordo começa oficialmente em abril
de 2005, para a ida ou vinda de pós-doutores e professores mais
especializados.
158
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Sobre as patentes, minha intenção ao mostrá-las é fornecer uma
idéia geral do que estamos fazendo, em termos de inovação. Observem:
produtos – softwares; processos – fabricação de novos materiais porosos;
protótipos – dispositivo de medida de radiação ionizante; processo –
heterojunção com dimensão nanométrica de polímeros de silício; processo – nova técnica para fabricação de memórias ROM, nanossoldas; produto – dispositivos fotodetectores e fotovoltaicos, dispositivos de memória,
método, processo.
Conforme visto, há inúmeras coisas que estão acontecendo, isso
tudo é meramente o resultado e uma conseqüência das pesquisas básica e
aplicada em desenvolvimento. Se isso vai ser industrializado e colocado
em produção em massa não cabe a mim dizer. É preciso envolver os empresários, as indústrias que vão utilizar esse conhecimento e torná-lo realidade.
Nós temos tentado implementar novas linhas de pesquisa, como eu
falei, utilizando óxido de alta constante dielétrica, semicondutores para a
spintrônica, dispositivos de poucos elétrons, novos materiais envolvendo
estruturas porosas, com dimensões nanométricas controladas, protótipos
de sensores atuadores e dispositivos para conversão de energia, tais como
leds e células solares.
O foco das atividades dentro da rede, embora seja bastante amplo, é
específico, com grupos de diversas instituições concentrados em um mesmo
problema. De modo geral, o foco de pesquisas, além do silício, envolve materiais semicondutores III-V e II-VI, o que oferece uma grande área para o
estudo da parte teórica e experimental, propriedades ópticas e de transporte, nanodispositivos e nanoestruturas, dispositivos à base de carbeto de
silício e de silício, tecnologia MOS, mas também é associado com cerâmicas, polímeros, e a parte de aplicações com sensores, fotodetectores etc.
Gostaria também de mostrar alguns exemplos de protótipos de
nanoestruturas que nós temos desenvolvido na rede e apontar em quais
áreas essas coisas estão dando implicações e conseqüências no que se refere à inovação. Esses são alguns resultados daquelas patentes que exemplifiquei. Um deles, em desenvolvimento na USP, é o desenvolvimento de
processos de pontas nanométricas à base de silício para aplicações na
microscopia de força atômica, o que, em particular, é de grande importân159
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
cia para a engenharia biológica. Na área biológica, há inúmeras aplicações
da nanofabricação. Um outro exemplo é a fabricação, usando silício poroso e silício cristalino, de mesas que, eventualmente, por meio de certos
processos, pode-se cortar a ponta, tirar o tampo da mesa etc.; também na
área biológica, podem ser obtidas estruturas nanométricas com aplicações
em sensores.
Esses resultados estão acontecendo, assim como o desenvolvimento
de novas tecnologias para materiais porosos, com aplicações estratégicas.
Por exemplo, podemos observar uma pastilha de silício de duas polegadas;
o que se conseguia fazer com silício poroso era emitir luz não uniforme.
Entre 2002 e 2003, nós desenvolvemos um processo em que uma pastilha
de diâmetro arbitrário – essa aqui é de duas polegadas, mas pode ser de
12 –, torna-se completamente uniforme e acende como um led. Isso aqui
está sendo iluminado por uma lâmpada ultravioleta. Esse novo tipo de
material tem uma utilização estratégica muito grande e importante, servindo para aplicações como fonte alternativa de energia, leds, sensores elétricos, químicos e biológicos. Atualmente, estamos trabalhando para mudar
a cor, o que não é fácil, da emissão e já conseguimos fazer luz ser emitida
no vermelho, rosa e um pouco alaranjado. Este aqui é um silício poroso.
Um outro exemplo de material poroso é extremamente importante
na área médica; trata-se de alumínio poroso, óxido de alumínio dopado
com carbono. Esse foi recentemente premiado como o melhor trabalho em
uma conferência internacional nos Estados Unidos, a maior conferência
mundial na área de dosimetria. Há aqui duas lamínulas de alumínio; o
alumínio poroso foi fabricado nas duas, mas uma foi dopada com carbono
e a outra não; em seguida, joga-se a luz ultravioleta, que se emite no azul.
Aqui está: uma emitindo no azul e a outra que não emite. Qual é o truque? Isso está na patente.
Para mencionarmos um outro exemplo, temos uma curva de calibração
para uso do alumínio poroso, como dispositivo termoluminescente, que tem
aplicações para dosimetria na área médica, em hospitais, clínicas, entre outras. A estrutura porosa do material: parece o arranjo de uma colméia e
possui um diâmetro bastante uniforme. Isso são tubos, todos já ouviram falar
de nanotubos de carbono, são arranjos de tubos construídos a partir do
alumínio metálico. Desse modo, pode-se controlar esse diâmetro e incorpo160
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
rar nanopartículas aqui dentro. Esse é um dos trabalhos que está envolvendo
a Nanobiotec e a NanoSemiMat, realizado pelo Professor Nelson Duran,
no qual estamos utilizando enzimas e bactérias que oferecem como resultado
nanopartículas de ouro e de prata. Nós estamos trabalhando para incorporar isso nessas estruturas e desenvolver algumas aplicações.
Aqui, mostramos a infra-estrutura que temos nos laboratórios de
pesquisa. Essa é a sala limpa, em Recife, com as pessoas trabalhando.
Dentro dela nós podemos fabricar coisas com dimensões de até 0.6 microns.
Nós também estamos desenvolvendo uma nova metodologia de crescer fios quânticos, nanofios de SiO2, a partir do silício, por meio de uma
técnica não-convencional, jamais desenvolvida antes. Com o uso dos
substratos de silício (são pastilhas de silício), podem-se obter fios crescendo a partir de buracos que aparecem na superfície, até formar uma floresta
de fios, alguns deles com cerca de 80 nanômetros de diâmetro.
Essa é uma variação da técnica na qual se faz nanofabricação na
superfície da pastilha. Geram-se certas estruturas mediante a corrosão preferencial direcional e assim também começa-se a fabricar esses fios. Há
aqui fios de diâmetro da ordem de 80 nanômetros. Para que isso serve?
São Paulo tem alguns milhões de quilômetros de fibra óptica, uma quantidade absurda, por todas essas tubulações de telefonia. A fibra óptica constitui-se de macrofios de SiO2. Nesse exemplo, nós temos nanofios de SiO2.
Esse é o caminho da integração entre a óptica e a computação óptica do
futuro. Se conseguirmos desenvolver um processo para obter isso controladamente, com dimensões ainda menores poderemos fazer interconexões
em alta escala de integração, em dimensões nanométricas.
Trabalhar com semicondutores pode levar a muitos resultados.
Outros dispositivos e protótipos desenvolvidos na rede são os fotodetectores
de radiação e de gás, células solares à base de polímeros e silício. Eles
aparecem aqui com algumas estruturas e algumas caracterizações. Este é
um outro tipo que está sendo desenvolvido, um fotodetector de área grande, para fabricar células solares de alta eficiência.
Para concluir, a contribuição que nós tentamos dar para o país, em
particular na região Nordeste, está relacionada a esses desenvolvimentos
de que eu falei inicialmente para vocês. A NanoSemiMat foi criada, digamos, como a rede-mãe, a partir do começo de 2002. A evolução ao longo
161
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
do tempo levou à criação de uma sub-rede, focalizada em protótipos, e de
uma outra sub-rede, centrada em microdispositivos eletromecânicos e
sensores, envolvendo facilidades complementares de processamento. Mais
recentemente, a NanoSemiMat contribuiu para a implantação de três novos laboratórios no Nordeste, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará, não
com recursos da rede, mas com financiamento oriundo de outros lugares.
Um desses é o Laboratório de Metrologia de Radiação Ionizante (LMRI),
em Pernambuco; um outro laboratório implantado foi o de Microscopia de
Força Atômica, no Ceará; e o terceiro, que está em implantação, é o Laboratório de Propriedades Ópticas, na Bahia.
Dessa maneira, nós começamos a formar um conjunto de redes ou
de laboratórios, os quais envolvem recursos originários de fundos setoriais,
entre outros. Se nós analisarmos, não é preciso tanto dinheiro para fazer
essas coisas. A Renami, por exemplo, criou um outro laboratório, chamado Landfoton. Existem empresas, como a Pontoquântico Nanodispositivos
e a Flexitec, envolvidas com as atividades de P&D e de inovação no âmbito das redes NanoSemiMat e Renami. Em nível regional, nós já dispomos
dos doutores de que necessitamos, a infra-estrutura já existe, temos o desejo de pensar e de fazer. Portanto, é só deixar que as coisas sejam feitas.
Muitas vezes não é necessário um projeto de grande porte para executar
grandes realizações. Em outras palavras, temos infra-estrutura, temos o
pessoal e sabemos como proceder. Daqui a cinco anos eu darei outro seminário e então direi a vocês o que terá acontecido. Obrigado pela atenção e
espero que eu tenha conseguido transmitir alguma informação. [Palmas].
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Eu queria agradecer ao
Professor Eronides da Silva Júnior a encantadora apresentação e, com
todo o respeito, fazer uma observação e, penso, uma contribuição para o
debate. Quando o Professor fez a relação muito importante das patentes,
ele a colocou no “capítulo” inovação. Patente não é inovação, patente é
invenção, e se não houver a percepção clara da diferença entre invenção e
inovação, creio que não começamos ainda a fazer o que o país precisa.
A contribuição para o debate está na frase em que ele diz: “nós
fizemos tudo isso, realmente é impressionante, mas a utilização e a industrialização, a colocação disso em escala à disposição da sociedade não é
162
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
conosco”. Eu queria dizer, em primeiro lugar, que, do lado da indústria,
há uma clara percepção de que o tema é importante. Recentemente, estive
com o presidente do IEDI – que é um empresário das grandes empresas
brasileiras, uma alta autoridade do Governo Federal – e ouvi-o transmitir,
justamente, que a preocupação das empresas é com a questão da Nanotecnologia e com seu uso pela sociedade. A questão que no cabe é como
passarmos da façanha técnica. Foi, enfim, o que o Professor Eronides tão
bem apresentou, para o uso efetivo pela sociedade, respeitando a questão
ambiental, que é o tema do nosso evento. Nesse ponto, como pesquisador
que sou, eu lamento dizer que a comunidade de pesquisa não pode prever,
esse é um problema que não é nosso, é do governo e da indústria. Essa é
uma questão que tem de ser vista coletivamente, desde o início.
Enfim, eu queria deixar isto como uma contribuição para o debate
e gostaria de novamente elogiar a extensa, mas excelente e encantadora
apresentação que o professor Eronides fez. Passamos à segunda apresentação, também com um representante da querida região Nordeste, o Prof.
Dr. Edmilson Lopes Júnior, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. [Palmas].
Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior – Bom dia. Ontem à noite,
eu fiz os nossos amigos Mike Treder, Kenneth e John Ryan caminharem
alguns quilômetros nas ruas de São Paulo, e depois, cheio de culpa, para
expiar o meu pecado, eu revi a apresentação desta manhã. Tentei incorporar um pouco da discussão, um exercício meio perigoso, mas dessa forma,
penso que darei resposta a esse processo de expiação.
Na verdade, o que eu apresentarei define-se como um discurso sobre a inutilidade. Surgiu a idéia de pensar sobre a inutilidade, a partir de
uma poesia do João Cabral de Melo Neto – talvez em homenagem ao
Eronides, pernambucano de boa cepa –, cujos versos dizem que, entre o
inútil do fazer e o inútil do não fazer, eu prefiro sempre o primeiro. Igualmente, um discurso das Ciências Sociais sobre Nanotecnologia, sociedade
e inovação parece, à primeira vista, um discurso advindo de um lugar marcado pela superficialidade e, talvez, um exercício inútil. Isso me leva a
fazer uma pergunta central, a qual vai justificar esta intervenção. A pergunta é, na verdade, o que são as Ciências Sociais, qual o seu papel, qual
163
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
a contribuição que elas podem dar para compreender esse momento limiar
da revolução nanotecnológica? Observo que me refiro a um lugar periférico, periferia da periferia, falo de um lugar provinciano, embora não deixe,
apesar disso, de fazer algumas questões, a meu ver, universais.
Essa pergunta central, que se desdobra em algumas outras, cobra
de imediato uma resposta que funcione como uma hipótese-guia. Espero
que esta seja uma guia melhor que aquele que fui ontem, com os nossos
amigos nas ruas de São Paulo. Essa hipótese-guia tem como base a proposição de Thomas Khun sobre a História da Tecnologia.
Contrariando uma idéia sedimentada nas ciências a respeito da divisão do trabalho, eu acredito que nós vivemos em um mundo em que os
processos de inovação científico-tecnológicos constituem uma teia inteiriça,
na qual se encontram envolvidas as instituições sociais, as atitudes culturais,
as oportunidades econômicas, assim como as normas jurídicas e financeiras
dominantes. Se essa hipótese tiver algum sentido, então cabe às Ciências
Sociais um lugar de destaque no atual processo de desenvolvimento científico e tecnológico, impulsionado pela Nanotecnologia. Se estamos no começo, conforme nos apontou Annabelle em sua exposição, e ainda temos
condições de fazer um debate “menos emocional”, então acredito que cabe
às Ciências Sociais contribuir para a construção de uma ponte de comunicação entre o que se está produzindo ou entre aqueles que estão produzindo
nos seus laboratórios os pilares dessa revolução invisível e os atores sociais.
Estes somos todos nós, envolvidos na nossa cordialidade, um tanto quanto
perplexos diante do mundo que nos aproxima. A partir desse aporte, de
frágil bússola, eu sei, procurarei abordar alguns elementos que de forma
direta ou indireta apontam para a importância das Ciências Sociais. É, portanto, um discurso justificado este que eu vou fazer aqui.
O primeiro ponto é o problema da linguagem. Acredito que a capacidade de compreender e reagir às inovações, às invenções, aliás, não sejam
atributos dos atores bem informados ou de recursos humanos bem qualificados. Se todos os homens e mulheres são agentes cognoscitivos, capazes de
dar conta do seu mundo, proposição ancorada na filosofia de Wittgenstein,
então não há razão para tomarmos como pressuposto a noção de que se as
pessoas não aceitam as nossas proposições sobre o desenvolvimento científico é porque não entendem. Ora, as pessoas intuem as coisas e têm conheci164
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
mentos práticos, só que, na maioria das vezes, não verbalizáveis. A meu ver,
a idéia de que “somos todos o público” deve ser levada ao pé da letra e penso
que isso pode, de alguma forma, ajudar a compreensão sobre o que está
ocorrendo. Hoje, cumprir esse papel é algo estratégico.
Se não quisermos que a Nanotecnologia seja alvejada pelas mesmas setas de desconfiança que acertaram décadas atrás a energia nuclear,
devemos refletir um pouco mais sobre essa idéia de que “somos todos o
público”. A desconfiança nos leva imediatamente à idéia de que a comunicação é central e essa comunicação pressupõe um sujeito descentrado, os
próprios cientistas, que são especialistas e não guardiães, ou seja, são especialistas em algumas áreas e público leigo na maior parte das outras. Isso
implica, como nos apontou Eliane Moreira, um certo compromisso ético,
medo do compromisso com o outro, e envolve, antes de tudo, uma
emocionalidade cooperativa, algo um tanto quanto estranho nos nossos
ambientes. Não há emocionalidade cooperativa em um relacionamento com
esse outro leigo – que, inclusive, somos nós mesmos na maior parte da
vida, afora naquelas áreas nas quais somos especialistas.
A essa altura, muito provavelmente alguns de vocês podem estar
pensando: “besteira, isso é coisa de sociólogo”. Pode ser. Mas acredito
que ninguém aqui – especialmente aqueles que acompanham, mesmo à
distância, o que ocorre no mercado financeiro – discorda do fato de que
vivemos em uma sociedade reflexiva, na qual a confiança é um elemento
central. Esse processo de desencantamento do mundo afeta sobretudo a
própria ciência, cuja justificação deixa de ser ancorada exclusivamente em
uma autoridade dada; a ciência é, como todas as relações institucionais na
modernidade reflexiva, fundada em uma confiança conquistada. Se isso
tem algum sentido, o principal é a construção de uma linguagem que permita expressar o que está ocorrendo e possibilite a construção de um processo de tradução entre o que podemos chamar de forma de vida do cientista
e aquela dos homens e das mulheres comuns.
Nesse ponto, penso que entra a Sociologia, por dois motivos. Em
primeiro lugar, creio que essa linguagem a ser construída, especialmente
em relação à Nanotecnologia, não pode e – adianto – não vai ser produzida exclusivamente pelos que promovem ou apóiam as invenções e as inovações. Em segundo lugar, porque seria pior deixar nas mãos daqueles que,
165
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
por razões ideológicas, se colocam desde antes contra o desenvolvimento
de pesquisa de base na área de Nanotecnologia. Esses são apenas pontos
de provocação.
O segundo tópico é o que diz respeito à inovação, demanda social
e prática científica. Um dos problemas de comunicação é o tipo de linguagem, conforme eu já falei, utilizada para tratar da relação “invenção e
inovação”. Aceita-se comumente a proposição da origem da Economia
que sacraliza essa divisão. Ora, o problema aqui, acredito, é muito mais
profundo e complexo, e o que nós acabamos de ouvir nos aponta para isso.
Essa questão diz respeito à lógica subjacente de que há dois campos muito
distintos: o campo científico e o campo econômico. Segundo nos aponta o
sociólogo francês Pierre Bourdieu, nos dois campos acumula-se o capital,
entretanto não há que duvidar que as lógicas de acumulação nesses campos são radicalmente distintas. Por isso, acho que aprender a lógica de
capital e a lógica de acumulação nesse campo é uma tarefa à qual a Sociologia pode dar a sua contribuição.
Adianto que não faço a confusão entre campo econômico e mercado,
e aqui recorro a um dos subcampos mais instigantes das Ciências Sociais nos
últimos anos, identificado com a rubrica “Nova Sociologia Econômica”.
Uma de suas mais importantes balizas é a idéia de que o mercado não é uma
realidade exclusivamente dominada pelo cálculo racional e, como produto
social que é, encontra-se subsumido na vida social e com ela está culturalmente envolvido. Essa é a idéia do embededness of social life, formulada por
Karl Polany, há mais ou menos 40 ou 45 anos. Em outras palavras, as
narrativas que fundamentam os discursos de oposição ao desenvolvimento
da pesquisa em Nanotecnologia, não raro, recorrem a um repertório cultural
baseado na idéia do mercado imperialista. Essa idéia talvez seja boa para
mobilizações políticas, mas é muito ruim para apreender a realidade. Ela é,
do meu ponto de vista, logicamente insustentável e desastrosa, entre outras
coisas, porque gera uma dicotomia “senhores x escravos”, povos que não são
sujeitos e a possibilidade de construção de instituição social daqueles que
são condenados à terra. A vida nos aponta uma realidade contrária.
O próximo ponto – pretendo ser econômico na minha intervenção –
diz respeito à inovação e à ruptura, se estamos no limiar de uma nova era.
Alguns acham que sim. A Nanotecnologia implica, decerto, profundas
166
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
interrogações sobre as nossas vidas, coletiva e individual. Em certo sentido, a Nanotecnologia contribui para radicalizar o que eu chamei anteriormente de modernização reflexiva.
Permitam-me um pouco de esnobe referência letrada – algo que a
todo provinciano não escapa –, lembrando a vocês a repetida frase do nobre
próspero na Tempestade, frase transformada célebre em um já esquecido
manifesto, escrito por alguém cujo sobrenome era Marx, a qual dizia que
tudo o que é sólido se desmancha no ar. Talvez essa frase continue de alguma
forma atual e – talvez eu ouse dizer uma heresia – ler Tempestade ajude
mais, neste momento de turbulência, do que ler Michael Crichton.
Ora, como diz Bourdieu, inovação científica não ocorre sem rupturas sociais com os pressupostos em vigor. Pensar o suposto e os pressupostos das posições, do debate que ainda não é emocional, segundo definiu
Annabelle, é uma outra tarefa das Ciências Sociais. Em outras palavras,
podemos contribuir no trabalho de objetivação das categorias impensadas,
que fornecem os eixos estruturantes dos mapas cognitivos dos que são a
favor e contra a Nanotecnologia. Acredito que essa não é uma tarefa pequena para as Ciências Sociais.
Um outro tópico que discuto é o de risco, confiança e colonização
do futuro, reportando-me, mais uma vez, à exposição da Annabelle. Houve uma questão colocada por ela, para a qual, acredito, as Ciências Sociais
também contribuem. Alguém, durante o debate de ontem, fez referência a
Ulrich Beck, à discussão que ele faz sobre o risco. Eu gostaria de dizer
que as Ciências Sociais contribuem para a construção de um mapa cognitivo,
capaz de dar sentido aos riscos potenciais imaginados, relacionados à
Nanotecnologia. A Annabelle nos colocou diante do desafio de equacionar
risco e preço e a sua análise, desenvolvida da perspectiva do seguro e das
seguradoras, apontou para algo claro, algo que é formidável pensar e talvez seja um grande ganho da Nanotecnologia. Talvez estejamos chegando
no limiar e no limite, também, da colonização do futuro. Eu me refiro ao
trabalho de uma socióloga e economista americana, Viviana Zelizer, que
analisou a construção do mercado de seguros e o que está por trás da idéia
desse comércio. Talvez a Nanotecnologia venha contribuindo para colocar
em xeque as nossas apostas e as nossas certezas em relação a essa colonização do futuro, sobre essa dimensão fáustica da modernidade.
167
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
O Professor John Ryan disse que a população teria uma certa aversão ao risco. Pessoalmente, eu gostaria de ajuntar um outro posicionamento.
Eu diria que ela possui uma desconfiança reflexiva em relação ao trabalho
dos cientistas. Não se trata aqui de contra-argumentar, contando com um
público leigo e ideal – o qual, na realidade concreta, parece não existir –,
e que, para nos confrontarmos com ele, nós apontaríamos para as conquistas da ciência no século XXI. Ora, acho que a melhor forma de ser coerente diante dessa desconfiança é tentando não enquadrá-la, mas dotando-a
de condições e de recursos semânticos capazes de construir trocas significativas com a comunidade científica. É idealismo, talvez, mas a idéia é –
levando adiante a proposição da Eliane Moreira – reconhecer, construir
pontes de emocionalidade cooperativa com esse outro a quem nós queremos reconhecer.
Recuperar a desconfiança, esse subproduto da destradicionalização,
é também uma atividade política, uma boa política, que a ciência pode
fazer. Do contrário, teremos não apenas as classes médias seguindo Tom
Cruise para cientologia e as classes populares adentrando nos reinos da
Universal do Reino de Deus; teremos a própria ciência colocada em xeque, porque as suas bases culturais, os mapas cognitivos com os quais as
pessoas convivem agirão para uma obscura nova Idade Média.
Coloquei como um último ponto a Nanotecnologia no Brasil.
Aqui – aos amigos que fiz caminhar perdidos pelas ruas de São Paulo –
eu diria que talvez haja um consolo, seguindo um certo clichê: “o Brasil
não é para principiantes”. Uma das primeiras questões colocadas pela
Nanotecnologia para as Ciências Sociais e para a Filosofia empata profundamente o pensar sobre a sociedade brasileira. O que é um ser humano? Sim, porque, no processo de “engenheiramento” possibilitado pelas
novas tecnologias, essa pergunta não será tão estapafúrdia. Habermas a
coloca. Como essa dúvida se verifica no Brasil, o que é um ser humano?
Antes de apontar uma resposta, deixe-me fazer uma referência a um dos
autores clássicos de nosso país, Florestan Fernandes. Esse sociólogo, em
uma das maiores obras das nossas Ciências Sociais, intitulada A integração
do negro na sociedade de classes, apontava que, no nosso país, para os
negros e para todos os condenados da terra, em geral, a questão de
classes era “ser gente”. Os entrevistados do livro queriam isso, deseja168
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
vam ser gente, ter reconhecimento. A base empírica das entrevistas eram
pessoas que tinham nascido bem antes dos anos 50 e tinham vivido pós
a abolição dos escravos.
A questão continua presente no início do século XXI. Os brasileiros, ou uma parte considerável deles, ainda anseiam exatamente por isso,
ser gente, alcançar reconhecimento. Não porque sejamos atrasados nem
por causa alguma, como querem os nossos analistas generalistas, relacionados com um suposto atraso ou com um suposto passado ibérico, nada
disso. Ao contrário dessa leitura do senso comum, eu acredito profundamente que o Brasil é moderno e que aqui não é o passado, mas o futuro
que justapõe. Homens e mulheres do mundo todo olham para o Brasil e
podem se ver no espelho. Na verdade, o que há de moderno nesse
desreconhecimento é algo que estrutura o mapa de homens e mulheres no
capitalismo moderno, ou seja, o produtivismo. Negros e classes populares
não são reconhecidos porque são vistos como improdutivos. Nada mais
capitalista, nada mais moderno.
Cidadania, em um país como este, só pode ser mesmo um termo
vazio, coisa de néscio. Tão modernos, hoje, somos nós que chegamos bem
antes de vocês, anglo-saxãos, na perversão das palavras, principalmente
quando ouvimos um certo presidente falando de democracia. Eu entendo
que o produtivismo é o repertório que serve de pano de fundo para a
construção dessa cosmologia social sobre o capitalismo, “desnatururalizado”, entre outros, por Charles Taylor. É com as lentes fornecidas pelo
produtivismo que nós nos encaramos como povo e como nação.
Nesse ponto, o problema que a Nanotecnologia coloca sobre o que
é o ser humano, em um país como o Brasil, pode ajudar a radicalizar o
nosso debate. Até porque não é só o pecado que existe abaixo da linha do
Equador, é também o reconhecimento. Somos, assim, hipermodernos.
Alguém falou que a Nanotecnologia coloca questões éticas, como, por
exemplo, quem deverá pagar. Ora, no Brasil, nós não nos incomodamos
com isso. Mesmo os bem-pensantes da nossa elite de esquerda nutrem um
desprezo quase indisfarçável diante dessa rafaméia, dessa ralé improdutiva, o “povinho”. Esse não é um produto dos deuses, mas um produto na
nossa História, principalmente da forma como não resolvemos ou como
tratamos problemas como a escravidão, o nosso passado colonial e a escra169
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
vidão da terra e das pessoas. E, antes que digam que eu enlouqueci, eu
vou voltar ao tema da Nanotecnologia e as Ciências Sociais.
No caso brasileiro, ao apontar para a questão “o que é um ser
humano?”, nós pudemos radicalizar e nos questionar modernamente. Somos seres humanos, e daí? Somos humanos, temos direitos, vamos
radicalizar esse debate sobre o que é ser humano no Brasil. Talvez, só por
isso, a Nanotecnologia já tenha realizado o papel de contribuição para
fundamentar uma nova agenda para as Ciências Sociais no Brasil. Por
outro lado, o que nós pudemos oferecer a vocês é a preocupação de construir essa ponte com a sociedade socialmente apartada, separada, mas nem
por isso menos esperançosa das possibilidades de mudança.
Já que fui herético o suficiente, mencionarei alguém que não deve
mais ser referência em alguns ambientes acadêmicos. Refiro-me a um certo italiano, chamado Antonio Gramsci, o qual escreveu há bastante tempo
– lá pelo século XX, esse distante século... – que mais valem idéias sendo
assumidas, produzidas e pensadas coletivamente do que as idéias geniais
de um único homem. Acredito, no que diz respeito ao debate sobre a
Nanotecnologia, que nós pudemos assumir essa proposição gramsciana.
O fundamental é alargar e socializar os elementos do debate para que este,
sim, sirva de base a um relacionamento consistente da sociedade brasileira
com esses atores formidáveis, mas não merecedores de questionamento –
aliás, como todos nós –, que são os cientistas os quais construíram o milagre de produzir a Nanotecnologia neste país.
Nesse sentido, talvez a Nanotecnologia possa ser para nós o desmentido da célebre afirmação com a qual Gabriel Garcia Marques termina o seu Cem anos de solidão. Ele disse que não existe uma segunda chance
para as estirpes condenadas sobre a terra. Nós, que já fomos tantas vezes
condenados, quem sabe encontraremos na Nanotecnologia uma possibilidade de superar a nossa condenação – e aí Garcia Marques estará errado.
Talvez quem esteja com a razão seja um poeta nordestino, um negro que
disse alguns poemas, na passagem do século XIX, e ficou conhecido como
poeta do absurdo. Alguém que hoje recitasse esses versos, certamente,
seria para uma apresentação em New York e sairia na capa do Times. Zé
Limeira, andando nos sertões paraibanos, dizia um poema, o qual se encerrava da seguinte maneira: “No ano passado eu morri, mas neste ano
170
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
não morro”. Talvez essa seja uma possibilidade que a Nanotecnologia nos
contemple aqui. Quem sabe isso também não seja uma fala da esperança:
No ano passado nós morremos, mas este ano, com a Nanotecnologia, nós
não morremos. [Palmas]
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Eu agradeço a apresentação feita pelo Professor Edmilson, a qual, eu diria, foi pontuada de observações de profundidade e, ao mesmo tempo, de bom humor. O Professor
Edmilson integra o conselho da rede que acabou de ser criada. Aproveito
para apenas lembrar que – já que ele retrocedeu bastante na História –,
em 1277, o filósofo e cientista da Universidade de Oxford, considerado o
gênio da época, o admirável doutor Roger Bacon foi preso sob a alegação
de envolvimento com “inovações suspeitas”. Penso que o Professor Edmilson
retomou o tema, contextualizando-o com a Nanotecnologia.
A terceira apresentação será do querido Professor Henrique Rattner,
nosso guru na área de tecnologia e sociedade, o qual também participou
da organização do evento. Porém, por motivo de saúde, ficou impossibilitado de aqui estar presente. O Dr. Paulo Martins, como coordenador do
seminário, colega de trabalho e admirador do Professor Rattner, dispôs-se
a fazer a leitura do texto, prévia e cuidadosamente preparado, o qual eu
também já tinha lido com antecedência. É um texto muito bom.
Dr. Paulo Martins – Eu gostaria de pontuar que o Professor
Rattner só não veio aqui por absoluta impossibilidade. Nós temos a absoluta certeza de que ele fez aquilo que lhe era possível para estar aqui e, se
aqui não veio, foi porque realmente ficou impedido. Eu tenho o prazer de
estar em constante interlocução com o Professor Rattner, com ele discuti a
formatação deste evento e, certamente, ele é um dos nossos contribuidores
da maior importância. Por isso o texto dele tem de ficar registrado neste
seminário.
171
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
NANOTECNOLOGIA – PARA MELHOR
OU PARA PIOR?
Henrique Rattner1
FEA-USP e ABDL
Introdução
A nanotecnologia, neste limiar do século XXI, está sendo aclamada
como uma nova revolução tecnológica por uma onda de marketing, inclusive
por parte de alguns centros acadêmicos, cuja produção efetiva pouco tem
contribuído para um conhecimento mais exato e confiável sobre o tema.
Afinal, o que se está estudando e o que se está fazendo? Quais são
as pesquisas em andamento e suas possíveis aplicações industriais? Mais
importante ainda, quem faz as pesquisas e com que objetivos? Quem arcará com os custos? Servirão os resultados para a criação de riquezas (de
quem, para quem)? Pretende-se seriamente melhorar a qualidade de vida
de todos? Não se pretende parar o desenvolvimento da nanotecnologia,
mas é preciso levantar algumas questões fundamentais (aliás, extensivas a
todas as tecnologias de ponta) sobre suas relações com a eqüidade social e
a qualidade do meio ambiente. Impõe-se, portanto, um processo de avaliação “ex-ante”, baseado no “princípio de precaução”, mesmo porque o
quadro de diretrizes existentes referentes à produção, consumo e fiscalização de alimentos, drogas e cosméticos, bem como as condições de segurança nos locais de trabalho e o meio ambiente em geral são considerados
insuficientes e a legislação pertinente arrasta-se por anos nas casas legislativas.
1
Outros textos do autor estão disponíveis no site: <www.abdl.org.br/rattner/inicio.htm>.
São Paulo, agosto de 2004.
172
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
À luz das experiências das últimas décadas, convém esboçar um
exercício de prospectiva, passando em revista as promessas e os resultados
da nova onda tecnológica.
Inovação tecnológica e bem-estar social
As inovações de maior impacto, nas últimas décadas, foram derivadas indubitavelmente da introdução da microeletrônica e de suas inúmeras
aplicações no campo civil e militar. Não falta literatura sobre os aspectos
econômicos e técnicos de computadores e microprocessadores e suas inúmeras aplicações em praticamente todos os setores das atividades humanas. As conseqüências sociais, contudo, não têm merecido a mesma atenção
dos pesquisadores e os recursos alocados para incentivar pesquisas e análises críticas sempre foram, e continuam sendo, escassos.
Em 1982, foi publicado um outro estudo do Clube de Roma,2
intitulado Microelectronics and society: for better or for worse, que apresentou uma antevisão do futuro próximo e uma análise da realidade, ao focalizar a problemática dos impactos da microeletrônica sobre o trabalho
humano, particularmente os efeitos da automação e da robotização.
Análises semelhantes deveriam ser elaboradas, mas não foram, referentes à introdução da Revolução verde, de Norman Borlaugh, nos anos 60,
à biotecnologia e à engenharia genética e, mais recentemente, à polêmica
sobre o uso de organismos geneticamente modificados e as sementes e os
alimentos transgênicos. É possível extrair dos relatórios anuais do PNUD
sobre a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) um balanço sumário entre ganhadores e perdedores nesse processo. Esses dados
mostram que, apesar dos avanços imensos do conhecimento científico e
suas aplicações tecnológicas, paradoxalmente, as condições existenciais de
um quinto da humanidade que sobrevive com menos de US$ 1 por dia
não têm melhorado e as perspectivas para os próximos anos não parecem
augurar mudanças significativas.
