Medida do campo magnético terrestre

Transcrição

Medida do campo magnético terrestre
Universidade de Coimbra
ELECTROTECNIA TEÓRICA | 2006/07
Trabalho prático no 2
Medida do campo magnético terrestre
• Objectivo
H
Pretende-se medir a componente horizontal do campo magnético terrestre 1 , B⊕
, utilizando o método
do galvanómetro das tangentes.
• Material
2 bobines, 1 bússola, 1 bateria, 1 multı́metro, 1 resistência variável, elásticos e fios.
• Método
Um par de bobines de Helmholtz2 cria um campo magnético horizontal, numa direcção perpendicular à
componente horizontal do campo magnético terrestre. Pelo princı́pio de sobreposição ficará nessa zona
um campo magnético que é a soma dos dois campos, o campo terrestre e o das bobines. Uma agulha
magnética aı́ colocada orientar-se-á segundo a direcção do campo total resultante. Assim, medindo o
ângulo de deflexão da agulha de uma bússola relativamente à direcção N − S magnética pode-se saber
por simples geometria qual é a componente horizontal do campo magnético da Terra em relação ao
campo criado pelas bobines. Este último pode ser calculado em função das caracterı́sticas das bobines
utilizadas e da corrente que as percorre. Obtém-se assim o campo terrestre.
No caso presente, usam-se duas bobines quadradas de lado `, com um enrolamento de N espiras, no ar
(permeabilidade µ ≈ µ0 ). As bobines utilizadas têm ` ' 8.6 cm e N = 350 espiras. O campo magnético
criado por uma corrente i no centro do conjunto é dado por (ver anexo 1),
B=
4µ0 iN
√
π 3 `
O campo magnético da Terra, B⊕ , é aproximadamente dipolar, com pólos localizados presentemente
a cerca de 11o dos pólos N e S geográficos (ver fig. 1). A origem deste campo está nas correntes
eléctricas associadas aos movimentos do lı́quido metálico (ferro e nı́quel) que se prevê existir no núcleo
do planeta.
Em cada ponto da superfı́cie da Terra o campo caracteriza-se pela sua intensidade, inclinação (i.e.
o ângulo que o campo faz com o plano horizontal) e declinação (i.e. o ângulo que a componente
horizontal do campo faz com o meridiano local) (ver fig. 2). Uma agulha magnética orienta-se segundo
as linhas de campo apontando portanto na direcção do pólo magnético. A inclinação do campo pode
ser observada com uma bússola vertical, enquanto que para a declinação se utiliza a bússola horizontal
habitual. Em Coimbra3 , presentemente (Agosto 2005), a declinação é D = −4.0o ± 0.2o , a inclinação
é I = (55.0 ± 0.2)o (cf. fig. 1) e a intensidade total do campo4 é B⊕ = (44.295 ± 0.013) µT.
1A
designação genérica de campo magnético tem aqui o significado de densidade de fluxo magnético.
bobines de Helmholtz consistem de um par de bobines colocadas paralelamente uma em relação à outra, separadas de
uma distância igual à sua dimensão. Mostra-se que o campo magnético criado pelas duas bobines é aproximadamente uniforme
na região central entre elas.
3 c.f. Instituto Geofı́sico da Universidade de Coimbra (http://www.uc.pt/iguc/dados magnet/ ) e National Geophysical Data
Centre, USA, 2004 (http://www.ngdc.noaa.gov/seg/geomag/geomag.shtml)
4 N.B. As unidades de campo magnético, Gauss e Testa, diferem entre si por um factor de 10 4 , 1 T = 104 G. O Gauss foi
a primeira unidade a ser usada e ainda é muito utilizada. Na latitude da Europa o campo magnético à superfı́cie da Terra é
cerca de 0.5 G. Todavia, a unidade S.I. é o Tesla.
