projeto de lei n.º 890/2006 altera o logradouro público que

Transcrição

projeto de lei n.º 890/2006 altera o logradouro público que
2006
N.º
Despacho
PROJETO DE LEI N.º 890/2006
ALTERA O LOGRADOURO PÚBLICO
QUE MENCIONA, RECONHECIDO PELO
DECRETO Nº 1.075, DE 22 DE JULHO DE
1977.
Autor: Vereador RUBENS ANDRADE.
A CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
D E C R E T A:
Art. 1º - O atual Viaduto 31 de março, situado nas I, III e XXIII Regiões
Administrativas, com início na Rua Santo Cristo, lado ímpar, em frente à Praça do
mesmo nome, e término no Túnel Santa Bárbara, com 2.470m de extensão, nele
incluídos os Viadutos São Sebastião e São Pedro – São Paulo, passa a denominar-se
Viaduto MOREIRA DA SILVA (Músico – Compositor – 1902 – 2000 - conhecido
como KID MORENGUEIRA).
Art. 2º - No cumprimento desta Lei, o Poder Executivo observará o disposto na Lei nº
20, de 03 de outubro de 1977.
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Plenário Teotônio Villela, 25 de junho de 2006.
Vereador RUBENS ANDRADE
JUSTIFICATIVA
A apresentação desse Projeto de Lei tem como objetivo homenagear uma figura humana de rara
capacidade de trato com a vida. ANTONIO MOREIRA DA SILVA, mais conhecido como KID
MORENGUEIRA ou simplesmente MOREIRA DA SILVA, viveu os últimos anos de sua vida
morando ao lado do VIADUTO, no CONJUNTO HABITACIONAL que fica quase ao lado da entrada
do viaduto, no Bairro do CATUMBI. Ao lado do SAMBÓDRAMO; Berço do samba carioca.
Contaremos aqui a história de um homem que viveu 98 anos, com o auxílio do jornalista baiano
Alexandre Augusto Gonçalves, autor do livro “O Último dos Malandros” (Record, 1996), em memória
a vida do artista consagrado. Isso aqui é um breve histórico da vida de Moreira da Silva.
Nasce um astro
O cantor e compositor Antônio Moreira da Silva, o Morengueira, criador do samba-de-breque, nasceu
no Rio de Janeiro. Há alguma controvérsia sobre a data exata de seu nascimento, mas é ele quem informa:
"Nasci em 1902, num 1º de abril, na rua Santo Henrique, hoje Carlos Vasconcelos, na Tijuca", disse à
revista Fatos e Fotos (11 de dezembro de 1973). E morreu em sua cidade natal, no dia 6 de junho de
2000. Filho de Dona Poladina e de Bernardino da Silva Paranhos, um trombonista da banda da Polícia
Militar do Rio de Janeiro que morreu de cirrose, o sambista nunca bebeu nem fumou, sempre trabalhou,
casou-se em 1928 e permaneceu casado por 56 anos com a mesma mulher, Maria de Lurdes Lopes
Moreira, a Mariazinha, a quem conheceu fazendo uma serenata no morro de São Cristóvão. "Nunca tomei
um porre em toda a minha vida", diria pouco tempo antes de morrer. "Não bebia e ainda fazia apologia do
leite?", escreveu o chargista Adail, quando de sua morte. Criado nos morros da cidade - "eu morei no
Morro do Salgueiro também" - e formado na zona boêmia do Mangue, Moreira encarou o batente cedo e
com uma assiduidade exemplar. Aos 9 anos foi para a escola. Mas logo deixou o Colégio Barão de
Pilares, na Tijuca, e foi à luta para ajudar a família. “Filho de pobre, quando morre o pai, a coisa fica
preta". Criança, vendeu doce nas ruas do Rio, entregou marmita e catou papel. Na adolescência, trabalhou
numa fábrica de meias, em Botafogo. "Andava oito quilômetros a pé por dia, com uma comidinha muito
fraca, que mal dava para enganar o estômago. "Depois, água por cima. Inchava o estômago, e eu passei a
sofrer do fígado." Levou a vida nesse sufoco até que, aos 19 anos, arrumou um emprego na fábrica de
cigarros Souza Cruz, onde começou a trabalhar como ajudante de motorista. Por essa época, já se
apresentava em festas de conhecidos e fazia serestas em que cantava modinhas de Hermes Fontes e
Cândido das Neves. "Fiz muitas meninas chorar, dando o meu recado em serestas". Uma dessas meninas
foi Jandira, a quem engravidou. A moça e a criança morreram no parto. Tempos de vacas magérrimas.