2
O primeiro, Limites do crescimento, foi elaborado por D. Meadows et al., do MIT, em
1972.
173
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Contrariamente à mídia sensacionalista, que ora aponta para a
ameaça de grey goo – máquinas que se auto-replicam – ou, mais recentemente, evoca o espectro do green goo – em que a biologia seria utilizada
para criar novos materiais e novas formas artificiais de vida –, cabe aos
cientistas sociais a tarefa de avaliar os potenciais riscos e benefícios da
nanotecnologia.
O estado atual da pesquisa científica e tecnológica não permite
afirmar se, e até que ponto, as nanoparticulas ou produtos representam
uma real ameaça.
É verdade, já existem numerosos produtos e partículas em circulação,
sem que tenha havido uma avaliação “ex-ante” de seus riscos. Tampouco
seus produtores ou comerciantes estão preocupados com o chamado “princípio de precaução”. Mas produtos baseados em nanotecnologia possuem propriedades que atraem investidores e prometem benefícios – de melhores
produtos a novos caminhos de curar doenças – que acabam deixando os
riscos associados à introdução de novas tecnologias em segundo plano.
Há, por exemplo, indicações que nanoparticulas são quimicamente
mais reativas e, por isso, potencialmente mais tóxicas. Entretanto, poucos
estudos toxicológicos existem, por enquanto, sobre a matéria.
Estudos sobre nanotecnologia, em nosso meio, estão apenas na fase
inicial. Tais como as pesquisas do Instituto de Química da USP, que desenvolve sensores de raios ultravioletas, com base em tecnologias
nanoscópicas. Outro projeto procura aperfeiçoar modelos de células
fotoquímicas para a produção de energia com estrutura molecular.
Na Universidade Federal de São Carlos, foi desenvolvida uma combinação de nanopartículas (NPs) com outros materiais que permitiu o
desenvolvimento de um lápis com grafite mais resistente e, ao mesmo tempo, mais macia. O produto acabou sendo adquirido pela multinacional
Faber Castell.
Sobre as aplicações da nanotecnologia
O acompanhamento do noticiário sobre os movimentos de investidores – especuladores na área de nanotecnologia evocam até certo ponto o
174
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
estouro da “bolha” de especulação em novas tecnologias, cotadas na
Nasdaq. A corrida atrás de investimentos em companhias de informática
fez a fortuna de poucos e a miséria de muitos incautos, seduzidos pelo
marketing inescrupuloso das empresas. Embora a nanotecnologia possa
ter aplicações múltiplas, da microeletrônica até a medicina, pouco se sabe
quando e onde (ou mesmo se) a NT será aproveitada.
Uma empresa de pesquisa, a Nanosys, nos EUA, anunciou o lançamento de uma oferta pública das suas ações, até o fim de 2004. Entretanto, a empresa ainda não lançou um único produto e suas atuais receitas
se restringem a uma verba de US$ 3,1 milhões, provenientes de contratos
de pesquisa com o governo dos Estados Unidos. A comparação com o
lançamento da Netscape, em 1995, não é válido porque esta já contava,
no mesmo ano, com 10 a 15 milhões de usuários. Por outro lado, o clima
geral da economia norte-americana e as baixas sucessivas nas cotações das
bolsas não favorecem o lançamento de um novo ciclo de investimentos
especulativos.
Um levantamento sumário nas publicações que circulam sobre nanotecnologia aponta para os seguintes produtos e serviços que já estariam
no mercado:
• Tecidos resistentes a manchas e que não amassam;
• Raquetes e bolas de tênis;
• Capeamento de vidros e aplicações antierosão a metais;
• Filtros de proteção solar;
• Material para proteção (screening) contra raios ultravioleta;
• Tratamento tópico de herpes e fungos;
• Pó antibactéria;
• Diversas aplicações na medicina como cateteres, válvulas cardíacas, marca-passo, implantes ortopédicos;
• Produtos para limpar materiais tóxicos;
• Produtos cosméticos;
• Sistemas de filtração do ar e da água.
175
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Mapeando os riscos e as promessas da nanotecnologia
Nanotecnologia se refere a partículas na dimensão de nanômetros
(10-9 = 0,000.000.001 m = a um nanômetro, ou nm). A interação da
física clássica com mecânica quântica – facilitou a emergência de outras
tecnologias, o que levou à preocupação com NPs produzidas e liberadas
(residuais) via tecnologias convencionais (ex.: resíduos de combustão
suspensos no ar). Por outro lado, alimentam-se grandes expectativas de
benefícios para a computação, a medicina, materiais diversos e o meio
ambiente, ao combinar conhecimentos de física, química, genética, tecnologias de informação e comunicação e ciências cognitivas com a nanotecnologia. Estimativas variadas sobre os gastos futuros do nanomercado
oscilam de US$ 700 bilhões, em 2008, e mais de um trilhão, em 2015.
Na discussão de nanotecnologias distingue-se a fabricação controlada de nanossistemas funcionais, ou nanoestruturas de pelo menos 100 nm
de escala, servindo à fabricação de nanossuperfícies (uma dimensão); de
nanotubos (duas dimensões) e de nanopartículas construídas (três dimensões). Distinguem-se também as nanopartículas fabricadas de vida curta
ou de vida longa como, por exemplo, as drogas.
Uma breve revisão das informações disponíveis chama a atenção
para produtos residuais não intencionados (partículas liberadas por combustão) e nanopartículas “livres” que penetram o corpo humano, sedimentando-se em alguns órgãos. Nanopartículas entram no corpo humano por
meio dos aparelhos digestivo e respiratório ou pela derme. Uma vez no
organismo, as NPs se deslocam por órgãos e tecidos distantes do ponto de
entrada e podem transpor as barreiras da circulação do sangue, entrar no
cérebro e criar riscos para a saúde (por exemplo, os vapores de polímeros
que causam danos aos pulmões). Por isso, as pesquisas técnicas devem ser
acompanhadas por investigações sobre os impactos na sociedade, no meio
ambiente e as percepções da sociedade civil sobre os potenciais benefícios
e riscos da nova tecnologia.
Hipóteses levantadas sobre as características inéditas da nanotecnologia, e que exigiriam medidas de controle e de responsabilidade redobradas, apontam para a invisibilidade e suas implicações para atividades
secretas e bélicas; a microlocomoção e suas potencialidades para inva176
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
dir ou superar barreiras, muros e outros obstáculos, inclusive a pele humana; e a auto-replicação – o aspecto mais problemático e perigoso, que
evoca o espectro do “aprendiz feiticeiro”. Essas três características colocam em evidência os desafios de monitoramento, apropriação e propriedade e o controle social da tecnologia.
Quanto ao monitoramento, é de se prever que os dispositivos invisíveis, móveis e auto-replicadores representarão desafios inéditos para a sociedade, questionando-se sobre “o que controlar e por quem devem ser
exercidos os controles”. O cidadão comum não será mais capaz de observar todas as atividades relevantes ao seu redor, enquanto as autoridades
serão pressionadas para prover assistência e orientação quanto à proteção
contra a invasão da privacidade por parte dos produtores ou proprietários
da tecnologia.
Aspectos éticos relacionados com processos, e
substâncias
Os riscos inerentes à introdução de novas tecnologias exigem um
diálogo constante com a sociedade civil – os stakeholders que sofrem os
riscos, mas nem sempre os benefícios da NT. Outros atores, industriais,
cientistas e administradores, devem ouvir o público, num sistema de comunicação em duas vias. Entre os diversos problemas nessa área destacam-se
as decisões sobre alocação de recursos para P&D e a avaliação de projetos
e seu monitoramento. Isso exige a promoção e a explicitação de diálogo
sobre a escala de valores e as diferentes opções sociais. Serão exigidos
acordos sobre princípios éticos sobre a dignidade humana, autonomia, a
obrigação de não ferir e fazer o bem, particularmente nas áreas de saúde e
segurança no trabalho, privacidade e preservação do meio ambiente.
Prioritária é a necessidade de avaliar os riscos para aqueles que já
estão expostos às NPs e no local onde estão sendo produzidas. A administração dos riscos e de suas conseqüências sociais, econômicas e políticas
deve estar estreitamente relacionada com políticas de saúde pública. Haverá necessidade de regulamentação de padrões de exposição, prevenção e
intervenção, exigindo medições biomédicas e de engenharia sanitária. Es177
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
sas seriam as funções de um observatório de nanotecnologia, para orientar
as intervenções reguladoras. A adoção do princípio de precaução, em face
de evidências incompletas e de incerteza quanto aos riscos de conhecimentos científicos incompletos, impõe-se para a segurança da população até
que se crie um processo compreensivo de regulação da NT.
Face à mobilidade e habilidade de NPs migrarem no meio ambiente
durante o ciclo de vida e à exposição de seres humanos nos locais de trabalho
e no meio ambiente em geral, formulam-se as seguintes recomendações:
• Elaborar uma nomenclatura e manuais de serviço para a engenharia de NPs, com testes de toxicologia e aprofundar os conhecimentos científicos, com coleta de dados sobre o tempo de
exposição e a resposta necessária;
• Estudos toxicológicos e eco-toxicológicos sobre a persistência de
NPs livres no meio ambiente e seus impactos no organismo e no
cérebro;
• Produzir instrumentos de medição e métodos de avaliação padronizados e desenvolver boas práticas referentes à avaliação de
riscos para a saúde e o meio ambiente humano;
• Criar instituições de monitoramento do desenvolvimento de NT;
• Estabelecer um diálogo com o público e a indústria para tomarem parte nos processos decisórios;
• Desenvolver diretrizes e padrões para avaliação de riscos da pro-
dução e manuseio de NTs e revisão de regulamentação já existente quanto ao registro de produtos de NT e suas propriedades;
• Maximizar a contenção de NTs livres, até elaborar uma matriz e
procurar eliminar ou minimizar a produção ou liberação de NPs;
O que está em questão?
As principais polêmicas versam sobre o direito da sociedade civil
de exercer o controle (governança) da mudança e das inovações tecnológicas;
a necessidade de institucionalizar o aprendizado social e a avaliação dos
riscos e das oportunidades ao operar em condições de incerteza.
178
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
É fundamental a avaliação permanente do papel da nova tecnologia na melhora ou piora da situação social, diminuindo ou aumentando as
desigualdades, a exclusão e a degradação do meio ambiente.
Há uma ênfase exagerada, devido a interesses e objetivos comerciais, nos impactos supostamente revolucionários das novas tecnologias,
enquanto, na realidade ocorrem avanços apenas incrementais, baseados
em áreas solidamente estabelecidas como: semicondutores, ciência coloidal, novos materiais etc., o que torna necessário estabelecer uma distinção
entre ficção científica e extrapolação da evolução provável e possível.
Nesse contexto, importa frisar que possíveis avanços viriam juntos
com progressos da biotecnologia e da tecnologia da informação, de forma
sinérgica e não isoladamente.
Inovação tecnológica e desenvolvimento
Analisadas em retrospectiva histórica, ciência e tecnologia constituem apenas meios e instrumentos, e não alvos em si mesmas. Sua aplicação e seu destino, portanto, devem ser objeto de diálogo, comunicação e de
interação social permanentes.
Indubitavelmente, uma das funções da ciência é racionalizar o desconhecido. Mas, se nesse processo ela for utilizada para impedir a liberdade dos outros, os cientistas sacrificarão a sua própria criatividade, perdendo
a visão de conjunto do processo social. Com isso, a autonomia da pesquisa
e o potencial libertador inerente aos conhecimentos científicos e tecnológicos também se perdem. Contrariamente às proclamações dos vendedores
de processos e equipamentos, a nanotecnologia e suas múltiplas aplicações
não são revolucionárias em si. Somente na medida em que forem acompanhadas por mudanças nas relações sociais e culturais poderá a sociedade,
como um todo, beneficiar-se das inovações.
Nas últimas décadas, inúmeras inovações tecnológicas foram
lançadas nos mercados: microeletrônica, engenharia genética, raio laser,
novos materiais, energia fotovoltaica, fibras ópticas e outras, contribuindo
para transformar produtos, processos e as atividades econômicas e administrativas. As conseqüências de sua utilização em escala global têm constituído tema de reuniões científicas, debates parlamentares e de decisões
179
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
políticas. Emprego x desemprego; qualificação x desqualificação da mão
de obra; racionalização total x alienação completa dos processos de trabalho; eficiência máxima na administração privada e pública x invasão da
privacidade constituem alguns dos aspectos contraditórios e desafiantes
das novas tecnologias.
Qual a posição crítica que devemos adotar e transmitir, na medida
em que os problemas da política científica e tecnológica se tornem cada vez
mais prementes? Não é possível resistir à penetração de inovações tecnológicas
na vida moderna sem cair no papel dos Ludditas do início do século XIX.
Recusar as mensagens dos mercadores da nanotecnologia não deve conduzir a críticas negativas apenas. Mas advogar indiscriminadamente a incorporação da nova tecnologia na vida cotidiana não significaria cair na lógica do
discurso de seus vendedores? Implícita em suas manifestações está a premissa da inevitabilidade do progresso técnico e de seus benefícios que automaticamente decorreriam para toda a sociedade.
Contrariamente aos tecnocratas embevecidos com as maravilhas das
tecnologias de ponta, postulamos que nenhuma posição ou interpretação
da realidade é totalmente neutra, se não considerar seus efeitos de exclusão do cidadão comum que a elas não tem acesso. Os homens de negócios
e os tecnocratas estão preocupados com a produtividade, o PIB, a balança
comercial, a taxa de lucro, que abstraem dos aspectos e características
sociais das inovações e de seu contexto. A visão alternativa, preocupada
com a solução dos problemas humanos de nossa sociedade destaca o conteúdo do esforço científico-tecnológico e a natureza qualitativa do desenvolvimento. Por isso, indaga sobre os impactos das inovações, além da
economia e do comércio internacional, questionando: para que serve essa
tecnologia? A quem serve e beneficia? E quais os problemas humanos que
sua introdução causará ou, possivelmente, intensificará?
Essas perguntas podem parecer ingênuas porque mesmo nos países
desenvolvidos as novas tecnologias, inclusive a nanotecnologia, surgiram
sem que houvesse decisões democráticas sobre sua introdução, o que permite inferir sobre poderosos interesses econômicos e políticos associados às
inovações.
Na análise sobre as relações entre países desenvolvidos e “emergentes”, estas são configuradas em termos de gap (fosso) tecnológico, que
180
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
caberia aos retardatários superar, caso contrário, estariam condenados ao
eterno atraso.
A maioria dos analistas, em seu entusiasmo pela nanotecnologia, se
limita à apologia dos novos produtos, ignorando os problemas não técnicos associados à sua introdução nos diversos setores da vida social e econômica. Advogando a inevitabilidade da inovação, infere-se sobre um determinismo tecnológico que reduz o desenvolvimento ao progresso técnico e à
estratégia dos negócios. Em vão, procuraremos pronunciamentos sobre as
relações sociais geradas ou deterioradas pela nova tecnologia. Muitas das
tecnologias de ponta surgiram em projetos militares ou em laboratórios de
P&D altamente especializados, de propriedade de grandes empresas, o
que revela um dos aspectos raramente comentados das inovações tecnológicas,
ou seja, sua estreita associação com grupos de poder.
Embora a maioria dos estudos sobre inovações tecnológicas seja
realizada por economistas, é inegável que seus maiores impactos são de
natureza social. Mesmo quando alguma menção é feita sobre os impactos
na relação emprego–desemprego, esta se concentra nos termos quantitativos, abstraindo das condições de trabalho, dos impactos sobre as emoções
e sentimentos dos trabalhadores, enfim, o próprio “sentido” do trabalho
para a vida humana.
Abstraindo dos problemas do poder, das relações sociais e das condições de trabalho, a inovação tecnológica passa a ser encarada como elemento preponderante na luta pelos mercados travada pelas grandes
corporações que operam no espaço econômico transnacional e no mundo
político irreversível. Seguindo esse raciocínio, chega-se à conclusão de nossa
impotência diante a inevitabilidade do destino: a tecnologia, as oportunidades e as diretrizes são dadas, as opções foram feitas e seguir na trilha da
nova tecnologia seria imperioso e inevitável, sob pena de cairmos ainda
mais no abismo do subdesenvolvimento.
Não se pretende impedir o progresso científico e tecnológico, mas
cumpre-nos zelar dos riscos à saúde da população e das ameaças ao precário equilíbrio do meio ambiente. Para isso, é preciso deslocar a discussão
de princípios abstratos, a favor ou contra, para a análise dos atores sociais
e econômicos, comprometidos institucionalmente com a legislação que exige o licenciamento ambiental (EIA/RIMA) para todas as atividades eco181
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nômicas, sujeitas à análise e avaliação por parte do Sistema Nacional do
Meio Ambiente (Sisnama).
Inovações tecnológicas devem ser não somente tecnicamente possíveis, mas também ambiental e biologicamente seguras, economicamente
vantajosas, socialmente benéficas e eticamente aceitáveis. Tudo isso legalmente regulamentado.
Portanto, as boas normas da pesquisa científica e suas aplicações
tecnológicas rejeitam os privilégios de poucos e não admitem aberrações
jurídicas, visando proteger interesses de minorias econômicas ou acadêmicas das obrigações que regulem a vida de todos os cidadãos. A Lei de
Biosegurança deve garantir previsibilidade jurídica e isonomia, ambas condições básicas da ordem jurídica e do Estado democrático.
Ciência e tecnologia não são politicamente neutras; ao contrário,
equipamentos e processos de trabalho e a organização dos mesmos estão
inextricavelmente ligados às relações sociais de produção.
Em cada contexto histórico, espacial e socialmente determinado, as
formas concretas da tecnologia representam determinada combinação de
níveis de poder econômico e político centralizado nas mãos dos detentores
dos meios de produção e, por outro lado, as aspirações ao poder dos trabalhadores e suas reivindicações, por melhor remuneração, mais autonomia e
autogestão. Por isso, práticas tecnológicas refletem as contradições políticas entre a dinâmica da economia (acumulação e concentração do capital)
e as tendências opostas do sistema social e político, em direção à democracia e autogestão. Essa tensão dialética estabelece os limites de ciência e
tecnologia como instrumentos de mudança social. P&D e a incorporação
de seus resultados ao sistema produtivo obedecem primeiramente a critérios econômicos e políticos. Em última análise, o desenvolvimento hipotético da nanotecnologia dependerá não somente do volume de recursos
financeiros postos à sua disposição, mas de quem os controla e usa, com
que objetivos e valores.
Outro desafio será a definição dos direitos de propriedade, à semelhança do que está acontecendo na área de biotecnologia e da biodiversidade. A introdução de nanomecanismos abrirá uma ampla discussão sobre
responsabilidade e controle. Quem será responsável pelo “espaço aberto” e
182
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
o “território fechado” na escala da nanotecnologia? Além de impor a obrigação de estudar os impactos da nanotecnologia sobre a sociedade, caberia
aos cientistas sociais a tarefa de estudar os impactos da sociedade sobre a
tecnologia e as normas, instituições, grupos de stake holders e seus valores,
para definir seus rumos e limites, embora a nossa experiência com a energia
nuclear, a engenharia genética e a Internet não acene com resultados promissores.
Em princípio, as decisões sobre alocação de recursos, investimentos
em P&D e desenvolvimento de processos e produtos seriam da alçada da
sociedade civil, dos sujeitos potencialmente beneficiários ou em situação de
risco. A adoção do “princípio de precaução” face às incertezas e riscos decorrentes da aplicação de conhecimentos incompletos seria ditada por um
acordo básico sobre os princípios éticos, tais como a preservação da dignidade humana, a autonomia e a obrigação de não ferir e fazer o bem, particularmente nas áreas de saúde e segurança de trabalho e na preservação do meio
ambiente. Conforme já explicitado, não podemos subscrever à tese da neutralidade ética das tecnologias e de seus inventores, defendida, entre outros,
por J. Mosterín, do Instituto de Filosofia, CSIC, de Madri. Ao discutir
ética e padrões racionais, Mosterín confunde moral e ética, tratando-as como
sinônimos. A moral de qualquer sociedade muda e evolui ao longo da História, mas não os valores éticos comuns a toda a humanidade, tão sagrados
como a própria vida. Mesmo os cientistas mais renomados não conseguiram
escapar do contexto social e dos valores dominantes em sua época.
Referências Bibliográficas
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Publishing, U.K., 2003.
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in Brussels, March 1-2, 2004, by the Health and Consumor Directorate of the
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FRIEDRICHS, G.; SCHAFF, A. (Org.) Microelectronics and society: for better or for
worse – a report to the Club of Rome. Oxford; New York: Pergamon Press,
1982.
183
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
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RATTNER, H. Previsão tecnológica numa era de incerteza. São Paulo: EAESP/FGV,
1984. (Mimeografado).
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MOSTERÍN, J. Ethical implications of nanotechnology. Madrid: Instituto de Filosofia,
2004. (ETC Group. News Release, 30.06.2004).
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Penso que o texto do Professor Rattner, que exala sabedoria da primeira a última palavra, serve
também, de certa maneira como o buquê do manifesto da própria
Renanosoma. O professor Rattner, ao final, faz uma menção a um pesquisador, um professor de Madri. Vamos ver o que Valência tem a falar
sobre o assunto.
Eu tenho o prazer de passar a palavra ao Prof. Dr. José Manuel
Rodrigues Victoriano, do Departamento de Sociologia e Antropologia
Social da Universidade de Valência, para que faça suas considerações,
desde já agradecendo a longa viagem que fez para estar conosco.
184
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
La investigación sociológica sobre las
representaciones sociales del conocimiento
científico y sus tecnologías aplicadas en el
contexto de la globalización neoliberal
José Manuel Rodríguez Victoriano
Facultad de Ciencias Sociales
Departamento de Sociología y Antropología Social, Universidad de Valencia
<Jose.M.Rodrí[email protected]>
Y me parece que antes de empezar una investigación, hay que preguntarse
por qué se hace esa investigación, de dónde viene el problema: viene del
campo autónomo de la sociología, es un problema generado por la discusión
interna a la sociedad científica, o es un problema importado al campo sociológico desde afuera, por el poder político. Un campo es más o menos autónomo:
el campo de la sociología, por razones sociales, es menos autónomo que el
campo de la física, o que el campo de la biología, y cada sociólogo ha de
luchar para defender su autonomía, y usando los instrumentos de crítica,
pero no se puede luchar solo, hay que luchar colectivamente, desarrollando
instrumentos. (BOURDIEU, 2000, p. 70)1
I. Introducción: democratizar el acceso al conocimiento
científico o ampliar la exclusión social
La sociología es un saber sobre los contextos, la investigación social
es un proceso de conocimiento que nos permite ver lo que vemos en la
realidad social; una metodología para “ver lo que uno ve” (MANKELL,
1
BOURDIEU, P. El sociólogo y las transformaciones recientes de la economía en la sociedad.
Buenos Aires: Libros del Rojas/Universidad de Buenos Aires, 2000.
185
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
2004, p. 425);2 y para tratar de “ver lo que a uno no le dejan ver”. El
investigador social, como ha señalado el maestro de la sociología crítica
española Alfonso Ortí, deviene un generalista de lo concreto, de los
“fenómenos sociales totales”. Si asumimos los enunciados anteriores
podemos afirmar (GARCÍA, 2004),3 que la investigación de las relaciones entre medio ambiente y sociedad consiste en analizar, de un lado, los
efectos sociales de las alteraciones del entorno natural, de otro, las repercusiones que sobre éste tienen los procesos de cambio y transformación
social. Se trata pues, de una investigación donde necesariamente hemos
de dejar atrás las barreras arbitrarias con las que se configuró la ciencia
clásica y que separan académica y profesionalmente los saberes procedentes de las ciencias humanas, sociales y naturales. En la investigación
sociológica sobre las nanotecnologías,4 las repercusiones sociales de sus
tecnologías aplicadas y las representaciones sociales que producen dichas prácticas, la cuestión anterior es evidente. De acuerdo con Jorge
Riechmann (2004)5, las nanotecnologías representan, en nuestro presente inmediato, el estadio final en la búsqueda del dominio y manipulación de la materia que ha caracterizado a la tecnología occidental.
Las páginas que siguen introducen algunas reflexiones previas
para abordar la investigación social “concreta” de las repercusiones sociales de las nanotecnologías y los potenciales conflictos ecológico-sociales que están generando. Se limitan a introducir elementos contextuales –
de carácter epistemológico, teórico, metodológico y empírico – para abordar dicho proyecto de investigación desde una perspectiva vinculada con
la sociológica crítica. Una perspectiva que en palabras de Boaventura de
2
3
4
5
MANKELL, H. Cortafuegos. Barcelona: Tusquets, 2004.
GARCÍA, E. Medio ambiente y sociedad: la civilización industrial y los límites del planeta. Madrid: Alianza Editorial, 2004.
Se conoce por “nanotecnología” un conjunto de programas de investigación científicos
y tecnológicos que tienen en común el trabajar en la nanoescala (un nanómetro es la
milmillonésima parte de un metro). A dicha escala, las propiedades de los materiales
se transforman abriendo un gigantesco campo para sus potenciales aplicaciones sociales.
RIECHMANN, J. Gente que no quiere viajar a Marte: ensayos sobre ecología, ética y
autolimitación. Madrid: La Catarata, 2004.
186
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Sousa Santos6 no reduce la realidad a lo que existe e incluye, en términos de Immanuel Wallerstein7 una dimensión Utopística, es decir, una valoración rigurosa de los sistemas humanos, sus constreñimientos y sus
posibles alternativas dirigidas a una mayor igualdad social. El planteamiento de fondo sostiene que en el actual contexto de reorganización global del sistema capitalista la desigualdad en el acceso al conocimiento
científico da lugar a nuevas formas de exclusión social. En este sentido la
investigación social de las representaciones sociales del conocimiento científico y sus tecnologías aplicadas deviene un instrumento importante en la
lucha política por la democratización del conocimiento en su sentido más
básico, es decir, un conocimiento fundamentado sobre los límites y posibilidades del propio conocimiento científico que permita y posibilite las decisiones democráticas de la ciudadanía sobre sus usos.
La globalización neoliberal es el primer contexto al que nos aproximaremos. Su hegemonía ha propiciado inmensas transformaciones económicas, políticas y sociales. Desade una perspectiva histórica, el relativo
equilibrio que se estableció en las sociedades occidentales de posguerra en
la dialéctica entre ciudadanía, subjetividad y emancipación social comenzó
a transformarse drásticamente a partir de los años ochenta (SANTOS,
1999).8 La reorganización del sistema capitalista que surge de este periodo se ha concretado socialmente, en el incremento de la vulnerabilidad
social y en el crecimiento de las desigualdades sociales, dando lugar a la
emergencia de la llamada “nueva cuestión social” (CASTEL, 1998).9 El
territorio de la globalización neoliberal, nombre que toma la etapa actual
del capitalismo (ETXEZARRETA, 2001),10 es un espacio de des-regularización y privatización totalizante. Un espacio de precarización de la conSANTOS, B. de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.
São Paulo: Cortez editora, 2000.
7
W ALLERSTEIN, I. Utopística: les opcions históriques del segel XXI. Valencia:
Universitat de Valencia, 2003.
8
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez Editora, 1999.
9
CASTEL, R. La metamorfosis de la cuestión social. Buenos Aires: Paidós, 1998.
10
FERNÁNDEZ DURAN, R.; ETXEZARRETA, M.; SÁEZZ, M. Globalización capitalista:
luchas y resistencias. Madrid: Virus Editorial, 2001.
6
187
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
dición laboral, pero también de precarización de otras dimensiones de la
condición ciudadana (ALONSO, 1999):11 desde la reducción de la ecología
política a la retórica del desarrollo sostenible (LEFF, 2002),12 pasando por
el crecimiento de la desigualdad en el acceso al conocimiento, hasta, por
último, la reducción de los mecanismos de la participación política a su simple simulacro formal (CASTORIADIS, 1996).13 La confluencia de las dimensiones anteriores apunta hacia un nuevo totalitarismo social, laboral, cultural
educativo y político; una deriva hacia lo que Boaventura de Sousa Santos ha
definido como un “nuevo fascismo societal”. El planteamiento del presente
trabajo sostiene que entender las nuevas formas de desigualdad que comporta esta etapa de globalización exige, necesariamente, analizar el papel que
juegan los usos sociales del conocimiento científico dentro del actual capitalismo cognitivo o informacional como una nueva fuente de desigualdad. Las
aplicaciones tecnológicas derivadas de la acumulación del conocimiento de
las nuevas <enclosoures> del capitalismo cognitivo14 están produciendo,
tal y como denuncian algunos movimientos sociales liderados por la ONG
canadiense ETC Group, un nuevo tipo de desigualdad y exclusión social Es
definitiva, comprender, desde la reflexión teórica y la investigación empírica
de sus representaciones sociales, el papel que el conocimiento científico y su
tecnología aplicada, juega en el capitalismo cognitivo como intensificador de
las formas de desigualdad resulta necesario para tener una visión de conjunto de las diferentes dimensiones de la actual globalización neoliberal. Trás
estas reflexiones de carácter teórico, los dos últimos apartados del presente
trabajo presentan algunos resultados empíricos a partir de dos recientes investigaciones realizadas en España sobre las Tecnologías de la Información
y la comunicación (TIC) y su relación con los procesos de exclusión social.
La primera de ellas fue financiada por la Dirección general de asuntos socia11
12
13
14
ALONSO, L. E. Trabajo y ciudadanía: estudios sobre la crisis de la sociedad salarial.
Madrid: Trotta/Fundación 1º de Mayo, 1999.
LEFF, E. Saer ambiental: sustentabilidad, racionalidad, complejidad, poder. Mexico:
Siglo XXI, 2002.
CASTORIADIS, C. La democracia como procedimiento y como representación. Iniciativa Socialista, n. 38, 1996.
VV.AA. Capitalismo cognitivo: propiedad intelectual y creación colectiva. Madrid:
Traficantes de sueños, 2004.
188
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
les de la Unión Europea; la segunda, fue financiada y promovida por la
Plataforma valenciana de entidades del Voluntariado e investigó las representaciones sociales de las TIC en las entidades del Tercer Sector en la
sociedad Valenciana.15
II. Conocimiento y transformación social
La ciencia no puede contentarse con la idea de que el único modo de saber si una
seta es venenosa sea comérsela. (GEORGESCU-ROEGEN, 1996, p. 97)
El reconocimiento social de las virtualidades instrumentales del
conocimiento científico y su tecnología aplicada han llevado a caracterizar
nuestro tiempo, por uno de sus sociólogos mejor informados, como capitalismo informacional (CASTELLS, 2000, p. 51).16 Según Castells, debemos distinguir entre sociedad de la información y sociedad informacional.
La primera definición entiende la información como comunicación del
conocimiento y pone de relieve su importancia en la evolución de las sociedades occidentales. La segunda, “capitalismo informacional”, la entiende
como el atributo de una forma específica de organización social en la que
la generación, el procesamiento y la transmisión de la información se convierten en las fuentes fundamentales de productividad y poder, debido,
fundamentalmente, a las nuevas condiciones tecnológicas que surgen en
nuestro presente.
A mi modo de ver, lo más interesante de la distinción de Castells,
consiste en la posibilidad de analizar, el papel que juegan los usos sociales
del conocimiento científico dentro del actual capitalismo informacional o
cognitivo como una nueva fuente de desigualdad social. Se trata de insistir
y profundizar en un elemento que por lo general suele estar poco representado en las críticas a la globalización neoliberal realizadas en las sociedades occidentales. El punto de partida de esta perspectiva asume
explícitamente que el papel que el conocimiento científico juega en el ca15
16
La investigación se puede consultar en la siguiente dirección electrónica: <http://
www.aideka.tv/docs/SocInf3sector.pdf>.
CASTELLS, M. La era de la información: la sociedad red. Madrid: Alianza, 2000.
189
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
pitalismo cognitivo como intensificador de las formas de desigualdad resulta
necesario para entender y completar las diferentes dimensiones políticas,
económicas, sociales y culturales de la actual globalización neoliberal. Una
perspectiva inscrita en lo que Bourdieu (2001, p. 40)17 denominó “intelectual colectivo”, es decir, en una estrategia de acción que autónomamente
orienta los objetos y fines de su reflexión a la producción y extensión de
instrumentos de defensa contra la dominación simbólica refugiada bajo la
autoridad de la ciencia. En tres direcciones complementarias, primero, en
los niveles más elementales, mediante la crítica del léxico y las metáforas del
discurso dominante: competitividad, flexibilidad, globalización, nuevas tecnologías; segundo, en los niveles más elaborados, al poner en evidencia,
mediante la crítica sociológica, los determinantes que pesan sobre los productores del discurso dominante (periodistas, científicos, universitarios, creadores de opinión) y sus productos; por último, en tercer lugar, mediante una
crítica científica, al uso social de las prácticas científicas.
El trabajo en estas direcciones muestra como las diferencias en el
acceso y la distribución del llamado conocimiento científico generan nuevas
formas de desigualdad social. A su vez nos permite reflexionar sobre los
efectos que esta cuestión tiene en la participación política de la ciudadanía
en la gestión de lo público y, contribuye, en palabras de Bourdieu, a crear,
las condiciones sociales de una construcción colectiva de utopías realistas.
Los apartados que siguen sigue aportan elementos de carácter teórico, metodológico y empírico que pueden ser de utilidad para trabajar en esa
dirección.