2 As
eixo magne’tico
Ze’nite
N
Superficie da Terra
Oeste
B
D
Sul
Norte
I
B
Este
S
figura 1
figura 2
• Execução Experimental
1. Monte o circuito eléctrico da fig. 3. Alinhe o plano das bobines com a direcção N − S, indicada
pela bússola quando não passa corrente no circuito. A distância entre as bobines deve ser aproximadamente igual ao lado das espiras. Verifique bem se o sentido da corrente é o mesmo em cada
uma das bobines, pois, de contrário, os campos cancelar-se-ão mutuamente na zona central. A
bússola deve ser colocada horizontalmente, equidistante das espiras e sobre o seu eixo 5 .
A bússola deve ser mantida afastada de metais ferrosos, pois podem perturbar a orientação da
agulha da bússola. Em particular verifique a localização dos elementos estruturais da mesa,
parafusos, etc..., olhando por baixo do tampo.
2. Varie a resistência do circuito de modo a fazer variar a corrente que percorre as bobines e o ângulo
de deflexão da agulha. Tente escolher deflexões a que correspondam ângulos inteiros e anote os
valores da corrente que as produz (visto que é mais fácil ler no multı́metro digital do que na escala
da bússola). Estime as incertezas de cada medida (quer do ângulo quer da corrente) e anote-as.
Meça 7 a 10 pontos. Importante!: Interrompa o circuito sempre que não estiver a efectuar
medidas.
A
i
1KΩ
ε
N
l
θ
BH
θ
S
B
l
figura 3
5 Sugestão: utilize a caixa do multı́metro como suporte das bobines, fixando-as de ambos os lados com os elásticos. Nesse
caso, o eixo das espiras ficará aproximadamente ao nı́vel da superfı́cie da caixa.
• Análise dos resultados
1. Construa uma tabela com as medidas dos ângulos de deflexão, das correntes e incertezas respectivas6 (ver tabela 1). Expresse em radianos os ângulos e respectivas incertezas. Calcule os valores
do campo criado pelas correntes, e respectiva incerteza, σB , obtida por propagação da incerteza
na corrente7.
2. Represente num gráfico as medidas do ângulo de deflexão e do campo criado pelas bobines,
colocando o campo B em abcissas e o ângulo em ordenadas.
3. A relação entre o campo aplicado, B, e a componente horizontal do campo magnético terrestre,
H
H
B⊕
, é dada por B = B⊕
tan θ, sendo θ o ângulo de desvio da agulha da bússola relativamente ao
pólo magnético da Terra (ver fig. 3).
4. Como é fácil de ver, B varia linearmente com a tan θ. É pois particularmente conveniente fazer
a análise da relação entre os valores do campo e da da tangente do ângulo de desvio. Faça uma
tabela com os valores do campo B e da tan θ, incluı́do as incertezas (ver tabela 2). Note que
os ângulos devem estar expressos em radianos na equação de propagação de erros, ao passar de
σθ ; σtan θ , e que os erros σtan θ variam em geral de um ponto para o outro. Represente num
gráfico (outro) a tangente dos ângulos medidos, tan θ, em função dos valores do campo criado
pelas bobines, pondo tan θ em ordenadas e B em abcissas8 . Represente também as incertezas nos
valores da tan θ.
5. A função y(B) = tan θ =
1
H
B⊕
B representa obviamente uma recta que passa na origem. Faça pois
o ajuste de uma recta aos seus dados, do tipo y = a + bB, pelo método dos desvios mı́nimos
quadrados9 , onde a = 0 e b = B1H . O ajuste consiste na determinação dos parâmetros que melhor
⊕
H
descrevem os dados, a ± σa e b ± σb . Extraia o valor de B⊕
e a incerteza dessa determinação,
H
na forma: B⊕ ± σB⊕
H . Verifique se o valor que obteve para a ± σ a é consistente com zero, como
esperava.
6. Represente no seu gráfico de resultados, por sobre os pontos, a função y(B), obtida por ajuste a
essas medidas. Julgue criticamente o resultado por simples inspecção do gráfico, verificando se a
curva passa efectivamente pelo meio dos pontos experimentais.
~ ⊕ , calcule a intensidade local do campo magnético da
7. Sabendo a inclinação local do campo B
Terra.
i
i1
i2
..
.
θ
θ1
θ2
..
.
B
..