Chegou a trabalhar numa barraca na festa da Penha em troca de um prato de comida.
Em 1923 tirou a carteira de motorista e, antes de virar artista consagrado, foi chofer de táxi e, a partir de
1926, motorista de ambulância, acumulando as funções durante algum tempo para sustentar uma irmã e a
mãe. Ficou lá por doze anos. A Revolução de 30 foi encontrá-lo como motorista de Arsênio de Souza
Matos, secretário do prefeito Prado Júnior ("Um dos melhores prefeitos que tivemos nessa ex-capital
federal"), que fora ao palácio solidarizar-se com o presidente Washington Luís.
Como o bom malandro não anda sempre na linha, "que o trem pega", Moreira também tinha os pés bem
fincados na orgia. Durante a juventude freqüentou rodas de baralho, botequins e a zona do meretrício.
Conviveu com os malandros históricos da Lapa, gente como Brancura, Manoel Carretilha, Waldemar da
Babilônia e João Cobra. E com bambas do Estácio, como Marçal, Bide, Baiaco e Ismael Silva. Tornou-se
figura conhecida da boemia.. Apesar disso, a boemia para ele foi sempre na base da "canja e ovos
quentes". O vago-mestre (rei da malandragem) era consciente de seu lero: "Se me deixar falar, o ladrão
não me assalta. Se me deixar falar muito, eu tomo uma grana emprestada", dizia. "O malandro de hoje
anda armado de 45, matando motorista de táxi", indignava-se. Um contraste grande com o submundo que
conheceu, onde "a arma do malandro era a saliva, o papo, a baba de quiabo". Dizia que "antigamente,
você deixava o carro aberto e o máximo que entrava era mosquito. Crime era só passional.
A carreira
Foi dirigindo táxi que encontrou seu caminho: "Nessa época, meu principal passageiro era o compositor
Ismael Silva. Foi o Ismael quem botou na minha cabeça a idéia de transformar-me em cantor. Graças a ele
gravei meu primeiro disco", declarou Moreira em entrevista à Revista do Rádio, em 1965. "Nesse tempo
eu cantava muito nas horas vagas. Era seresteiro, dava o meu recado". Sua primeira incursão em disco foi
na Odeon, onde gravou dois pontos de macumba de Getúlio Marinho (Ererê e Rei de Umbanda, de 1931).
O primeiro sucesso veio com Arrasta a Sandália, de Aurélio Gomes e Baiaco (malandro histórico e
compositor da Deixa Falar, a primeira escola de samba), em 1932. Em 1934, passou a integrar o casting
do Programa Casé, na rádio Philips. No ano seguinte, estourou com Implorar, de Kid Pepe, Germano
Augusto e J. Gaspar, pela gravadora Columbia. Moreira afirmava que a primeira parte desse samba era
dele e que J. Gaspar "herdou" seus versos. Em 1937, César Ladeira o viu cantar no Cassino Atlântico, que
ficava no posto 6, em Copacabana, e levou-o para a rádio Mayrink Veiga. "Todo mundo corria para casa
para me ouvir cantar, como hoje corre para ver novela", disse sem modéstia. "Quando anunciavam o nome
do Moreira numa boate de lona [circo], aquilo enchia". Um ano depois, retornou à Odeon, onde gravou
Acertei no Milhar, de seus amigos Wilson Batista e Geraldo Pereira.
Em 1939, levado pelo cantor português Manuel Monteiro, viajou a Portugal, onde se apresentou no teatro
Politeama . Foi um sucesso: "Abafei, com meu passinho de malandro". Agradou tanto que fez uma
participação no filme A Varanda dos Rouxinóis. A década mudou e ele embarcou numa seqüência de
sucessos. Gravou Amigo Urso, em 1941, Fui a Paris (Moreira e Ribeiro Cunha) e Dormi no Molhado
(Moreira), em 1942. No ano seguinte, gravou Conversa de Camelô, de T. Silva e S. Valença. Em 1950 foi
contratado pela rádio Tupi, do Rio, e lançou seu primeiro long-play, pela gravadora Santa Anita. Em 1958
fez um novo retorno à Odeon, onde gravou o segundo LP, O Último Malandro, em que se destaca o
clássico Na Subida do Morro (Moreira e Ribeiro Cunha).