I.1. El contexto epistemológico: los mapas históricos del
territorio del conocimiento científico
Sostiene Boaventura de Sousa Santos (1989, p. 10)18 que con
independencia de la opción epistemológica sobre lo que la ciencia sea, se
17
18
BOURDIEU, P. Contrafuegos 2. Barcelona: Anagrama, 2001.
SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Edições Afrontamento,
1989.
190
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
impone la reflexión sobre lo que la ciencia hace. De acuerdo con el sociólogo portugués, la reflexión epistemológica sobre la ciencia no sólo debe
dar cuenta de “la ciencia que se hace” en tanto que práctica de conocimiento sino que necesariamente debe explicar “lo que la ciencia hace”, en
tanto que práctica social. Dar respuesta a estas preguntas nos enfrenta a
dos exigencias: la primera implica que para poder comprender la ciencia
como práctica de conocimiento y para poder entender cualquiera de sus
partes (las diferentes disciplinas científicas) hemos de tener algún tipo de
comprensión de cómo trabaja su “todo”; y, simultáneamente, que para
comprender su totalidad hemos de tener algún tipo de comprensión de
cómo trabajan sus partes.
La segunda exigencia supone que lejos de aceptar sin discusión los
principios absolutos de la ciencia, de lo que se trata es de comprender la
ciencia en cuanto práctica social de conocimiento. Una práctica en relación dialéctica con el mundo y sus luchas por la conservación o transformación del orden social que lo regula. En definitiva, inscribir e interpretar
el conocimiento científico en la tensión entre la regulación del orden social
dominante y su transformación en un sentido progresista.
El principio general de la orientación de este programa hermenéutico,
es sustancialmente pragmático. Afirma que el objetivo existencial de la ciencia está fuera de ella, su objetivo consiste en democratizar y profundizar la
sabiduría práctica, en suma, el hábito democráticamente participado por el
conjunto de la sociedad, y no por sólo por alguna de sus partes dominantes,
de decidir con mayor conocimiento sobre los fines colectivos. Para ello es
necesario volver comprensible el papel que juega la ciencia en la sociedad,
explicitar las condiciones de producción y apropiación del conocimiento y
como esas condiciones tienen efectos políticos al potenciar o disminuir los
diferentes y a menudo contrapuestas objetivos y estrategias de los sujetos
sociales (GONZÁLES CASANOVA , 2004).19
A su vez, trabajar en la tarea de volver comprensibles las construcciones teóricas que desde la ciencia explican la sociedad y la transforman y
cosifican en múltiples objetos teóricos, y potenciar su vinculación con otros
19
GONZÁLES CASANOVA, P. Las nuevas ciencias y las humanidades: de la Academia a
la Política. Madrid: Anthropos, 2004.
191
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
saberes prácticos de conocimiento social. Esta tarea de desvelamiento es
especialmente necesaria para las Ciencias Sociales, cuyas corrientes dominantes se han construido sobre un olvido interesado, han olvidado que las
ciencias sociales son también una práctica social.
I.2. Las rupturas epistemológicas que posibilitan una
investigación social crítica
La evolución histórica del conocimiento científico abarca el recorrido delimitado por, en el punto de partida, la constitución de la Ciencia
Moderna durante el protocapitalismo y la emergencia del paradigma liberal y por, en el punto de llegada, la ciencia contemporánea, la progresiva
consolidación del llamado paradigma de la “complejidad”, en un nuevo
contexto socio-histórico: el nuevo orden mundial impuesto por un rejuvenecido capitalismo ultraliberal. Este recorrido implica varias rupturas
epistemológicas, teóricas y políticas que lo hacen posible. Brevemente, la
primera ruptura, que supone el nacimiento de la ciencia moderna consolida un modelo de conocimiento cuantitativo y mecanicista, un modelo que
hace posible que la naturaleza sea ley para la razón y, a su vez, que la
razón sea ley para la naturaleza, sus procedimientos buscan la naturalización de la dominación social, y proponen, el estudio de los fenómenos
sociales como si fueran cosas “naturales”. La Ciencia Nueva, pertrechada
con el método analítico de Descartes y el método inductivo de Bacon, trata
de abandonar los falsos ídolos del pensamiento mítico-religioso de la edad
media, así como el conocimiento espontáneo dogmático y prejuicioso del
sentido común, para dirigirse al “pensamiento simple”, el pensamiento del
objeto.
La primera ruptura epistemológica de la que surge la ciencia moderna es sobre todo una ruptura contra el saber “común”, articulada a
partir de dos instrumentos: el empírico que busca la adecuación a la realidad y el teórico que busca la coherencia lógica del discurso – de la racionalidad moderna. Por su parte, la segunda ruptura y la transición hacia el
paradigma de la complejidad tiene que ver con el gran avance teórico que
propició el propio desarrollo de la ciencia moderna. Un desarrollo que
llevó, en las décadas finales del siglo XIX y en las iniciales del XX, a la
192
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
constatación de la imposibilidad de las propuestas empírica y teórica del
modelo anterior: la irreversibilidad termodinámica, el principio de indeterminación y el de incompletitud expresaron esta fractura. La armonía
newtoniana da paso, desde las teorías contemporáneas del conocimiento
científico, al orden oculto del caos (BALANDIER, 1990).20
El conocimiento se interroga sobre su propia posibilidad, y el resultado es que la ciencia adquiere conciencia de sus límites, de la imposibilidad
de lograr una descripción totalmente lógica del mundo desde ningún lenguaje formal ya que cualquier sistema formal contiene, parcialmente, una representación de sí mismo.21 Las paradojas de la reflexividad y la autoreferencia
inundan el campo del conocimiento científico. Paradójicamente, el desarrollo del saber científico conduce a la conciencia de la incertidumbre, al reconocimiento que la simplicidad y la estabilidad del mundo newtoniano son la
excepción y no la norma, la complejidad deviene la nueva norma.
Las últimas décadas del siglo XX consolidan el paradigma de la
complejidad o cualitativo. A través de él se ilumina la cara oscura de la
socialización de la naturaleza, de sus construcciones simbólicas y de sus
efectos reales, y se da entrada a dos perspectivas nuevas. La primera permite enfocar el estudio de los fenómenos naturales como si fueran cosas
sociales. Un territorio donde, como ilustra uno de los mayores representantes de este construccionismo simbólico, el popular sociólogo del “riesgo” Ulrich Beck hablar de Naturaleza como no-sociedad significa exponerse
a no captar la realidad contemporánea por estar utilizando categorías de
20
21
BALANDIER, G. El desorden: la teoría del caos y las ciencias sociales. Barcelona: Gedisa,
1990.
Recientemente Slavoj ZiZeK, en A propósito de Lenin: política y subjetividad en el
capitalismo tardío. Buenos Aires: Artuel/Parusía, 2004, p. 33-34, ha planteado esta
cuestión. Su argumentación es la siguiente: “El problema de la teoría del reflejo de
Lenin reside en su idealismo implícito: su insistencia compulsiva en la existencia de la
realidad material fuera o independientemente de la conciencia [...] lo que esta metáfora omite considerar es el hecho de que la parcialidad (la distorsión) de la reflexión
subjetiva. Ocurre precisamente porque el sujeto está incluido en el proceso que refleja”,
para concluir con estas palabras: “debemos afirmar que el conocimiento ‘objetivo’ de
la realidad precisamente es imposible porque nosotros (la conciencia) siempre, ya somos parte de ella estamos en su medio. Lo que nos separa de la realidad es nuestra
misma inclusión ontológica en ella.”
193
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
otros siglos. La “Naturaleza”, Para Beck, es todo menos “natural” ha
devenido “un concepto, una norma, un recuerdo, una utopía, una
contrapropuesta” (1998, p. 68).22
La segunda perspectiva, abre una nueva dialéctica más realista entre,
por una parte, naturaleza y sociedad; por otra, sociedad y naturaleza, y
atiende no sólo a las representaciones y construcciones simbólicas, en las que
insiste Beck, si no, también, al intercambio físico, biológico e informacional
de los flujos de energía. Desde esta segunda perspectiva es posible dar cuenta de la naturaleza y de las actuaciones del actual sistema de producción
capitalista contra ella. Explicar como la explotación hasta límites irreversibles de la naturaleza23 es la dimensión energética de la actual socialización
de la naturaleza por parte de la globalización capitalista. Dicha dimensión,
guiada por el beneficio económico como único criterio, nos permite entender, en nuestro inmediato presente, la ausencia generalizada del Principio
de Precaución a la hora de poner en marcha las innovaciones tecnológicas.
Las nanotecnologías no suponen una excepción.
La tercera ruptura, esta en marcha, en construcción. Se vincula
con el intelectual colectivo de Bourdieu, comporta un compromiso explícito del conocimiento científico, con la praxis de transformación social en un
sentido emancipador. Integra las elaboraciones propias de la segunda ruptura pero asume, radicalmente, el carácter político de todo conocimiento
humano y lo vincula explícitamente con las ciencias sociales críticas y un
proyecto social emancipador.
En suma, tras la primera ruptura, que permite a la ciencia moderna
tomar distancia con el sentido común, la segunda ruptura, que da cuenta
de las limitaciones del método positivo de la ciencia moderna, emerge una
tercera ruptura en construcción. Una propuesta epistemológica de ir más
allá de la segunda ruptura para convertir el conocimiento científico que de
ella emerge en un “nuevo” sentido común, científicamente informado, de
carácter “emancipador” capaz de romper con el sentido común conservador de la ideología neoliberal.
22
23
BECK, U. Políticas ecológicas en la edad del riesgo. Barcelona: El Roure, 1998.
IBÁÑEZ, J. Hacia un concepto teórico de Explotación. Sistema, n. 53, mar. 1983.
194
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
El concepto de Santos (2000, p. 107) de “Doble ruptura epistemológica”, define a la percepción esta idea:
A expressão dupla ruptura epistemológica significa que, depois de consumada a primeira ruptura epistemológica (permitindo, assim, à ciência moderna
diferenciar-se do senso comum), há um outro ato epistemológico importante
a realizar: romper com a primeira ruptura epistemológica, a fim de transformar o conhecimento científco num novo senso comum. Em outras palavras, o
conhecimento-emancipação tem de romper com o senso comum conservador,
mistificado e mistificador, não para criar uma forma autônoma e isolada de
conhecimento superior, mas para se transformar a si mesmo num senso comum novo e emancipatório. (2000, p. 107)24
En suma, la primera ruptura epistemológica construye la ciencia
moderna contra el sentido común dominante (un conocimiento pre-juicioso, conservador mistificado y mistificador). La segunda ruptura dibuja los
límites de la ciencia clásica y se abre al paradigma de la complejidad. La
tercera, de carácter cualitativo dirige el conocimiento científico al sentido
común,25 lo informa científicamente y lo transforma en un nuevo sentido
común de carácter emancipador. De este modo, se convierte en un conocimiento claro que busca cumplir con el aforismo de Wittgenstein: “Todo lo
que se puede decir, se puede decir con claridad.”
Tres dimensiones caracterizan esta relación:
24
25
SANTOS, B. de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.
São Paulo: Cortez editora, 2000.
Boaventura de Sousa Santos caracteriza el sentido común del siguiente modo: “El sentido común es práctico y pragmático, se reproduce junto con las trayectorias y las
experiencias de vida de un grupo social dado y en esa relación de correspondencia inspira confianza y seguridad. El sentido común es transparente y evidente, desconfia de la
opacidad de los objetivos tenológicos y del esoterismo del conocimiento en nombre del
principio de igualdad de acceso al discurso a la competencia cognitiva y lingüística. El
sentido común es superficial porque desdeña las estructuras que están más allá de la
consciencia y, por eso mismo, está en una posición privilegiada para captar la complejidad
horizontal d las relaciones conscientes entre las personas y las cosas. El sentido común es
poco disciplinado y metódico [...] privilegia la acción que no conlleva rupturas significativas con lo real [...] es retórico y metafórico no enseña, persuasde y convence [...] auna
la utilidad con el uso, lo emocional con lo intelectual y lo práctico.” (2000, p. 108).
195
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
• La solidaridad, en cuanto forma de conocimiento, como condi-
ción necesaria de la solidaridad en tanto que práctica política.
Esta relación sólo es posible desde un sentido común, científicamente informado de carácter emancipador.
• El sentido común emancipador exige un conocimiento científico
prudente para una vida digna. No desprecia la aventura científica y tecnología ni sus usos pero las subordina al conocimiento de
sus consecuencias y a la sabiduría prudente de la vida.
• El sentido común emancipador esta construido para privilegiar y
ser usado por los grupos sociales excluidos, marginados y oprimidos en sus prácticas emancipatorias.
En consecuencia, la tercera ruptura explicita la dimensión política
del conocimiento científico y reflexivamente asume en su integridad que
todo conocimiento es una forma de actuar con efectos políticos y sociales.
Asume la politización del conocimiento científico y las nuevas tecnologías
(SANTOS, 2003)26 desde una apuesta ciudadana radical y trabaja por su
democratización (SILVEIRA, 2001).27
Por último, sólo desde el contexto epistemológico anterio se puede
llevar adelante la necesaria alfabetización ecológica, en el sentido que la
entiende Frijor. Capra. Utilizar la ciencia para una vida sustentable significa para Capra comprender los principios de organización de las comunidades ecológicas (ecosistemas) y utilizar dichos principios para crear
comunidades humanas sostenibles, capaces de satisfacer sus necesidades y
aspiraciones sin mermar las oportunidades de las generaciones venideras.
De sus cinco principios ecoalfabetizadores (CAPRA, 1996),28 los tres primeros forman parte de un patrón de organización interna según el cual los
ecosistemas se organizan para maximizar su sostenibilidad. Los dos siguientes son principios que permiten sobrevivir y afrontar el cambio procedente del exterior. Veámoslos brevemente:
26
27
28
SANTOS, L. Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da
informação digital e genética. São Paulo: Editora 34, 2003.
SILVEIRA, S. Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
CAPRA, F. La trama de la vida. Barcelona: Anagrama, 1996.
196
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Interdependencia – Todos los miembros de una comunidad ecológica
se hallan interconectados en una vasta e intrincada red de relaciones: la
trama de la vida. Sus propiedades esenciales y su misma existencia se derivan de estas relaciones. Conocer es comprender dichas relaciones. Lo real
es lo relacional. La interdependencia significa un cambio de percepción
pensamiento que va de las partes al todo; de los objetos a las relaciones.
La naturaleza cíclica de los procesos ecológicos – Frente a las cadenas lineales de causa efecto tenemos bucles de retroalimentación. Lo que
aplicado a las comunidades humanas significa: a) La explotación es el
resultante de la contradicción entre el carácter cíclico de la naturaleza y la
linealidad de el sistema de producción; b) Para alcanzar los patrones cíclicos debemos rediseñar el actual sistema de producción y la economía para
menguar el deterioro del medio ambiente y la calidad de vida en general,
además de la amenaza que supone para las generaciones futuras.
La tendencia a asociarse, establecer vínculos y cooperar: características distintivas de la vida – Desde las primeras células nucleadas, hace más
de dos mil millones de años, la vida sobre la tierra se desarrolla mediante
combinaciones cada vez más complejas de cooperación y coevolución. A
medida que florece la asociación cada parte comprende mejor las necesidades de las demás. Todos los miembros aprenden, cambian y
coevolucionan. En lo social, lo podemos traducir por la dialéctica entre
explotación y cooperación y en lo político por la dialéctica entre democracia real, democracia formal-virtual y autoritarismo, la autonomía personal
real sólo es posible cuando predomina la primera opción. De nuevo se
pone de relieve la tensión básica entre la economía capitalista que enfatiza
la competición, la expansión y la dominación y la ecología que pone el
acento en la cooperación, la conservación y la asociación.
Flexibilidad – Permite restablecer el equilibrio del sistema cada vez
que se produce una desviación de la norma debido a las condiciones cambiantes del medio externo. La trama de la vida es una red flexible en
continua fluctuación, el dinamismo y la fluctuación permiten la adaptación
a los cambios. En lo social, la falta de flexibilidad se manifiesta en forma
de estrés perjudicial y destructivo. La buena gestión de lo social significa el
descubrimiento de los valores óptimos de sus variables opuesto a la
maximización. La resolución de conflictos supone, en contra de las deci197
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
siones rígidas, un equilibrio dinámico ente estabilidad y cambio, orden y
libertad, tradición e innovación.
Diversidad – Las contradicciones y los conflictos dentro de una comunidad son signos de su vitalidad y diversidad y contribuyen por tanto a la
viabilidad del sistema supervivencia. Una comunidad ecológica diversa es
una comunidad resistente. En lo social la diversidad étnica y cultural supone
una comunidad resistente capaz de adaptarse a situaciones cambiantes.
La fragmentación individual bloquea este proceso, en cambio la
conciencia de la diversidad enriquece las relaciones, la información puede
fluir por toda la red y la diversidad de interpretaciones y estilos de aprendizaje – incluso errores – enriquecen al sistema social.
II. El contexto histórico: los resultados sociales de la
globalización hegemónica neoliberal
Si la modernidad original era pesada en la cima, la actual es liviana en la
cima, luego de liberarse de los deberes “emancipadores” salvo el de delegar
el trabajo de la emancipación en las capa medias y bajas, sobre las que ha
recaído la mayor parte de la carga de la continua emancipación. “No más
salvación por la sociedad”, proclamaba el famoso apóstol del nuevo espíritu
comercial Meter Drucker. “No existe sociedad” declaraba más rotundamente
Margaret Tatcher. No mires hacia arriba ni hacia abajo; mira adentro tuyo,
donde se suponen residen tu astucia, tu voluntad y tu poder, que son todas las
herramientas que necesitas para progresaren la vida. (BARMAN, 2003)29
En términos sociales, el reverso de la mundialización económica se
ha traducido, en los dos últimos decenios, en el incremento de la vulnerabilidad social, en el crecimiento de las desigualdades sociales, dando lugar a la
emergencia de la llamada “nueva cuestión social”30 con el riesgo de la deriva
hacia lo que Santos ha denominado un “nuevo fascismo societal”. Resumo,
brevemente, las seis dimensiones de este nuevo totalitarismo social.
29
30
BARMAN, Z. Modernidad líquida. Buenos Aires: FCE, 2003.
CASTEL, R. La metamorfosis de la cuestión social. Buenos Aires: Paidós, 1997.
198
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
II.1. El totalitarismo de apartheid social
El fascismo de apartheid social procede de la segregación social de los
excluidos dentro de una cartografía urbana dividida en zonas salvajes y zonas
civilizadas. Las primeras son las del estado de naturaleza hobbesiano, las segundas se regulan por el contrato social. Las segundas para protegerse de las
primeras se transforman en fortificaciones neo-feudales. La división entre zonas salvajes y civilizadas se esta convirtiendo en un criterio general de sociabilidad, en un nuevo espacio-tiempo hegemónico que cruza todas las relaciones
sociales, económicas, políticas y culturales y que se reproducen en las acciones
tanto estatales como no estatales. Pensemos en la Europa fortaleza que se
cierra frente a la “amenaza” de la inmigración; en la situación del continente
africano son algunos ejemplos; o en términos locales, en la desregulación social
que caracteriza la economía sumergida y los accidentes laborales o las zonas
donde se sitúan los supermercados de la droga, las bolsas de pobreza, chabolismo
o los nuevos asentamientos de la población inmigrante. En términos tecnológicos la exclusión de gran parte de la población a su uso.
II.2. El totalitarismo del Estado paralelo
El fascismo del Estado paralelo lo componen aquellas formas de
actuación estatal que se caracterizan por su alejamiento del derecho positivo. El totalitarismo del Estado paralelo aplica un doble rasero en sus actuaciones según se trate de zonas “salvajes” o “civilizadas”; en ciudadanos
de primera o súbditos. En las primeras y con los primeros actúa democráticamente como Estado protector; en las segundas y con los segundos actúa como Estado predador sin ningún propósito de respetar el derecho.
Podemos pensar, en el tratamiento que han recibido los prisioneros de
Guantánamo, también en las intervenciones o, las no intervenciones, que
se producen como consecuencia de las resoluciones de la ONU.
II.3. El totalitarismo paraestatal
La tercera forma de fascismo societal es el totalitarismo paraestatal.
Resultante de la usurpación, por parte de poderosos actores sociales, de
las prerrogativas estatales de la coerción y la regulación social. Dicha usur199
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
pación es de carácter contractual o de carácter territorial, y a menudo va
acompañada por la connivencia del propio Estado. Veamos algunos ejemplos, tenemos totalitarismo contractual cuando la disparidad de poder entre las partes del contrato civil es tal que la parte débil no tiene más remedio
que aceptar las condiciones impuestas por la parte poderosa, la
desregulación laboral de las políticas neoliberales ha potenciado tiende a
potenciar esta situación hasta el extremo. También encontramos esta formula en los procesos de privatización de los servicios públicos, de la educación, de la seguridad social, de los teléfonos..., en estos casos el contrato
social que regía la producción de servicios públicos tiende a ser sustituido
por un contrato individual de consumo de servicios privatizados, es decir,
surge un nuevo poder regulatorio no sometido al control democrático. Los
ciudadanos devienen consumidores y su grado de ciudadanía se mide por
su capacidad de consumo. La ausencia del Principio de Precaución en las
aplicaciones bio-tecnológicas o nanotecnológicas sería otro ejemplo.
II.4. El totalitarismo populista
El fascismo populista basado en la manipulación mediática y en la
creación de identificaciones de consumo y estilos de vida que están fuera del
alcance de la mayoría de la población. La eficacia simbólica de esta identificación reside en que convierte la inter-objetualidad en espejismo de la representación democrática y la inter-pasividad en la única forma de participación
democrática. El concepto de Pensamiento Único de Ignacio Ramonet ilustra
perfectamente este nuevo totalitarismo basado en la manipulación de la información. Consiste en una suerte de terrorismo del pensamiento que busca acabar con la posibilidad del pensamiento propio y que propugna un conformismo
generalizado. Su forma de actuar se basa en la hiper-simplificación de la información y en la trivialización de sus contenidos. Su efecto más inmediato es la
construcción de una opinión pública confusa, perpleja y desorientada.
II.5. El totalitarismo de la inseguridad
Se trata de la manipulación discrecional de la inseguridad de las
personas y de los grupos sociales debilitados por los procesos de
200
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
desregulación neoliberal, por la precariedad del trabajo o por accidentes y
acontecimientos desestabilizadores. Estos riesgos generan unos niveles de
ansiedad y miedo respecto al presente y el futuro que acaban rebajando las
expectativas y aceptando soportar los costes necesarios para conseguir reducir la sensación de riesgo e inseguridad. Cuando aumenta la sensación
de inseguridad es más fácil propiciar políticas de control social de dudosa
legalidad o/y legitimidad democrática. Por ejemplo, en la sociedad española, si la inmigración se presenta como una amenaza, como solían hacer
los responsables del gobierno conservador anterior es muy fácil potenciar
la xenofobia entre la ciudadanía y hacer invisible su represión policial por
injusta que esta pueda llegar a ser. Una última referencia a la sociedad
española. Es necesario constatar como en los últimos años el incremento
mediático de las informaciones que alertaban sobre amenazas y riesgos
terroristas no fue acompañada de una inversión pública suficiente que permitiera reducirlos, ni en educación, ni en salud, ni, por descontado en
seguridad ciudadana. El caso del atentado terrorista de Madrid del 11 de
marzo ejemplifica dramáticamente esta cuestión.
II.6. El totalitarismo financiero
Esta última forma de fascismo es la más virulenta y esta directamente vinculada a los procesos de globalización económica neoliberal. Se
refiere al comportamiento imperante en los mercados de valores y divisas,
la especulación financiera. Sus agentes son las empresas privadas cuyas
acciones vienen legitimadas por las instituciones financieras internacionales y los Estado hegemónicos. Configuran un fenómeno híbrido para-estatal y supra-estatal que puede expulsar a la exclusión a países enteros. No
conviene olvidar que de cada cien dólares que circulan cada día por el
mundo sólo dos pertenecen a la economía real. La llamada economía de
casino se convierte así en el modelo y en el criterio operacional para las
nuevas instituciones de la regulación global. Como ha escrito Noan Chomsky
en las políticas neoliberales de la globalización contemporánea, el beneficio es lo único que cuenta. Por último, no conviene olvidar que el fundamento último de esta política económica se sostiene en la supremacía y en
el ejercicio del poder militar.
201
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
En suma, el contexto histórico de la globalización capitalista se caracteriza por los siguientes rasgos:
• La hegemonía de la doctrina económica neoliberal en el proceso
de reestructuración del sistema capitalista.
• El progresivo crecimiento de las desigualdades económicas y
culturales y la capacidad real de las TIC para amplificarlo.
• El predominio de las ideologías más conformistas y conservadoras en el espacio social.
• La simplificación de los procesos de participación democrática
de la ciudadanía progresivamente reducidos a sus parcelas más
formales y representativas.
• La intensa explotación de la naturaleza y su progresiva destrucción
• La progresiva militarización de las relaciones de dominación.
• El monopolio creciente del conocimiento científico por parte de
los dueños del saber y el uso de las aplicaciones tecnológicas bajo
el único criterio de su rentabilidad económica inmediata.
III. El contexto metodológico: la investigación social
de las representaciones sociales
En el excelente artículo de José Manuel de Cózar titulado “Nano y
biotecnologías: un encuentro perturbador” de próxima publicación en la
revista de sociología Inguruak, su autor escribe:
Existen variadas técnicas sociológicas para conocer y medir la aceptación social
de una determinada tecnología. El que se estén poniendo en marcha en el caso
de las nanotecnologías no deja de ser importante, pero su relevancia está en
función, en gran medida, de los objetivos y modelos de relación tecnologíasociedad que se encuentren tras ellas.31 Dicho con mayor claridad: el interés
por aplicar indicadores de aceptación y más en general por financiar estudios
31
Véase el estudio elaborado por la Royal Society sobre la actitud pública hacia las
nanotecnologías a comienzos de 2004: Nanotecnologies: Views of the General Public
202
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
de ciencias sociales puede responder a todo menos a propósitos altruistas.32
Añádase a ello que todavía persisten viejos modelos sobre la comprensión pública de la ciencia y de la tecnología que achacan a la ignorancia de los individuos los problemas de aceptabilidad, proyectando toda la responsabilidad sobre
ellos y reducen todas las medidas posibles a la puesta en marcha de unas campañas de educación o “alfabetización” que resolverían los problemas de rechazo causados por esa supuesta mala comprensión de la naturaleza y alcance de
las innovaciones. Ahora bien, aunque sea cierto que aun hay mucho desconocimiento entre el público sobre las nanotecnologías, escudarse tan sólo en cuestiones de ignorancia no hace justicia a la capacidad de juicio de los ciudadanos ni
tampoco parece, a la postre, una buena estrategia para allanar el camino de este
tipo de innovaciones. Una vez más, son evidentes las analogías con los complejos problemas que están planteando investigaciones y aplicaciones biotecnológicas
como los organismos modificados genéticamente o las células madre. En un
contexto de ciencia postnormal como el presente, los ciudadanos cuentan con
razones más que sobradas para experimentar incertidumbre y demandar que
los riesgos no sean tomados a la ligera.33
La extensa cita anterior reproduce con claridad el problema. Sin
embargo conviene realizar dos precisiones relevantes desde el punto de
vista de la investigación social. Primero, la investigación puede estar promo-
32
33
(<www.nanotec.org.uk/Market%20Research.pdf>). Recoge muy bien la postura
ambivalente del público y el tipo de preocupaciones que estamos describiendo en estas
páginas. También es imprescindible visitar la página de la ONG canadiense ETC
Group: <http://www.etcgroup.org/>.
En la Universidad de Carolina del Sur se creó un grupo de investigación interdisciplinar
sobre la dimensión social de las nanotecnologías denominado NIRT Team que ya ha
elaborado algunos documentos disponibles en <www.cla.sc.edu/cpecs/nirt/
papers.html>. Unos más sugerentes y otros menos. Véase, por ejemplo, uno reciente
(abril de 2004) de David Baird, “Navigating Nano Through Society”. Como la
investigación del grupo está subvencionada con fondos estatales precisamente del programa de nanotecnología no es extraño que la parte crítica sea muy matizada; más bien
se asemeja a un catálogo de buenas intenciones.
La investigación nanotecnológica responde a la perfección al concepto de “ciencia
postnormal”, propuesto por Silvio Funtowicz y Jerome Ravetz para caracterizar al tipo de
ciencia que es propia de nuestro tiempo. Es una ciencia que opera sin el apoyo de un
paradigma indisputable, que estudia fenómenos de altísima complejidad, los cuales, por si
fuera poco, crean situaciones de alto riesgo e incertidumbre que deben ser gestionadas
públicamente. Más información sobre este enfoque puede encontrarse en <www.nusap.net>.
203
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
vida y financiada también desde el ámbito de lo público: administraciones,
universidades, Institutos de investigación..., o de la sociedad civil expresamente comprometida con la transformación social: fundaciones, ONGs,
movimientos sociales. Aunque no sea un garantía absoluta, el margen de
autonomía de dichas investigaciones es considerablemente superior.
Segundo, recordar una regla sociológica elemental, la perspectiva
utilizada para diseñar nuestro objeto de investigación nos construye objetos diferentes: no es lo mismo utilizar una perspectiva cuantitativa que una
cualitativa o que una que articule ambas. Ejemplificare esta cuestión a
partir de mis trabajos sobre las representaciones sociales del medio ambiente en la sociedad española.
El hecho de que la investigación dominante sobre la percepción, la
opinión, las normas y valores de la población en torno a los “problemas del
medio ambiente” se haya la mediante encuesta estadística como instrumento
privilegiados no es casual. Ha posibilitado conjugar los dos sentidos propios
del término in-formación de un modo muy concreto. Por una parte, ha extraído in-formación social sobre sus diversas representaciones; por otra, le ha
dado forma, la ha “normativizado”, en tres dimensiones básicas:
En la teórica, imponiendo una definición que podríamos caracterizar como de “ambientalismo abstracto”, entendiendo por tal, una perspectiva que tiende a abstraer los “problemas del medio ambiente” de las
relaciones sociales y políticas donde se producen.
En coherencia con la perspectiva anterior, en la dimensión metodológica se ha impuesto la técnica de la encuesta estadística como estrategia
privilegiada para su investigación. La cuantificación de los problemas del
medio ambiente permite, mostrando las frecuencias de su percepción por
la población, ocultar la pregunta por su sentido social. La “pre-ocupación” se propone como la “única ‘ocupación’”, la ocupación “políticamente correcta” de la ciudadanía en torno al medio ambiente.
En la dimensión praxeológica, ha contribuido a conformar las propias
representaciones de la conciencia medio ambiental que investigaba, a partir de
la amplificación mediática de sus resultados. El mensaje que se trasmite se
puede resumir del siguiente modo: existe una “problemática medioambiental”
y la población está preocupada o muy preocupada por ella.
204
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Como consecuencia del dominio de esta orientación, las investigaciones cualitativas, entendiendo por tales, las que ponen en su centro la pregunta por el sentido de la problemática medioambiental, en el contexto concreto
de las relaciones sociales y políticas donde se producen han sido escasas.
El siguiente cuadro resume la cuestión:
Cuadro 1 – Modelos teóricos-metodológicos en la investigación
sobre la percepción medioambiental
Perspectiva
de Investigación
Social Predominante
Nivel
Tecnológico
(Cómo se hace)
Juego de lenguaje
Pregunta/Respuesta
Intersección
Distributiva.
Sociologías/ecologías:
Sociología MedioAmbiental
o Sociología de la
modernización ecológica
Intersección
Sociologías/Ecologías:
Sociología Ecológica
Metodología cuantitativa. Encuesta de opinión
Extraer información
Información sobre la
distribución de los hechos.
Estructural. Conocer los
discursos.
Conversación
Grupo de Discusión.
Entrevista de Grupo
Entrevista abierta.
Intersección
sociologías/ecologías:
Ecología política
Dialéctica
Asamblea
Socioanálisis
Investigación Acción
Participativa
Nivel
Metodológico
(Por qué se hace)
Funciones de
Lenguaje
Función Referencial
del lenguaje
Elementos de la red
(acoplarse a sus prescripciones)
Nivel epistemológico
(Para qué, para quién
se hace)
Efectos de lenguaje
Propuesta Política
Asimetría
Cierra el campo
Desarrollo sostenible
Educación Ambiental
Simetría táctica
Asímetría estratégica.
Sustentabilidad
Socio-ecológica
Cultura de la
sustentabilidad
Función pragmática del Simetría real
Lenguaje
Abre
Construcción de la red. Libera los decires y los
(hacer otra red)
haceres.
Emancipación social
Transformación del
sistema de relaciones de
explotación capitalistas
Función estructural del
Lenguaje.
Estructura de comunicación de la red
(Explora los caminos
posibles)
Fte.: Cuadro elaborado a partir de las elaboraciones del sociólogo español Jesús Ibáñez y el
Colectivo madrileño de investigación social IOÉ (RODRÍGUEZ VICTORIANO, 2002).34
34
RODRÍGUEZ VICTORIANO, J. M. Los discursos sobre el medio ambiente en la sociedad
valenciana. Quaderns de ciències socials, n. 8, Universidad de Valencia, 2002.