.
tabela 1
σi
σθ
B
σi 1 σθ 1
B1
σi 2 σθ 2
B2
..
..
..
.
.
.
σB
..
.
σB
σB 1
σB 2
..
.
tabela 2
tan θ σtan θ
..
..
.
.
6 Deparar-se-á com a questão de como estimar a incerteza na leitura de um aparelho de medida. No caso em que a leitura
é digital o número de decimais permitem-lhe estimar a incerteza da medida. Assim se p.ex. medir com duas casas decimais e
obtiver o valor 7.31, então, supondo que este valor foi arredondado, o seu intervalo de incerteza é [7.3050 . . . 1 , 7.31499 . . . 9],
pois para todos os valores deste intervalo obtém sempre aquele resultado, i.e., de facto tem 7.31 ± 0.005. Decorre daqui a regra
que diz que a incerteza é metade do decimal menos significativo.
7 Ver ”Notas sobre Análise de Dados”.
8 Escolheu-se pôr a tan θ em ordenadas porque as incertezas na tan θ são em geral maiores do que as de B, que se desprezam.
Isso simplifica enormemente a análise dos dados. Vide ”Notas sobre Análise de Dados”.
9 Ver ”Notas sobre Análise de Dados”. Para efeitos do cálculo dos parâmetros da função ignore as incertezas nos valores das
abcissas.
• Instruções para elaboração do relatório
O relatório não deve ocupar mais do que 2 páginas A4 10 e ter:
– tı́tulo;
– nomes dos elementos do grupo, cadeira, turma e data;
– sumário (3 a 4 linhas), contendo os objectivos, os métodos e os principais resultados obtidos;
– descrição dos métodos usados (5 linhas);
– descrição dos resultados, com tabelas e gráficos com legenda; os gráficos devem-se poder ler;
– discussão e conclusões.
– o relatório pode ser integralmente manuscrito.
Importante:
Tenha em atenção que só obterá resultados com significado se forem correctamente calculados os
parâmetros e respectivas incertezas. A utilização deficiente de programas comerciais conduz quase
sempre a resultados desprovidos de significado. Por esse motivo, aconselha-se vivamente a utilização
do programa de análise de dados desenvolvido especificamente para esta cadeira, e que está online em
www.fis.uc.pt. A utilização de programas para analisar os dados não o dispensa da responsabilidade
de analisar criticamente os resultados.
Com vista a facilitar a concretização do relatório, está online em www.fis.uc.pt um exemplo de um
relatório conciso e objectivo.
10 Pretende-se
desenvolver a capacidade de sı́ntese e a objectividade.
Cálculo do campo criado pelas bobines de Helmholtz
Seja um segmento recto de um circuito percorrido por uma corrente i. O campo criado por este troço de
circuito a uma distância a pode ser calculado pela lei de Biot-Savart.
~ =
dB
~ × r̂
µ0 i d`
4π r2
~ × r̂ = d` cos θ ê⊗ , (com ê⊗ a apontar
visto que (ver fig. 4) tan θ = ya , cos θ = ar , vem d` = dy = a sec2 θdθ, d`
perpendicularmente ao plano do texto, para lá);
dB =
Isto é
B=
µ0 i
4π
Z
µ0 i a sec2 θdθ
cos θ
4π a2 sec2 θ
θ2
cos θdθ =
−θ1
µ0 i
(sin θ1 + sin θ2 )
4πa
Uma espira quadrada tem 4 segmentos. Por inspecção da fig 5 conclui-se facilmente que num ponto sobre
o centro da espira, a uma distância `/2,
µ0 i
B=4
2 sin θ cos α
4πa
Se analisarmos a geometria vem a =
√` ,
2
b=
√
` 3
2 ,
sin θ =
√1
3
Assim, no centro do par de bobines de N espiras o campo é B =
i
l
y
dl
i
a
θ
dB
l
r
√
2
2
4µ
N
i
√0
,
π 3 `
e cos α =
a θ1
θ2
figura 4
B
i
α
θ
l
figura 5
θ
b
a
α
l
na direcção do eixo de simetria.
B