Um cantor diferente
Cantar numa época em que as ondas do rádio eram dominadas por canários como Chico Alves e Sílvio
Caldas, intérpretes sutis como Mário Reis e afetados como Carmen Miranda, - "no tempo em que cantor
tinha que esticar a veia do pescoço" - era um desafio gigantesco para Moreira. Mas encarnando a imagem
dos malandros autênticos, terno de linho branco HJ-S 120, sapato bicolor (“de pelica, ou botinha com
botões de madrepérola”) e chapéu panamá, o marido de dona Mariazinha convenceu e cavou seu lugar ao
sol. Moreira levou as melodias sincopadas de Geraldo Pereira ao radicalismo do samba-de-breque em
clássicos como Na Subida do Morro. Ele mesmo atribuía pouca importância à sua criação. "Eu queria
mesmo era ser advogado, ter o dom de falar como o Carlos Lacerda". Dizia que foi por acidente que o
breque apareceu, durante um show num cinema do subúrbio carioca do Méier, em 1936. "Foi por acaso,
como quase todas as descobertas dos cientistas. Eu estava cantando um samba fraquinho e decidi
interromper e improvisar umas falas só para brincar com a platéia", disse. "O Tancredo Silva me deu um
samba de quatro linhas (Jogo Proibido) e eu improvisei em cima: ‘Meto a solingen na garganta do otário e
ele geme, ai, ai, meu Deus. Não posso mais. Vou me acabar’. Aí nasceu o breque", declarou ao Jornal do
Brasil, em 1972. "O público aplaudiu de pé, e eu pensei: é aí que está o petróleo, malandro. Vou meter a
sonda".
Foi o ponto de partida para seus sucessos no gênero que fez o inferno na vida de um violonista conhecido
como Frazão, numa história que entrou para o folclore musical brasileiro. Depois de acompanhar Moreira
num show no Teatro Olímpico, o músico virou-se para o cantor e bronqueou: "Foi a primeira vez que
acompanhei conversa". Estava criado o rap caboclo, muitas décadas antes do Public Enemy. "O Luís
Barbosa já cantava esse samba fazendo uma espécie de breque corrido", afirmou Moreira em entrevista à
revista Ele & Ela (maio de 1982). Moreira teria dado o breque geral, falando de improviso sem
acompanhamento de instrumentos. Seu segundo samba-de-breque é o pouco conhecido Fui a São Paulo:
"Eu fui a São Paulo/Assistir uma partida/Da famosa Copa Roca/Em companhia da Maroca/Fiquei
satisfeito/ De ver nosso time se desenvolver/Traçando o couro pra valer... Depois veio Doutor em Futebol,
em que mostrava que para ter nome não era preciso ser doutor: "Basta saber controlar o caroço com
inteligência".
Moreira vira Kid Morengueira
Seu último sucesso, já na década de 60, foi o samba O Rei do Gatilho, de Miguel Gustavo, cuja letra
falava de um caubói que, como o Zorro americano, tinha por companheiro fiel um índio. Era o Kid
Morengueira, que passou a ser o apelido que o acompanhou pelo resto da vida. Miguel Gustavo compôs
outros sambas em seqüência à série que falava das aventuras do herói brasileiro: O Último dos Moicanos,
Os Intocáveis, Moreira Contra 007 e O Seqüestro de Ringo. Foi um renascimento do sambista, que graças
à parceria com Miguel Gustavo reconquistou as ondas do rádio, "já agora junto ao público mais
sofisticado da Zona Sul do Rio de Janeiro, graças a letras que exploravam situações engraçadas mais
próximas do interesse da chamada classe A", fuzilou o crítico José Ramos Tinhorão, com sua opinião de
pedra. Mas, coincidência ou não, é nessa época (1968) que Moreira se apresenta pela primeira vez numa
boate da Zona Sul, a Chez Toi.