205
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
IV. El contexto empírico: dos ejemplos a partir de
algunos de los resultados de dos investigaciones sobre
la info-exclusión y las representaciones de las TIC
En este último apartado nos aproximamos al contexto empírico de
la investigación de las representaciones sociales del conocimiento científico
y de sus tecnologías aplicadas a partir de dos investigaciones sobre las
tecnologías de la información y la comunicación realizadas en los dos últimos años en la socieda española. Aunque no abordan concretamente la
cuestión de las nanotecnologías, las he seleccionado por que algunas de
sus conclusiones nos pueden servir de punto de partida para el diseño de
una investigación internacional sobre las representaciones sociales de las
nanotecnologías, desde una perspectiva comprometida con posibilitar el
acceso al conocimiento de sus límites y posibilidades y la decisión colectiva
democrática sobre la oportunidad de sus usos.
a) Realizar una primera aproximación al conocimiento de las representaciones sociales de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC) y la brecha digital de los diversos colectivos sociales en
situación de exclusión social o susceptibles de padecerla.
b) Realizar una primera aproximación a las actitudes, normas, usos,
necesidades y carencias de dichos colectivos sociales en relación con las
Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC).
c) Establecer un primer modelo descriptivo que relacione la exclusión social y la info-exclusión, es decir, la exclusión social procedente o
agravada por la brecha digital.
Resumo alguna de las conclusiones empíricas de la investigación y
susceptibles de ser contrastadas y comparadas con futuras investigaciones
sobre las nanotecnologías.
La infoexclusión remite al conjunto de procesos sociales que impiden,
separan o dificultan el acceso de los individuos y grupos sociales a
las tecnologías de la información y el conocimiento, excluyéndoles o
situándoles en riesgo de exclusión, de las ventajas en cuanto a
206
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
información, comunicación y conocimiento que poseen las TIC en
la llamada Sociedad de la Información. En dicha Sociedad de la
información, la Infoexclusión produce un nuevo analfabetismo digital que en los sectores más desfavorecidos viene a sobreañadirse a la
carencia de recursos económicos, culturales y relacionales que les
caracteriza. En la medida que las TIC suponen una fuente de acceso
a nuevos recursos laborales, a la información, el conocimiento y la
profundización en la participación ciudadana, la Infoexclusión se
convierte en estos sectores más desfavorecidos en un elemento que
agrava sus condiciones concretas de exclusión social.
En suma, la dificultad de acceso a las TIC de los sectores sociales
más afectados por la desigualdad social, agrava sus condiciones de
exclusión y añade una nueva desigualdad la info-exclusión. De estos
sectores, únicamente aquellos que están más implicados en procesos
de participación Ciudadana tienen capacidad para revertir el proceso
y poder utilizar las TIC para transformar y mejorar su situación
personal y colectiva.
La segunda investigación analizó la intersección actual entre el Tercer Sector y la sociedad de la Información en la sociedad valenciana. La
investigación perseguía tres objetivos:
El primer objetivo buscaba describir cuantitativamente los recursos
y las necesidades materiales y de formación existentes en las entidades
valencianas en relación con las tecnologías de la Información y la Comunicación.
El segundo objetivo, perseguía una primera aproximación a la concepción de la sociedad de la información y a las opiniones que sobre ella
mantienen dichas organizaciones.
Por último, el tercer objetivo consistía en dar a conocer e informar
sobre los resultados de dicha investigación a las propias organizaciones y a
la sociedad valenciana en su conjunto.
De esta segunda investigación, me parecer conveniente destacar
tres conclusiones que nos sirven para finalizar. En primer lugar, el trabajo
cualitativo que realizamos nos permitió constatar empíricamente que en
207
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
las representaciones sociales de las TIC habitan dos sentidos contrarios
(serían, como observó Roland Barthes35 del dinero, un enantiosema), por
una parte, son entendidas como unos instrumentos que pueden amplificar
la dominación social (del norte sobre el sur, de los ricos sobre los pobres...), por otra se conciben como un elemento de transformación social.
Bien en una dirección progresista y aquí el ejemplo del uso de las TIC por
los Zapatistas es el ejemplo tipo; o bien, dentro de la lógica del nuevo
espíritu del capitalismo (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2002)36 como un elemento para aumentar las conexiones en la red y, en consecuencia, el capital social e informacional, el monopolio del saber tecnológico y la
info-exclusión.
La segunda conclusión tiene que ver con lo que ellos nos dijeron:
las Nuevas Tecnologías de la información y la comunicación eran
mayoritariamente concebidas, por parte de las entidades del Tercer
Sector valenciano, como un instrumento para potenciar los procesos
de igualdad social, ampliación de la participación política de la
ciudadanía y conseguir una mayor democratización del conocimiento.
La última conclusión tiene que ver con lo que nosotros vimos, es
decir, con lo pudimos deducir a partir de los resultados que
obtuvimos. Se podría formular así: en el actual contexto histórico
de globalización capitalista, la propiedad del conocimiento científico y de sus aplicaciones tecnológicas es un espacio vertebral en la
dialéctica entre la conservación o la transformación de dicho orden
social. En este sentido, la democratización en el acceso al
conocimiento científico y la decisión colectiva sobre el uso de las
nuevas tecnologías sólo es posible mediante la repolitización de la
ciudadanía, exige la activa participación política de la sociedad civil
y de sus movimientos sociales.
35
36
BARTHES, R. Roland Barthes por Roland Barthes. Barcelona: Paidós Contextos, 2004.
BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid: Akal,
2002.
208
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Agradeço, em nome da
organização do evento, a provocante apresentação do Dr. José Rodrigues
Victoriano, citando um conjunto de autores, inclusive um que é bastante
conhecido aqui no Brasil, o Professor Boaventura Santos. Gostaria também de comentar que eu reconheço, evidentemente, os conceitos de inclusão e de exclusão, mas penso que há algum tempo, nas instituições internacionais como a OIT, se procurou substituí-los pelo conceito de coesão
social e, com isso, talvez se ache uma outra saída.
Nós tivemos quatro apresentações com características distintas. A
apresentação inicial do Professor Eronides enfocou o tema e o que está
sendo feito no país, fazendo forte uso de tecnologias de visualização. Em
seguida, nós tivemos três apresentações segundo a perspectiva do que se
denomina “Humanidades”, com as aspas devidas, fazendo metodologia
do que chamamos de “papo-cabeça”.
Neste momento, faremos uma síntese, com uma visão de terceira
dimensão ou, então, uma envoltória. Para isso, seguindo a orientação da
coordenação do evento, vamos pedir a um dos dois comentadores que estão indicados no programa, o Prof. Dr. John Ryan, da Oxford University,
no Reino Unido, que nos faça uma brevíssima exposição. O Prof. Dr.
Marcos Mattedi já se dispensou de fazer essa apresentação, a fim de que
nós possamos mais rapidamente seguir para o debate.
Prof. Dr. John Ryan – Muito obrigado, sr. coordenador. Devo
dizer que achei essa discussão muito estimulante, provocativa e desafiadora. Tentar resumi-la a alguns momentos, será uma tarefa bastante difícil,
mas, mesmo assim, farei alguns comentários sobre cada uma das apresentações.
Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer ao Professor Eronides que
ele realmente sabe “vender o seu peixe”, sabe “puxar a brasa para a sua
sardinha”. Ele deu um excelente registro da rede que ele organiza. Eu
comecei pensando que talvez fosse preciso ser cínico sobre as redes, que
atualmente elas seriam mecanismos politicamente convenientes de obter
dinheiro e de dar uma certa soma de dinheiro a muitas pessoas para assim
tentar mantê-las alegres ou satisfeitas. Essa abordagem tem um impacto
209
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
muito pequeno, em geral, mas creio que foi demonstrado aqui que o resultado dessas redes é muito promissor.
Em vista disso, tenho uma pergunta relacionada com a relevância da
pesquisa para a sociedade brasileira. O Professor Eronides mencionou que,
de fato, a indústria brasileira não pode absorver os resultados da pesquisa.
O que deve ser feito para tentar tornar a pesquisa relevante para a sociedade
brasileira? Será que o governo deveria fazer um esforço maior, a fim de
permitir que as comunidades acadêmica e industrial trabalhem juntas, para
que o resultado da sua pesquisa possa ser explorado aqui? Em outras palavras, deve-se gerar empresas aqui no Brasil para explorar essa tecnologia ou
trabalhar com empresas já existentes aqui no Brasil ou, se isso não for possível, trabalhar com empresas de fora, mas para explorar o resultado de suas
pesquisas? Parece que há uma pergunta que acaba retornando na apresentação dos outros três palestrantes, sobre a relevância da pesquisa para a
sociedade que está custeando a própria pesquisa. Este é um ponto.
Vou comentar outros três pontos e depois poderemos dar início ao
debate. Eu tive dificuldades para compreender a exposição do Professor
Edmilson. Foi uma apresentação muito humorística, provocativa, interessante, mas acho que terminou com um tom de otimismo. Ele mencionou,
se eu me lembro bem, Garcia Marques. Quando disse “morremos no ano
passado, não vamos morrer neste ano”, não foi citado o Garcia Marques,
mas um poeta nordestino. Parece-me, no entanto, que o senhor está colocando muita ênfase na Nanotecnologia. A Nanotecnologia não vai salvar
o mundo, ninguém está dizendo isso. É uma outra nova tecnologia e nada
do que ouvi esta manhã me convence de que ela realmente é diferente das
muitas outras novas tecnologias que vieram à tona. Não acredito que devemos colocar ênfase ou responsabilidade demais na Nanotenologia. É a
ordem do dia, talvez o tópico de discussão do próximo mês seja outro.
Estou convencido de que há oportunidades e acredito que, principalmente na área da tecnologia médica, a Nanotecnologia vai dar condições àqueles, os desafortunados, mais do que outras tecnologias fizeram no
passado. Mas isso exigirá esforços, por parte dos cientistas do governo e
da sociedade, a fim de assegurar que realmente aconteça. Não é uma garantia, é claro.
210
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Gostaria de passar às observações sobre a apresentação do Professor Rattner, feita pelo Professor Paulo. O assunto levantado aqui aponta
para a necessidade de termos instituições adequadas, políticas sociais corretamente estruturadas, de maneira a atingirmos essas ambições. Da forma como a tecnologia se desenvolve no Brasil, isso realmente vai refletir a
natureza das instituições existentes. Há muitos fatores, vantagens e desvantagens. Como a tecnologia vai se realizar e quem vai ser beneficiado?
Obviamente, não podemos esperar que os tecnólogos resolvam esse
questionamento político. São problemas históricos, econômicos, políticos
que cabem a todos os membros da sociedade. Esses são assuntos que têm
de ser resolvidos e endereçados nesse nível, no nível da sociedade. Penso
que não se pode apontar para a tecnologia, para os cientistas e atribuirlhes a responsabilidade de resolver esse problema. Nós somos parte da
solução, mas a solução é, de fato, um assunto bem mais amplo.
Finalmente, dirijo-me ao Professor José. Eu fiquei um pouco chateado com a linguagem de conflito, de que nós tínhamos a dominação da
natureza – e também isso foi mencionado ontem. Como cientista, eu não
tenho por objetivo dominar a natureza, não mesmo. Eu tento desenvolver
coisas para beneficiar a humanidade. Isso significa intervir, e sempre foi
esse o caso; o processo médico mais simples envolve intervenção na natureza. É uma questão de tentar melhorar as circunstâncias da humanidade,
usando o que o conhecimento científico nos dá e o novo conhecimento que
podemos adquirir.
Há uma citação de luta para reter a autonomia, há a idéia de que a
Nanotecnologia é o estágio final do processo de dominação do mundo
natural. Existe um conflito político – o qual eu entendo e até aprecio e
reconheço –, porém, mais uma vez, a pergunta que eu irei levantar é: onde
a Nanotecnologia se encaixa nesse cenário? Em outras palavras, quanto
ao que foi descrito a respeito das falhas, há a omissão do sistema político e
social existente e não da tecnologia. Enfim, o que o senhor defende em
termos de Nanotecnologia? Qual é a sua recomendação nesse assunto?
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Dada a excelente síntese,
vamos já passar às intervenções do público. Eu só me permitiria fazer uma
pequena observação sobre a fala do nosso visitante da Universidade de
211
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Oxford. Ao perguntar, com relação à apresentação do Professor Eronides,
que tipo de empresa poderia ser parceira, existe uma que é extremamente
interessante nesse ambiente e deve ser considerada: é a empresa incubada.
Em meio às novas empresas nascentes no Brasil, há um grande movimento
de incubação de empresas. Talvez isso consiga abrir novas vias para esse
tema que o Professor nos traz, da relevância do que é feito como façanha
técnica, não só para o setor produtivo, mas principalmente para a sociedade brasileira como um todo.
Passamos, agora, às intervenções.
1o participante – Sílvio Valle, da Fundação Osvaldo Cruz, no
Rio de Janeiro. Uma mesa tão brilhante como essa, com temas tão diversos, permite-nos fazer perguntas e observações das mais amplas. A minha
primeira questão é para o Professor Eronides. Sobre os dados de patentes
depositadas, quantas patentes foram depositadas e quantas concedidas?
Há outras dúvidas também, com relação a custos: as patentes só foram
depositadas no Brasil, assim como os custos de manter essas patentes? O
senhor tem informação desses financiamentos do CNPq? Há o controle
de ter estudos a respeito de pesquisas já protegidas? Por que existem pesquisas, financiadas com dinheiro público, em cima de outra já protegida?
Estão pesquisando para terceiros? Uma outra informação que eu gostaria
de obter é com relação a esses convênios de cooperação internacionais. No
convênio, está previsto de quem é a patente? A última questão é mais
técnica: Professor, parece-me que o senhor falou que o nível de sala limpa
dos laboratórios está em 0.micra e o nível de contenção de sala limpa, 0.6
micra. Nesse nível de contenção, existem pesquisas em nano com um tamanho de partícula menor? Eu não entendi esse nível de contenção.
O outro comentário é para o Professor Edmilson – e também para
o Professor José – quando ele fala em jogo de linguagem – eu tenho dúvida
se é “jogo de linguagem” ou “jogo econômico”, o termo utilizado. Para
exemplificar, eu vou fazer o paralelo com a biotecnologia. Os americanos
utilizam a terminologia da equivalência substancial para falar da segurança dos transgênicos. Os europeus, por sua vez, não concordam muito com
essa terminologia e têm uma lógica de rotulagem dos transgênicos diferente. Na Nanotecnologia, no entanto, os europeus já utilizam um discurso
212
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
em que concordam com essa avaliação de equivalência substancial. Esse é
um jogo de palavras e há um jogo econômico quando se utiliza esse termo
equivalência substancial, fazendo um paralelo lógico com a minha área de
trabalho, que é mais biotecnologia.
Com relação ao texto do Professor Rattner, eu compartilho da impressionante e ampla visão dele. A realidade atual do Brasil, comparando
com a biotecnologia, é de que nós temos uma Lei de Biossegurança, temos
as leis ambientais e a lei de Saúde. Alguns setores da comunidade científica pressionaram o Congresso Nacional e o Senado acabou de aprovar
uma mudança na Lei de Biossegurança que afetará os transgênicos. Ela
determinará – se aprovada essa lei – que a comercialização de transgênicos
no Brasil ficará a cargo de apenas oito pesquisadores de uma comissão
nacional. Desse modo, o registro de transgênicos no Brasil seria de responsabilidade de oito cientistas, especialistas em engenharia genética. É o
que está previsto nesse projeto de lei. Faço esse paralelo porque, se a Nanotecnologia caminhar seguindo o mesmo ritmo dos transgênicos, também
a autorização e a comercialização de Nanotecnologia no Brasil vai ficar
sob o crivo de oito cientistas da Nano. Essa é a situação atual, pela determinação do Senado.
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Eu sugiro que se façam
mais perguntas e depois passaremos às respostas da mesa.
2o participante – Bom dia, sou Eduardo, da Universidade de
Londrina. O Brasil, nos últimos 20 anos, apesar das dificuldades enfrentadas, conseguiu triplicar a sua participação em termos de trabalhos publicados e produção científica. Nós representávamos 0,5% e atualmente
estamos muito próximos de 1,5%. Ainda é pouco, mas eu diria que nós
conseguimos muito nesse período. No entanto, se pensarmos em patentes,
realmente nossos números são muito ruins ainda.
Nos últimos dois anos, a quantidade de patentes registradas nos
Estados Unidos representou metade das patentes da África do Sul, um
terço das realizadas na Índia, um sexto da China e um vigésimo da Coréia
do Sul. Quando pensamos em termos de inovação, eu diria que estamos
213
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
ainda pior; eu noto algumas atitudes ainda isoladas, mas, no todo, estamos
começando. Ao pensarmos em democratização dos resultados das invenções, a constatação é ainda mais desagradável, somos um dos piores países
do mundo.
Eu estou lembrado da pergunta que a Professora Sônia deixou ontem
para ser respondida. Depois de sua apresentação, ela perguntou: “será
que estamos preparados para uma nova Revolução Industrial?” Eu acredito que não.
Eu queria “apimentar” um pouco o debate e passar para mesa uma
outra pergunta: será que estamos nos preparando? Ou será que nós vamos
morrer de novo?
3a participante – Profa. Dra. Sônia Dalcomuni, membro componente da Renanosoma. Eu gostaria de fazer um pequeno comentário,
começando pelas últimas palestras para depois encaminhar algumas perguntas ao Professor Eronides. Em primeiro lugar, pensar até mesmo numa
carta de princípios, que talvez deva começar conosco, que estamos propondo montar uma rede de pesquisa na área de Ciências Humanas, porque nas áreas sociais, assim como na área científica, não existe o hábito do
envolvimento social.
Nós também temos de admitir que a área social não vem tendo,
historicamente, o hábito de desenvolver esse tipo de discussão. Então, necessariamente, nós vamos ter de passar por esse processo de aprendizado
e, mesmo na área social, as diferenças de visão do mundo são imensas.
Um primeiro princípio a ser pensado: deveríamos trabalhar, enquanto atuarmos como acadêmicos, em estabelecer e manter pontes – ou,
na expressão inglesa, agir como gatekeepers. Nessa linha, que tipo de visão
de mundo, de metodologias nos ajudam a trabalhar de forma ativa? Por
exemplo, Professor José Manuel, a diversidade é respeitada. Mas se nós
dissermos que trabalhar o desenvolvimento sustentável é algo impossível,
no âmbito do capitalismo significa que se descarta toda essa possibilidade
e nós só pensaremos em sustentabilidade e grande parte das outras discussões se estivermos em uma outra sociedade. Que sociedade é essa? Socialismo não é, porque se fosse assim nós teríamos a China e a Rússia como
214
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
um paraíso ambiental, o que também não ocorre. Algumas rotulações ou
qualquer atitude que venha contribuir para a polarização dificultam a
integração dessas duas áreas, que deveriam estar naturalmente integradas,
mas não estão. Como integrarmos sem acentuarmos o conflito?
Em relação ao Professor Eronides – em primeiro lugar, como Professora de uma universidade federal, há 20 anos, sabendo muito bem qual
é a realidade de trabalho e de pesquisa, em que é mais freqüente não ter
condições de trabalhar do que estímulo para isso –, a priori, eu já elogio os
avanços que o senhor e a sua equipe de trabalho conseguiram com a montagem dessa rede.
Por um lado, percebo que os senhores já estão trabalhando, enquanto nós ainda estamos começando a discutir. Eu acho complicado dizer “parem tudo até que nós levemos 40 anos aprendendo para podermos
discutir com vocês”. Esse é um “meio-de-campo” que vamos ter de fazer, a
fim de trabalhar em uma perspectiva social mais global. Por outro lado, é
fundamental que o Professor e a sua equipe, assim como outros cientistas,
reflitam melhor em relação efetivamente àquela afirmação. O Dr. Guilherme já mencionou, e eu aqui vou desenvolver, “se alguém vai inovar, não é
problema meu”. Mas, na verdade, é sim, porque aí vem a pergunta: quem
é que está estabelecendo a agenda de investigação? É a curiosidade individual, é a preexistência de fundos de financiamento em outras partes? Porque quando não temos estratégia, inevitavelmente seguimos uma estratégia
alheia. A questão está em como é definida a agenda de pesquisa. E, nessa
questão, nós vamos usar as Nanotecnologias para quê?
Sobre a constituição dos laboratórios, são laboratórios públicos ou
laboratórios privados? Como tudo isso começou como uma iniciativa de
um programa governamental, aí sim, dependente da cobrança da estrutura governamental, deveria estar mais estruturada em um projeto preferencialmente nacional, porque, de fato, envolve recursos públicos. Ao final
desses recursos, o recurso nacional é colocado em uma pesquisa de ponta,
gera patente, mas a patente é de quem? Especialmente em um dos projetos – que me soa como um projeto do rei Midas, em que há a possibilidade
de fabricar ouro – fiquei interessadíssima. Para quem vai o resultado desse
produto? É complicado perder o bonde do avanço técnico. Existem vários
níveis de aprendizado de necessidades, sim; o de definição de alguns prin215
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
cípios gerais é do Estado, que deve se cobrar algumas salvaguardas mínimas quanto ao conhecimento já existente na sociedade atual. Muito obrigada.
4o participante – Meu nome é Mike Treder, sou do Centro para
Nanotecnologia Responsável, em Nova York, Estados Unidos. Durante a
apresentação do Professor José, ele mencionou o esforço do governo espanhol para promover-se; a invasão do Iraque, dizendo da necessidade de
uma guerra pacífica, uma guerra de paz; ele também mencionou o uso
estranho do termo “democracia”, pelo presidente americano. Isso me lembrou do famoso romance de George Orwell, chamado 1984.
Não sei se esse romance é amplamente lido aqui no Brasil e na
América Latina. Ele é muito importante, é mais relevante atualmente,
talvez, do que era quando foi escrito, nos anos 30. Nesse livro, o governo
usou o novo discurso, uma nova forma de linguagem para redefinir termos;
ele têm três slogans que são repetidos para as pessoas ouvirem: “ignorância é força”, “a guerra é paz” e “liberdade é escravatura”. Esses três slogans,
infelizmente, parecem verdadeiros demais para mim.
O meu ponto, no que se refere à Nanotecnologia é de que nós vimos,
durante muitos séculos, uma luta pelo poder, pelo controle entre regulamentadores e cidadãos. A democracia prometeu mais poder, mais controle sobre
as vidas dos cidadãos pelos próprios cidadãos, vimos um grande progresso,
no entanto, a Nanotecnologia tem o potencial de mudar esse equilíbrio. Ela
tem o potencial de dar mais poder e mais controle das vidas aos próprios
cidadãos e, ao mesmo tempo, de dá-los aos que mandam ou aos que estão no
poder hoje. Portanto, o desafio para os cientistas sociais é estudar o papel da
Nanotecnologia na modificação da matriz, no equilíbrio do poder. Essa tecnologia vai ser utilizada pelos que atualmente mandam na sociedade para
que eles tenham maior controle ou poderá ser empregada para que os cidadãos tenham um maior controle sobre suas vidas?
5a participante – Bom dia, meu nome é Simone Alencar, sou
pesquisadora na área de Gestão e Inovação Tecnológica da Escola de
Química da UFRJ. Eu queria parabenizar todo o evento, para mim essa
216
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
mesa de hoje foi interessantíssima e as apresentações foram muito ricas. A
minha pergunta é em relação à questão da propriedade intelectual, uma
área que me é cara. Gostaria de perguntar ao Professor Eronides se está
havendo algum tipo de cuidado, se existe alguma meta vinculada a patenteamento de pesquisa, que é uma questão muito nova no mundo e no
Brasil, especialmente. De que forma que vocês estão fazendo esse patenteamento? Vocês estão recebendo algum apoio do CNPq ou há alguma
agência de inovação que ajude esse processo de patenteamento?
Tenho essa curiosidade, porque sei que algumas universidades estão trabalhando fortemente para o apoio aos pesquisadores no processo de
patenteamento, e a USP é uma delas. Essa é uma preocupação que também deve ser fundamental à rede NanoSoma, a qual eu acabei de conhecer, para a definição de uma agenda de pesquisa, conforme a Professora
Sônia disse.
Igualmente, eu acho extremamente louvável que os pesquisadores,
como o Professor Eronides e os outros das outras redes que existem há tão
pouco tempo (o programa do MCT é relativamente recente), já tenham
uma produção nesse sentido. Concordo com a Professora Sônia, penso que
não dá para esperar, não se pode primeiro estabelecer uma agenda para em
seguida começar a fazer pesquisa. Temos de começar e não cair na lamentação
de falta de verba; é preciso ir atrás de financiamento, como o professor mostrou que é possível. Trabalhando, se consegue verba e, a partir daí, realizar
um debate como este, para a sociedade brasileira poder dizer o que é que ela
quer. Isso só poderá ser feito quando tivermos competência para desenvolver, e essas redes mostram a competência que nós temos em desenvolvimento
e pesquisa nessa área. Obrigada.
6a participante – Eliane Moreira, da Universidade Federal do
Pará. Eu ia deixar para uma segunda rodada, mas talvez esta seja a última
chance. Após a intervenção da colega, eu fiquei tentada a também fazer
uma pergunta. A minha dúvida também é sobre a proteção do resultado
da pesquisa. Aproveito para fazer uma referência breve: achei bastante
interessante a observação do Dr. Guilherme Plonski sobre a necessidade
de termos cuidado com a terminologia. Se estamos falando de patente,
trata-se de invenção, estamos nesse campo; inovação é um outro aspecto.
217
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Penso que representam um grande avanço os cuidados da Universidade de Pernambuco, e dessa rede toda, na tentativa de proteger os
resultados da pesquisa. Esse já é um grande passo, no nosso país, a preocupação de que pesquisas feitas com recursos públicos, principalmente,
tenham garantia de retorno à sociedade e isso, se bem utilizado, pode ser
feito por meio de sistema de propriedade intelectual.
Minha dúvida é, reforçando a pergunta do Sílvio, como é que vocês
estão resolvendo o problema da titularidade, considerando que, se está
sendo desenvolvida em rede, pressupõe a participação de vários atores, de
várias instituições? Em outras palavras, quem é o titular dessas patentes,
dentro dessa lógica de rede? Gostaria de saber também como é que vocês
estão resolvendo no caso do CNPq, que prevê uma norma complicada de
co-autoria. Mesmo que tenha um bolsista lá no laboratório, o CNPq adota o sistema de ser o co-autor de tudo, de modo que ele tem 50%, pelo
menos, da titularidade. Considerando que um todo só tem dois 50%, como
resolver os 50% do CNPq com os outros titulares, que também estão
integrando o desenvolvimento dessa tecnologia?
Por fim, queria parabenizar a mesa, esta manhã foi um grande aprendizado, para mim, foi bárbara.
7o participante – Kenneth Gould, da Universidade de Saint
Lawrence, de Nova York. A minha pergunta é ética, para cientistas e engenheiros ou inovadores em tecnologias. Se for conhecido que o resultado do
seu trabalho, no contexto político e econômico existente, vai aumentar a desigualdade econômica, a desigualdade no poder político e a desigualdade
tanto na qualidade quanto na quantidade de vida, que responsabilidade os
tecnólogos, cientistas e engenheiros têm por esse resultado social?
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Dada a concisão da pergunta, permitimos uma última intervenção ao colega e, em seguida, nós
passaremos à mesa.
8o participante – Parabéns a todos pelo trabalho. Eu sou Álvaro
Leme, sou fotógrafo e coordenador do Bureau de Comunicação da Saú218
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
de, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
A minha pergunta talvez não poderia ter oportunidade melhor, uma vez
que ela vem sobreposta à questão do Professor Kenneth Gould. Aproveitando a intervenção do Professor José, Habermas afirma que a categoria central
da atividade humana hoje é a comunicação e anuncia o agir comunicativo
como a única estratégia mais profunda para tentar diminuir a nossa crescente capacidade de criar desigualdades. A minha pergunta, para toda a mesa,
é: que estratégias de agir comunicativo poderíamos pensar para não sermos
parceiros do aumento da desigualdade em todas as direções?
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Pergunta extremamente
estimulante. Passamos para a mesa, na ordem original.
Prof. Dr. Eronides F. Silva Júnior – Conforme o meu cálculo,
tenho 22 perguntas para responder. Eu queria começar dizendo que eu fiz
uma provocação e esperava uma reação, a qual foi boa. Fiz isso baseado
em uma experiência de muitos anos, desde quando entrei na universidade.
Eu sou físico, tenho graduação e mestrado em Física, fiz meu doutorado em Engenharia Elétrica, na Universidade de Yale e, quando fui
contratado, na década de 80, pela Universidade de Recife, alguém me
disse: “isto é um departamento de Física, não é um lugar de engenheiros”.
Em seguida, fui trabalhar na Hitachi, no Japão, por um certo tempo, onde
tive outras experiências.
A minha provocação teve o seguinte objetivo: eu acredito que o
ponto de vista social e o ponto de vista econômico representam duas peças
do jogo que o impacto da Nanotecnologia vai trazer para o Brasil, faltando
ser incorporada a primeira.
Em primeiro lugar, em termos de produção da pesquisa e da presença dos engenheiros: a ciência no Brasil hoje é feita, mas existe pouca
participação dos engenheiros, de modo global. Quanto à questão de sair
da pesquisa e chegar à comercialização, passando pela industrialização,
necessariamente terá de haver um componente de contribuição fundamental oriunda dos engenheiros.
O segundo fator é a questão social da formação do indivíduo. É
preciso que a sociedade comece a ser preparada no nível da educação
219
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
básica, do ensino de Ciências, do ensino intermediário e por meio de várias outras ações, a fim de enfrentar o que virá no futuro. Eu também não
considero que seja uma grande revolução do outro mundo. Trabalhamos
com Nanociência há mais de 20 anos e sabemos que daqui a 10 ou 15
anos, do ponto de vista da manipulação do átomo e da molécula, o homem
vai ser capaz de emular o cérebro humano, a densidade de integração dos
chips eletrônicos, vai igualar a densidade de neurônios no cérebro, de 10 a
12 cm3, ou algo próximo disso. E quando se conseguir emular o cérebro
humano, uma série de coisas que hoje são impossíveis se tornarão realidade. Há a questão de formação e preparação da sociedade. O Brasil está
formando, atualmente, muitos doutores, é verdade, mas isso é suficiente?
A certeza é de que estamos nos preparando ou vamos perder o
bonde, vai depender do que nós fizermos, em curtíssimo prazo. Estou
dizendo que envolver competências e contribuições fundamentais, do ponto de vista da Engenharia, em todas as suas áreas, vai ser fundamental.
Para fazer o design de um reator nuclear, por exemplo – os segredos que o
pessoal não quer revelar –, o Brasil possui dois ou três engenheiros que
têm essa competência de criar coisas novas. Isso é complicado, pois não
existe a tradição no Brasil e a indústria precisa identificar o que ela quer e
onde está a competência, além de conseguir investir em centros de pesquisa em desenvolvimento. Sem estes, a indústria não vai conseguir sobreviver.
Surge aqui a questão dos start-ups e das indústrias incubadas, entre
outras coisas, como um mecanismo. Mas, eu costumo dizer, não é um
único mecanismo que vai resolver os problemas. Nós precisamos ter soluções complexas, caminhos paralelos, que futuramente possam se somar a
isso. Foi assim que as grandes nações tecnológicas conseguiram chegar
onde estão. Quero dizer que existem vários caminhos paralelos, que levam
a essa mesma rota. Temos de ir nesta direção. Penso que deixei parte da
minha resposta aí: estamos fazendo isso, mas precisamos fazer muito mais.
Este encontro deve ser interpretado como o ponto de partida para
equalizar pensamentos na área de Humanas e nas Ciências Exatas. Muitas vezes fica faltando um link que a ambas as áreas é fundamental. Por
exemplo, deixem-me dar só uma informação final, eu falei muito da NanoSemiMat entre as quatro redes de pesquisa atuais. Após 2,5 anos, elas já
produziram mais de 2 mil trabalhos em periódicos internacionais e o número de patentes está em 57. Existe um bocado de coisas aí.
220
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Vamos para o caso das patentes sobre o qual houve o maior número
de perguntas. A questão das patentes no Brasil é um problema extremamente complicado. É uma área que precisa de normatização, de leis e de regras
que gerenciem apropriadamente o mecanismo, a fim de que as coisas aconteçam. Vou exemplificar dizendo o que aconteceu com uma de nossas patentes que foi submetida ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Quem a submeteu foi um aluno meu de pós-doutorado, eu não fiz a revisão
final. Ele colocou duas linhas sublinhadas no texto da patente, que levou oito
meses para ser devolvido, sob o argumento de que o protocolo deles não
aceita nada sublinhado. Como vêem, o sistema é complicado.
Por outro lado, começamos a fazer certas críticas, de que não deveríamos estar falando. O pessoal técnico do INPI não tem capacidade de
atender a demanda, há cinco técnicos para 50 mil patentes ou pedidos de
depósito de patente. Respondendo a outra pergunta, todas essas patentes
foram depositadas de dois anos para cá. O tempo médio que o INPI leva
para fazer a análise é de três anos e para concessão de patente é de seis a
sete anos. Este é um problema muito, muito sério. Espero ter respondido
algumas perguntas.
Um outro fator é a cota definida para cada um. Eu recebo um
determinado valor da universidade e até ganharia menos se fosse esperar
alguma coisa das patentes, mas existem vários mecanismos, atualmente, de
submissão de patentes. A questão das agências governamentais de fomento é difícil, é um problema para o qual eu não tenho a resposta. O que eu
posso afirmar é que, em princípio, 80% das solicitações de depósito não
passaram pelo CNPq porque, se passarem, em vez de oito anos vão levar
15 anos. Nós temos três patentes preparadas por nós. Um enviado da
rede especial foi a duas agências de fomento do Brasil e não conseguiu
resolver o problema, porque a burocracia é tremenda.
Portanto, a normatização e a legislação é necessária e a metodologia
deve ser correta. Por exemplo, hoje, as universidades federais, pelo menos
as federais de Pernambuco, do Paraná, do Ceará e a da Bahia, todas essas
universidades já têm departamentos internos diretamente ligados ao INPI
e não passam pelo CNPq. As universidades federais têm a sua normatização. Posso dizer – não com relação ao CNPq, mas com relação à Universidade Federal de Pernambuco – que existe uma normatização segundo a
221
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
qual um terço (33%) corresponde a direitos da universidade, outros 33%
são divididos entre o Departamento, o Centro Acadêmico e setores assim
e os demais 33%, divididos entre os autores. O que chega para o autor,
eventualmente, chega lá no limiar. O que muitos pesquisadores têm feito,
eu pessoalmente não fiz isso ainda, é o depósito dos pedidos sem passar
pelo CNPq nem pela universidade, como cidadãos comuns. Muita gente
têm feito isso, ou se utilizando das empresas start-up, ou das incubadoras.
Esse é um assunto muito complicado que precisa de normatização.
O que eu posso relatar também é sobre o profissional que tem tido problemas seríssimos, na área de fármacos, de vacinas; há as regulamentações do
Governo Federal e não consegue patentear. Existem, portanto, várias complicações que tornam a regulamentação disso daí importante.
Para concluir, sobre o financiamento das pesquisas, primeiramente
com relação a esses convênios com o exterior, não existe a questão da propriedade intelectual, visto que tudo o que é feito no ambiente das redes de
Nanociência e de Nanotecnologia é de uso interno. As coisas que vão
gerar tecnologia e inovação são daqui, não têm nada a ver com as coisas lá
de fora. Do exterior o que ocorre, é o intercâmbio de pesquisadores e as
visitas técnicas, que podem durar meses ou anos, para o desenvolvimento
de pesquisa colaborativa. Não surgiu ainda a situação de haver um produto tecnológico advindo dessa situação e sermos levados a discutir. Vai acontecer, do mesmo modo que vai aparecer, como já está chegando, a questão
das incubadas. Recentemente eu orientei uma tese de doutorado cuja patente estudada ficou com a empresa incubada.
Esses detalhes, essas lições precisam de uma rigorosa regulamentação no Brasil e, o mais importante, o fator multiplicativo do ponto de vista
econômico disso é muito sério. Porque o volume de patentes, de produtos,
de processos, muitas vezes a desmotivação causada por essas dificuldades
fazem com que dezenas e milhares de patentes deixem de ser produzidas
no Brasil. Eu não tenho dúvidas sobre isso, eu só digo que, por estar
pessoalmente trabalhando com processos em fabricação de dispositivos, eu
nunca quis me envolver com isso – só nos últimos dois anos, devido a essa
motivação, entre outras coisas que vêm como efeito colateral. Eu poderia
ter atualmente de 30 a 40 patentes, mas nunca me preocupei, como venho
me preocupando mais recentemente com isso.
222
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
Existem regulamentações que têm de ser definidas sobre como é o
procedimento, seja por meio da agência financiadora, seja pelas universidades, seja pelos pesquisadores individuais. Isso está muito nebuloso, não
está claro. E com relação à pesquisa internacional, muitas vezes as coisas
são complicadas, principalmente quando o dinheiro vem de fora. Eu, por
exemplo, tenho uma patente no Japão, na Hitachi, mas nem no meu currículo eu a menciono, porque, de acordo com o contrato que eu assinei, isso
não existe. Com relação aos Estados Unidos, em novembro [de 2004], eu
viajarei para lá, a fim de tentar viabilizar o registro de alguma dessas patentes. Essa também não é uma alternativa fácil, dados os valores financeiros envolvidos. Talvez o caminho esteja nas universidades de lá.
Sobre a pergunta mais técnica: quando fazemos dispositivos, existem dois tipos de dimensões, horizontal e vertical. As pessoas misturam
microeletrônica com Nanociência, Nanotecnologia e Nanoeletrônica. Tratando-se de microeletrônica, em geral, nos tempos antigos falava-se no
plano, na superfície. Está relacionado com a litografia, que permite a direção mínima lateral do dispositivo. Foi disso que eu falei; 0.65 micros é a
capacitação que temos de litografia. A outra coisa, principalmente quando
falamos de Nano e pré-dispositivo, é mais na vertical, então aí não há
limites e podemos ir até monocamadas e coisas assim. Com relação à sala
limpa eu falei em classe de cem, classe de mil, que é o grau de limpeza.
Isso corresponde ao número de partículas que existe por metro cúbico e
essa classe, a classe cem, é o que permite chegar nesse limite de litografia,
não significando que não sejam processados lá dentro materiais com dimensões menores. Os filmes que são trabalhados e os materiais são todos
processados nesse tipo de ambiente.
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Permito-me dar duas informações relacionadas com as perguntas feitas. Primeiramente, como
membro do arquivo da bancada tecnológica do CNPq, nós estamos procurando fazer uma ação, em que pessoalmente estou envolvido, para haver, em primeiro lugar, uma homogeneidade, nas agências de financiamento
com relação à política e à propriedade intelectual que não há; e, em segundo lugar, um comportamento não exatamente similar, mas para, até certo
ponto, nos inspirarmos naquilo que se pratica em outros países, por exem223
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
plo, no caso dos Estados Unidos, onde as agências de finaciamento renunciam a titularidade, para que as coisas fluam. Não é hora de fazer a
discussão, mas certamente esse é um tema.
A segunda informação é de que é bastante notória e complicada a
situação do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). A diretoria que assumiu recentemente [final de setembro de 2004], liderada
pelo ministro conselheiro Jaguaribe, tem algumas intenções importantes,
com as quais nós estamos envolvidos. Uma delas é agilizar os processos
que implicam questões institucionais, contratação, curso. Há recursos mais
do que suficientes, R$ 250 milhões para fazer isso. Mas preferiu-se fazer
outra coisa, que foi objeto de uma das questões do público: fazer com que
haja um maior aproveitamento do acervo de conhecimento nas patentes. A
patente é o mecanismo pelo qual o Estado dá o monopólio temporário a
um pesquisador ou a um conjunto deles; em compensação, esse pesquisador ou grupo tem de revelar coisas. Neste momento, bem ou mal, nós
estamos com o ônus e não com o bônus, ou seja, nós temos as limitações
perante as dificuldades todas, mas o grau de utilização desse valiosíssimo
acervo de conhecimento tecnológico é muito baixo. Ainda se está cuidando de fazer isso, é muito recente e não houve tempo de obter resultados.
Finalmente, eu também posso fazer uma menção com relação à
questão da Engenharia, que é crítica sobre o debate em torno da lei de
inovação, em particular na audiência pública que foi feita na Câmara dos
Deputados. Lá eu disse que não compreendia como este país podia fazer
uma proposta à lei de inovação em que não constasse a palavra Engenharia, visto que não existe inovação sem esta. Isso foi imediatamente aceito
pelo deputado Zaratini (PT-SP), que é o relator, e várias outras proposições que fizemos também foram aceitas. Para a minha surpresa, a única
que acabou não prosperando, no dispositivo que está agora no Senado e
vai resolver essas questões levantadas, foi a inclusão da palavra “Engenharia”. O deputado Zaratini me explicou que, na Casa Civil do Governo
Federal, isso foi considerado complicado, porque, eventualmente, todas as
empresas gostariam de deduzir os seus engenheiros, com pesquisa e desenvolvimento. Nós estamos agora ajudando a fazer diferenciação entre aquilo que é chamado engenharia rotineira e não rotineira. Evidentemente, o
Prof. Eronides tem razão, não há qualquer seriedade em falar em inova224
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
ção, se não houver um forte componente de engenharia também. Eu passo
a palavra agora ao professor Edmilson.
Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior – Acredito que eu tenho
uma coisa fundamental, uma espécie de “princípio de precaução” por cientistas sociais, que é a necessidade de, às vezes, preferirem a nulidade do
silêncio à aventura de falar sobre tudo. O silêncio é nulidade, portanto,
muitas vezes, a gente quer falar de qualquer maneira; porém, há situações
em que é preferível ter cautela e não falar.
As perguntas que foram formuladas por Kenneth Gould e pelo
companheiro da Fiocruz, Sílvio Valle exigem reflexão. O bom é que elas
tenham sido formuladas. E como são questões inteligentes, não exigem
respostas superfáceis e apressadas. Eu queria dizer isso para vocês, a fim
de mostrar que há a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre
elas e apontar para o fato de que, talvez, o caminho inseguro que nós
possamos traçar prejudique a auto-objetivação ou o aclaramento do que
está em jogo. Na verdade, esse é o ponto de uma carta que eu mencionei
aqui, dizendo que o desafio de qualquer teoria crítica é apreender, é aclarar os desejos dos interesses que estão em jogo num determinado momento. Creio que esse é o nosso papel, como envolvidos com a comunidade
científica.
Acredito também que a questão formulada pelo companheiro da
Fiocruz a respeito da linguagem é importante. Na verdade, as falas
autorizadoras não são gratuitas e envolvem uma economia do poder. Esclarecer sobre a economia do poder também é um exercício científico fundamental.
Por último, concordo plenamente com o que o Professor John falou, o que eu fiz aqui foi um suicídio metafórico. Há um discurso que, no
final, comete um “autoassassinato”. De fato, eu estava querendo chamar a
atenção para o efeito não intencional da discussão sobre o que é o ser
humano, colocado pela Nanotecnologia, e não exatamente me imputando
um papel de defensor ingênuo, de que, aliás, a Nanotecnologia no Brasil
não precisa. Em relação à Nanotecnologia, eu não tenho competência para
isso. Acho que ele pegou o ponto central da questão. É isso, obrigado.
225
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Agradeço ao Edmilson a
sua participação. Professor Victoriano, por favor.
Prof. Dr. José Manuel Rodrigues Victoriano – Eu acredito
que um dos riscos de que não temos falado aqui diretamente, mas que deve
ser considerado, é o risco da ingenuidade científica. Citando e parafraseando Garcia Marques no início de Cem anos de solidão, “o mundo era
tão jovem que carecia de nomes as coisas, bastando apontar com os dedos”.
O mundo a que viemos não é um mundo nada jovem, é um mundo
atravessado por conflitos, por trocas desiguais de energia e de informação.
É um mundo regulado pela luta e, nesse sentido, é uma exigência de rigor
que as análises que começamos a fazer de um ponto de vista científico
levem em conta essa dimensão. É de rigor em Ciências Sociais como é de
rigor nas Ciências Naturais, senão estaríamos em um espaço de ingenuidade, porque, para nós, não há nenhum outro campo senão o de Ciências
Sociais. Se nós, os cientistas sociais, não formos capazes de fazer isso, o
que nós estaremos fazendo é sermos “bobos do poder”, por inconsciência
ou por interesse.
Conheço companheiros que estão sendo muito bem pagos, que
cobram das instituições para fazer discursos ideológicos, que têm seu
preço e fazem isso conscientemente. Por exemplo, se eu não sei, a partir
dessa perspectiva, que as pesquisas de opinião constroem e manipulam a
opinião; se eu não falo isso, pode haver duas razões: quer dizer que eu
sou um ingênuo científico ao acreditar que a pesquisa de opinião é clara
sobre o objeto que eu estudo ou é porque isso me interessa. Como dizia um
colega, sobre saber qual é o nosso lugar nesse espaço, realmente temos
pouco a fazer.
Contudo, penso que a intervenção com a técnica e a exploração do
meio ambiente tem sido uma constante humana, a exploração e também a
explotação. A questão é que ou nos dispomos dos lugares onde aplicamos
os nossos conhecimentos para explorar a natureza, utilizando meios que
podem ser reversíveis, ou dispomos a nossa exploração da natureza como
uma possessão de explotação, convertendo-a de uma forma irreversível,
tratando-a como uma fonte esgotável. Esta é um pouco a dimensão de que
nós não temos que intervir [...]. Claro que sim, desde onde? Desde a
226
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
exploração, desde a explotação, tudo com os limites da lei da entropia, que
vão marcar todas as ações nestes campos. Temos de saber em que lugar
estamos.
Nesse ponto, o que se passa com as Nanotecnologias? Peço licença
para uma citação pouco acadêmica. O problema é de uma canção de
Alejandro Sans – não sei se vocês o conhecem –, que diz: “es lo mismo, no
es lo mismo”. O problema das Nanotecnologias é o mesmo de todas as
ciências e tecnologias quanto ao uso do espaço social. Mas não é o mesmo
problema, porque as suas capacidades em possibilidades e em riscos são
superiores e porque, além disso, coloca a nós, cientistas, à sociedade, a
necessidade de intervir de uma maneira efetiva, coisa que até agora não se
conseguiu. Que entendo por intervir? Gerar a capacidade coletiva de tomar decisões acerca do uso das tecnologias no mundo em que estamos
vivendo. Por aí vejo um pouco a questão. É o mesmo, mas não é o mesmo.
Que significa a interdisciplinaridade? Esse termo, bem entendido,
significa pedagogia social, a articulação entre os conhecimentos das Ciências
Sociais, das Ciências Humanas e das Ciências Naturais; significa compreender que, desde a universidade pública, devemos todos exercer a pedagogia
social e a universalização do conhecimento. Compartilhando esse espaço,
podemos nos entender, mas e se não dividirmos esse ponto de partida, o que
acontece? As nossas próprias divisões acadêmicas, nossas estratégias de promoção profissional, pessoal etc. acabam nos fragmentando, nos convertendo
e, nesse sentido, acabam nos reduzindo à nossa própria especialidade. Somos especialistas de nosso campo, o qual defendemos frente as invasões
bárbaras de outros setores. Somente com uma estratégia unificada, segundo
a qual pensamos que o objeto da universidade pública é a democratização e
a distribuição democrática do conhecimento, e somente utilizando a pedagogia social seremos capazes de começar a nos entender. Por exemplo, tratando da intervenção que sugere acabar com um programa no qual se financiou
uma quantidade de pessoas, para que os pedagogos sociais expliquem a
cidadania a cada um, o sentido que tem as investigações que estão fazendo,
como podem modificar as suas vidas para o bem ou para o mal. Quando os
físicos começam a falar da sociedade e quando os sociólogos começam a falar
de Física ou de Economia estamos em um espaço comum, estamos tratando
de buscar um objetivo comum.
227
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
A linguagem como informação é magnífica. Vocês sabem que a
palavra informação tem dois sentidos: o primeiro é de investigação, de
extrair dados, obtê-los; no segundo sentido, colocamos para fora a informação e formamos. O paradoxal é que, dentro da sociedade contemporânea, a globalização é definida como a sociedade de informação, a idade do
conhecimento, porém, cada vez estamos mais desinformados e esta
desinformação é programada. Uma das estratégias informativas com que
estamos trabalhando – guerras pacíficas, por exemplo –, é a de enunciados que afirmam o contrário do que dizem, em nome do que dizem. Temos
de buscar formas de reverter isso, trabalhar essa questão. O que se inventa
é a manipulação da cidadania. Isso é possível porque a cidadania, em
termos globais, não assegura interação com os instrumentos de acesso à
informação, à comunicação e ao conhecimento.
Os debates de eco, dialéticos, apocalípticos, forma integrada, empiricamente, na década de 90, se traduzem no fato de que a cidadania não
tem acesso às fontes de informação. Onde estavam as armas químicas do
Iraque? Essa é a questão, mas o problema acaba se desviando e as armas
químicas do Iraque se convertem em questão de teologia, na obra do Espírito Santo. Essa confusão não está entre nós, professores universitários e
cientistas, pois causa pouco impacto; mas, sim, nos setores sociais que têm
menos capital cultural, menos acesso à informação, menos capacidade de
manejá-la; esses debates os confundem e os formam do modo que querem
que eles sejam formados. Isso seria um aspecto da questão.
Prof. Dr. Guilherme Ary Plonski – Eu agradeço a apresentação final do Professor Victoriano e permito dizer que, “non es lo mismo,
pero lo es lo mismo”, há cerca de 500 anos, se torturava, na Inquisição,
para que as almas pudessem ascender ao céu.
Finalizando, antes de passar a palavra ao Dr. Paulo R. Martins, eu
queria dizer que eu fiquei muito feliz com este evento da manhã. Ele realiza aquilo que nós do IPT queremos, que é tornar o conhecimento da
tecnologia cada vez mais relevante para a sociedade em geral, de maneira
ao mesmo tempo ampla e solucionadora – e não apenas questionadora. A
USP, digo como professor dela e tenho a alegria de o ser, realiza aquilo
que está escrito na Praça do Relógio, a cem metros, que é o ponto central
228
Mesa 3: Nanotecnologia, inovação e sociedade
do campus. Na Praça do Relógio existe um lago e em torno desse lago, na
margem, está esculpida a seguinte frase: “No universo da cultura, o centro
está em toda parte”. Eu acho que esta mesa demonstra exatamente isso.
Eu agradeço muito aos magníficos expositores, agradeço as perguntas extremamente objetivas e fortes de vocês e passo a palavra ao Dr.
Paulo R. Martins, a quem cumprimento mais uma vez pelo evento.
Dr. Paulo Martins – As questões que o Professor Kenneth Gould
e o Mike Treder fizeram eu terei a oportunidade de respondê-las depois
deste evento, porque nós teremos oportunidades de novas conversas. Obrigado.
229
MESA 4
Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
MESA 4
Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Dia 19 (Tarde)
Apresentadora – 1o Seminário Internacional de Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente. Anuncio os participantes da mesa cujo tema é
“Nanotecnologia, inovação e meio ambiente”: Prof. Dr. João Steiner, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo; Prof.
Dr. Kenneth Gould, da Universidade Saint Lawrence, em Nova York; Prof.
Dr. Nelson Duran Caballero, coordenador de Nanobiotecnologia da
Unicamp; e o Dr. Paulo Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
Após as apresentações da mesa, teremos debate com a presença do
Prof. Dr. Mike Treder e da Dra. Annabelle Hett.
Prof. Dr. João Steiner – Boa tarde a todos. É um prazer muito
grande participar deste 1o Seminário Internacional de Nanotecnologia,
Sociedade e Meio Ambiente. O Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo é um dos promotores desse evento. A razão pela
qual estamos fazendo parte deste esforço é o papel de destaque que a
Nanotecnologia ocupa na agenda de praticamente todos os países que, de
alguma forma, se envolvem com ciência e tecnologia. A Nanotecnologia é
estratégica para os investimentos e para o desenvolvimento destes países.
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Mas a ciência e a tecnologia têm particularidades históricas. Uma
dessas características, que temos de considerar, é a presença de diversos
atores que participam do desenvolvimento da ciência e tecnologia. Sempre, ou quase sempre, temos um grupo de cientistas. Estes se envolvem,
geralmente, ou por curiosidade ou por um desafio intelectual ou devido a
outros fatores, para realizar descobertas científicas e contribuir para o avanço
do conhecimento.
Estes são os atores mais conhecidos. Temos também uma série de
outros atores que procuram se apoderar destes conhecimentos para o benefício da humanidade, para promover o bem-estar das pessoas e da sociedade. Temos ainda outros, que procuram ganhar dinheiro com este
conhecimento. Ocasionalmente, estes atores buscam o ganho financeiro
visando ao bem, mas, muito freqüentemente, usam os avanços da ciência e
da tecnologia para propósitos não tão nobres assim.
A Nanotecnologia é uma área extremamente interessante, com um
potencial extraordinário. E, a exemplo do acontecido com a energia nuclear, a biotecnologia e tantas outras tecnologias às quais poderíamos nos
referir desde a invenção da pólvora, temos novamente uma situação na
qual, ao mesmo tempo em que se apresentam oportunidades para o homem e para a sociedade, temos também desafios e ameaças que devem ser
estudadas e sobre as quais precisamos refletir. Entendo que esse é o propósito deste seminário. Foi com essa intenção que o Instituto de Estudos
Avançados juntou-se aos outros promotores do evento, dado o caráter avançado e multidisciplinar desse estudo.
Por fim, naturalmente, ressalto a grande capacidade de persuasão
do nosso amigo Paulo Martins, que nos convenceu da importância deste
evento. Dito isso, eu vou passar a palavra para o primeiro debatedor da
quarta mesa, o Prof. Nelson Duran Caballero, coordenador de Nanobiotecnologia da Unicamp. Por favor.
Prof. Dr. Nelson Duran Caballero – Uma boa tarde a todos.
Eu fui convidado a falar sobre Nanobiotecnologia, um aspecto importante
em nossa rede. No entanto, o tema de que vou tratar, a educação ambiental,
é mais restrito, embora também tenhamos pesquisas relacionadas sobre
esse assunto dentro de nossa rede.
234
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
É preciso destacar também a responsabilidade de nossa rede em
assumir este papel de proteger o meio ambiente. Esse é o foco desta apresentação, que não irá abordar alguns dos tópicos aos quais geralmente nos
referimos em congressos desta área. Deixarei de me referir a alguns desses
tópicos pois fui convidado para falar sobre Nanotecnologia, inovação e
meio ambiente. Nossas pesquisas sobre este tema referem-se sempre a um
modelo do sistema norte-americano. Neste, o National Center for
Environment Research apresenta um papel muito importante no controle
de várias áreas, principalmente as ambientais, nos Estados Unidos. Considerei este um bom ponto de partida para se discutir essas questões no
Brasil.
Precisamos nos referir a algumas definições, que não sei se são do
conhecimento de todos: a Nanotecnologia pode ser descrita como a habilidade de trabalhar em nível molecular, átomo por átomo. Essas são as definições mais clássicas para se trabalhar, criar estruturas características
fundamentalmente novas. Há várias definições de Nanotecnologia, mas
esta é a mais aceita pelas pessoas. Por meio dela podem-se fazer produtos
muito diferentes do que normalmente se pensa, não só quanto ao tamanho, mas também devido às características bem definidas desses materiais.
Há aplicações úteis dessa tecnologia emergente. Entre as suas possibilidades poderíamos incluir vários avanços tecnológicos, por exemplo,
avanços revolucionários e sensores relacionados com o meio ambiente: tratamento e prevenção de rejeitos, de modo que a fabricação desse tipo de
coisa fosse controlada, e tipos de ferramentas necessárias para poder avaliar os possíveis danos ao meio ambiente nessa área.
Aqui temos o National Nanotechnology Institute junto à
Environment Protection Agency (EPA) os quais sempre estão unidos para
analisar a situação em termos de desenvolvimento. A idéia é tentar chegar
a uma nova tecnologia, uma tecnologia verde, a green nanotechnology. Isto
poderia obviamente levar a avanços muito importantes, mas sempre tendo
em conta esse possível impacto no meio ambiente. Por exemplo, podem ser
liberadas substâncias danosas ao meio ambiente durante a fabricação e
eliminação desses materiais. Essa é uma preocupação que teve National
Nanotechnology Iniciative (NTI) junto à EPA para tentar buscar maneiras de poder provar, de programar ou de projetar qualquer problema. Se
235
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
os sistemas biológicos seriam afetados ou não são duas grandes preocupações que essas duas organizações tiveram ao associarem a parte política
com a parte técnica.
Em termos de saúde e o ambiente nós sabemos – e isso é bem claro na
literatura – que se trata de uma série de informações relacionadas à saúde
humana e às implicações ambientais dos nanomateriais. A fabricação, por
exemplo, é algo que está saindo nos jornais. Nós não sabemos muito bem, no
entanto, em que nível está essa informação sobre o que acontece com
nanopartículas, nanotubos, nanofulerenos, entre outros nanomateriais, os quais
se estão fabricando e usando. Nossa contribuição tem sido a de notificar as
pessoas que não estão por dentro desse tipo de conhecimento.
Os efeitos nanopotenciais poderiam ter sido levantados. Sobre esse
tema, há alguns trabalhos recentes, em áreas específicas e diferentes, tanto
em toxicologia, como em Engenharia e meio ambiente, os quais seriam interessantes ler: Toxicology Science (2004), Chemical Engineer News (2003),
Environment Science Technology. Em 2003, The Nature Biotechnology também publicou muitos detalhes a respeito desse problema de efeitos potenciais da Nanotecnologia. Outras publicações trazem os temas mais
interessantes para quem quiser entrar nessa discussão sobre o que está
acontecendo e quais seriam as conseqüências da Nanotecnologia em termos de saúde humana e também de meio ambiente (Service, Science 300,
24 USCongress, 2003 e JORTNER et al. Pure Appl. Chem, 2002).
Dentro do programa 2004/2005 já apareceram alguns tipos de
questões, que são importantes para entender o que os Estados Unidos
estão fazendo atualmente, a respeito dos efeitos sobre a saúde humana
causados por materiais fabricados nesse tipo de ação.
Existe uma solicitação atual, uma combinação entre a EPA, a
National Science Foundation e o National Institute Ocupacional Safety.
A EPA, por meio desse programa, está solicitando apoiar pesquisas relacionadas com nanomateriais, observando quais seriam as áreas de interesse. A razão disso é a toxicologia de nanomateriais, assunto sobre o qual eu
tecerei alguns comentários mais adiante. Como esses nanomateriais são
controlados? Qual seria a metodologia a seguir, a fim de se saber, de fato,
se o que está sendo produzido não é danoso? O destino, o transporte e a
236
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
transformação de nanomateriais também é um aspecto importantíssimo. O
que se pode fazer com esse material quando ele não é mais utilizado?
Como transportá-lo? Há transformações ou não?
Exposição humana e biodisponibilidade são outros aspectos que
devem ser bem analisados quando se está trabalhando com nanomateriais.
Quais são as áreas de interesse específico? Como eu estava dizendo, para
a EPA é a toxicologia de nanomateriais. Estes podem ser tóxicos tanto pela
composição, como simplesmente pelo tamanho. Nós sabemos que a nanopartícula, nessas dimensões, tem efeito diferente de uma macromolécula ou
uma micromolécula.
Desse modo, eis as questões que a EPA coloca como ponto importante nos projetos a desenvolver: qual é a toxicidade desses materiais?
Podem ser agrupados materiais semelhantes relacionados à sua bioatividade? Por exemplo, se eu tenho um nanotubo de tal material, será que eu
poderia generalizar, dizendo a vocês que os nanotubos em geral têm tal
atividade biológica? Não se sabe. Quais são as respostas desses materiais?
Há uma eficiência, em termos de dano ou não-dano, proporcional à concentração ou não? São dados importantes que têm de ser consultados.
Quais são os métodos apropriados para ensaio? Esse é outro problema.
Eu vou dar um exemplo bem característico de pontos quânticos.
Se formos à literatura que trata dos efeitos toxicológicos desses pontos
quânticos – os quais estão sendo utilizados em marcadores etc. – encontraremos muitos casos mostrando que não existe toxicidade. Haverá, entretanto, se modificarmos os tipos de testes. Isso verifica que é muito importante
buscar ensaios que realmente qualifiquem o material nanométrico.
Que modelo de tabulação prediz a toxicidade? Isso também é uma
coisa importante dentro de qualquer fármaco, qualquer tipo de novos materiais. É importante saber qual o mecanismo de toxicidade, porque em
função disso poderemos proteger o indivíduo. Quais efeitos decorreriam
da exposição desse material à população humana? Esses são dados dos
quais ou não dispomos de forma clara ou, se os temos, apresentam-se com
valores muito isolados uns dos outros.
A informação relacionada com o destino ambiental e biológico, com
o transporte e a formação de nanomateriais é necessária para estimar as
237
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
posições que cada indivíduo deve ter. As perguntas são: através de quais
meios esses materiais penetram no ambiente? Como seria esse material e
como ele chegaria a um humano, por exemplo? Quais seriam os modos de
dispersão desses materiais no meio ambiente? Como são transportados?
Esses materiais são transformados no ambiente no não? Se são transformados, quanto tempo levam para isso?
Como podem ver, existem muitas perguntas e poucas respostas.
Exposição e biodisponibilidade de nanomateriais possivelmente oferecerão
riscos à saúde humana, nós não sabemos com certeza.
Outras questões que surgem são: quando e em que grau nos humanos essa exposição ao meio ambiente vai começar a acarretar problemas?
Há subpopulações mais sensíveis? Nós sabemos que, por exemplo, no
caso de alguns fármacos, há alguma subpopulação mundial que é mais
sensível a um antibiótico do que outra, do que outra raça. Isso é estudado
em termos de fármaco, é bem claro, mas com relação a nanomateriais nós
ainda não sabemos.
Há, porém, alguns aspectos que são bastante claros. No campo
emergente, a Nanociência e a Nanoengenharia estão chegando a uma conclusão sem precedentes de como somos limitados de formação. Isso é muito importante porque, uma vez que tenhamos um controle sobre esses
elementos, os quais são objetos físicos, é provável que isso altere completamente a nossa visão do desenvolvimento. Ou seja, pode ser que o uso
desses materiais mude qualquer elemento que a gente consiga imaginar,
das vacinas aos computadores. Dispondo da técnica, é possível pensar,
desenhar e fazer, entretanto temos de refletir também sobre qual a possibilidade de esses elementos afetarem a saúde humana e o meio ambiente.
Aqui tenho algumas referências desse tipo de conclusão.
Vamos pensar, primeiramente, no que é ruim em Nanotecnologia e
meio ambiente. Uma coisa pode prejudicar a natureza e suas nanopartículas,
dependendo muito da ação executada frente a um sistema biológico e das
características do produto feito, em termos de estrutura.
O processo de fabricação envolvido é outro ponto importante. Será
que, ao produzirmos nanomateriais, não estamos ocasionando uma grande contaminação, diferente da contaminação decorrida de um pedaço de
papel, o qual podemos ver – seja amarelo, seja verde – ou que cheira mal?
238
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Nossos processos em Nano, no entanto, não são dessa ordem, não permitem esse tipo de avaliação.
Quando os nanos são manufaturados que materiais são usados?
Temos de pensar sobre isso. Estamos empregando materiais que realmente não vão contaminar quando subirem à atmosfera, por exemplo? Como
proceder? Em que regime produzir? Nós estamos pensando em termos da
Nano, mas isso se aplica a qualquer processo industrial. São usadas substâncias tóxicas durante a nanomanufatura? Pode ser.
O que acontece quando os nanos chegam ao ar, ao solo e à água?
Vocês vêem que há uma série de questões cujas respostas devem ser procuradas.
Neste momento, vamos evitar o lado negativo e tentar saber como
chegamos a resolver alguns desses itens e o que os pesquisadores estavam
ou não fazendo para evitar o surgimento desses grandes problemas.
O melhor exemplo é o dos dots, pontos quânticos. Há materiais
percussores mais benignos ou métodos sintéticos que podem ser usados
para pontos quânticos? Sim, pode ser. Seria preciso analisar o que fazer
com esse tipo de composto (sulfeto de cádmio) que é o processo mais ou
menos de produção desses dots. Será possível recuperar o ponto quântico
para reutilização? Esse é um fator importante. Se nós estamos produzindo
determinado material, não haveria a possibilidade de reempregá-lo e assim
evitar a contaminação do meio ambiente?
Como será possível introduzir essas novas partículas semicondutoras
a seus alvos? Isso é muito importante também. Por exemplo, se nós estamos
indicando o florescente em proteínas ou em células, pelo que se está já
fazendo em vivo, temos de ter bem claro quais seriam as vias. Há medidas
que possam ser tomadas agora para minimizar ou evitar o possível impacto
negativo do ponto quântico sobre o meio ambiente? Sim, nós poderemos
fazer algo, se nós soubermos quais as características desses materiais –
como exemplo, pode ser qualquer um dos nanomateriais. Se soubermos o
quão danosos são ou aonde eles atuam, poderemos resolver o problema.
Eu mencionei um exemplo recente que está em Defus et al. Nano
Letters 4, 11 (2004), o qual mostra o seguinte: quantos dots, pontos
quânticos, são tóxicos para a cultura de hepatose? Muitas publicações
anteriores a esta disseram que não era em outras culturas de célula, não
239
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
escolheram o elemento celular adequado – a cultura de hepatose, por exemplo. O modelo de fígado é realmente um caso interessante a ser analisado;
ele mostra um modelo da via de células, em que o controle é total, à medida
que estão fazendo algumas modificações no organismo, seja por oxidações,
seja irradiando, para que eles mostrem sua função. Vocês vêem que a viabilidade celular cai drasticamente neste tema celular. Nesse caso, o que fazer?
Se sabemos o que está acontecendo, temos de procurar uma maneira de evitar este problema e utilizá-lo. Observamos quanto um dot é importante dentro do desenvolvimento nanotecnológico, quando descobre-se,
por exemplo, que sulfeto de zinco, albumina ou outros elementos são convertidos a não-tóxicos. Ou seja, se eu sei o que eles fazem e o seu mecanismo que se propõe à toxicidade é o mecanismo de cátions de Cd que estão
na superfície, são liberados no sistema celular e são os que produzem a
morte celular no hepatósito. Se recorremos, as células ficam totalmente
destruídas. Quando são recobertas – portanto evitando esse tipo de problema –, ficam absolutamente não-tóxicas.
Dessa forma, podemos fazer, sim, embora às vezes alguns desses
produtos sejam tóxicos. Se entendemos bem o que está acontecendo e se
esse tema celular escolhido, o ensaio escolhido, é adequado, resolvemos o
problema. Portanto, agora se sabe que, se alguém colocar um ponto quântico
dentro de um sistema in vitro, vai ter de proteger a partícula. Então não
será tão grave o efeito da Nanotecnologia sobre o meio ambiente.
Note-se o futuro da EPA. Ela tenta empregar intentos inovadores,
nós não estamos fora de fugir à regra, mas nós devemos utilizar as novas
tecnologias, os novos processos biológicos para tentar, quiçá, resolver os
problemas. É uma questão multidisciplinar complicada, mas a EPA, em
meados de 2001, já estava preocupada com isso.