Mas os tempos já eram outros. No final dos anos 60 ele se queixava da concorrência dos "cantores
cabeludos que estão dando sopa e que cantam até de graça para aparecer nos programas", dizia, ressentido
com a televisão. Em entrevista a Ilmar Carvalho, do Correio da Manhã, em 9 de abril de 1970, ele dizia-se
feliz com a venda de seus dois últimos álbuns (Os Sucessos de Moreira da Silva Continuam, 1968 e
Manchete do Dia, 1969, só com sambas inéditos) lançados pelo selo Cantagalo: 30 mil discos. "Isso
porque a gravadora não tem um plano de relações públicas (sic) e vendas para o Rio, onde tenho um
público bom e fiel", dizia. E explicava seu novo rompimento com a Odeon: "Apareceu gente mais nova,
ótimos profissionais, e os mais antigos, como eu, ficaram no come e dorme, sem cobertura da gravadora",
resignava-se. "Creio que Vôo Espacial vai fazer o sucesso de Amigo Urso", sonhava o velho malandro,
citando uma das faixas do disco Manchete do Dia. "O sucesso corre como água de regato. Às vezes pára
um pouco, faz aquele remanso, mas a onda vem de novo", diria em depoimento no Museu da Imagem e do
Som, em 1967. Mas o sucesso já era coisa do passado.
Final de carreira do malandro?
"O malandro, aquele malandro velho, sucumbiu", pontificava Moreira sobre a criminalidade daquele
início de anos 70, numa frase que soava como uma auto-referência. "Hoje, infelizmente, o que tem é
bandido, assassino", diria anos depois. Mas ele ainda tinha muita lenha para queimar. Em 1970 a EMIOdeon relança, pelo selo Imperial, o LP A Volta do Malandro, que abre com sua fantástica interpretação
de Gago Apaixonado, de Noel Rosa, compositor a quem sempre foi fiel. Em 1971, gravou Moreira da
Silva na Academia, alugou um fardão e dirigiu-se para a Academia Brasileira de Letras. Austregésilo de
Athaíde, o presidente da casa, não gostou da piada e barrou sua entrada. Sua briga com a ABL prosseguiu
até 1984, quando gravou Clã dos Imortais, do jornalista William Prado, criticando o sistema fechado da
entidade, que não aceitava mulheres. Em 1973, Ivan Cardoso rodou o documentário Moreira da Silva. No
mesmo ano, Moreira gravou pela CID o disco Consagração de Moreira da Silva, sem qualquer sucesso.
Mas garantia que seu burro estava na sombra: "Hoje não sou rico, mas ganho cinco mil cruzeiros por mês
com direito a aumento, tenho direitos autorais, fundo no banco e apartamentos, um na rua do Senado e
outro onde mora minha filha".
Já naquela época o mercado para o samba tradicional era São Paulo: "Aqui urubu está voando baixo. Em
São Paulo atuo no Canal 7 e na TV Cultura. Até recebi uma medalha de ouro na boate Jogral, onde só se
toca samba tradicional", louvou. Mas a porrada vinha embutida: "Só que gravam tapes pra todo o lado e
não nos pagam". A televisão já era a televisão. "Não posso me queixar da vida. Tenho uma rendazinha que
dá para enfeitar o babado". Em 1976, o velho malandro começou uma nova fase. Retornou aos palcos ao
lado de Jards Macalé ("É meu único aluno"). Apresentaram-se juntos no Projeto Seis e Meia, do Teatro
João Caetano. No ano seguinte, inauguraram o Projeto Pixinguinha. Passaram a fazer shows por todos os
cantos. Em 1979, participaram de um festival promovido pela extinta TV Tupi, com o samba, única
parceria da dupla, Tira os Óculos e Recolhe o Homem, que foi classificado, o que lhes valeu uma vaia da
torcida dos novos artistas, que afinal eram o alvo do concurso. A vaia não o abateu, mas ficou indignado:
"É a primeira vez que sou vaiado, pô!". Era fichinha para ele. Seu lugar no panteão dos grandes da música
brasileira já estava garantido como o criador do samba-de-breque, um gênero que marcou época. Em
1987, voltaram a fazer show juntos, em comemoração aos dez anos do Projeto Pixinguinha - e voltam a
excursionar.