Apresentei o lado ruim, de que há efeitos nocivos de alguns produtos da Nanotecnologia. Entretanto, também pode haver efeitos bons, se
compreendermos corretamente o que está acontecendo. Há o potencial de
benefício para melhorar a qualidade ambiental e de sustentabilidade. Para
ilustrar isso, a Nanotecnologia pode fazer prevenção de poluição, por meio
de tratamento, remediação e informação. Portanto, embora a Nanotecnologia aparentemente se mostre bastante agressiva, se conhecermos especificamente o tema, poderemos minimizar suas conseqüências.
240
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Vou dar alguns exemplos que apareceram no Report 2002. Há
mais adiante outros, mas que eu não vou mostrar, pois escolhi só alguns. A
exposição de arsênico e de cromo está associada a várias doenças de pele,
de sangue, ao câncer etc. Pesquisadores da Universidade da Califórnia,
na cidade de San Diego, desenvolveram um sensor que usa Nanotecnologia para detectar formas tóxicas de cromo e arsênico em tempo real, facilitando o tratamento de algas. Ou seja, por meio desse instrumento, é possível
monitorar o problema e resolvê-lo no momento em que está acontecendo,
antes de afetar o meio ambiente.
Outro estudo interessante trata da limpeza de aqüíferos, a qual
envolve um processo muito difícil e lento. A Universidade de Lehigh
otimizou nanopartículas com metais catalisadores que permitem uma limpeza da água muito mais rápida do que os métodos tradicionais. Nota-se,
desse modo, que por meio de uma pequena quantidade de partículas com
funções bem definidas podemos resolver o problema.
Óxido de nitrogênio é um componente considerável na contaminação por gases nas cidades industriais, vinculado com materiais particulados
que contribuem para baixar o grau de ozônio de nossas cidades. A Universidade de Delaware utiliza o potencial nanotecnológico para eliminar
esses gases em carros, por exemplo. Nesse caso, os nanomateriais se mostraram mais eficientes e menos caros que os famosos filtros de platino.
Para tanto, pode-se usar alguma cerâmica nanométrica. A zeólita (gás) de
tamanho nano é mais eficiente para eliminar gases que a zeólita usada
normalmente como catalisador.
Conforme vimos, realmente podemos, de alguma maneira, utilizar
a Nanotecnologia de forma positiva, se feito adequadamente e com conhecimentos específicos.
Quanto à prevenção de contaminação, é muito fácil pensar, não só
em termos de Nanotecnologia, como também em termos industriais. O
processo de síntese de manufatura que pode ocorrer à temperatura e à
pressão ambientais, por exemplo, é um fator importante nesse assunto.
Com a Nanotecnologia, podemos fazer o uso de catalisadores não tóxicos,
reduzindo ao mínimo a produção de poluentes. Da mesma forma, é importante não usar só o solvente orgânico nas reações em meios aquosos,
assim como fazer o uso de molécula, construindo-a somente no momento
241
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
preciso, não produzir partícula a qualquer peso e só utilizar para o que for
realmente preciso.
Tecnologia de informação em nanoescala para edificação de produtos e guias de gestão de reciclagem, remanufaturas e eliminação de solventes
é um aspecto extremamente importante na fabricação de nanos. Um exemplo interessante, que eu encontrei na literatura, é a nanolitografia biomolecular. Normalmente, esses processos são bastante poluentes quando feitos
por outras vias. Este trabalho que eu menciono, de 2000, apresenta um
método biomédico de organização de partículas de metais de 1.5 nanômetros
de diâmetro, uma montagem de partículas na base de biopolímeros, cuja
nanoestruturação é organizada em um chip. Como aquilo tudo é fininho,
com linhas ou grades, o processo elimina os processos químicos comuns
que são danosos ao meio ambiente. Os assembles produzidos em nanoescala
se mostram estáveis, com comportamento elétrico à temperatura ambiente
e, enquanto em circuitos em nanoescala, podem ser úteis e tolerantes a
efeitos. Como se vê, dispomos de sistemas nanométricos que vão substituir
processos muito mais contaminantes que aqueles.
Passando ao tema do tratamento para remediação, gestão e eliminação de contaminação, observamos um fator considerável. A Nanotecnologia já desenvolve aspectos importantes, mas que levam muitos anos, como
o exemplo do tratamento de aqüíferos. São métodos bastante difíceis. O
ferro, por exemplo, reduz quimicamente o material orgânico e contamina
até metais inorgânicos, e mesmo assim o utilizam. Mas, comumente, esse
material que se utiliza é ferro granulado em microescala, com 50 milimicros
mais ou menos. A Nanotecnologia pode fazer a mesma coisa, só que empregando ferro em tamanho nano, o que aumenta a reação de catálise.
Aumenta mais ainda em acoplamento com outros metais em nanoescala; o
nanoferro é mais reativo e efetivo que em microescala. O tamanho menor o
torna mais flexível e ele penetra com maior facilidade em locais em que o
ferro normalmente não teria condições, se apresentado nesses outros tamanhos. Esse é também um tratamento que pode ser associado a esse aspecto.
Um aspecto de que eu gostei muito é o papel múltiplo ou, digamos, o
bipapel de alguns processos. É uma estratégia para tratamento de poluentes
devidos ao desenvolvimento da Nano, que permite senti-los e eliminá-los por
meio de um equipamento mínimo. Isso funciona da seguinte maneira: consi242
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
deremos um material como, por exemplo, um semicondutor de óxido de
zinco, que absorve e emite um comprimento de onda definido. Se o material
poluente interage com ele, a emissão vai diminuir, portanto, também diminui
a relação entre a contaminação e a emissão. Desse modo, poderemos detectar o material e, se a irradiação continuar, eliminaremos o produto.
Esse é o papel duplo fantástico de um filme semicondutor, no âmbito de aplicações positivas em Nano. Resumindo, o óxido de zinco de tamanho nano sente a presença de poluentes, indicada pela mudança do
sinal da emissão na região comprometida, e elimina o poluente via oxidação fotocatalítica, a fim de formar compostos mais benignos ou eliminar o
CO2. A capacidade do sensor significa que a fase energética da oxidação
somente ocorre quando o poluente está presente; caso contrário, não acontece nada. Essa multifuncionalidade, essa “esperteza” é altamente desejável em aplicações ambientais, como se verifica neste caso do óxido de zinco.
Nanopartículas de prata é um outro exemplo o qual desenvolvemos
em nossa rede. São usados para processos de controle bacteriano, sistemas
ópticos, fotografia, fotônica, optoeletrônica, marcadores biológicos, Raman
etc. Esses são processos bastante contaminantes, dependendo qual seja o
método empregado. Em geral, precisam ser não poluentes, de baixo custo
– o que não é o caso dessas partículas – e oferecer soluções coloidais estáveis. Este é outro problema sério, resolvido de certa maneira nesse trabalho de 2004. Quando se fazem partículas de prata por um método todo
químico, deve-se protegê-las de tal maneira a dar-lhes estabilidade. Isso
implica um custo a mais. Por exemplo, nós somos capazes, atualmente, de
fazer essas partículas diretamente em sistema aquoso com microorganismos.
Logo, as condições são bastante suaves, uma vez que não usamos nenhum
tipo de produto e, naturalmente, as nanopartículas estão protegidas por
proteínas geradas por esses microorganismos, que permitem absoluta estabilidade ao sistema coloidal. Em até seis meses, elas se mantêm na mesma
posição, ou seja com a mesma característica.
Dessa maneira, obtemos soluções que permitem substituir métodos
químicos ou físico-químicos em função do sistema biológico – o qual, obviamente, é bem menos poluente –, alcançando as mesmas utilidades.
Embora não esteja indicado nesse trabalho, pode-se do mesmo modo fazer
biologicamente pontos quânticos.
243
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Esse é um aspecto ambiental importantíssimo, usado em processo
de controle, monitoramento de ecossistema e interface de dados de informação. Para um biossensor ou um nanossensor serem aplicados, devem
ser de baixo custo, rápidos, precisos e ultra-sensitivos, além de operar remota, continuamente e in sito, em tempo real. Esses sensores são importantes para a detecção de moléculas: estas são absorvidas, por exemplo, na
superfície de um micro, um nano, ou o que quer que seja; isso causa uma
mudança na tensão da superfície e o cantilever se inclina, por exemplo,
usando uma força atômica. Assim se detectam químicos, usando uma reação específica do analito e a superfície do sensor ou do processador é
química ou físico-química. Pode haver aplicações biológicas no mesmo sentido. Isso mostra, mais uma vez, que os sensores são muito importantes
para monitorar qualquer tipo de contaminação e esse é um dos exemplos
de desenvolvimento mais importante dentro da área ambiental.
Concluímos que é necessário que a ciência e a Engenharia ofereçam novas alternativas, com novas competências para prevenir ou tratar
poluentes altamente tóxicos ou persistentes. Desejamos que isso resulte em
um monitoramento mais efetivo de poluentes, a fim de minimizar o impacto ambiental.
Sabemos que a Nanociência e a Engenharia possuem um grande
potencial para melhora contínua das tecnologias atuais visando à proteção
ambiental. Os recentes descobrimentos, como, por exemplo, nanocircuitos
e outros, estão mostrando que esse desenvolvimento existe e que pode levar
às grandes descobertas de amanhã. Por esse motivo, implicações ambientais
da Nano necessitam ser consideradas. Obrigado.
Prof. Dr. João Steiner – Muito obrigado, Prof. Nelson Duran.
O nosso próximo palestrante será o Dr. Kenneth Gould, da Saint Lawrence
University, de Nova York.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Boa tarde. Quero agradecer ao
Paulo por me convidar, apesar de – e, talvez, justamente por – minha visão
crítica das interações de sistemas. Esta apresentação que preparei veio de
um paper maior, que tem como tema “Os deuses das coisas pequenas: o
244
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
poder institucional da Nanotecnologia e a dinâmica”. Infelizmente, esse
paper está em inglês. Talvez alguém tenha coragem de tentar traduzir.
A emergência da Nanotecnologia, com a sua promessa de uma
miríade de novos materiais, de processos de criação e de aplicações militares e comerciais, vai se tornar um grande acelerador da produção. Esse
rolo compressor da produção, que aumenta o lucro à custa dos trabalhadores e do ambiente, depende de inovação tecnológica para substituir o trabalho humano com capital e para aumentar a capacidade da transformação
de recursos naturais em commodities. Ao fazer isso, aumentam-se os lucros e as ameaças ambientais e reduz-se a geração de benefícios sociais,
como o emprego e os salários, assegurando aumentos constantes nas desigualdades sociais e ambientais.
Os processos de pesquisa científica e de inovação tecnológica sempre foram carregados de política, os engenheiros e tecnólogos envolvidos
na inovação têm visões específicas de uma sociedade futura com implicações políticas grandes. Eles também possuem a habilidade de criar os meios
tecnológicos para implementar sua visão mundial numa escala global. Os
nanotecnólogos tentam refazer a sociedade, a natureza e a humanidade. É
uma agenda intensamente política, a qual, emergindo e passando por meio
da infra-estrutura de ciência e Nanotecnologia, consegue estabelecer um
elo com políticos democráticos para atingir uma realização.
A Nanotecnologia também tem sido politizada por instituições dominantes, que vêem esse conjunto de inovações tecnológicas como tendo
uma grande capacidade de aumentar suas metas estreitas de lucro empresarial e de capacidade coerciva estatal. Achando que a visão mundial de
cientistas e engenheiros pode ser útil às suas metas, essas instituições escolhem apoiar formas específicas de pesquisa e desenvolvimento nanotecnológicos, a fim de moldar a visão mundial dos tecnólogos, em uma campanha
política para obter a aquiescência social a esse conjunto de mudanças sociais. Parte da campanha política é fazer o marketing da Nanotecnologia
como utópica forma de atingir uma série de necessidades físicas e sociais
preexistentes. Todas as tecnologias são vendidas pelas instituições para o
público como utópicas, com ênfase específica nos benefícios médicos, e
como bastante atraentes para o consumidor.
245
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Em linha com essa estratégica política, os nanotecnólogos e seus
apoiadores institucionais têm enfatizado os benefícios sociais da inovação,
minimizando o custo social percebido. Apesar do potencial de sérias ameaças à sobrevivência humana e à ecologia, as instituições sociais têm promovido agressivamente uma nova visão mundial com base na Nanotecnologia e utilizam a sua força para impor a sua visão política ao cidadão
global.
Em adição aos benefícios utópicos geralmente alardeados pelos
tecnólogos, a Nanotecnologia ou os promotores dela enfatizam uma grande e ampla gama de benefícios ecológicos advindos dessa nova tecnologia,
capitalizando a preocupação pública com o estado deteriorado da biosfera
mundial.
Lida-se com a noção ingênua e conveniente de que os problemas
ecológicos são primariamente de natureza tecnológica, e por isso podem
ser resolvidos por soluções de engenharia, em vez de com uma estrutura
social, e que requerem soluções econômicas e sociais. A falha de décadas
de consertos tecnológicos para reverter ou mesmo para diminuir a destruição da ecologia tem sido ignorada, em favor da visão de que a próxima
onda de inovações vai resolver os problemas, as descontinuidades do
ecossistema e do sistema social. A fé na modernização ecológica é útil para
Estados e corporações, para tentarem evitar as implicações políticas e econômicas difíceis da necessidade de trazer os sistemas sociais e alinhá-los
com os limites ecológicos.
Na verdade os promotores da Nanotecnologia prometem que os
sistemas sociais podem fugir dos limites ecológicos por meio de inovações
tecnológicas. Da mesma forma como os primeiros industriais prometeram,
da mesma maneira como os promotores da tecnologia nuclear também
prometeram, do mesmo modo como os promotores de plantas geneticamente modificadas falam, ignorando as realidades da natureza e da economia política.
Existem certos produtos da Nanotecnologia que são enfatizados
para promover a visão utópica ecológica da revolução nanotecnológica:
“Nanotecnologia oferece uma série de filtros para purificar água contaminada e ar contaminado”. Isso é visto como um benefício claro, mas a maior
246
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
capacidade de filtrar água cada vez mais contaminada provavelmente vai
reduzir o imperativo de evitar a sua contaminação. A contaminação da
água é um mecanismo de aumentar lucro corporativo por usar a natureza
como depósito de lixo. Podemos esperar que a estrutura da economia política e mundial promova o uso de Nanotecnologia, dos seus filtros, como
uma tecnologia que melhora um conserto tecnológico para evitar a necessidade de não proteger a água de poluição. Além disso, fornecer água filtrada para aqueles que não podem pagar vai ser outra oportunidade para
uma melhoria empresarial. Também os filtros nanotecnológicos podem
aumentar rapidamente a dessanilização da água do mar e isso vai atender
ao problema de escassez de água doce e sempre se enfatiza os recursos
finitos de água potável. Aqui se vê a promessa ambiental da Nanotecnologia de aumentar o uso humano de elementos do ecossistema, convertendo
água do mar em um commodity vendável.
As mudanças a longo prazo, nos ecossistemas globais e nos níveis
do mar, que adviriam dessa tecnologia não foram tratados. E se diz que é
um benefício ecológico, ao invés de um custo ecológico, porque há novos
materiais sendo colocados no sistema.
Outra alegação de benefícios promovidos por utopistas entusiastas
está na área da eficiência energética e de aumentar as novas fontes de
energia. A meta institucional de eficiência em energia, em geral, é aumentar o total de produção por unidade de energia que entra. Assim, essa tem
de ser igualmente uma meta de aceleração. Depois de décadas de melhoria
na eficiência, no uso e na produção de energia, a escassez de energia está
aumentando. Tem-se aumentado a produção em vez de limitar o uso total
da energia. Aqui, mais uma vez, o problema de aumentar a demanda de
energia não é tecnológico, não é a natureza, mas é uma estrutura social. A
necessidade de crescimento dessa malha de produção rapidamente absorve a anula qualquer ganho ecológico de qualquer melhoria na eficiência.
Esse processo se aplica também a alternativas que não dependem de combustível fóssil. A Nanotecnologia oferece melhorias em potencial na utilização de inputs de energia solar, mediante formas mais baratas de células
fotovoltaicas.
Claramente, uma redução significativa no uso de combustíveis fósseis vai ter benefícios ambientais, no entanto, a promessa dessa transição
247
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nanotecnológica presume a substituição de combustíveis fósseis em vez de
apenas um acréscimo. Agregando aos estoques de energia total, simplesmente vai aumentar a capacidade de produção de energia, desse modo, vai
acelerar a conversão de elementos do ecossistema em bens, os quais serão
descartados no final. O óleo não substituiu o carvão, nem a energia nuclear substituiu o óleo. A noção da substituição de combustíveis fósseis
com Nanotecnologia também ignora o fato dos interesses econômicos e
políticos na produção e no uso desses combustíveis.
Alternativas viáveis ao uso de combustíveis fósseis já existem em
muitas aplicações e a sua falha de substituí-los nesses setores é o resultado
de fatores políticos e econômicos, não da falta de capacidade técnica. A
ausência de investimento do Estado em opções de energia renovável nos
últimos 25 anos é claramente ilustrativa do poder de resistência do capital
privado às ameaças ao seu lucro. Em um mundo dominado por uma única
superpotência, por sua vez guiada pelos interesses corporativos das indústrias do petróleo, a realidade política indica que a substituição, ao invés do
aumento, é improvável.
O uso de Nanotecnologia, de filtros nanotecnológicos para até permitir a viabilidade de combustível fóssil de baixa qualidade a um grande
custo ecológico é uma projeção politicamente mais realista. Além disso, os
utopistas dizem que a Nanotecnologia vai melhorar o rendimento de agricultura juntamente com plantas geneticamente modificadas. Isso não considera
o crescimento da população e a capacidade limitada de ecossistemas de fornecer alimentos. Como no caso de campanhas de corporações a favor de
alimentos geneticamente modificados, o problema da subnutrição é apresentado como uma questão de produção insuficiente, em vez de má distribuição.
Uma breve revisão de campanhas de saúde nos países industrializados do Norte visando reduzir o problema da obesidade deveria ser suficiente para deixar claro que o problema político e econômico da distribuição
do alimento é a causa mais significativa do déficit de alimento do que é a
capacidade global da produção alimentícia. Além disso, por tornar possível que alimentos têxteis e outros bens sejam produzidos em condições
ecossistêmicas mais amplas, a Nanotecnologia ameaça expandir a destruição do hábitat por facilitar a integração de novos ecossistemas, na esteira
de produção mundial.
248
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
A Nanotecnologia vai fugir de limites ecológicos mediante a previsão de input de energia fácil e infinito, replicando as promessas utópicas
do carvão na emergência do capitalismo carbonífero e as promessas da
fusão nuclear nos anos 50.
A propaganda em torno da Nanotecnologia – é a visão de uma
sociedade baseada no uso do hidrogênio e da economia solar – deve ser
considerada à luz do resultado daquelas primeiras propagandas feitas para
o petróleo, para o carvão. Cada rodada de inovação tecnológica tem sido
acompanhada por alegações de fim da escassez ecológica e a promoção da
igualdade humana por intermédio da distribuição de bens e de energia
baratos.
As alegações de que a abundância vai eliminar a pobreza são historicamente comuns. A Nanotecnologia e os proponentes dela reciclaram
essas ferramentas políticas antigas para servir ao seu próprio interesse,
apesar de décadas de evidência empírica da sua falta de credibilidade. Os
aumentos na abundância de material em décadas recentes foram acompanhados pelo crescimento dramático das desigualdades mundiais, dos danos ecológicos e da pobreza.
A desigualdade, a desorganização ecológica e a pobreza são problemas político-econômicos que não podem e não serão resolvidos pela
ciência e pela tecnologia. Dada a base socioestrutural do controle da ciência e da tecnologia, é muito mais realístico esperar que cada rodada de
inovação tecnológica sirva aos interesses daqueles que controlam o processo, e que resultem em mais desigualdades, maior desorganização ecológica
e maior pobreza.
O input democrático em agendas de pesquisa é extremamente limitado. O que passa por controle democrático da Nanotecnologia é, na verdade, mecanismo para consulta pública, feitos depois da capacidade
tecnológica ter sido gerada por agendas de pesquisa previamente levadas a
cabo. Essas consultas públicas são organizadas pelas próprias instituições
que financiam a pesquisa nanotecnológica e cuja agenda política é ganhar
aceitação pública para a nova invenção. Esses fóruns públicos são desenhados primariamente para eliminar os medos públicos daqueles que tenham interesse na Nanotecnologia e classificá-los como ignorância. O poder
institucional e o conhecimento técnico específico são usados como ferra249
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
mentas para eliminar a objeção à trajetória da nova tecnologia. A pesquisa
das implicações da Nanotecnologia é altamente politizada e, especificamente, tem a intenção de aumentar as chances da Nanotecnologia ser aceita. No melhor, essas pesquisas e os fóruns públicos são desenhados para
vendê-la e acabam minimizando algumas das conseqüências não desejáveis da Nanotecnologia. Mas nunca chamam a atenção à eficácia de se
persistir nesse tipo de inovação.
As ameaças à integridade do ecossistema, advindas da introdução
de novas tecnologias, surgem de duas formas essenciais. Uma forma de
ameaça vem da qualidade da própria tecnologia. As tecnologias têm potenciais variados de causar desorganização ecológica, dependendo dos requisitos de energia ou de recursos naturais e o tipo de rejeitos que eles
promovem com seu potencial de acidentes e sua capacidade de transformar elementos do ecossistema e de novos materiais.
Além disso, algumas tecnologias são traçadas de maneira a ter um
poder transformador muito alto para converter elementos do ecossistema
em produtos que se tornam adições ecológicas. Desenhadas em cada inovação tecnológica estão as formas específicas e o escopo do dano que isso
causará.
Além dessas qualidades antiecológicas da tecnologia, há o impacto
quantitativo pela maneira como elas são implementadas. Até mesmo tecnologias de alto risco qualitativo podem ter pouco impacto total ecológico
negativo, se a escala da implementação for mantida pequena. Do ponto de
vista global ecológico, a tecnologia mais ameaçadora é aquela que tem alto
risco qualitativo e quantitativo. O poder transformador da Nanotecnologia, o escopo da sua implementação provável e o seu potencial para acidentes catastróficos tornam seus riscos potencialmente perigosos para o
ambiente, tanto qualitativamente quanto quantitativamente.
A Nanotecnologia oferece a capacidade de transformar elementos
do ecossistema na escala atômica e molecular em uma taxa altamente acelerada. A Nanotecnologia é vendida como um veículo para a melhoria
ambiental, dado o seu potencial de fabricar praticamente qualquer coisa
com qualquer elemento do ecossistema. Assim, não haverá problemas de
pressão associados em confiar seus recursos naturais não renováveis para
as formas específicas de produção.
250
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
No entanto, por se gerar um novo elemento do ecossistema a mais,
isso ameaça a expansão do volume da fabricação e, por conseguinte, a
conversão de elementos do ecossistema em bens manufaturados. O aumento rápido do próprio volume da conversão de elementos do ecossistema em commodities, como é exigido pelos arranjos políticos econômicos
atuais, coloca o potencial significativo de ameaça ecológica.
Simultaneamente, com a rápida expansão da produção, a Nanotecnologia promete uma redução rápida do input de trabalho humano, dessa
forma promovendo um deslocamento massivo da força de trabalho. Ainda é
preciso ver se o preço de bens em alto volume vai cair rapidamente o suficiente para tornar esses bens disponíveis àqueles que ficaram sem renda.
As metas da ciência moderna e dos projetos de tecnologia atuais
são aumentar a capacidade militar do Estado e o lucro empresarial. Os
dois principais motivadores da lucratividade por meio de inovação
tecnológica são o maior lucro obtido pela conversão de elementos do
ecossistema em commoditites e o aumento do lucro mediante a substituição
de trabalho pelo capital.
O primeiro representa uma ameaça tecnológica ambiental e o último, uma ameaça social nanotecnológica. Isto é, a inovação nanotecnológica apresenta grandes ameaças sociais e ecológicas com base na sua intenção
de rapidamente eliminar fontes de ganho de vida humano e acelerar a
conversão de fontes do ecossistema em commodities. Essas ameaças são
geradas pela Nanotecnologia como forma de hiperacelerar metas institucionais e interesses velados, independente das qualidades específicas da
Nanotecnologia.
Além dessas ameaças, as Nanotecnologias têm qualidades específicas que apresentam novas e antigas ameaças ecológicas a serem dadas. A
Nanotecnologia continuará a ser usada para a criação de novos materiais,
nanates, que apresentam adições ecológicas com as quais os sistemas naturais não evoluíram ainda para lidar. A ameaça qualitativa, especialmente, da
Nanotecnologia a esse respeito é o seu potencial de gerar uma variedade
infinita de novas adições ecológicas em um intervalo de tempo relativamente
curto, enquanto a toxicidade e o impacto ecossistêmico de uma variedade
infinita de novas adições ecológicas não podem ser avaliadas. O fato de que
a Nanotecnologia rapidamente expandirá o estoque atual de adições sintéti251
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
cas ao ecossistema indica que a ela, certamente, vai exacerbar o problema já
familiar de materiais químicos sintéticos e a contaminação de materiais decorrida da explosão da engenharia química, no século XX.
Nesse respeito, os nanates são por si só uma ameaça ecológica independente da qualidade, mas eles vão se expandir a uma ameaça existente,
que até o momento não foi adequadamente avaliada. O histórico social em
termos de acessar, controlar e mitigar o impacto ecológico e humano dos
produtos de tecnologias – e não só Nanotecnologias – é enorme, devido às
priorizações institucionais de verbas para a ciência. Nós sabemos muito
pouco sobre o impacto das dezenas de milhares de compostos químicos
sintéticos produzidos por Estados e corporações, todos no século XX.
Essa ignorância altamente útil que é promovida facilitou o acúmulo
de capital, aumenta em muito a força militar e tem um grande impacto
ainda desconhecido na saúde humana, além de acarretar altos níveis de
desorganização ecológica. A capacidade de acelerar a engenharia química
na nanoescala e o futuro provável dos impactos ecológicos desse desenvolvimento devem ser avaliados à luz desse histórico.
Aumentar rapidamente o número de adições ecológicas também
vai aumentar rapidamente a nossa ignorância, em termos de saúde, a respeito do impacto de adições de novos elementos nano. A avaliação desses
impactos aumenta a lacuna entre a ameaça e a nossa compreensão da
ameaça. Esse aumento é não-sábio e irresponsável. As nanopartículas realmente apresentam ameaças à saúde de seres humanos e de outros seres
vivos, por isso ameaça todo o nosso sistema.
A toxicidade específica de qualquer uma das grandes e infinitas
possibilidades da gama de nanopartículas que podem ser criadas não pode
ser avaliada aqui, mas problemas ecológicos associados com estas (novas)
nanopartículas aplicam-se a todas, enquanto nanopartículas, mas a própria qualidade destas em geral parece também apresentar riscos, a partir
do seu tamanho, mobilidade, invisibilidade social e da incapacidade dos
organismos biológicos lidarem com elas.
As nanopartículas não são só resultadas de Nanotecnologia, pois a
tecnologia por sua própria natureza vai aumentar em muito a exposição
ambiental a uma ampla variedade de novas partículas. Muito dessa exposição irá atingir os trabalhadores em vez de proprietários, gerentes e in252
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
vestidores, confirmando o padrão familiar de injustiça ambiental. Mais
uma vez nossa capacidade de eliminar essa exposição deveria ser comparada com o registro histórico de empresas na proteção de seus trabalhadores
e também na proteção do ambiente de perigos. Nossa capacidade de conter esses perigos dentro das fábricas deve ser comparada diante do registro
histórico de empresas que tentam evitar a liberação de agentes perniciosos
no ambiente.
Dado esse péssimo histórico de contenção; a capacidade das nanopartículas de entrar nos seres humanos e nos outros organismos vivos através
da inalação, ingestão ou por meio do contato pela pele; a invisibilidade social
agregada à dificuldade de detectar a exposição; e a falta de compreensão dos
impactos da saúde da exposição, a geração em massa de uma grande quantidade de nanopartículas não é sábia, da perspectiva da saúde humana e da
integridade ecológica, assim como da justiça ambiental e social.
As nanomáquinas, as nanites, são especialmente vulneráveis a acidentes catastróficos que colocam ameaças ecológicas adicionais. As nanites,
como nova classe de adição ecológica, têm talvez a maior e menos conhecida
ameaça ao meio ambiente. Como grande classe de tecnologias, é difícil avaliar a ameaça ecológica que qualquer nanite pode representar. No entanto, a
qualidade que levanta maior preocupação é o potencial das nanites serem
auto-replicantes. Esta qualidade será necessária para se fazer a autofabricação
em grandes volumes, em grande quantidade, assim cumprindo a promessa
da revolução nanotecnológica visionada por muitos dos proponentes.
A qualidade auto-replicante tem levantado a maior preocupação
ecológica, uma vez que essa qualidade da tecnologia humana nunca antes
chegou entre o sistema social e o ecossistema nessa equação de interação.
Combinado com a qualidade de invisibilidade social – o que reduz a capacidade humana de monitorar e de responder às ameaças ecológicas – e a
intenção alegada de transformar elementos de ecossistemas em bens sintéticos, o risco aumenta.
A introdução de nanites auto-replicantes no ambiente apresenta o
potencial de invasão descontrolada e a devastação de ecossistemas. Claramente, essas nanites apresentam uma tecnologia de altíssimo risco, devido
tanto às suas qualidades, entre elas a sua capacidade de transformação,
auto-replicação, invisibilidade e autolocomoção, quanto à sua quantidade.
253
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
A auto-reprodução indica o potencial para quantidades infinitas. A viabilidade de se criar essas nanites auto-replicantes ainda é bastante contestada, mas o investimento social na busca dessa realização é significativo e
está crescendo. Essa linha de investimento coloca ameaças ecológicas e
sociais que a maioria dos cidadãos considera inaceitável.
Mas a insularidade da ciência, dos processos de pesquisa da ciência e tecnológicos, do processo democrático combinado com a pressão competitiva de empresas, de Estados vem da força política global e social e tem
uma meta que não é organizada, é bastante específica. Controles tecnológicos já foram propostos para serem colocados em nanites auto-replicantes,
a fim de evitar a proliferação não controlada e a transformação de elementos do ecossistema ou a programação de datas de terminação e o design
daquelas que não consigam se auto-replicar em controles ambientais. Isso
oferece alguma esperança de que a tecnologia não vá deflagrar um apocalipse
ecofágico, mas isso também tem de dar garantias totalmente à prova de
falhas, porque uma falha nesse controle pode devastar todo o ambiente
formando, sim, um cenário de apocalipse.
Nenhuma tecnologia pode fornecer esse requisito de 100% de funcionamento. Toda dependência na capacidade de se fornecer uma impossibilidade tecnológica é pouco sábia. Além disso, o histórico de outras
tecnologias de alto risco indicam que a pressão competitiva em Estados e
empresas leva à superconfiança em mecanismos de controle e a subestimar
o risco e a falta de um sistema de governança global com um mecanismo de
fazer cumprir a lei. Isso faz com que a complicação universal de Nanotecnologia não tenha restrições ou que seja improvável tê-las.
Nós temos também fraude corporativa em termos de não atender a
regulamentação para a segurança. As mesmas pessoas competitivas levaram os Estados a reduzir a segurança e leis ambientais, reduzir a monitoração dos perigos ambientais e a inspeção e fazer cumprir a lei. E as relações
estreitas entre as elites corporativas e estatais produziram certas regulações
grandemente desenhadas por aqueles que vão receber o máximo benefício
econômico de um controle regulamentar fraco.
No contexto político-econômico em que se prioriza a lucratividade,
a proteção social e ecológica, enquanto vantagem competitiva em termos
de precaução adequada, não é aceita, liberando a geração de uma nova
254
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
classe de tecnologia de alto risco com conseqüência ecológica e socialmente irresponsável.
Para concluir, a pesquisa científica e a inovação científica, todo esse
processo tem de se submeter a controles democráticos, nos quais o seu
impacto social e ecológico pode ser avaliado pelo público informado; em
condições nas quais os cidadãos democráticos tenham poder de determinar as metas e o desenvolvimento da pesquisa. A priorização e o custeio
desta e a forma como as tecnologias vão ser implementadas ou proibidas
devem estar no seu poder.
Esse input tem de acontecer nos estágios iniciais, precoces do processo de pesquisa e desenvolvimento, para determinar o objetivo e a trajetória das linhas mais básicas de perguntas científicas, a fim de que a
capacidade humana, científica da maximização dos benefícios sociais democratizados seja realizada. Embora a renovação nanotecnológica ainda
esteja num estágio relativamente novo e o input público em sua forma e
eficácia esteja começando a emergir, esse input está surgindo num estágio
tardio demais para evitar certas linhas de pesquisa. Foi somente após proponentes industriais fortes terem seus interesses, terem desenvolvido campanhas de propaganda, para assegurar que seus interesses sejam atingidos.
Além disso, os canais através dos quais esse input é considerado foram
desenhados especificamente para torcer a oposição e levá-la a posição diminuída de oponente da tecnologia.
Depois que houver produção haverá, sim, lutas, mas haverá uma
luta muito difícil aos atores sociais individuais, instituições e Estados. Será
um cenário que certamente não é ótimo para governança democrática e
para a criação de uma trajetória tecnológica que serve à maioria dos interesses humanos. Muito obrigado.
Prof. Dr. João Steiner – Muito obrigado Dr. Gould. O nosso
próximo palestrante é o Dr. Paulo Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e o inspirador deste seminário.
Dr. Paulo Martins – Eu vou ser mais rápido, porque não cumpri
a minha obrigação de apresentação de paper, como o Dr. Kenneth fez
255
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
nesse momento. Acabei não concluindo aquilo que me propus a fazer para
esta exposição e também porque, no final das contas, tanto o Professor
Rattner, pela manhã, como eu e o Dr. Kenneth usamos alguns trabalhos
já realizados como fonte de informação para a nossa reflexão. O título do
trabalho que eu estou aqui apresentando é “Nanotecnologia, segurança e
meio ambiente: contribuições das Ciências Sociais”.
Durante as minhas pesquisas na Internet à procura de material
neste campo de Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente, acabei me
deparando com um trabalho importante, realizado pelo Professor Mark
C. Suchman, da Universidade de Wisconsin, Madison, cujo título é “Social Science and Nanotechnology”. Eu o convidei para estar neste seminário, mas ele não pôde participar, pois está de ano sabático, está fora da
universidade, então não foi possível.
Também encontrei um trabalho de um pesquisador alemão, Jurgen
Altmann, intitulado “Risk from military use of Nanotechnology”. Sua
área de pesquisa, conforme vêem, é Nanotecnologia e as questões militares, a qual é importante e pensei que deveria ser mencionada aqui de
alguma maneira. Esse pesquisador tem outros trabalhos publicados nessa
área e tem participado de discussões na Comunidade Européia, como especialista convidado.
A minha intenção era procurar apreender, como o Professor Mark
Suchman nos indica para fazer, uma análise de Ciências Sociais sobre a tecnologia e aplicar essa análise justamente sobre os trabalhos do Jurgen Altmann.
Vou apresentar o que eu fiz até o momento, alguns pontos para refletirmos
sobre esse campo, e futuramente darei continuidade a esse trabalho.
O presente trabalho procura abordar, do ponto de vista das Ciências Sociais, as relações entre a Nanotecnologia voltada para a indústria
de segurança, o meio ambiente e a sociedade. No primeiro tópico apresenta-se uma perspectiva de análise das Ciências Sociais sobre a Nanotecnologia e seus possíveis impactos na sociedade capitalista em que vivemos. A
seguir, apresenta-se uma primeira aproximação da Nanotecnologia destinada às questões de segurança, que se materializam em produtos explorados por diversos tipos de indústrias.
Os dois primeiros tópicos darão o suporte necessário para a análise
das relações constituídas entre Nanotecnologia, sociedade e meio ambien256
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
te, que é aqui vista desde a presença desta tecnologia no desenvolvimento
da indústria de segurança.
Nas conclusões, procurar-se-á apontar a importância de se conhecer estas relações para que se possa entender possíveis novos conflitos bélicos entre países e potências mundiais, advindos da implementação dessa
Nanotecnologia. Nos seus trabalhos, Jurgen Altmann faz uma reflexão
nesse sentido, com respeito à introdução e a adoção da Nanotecnologia
por parte dos países mais desenvolvidos, especialmente por parte dos Estados Unidos, e até que ponto isso pode desencadear uma nova corrida
armamentista.
Como eu já disse, as reflexões contidas nesse tópico têm por base o
texto do Professor Mark C. Suchman, da Universidade de Wisconsin,
Madison, e o título deste trabalho é “Social Science and Nanotechnology”.
No entendimento do referido autor, temos de distinguir dois tipos de tecnologia – esse é o mesmo ponto de vista do Dr. Mike, que disse em outro
momento “nós devemos ter bastante atenção, porque existem vários tipos
de Nanotecnologia. Não dá para dizermos que é tudo igual, nós temos
que ter elementos para diferenciá-las, porque elas terão impactos, terão
reflexos diferentes na sociedade. Com alguns desses impactos a sociedade
já teve contato ao logo da sua história, com outros ainda não teve experiência histórica, portanto irá colocar novas questões, novos desafios”. Mark
C. Suchman diz como poderíamos fazer essa diferenciação.
O primeiro dos tipos de Nanotecnologia, segundo o autor, é o que
se materializa em descontinuidades tecnológicas discretas. Esse é um ponto importante e os diversos povos que tiveram experiências anteriores no
campo da regulamentação já vivenciaram histórias de descontinuidades
tecnológicas discretas. Mark Suchman denomina essas tecnologias de
nanates.
O segundo tipo se refere a nanomáquinas. Essa tem caráter de ser
desruptiva, ou seja, é revolucionária em termos tecnológicos e a sociedade
em que vivemos não tem experiências anteriores de regulação sobre esse
tipo de tecnologias e produtos. Essas Nanotecnologias o autor chama de
nanites.
Por nanates, o primeiro caso, devemos entender as tecnologias que
manipulam estruturas em nanoescala de substâncias em macroescala. Ou,
257
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
dito de outra forma, substâncias em macroescala que são manipuladas por
tecnologias que interferem nas suas nanoestruturas. Essas são as nanates,
as quais, segundo Mark Suchman, estão relacionadas aos nanomateriais e
encontram-se ligadas às engenharias químicas e de materiais. Exemplos
de nanates: polímeros resistentes usados em cintos de segurança, em pneus,
membranas ultrafinas para filtros etc.
Por nanites, devemos entender tecnologias que constroem mecanismos em nanoescala para serem usados em ambiente de macroescala. As
nanites estão vinculadas às nanomáquinas e à área da engenharia mecânica
e da robótica. Exemplos de nanites: sistemas de vigilância em miniatura,
equipamentos para exploração de minas também em pequena dimensão etc.
A diferença entre nanates e nanites se faz importante para as análises
sociológicas, pois permite que se tenha a priori o escopo dos impactos sociais
advindos com a introdução da Nanotecnologia em nossa sociedade.
Após definir essas categorias, Mark Suchman as trabalha nos seguintes termos. Pode-se afirmar que, de maneira geral, as nanates não
colocam desafios sem precedentes para a nossa sociedade. No particular,
poderá ocorrer caso de algum novo material que ofereça determinada mudança sem precedente. Como exemplo, pode ser citada a possibilidade
que algum novo material a ser utilizado em balas de revólveres ou outras
pequenas armas e que seja capaz de penetrar um tanque de guerra. Esse
seria, realmente, um material de grande impacto. Ou células fotovoltaicas
que viessem a acabar com a necessidade de petróleo como fonte de energia. Nestes casos, as mudanças seriam sem precedentes.
A característica das nanates é que estejam ligadas a ciclos tecnológicos em que haja a disputa entre agentes econômicos tecnológicos ao longo de um processo, com a conseqüente eleição, materialização dos
vencedores. Estes passam então a determinar um novo design dominante
e, com isso, ocorre uma nova configuração dos perdedores. Esse fenômeno, aliás, é plenamente conhecido na teoria econômica – a Professora Sônia
fez referências a ele, quando pôs em questão quem são os perdedores e os
vencedores em um dado ciclo de desenvolvimento tecnológico.
Nesse processo, o tempo e o ambiente em que ocorrem é de suma
importância e são definidos politicamente. Acabam por afetar tanto a indústria como a grande política. As diferenças entre as descontinuidades
258
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
prévias e as decorrentes das nanates são apenas de níveis. As transformações nas indústrias são sempre forçadas e de risco, mas já foram observadas anteriormente. As políticas serão destinadas a produtos particulares e
não à Nanotecnologia em si. Estudos e propostas políticas serão elaborados caso a caso. Os efeitos das nanates serão semelhantes aos dos
semicondutores, polímeros sintéticos, telecomunicação sem fio, mesmo que
a propagação delas seja feita de forma silmutânea em várias indústrias.
Passemos agora às implicações sociais das nanites. Segundo Mark
C. Suchman, as nanites irão confrontar a sociedade com questões políticas
profundas, sem precedentes, ao permitir que os humanos manipulem o
mundo em uma dimensão nunca vista. As nanomáquinas abrem uma nova
fronteira em que não há regulamentação para tornar segura e produtiva
essa atividade. As nanites apresentam qualidades e propriedades distintas, que irão gerar novas questões de responsabilidade e controle. Estas
estarão ligadas a três itens:
• O primeiro deles é a invisibilidade. Embora seja diretamente ligada à Nanotecnologia, a invisibilidade estará ligada à primeira
construção complexa e engenhada de forma intencional, tornando-se, portanto, cúmplice dos propósitos humanos para uma série de atividades para as quais foram produzidas;
• O segundo item é a locomoção. Embora seja menos inerente à Nanotecnologia do que a invisibilidade, terá um efeito intenso nas questões das barreiras, a locomoção de partículas, já que as nanopartículas
poderão ultrapassar cercas, muros, pele humana, células etc.;
• E o terceiro fator é a auto-replicação. Isto não é uma propriedade inerente a nanomáquinas. A criação de nanites auto-replicáveis
será a prova mais difícil da revolução nanotecnológica.
A auto-replicação é importante do ponto de vista econômico para a
produção em massa de nanomáquinas. Portanto, a propriedade de se autoreplicar acaba por se tornar significativa. Por outro lado, são colocadas
profundas dúvidas sobre a capacidade de previsão e controle por parte dos
humanos sobre as nanomáquinas, que poderão se multiplicar sem controle, sem terem como ser desligadas. A invisibilidade, a locomoção e a autoreplicação poderão ser potencializadas se as nanites possuírem a capacidade
de operar de forma autônoma e de se automodificarem.
259
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
O advento de nanites impõe repensar as bases legais e as estruturas
normativas da sociedade. Nesse contexto, três aspectos são importantes:
• O primeiro é o monitoramento. Trata-se de monitorar as questão
relativas à invisibilidade, à locomoção e à auto-replicação. Várias perguntas se colocam: o que pode e deve ser monitorado?
Por quem? O governo tem condições técnicas para isso? Automonitoramento pelas empresas? Sem instituições confiáveis para
o monitoramento, diz Mark C. Suchman, abusos e paranóias
poderão predominar.
• O segundo ponto importante é a questão da propriedade. Quem
pode e quem deve ser o proprietário das nanites? Com a autoreprodução, a propriedade se estende à segunda geração? A locomoção coloca a questão de quem é o proprietário do nanoespaço
por onde as nanites passam. Exemplo, se o sua nanite é sugada
pelo meu ar-condicionado, se configura como um rapto ou uma
transposição?
• Terceiro, o controle. As nanites irão testar as normas de respon-
sabilidade e controle. Quem será o responsável por policiar, controlar as fronteiras entre um território aberto e outro fechado em
nanoescala? O Estado irá manter direitos territoriais em
nanoespaço quando seus cidadãos viajarem para o exterior?
Dito isso, o Professor Mark C. Suchman vai fazer uma reflexão, do
ponto de vista dele: como é que as Ciências Sociais poderiam contribuir
nesse novo desafio? Para ele, as Ciências Sociais têm muito a contribuir
para se entender esse processo. Em primeiro lugar, resgatando as lições do
passado. As mais recentes se referem aos alimentos geneticamente modificados. A seguir, deve-se olhar para o futuro no sentido de construir indicadores sociais que permitam a construção de um sistema prévio de alarme
em relação aos riscos e aos perigos advindos dos efeitos desejados e
indesejados da Nanotecnologia. Com isso, se poderia identificar os impactos desde o início da introdução da Nanotecnologia. Os estudos fundados
nas Ciências Sociais devem ter uma concepção dialética, uma vez que não
devemos apenas entender os impactos da Nanotecnologia na sociedade,
mas também da sociedade na Nanotecnologia. Aqui estão incluídos a dis260
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
puta de pressupostos, as comunidades epistêmicas, os fundos de pesquisa
e as oportunidades de mercado.
Outro ponto de suma importância em que as Ciências Sociais podem contribuir, trata-se de auferir qual é o entendimento que as elites e o
público em geral têm sobre a Nanotecnologia. Ou seja, como o público
externo a vê. Também é importante saber como a comunidade nanotecnológica entende o seu trabalho. Devo dizer que esses pontos, nós que participamos do último edital do CNPq, justamente tínhamos como uma parte
do nosso trabalho.
Mark Suchman indica em seguida qual é a agenda política pela
questão da Nanotecnologia. E, efetivamente, uma agenda a ser cumprida
pelas Ciências Sociais.
As Ciências Sociais deverão estar voltadas para quatro agendas
políticas que se entrelaçam, começando pela simples observação e catalogação dos impactos. Podem também as Ciências Sociais contribuir para
facilitar a comunicação – aliás, tema aqui presente várias vezes –, permitindo que os nanocientistas expliquem as capacidades técnicas e as limitações da Nanotecnologia e o público externo expor as suas necessidades e
empreendimentos nanotecnológicos. A observação e a comunicação realizadas pelas Ciências Sociais poderão levar à mitigação, no sentido de
propor ações de controle e recuperação dos efeitos colaterais indesejados
dos empreendimentos nanotecnológicos.
Por fim, e talvez o papel mais importante, as Ciências Sociais poderão ser a fonte criativa da reestruturação, auxiliando na construção de
novas instituições, laboratórios, disciplinas, mercados, profissões mais flexíveis, abertas e igualitárias do que as oferecidas pelo velho regime que
está sendo suplantado.
Com esse panorama teórico, eu vou agora falar sobre os trabalhos
de Jurgen Altmann, pesquisador que vem se dedicando a estudar justamente essa temática da segurança e Nanotecnologia.
Segundo o autor em questão, a Nanotecnologia pode apresentar grandes benefícios e amplos riscos, como acidentes, efeitos não intencionais, que
poderão promover a invasão da privacidade, machucar ou mesmo matar
pessoas, causar danos à propriedade e ao meio ambiente. Nesse contexto,
261
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
poderemos ter como atores e possíveis criminosos os terroristas, as empresas,
as agências governamentais e as forças armadas. Como sabemos, a indústria
militar está sempre ligada à aplicação de tecnologias de caráter destrutivo.
Está sempre presente a possibilidade de a sociedade civil querer proibir ou
controlar atividades militares. Diferentes tipos de ameaça àquilo que se constitui humano podem ser indicados. Por exemplo, os avanços na biotecnologia
que poderão proporcionar implantes genéticos. Outras ameaças podem ser
identificadas nas pesquisas sobre o cérebro, como a inteligência artificial e a
robótica. Esses perigos de origem militar se processam de maneira rápida,
causando um debate na sociedade civil.
A questão que está presente nesse debate é: que tipo de manipulação do corpo, artificial ou híbrida, as entidades estarão autorizadas a fazer? As análises dos orçamentos aplicados pela National Nanotechnology
Iniciative, dos Estados Unidos, indicam que pelo menos 25% vão para a
área militar e que isto, no ano de 2003, chegou a US$ 200 bilhões.
A meta da segurança nacional é a convergência das tecnologias
nano, bio, info e cogno. Alguns dos produtos que materializam essas convergências são: sensores em miniatura, processamento em alta velocidade,
comunicação em larga escala, veículos de combate sem combatente, treinamento em realidade virtual, aumento da performance humana e interface
cérebro/máquina.
Jurgen Altmann nos indica que entre 10 a 20 anos todas as áreas
da forças armadas serão afetadas. Eis as áreas apontadas pelo referido
autor: pequena, mas rápida eletrônica e computadores; numerosos sensores
pequenos e baratos; materiais para veículos e máquinas que são mais leves,
fortes e mais resistentes ao calor; novos tipos de armas, camuflagem variável, colete à prova de balas; sensores de saúde à base de agentes químicos
e biológicos; implantação no corpo e manipulação bioquímica para contato com nervos, músculos e cérebro; novo bem-estar químico e biológico.
As preocupações com o desenvolvimento desse tipo de tecnologia
aplicada à indústria de segurança podem ser assim elencadas: a) controle de
armas; b) leis de guerra; c) estabilidade militar e não-proliferação de armas;
d) proteção humana; e) meio ambiente; f) sociedades democráticas.
Então, considerando essas preocupações contidas nos trabalhos de
Jurgen Altmann, o que eu teria de fazer para efetivamente finalizar o paper
262
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
era, em primeiro lugar, adotando a terminologia do Mark C. Suchman,
verificar o que disso é nanates e o que é nanites. Saber qual tem um impacto na forma de descontinuidades tecnológicas discretas e quais são de
desruptura.
Feito isso, poderia certamente tentar constatar, como diz Mark
Suchman, a priori, quais são os tipos de impactos que isso terá na sociedade. Por fim, realizaria aquilo que eu coloquei na minha introdução – e que
seria a conclusão do trabalho –, ou seja, conhecer efetivamente como ocorrer os novos conflitos bélicos entre os países e potências mundiais, dada a
possibilidade do crescimento do armamentismo que poderá advir em decorrência do uso disso.
Efetivamente, eu fico devendo aos senhores e às senhoras a
complementação deste paper. Obrigado.
Prof. Dr. João Steiner – Muito obrigado Dr. Paulo Martins.
Nós vamos agora aos nossos Key Notes Speakers. Eu convido nosso primeiro palestrante, Dr. Mike Treder, diretor executivo do Center for
Responsible Nanotechnology.
Dr. Mike Treder – Muito obrigado ao painel. Foram excelentes
as apresentações. Eu quero falar na ordem reversa.
Quanto à apresentação do Dr. Paulo, gostaria de tratar dos desafios descritos, a possibilidade de desenvolver novos tipos de armas e novos
dispositivos de monitoramento. Há uma grande possibilidade de uma corrida armamentista entre nações que competem entre si. Assim como também há
a oportunidade para esse tipo de tecnologia perigosa cair nas mãos de pessoas
como terroristas, criminosos, grupos de interesse que sintam a necessidade de
se defender contra outros.
Para podermos evitar a disseminação de tecnologia perigosa, quando a tecnologia se torna tão perigosa como você está prevendo, é possível
imaginar que os governos possam se tornar extremamente opressivos. Eles
podem ver a necessidade de impor grande restrição aos cidadãos, muito
maiores do que as que vemos hoje. E eles podem ter a capacidade de fazer
isso com um tipo de dispositivo de monitoramento que você mencionou,
263
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
que são invisíveis, produzidos em massa, em grandes quantidades, por isso
permitindo o monitoramento constante e invasivo de todos nós. Desse modo,
vão poder nos impor ou proibir qualquer atividade como desejarem.
O resultado disso vai ser a anarquia ou pode ser que indivíduos e
grupos queiram simplesmente desafiar qualquer tipo de governo por causa
disso. Talvez essas pessoas entrem em medidas extremas para poder lutar
contra esse modo opressivo do governo. Eu não vejo solução no momento.
Eu vejo dois resultados muito ruins. Quero saber se é possível alcançar
uma saída, por isso, gostaria de perguntar se você, Paulo, vê uma solução?
Como é que se poderia comunicar essas idéias fora do Brasil? Qual é a
probabilidade de que essas idéias sejam recebidas no centro dos Estados
Unidos, por exemplo? Ou do Japão ou da China, onde essas tecnologias
provavelmente serão desenvolvidas primeiro.
Ao Dr. Kenneth Gould, em primeiro lugar, eu gostaria de aconselhar
a não ser tão pessimista e pedir que nos diga o que o senhor realmente pensa.
O senhor foi muito eloqüente e muito apaixonado ao transmitir os
desafios que nós enfrentamos e o custo ambiental de desenvolver tecnologia, tanto no passado quanto no futuro. Ao ouvir o que disse, talvez alguém tenha pensado que o senhor advoga o completo abandono da
tecnologia. Se não é esse o caso, qual seria seu cenário ideal para a adoção
global de Nanotecnologias com um potencial básico de manufatura geral?
Qual seria um possível cenário positivo que o senhor veria como aceitável?
Voltando agora à primeira parte, creio que o senhor pensa que esse
cenário positivo seria improvável de acontecer e por isso aconselhou o abandono completo da tecnologia. Como é que isso poderia ser feito? Como é
que se poderia obrigar a esse abandono em escala global, sem nenhum
regime regulamentar internacional? Ou precisa?
Por fim, ao Dr. Nelson Duran, ao ouvir a sua apresentação – que
foi interessante, muito impressionante, demonstrou uma excelente pesquisa feita – eu tive, no entanto, a impressão de que a mensagem que o senhor
está passando é a de que, mesmo tendo muito a aprender sobre os efeitos
ambientais da Nanotecnologia, deveríamos confiar em que a auto-regulamentação da indústria juntamente com os níveis atuais de supervisão governamental serão suficientes. Segundo disse, a Nanotecnologia não é uma
coisa especial e, se comparada com as tecnologias de hoje, não é nada de
264
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
novo. E nada de novo seria necessário para regulamentá-la. Se o senhor
aceitar o discurso do Dr. Kenneth Gould de que poderes multinacionais e
Estados, em seus interesses, normalmente controlam esse processo de regulamentação e de pesquisa e até mesmo do input público, ainda é possível
nos dizer que o senhor tem toda essa confiança de que devíamos colocar o
nosso futuro nas mãos dessas corporações multinacionais e dos representantes escolhidos pelos governos? Muito obrigado.
Prof. Dr. João Steiner – Queria agora convidar a Dra. Annabelle
Hett, da Swiss Re.
Dra. Annabelle Hett – Muito obrigada. Eu queria começar na
ordem com que foram apresentados os trabalhos nesta tarde e, a fim de
reunir elementos para o diálogo, antes de tecer os comentários, farei um
pequeno resumo dos discursos.
A impressão geral que eu tive foi a de um cenário do apocalipse.
As três apresentações foram muito interessantes, muito profundas, mas
evocaram certas emoções que não foram bem equilibradas. Cada um dos
palestrantes teve um certo impacto por trás disso. Eu gostaria de resumir
isso e também fazer algumas declarações provocadoras.
Primeiramente, a apresentação do Professor Nelson Duran forneceu uma visão geral sobre Nanotecnologia e meio ambiente. Creio que
foram mencionados os melhores papers científicos conhecidos sobre o assunto e a exposição foi bem ilustrada com o modelo norte-americano de
pesquisas em torno disso, citando os trabalhos da NSF e da EPA. A
EPA é a Agência de Proteção Ambiental, a Niosh é o Instituto Nacional
para Sáude, Segurança no Trabalho e Meio Ambiente e a outra é a Fundação Nacional para a Ciência (NSF). São as três agências mais importantes dos Estados Unidos a esse respeito e o que quer que elas façam é
recebido como paradigma pelo resto do mundo. A Europa, assim como
todo o mundo todo, também está olhando para os Estados Unidos e tentando descobrir de que forma vão lidar com essa questão.
O senhor mencionou brevemente o assunto da toxicologia de partículas e que o ciclo de vida dos produtos tem de ser investigado. Disse
265
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
também que nós temos de analisar a biodiversidade e o potencial de
reciclagem dessas nanopartículas, visto que nós realmente não sabemos como
elas vão reagir no ambiente.
Da mesma forma, o senhor pediu métodos de testes adequados, os
quais no momento nós não temos, o que é um grande problema para as
agências regulamentadoras. O senhor também mencionou certos aspectos,
por exemplo, o transporte de partículas. Nós sabemos que elas podem chegar a longas distâncias e se distribuir muito bem.
Em sua apresentação, foi colocada uma questão sobre a transformação de partículas. Em torno disso, eu estava pensando: e se essas partículas
se misturarem com pesticidas, por exemplo, que já existem? Essas partículas
são muito reativas, por isso nós nos perguntamos se vai haver uma nova
sustância tóxica ainda não estudada. Outra pergunta que surgiu também foi:
agora que sabemos tudo isso, como é possível resolver esses assuntos e como
podemos lidar com esse problema?
A meu ver, um dos aspectos principais que o senhor pontuou é que
identificar riscos no início nos ajuda a gerenciá-los, pois, assim que os identificamos, podemos geri-los. De certa forma, conforme o senhor mostrou, a
Nano pode evitar poluição, pode nos ajudar com assuntos de remediação
biológica, nos auxiliar a criar aqüíferos, tratar solo poluído por meio de
biossensores para monitorar a contaminação. Portanto, há diversos aspectos
positivos na Nanotecnologia, os quais estimulam a pergunta geral: o que
podemos fazer para que a Nano trabalhe para nós e não contra nós?
Acho que essa é a principal questão, ainda que haja muitas outras
abertas. Também se mencionou que o potencial para o meio ambiente é
muito grande. Uma vez que nós sabemos que existem muitas perguntas abertas, uma indagação seria: como o Brasil poderia contribuir para esse processo? Não apenas para trabalhar em evolução de pesquisa e patente, dado que
todos os outros países também fazem isso, mas como podemos nos certificar
de que fazemos ou usamos parte das verbas para responder a essas propostas, para nos certificarmos de que a coisa vai ser uma tecnologia sustentável
que trabalhe para nós e não contra nós? Esse seria o resumo da sua parte.
O ponto de vista do Professor Kenneth Gould foi o das Ciências
Sociais tratando sobre Nano e ambiente. Conforme disse, isso é só um show
266
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
de vendas, no qual as empresas estão tentando imputar à sociedade, de
forma exagerada, que a Nanotecnologia vai resolver todos os problemas
do mundo. Pessoalmente, eu diria que a verdade fica no meio disso. Talvez, no momento, não haja nenhuma nova tecnologia para ser vendida
para a sociedade. O senhor tem razão, estão usando técnicas antigas, jargão e discurso que já empregaram em debates de outras tecnologias, como
no Genoma Humano, visando à implantação delas.
Dito isso, eu me pergunto se o senhor tem essa percepção negativa
de tecnologia – afinal, parece-me ser um ponto de vista muito mais negativo do que positivo. Houve muitos aspectos positivos para a sociedade como
um todo. O senhor veria esse processo de inovação como um processo que
nós não deveríamos ter ou que pode ser benéfico no geral para a sociedade? O senhor realmente acredita que a inovação é algo que pode ser impedido, parado? Eu diria que, para um pequeno ser humano, como nós
somos, a inovação é algo que não podemos impedir e parar a inovação é só
um desejo. Sabendo que a inovação vai acontecer e que os processos vão
evoluir, queiramos ou não, porque nós estamos nos desenvolvendo cada
vez mais, o que nós podemos fazer é nos certificar de que entendemos os
assuntos precocemente a fim de podermos tratar deles.
Por exemplo, a força nuclear é um dos riscos emergentes com o qual
nós lidamos muito bem, no sentido de ter estabelecido uma estrutura regulamentar e descoberto meios de lidar com ela. Provavelmente o senhor
apresentará uma argumentação contra isso, mas, se comparado com outros
debates tecnológicos que tivemos no passado, a força atômica nuclear, que
era vista como uma grande ameaça, foi uma das coisas com que nós lidamos bem, porque nós estamos totalmente convencidos de que é um grande
risco e descobrimos formas de lidar com isso em sociedade.
Meu objetivo não é comparar a Nanotecnologia com a força nuclear,
mas sim mostrar que é só com um pequeno potencial dessa tecnologia que
nós temos de tomar muito cuidado. Mas se nós estivermos convencidos de
que uma parte considerável dela realmente está exposta à sociedade e ao
meio ambiente, nós deveremos achar formas de lidar com isso, em vez de
tentar minimizar todo o processo. Isto, a meu ver, é algo realmente muito
difícil de fazer no tipo de sociedade que nós montamos. Visto que provavelmente não será possível parar o avanço, eu promoveria uma forma de gerir
267
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
esse risco para o meio ambiente, para a sociedade, e não simplesmente buscaria uma visão negativa, a qual percorre toda a Nanotecnologia.
Quanto ao discurso do Paulo R. Martins, eu enfatizaria os aspectos resumidos do autor que se especializou em Nanotecnologia e implicações militares. Esse pesquisador gastou muito tempo com isso e ele também
testemunhou, durante várias comissões européias de um grupo de peritos
em que esteve, e enfatizou o fato de que a Nanotecnologia abre muitas
possibilidades para a área militar, visando à implementação de formas totalmente novas de guerra. Esse é um fator que pode modificar completamente a distribuição de poder no mundo e é algo que pode realmente
mudar a sociedade como um todo.
Como você disse, esse autor está convencido de que os militares
estão investindo no desenvolvimento da tecnologia, especialmente nas que
têm potencial destrutivo. E o que ele diz é que a Nanotecnologia abre
novas formas pra implantes, inteligência artificial, algo para melhorar a
capacidade cerebral, músculos artificiais, veículos de combate, entre outros vários exemplos que se pode mencionar. O que ele está dizendo é que
nós temos de tratar desses assuntos antes que eles se tornem realidade,
porque, uma vez efetivados, nós não vamos ter nenhuma forma de contornálos. Não me refiro a regulamentá-los, porque esta não é uma opção; mas a
como lidar com isso na sociedade humana.
A minha questão nessa discussão – e também falei com o Jurgen
Altmann – é qual o tempo que temos para essa discussão? Considerandose que nós estamos lidando com riscos diferentes aqui, eu diria que os
riscos a respeito do ambiente, em termos de nanotoxicidade, são algo real,
dado que as nanopartículas estão sendo produzidas, estão e estarão cada
vez mais no mercado. Isso é algo que nós teremos de tratar agora.
A segunda pergunta, quanto às aplicações sociais e também quanto
às implicações militares, eu colocaria em termos do tempo. Eu diria que
isso é algo que nós temos de analisar agora e para o que devemos estar
preparados. Não que seja algo que nos estará pressionando pelos próximos cinco anos, por exemplo, mas é algo que a gente terá de debater aqui
neste painel, porque eu estou totalmente convencida de que há opiniões
completamente diferentes a esse respeito. Esse é meu comentário, a minha
intervenção. Muito obrigada.
268
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Prof. Dr. João Steiner – Vamos começar com as respostas de
nossos palestrantes. Muito Obrigado.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Observo que há muitas preocupações a respeito da minha apresentação. Eu sei que é um problema difícil,
porque nós temos a técnica e temos os técnicos, as pessoas trabalhando em
nossa área. Eu estou falando de pessoas trabalhando em Nanotecnologia,
não estou falando de aspectos sociais ou algo semelhante.
Creio que vocês têm razão, os dois têm razão. Há tantas perguntas
e há tão poucas respostas. Algo que me preocupa é o governo, qual é o
papel do governo? Do governo do Brasil, neste caso? Eu não ouvi nada a
respeito, até o momento. Nós estamos trabalhando já há quase três anos
em Nanotecnologia e não houve nenhum posicionamento claro do governo
nesse assunto. Esta é a primeira vez que estamos aqui reunidos, tentando
pensar no que podemos fazer para efetivamente buscar mais respostas.
Lamento, não há mais nada a dizer, porque os governos é que detêm o poder nesse caso, mas estamos tentando. Normalmente temos reuniões em Brasília para tentar colocar essa idéia em termos de fomentar a
discussão do assunto. Mas vocês têm toda a razão, é uma grande preocupação e também é a nossa preocupação. Muito obrigado.
Dra. Annabelle Hett – O Brasil não vive sozinho no fato de que
está gastando a maior parte do dinheiro ou quase todo o dinheiro em
patentes, em inovação. A maioria dos outros países está fazendo exatamente a mesma coisa e, que eu saiba, os Estados Unidos e a Europa
acabaram de considerar que os estudos de risco receberão parte das verbas
que eles vão destinar à pesquisa. Como vemos, a idéia e a tentativa de
fazer a avaliação de risco é uma iniciativa nova, começou agora, em 2005,
talvez numa quantidade limitada. Portanto, eu diria que agora é a hora de
nos juntarmos a conselhos internacionais que estão avaliando. Se os Estados Unidos e a Europa estiverem trabalhando juntos, vai ser ótimo. Seria
ideal que o Brasil pudesse se juntar a esse esforço também.
Prof. Dr. João Steiner – Por favor, Dr. Gould.
269
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Prof. Dr. Kenneth Gould – Vou fazer algumas considerações
sobre comentários anteriores, em primeiro lugar, quanto ao exemplo de força
nuclear. Foi feito um péssimo trabalho no controle da força nuclear, esse é
um exemplo de completa falha. Os Estados Unidos não têm nenhum mecanismo para lidar com resíduos radioativos, que estão jogados em todo o país.
Não existem disposições para lidar com eles, nem sequer para armazená-los.
Todo o esforço tecnológico para neutralizar ou estabilizar tais resíduos falhou – por exemplo, a vitrificação. O motivo de as usinas nucleares pararem
de se proliferar nos Estados Unidos é econômico, porque as corporações
nunca ficaram interessadas na força nuclear, a qual sempre foi uma perdedora
econômica. No entanto, o governo sempre falou que esse era um dispositivo
legítimo – na verdade, para encobrir seu poderio, via a sua força nuclear – e
disseram: “há benefícios sociais enormes dessa tecnologia, é claro que nós
vamos fazer 30 mil cabeças nucleares, mas isso não é importante, o que nós
estamos fazendo de importante é dar-lhes uma fonte inesgotável de energia
barata, que não dá nem para medir, de tão barata”.
Mas todos nós sabemos o que ocorreu. Portanto, observem o que
aconteceu com a força nuclear como exemplo do que poderá acabar ocorrendo com a Nanotecnologia. Se é possível impedir a inovação? Se, em
termos de interesse humano, a curiosidade humana não vai ser parada,
por que a gente deveria querer parar?
Mas a noção de que a inovação não é direcionada é errada. A
inovação tem de ser direcionada, ela não é neutra, ela não é linear, ela não
é evolucionista, não tem uma progressão natural, é um mito ideológico. A
ciência, a tecnologia e a inovação são muito guiadas por agências humanas, cientistas, engenheiros e, o mais importante, pelas instituições para
quem eles trabalham, especialmente as que pagam por isso. Como bem
sabem, se houver muito investimento corporativo em uma área específica,
então há inovação. Como parar a inovação nessa área?
Se formos convencidos de que essa é uma tecnologia de altíssimo
risco, então diremos à nossa empresa que há um alto risco envolvido e esta,
por sua vez, não vai dar dinheiro para as corporações. Conseqüentemente,
as corporações tirarão nosso investimento e a taxa de inovação diminui em
grau elevado. Como vemos, inovação é muito bem direcionada e controlada por instituições, o que me leva ao comentário do Dr. Mike, de que o
270
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
problema com a tecnologia, além da própria qualidade, é que a Nanotecnologia é o sintoma do problema, não a causa. Este consiste na forma
como a ciência e a tecnologia são controladas e custeadas mundialmente.