Ainda em 1979 lançaria pelo selo Jangada (EMI/Odeon) o LP O Astro, "Talvez o melhor disco da carreira
de Moreira", no dizer de Tinhorão. No final do mesmo ano lançou novo disco, O Jovem Moreira, pela
Polygram, em que regrava Diplomata, de Henrique Gonçalves, composto em 1939 e Homenagem a Noel,
de sua autoria. Seu próximo álbum só apareceria sete anos mais tarde, pela Top Tape: Cheguei e Vou Dar
Trabalho (1986), em que inova ao oferecer 18 faixas aos seus fãs, entre elas - surpresa - A Volta do
Boêmio (samba-canção de Adelino Moreira, lançado em 1956, grande sucesso na voz de Nelson
Gonçalves) e Último Desejo (Noel Rosa, 1937), em que relembra seus dotes de seresteiro. Nesse disco dá
nova roupagem a outro samba-canção, As Rosas Não Falam, clássico de Cartola. Aos 84 anos ele já não
era o mesmo cantor que encantou multidões pelas ondas do rádio. "Um tanto forçado nas passagens de
nota, é verdade, mas ainda eficiente nos graves", analisaria o crítico Tárik de Souza. Mas ele seguiria em
frente.
Em 1989 entrou em estúdio com músicos do naipe de Dino Sete Cordas e Mauro Senise, para gravar o LP
50 Anos de Samba de Breque, pela CID/Fama. Nesse disco regrava mais uma vez Na Subida Do Morro, O
Rei do Gatilho e Acertei no Milhar. E ainda a crônica do sufoco do Rio às voltas com as enchentes em
Cidade Lagoa (Cícero Nunes e Sebastião Ferreira).
O jornal O Globo (30 de julho de 1990) registra algumas frases do depoimento: "Tem um tal de Cabral
que aparecia todos os domingos de carnaval lá em casa para comer feijoada. Hoje, ele só me escreve para
pedir voto".
Em 1991, Moreira foi escolhido pela prefeitura do Rio de Janeiro, para inaugurar com um show a
reurbanização da Lapa, o velho reduto da malandragem, dos bares e cabarés. Assim, ao ser convocado,
falou com hilariedade dos bons tempos do bairro da Praça Mauá: "Os táxis faziam ponto perto do
lampadário. Havia os botecos, a leiteria da Rua Visconde de Maranguape, os cabarés. A rapaziada corria
atrás das mariposas da Rua Joaquim Silva. Uma vez, quando eu era motorista de táxi, peguei um freguês
que me disse precisar de uma mulher. Fui à Joaquim Silva e botei uma mulher no carro. Seguimos para a
Vista Chinesa, mas quando chegamos lá o cara tinha dormido. Eu, então, executei a lebre".
Nos anos seguintes comemorou seus 90 anos com um show na boate People, e os 91 no Jazzmania, no
Rio. Estava em plena atividade. Em 1993 lançou Moreira da Silva Fotografando a Cidade, o primeiro CD,
em que reuniu os sucessos do período 1958-60, pela EMI/Odeon. E novamente grava Na Subida do Morro
e Olha o Padilha. Regrava também Conversa de Botequim, de Noel Rosa e Pistom de Gafieira, de Billy
Blanco. Em outubro, abriu a série de shows do Projeto Cultural da Caixa, no Teatro Nelson Rodrigues.
Em 1995, comemorou seus 93 anos na Ritmo, no Rio, com um show em que cantou vinte de seus sambas
mais conhecidos. Durante o espetáculo, foi entrevistado pelo jornalista Sérgio Cabral. O afilhado Jards
Macalé subiu ao palco mais uma vez com seu professor, para dele receber o bastão (o chapéu panamá),
pois o mestre estava oficialmente abandonando os palcos. "As pernas estão ficando bambas e, se não dá
para sambar, não tem mais graça", lamentava-se. "É uma honra ser herdeiro de uma crônica viva do Rio",
declarou Macalé. Fazia vinte anosque os dois haviam dividido pela primeira vez um palco, no show do
Teatro João Caetano. A triste despedida de Moreira não foi triste nem despedida. Já no ano seguinte ele
cantou no pequeno palco do bar Vou Vivendo, de São Paulo, um reduto do melhor samba encravado numa
esquina da Avenida Pedroso de Moraes, no bairro de Pinheiros. Embalado pelo sucesso do CD Os Três
Malandros, que dividiu com os sambistas Bezerra da Silva e Dicró, seu último disco, lançado no ano
anterior, Moreira não perdeu a irreverência e aproveitou para dar um chega-pra-lá no neo-samba da terra
da garoa: "Só vale o balanço".
Em 1996, finalmente, sai a primeira biografia de Moreira da Silva, O Último dos Malandros, do jornalista
baiano Alexandre Augusto Gonçalves, pela editora Record, baseada em depoimentos do sambista. O
jornalista João Máximo chamou a obra de livro de fã. Para ele faltou a análise da música de Moreira.
Máximo divide a obra de Moreira em duas fases. A dos grandes sambas com grandes parceiros - Amigo
Urso, Acertei no Milhar - e a da saturação, com a repetição de falas já manjadas no momento do breque.
Nesta segunda fase a temática empobrece. "O Moreira do 007, do filme americano, do último dos
moicanos, já não tinha o mesmo apelo", disse na resenha do livro. "Nos seus últimos tempos em forma,
era preferível ouvi-lo reviver Cigano, de Lupicínio, a emparceirar-se com Macalés, Dicrós e Bezerras",
escreveu o jornalista. Mais conhecido das novas gerações exatamente pela sua fase Miguel Gustavo, não
há como negar que o melhor do Moreira é exatamente o que foi gravado na chamada época de ouro da
música brasileira, os anos 30/40.
Seus 96 anos foram comemorados em grande estilo. Pela manhã, tomou café com crianças carentes
assistidas pela Legião da Boa Vontade. Queria se lembrar dos tempos difíceis da infância. Depois, Jards
Macalé e Ellen de Lima cantaram para ele seus antigos sucessos, no Teatro João Caetano. De lá, caminhou
acompanhado por uma banda para um almoço no tradicional Bar Luiz, na Rua da Carioca. Moreira ainda
ganhou um par de sapatos brancos de uma loja do centro e uma homenagem da Sociedade Amigos da Rua
da Carioca. Dois anos antes de sua morte, o velho Morengueira sonhava figurar no Guiness Book of
Records, como o cantor mais velho em atividade. E vivia a expectativa do lançamento na Austrália e em
Portugal de alguns dos 26 álbuns que gravou ao longo da vida. Ainda ativo, tinha na gaveta o samba-debreque Pra Fazer 97, em parceria com Reginaldo Bessa e Ecologia, com Aidran do Grajaú. É com Bessa
que ele se apresentou numa temporada no Vinícius Bar, no início de 1997.
Compra e venda de sambas
A autoria da obra de Moreira como compositor era questionada por ele próprio: "A necessidade faz o sapo
pular", dizia. "Já vendi e comprei muito samba". No começo da carreira, não: "Naquele tempo eu não era
muito esperto para pedir parceria, hoje eu peço", confessou em 1973. Moreira falava com tranqüilidade
sobre o comércio de sambas: "O esquema de entrar é o seguinte: o sujeito chega perto e diz: Moreira, eu
tenho este samba aqui, pode ter esquema de entrar... Quem me vendeu muita música foi o Zé Com Fome
(Zé da Zilda)", declarou ao Pasquim. Ele conta que pagou 150 mil-réis pelo samba Dormi no Molhado, do
Zé da Zilda. "O Francisco Alves comprava", entregou na mesma entrevista. Ao jornal Opinião confessou
ter recebido de presente a parceria do samba A Carne, de Nelson Cavaquinho. "Ele andava na pior, sem
amparo. Ele vendia por qualquer preço a música dele. Ele vendeu para um rapaz, o Roxo", disse. Foi das
mãos de Roxo que Moreira ganhou a parceria em troca de gravar o samba. Em depoimento ao Museu do
Carnaval, em 1990, ele seria franco e direto: "Paguei um conto e trezentos mil-réis ao Geraldo Pereira por
uma música. Era um bom dinheiro. Mas quando ele estava sem nenhum para pagar o quarto, me vendia
por 150 mil-réis, confessou. "Comprar música é subjetivo. Desde o começo da música os compositores
vendem suas canções", justificava.