É claro que o pior exemplo é o dos Estados Unidos, que é o modelo o qual muitos aqui no Brasil querem seguir, bem como diversos outros
países. A maior parte do controle sobre a inovação, sobre a ciência e a
pesquisa de engenharia de desenvolvimento para corporações transacionais,
conforme vimos, está lá. Disso tudo, 8% é visto como modelo positivo,
porque o que faz é pegar a inovação e transformar em lucro, que é o método brasileiro de maximizar a geração de lucro, mesmo que isso signifique
mais problemas ecológicos e desigualdades sociológicas. Eu diria que o
Brasil não deve fazer isso, porque os Estados Unidos tiveram um exemplo
muito ruim nos últimos 25 anos, produzindo um grande crescimento econômico e uma massa de pobres, simultaneamente, lembrando que, nos
Estados Unidos, 50% das nossas crianças vivem em pobreza.
Será que nós vamos acabar totalmente com a pesquisa em Nanotecnologia? Eu preferiria que tivéssemos controle democrático sobre o processo de pesquisa e desenvolvimento. O que isso pode significar a curto
prazo, uma vez que requer mudanças políticas e sociais em sua estrutura?
Temos de fazer uma moratória em toda pesquisa em tecnologia e ciência
desse assunto. Será que isso é ousado o suficiente?
E não perderíamos nada por fazer isso por 50 anos, ao longo da
História isso não teria absolutamente valor nenhum. Mas desde que as
pessoas que guiam esse processo de pesquisa e inovação tenham essas
metas bem curtas de lucro e de maior performance em matar outras pessoas, essa é a direção em que a tecnologia vai levar a sociedade humana. A
menos que alguém tenha controle disso e coloque em um processo democrático, nós vamos continuar a ir nessa direção.
Um último ponto está vinculado ao assunto de usar a EPA americana e a Niosh como modelos. Não façam isso, não as usem como modelos
porque são instituições que são fracassos totais. A Agência de Proteção
Ambiental é uma agência limitadora e que sob específicas administrações
faz muito mais mal para o meio ambiente do que bem. A EPA está num
processo de administração para eliminar as regulamentações para proteger
o meio ambiente desde a administração Bush. E ela fez a mesma coisa na
271
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
administração Reagan. Essas agências do governo simplesmente não têm
luz própria, elas respondem por custeios e por compromissos políticos.
Quando há representantes da indústria dirigindo o departamento de interior ou um advogado da associação de fabricantes como o diretor da EPA,
então esses são maus modelos. Em termos da Niosh, o seu índice de inspeção caiu para praticamente zero, desde que a administração Bush tomou o
poder em 2000. Por isso elas não são modelos ideais a serem adotados.
Há formas melhores e seria mais útil para o sistema global e para a saúde
humana se nações específicas tivessem suas próprias estratégias, em vez de
imitarem as que não funcionam bem nos Estados Unidos.
Dr. Mike Treder – Você disse que advogava uma moratória de
50 anos em pesquisa e desenvolvimento em Nanotecnologia. Você pode
nos dar um cenário real onde isso poderia se fazer cumprir no nível mundial? Como obrigar isso a acontecer?
Prof. Dr. Kenneth Gould – Nós estamos lidando aqui com
ideais. Procuraremos cobrá-los ao longo do desenvolvimento da Nanotecnologia. Estão vendendo a idéia de que ela vai ajudar a saúde humana e o
meio ambiente, no entanto, ela visa aos fins. Quando analisamos a escala
de patentes, onde estão elas? Estão em cosméticos, que são um desperdício de recursos naturais e de produção humana para itens de luxo.
Observando a projeção feita pela National Science Foundation sobre onde está sendo aplicada esta tecnologia, notamos que a área de saúde
humana e melhoria no meio ambiente é a menos atendida; por outro lado,
no topo dessa projeção, estão os semicondutores aeroespaciais. Sabemos
que há o aspecto dos benefícios sociais, mas o dinheiro não está ali.
O período de 50 anos foi um número que eu “chutei”, não sei de fato
quanto tempo demoraria. Uma coisa que reduziria isso... Eu não estou familiarizado com o trabalho de Michael Crichton, não li seu livro Presa,
talvez eu vá ver o filme quando sair no cinema. Basta ver o que aconteceu
com alimentos geneticamente modificados na Europa. Eu sei que há um
cenário de apocalipse tecnológico, mas, se os cidadãos tiverem condições de
diminuir, senão o processo de pesquisa, ao menos o processo de disseminação, teremos um grande avanço. Não é o caso de diminuirmos ou assumir272
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
mos o processo de inovação. O ideal é que criemos instituições como, por
exemplo, o Escritório de Avaliação de Tecnologias, nos Estados Unidos, o
qual existiu até que o presidente Reagan o desmantelasse.
Eu levaria o público para essas instituições, onde os objetivos sociais,
os objetivos de nossa trajetória tecnológica seriam estabelecidos pela população, não pelas pessoas da Monsanto, da Dow Chemical ou de qualquer
outra dessas indústrias multinacionais fabricantes de produtos para a defesa.
Essas são as pessoas que decidem o curso do futuro da humanidade e é força
demais em muito poucas mãos, com objetivos sociais muito limitados.
Prof. Dr. João Steiner – Temos uma resposta do Dr. Paulo
Martins e em seguida abriremos a discussão para o público.
Dr. Paulo Martins – Eu trouxe aqui a contribuição do Jurgen
Altmann, dado que nas minhas pesquisas da Internet ele apareceu com
um tema importante: as questões militares. Conforme eu disse anteriormente, esse autor foi convidado para uma série de debates feitos pela Comunidade Européia, até mesmo por Michael Rocco e por Renzo Tomellini.
Observando que outros antes de mim julgaram a contribuição de Altman
importante, resolvi trazer a contribuição dele para o nosso debate.
Eu diria que o uso de tecnologia pela indústria militar ou o impulso
que esta oferece às novas tecnologias é um elemento central no desenvolvimento do capitalismo. Portanto, se não ocorrer agora, em breve o desenvolvimento da indústria militar e a Nanotecnologia estarão unidos, como
em situações passadas estiveram juntas outras tecnologias.
A compreensão que se tem é de que a indústria militar exerce um
papel importante no processo de reprodução do capital. Muitas vezes, não
é preciso utilizar uma arma para declará-la obsoleta. Nós tivemos, por
exemplo, vários tipos de mísseis, alguns deles não precisaram ser usados
para serem declarados obsoletos. Simplesmente foram construídos novos
mísseis com mais ogivas, de maior alcance. Esse procedimento tem a função de – usando uma expressão do campo econômico – “queimar capital
morto” para introduzir um novo ciclo de produção quando o ciclo atual no
desenvolvimento do capitalismo está em baixa. Desse modo, teremos efeti273
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
vamente, dentro do sistema em que vivemos, uma interação entre a indústria militar e a Nanotecnologia em um futuro próximo.
Trata-se, como disse a Annabelle, de como trabalhar com isso. De
quanto tempo nós dispomos? Quais as implicações sociais? Evidentemente, nenhum de nós tem uma bola de cristal para responder exatamente
essas questões. Isso depende de uma correlação de forças políticas que vão
acelerar ou frear esse processo. Nos dias atuais, eu diria que a eleição
americana é um fator importante nessa questão. Efetivamente, há posturas
diferenciadas entre os candidatos que implicam na possibilidade de o processo ser mais ou menos acelerado. De fato, as implicações sociais serão
globais, na medida em que nós temos um país, uma potência cujas ações e
repercussões ocorrem de forma globalizada. Então, quem está no sul do
hemisfério – como é a nossa situação aqui – também vai sofrer, embora
indiretamente ou não querendo, esse tipo de ação.
A contribuição das Ciências Sociais, que eu trouxe de um pesquisador americano, Mark C. Suchman, nos alerta para verificar se o desenvolvimento ocorre em termos de nanates ou nanites, se tendendo mais para
uma ou para outra. Efetivamente não tenho a resposta para aquilo que o
Mike perguntou. Como é que fica nessa situação? Qual é a solução? Ainda que sejam uma solução do ponto de vista do capital, as guerras são cada
vez mais um problema crítico para a humanidade. Por quê? Porque a
capacidade de destruição do planeta é cada dia maior. Não se trata mais
da possibilidade de destruir uma cidade, ou a possibilidade de destruir um
país. Trata-se, na verdade, da possibilidade de destruir o planeta, portanto, de destruir a todos nós, espécie humana e não-humana. Capacidade e
poder para isso existem, não é um problema de novas descobertas a serem
feitas. E um novo crescimento da corrida armamentista tende a agravar a
situação.
Como dissemos, nenhum de nós sabe efetivamente se isso acontecerá ou não e daqui a quanto tempo. Acredito, no entanto, que poderemos
contribuir com reflexões que se adicionem às daqueles que estão inseridos
nas sociedades em que essas questões são mais presentes, como, por exemplo, os nossos colegas americanos. Dessa forma poderemos ver como isso
pode ser debatido com a sociedade, visando à uma ampliação do controle
social sobre esses elementos.
274
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Prof. Dr. João Steiner – Muito obrigado. Por favor, o primeiro, o
segundo e o terceiro participantes.
1o participante – Eu queria fazer uma pergunta ao Professor Kenneth
Gould. O senhor tratou de um fator interessante, que é a moratória de 50
anos, mas enfatizou muito o uso do processo democrático para isso e, como
exemplo, mencionou o Office Technology Assessment (OTA). Eu mesmo já
li vários relatórios do OTA, nos anos 80, que não são fáceis de digerir. Nos
Estados Unidos a maioria das pessoas não vota.
Dito isso, eu gostaria de saber: quais são, a seu ver, os processos democráticos e as instituições que devemos ter para auxiliar e apoiar esse processo
democrático, em se tratando de ciência e tecnologias que têm implicações muito complexas? Como foi colocado aqui, muitas questões não têm respostas
ainda.
O senhor poderia mencionar exemplos de outros países avançados que
estão construindo esse processo de apoio, de formulação de políticas em ciência e tecnologia, que estejam indo nessa direção?
Acredito que a solução nunca deve ser radical. Compreendo que o
senhor tenha colocado a questão para os próximos 50 anos a fim de chamar a
atenção para o problema. Poderia-nos ilustrar com exemplos práticos, nesses
países mais avançados, de instituições que procuram dar esse auxílio em formulação de política em ciência e tecnologia?
Prof. Dr. Kenneth Gould – Os Estados não estão buscando esse
caminho, pelo que eu sei. Por que um Estado gostaria de aumentar o controle
democrático sobre o seu poder? Os Estados Unidos não querem esse controle,
por isso estão indo na direção oposta, querendo ser muito mais dominados por
corporações transnacionais. Os governos estão se tornando todos cada vez
menos democráticos e cada vez menos ouvintes do seu povo. Como foi apresentado hoje pela manhã, há uma redução da democracia para a realização de
mecanismos formais e esses mecanismos são controlados e manipulados por
forças econômicas. Na verdade, a democracia tem sido descartada.
Atualmente, eu não tenho a oferecer nenhum exemplo maravilhoso de
um Estado ou de um grupo de elite do Estado que por sua própria vontade
275
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
devolva o poder para a população. Eu posso dar-lhes um exemplo local de
um processo para o estabelecimento de uma prioridade de orçamento para
a pesquisa e o desenvolvimento. Trata-se de Porto Alegre, onde se criou
um input democrático, um processo orçamentário que produz uma série de
prioridades para pesquisas científicas e para inovação tecnológica, o qual
responde às necessidades do povo, em vez de às necessidades de corporações transnacionais e das elites dominantes. Não pensei muito sobre o
assunto, mas me parece que, se é possível fazer isso para um orçamento
municipal, é igualmente possível para qualquer orçamento que tenha responsabilidade com os seus cidadãos.
O que nós precisamos em uma escala maior é de mais mecanismos
para uma forma mais direta de democracia, para pessoas que ativamente
participem. É claro que no meu país as pessoas não participam ativamente
de política, uma vez que estão muito distraídas, vêem tevê demais, vão ao
shopping e trabalham 60 horas por semana. Devido a esse ritmo de vida,
realmente não acontece muita coisa em termos políticos. Mas um dos motivos maiores pelos quais eles são desengajados politicamente é que não há
os tais mecanismos de engajamento. O processo democrático americano
envolve um comportamento ocasional de votar e isso não é democrático,
isso não é o povo no poder. Se temos uma estrutura alienante, temos também cidadãos alienados; mas se houver uma estrutura política incorporadora, haverá cidadãos ativos.
O problema das democracias é complexo e elaborado demais –
creio que você não vá querer me escutar falar disso. Isso, porém, é algo
absolutamente central nessa questão, visto que a Nanotecnologia nos leva
ao processo de controle da inovação tecnológica, que, por sua vez, nos leva
à estrutura da economia política. E como reestruturar a economia política? Descobrindo uma forma de as pessoas reavaliarem o desequilíbrio de
poder, a qual lhes permita reconstruir uma política econômica global que
atenda às suas necessidades, em vez de àquelas de uma elite global.
Prof. Dr. João Steiner – Muito obrigado Professor.
2o participante – Professor Kenneth, eu diria que me identifiquei completamente com as suas palavras e o seu entusiasmo. O senhor
276
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
falou de qualidades e isso me tocou muito, porque a ciência, desde Galileu
e Newton, tem sido absolutamente quantitativa. O aspecto qualitativo não
é considerado como aspecto científico, isto é, a ciência social, a ciência
humana. Postula-se atualmente que a ciência real tem de ser quantitativa.
Eu acho que para termos sucesso, segundo as suas idéias, temos de
mudar a forma como as pessoas vêem a ciência. A ciência deve ser expandida e não restringida, a fim de lidar com os aspectos qualitativos da natureza e do ser humano, entre outros fatores. Precisamos de um novo
paradigma científico e é muito importante mostrar que esse modelo deve
ser uma expansão do atual. Não é necessário limitar o paradigma, é preciso expandi-lo, mas, para isso, tem de haver uma premissa. Há um problema de visão mundial: se enxergarmos o mundo da forma como ele é visto
pelos cientistas de todos os assuntos – temos aqui uma universidade: os
humanísticos, os científicos, os técnicos –, não importa, todos vêem e olham
o mundo de forma específica, que pode ser resumida como materialista.
Tudo que lida com a matéria tem alguma importância, o que não lida com
ela não tem importância.
Essa visão mundial é o que está subjacente à maior parte dos problemas que enfrentamos agora na humanidade. Penso que o que precisamos é reconhecer a sabedoria que existe por trás da natureza em nós mesmos.
Existe uma sabedoria que nós não podemos quantificar, a qual devemos
respeitar. Não devemos dizer “vamos introduzir novos materiais sintéticos”, como você mencionou, e propagar que esses materiais vão ser melhores do que os objetos naturais que nós temos. Essa é uma forma de abordar
a natureza em geral, é preciso uma nova forma de lidar com a natureza,
com a ciência e com os seres humanos.
Infelizmente, Professor, o senhor veio até aqui em um momento
muito ruim. Nosso governo acabou de aprovar as sementes geneticamente
modificadas. Não era possível ter uma visão mais míope do que essa. Anteriormente, nós tínhamos todo o mercado europeu à nossa disposição,
mas, agora, nós o fechamos, uma vez que ele não aceita isso. É interessante que os europeus ainda tenham uma intuição sobre a natureza, talvez
devido à sua tradição, muito maior do que a dos norte-americanos e a de
nós, brasileiros – que tentamos imitar os americanos, achando que é a
melhor forma de fazer as coisas.
277
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
O senhor mencionou a moratória e imediatamente me lembrei de
Bill Joy, em seu paper “Por que o futuro não precisa de nós?”. É a solução
dele, também, para o problema de misturar Nanotecnologia, robótica e
engenharia genética.
Eu tenho uma proposta, que é obviamente utópica, mas temos de
ser utópicos para podermos sobreviver, pelo menos mentalmente ou emocionalmente. A minha solução não é uma moratória, porque acho que isso
não é possível em pesquisa. A ciência e a pesquisa devem ser o resultado
da liberdade, o cientista deve ter total liberdade nos seus estudos. Se ele
direcionar a pesquisa de alguma forma por causa de financiamento, de
forma econômica ou por meio de moratória, isso acarretará um dano maior
à humanidade do que se o deixarmos realizar sua atividade de preencher
sua curiosidade, por exemplo. O que nós podemos fazer a esse respeito é
conscientizar mais os cientistas sobre as implicações da sua ciência. O
próprio cientista deveria escolher o que ele vai pesquisar ou não. É um
problema que deveria ser dele. Creio que a pesquisa e o desenvolvimento
devem ser totalmente livres. Considerando isso, como nós podemos controlar o que vem daí? Acredito que, em termos de produção, a sociedade
deveria ter controle absoluto – e quando me refiro à sociedade não estou
falando de governo.
Todos os governos são unitários e os homens públicos acham que
conhecem melhor qualquer assunto do que qualquer outra pessoa. Penso
que deveríamos separar pesquisa, desenvolvimento e produção. Tudo deve
ser pesquisado, mas se vamos usar esses conhecimentos para produzir alguma coisa, aplicar em produtos para consumo, para atividades, nada disso deve ser decidido pelos cientistas, porque – como o senhor disse – não
existe nenhuma possibilidade de garantir 100% em resultados científicos
ou tecnológicos, 100% sequer existe em Física. Eu sou matemático e nós
costumamos fazer uma diferenciação entre físicos e matemáticos, dizendo
que o matemático é preciso e que o outro tem precisão mas não é preciso...
Minha contribuição aqui, portanto, é de que devemos separar pesquisa de produção e penso que a produção deveria ser decidida pela sociedade. Não acredito que isto tenha sido feito em lugar nenhum, infelizmente.
Mas essa poderia ser uma experiência interessante, tentar regularizar a
produção segundo o que a sociedade quer.
278
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Só gostaria de acrescentar uma última palavra. O Dr. Paulo disse
que nós agora temos condições de destruir o mundo. De fato, já conseguimos destruir o mundo desde décadas atrás. A diferença é que essa era
uma destruição nuclear, a qual todos conseguiam ver, e havia meios de
regulamentar isso, porque nós não fomos destruídos. Atualmente, há outra ameaça de destruição acontecendo, e o problema é que não está sendo
vista: por exemplo, a destruição do meio ambiente, o aumento da temperatura, o efeito estufa, também o problema de que não vamos ter condições
de escolher o alimento que queremos, dado que seríamos forçados a comer
alimento geneticamente modificado. A comida industrializada tem, em
geral, 60% de soja. Qualquer biscoito, qualquer coisa que comermos futuramente apresentará soja geneticamente modificada, o que não poderemos
evitar. Isso é uma tragédia que não poderemos contornar, mas deveríamos
saber o que está acontecendo. Na verdade, há uma destruição sub-reptícia
da humanidade.
Prof. Dr. João Steiner – Temos mais duas perguntas.
3o participante (José Manuel Rodrigues Victoriano) – Eu gostaria de fazer mais do que perguntas, algumas observações e comentários
sobre as apresentações de Kenneth Gould e Paulo Martins. A primeira é
sobre a sugestão de 50 anos de moratória. Seria essa uma maneira de
atualizar o princípio da precaução. Minha observação é que o princípio
ético da moratória se opõe ao princípio pragmático de que qualquer um
que produz lucro estará na frente. Nesse sentido, a única possibilidade
que ofereceria uma proposta desse tamanho seria um movimento social,
global, que tivesse uma forte capacidade de assumi-la como algo próprio,
no caso de essa ser uma estratégia adequada.
A segunda questão é mais propositiva. Eu acredito que devamos fazer
propostas relacionadas às reflexões dos Drs. Kenneth e Paulo, seguindo a
idéia de que muitas vezes os problemas políticos se resolvem com soluções
tecnológicas. Algo que as Ciências Sociais têm observado muito freqüentemente
é como os problemas sociais, econômicos e políticos se disfarçam em problemas
culturais. Freqüentemente, quando não se quer abordar um problema, uma
das estratégias é atribuí-lo à educação, lançá-lo ao futuro, por exemplo, para a
279
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
questão do meio ambiente, dizendo que é preciso educar as novas gerações
para o respeito ao meio ambiente. Essa é uma forma de ignorar o problema
agora, deixar o presente como está e parar as ações.
Nesse sentido, é muito importante a observação de que as soluções
tecnológicas nunca podem suplantar as soluções políticas. Esta é uma direção. Outro caminho que podemos utilizar nas Ciências Sociais está vinculado a uma proposta também feita pelo Dr. Paulo R. Martins, sobre o
papel dos cientistas sociais e tem a ver com a comunicação desses problemas. Este consiste exatamente no processo inverso, ou seja, a que problemas políticos as soluções tecnológicas têm de responder? Que problemas
ecossociais existem por trás dos problemas tecnológicos e quais poderiam
ser suas previsíveis conseqüências? Em outras palavras, trata-se de trabalhar na direção inversa, fazendo um mapa analítico de como determinadas
propostas tecnológicas incluem, nesse sentido, opções políticas, econômicas e sociais. Muito obrigado.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Em resposta a isso, eu diria que há
espaço para a atuação dos cientistas, e uma das coisas que podemos fazer
com a moratória é utilizar o tempo cuidando das nossas ciências ecológicas
e da saúde. Nós temos a estudar o impacto ecológico e na saúde pública de
mais de 40 mil compostos químicos, não só individualmente, mas também
os impactos sinérgicos. Se tivermos noção de quantos impactos sinérgicos
existem nesses compostos a serem estudados, certamente poderemos manter a pesquisa científica ocupada por muitas décadas. Com isso, provavelmente, faríamos muito bem, ao descobrirmos o que temos feito à humanidade
e ao meio ambiente, evitando assim acelerarmos esses grandes impactos
por meio de novos processos. Os cientistas não ficarão sem o que fazer.
4o participante (John Ryan) – Obrigado. Há muitos comentários que eu gostaria de fazer. Uma vez que o tempo está acabando, serei
breve e vou ao ponto central, a democracia. Acredito que a exposição do
Professor Kenneth salientou falhas na democracia americana, de maneira franca, mostrando que existe uma grande falha nos Estados Unidos
entre as corporações multinacionais e a forma como o governo está sendo
exercido.
280
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Gostaria de dar um exemplo do Reino Unido. Lá esse assunto de
participação industrial na Nanotecnologia ainda não aconteceu, não importando o quanto o governo tenha tentado fazer ou que as empresas invistam
em Nanotecnologia. Eles falharam grandemente. Acho que a situação americana não é necessariamente a mesma que em outros lugares do mundo.
Deixem-me voltar, agora, a uma pergunta sobre a democracia.
Kenneth Gould tem razão em dizer que o uso da energia no mundo está se
espalhando dramaticamente. Parte disso se deve ao uso excessivo na América do Norte, mas parte também ao fato de que países em desenvolvimento estão se tornando cada vez mais industrializados.
Este assunto levantado com a moratória me sugere que o Professor
Kenneth Gould alega que países em desenvolvimento não teriam condições de se desenvolverem; em outras palavras, eles não poderiam atingir o
padrão de vida que existe nos Estados Unidos. Isso me parece ser um
problema e eu não consigo ver o Brasil, a Índia ou a China aceitando esse
tipo de análise, ou qualquer um dos outros países do mundo que tenha a
ambição de chegar a um padrão material melhor.
Uma pergunta apresentada é se as pessoas devem ter a liberdade
de pesquisar. Concordo inteiramente com o comentário feito pelo colega: a
ciência e os cientistas devem seguir uma agenda. Ninguém aqui está advogando que estes devam decidir como essa informação deveria ser aplicada.
Sempre foi o caso – penso, pelo menos pela minha experiência – de esses
assuntos irem para a sociedade como um todo decidir.
O assunto democracia é interessante e sei que o debate vai continuar. Entretanto, espero que esse quadro negro que o Professor Kenneth
pintou sobre a tecnologia e os resultados dela seja contrabalançado com as
ambições normais das pessoas de melhorar o seu padrão de vida e com a
oportunidade de todos fazerem isso.
Prof. Dr. Kenneth Gould – Sobre a desigualdade Norte-Sul,
se os do Norte podem deixar de ser porcos agora, a qualquer momento?
Isso significa que não se pode suportar 5% da população mundial com
25% dos recursos mundiais. Nós temos recursos naturais limitados, nós
temos limites ao crescimento econômico. Desse modo, mesmo com todas
as brincadeiras tecnológicas que vamos fazer, nunca vamos expandir a soma
281
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
total de capacidade produtiva da conversão de recursos naturais em
commodities além do limite infinito do que está disponível, que é o estoque
mundial de recursos naturais. Isso porque nós temos uma sociedade, uma
economia global e outras individuais, todas baseadas na impossibilidade
total de crescimento perpétuo.
O termo que define isso, banalizado por algumas pessoas, é crescimento sustentável. Se colocarmos um peixinho em um aquário pequeno e
houver crescimento sustentável, o que vai acontecer? O peixe vai crescer e
vai arrebentar o aquário, porque seu tamanho será excessivo. Isso é a nossa
economia e o meio ambiente. Temos de analisar o futuro de uma economia
estável onde o desenvolvimento seja possível, mas o crescimento não. Crescimento e desenvolvimento são coisas totalmente diferentes.
As pessoas usam o termo crescimento para designar desenvolvimento. Há crescimento sempre, por todo o mundo, mas não vemos o desenvolvimento. Nos Estados Unidos, nós tivemos crescimento por 25 anos,
mas houve um “des-desenvolvimento”. Isso aconteceu em muitos lugares
do mundo. Qual é a solução? Se não se pode continuar a crescer infinitamente, é preciso somar o total dos recursos humanos. A resposta é, obviamente, uma redistribuição. Não podemos negar às pessoas as suas aspirações
a ter uma parcela justa ou igual de recursos naturais. Não podemos e não
precisamos, uma vez que a própria Terra vai negar isso às pessoas que
queiram consumir no nível americano, assim como vai negar aos americanos, um dia. Só depois de os Estados Unidos roubarem os recursos do
resto do mundo, poderemos ver o que farão com um bom exército. Se os
Estados Unidos tivessem de viver dos seus recursos naturais, a economia
americana simplesmente entraria em colapso e em uma semana acabaria.
Meu país não conseguiria viver só com aquilo que tem.
A resposta à pergunta apresentada é: em primeiro lugar não se
negam as aspirações legítimas ao desenvolvimento por pessoas em todo o
mundo. Em segundo lugar, não se pode alegar que se vai atingir as aspirações mundiais, dizendo que existe um crescimento infinito e que todos vão
viver em um nível insustentável de consumo de recursos, como os americanos fazem hoje. E, em terceiro lugar, a solução é a redistribuição de acesso
a esses recursos e à riqueza, e uma vasta redução do consumo de material
das pessoas no mundo industrializado, especialmente em lugares como os
282
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, que têm os maiores níveis de
consumo, mesmo se comparados com a Europa.
Prof. Dr. John Ryan – Eu concordo com o primeiro e o segundo
pontos. Quanto ao terceiro, como se faz isso?
Prof. Dr. Kenneth Gould – Podemos fazê-lo ressuscitando o
G77, as pessoas no sul assumindo seus governos, deixando-os se organizar e controlar seus recursos naturais e fazendo uma versão melhor do que
a Opep fez nos anos 70.
Ao controlar os seus próprios recursos, pode-se garantir a sua parcela; a Arábia Saudita, por exemplo, forçou a sua distribuição com muita
eficácia.
5o participante – Eu, assim como meu colega Imre Simon, entre
muitas outras pessoas, acreditamos que um dos assuntos atuais é a idéia de
que a sociedade vai se auto-regulamentar. Ou a tecnologia vai regulamentar a si própria? Atualmente acredito que isso é extremamente perigoso.
Nós não temos os meios de produzir energia limpa, mas vamos encontrar
um no futuro, permitindo assim o ótimo funcionamento da regulamentação, entre outras coisas.
Eu gostaria de parabenizar os organizadores deste simpósio, porque este cumpre um papel que é de todos. O que nós precisamos é exatamente tornar as pessoas conscientes dos problemas e mostrar que elas têm
de assumi-los e não apenas deixá-los aparentemente resolvidos por si mesmos ou por alguma evolução natural. Os humanos não são naturais desde
as cavernas, quando eles pintaram as primeiras figuras rupestres. Nós não
podemos simplesmente cruzar nossos braços e esperar que as coisas melhorem, uma vez que elas estão piorando cada vez mais. Por fim, creio que
uma das boas coisas a respeito deste evento é que ele traz à luz essas
questões. Acho que o senhor contribuiu muito para isso. Muito obrigado.
Prof. Dr. João Steiner – Paulo faça as suas considerações.
283
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Dr. Paulo Martins – Eu gostaria de comentar aquilo que o Prof.
Setzer mencionou sobre a destruição invisível pela qual passamos. Acredito que isso realmente vem ocorrendo. As formas de se tentar encobrir isso
são variadas e, ao longo do tempo, elas também têm sido, digamos, apropriadas por aqueles que as destroem. Muitos destes acabam por instituir
como mecanismo de propaganda um “marketing verde”, por exemplo.
Penso, no entanto, que vários países têm proposto se tornarem ambientalmente corretos e também partirem para a conquista da sustentabilidade.
Há alguns anos, tive a oportunidade de estudar uma bibliografia
sobre as propostas governamentais para tornar a Holanda um país sustentável. Efetivamente, houve ações nessa direção, mas o caminho percorrido
para a sustentabilidade da Holanda implica na insustentabilidade de outros países. Isso vai ao encontro daquilo a que o Professor Kenneth se
referiu, ou seja, a idéia de que há um padrão de vida, de consumo de
vários bens, de energia, que efetivamente não é possível compartilhar com
todos os habitantes da Terra. Estender o padrão americano ou europeu a
6 bilhões de pessoas é impossível.
Os países europeus elaboram propostas governamentais no sentido de
encaminhar a sustentabilidade interna, porém elas implicam na insustentabilidade externa. Na medida em que o padrão de consumo permanece – e em
alguns itens é capaz de aumentar – e para que a população daquele país tenha
acesso e mantenha o seu grau de consumo, outros lugares desse planeta acabam por ser tornarem insustentáveis. Efetivamente, há esse duplo padrão. O
senhor acabou de retratar isso como um movimento invisível, o qual, na época
da Guerra Fria, era explícito. Nessa época, nós tínhamos a possibilidade emergente e concreta de algum dos lados começar a detonar as bombas atômicas,
acarretando o desaparecimento de nossa espécie. Atualmente, isso é colocado
de um outro ponto de vista: alguns grupos podem ter acesso a esses recursos,
constituindo um desafio armamentista.
Portanto, essa destruição visível ou invisível do planeta não deve ser
descartada das nossas possibilidades de análise. É preciso contribuir para que
o risco da eliminação do planeta e da espécie possa ser realmente o mais baixo
possível. Não sei exatamente o que a Dra. Annabelle propõe para diminuir os
riscos. No meu entendimento, isso se resolve no campo da política. Não serão
soluções de caráter técnico, tampouco soluções elaboradas exclusivamente pe284
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
los cientistas sociais ou não sociais; a meu ver, elas devem ser projetadas no
campo político. Para se conseguir baixar esses riscos potenciais temos de caminhar para a consolidação de instituições democráticas que possam colocar isso
sob o controle da maioria da população, ou de mais pessoas, tornando-as (democracias) realmente representativas. É o que eu penso sobre essas questões.
Prof. Dr. João Steiner – Eu gostaria de agradecer a presença
de todos. Antes que o Dr. Paulo Martins faça as suas considerações finais,
eu quero, em nome das instituições que patrocinaram o evento, agradecer
a presença especial de nossos visitantes de outros países, que vieram aqui
especialmente dar a sua contribuição. É uma discussão totalmente incipiente
no nosso meio, mas é uma novidade muito importante para nós.
Eu quero fazer também aqui um agradecimento muito especial ao
Dr. Paulo Martins pelo esforço, um tanto quanto isolado, que ele fez durante muito tempo, para que este seminário se tornasse uma realidade.
Muito obrigado.
285
Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente
Encerramento
Dr. Paulo Martins – Quando conseguimos cumprir aquilo a que
nos propusemos, sempre é com alegria que chegamos ao final dessa atividade, tendo a certeza de que saímos melhores do que quando entramos
nela. Essa é a minha sensação. E principalmente porque, embora eu não
conhecesse pessoalmente muitos dos nossos convidados internacionais,
pude, por meio do contato direto, sentir o grau de solidariedade demonstrado por eles ao arcarem com todas as despesas financeiras para estarem
neste seminário.
Programamos a realização ao final deste evento de um show de
música popular do Estado de São Paulo, a qual denominamos música
caipira. Essa apresentação acontecerá neste auditório às 18 horas. Eu
gostaria de convidar a todos que tiverem disponibilidade para assistir a
esse show. Com ele pretendemos mostrar que a cultura é parte integrante –
e talvez a maior prova – da nossa concepção de que sociedade, meio ambiente e tecnologia estão devidamente entrelaçados.
Enfim, agradeço a todos e gostaria de dizer que nós pretendemos
continuar nessa trajetória. Esperamos revê-los no 2º Seminário sobre Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, o qual se realizará provavelmente no próximo ano. Muito obrigado.
286
Mesa 4: Nanotecnologia, inovação e meio ambiente
Entidades patrocinadoras
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miolo: Off-set 75g/m2
capa: cartão supremo 250 g/m2
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Número de páginas 288
Tiragem 500 exemplares
288