Encarando a perpétua
Moreira dizia não ser saudosista, mas viveu se queixando das novidades que surgiram no meio musical, às
quais atribuía o fim de seu reinado: "Um Ari Barroso, um Noel Rosa, a gente tem que respeitar. Esses
meninos de hoje são muito água-com-açucar". No mais, se conformava. Só estranhava a explosão
demográfica: "Tá nascendo gente pra danar". Recebeu o ano 2000 sem cerimônias. "Velhice para mim não
existe. Parece que cheguei ontem ao planeta", dizia. Aos 97 anos, sua visão da virada do milênio era
trivial: "O que vier eu traço. Enquanto São Pedro não manda a ordem de captura, eu vou vivendo com
habeas-corpus preventivo", costumava dizer. Da janela do apartamento no Catumbi, onde vivia sozinho
desde que Mariazinha morreu, em 1983, ele mirava o cemitério, onde o jazigo número 6 o esperava.
"Meus futuros guardiães, que trabalham ali embaixo, me saúdam: não tem aparecido, seu Moreira. Eu fico
meio cabreiro e vou saindo de banda. Sai pra lá, mamão", esconjurava. Mas não temia e até desdenhava da
perpétua: "O futuro é uma caveira". E cantarolava: "Para fazer 97/Tem que ser malandro/Quem não pode,
não se mete/Que o bicho tá pegando". Atribuía sua vitalidade a uma mistura bem brasileira, mas com
nome gringo: "black and white". Não o uísque, que como já se viu não era seu forte. "Minha mãe era
black e meu pai era white".
Moreira viveu seus últimos dias com o que recebia de pensão como chefe de garagem do antigo Estado da
Guanabara, cargo em que se aposentou, e de uma pensão de compositor e cantor pelo INSS. Algo como
1.200 reais. "Dá pro gasto", conformava-se. Além, é claro, dos cachês de shows que fez até o fim. No
apartamento do bairro do Catumbi, ele via o tempo passar pela janela sem maior
afetação, na manha do gato, mamando e miando: "Passo a maior parte do tempo deitado, só
levanto para ver novela e futebol". Não tinha condições de andar pelas ruas do Rio, como gostava. As
pernas não se sustentavam mais. Tempos atrás ele se levantava, tomava o café-com-leite e saía para jogar
no bicho, conversar com os vizinhos e passear pela região central da cidade. Ia à Cinelândia, tomava uma
mineral no Amarelinho, comia um ensopado de quiabo batizado com seu nome no Paisano, como
registrou a revista de Domingo do Jornal do Brasil em março de 1992. Agora, quando saía, era de táxi.
"Estou com um pouco de dificuldade para andar por causa de uma cucaracha (barata) que matei na
banheira e acabei caindo", queixava-se. Apesar disso, Bessa estava produzindo o que seria seu último
disco. E a saúde parecia estável. "Há pouco tempo fiz um check-up e estava tudo certo: triglicerídeos,
colesterol... Minha pressão é 12 por 8", dizia, atribuindo sua forma ao ginseng para o corpo e ao Advil
para a dor-de-cabeça.
Morreu de falência múltipla dos órgãos, no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio, onde estava
internado desde meados de maio. Com sua morte, aos 98 anos de idade, foi-se embora o último malandro.
Malandro daqueles cantados por Jorge Ben Jor, que sabem que é bom ser honesto e são honestos só por
malandragem. No idioma de Morengueira: "Se um vigarista soubesse quanto é gostoso estar do lado da
lei, se tornaria honesto só por vigarismo". Este era o retrato fiel do Moreira. "A malandragem nunca
existiu para mim. Sou um bípede mamífero que sempre trabalhou", pontificava. "Hoje estou
humildemente, modestamente, na história do samba". Não teve filhos ("Fiz uma vasectomia natural por
causa de tanta farra"), mas adotou Marli, que lhe deu dois netos. Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Jards
Macalé, Elza Soares, Bezerra da Silva e Sandra de Sá, entre outros artistas, prestaram-lhe homenagem
póstuma num grande show no Canecão.
Esta Iniciativa significa uma tomada de posição, pela qual a Cidade do Rio de
Janeiro estará oferecendo sua homenagem para um ser humano especial, diferente de todos
da sua época, uma verdadeira e simpática figura do FOLCLORE CARIOCA.
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